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Gustavo de Castro1
Verônica Brandão
Ceiça Ferreira
Resumo
“Os farrapos, os resíduos: não quero inventariá-los, e sim fazer-lhes justiça da única
maneira possível: utilizando-os.” (BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2006, p. 502
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Poeta, jornalista, escritor, editor e professor. Atua nos limites entre Estética, Filosofia, Antropologia e
Comunicação. Leciona desde 2004 na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB).
Tem treze livros publicados. Pesquisa a beleza brasileira: imaginários, complexidades, paisagens, a
relação da poesia com a mídia, o jornalismo literário, o sonho, a fantasia, as transcendências, o feio, os
afetos e as faces inconfessas do Brasil. Contato: gustavodecastro@unb.br
inspirado originalmente em S. Freud e S. Dali. Em "Confissões Inconfessáveis", Dali
diz que cagava nas gavetas onde sua mãe guardava roupas brancas e engomadas. Freud
associa o tema a poder, dinheiro e religião. Edgard Navarro busca em Freud e Dali as
bases para realizar o filme SuperOutro. A loucura do protagonista faz com que ele
distribua merda pela cidade de Salvador (BA). Após este ato ele se sente transformado
em super-herói ao se deparar com o cartaz do filme Super-Homem, na porta de um
cinema. Na frente do cinema ele é abençoado pelo orixá Oxumaré, mediante a ação de
uma baiana vendedora de acarajé. Oxumaré é a divindade do movimento, do arco-íris,
da fortuna e das recompensas. Verificamos que os temas escolhidos pelo cineasta baiano
serve-nos para explorar questões fortes, delicadas e polêmicas à cultura brasileira
(loucura, merda, orixás). Buscamos assim, a partir da noção assinalada (mas não
desenvolvida) pelo sociólogo Reginaldo Prandi, no livro Herdeiras do Axé, 1996, de
que o Brasil esconde, camufla e censura suas "faces inconfessas", como a própria
polêmica, o brega, o deboche, as visões "negativas" de país, entender que há uma espiral
do silêncio entorno de dois temas-tabu: as pombas-giras e a cultura da merda. Há
poucos estudos, quase nenhuma bibliografia e total silêncio na vida cotidiana brasileira
sobre o tema das pombas-giras, que são entidades sincréticas presentes no culto da
Umbanda, religião tipicamente brasileira, fusão de ritos africanos, indígenas, espíritas e
católicos, e nascida no país no início do século XX. Nestes cultos, vemos a aparição das
pombas-giras, que são a parte femininas do Exús, geralmente representadas por
prostitutas, que assumem a roupagem de conselheiras e protetoras. O tema do "lixo
social", representadas pelas prostitutas, se soma às pombas-giras, entidades espirituais
muitas vezes discriminadas/censuradas dentro do próprio culto afrobrasileiro.
Pretendemos com isso contribuir com reflexões acerca da maneira como se constrói
uma estética do baixo, do feio e do excremento (social e religioso) na sociedade
brasileira. Lembramos que o Brasil se constitui enquanto nação recebendo em seu
território o "resto" da Europa e da África. Relacionar aqui o tema da merda à cultura, às
mitologias e à espiritualidade é de suma importância na compreensão e na
reestruturação daquilo que chamamos de "Beleza brasileira".
O cinema e a literatura servem, entre outras coisas, para que possamos ver a sujeira
social. E a sujeira depende de quem vê, já dizia Mary Douglas. A literatura e o cinema
não devem mostrar apenas o que é “agradável aos olhos”. Em Pureza e Perigo, Douglas
diz que tudo o que não se enquadra nas classificações específicas que ordenam o mundo
pode ser considerado impuro, sujo ou perigoso. Os mendigos, por exemplo, a figura que
ele representa socialmente não corresponde ao “aceitável” no sistema vigente,
capitalista, portanto, na maioria das vezes, eles são vistos como seres imundos.
Não é que a merda seja sagrada, mas, em certa época, falar dela, foi circundar as
margens do sagrado, seja porque os sacerdotes Brâmanes a usavam para purificar o que
consideravam impuro, como aponta Dominique Laporte, em História da Merda. Pensar
a merda é especular sobre o “de-dentro” de modo que tudo o que advém daí pode parece
abjeto por um lado e sagrado por outro, já que implica o que é puro, natural ou íntimo.
O que vem das entranhas é essencial. Para as crianças e alguns povos primitivos, as
fezes são percebidas sem nenhum pudor ou tabu.
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Não é a ausência de limpeza ou de saúde, diz Kristeva, o que causa abjeção, mas o que
perturba uma identidade, um sistema e uma ordem. É aquilo que nãos respeita os
limites, os lugares e as regras. (Kristeva, 2004, p. 11).
A merda deve ser pensada como matéria ou produto corporal. Este produto deve ser
cogitado como algo...
O feio não causa apenas repulsa como comumente pensamos, mas possui também
intrínseco a característica da evocação e do chamamento. Segundo Julia Kristeva, em
Pouvoirs de l’horreur – Essais sur l’abjection (XXXx) há na própria repulsa uma força
de atração. O estranhamento possui fascínio. O personagem-narrador do romance A
Paixão Segundo G. H., de Clarice Lispector, sente nojo diante da barata mas também
desejo. Ali lemos: “A barata é pura sedução. Cilios, cílios pestanejando que me
chamam” (LISPECTOR, 19980, P. 60)
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O papel higiênico era objeto de colecionador para Flávio de Carvalho, conforme ele diz no livro Os
Ossos do Mundo (19XX). Ele colecionava papéis higiênicos dos países por onde viajava.
A pomba-gira no cinema
Referências bibliográficas: