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Cinema, merda, loucura e pomba-gira –

Estética dos excrementos (sociais e religiosos) no cinema de Edgard Navarro

Gustavo de Castro1

Verônica Brandão

Ceiça Ferreira

Resumo

Em dois de seus filmes, o curta-metragem O Rei do Cagaço (1977) e o média-


metragem, SuperOutro (1987), Edgard Navarro explora o tema artaudiano das fezes
("ser é merda"). Ao tema do "lixo social" se soma o das pombas-giras, entidades
espirituais muitas vezes discriminadas/censuradas dentro do próprio culto afrobrasileiro.
Pretendemos com isso contribuir com reflexões acerca da maneira como se constrói
uma estética do baixo, do feio e do excremento (social e religioso) na sociedade
brasileira. Lembramos que o Brasil se constitui enquanto nação recebendo em seu
território o "resto" humano da Europa e da África. Relacionar aqui o tema da merda à
cultura, às mitologias e à espiritualidade é de suma importância na compreensão e na
reestruturação daquilo que chamamos de "Beleza brasileira".

Palavras-chave: Merda; Pombas-gira; Edgard Navarro; Cinema; Brasil.

“Os farrapos, os resíduos: não quero inventariá-los, e sim fazer-lhes justiça da única
maneira possível: utilizando-os.” (BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte: Ed.
UFMG, 2006, p. 502

A abordagem narrativa de temas fortes e chocantes é uma marca estética do cineasta


baiano Edgard Navarro. A partir de seu cinema visceral e da sua filmografia desejamos
interpretar culturalmente nesta comunicação a recorrência à fuga da polêmica na cultura
brasileira. Esta fuga é o preço crítico a se pagar, no Brasil, com a incorporação do mito
da cordialidade. Cordialidade como registro fundante de nossa convivialidade. Em dois
de seus filmes, o curta-metragem O Rei do Cagaço (1977) e o média-metragem,
SuperOutro (1987), Navarro explora o tema artaudiano das fezes ("ser é merda"),

1
Poeta, jornalista, escritor, editor e professor. Atua nos limites entre Estética, Filosofia, Antropologia e
Comunicação. Leciona desde 2004 na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB).
Tem treze livros publicados. Pesquisa a beleza brasileira: imaginários, complexidades, paisagens, a
relação da poesia com a mídia, o jornalismo literário, o sonho, a fantasia, as transcendências, o feio, os
afetos e as faces inconfessas do Brasil. Contato: gustavodecastro@unb.br
inspirado originalmente em S. Freud e S. Dali. Em "Confissões Inconfessáveis", Dali
diz que cagava nas gavetas onde sua mãe guardava roupas brancas e engomadas. Freud
associa o tema a poder, dinheiro e religião. Edgard Navarro busca em Freud e Dali as
bases para realizar o filme SuperOutro. A loucura do protagonista faz com que ele
distribua merda pela cidade de Salvador (BA). Após este ato ele se sente transformado
em super-herói ao se deparar com o cartaz do filme Super-Homem, na porta de um
cinema. Na frente do cinema ele é abençoado pelo orixá Oxumaré, mediante a ação de
uma baiana vendedora de acarajé. Oxumaré é a divindade do movimento, do arco-íris,
da fortuna e das recompensas. Verificamos que os temas escolhidos pelo cineasta baiano
serve-nos para explorar questões fortes, delicadas e polêmicas à cultura brasileira
(loucura, merda, orixás). Buscamos assim, a partir da noção assinalada (mas não
desenvolvida) pelo sociólogo Reginaldo Prandi, no livro Herdeiras do Axé, 1996, de
que o Brasil esconde, camufla e censura suas "faces inconfessas", como a própria
polêmica, o brega, o deboche, as visões "negativas" de país, entender que há uma espiral
do silêncio entorno de dois temas-tabu: as pombas-giras e a cultura da merda. Há
poucos estudos, quase nenhuma bibliografia e total silêncio na vida cotidiana brasileira
sobre o tema das pombas-giras, que são entidades sincréticas presentes no culto da
Umbanda, religião tipicamente brasileira, fusão de ritos africanos, indígenas, espíritas e
católicos, e nascida no país no início do século XX. Nestes cultos, vemos a aparição das
pombas-giras, que são a parte femininas do Exús, geralmente representadas por
prostitutas, que assumem a roupagem de conselheiras e protetoras. O tema do "lixo
social", representadas pelas prostitutas, se soma às pombas-giras, entidades espirituais
muitas vezes discriminadas/censuradas dentro do próprio culto afrobrasileiro.
Pretendemos com isso contribuir com reflexões acerca da maneira como se constrói
uma estética do baixo, do feio e do excremento (social e religioso) na sociedade
brasileira. Lembramos que o Brasil se constitui enquanto nação recebendo em seu
território o "resto" da Europa e da África. Relacionar aqui o tema da merda à cultura, às
mitologias e à espiritualidade é de suma importância na compreensão e na
reestruturação daquilo que chamamos de "Beleza brasileira".

Merda e cultura brasileira

O que estamos chamando aqui de “beleza brasileira” é um complexo (ainda) indefinido,


por isso mesmo “unidade múltipla’, multifocal, plural, fomentada por tradições
(indígena, européia e africana) que costumamos chamar de sincrética e multicultural,
mas à qual é pouco problematizada enquanto unidade fechada, dita “mestiça”, visto que
sua aceitação pareça resolver o problema das convergências das diferentes tradições,
quando, no fundo, intuímos que o discurso desta convergência não significa sua prática.
A característica de cultura “múltipla” sugere um caráter sempre aberto. Este caráter
aberto, no entanto, parece não permitir a inclusão do “feio” no esquema geral desta
beleza e sua tensão constante. Fugimos dos incômodos. Entendemos a fuga e mesmo a
exclusão desta multiplicidade de temas que não nos interessam sincretizar. O feio, o
grotesco, o deboche, o caipira, a imagem do pilantra (representado na figura de “Zé
Pilintra” que é lido como o “malandro” e não como o irresponsável e desviante) ou a má
educação, assim como a figura da pomba-gira e a cultura da merda aparecem em nossa
oralidade e na cultura do dia-a-dia, mas não as vemos na imagem “múltipla” de Brasil e
de brasileiro quando evocadas “oficialmente” nos relatos dos antropólogos,
brasilianistas, críticos da cultura nacional e que tais.

O cinema e a literatura servem, entre outras coisas, para que possamos ver a sujeira
social. E a sujeira depende de quem vê, já dizia Mary Douglas. A literatura e o cinema
não devem mostrar apenas o que é “agradável aos olhos”. Em Pureza e Perigo, Douglas
diz que tudo o que não se enquadra nas classificações específicas que ordenam o mundo
pode ser considerado impuro, sujo ou perigoso. Os mendigos, por exemplo, a figura que
ele representa socialmente não corresponde ao “aceitável” no sistema vigente,
capitalista, portanto, na maioria das vezes, eles são vistos como seres imundos.

O imundo pode raramente provocar o in-mundo, que é a conversão para dentro do


mundo novamente.

Não é que a merda seja sagrada, mas, em certa época, falar dela, foi circundar as
margens do sagrado, seja porque os sacerdotes Brâmanes a usavam para purificar o que
consideravam impuro, como aponta Dominique Laporte, em História da Merda. Pensar
a merda é especular sobre o “de-dentro” de modo que tudo o que advém daí pode parece
abjeto por um lado e sagrado por outro, já que implica o que é puro, natural ou íntimo.
O que vem das entranhas é essencial. Para as crianças e alguns povos primitivos, as
fezes são percebidas sem nenhum pudor ou tabu.
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O principal propósito de nossas práticas higiênicas é fixar modelos para o


comportamento das pessoas, “as coisas nojentas são coisas perigosas para a ordem
intelectual”, sobretudo para a ordem que faz dos nossos hábitos um impedimento para
transgredirmos regras sociais que expressam por sua vez um sistema social.
(RODRIGUES, José Carlos. Tabu do corpo, 1980, p. 134).

Não é a ausência de limpeza ou de saúde, diz Kristeva, o que causa abjeção, mas o que
perturba uma identidade, um sistema e uma ordem. É aquilo que nãos respeita os
limites, os lugares e as regras. (Kristeva, 2004, p. 11).

A merda deve ser pensada como matéria ou produto corporal. Este produto deve ser
cogitado como algo...

Economia do impuro. O impuro é determinado pelo olhar do outro. “A impureza é o


signo mesmo de uma complexidade dinâmica, de um processo em marcha, algo que
ainda não encontrou o apaziguamento dos resultados acabados” (DIDI-HUBERMAN,
2005, P. 42)

O feio não causa apenas repulsa como comumente pensamos, mas possui também
intrínseco a característica da evocação e do chamamento. Segundo Julia Kristeva, em
Pouvoirs de l’horreur – Essais sur l’abjection (XXXx) há na própria repulsa uma força
de atração. O estranhamento possui fascínio. O personagem-narrador do romance A
Paixão Segundo G. H., de Clarice Lispector, sente nojo diante da barata mas também
desejo. Ali lemos: “A barata é pura sedução. Cilios, cílios pestanejando que me
chamam” (LISPECTOR, 19980, P. 60)

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O papel higiênico era objeto de colecionador para Flávio de Carvalho, conforme ele diz no livro Os
Ossos do Mundo (19XX). Ele colecionava papéis higiênicos dos países por onde viajava.
A pomba-gira no cinema
Referências bibliográficas:

CASTRO. Gustavo. Comunicação e Transcendência. São Paulo: ed. Annablume, 2013.


______ (Org.) Mídia e Imaginário. São Paulo: Ed. Annablume, 2012.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Venus rajada – Desnudez, sueño, crueldad. Trad. Juana
Salabert. Buenos Aires: Ed. Losada, 2005.
LAPORTE, Dominique. Histoire de la merde. Paris: Ed. Bourgois, 2003.
MORAES, Vanessa Daniele de. Passagens Abjetas. Florianópolis,Tese/UFSC, 2011.
PRANDI, Reginaldo. Herdeiras do Axé. São Paulo: EDUSP, 1996.
SLOTERDIJK, Peter. Crítica da Razão Cínica. Lisboa: Relógio D'Água, 2011.

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