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• Este rcxro foi •p~nr.do primdr•mcnrc no colóquio "Anrropologia conremporino c anrropologi• hisr6ric3,
Poris e M•rsdho, 1992; em seguid• foi publicado n• revisro Gmrm 13, no ourono de 1993, sob o rhulo
original que •dor•mos aqui; consriruiu ainda, com pequenas modificações, um dos apírulos dejrox d"ldHIIn.
IA micro-analyu à l'~xplrimct, obr• colcriv• sob • direção de J•cques Revel, edição de H •ures !:.rudes/
G• lli mard/Seuil, em 1996.
I. A respeito desse conrexro inrdecru•l e das proposições que de induz: "Hisroire et sciences soci•les. Un
tournan t cririque?", Annaln ESC, 43 (2), 1988, pp. 29 1-293; "Tenrons l'expérience", Annaln ESC, 44 (6),
1989, pp. 13 17-1323; B. Leperir e J. Revd, " L'cxp~rimenr21io n conrre l'•rbi rr•ire", Annaks ESC, 47 (I),
1992. pp. 26 1-265.
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são diversos, suas implicações teóricas são analisadas por seus promotores de
maneira mais prolixa do que exata, e a referência que a ela se faz (quantos livros,
quantos artigos efetivamente citados?) é às vezes mais encantatória que efetiva.
Além disso, o estatuto que se atribui à micro-história e o papel heurístico que se
pretende vê-la representar ainda não estão muito claros. Um estudo de caso nos
dará uma idéia dessa questão.
O último livro que Guy Bois dedicou à mutação da cristandade
ocidental por volta do ano mil é um livro ambicioso 2 . Intenta propor um
modelo que possa explicar a passagem, na Europa, de um sistema social
herdado da Antigüidade a um outro, nascido da revolução feudal e
gradativamente resultante dos efeitos do trabalho das famílias camponesas
e das comunidades aldeãs. Essa mutação principal de toda uma "economia-
mundo", entretanto, corresponde, na ordem empírica, a uma cabeça de
alfinete. Argumentando a partir de uma única aldeia de Mâcon, Lournand
-350 pessoas que vivem a um pulo da abadia de Cluny -. Guy Bois optou
conscientemente pela micro-história e explica por quê. Enumera vários
argumentos para justificar essa opção metodológica. O primeiro é da or-
dem da necessidade: a observação intensiva de uma célula elementar é tão
indispensável à análise do historiador quanto à do biólogo. O segundo
motivo é o cuidado de inverter o ponto de vista sobre a sociedade, apon-
tando a luz do refletor de baixo para cima, a partir das propriedades cam-
ponesas e das aldeias, e não do Estado e das cidades. A mudança de pers-
pectiva explica-se ao mesmo tempo pelo fato de que é "de baixo que se
2. G . Bois, Ln nwtnrion J, l'an mil Úmrnand, viiiAg• mt1ronnais tk I'Antiquitlau floda/ism,, Paris, f':ly:>rd, 1989.
Sobre os primeiros momentos d• forrun• critico do livro: " L.: An Mil. Rythma et octeurs d'unecroiss>nce",
Mldilvaln, 21, outono 1991.
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3. lbid., p. 239.
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o nível em que a operação deve situar-se (salvo, como vimos, que ele é abstra[Q),
nada sobre a natureza ou a extensão das classes que ela pretende caracterizar4• Essas
definições e as observações que elas induzem servirão, na seqüência, como grade
analítica.
O IDEAL DA TOTALIZAÇÃO
Sab!a mos que socia~ parricularmcnre, é um desses adjerivos a que se fez dizer ran ras
coisas, ao longo do tempo, que finalmente não quer dizer mais quase nada [...) Esrávam os de
acordo quan to a pensar que, precisamente, uma palavra tão vaga parecia rer sido cri ada [... (
por um dccrero nominativo da providência histórica para servir como ins!gnia pa ra uma revis-
ta que pretendia não cercar-se de muralhas [... ] Não exisre hisrória econômica e social. Exim•
a história, ponto final, em sua unidade. A hisrória que é inteiramenre social por definiçãos.
<1. A. l:llande, Vorabulaiu uclmiqtu rt rritiqunlt la philosophic, Paris, PUF, 1991 (l•ed. 1926); P. Ocyon,
A miem rapitalc p1'Duinrinlc. ÉwJc sur la soriltlurbninc nu XVI! sihlc, Paris/1.:11-bye, Mouron , 1967; C.
Ginzburg, Lc snbbnt Jn sorrihn, Paris, G2llimard, 1992 (I' ed. Turim, 1989); R. Brune!, Ln raru, moJc
J'nnplai, Monrpdlier/Paris, R.cluslf':ly:.rd , 1987.
5. L. Febvre, "Vivre l'hinoire. Propos d 'iniriarion", Combats pour 11Jutoirc, Paris, A. Colin, 1953, pp. 19-20.
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7. Sobre o.s a cegorio.s sociais: J.-C Perroc, Com au XVI/f sikk. Gmiudim~ viUe mod~mr, Paris/u Hayt:, Moucon,
1975. Sobre o.s sc.'ries cempornis: J.-Y. Grenier, "Quesrions sur l'hiscoire « onomique: lcs soci~cc!s preindusrrielles
edeursrythmes", RrvtudesymMu, li 6, 1984, pp. 451-48 1. Sobre o.s divisões do espaço: B. LepeiÍI, "Deux
si«.lcs de croissance région• le en Fronce: reg:ud sur l'hiscoriogrophie", em L Bcrgcron (cd.), Út rroissanr~
rfgionak dons I'Europ~ mMiurrrmlm11~, XVII!-~ si~rln, Paris, Ed. de I' EH ESS, 1992, pp. 21-42.
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8. J. Revd, "I.:hiscoire au ras du sol", prefkio a G . ~i. ú pouvoir au vil/a:~- Hisroiu á'un ocorrúu áans 1~
Pilmonr áu XVI! si«ü. Paris, Gallim:ud, 1989, pp. J.XX)(]J( , fornece as referências dos primeiros cacos
program~ricos do grupo.
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I O. Os parágrafos sq;uinres rm~erem a C. Gttm. SawirSDrial JaJJDirswbaL Ú1 lina tlu Jawir, Paris, PU F. 1986
{I' ed. New York, 1983); R. Darnron, ú pntl massarr~ tln cbau. Attitutl~s ~~ cmyancn tlans l'ancimn~
Franu, Paris, R. LafTonr, 1985 {I ' ed. New York, 1984) fEd. em porrugues: O Grantl~ MaJJacrr á~ Gatos ~
Outros EpuótliDJ tia História Cu/Jura/ Franma, Rio de janeiro, Graal, 1986 { N. da O rg.)); G . Uvi, "I Pcricoli
dd Gccm.ismo", Quatlffni storici, 58, 1985, pp. 269-2n.
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PO ll L' \1 A ' O \' A H I S T 0 R I A U ll 11 A ~ A
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ve:z. que o texto revela o contexto e que o contexto dá sentido ao texro, a análise
interpretativa fecha-se na circularidade: "e insomma un processo circolare in cu i i
crireri di verità e di rilevanza, turri chiusi nell'arrivirà ermeneutica costitutiva,
appaiono [...] rroppo arbirrari" 12• A inversão analítica implicada nessas objeções é
dupla. Leva a negar a permanência em proveiro da mudança; traz para a frente da
cena, antes ocupada pela atividade interpretativa do pesquisador, as capacidades e
os esforços de decifração do mundo dos atores do passado.
Histoirt d'rm e<orcistt, ltinirairu ouvritrs, Naissanu d'un langagt corporatif
quem não percebeu que os subdrulos dados a esses livros, que cabe inscrever sob
a insígnia da micro-hisr6ria, desenham a mesma estrutura analrrica? Mudança
do mundo camponês e das relações de poder no século XVII , dinâmicas famili-
ares e individuais na integração operária na cidade, modificação dos aspectos e
dos âmbitos da solidariedade coletiva numa capital do Antigo Regime: é um
quadro em movimento que se reconstitui a cada vez 1:l. Nenhum desses livros
justapõe recortes temporais regularmente espaçados para fazer o inventário de
suas semelhanças e de suas diferenças a fim de deduzir delas os processos atuan-
tes. Por outro lado, também nenhum deles é construído como uma crônica:
nem a exausrividade da reconstituição, nem a linearidade da narração estão
entre suas ambições. Não é o encadeamento dos faros, e sim o dos pontos de
vista analíticos e das modalidades sucessivas da observação (escolha das grades
12. G. l.Lvi, "I Pericoli dd Gecrrzismo", p. 273. [N. da T.: "e em s!n1c:se um processo circularem que os criu!rios
de verdade e de rdevincia, compleramente fechados na atividade hermenêutica constitutiva, parecem ...
arbiml.rios dern:ais"].
13. G. Levi, ú pouvoir ou villax~... ; M. Gribaudi, ltinlrttirt:l OUIJrim. Espom ~I xroupt:l stuioux i! Turin ou Jlbut
Ju ~ tihü, Paris, Ed. de I'EHESS, 1987; S. Ceruui, La 11ilk n In mltim. Naissonu J'un lnntat~
rorportt~i[(Turin, I 7-18' Tirck), Paris, Ed. de I'EH ESS, 1990. Tentei pôr em ptirica :as idt!ias dc:seO\-oh·idas
aqui: cf. Ler 11illn Jans la Franu moJ~m~ (1740-1840}, Paris, A. Michel, 1988.
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14. C f. P.·A. Roscncal, "Construire lc 'macro' pari c 'micro'. FrMrik Banh c da mirroJtDriá", in J. Revd.jnuc á'
kluUn, Paris, Haulcs t:cudes/Gallimard/Lt ~uil, 1996, p. 141 .
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tão para fazer emergir a figura, inédita em história, da oposição entre dois
modelos conceituais alternativos do social, com objetivos e esquemas
interpretativos divergentes. Alguns dos bloqueios denunciados em economia e
em sociologia encorajam a explorar-se outra via, esforçando-se por manter reso-
lutamente do lado do método a variação de escala. Dessas explanações que se
acaba de ler, deduzir-se-á que não se deve buscar principalmente os meios, nas
três disciplinas citadas. Uma caminhada num raio mais amplo se impõe. Mas,
de um campo a outro do saber, as transferências de modelo são coisas delicadas
-ainda mais quando concernem a proposições ecléticas. Convenhamos que será
feito aqui um emprego metafórico dessas proposições, com função de desloca-
mento e de exploração.
15. Enryrwpldi~ou Dirtionnairt raiJonnltin srimm, Jn arts tt Jn mltim, Poris, Lcbreron, 1755, vol. 5, p. 248
(vubere "tchdlej.
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entre a realidade e sua imagem, e em cada uma dessas duas esferas uma relação de
proporção entre as partes.
Uma aplicação mecânica do conceito explica ao mesmo tempo o descré-
dito em que caiu a noção de escala na geografia contemporânea e o pouco de
atenção teórica que lhe é dado. Paradoxalmente, somente uma escala cronológi-
ca, a escala secular, consta no índice dos "termos principais úteis para a análise
dos espaços e dos sistemas espaciais" que fecha o volume geogr:ifico da Nouv~IL~
mcyclcpldi~ d~s scimus ~ d~s tlchniqu~r 6 • O registro em escala pertence aos
I 6. F. Auriac e R. Bruner (eds.), Nouu~llr EnrytÚiplJü Jn sâmm rt Jn uchniqun. Espacn, jna tt mjna. Paru,
Fondorion DideroúFay:ud, 1986. A respeito da noç2o de escala em geografia, pode-se ponir de P. H:aggctr,
"Scale Componenrs in Geographical Problems", em R.J. O.orleye P. Haggerr (eds.), mnrim in ~phioú
'kachins, Londres, E. Arnold, 1965, pp. 1<18-163;).-B. ltacine, C.!Wfeslin e V. RufTy, "hldle etacrion.
Conrriburions /a une inrerpr~rotion du méc:anume de l'o!chdle d:uu la pratique de la g6>grophie", G~pl1ica
luh~tica, 5, 1980, pp. 87-9<1; J.-C. Boyer, "tchdles er acreurs", em CD/Jrcriffranrais tÚ tlos;rapbi~ sociak tt
urbain~. D~ la tlopphi~ urbain~ à la :lot;nzpbitstKÜtle. Snu n non-sms tk l't:sJNUt, C:aen, P=digme, 198<1, pp.
81-86.
17. R. Brune!, La caru, modtd~mploi, p. 45.
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muda-se também a 'óptica' e o nível de informação" 18, mas "nada indica que os
fenômenos e as estruturas mudam se o olhar que se projeta sobre eles se modifi-
ca"19. Escolher uma escala consiste então em selecionar um nível de informação
que seja adequado ao nível de organização a ser estudado. A uma geografia que
desejasse interrogar-se sobre a configuração de uma rede viária regional, um
mapa na escala 1:25 000 não acrescentaria nada, enquanto seria precioso para
quem desejasse compreender a relação entre a distribuição do hábitat e o traça-
do das estradas rurais.
Três dificuldades resultam dessa posição epistemológica. A primeira, mais
propriamente geográfica, refere-se à questão da continuidade. Como conciliar a con-
tinuidade fundamental do espaço real (passa-se, sem corte, da aldeia para o mundo)
com o caráter discreto das escalas em prática? Como, simetricamente, conciliar a
continuidade inerente à representação cartográfica com sistemas de relações que nem
sempre têm tradução espacial contínua? As duas outras dificuldades são mais gerais.
Trata-se inicialmente do risco de tautologia: como assegurar-se da existência de uma
realidade geográfica sem fazer previamente a escolha da escala que fornecerá sua ima-
gem? Quem conhece, por exemplo, o grau de completude e as características da rede
viária nacional, possuindo apenas, como era o caso da França até o fim do Primeiro
Império, mapas regionais ou departamentais? A passagem da noção de território à
de terreno, na proposição de Roger Brunet, é o sintoma da segunda. O terreno,
aqui, remete a uma configuração do relevo e a operações de triangulação e agrimen-
sura, e a questão da escala coloca-se somente num universo de medida - o topográ-
fico. O território, ao contrário, é uma formação espacial que não depende apenas da
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20. Eu •comp•nh •ria aqui P. Boudon, "Une archirccrurc mesur~c·, Critiqu~. i•n.-fcv. 1987, pp. 121 , 133, c iá.
(ed.), D~ l 'arrhiu rrurr ~ l'lpistlmaloti~· LA qun tion á~ l'l dulk, P2ris, PUF, 199 1.
21 . E. Viollcr-1c-D uc, Diniannair~ á~ l'arrbiurtur~foznraiu áu Xl' au XVI' si«<~. Paris, A. Mo...,J, 1861 , vol. 5,
vcr~rc "&hcllc", pp. 143- 153; 1864, vol. 7 , vcr~rc "Proporrion", pp. 532-561.
22. E. Viollcr-lc- Duc, ap. rit., "Proportion", p. 532.
23. JbiJ., p. 560.
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24 . /á. , ·~hdle", p. 14 5.
25. P. Boudon, "Une :uchireeturt' mesur~e· .
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26. C. Uvi-Scnuss, Ln pmsü sauva~~. Puis, 1962, ap. I, "u scicncc du concrcc''.
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27. B. M211ddbrot, Ler Dbj~tsfouuús. 2. ~. revisada, P:ll'is, Flammarion, 1984, ap. 2, "Combic:n mesu!<' la côtc
de b Brctagnc?", pp. 25 c 32.
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29. J.Tricart, " La géomorphologi., .,r la norion d 'échdl.,", R~vu~á~ slomorphoiDgi~áyMmiqu~. 111, 1952, pp.
213·218; A. C:UII•ux., J. Tricarr, "L. probl~m• d•la cl:wificarion dc:s f.tirs géomorphologiquc:s", Annaks á~
slogmp!Ji~. LXV; 349, 1956, pp. 162- 186; J. Trican, Prindpa ~~ mlthoáes áe la slomorp!JoiDgie, Paris,
Masson, 1965.
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algébrica. Como a hisr6ria, que aliás lhe emprestara todos os seus métodos
nesse domínio, a análise econômica esperava alcançar a totalidade ao fim de um
processo de decomposição seguido de uma combinação de escalas imbricadas.
Um argumento de irrealismo e a denúncia do caráter mecânico dos proce-
dimentos estatísticos adotados conduziram a análise das séries temporais, à custa
de inovações rápidas, a uma renovação profunda do instrumental disponível. Este,
em particular, inverte a conduta para tentar empregar métodos de explicação
integral e técnicas de decomposição simultânea que não postulam a priori um
esquema de estruturação temporal, e sim, ao contrário, procuram depreender da
série uma classificação dos acasos segundo sua periodicidade e localizar os fenôme-
nos de dependência ao longo do rempo 31 • Embora nenhuma atenção sisrem:hica
tenha sido dada a isso, tais métodos têm conseqüências importantes para o estatu-
to da escala temporal de observação. Na expectativa de um verdadeiro estudo, que
contribuiria para enriquecer a noção hisrorial do tempo, n6s nos limitaremos aqui
a algumas observações elementares, para uso local. Utilizaremos o índice Dow
Jones como ponto de partida. A trajet6ria descrita por esse índice da Bolsa há um
século é um "passeio ao acaso", a random walk. A marcha aleat6ria rem várias
propriedades matemáticas que explicam as características de seu comportamento
temporal: os retornos da série a seu ponto de partida são uma certeza; os interva-
los entre duas passagens pelo ponto de partida não têm valor médio, isto é, o
movimento não apresenta ciclo privilegiado; uma marcha ao acaso com expectati-
va nula não apresenta tendência {oscila em torno da horizontal), mas a amplitude
de suas Autuações vai aumentando com o tempo. Enfim , e esta é a característica
que destacaremos aqui, "rodas essas propriedades não estão ligadas a um período
31. Siria umpor,l/n. número suplememar de Hütoirr ti mnuu (1-2, 1991 ), coordenado por J.-Y. Grenicr,
constitui para os historiado res uma introdução sugestiva.
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privilegiado. Em qualquer escala que seja, elas são idênticas [... ]. Diz-se que as
propriedades do passeio aleatório são invariantes em relação à escala utilizada na
observação e em relação às referências temporais"32 • Essa invariabilidade em rela-
ção à escala temporal tem várias conseqüências: para o economista voltado para o
futuro, a impossibilidade de uma previsão que não seja aleatória; para o historia-
dor, voltado para o passado, a impossibilidade de desenvolver, à guisa de análise
da série, algo mais que uma descrição- ou uma racionalização ad hoc; para todos,
a inutilidade da busca de um sistema causal interno e totalizante para explicar o
conjunto da série. A série é uma seqüência de estados independentes.
Modifiquemos o modelo. A operação, ao menos em economia, não é
uma pura hipótese acadêmica: entre outras grandezas, o volume dos capitais, as
condições da produção ou do emprego são estoques modificados a cada mo-
mento por fluxos de entrada e de saída dependentes das condições econômicas
anteriores. Nesse caso, ao contrário do esquema precedente, a exisrência reco-
nhecida (pela análise espectral, por exemplo- mas o exame dos modelos "Arima"
levaria a colocar, embora de maneira um pouco diferente, a questão da escolha
da escala)33 de ciclos privilegiados numa série cronológica implica, na ordem do
conhecimento, a elaboração possível de um sistema explicativo causal e ao mes-
mo tempo, na ordem dos determinantes, a importância das referências tempo-
rais e da escala cronológica adotada. Na hipótese de que se possam considerar
séries cada vez mais longas, o prolongamento do período de observação, em
32. D. Zajdcnwdxr, "Chronique d'un nndonneur cemen:üre: le Dow Jones", HistDlrt' n m"urr, 1-2, 1991, pp.
132-133.
33. Segundo inrorm•ção de C:uo~e Vuler e P. A. Rosenral, "Atimà ~um m~rodo pon •n:llise e pr~5o cb.s sc!ries
tempor:üs que moddizo • monein como um fenômeno depende de uma combinação line:.r de seus próprios
valores p=dos, de flutuações precedenres (choques, inovações) e do valor pass:ado de ourru sc!ries rempor:üs.
M:Us de ralhes podem ser obridos em Lofi~M ttatistiqu~ n uonomltriq~ SAS, verbete "Atimà. (N. da Org.)
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35. M. Mcrlo u-Ponry, L~ vúibk ~tl 'invisiblt, Paris, I 964 (no ra de frabalho d.c 20 jan. I 960, pp. 279-28 I,
cifll~ão na p. 280).
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etc. "O olho continuamente ultrapassou os limites das classes, dos gêneros, das
espécies" 36• O saber, numa tal configuração, esbarra em dois obstáculos consi-
deráveis. De um lado, o observador, para descrever o mundo, está incapacitado
para reconhecer e adotar o bom ponto de vista e a justa distância: sua condição
humana opõe-se a isso. De outro, a escolha da escala de observação jamais
resulta verdadeiramente numa redução da diversidade do mundo e da singulari-
dade das coisas: um cacho de uvas não tem dois bagos semelhantes. A renúncia
ao conhecimento, entretanto, não é o desfecho dessa constatação sem ilusões. A
reflexão pascaliana sobre a unidade da nature-z.a não rejeita uma representação
da heterogeneidade do mundo - ao contrário, baseia-se nisso (lembremos o
grande fragmento "Desproporção do homem"). E a linguagem, pelo uso regula-
mentado de convenções, vem interromper, na escala escolhida para um mo-
mento, uma regressão sem fim .
"Uma cidade, uma campina, de longe são uma cidade e uma campina;
mas, à medida que nos aproximamos, são casas, árvores, telhas, folhas, grama,
formigas, pernas de formigas, ao infinito. Tudo isso se reveste com o nome de
campo"37.
36. L Muin. "Une ville, une ampagne, de loin ...: paysages pascalicns", ünbtlturr, 6 I, fev. 1986, p. 10.
37. B. Pascal, Pauln, n. 65· 115, em Orovrn mmpfjus, ed. por L Lafuma, Paris, Seuil, 1963. p. 508.
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