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Introdução
A discussão acerca da formação de professores pode ser feita em diversos âmbitos, pois se
trata de um campo amplo e complexo ao mesmo tempo, uma vez que envolve os mais diversos
interesses de investigação. Ao mesmo tempo, investigar aspectos da formação e atuação docente se faz
mais do que nunca atual, visto que a reflexão a respeito desse processo nos dias atuais está marcada
por mudanças significativas na sociedade e na crise do modelo moderno de educação escolar
(TEDESCO, 2008).
Contudo, quando se fala sobre formação de professores esta pode se dar no âmbito da
formação inicial, da formação continuada ou da formação em serviço. Nesse trabalho, a formação está
situada na formação inicial de professores de Física. O presente trabalho surgiu como resultado da
disciplina de Estágio Supervisionado I que compõe a grade curricular do curso de Licenciatura em
Física, da Universidade Estadual Paulista, campus de Ilha Solteira, São Paulo, Brasil. O Estágio
Supervisionado I tem o intuito de fornecer um primeiro contato do licenciando com a unidade escolar
e sala de aula por meio do conhecimento da estrutura física e organizacional da escola, da realização
da observação e acompanhamento do professor em atividades desenvolvidas durante a disciplina, bem
como por meio do oferecimento de monitoria aos alunos da unidade escolar no contra-turno das aulas.
Por meio desse estágio, o licenciando tem a possibilidade de conhecer a realidade a qual futuramente
estará inserido, de forma que ele possa visualizar os agentes que compõe o ambiente escolar, mais
precisamente aqueles que estão inseridos no cotidiano da sala de aula, o professor, o aluno, bem como
os diversos saberes que compõem a prática docente. Ou seja, considera-se o estágio “como um espaço
privilegiado de questionamento e investigação” (PIMENTA E LIMA, 2004, p. 112).
Os licenciandos podem vivenciar e experienciar o dia a dia do exercício da docência nas suas
diferentes frentes de atuação no exercício profissional, colocar em xeque suas concepções de
professor, de alunos, do processo de ensino e aprendizagem, etc. Diante da realização do Estágio
Supervisionado espera-se que o licenciando, o qual é o futuro professor, possa colocar em reflexão
todo o processo de ser e fazer-se professor. Ao mesmo tempo, esse processo é acompanhado pelo
professor orientador da disciplina de Estágio Supervisionado I, na Universidade, o qual busca por
meio da escrita de narrativas acompanhar esse processo de formação do licenciando. Ainda, partimos
do pressuposto de que o estágio é um espaço de muita aprendizagem, pois o licenciando pode fazer
uma relação entre a teoria estudada no contexto da Universidade e levar para o contexto escolar, já que
há, conforme Pimenta e Lima (2004, p. 41) “a necessidade de explicitar por que o estágio é teoria e
prática (e não teoria ou prática)”. Com as análises e reflexões realizadas sobre essa experiência, o
estagiário poderá futuramente aprimorar a sua prática.
Mas porque devemos narrar às experiências vivenciadas? O que elas proporcionam? Assim
como Delory-Momberger (2008, p. 36) entendemos que, “quando queremos nos apropriar de nossa
vida, nós a narramos”. Nesse sentido, pesquisadores, tanto no cenário nacional (SOUZA e
ABRAHÃO, 2006; NACARATO, 2008) quanto no internacional (CONNELLY e CLANDININ, 1995;
LARROSA, 1998;) têm se apropriado desse instrumento para compreender o campo da formação
docente e da docência. Marquesin e Nacarato (2011, p. 55) como formadoras, têm constatado que,
“cada vez mais, as narrativas têm se tornado ferramentas centrais aos processos de formação”. Larrosa
(1998) destaca o fato de que quando contamos, narramos nossas histórias e experiências para outras
pessoas, seja sob a forma escrita ou oral, estas deixam de ser somente nossas e passam a ser, a fazer
parte da vida de outras pessoas. Assim, o que era nosso passa a se misturar no tempo e no espaço com
o dos outros.
Para Galvão (2005), no processo da narrativa podem-se identificar pelo menos cinco níveis
de representação da experiência vivida: “[...] dar sentido, contar, transcrever, analisar e ler. E poder-se-
ia, ainda, acrescentar interpretar, uma vez que quem lê, necessariamente dá um novo sentido ao texto,
de acordo com suas vivências e referências” (p. 332). Ao mesmo tempo, partimos do princípio de que
estar em contato com o lócus prioritário do exercício profissional da docência proporciona
aprendizagens que estão diretamente ligada ao nível cognitivo, mas que possuem relação direta com o
afetivo. Dessa forma, a questão orientadora do trabalho é: O que narrativas de futuros professores de
Física, em situação de estágio supervisionado, revelam acerca da aprendizagem docente? De acordo
com Moreira (1999), as experiências afetivas podem acompanhar as cognitivas. É nesse sentido que o
presente trabalho se justifica ao trazer para análise e discussão narrativas de futuros professores de
Física com relação às experiências vivenciadas por meio da participação dos mesmos no estágio
supervisionado.
quando nós ouvimos as histórias dos outros e contamos a nossa própria, nós
aprendemos a dar sentido às nossas práticas pedagógicas como expressões do nosso
conhecimento prático pessoal, que é o conhecimento experiencial que estava
incorporado em nós como pessoas e foi representado em nossas práticas
pedagógicas e em nossas vidas. (CLANDININ, 1993, p. 1)
Metodologia
O presente estudo ocorreu no âmbito da disciplina de Estágio Supervisionado I de um curso de
Licenciatura em Física, da Universidade Estadual Paulista, câmpus de Ilha Solteira, São Paulo, Brasil.
A disciplina de Estágio Supervisionado I é composta de 195 horas e está organizada da seguinte
forma: 60 horas de aula teórica presencial na Universidade. Durante as aulas teóricas são realizados
seminários, leituras de textos e discussão, análise de narrativas, etc; 10 horas de conhecimento da
estrutura física e organizacional da escola; 30 horas de acompanhamento do efetivo exercício da
docência junto ao professor supervisor (Observação); 20 horas de monitoria de Física para alunos da
turma acompanhada; 20 horas de realização de Projetos, os quais podem se dar por meio de: i) Projeto
de ensino em sala de aula junto com o professor supervisor na mesma turma do estágio de observação
ou em outro horário da escola (máximo 08 horas); ii) Acompanhamento do efetivo exercício da
docência na Educação de Jovens e Adultos, Universidade Aberta a Terceira Idade (UNATI) desde que
não seja a turma de acompanhamento de observação (máximo de 10 horas); iii) Conhecimento de
espaços de educação não formal e informal desde que envolvam a área de Física/Ensino de Física e
sejam devidamente comprovadas (Feiras de Ciências; Planetários e Observatórios, etc) (máximo 06
horas); iv) Projeto e desenvolvimento de instrumentação para o ensino de Física e aplicação no
laboratório didático de Física da escola (máximo 10 horas); 20 horas de planejamentos relacionados ao
estágio: Planos de ensino de projetos de ensino desenvolvidos em sala de aula junto com o professor
supervisor; Planos de ensino de aulas experimentais; Planos de ensino de monitorias, os quais devem
seguir o Modelo entregue pela professora e constarem no Relatório Final; 30 horas de escrita e análise
das narrativas de observação, de monitoria e de acompanhamento do efetivo exercício da docência.
Dessa forma, toda a vivência proporcionada pelo estágio quando este está em contato com a
unidade escolar, seja em situação de estágio de observação, monitoria, projetos, etc, é narrada. As
narrativas são discutidas na Universidade com base na vivência do licenciando e relacionando-as as
leituras teóricas realizadas no decorrer da disciplina. Dessa forma, todos os futuros professores, a cada
ação no ambiente escolar, redigiam narrativas para posterior reflexão sobre as vivências, de modo que
estas pudessem tornar-se experiências. Desse modo, a escola, nesse caso, é entendida como o lócus de
formação, e a produção de narrativas, como forma de reflexão e de organização da experiência.
Sabemos que, não faz parte do cotidiano de trabalho da maioria das pessoas, registrar, sistematizar e
refletir sobre suas experiências, muito menos dos professores, o que torna essa discussão ainda mais
pertinente.
1
A escrita das narrativas está de acordo com a forma entregue pelo licenciando. Não passaram por revisão.
responsabilidade. Talvez seja demais, mas extremamente necessário para poder sair da sala de
aula em paz.
Percebe-se que o licenciando se impõe dois objetivos básicos: ensinar o conceito de calor e o
conceito de temperatura. É possível verificar as expectativas quanto a sua atuação e o comportamento
dos alunos, o que acaba aumentando sobre si o nervosismo e a insegurança. O licenciando se depara
com expectativas não correspondidas, sentimento de fracasso e o processo de assumir, dividir ou
terceirizar a culpa. Essa narrativa evidencia ou demonstra o que aponta Moreira (1999, p. 170, 171) ao
ressaltar que, o evento educativo é uma troca de sentimentos, ou seja, “um evento educativo é também
acompanhado de uma experiência afetiva [...] pensamentos, sentimentos e ações estão interligados,
positiva ou negativamente”. Ao perceber as dificuldades do aluno o primeiro passo do futuro professor
é assumir a culpa, dividi-la ou terceirizá-la. No caso da narrativa, sente-se que o futuro docente
assume a culpa, levantando possibilidades de assumir competências que não são de sua obrigação,
para, segundo ele, “poder sair da sala de aula em paz”. Para os futuros docentes é necessário refletir
até onde vai à aceitação da licitude de não conseguir ensinar. Perguntamo-nos se, com essa nova
preocupação de se responsabilizar por outras competências, o futuro docente não estaria colocando em
perigo sua saúde mental, extrapolando a própria capacidade e tencionando sua saúde emocional. Pois,
se o futuro docente está se dedicando além de sua competência na intenção de sair da sala de aula em
paz consigo mesmo, com o sentimento de dever cumprido, qual será a sua reação, caso mesmo com
toda essa dedicação, ele não tiver essa sensação?
Narrativa 2
Chegado o dia, fiquei com medo de não vir nenhum aluno , o que talvez não seria nenhuma
surpresa, mas o contrário ocorreu, três alunos os quais não eram os que mais demonstravam
interesse nas aulas compareceram a monitoria. O planejamento para esta aula já estava feito a
um bom tempo, porém como havia várias listas a serem resolvidas e eles estavam com dúvidas
de como foi a prova, resolvi aplicar o planejado junto com resolução de exercícios. A
monitoria foi basicamente sobre a lei de Coulomb [...]Debati a teoria com eles e fui buscando
montar a lei de Coulomb tentando usar as mesmas analogias feitas pelo xxxxxx [professor da
turma], porém dei muita ênfase a física e busquei fazer tudo com mais calma.
Surpreendentemente chegamos juntos a informação de que a intensidade da força elétrica tem
que ser proporcional à distância dos corpos de interação. Foi um momento muito especial,
pois sei que não é fácil para muitos alunos chegarem a esta conclusão. Segui em um ritmo
lento e pausado até chegar na lei de Coulomb, não senti forte aceitação pela equação, mas ao
menos vi que os alunos prestavam atenção e as vezes até faziam perguntas. Na segunda parte
da monitoria, dediquei a exercícios da lista e um da prova que eles fizeram dias atrás. Nessa
parte fica obvia a dificuldade com a matemática. Sendo assim a aula foi mais de como usar a
matemática do que como interpretar a física. Mas não fico frustrado , pois sei que entender um
pouco da matemática já é um bom passo para tentar compreender a física e os futuros
problemas que irão surgir. Ao final da monitoria, os alunos me agradeceram, disseram que
gostaram e me perguntaram se sempre teria. Diante da minha resposta afirmativa, se
mostraram animados e prometeram comparecer sempre que possível. Essas falas são sempre
muito gratificantes para mim.
Nessa narrativa é possível perceber o sentimento de medo. É implícito que o medo carrega as
mesmas angústias da primeira narrativa. O medo traz o temor do fracasso, da possibilidade de não
dominar o conteúdo tão bem quanto supõe que deveria, do nervosismo, da insegurança, da expectativa
não correspondida. Isso se revela na narrativa ao discorrer sobre a construção da compreensão da Lei
de Coulomb, ao não deixar claro como foi feito o tratamento da questão de proporcionalidade da
relação entre Força e distância, a qual fica expressa na narrativa apenas como “proporcionalidade”,
sem entrar no mérito da relação se direta ou inversamente.
Antevendo dificuldades, o futuro docente já se prepara para passar o conteúdo em ritmo
lento e pausado, o que é possível aumentar, consideravelmente, o entendimento da matemática por
parte do aluno. A surpresa, o momento em que o medo é superado, o plano de aula se mostra efetivo, e
o aluno se enuncia satisfeito e o futuro docente se percebe em paz. A narrativa oportuniza perceber um
momento de interligação entre a dimensão cognitiva do processo de aprendizagem ao considerar o
nível conceitual do conteúdo trabalhado, mas também uma dimensão afetiva, conforme passagens
indicadas no corpo da narrativa.
Algumas considerações
Por meio da análise das narrativas foi possível verificar que, o futuro professor em contato com a
experiência de estágio, ao ter que ministrar aulas de Física, pode se deparar com alunos com
dificuldades não só do conteúdo de Física, mas também de outras áreas do conhecimento como
matemática e língua portuguesa. As narrativas também evidenciam que a aprendizagem significativa
da docência não está desvinculada da aprendizagem afetiva. Verificamos, por meio das narrativas, que
a aprendizagem afetiva está relacionada a sinais internos do indivíduo, as quais perpassaram por
experiências como prazer, satisfação ou descontentamento, ansiedade, medos, frustações. Mais do que
a satisfação em termos da aprendizagem cognitiva dos alunos, os licenciandos demarcam nas
narrativas seus sentimentos. Isso mostra o quanto é relevante o trabalho realizado em termos de
orientação no âmbito dos estágios curriculares quanto a formação do futuro professor, uma vez que a
aprendizagem significativa da docência está intimamente relacionada a aprendizagem afetiva e esta
pode ser decisiva no processo de constituição do futuro professor.
Referências
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