Sie sind auf Seite 1von 539

 

Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
1
República Federativa do Brasil Gestora Operacional
Presidente Cristiane Anita Furlanetto
Luiz Inácio Lula da Silva
Professores-autores
Ministério da Educação
Ministro da Educação Manifestações Rítmicas e Expressivas
Fernando Haddad Ana Carolina de Souza Silva Dantas Mendes – IFB
Jane Dullius – UnB
Secretário de Educação a Distância
Carlos Eduardo Bielschowsky Fundamentos Sócio-filosóficos da Educação Física
Elvio Marcos Boato – UCB
Fundação Universidade de Brasília Ivanor Ranzi – UNIP
Reitor
José Geraldo de Sousa Junior Psicologia da Educação
Cláudia Maria Goulart dos Santos – UnB
Decana de Ensino de Graduação Raquel de Melo – UnB
Márcia Abrahão Moura
Fundamentos Fisiológicos da Educação Física
Secretário de Administração Acadêmica Julia Aparecida Devidé Nogueira – UnB
Arnaldo Carlos Alves Keila Elizabeth Fontana – UnB

Faculdade de Educação Física Práticas Curriculares II


Diretor Lucila Souto Mayor Rondon de Andrade – UnB
Jonatas de França Barros Luiz Cezar dos Santos – UnB
Juarez Oliveira Sampaio – UnB
Coordenadores de Cursos em Educação a Distância
Alcir Braga Sanches Equipe de Produção
Iran Junqueira de Castro
Coordenação de Produção do Material Pedagógico
Gestora de Projetos em Educação a Distância Voxtec Engenharia e Sistemas Ltda.
Adriana Amidani
Gerente de Projeto
Técnico de Informática – Administrador Plataforma Moodle Rômulo Moura Afonso
Jitone Leônidas Soares
Design Instrucional – Coordenadora da Equipe de
Universidade Federal do Amapá Produção do Material Pedagógico
Reitor Élina Maria Pereira Gonçalves
José Carlos Tavares Carvalho
Design Instrucional Material Impresso
Coordenador de Curso EaD Carla de Oliveira Santos
Demilto Yamaguchi da Pureza
Design Instrucional Telas Web
Gestora Operacional Silvane Friebel
Wanja Corrêa da Silva
Webdesign
Universidade Federal de Rondônia Daniel Bastos Bomfim
Reitor
José Januário de Oliveira Amaral Revisão
Acrísio Fernandes Sobral de Medeiros
Pró-Reitora de Graduação
Nair Ferreira Gurgel do Amaral Ilustrações
Aurélio Marcos de Macedo
Coordenadora de Educação a Distância João Rafael Correa Lima
Sônia Ribeiro de Souza Sandro Canedo

Coordenador do Curso Diagramação


Daniel Oliveira de Souza Aurélio Marcos de Macedo

E24 Educação física a distância : módulo 3 / Alcir Braga


Sanches, coordenador. _ Brasília : Universidade de
Brasília, 2008.
534 p. ; 28,3 cm.

Conteúdo: Manifestações rítmicas e expressivas / Ana Carolina de Souza Silva Dantas


Mendes, Jane Dullius – Fundamentos sociofilosóficos da educação e da educação física/
Elvio Marcos Boato, Ivanor Ranzi – Psicologia da educação / Claudia Maria Goulart dos
Santos, Raquel de Melo – Fundamentos fisiológicos da educação física / Julia Aparecida
Devidè Nogueira, Keila Elizabeth Fontana – Práticas Curriculares II / Lucila Souto Mayor
Rondon de Andrade, Luiz Cezar dos Santos, Juarez Oliveira Sampaio.

1. Educação física – ensino. 2. Educação a distância. I.


Sanches, Alcir Braga (coord.).
CDU 796:37
Sumário
ÍCONES ORGANIZADORES.......................................................14

APRESENTAÇÃO DO MÓDULO 3 ..............................................15

MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS


APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ..........................................................21

Objetivos ................................................................................................23

1 De Volta ao Corpo ................................................................................25

1.1 Concepções de Corpo ................................................................................................26

1.1.1 Conceitos Abordados em Outras Disciplinas .........................................26

1.1.2 Corpo como Totalidade ..................................................................................27

1.2 Conceito de Movimento .........................................................................................30

1.3 Fundamentos da Consciência Corporal ..................................................................33

1.4 Coordenação Motora ...............................................................................................36

1.4.1 Lateralidade ................................................................................................36

1.4.2 Movimento das Pequenas e das Grandes Articulações ..............................37

1.4.3 Movimento das Partes e do Todo ..............................................................38

2 Ritmo: Um ou Muitos Conceitos? .......................................................41

2.1 Ritmo no Senso Comum ...........................................................................................42

2.2 Conceito Ampliado de Ritmo .....................................................................................42

2.3 Diversidade de Ritmos .............................................................................................44

2.3.1 Ritmo Fisiológico ........................................................................................45

2.3.2 Ritmo Interno e Ritmo Pessoal ....................................................................46

2.3.3 Ritmo Grupal ..............................................................................................47

3
Sumário

2.3.4 Ritmo Universal ..........................................................................................48

3 Nas Ondas da Música .........................................................................51

3.1 Conceito de Ritmo na Música ................................................................................52

3.2 Elementos da Notação Rítmica Musical .................................................................54

3.2.1 Para Começar, Vamos Observar Propriedades Importantes do Som ...........54

3.2.2 Escrita Musical ............................................................................................55

3.3 Expressividade Musical ..........................................................................................60

3.3.1 Efeitos e Influências da Música Sobre os Seres Humanos ..........................63

3.3.2 A Música em sua Atividade Docente .............................................................64

4 “Pense e Dance” .....................................................................................67

4.1 Conceito de Dança ..................................................................................................69

4.1.1 Conceito de Arte ...........................................................................................69

4.1.2 De volta à Dança .........................................................................................71

4.2 Elementos da Dança ................................................................................................74

4.2.1 Espaço .......................................................................................................75

4.2.2 Tempo ........................................................................................................79

4.2.3 Intensidade ................................................................................................80

4.3 Ritmo na Dança ........................................................................................................82

4.4 Expressividade na Dança .........................................................................................83

4.4.1 Manifestações Rítmicas Expressivas ...........................................................83

4.4.2 Composições Coletivas ...............................................................................85

5 Finalmente, para Começar ...................................................................87

5.1 O Ritmo e o Desenvolvimento Humano .....................................................................89

5.1.1 Ritmo Harmônico .........................................................................................90

5.1.2 Conhecimento das Manifestações Rítmicas Expressivas Culturais ..............90

5.2 Desenvolvimento da Prática Docente .......................................................................91


Sumário

Glossário ..................................................................................................94

Referências Bibliográficas ......................................................................95

Bibliografia Recomendada ......................................................................96

Filmes Recomendados .............................................................................97

Sítios Recomendados ...............................................................................98

PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ........................................................103

Objetivos ...............................................................................................104

1 Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem: Contribuições

para o Ensino .........................................................................................105

1.1 Psicologia: Ciência e Senso Comum ...................................................................106

1.2 Psicologia do Desenvolvimento .................................................................................107

1.3 Psicologia da Aprendizagem ....................................................................................111

1.4 Contribuições da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem para o

Contexto Escolar ..........................................................................................................115

2 Aspectos Individuais e Cognitivos do Desenvolvimento e da

Aprendizagem .......................................................................................119

2.1 Introdução à Teoria do Desenvolvimento Cognitivo de Piaget ................................120

2.2 Conceitos Básicos ..................................................................................................121

2.2.1 Esquemas ou Estruturas ...........................................................................121

2.2.2 Assimilação ...............................................................................................121

2.2.3 Acomodação .............................................................................................122

2.2.4 Equilibração ...............................................................................................122

2.3 Estágios do Desenvolvimento Cognitivo ..................................................................122

2.3.1 Estágio Sensório-motor ............................................................................123


Sumário

2.3.2 Estágio Pré-operacional ............................................................................125

2.3.3 Estágio das Operações Concretas ............................................................128

2.3.4 Estágio das Operações Formais ................................................................130

2.4 Desenvolvimento do Julgamento Moral .................................................................132

2.5 Contribuições para o Contexto Escolar ..................................................................135

3 Influência de Fatores Sociais nos Diferentes Aspectos do

Desenvolvimento e da Aprendizagem .................................................139

3.1 Teoria Sócio-histórica de Vygotsky ..........................................................................140

3.1.1 Introdução .................................................................................................140

3.1.2 Conceitos Básicos .....................................................................................140

3.1.3 A Relação entre Desenvolvimento e Aprendizado ......................................146

3.1.4 Contribuições para o Contexto Escolar .......................................................149

3.2 A Teoria Psicogenética de Henri Wallon ..............................................................150

3.2.1 Introdução ................................................................................................150

3.2.2 Estágios do Desenvolvimento ..................................................................151

3.2.3 A Contribuição de Wallon para o Contexto Educacional ...........................156

4 Análise do Comportamento e a Construção de Repertórios Relevantes

no Contexto Escolar .............................................................................161

4.1 Introdução ..............................................................................................................162

4.2 A Concepção da Análise do Comportamento Sobre a Educação ...........................164

4.3 Utilização de Conceitos e Princípios da Análise do Comportamento para Descrever

o que Ocorre no Contexto Escolar ..............................................................................167

5 As Infuências Emocionais na Atividade Física Escolar ..................181

5.1 Introdução ..............................................................................................................182

5.2 Ansiedade, Ativação e Estresse .............................................................................183

5.3 Agressividade .........................................................................................................189


Sumário

5.4 Bullying ..................................................................................................................191

6 Desenvolvimento das Habilidades Sociais no Contexto de Aulas de

Educação Física Escolar .......................................................................193

6.1 Habilidade Emocional ............................................................................................195

6.2 Treinamento de Habilidades Mentais e Auto-regulação ........................................197

6.3 Comportamento Pro-social .......................................................................................201

6.4 A construção de uma Equipe .................................................................................203

6.5 Exemplos de Avaliações de Grupos ........................................................................205

7 Estabelecimento de Objetivos e Orientação às Metas em Aulas de

Educação Física Escolar ......................................................................209

7.1 Estabelecimento de Objetivos ................................................................................210

7.2 Orientação às Metas ..............................................................................................211

7.3 Satisfação, Divertimento e Interesse Intrínseco ......................................................212

8 A Importância do Clima Motivacional e Percepção do Conceito de

Habilidade para os Diferentes Aspectos do Desenvolvimento e da


Aprendizagem no Contexto Escolar .....................................................217

8.1 Clima Motivacional ..................................................................................................218

Glossário ...............................................................................................224

Referências Bibliográficas ....................................................................229

FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA


APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ........................................................237

Objetivos ..............................................................................................238

1 A Filosofia ............................................................................................239

1.1 Para que Filosofia? ................................................................................................240


Sumário

1.2 Do Mito à Reflexão – O Nascimento da Filosofia ..................................................241

1.2.1 Mas o que é o Mito? ...............................................................................241

1.2.2 Mito e Religião .......................................................................................244

1.2.3 Outras Atribuições do Mito .....................................................................245

1.2.4 O Mito no Esporte .................................................................................246

1.2.5 A Filosofia ..............................................................................................248

1.2.6 Mas, enfim, o que é Filosofia? ..............................................................250

1.3 Filosofia e Ciência ................................................................................................252

1.4 Ideologia ................................................................................................................253

1.4.1 Ideologia na Propaganda .........................................................................259

1.4.2 Ideologia na Propaganda Política ............................................................260

1.4.3 Ideologia nas Aulas de Educação Física .................................................261

1.4.4 Ideologia no Esporte ...............................................................................262

1.4.5 Ideologia e Alienação ..............................................................................265

1.4.6 Alienação no Esporte ...............................................................................269

1.5 Vencendo a Alienação – Do Senso Comum ao Bom Senso ..................................272

1.5.1 Senso Comum ..........................................................................................272

2 Sociologia ............................................................................................277

2.1 Para que Sociologia? ..............................................................................................278

2.1.1 A Sociologia e seu Processo Histórico .....................................................281

2.1.2 Por que Estudar Sociologia? .....................................................................283

2.1.3 Sociologia no Esporte ..............................................................................284

2.1.4 Secularização ..........................................................................................285

2.1.5 Racionalização ........................................................................................287

2.1.6 Imaginário Social .....................................................................................288

2.1.7 O Corpo ...................................................................................................290

2.1.8 Narcisismo ...............................................................................................293


Sumário

2.1.9 Individualismo ..........................................................................................294

3 Considerações à Respeito dos Fundamentos Sócio-Filosóficos da

Educação Física .....................................................................................297

3.1 Da Educação Física do Senso Comum para o Bom Senso da Eduacação Física ..298

3.1.1 O professor de Educação Física só Tem Músculos ...............................298

3.1.2 A Educação Física é Igual a Esporte ....................................................300

3.1.3 A Educação Física é Igual a Culto Narcísico ao Corpo .........................305

3.1.4 A Educação Física não Tem Papel Pedagógico na Escola ....................308

3.2 Refletindo sobre a Educação Física- O Papel da Ética ........................................311

Glossário ................................................................................................320

Referências Bibliográficas ....................................................................322

FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA


APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ........................................................329

Objetivos..............................................................................................330

1 Transferência de Energia no Corpo .................................................331

1.1 Introdução à Transferência de Energia ..................................................................332

1.2 Transferência de Energia no Corpo Humano .......................................................335

1.2.1 Trifosfato de Adenosina: a Moeda Corrente da Energia ............................336

1.2.2 Fosfato de Creatina: O Reservatório de Energia .......................................338

1.2.3 Oxidação Celular .....................................................................................339

2 Consumo de Energia durante Repouso e Atividade Física ..............347

2.1 Liberação de Energia pelo Alimento.......................................................................349

2.2 Liberação de Energia pelos Carboidratos .............................................................351

2.2.1 A Glicólise Anaeróbica .............................................................................352

2.2.2 Metabolismo da Glicose para Glicogênio e do Glicogênio para Glicose..353


Sumário

2.2.3 Liberação de Hidrogênio na Glicólise ......................................................354

2.2.4 Formação de Lactato ...............................................................................354

2.2.5 Ciclo do Ácido Cítrico ...............................................................................357

2.2.6 Transferência Total de Energia pelo Catabolismo da Glicose ..................359

2.2.7 O que Regula o Metabolismo Energético? ..............................................359

2.3 Liberação de Energia pelas Gorduras ...................................................................360

2.3.1 Adipócitos: Local para o Armazenamento e a Mobilização das Gorduras .361

2.3.2 Efeitos Hormonais ....................................................................................362

2.3.3 Catabolismo do Glicerol e dos Ácidos Graxos .........................................363

2.3.4 Transferência Total de Energia a Partir do Catabolismo das Gorduras ....364

2.4 Liberação de Energia pela Proteína ......................................................................365

2.5 Inter-relações entre Carboidratos, Gorduras e Proteínas .....................................366

2.5.1 Conversão da Glicose para Gordura ........................................................368

2.5.2 Conversão da Proteína para Gordura ........................................................368

2.5.3 As Gorduras Queimam em uma Chama de carboidratos .......................368

2.5.4 Um Ritmo mais Lento de Liberação de Energia pela Gordura ..................369

2.6 Transferência de Energia no Exercício ...................................................................370

2.6.1 Energia Imediata: Sistema ATP-PCr .........................................................370

2.6.2 Energia a Curto Prazo: Sistema do Ácido Lático .......................................371

2.6.3 Energia a Longo Prazo: Sistema Aeróbico ...............................................375

2.7 Espectro Energético do Exercício ..........................................................................380

2.8 Consumo de Oxigênio Durante a Recuperação ......................................................381

2.8.1 Dinâmica Metabólica do Consumo de Oxigênio da Recuperação ............383

3 O Sistema Endócrino ..........................................................................389

3.1 Visão Geral do Sistema Endócrino .......................................................................390

3.2 Hormônios ............................................................................................................391

3.2.1 Especificidade do Hormônio e a Célula-alvo ...........................................391


Sumário

3.2.2 Fatores que Determinam os Níveis Hormonais ......................................392

3.2.3 Secreções Hormonais em Repouso e em Exercício ........................................392

3.3 Treinamento de Endurance e Função Endócrina ...............................................405

3.4 Treinamento e Função Endócrina .......................................................................407

3.5 Peptídios Opióides e Exercício .............................................................................407

4 Aprimorando a Capacidade de Transferência de Energia .................411

4.1 Princípios do Treinamento para Potência Anaeróbica e Aeróbica .........................412

4.1.1 Princípio de Sobrecarga ..........................................................................412

4.1.2 Princípio da Especificidade ......................................................................412

4.1.3 Princípio das Diferenças Individuais ........................................................413

4.1.4 Princípio da Reversibilidade .....................................................................413

4.2 Conseqüências Fisiológicas do Treinamento .........................................................414

4.2.1 Alterações no Sistema Anaeróbico ...........................................................414

4.2.2 Alterações no Sistema Aeróbico ...............................................................414

4.3 Fatores que Afetam a Resposta ao Treinamento Aeróbico ...................................421

4.4 Força Muscular e Treinamento de Resistência .....................................................426

4.4.1 Diferenças Sexuais na Força Muscular ....................................................426

4.5 Treino de Força .....................................................................................................427

4.5.1 Diferentes Formas de Contração Muscular .............................................428

4.5.2 Treinamento de Resistência para Crianças e Adolescentes ....................429

4.5.3 Diretrizes do Treinamento de Resistência ................................................431

4.6 Fatores que Modificam a Expressão da Força Humana .......................................433

4.7 Estresse Metabólico do Treinamento de Resistência ...........................................435

4.8 Dor e Rigidez Musculares .....................................................................................436

5 Termorregulação .................................................................................439

5.1 Mecanismos da Termorregulação ..........................................................................440

5.1.1 Produção, Conservação e Liberação de Calor .........................................441


Sumário

5.2 Mecanismos de Dissipação do Calor .....................................................................444

5.2.1 Termorregulação em Exercício no Calor ..................................................446

5.2.2 Aclimatação ao Calor ...............................................................................450

5.2.3 Complicações do Estresse Térmico Excessivo ........................................454

5.3 Mecanismos de Produção de Calor no Frio ............................................................456

5.3.1 Aclimatação ao Frio ..................................................................................457

Glossário ................................................................................................461

Referências Bibliográficas ....................................................................463

PRÁTICAS CURRICULARES II
APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA ........................................................471

Objetivos ...............................................................................................473

1 Pós-modernidade, Cultura e Organização Social ..............................475

1.1 Pensamento Pós-moderno .....................................................................................476

1.1.1 A Teoria da Complexidade .......................................................................477

1.1.2 Princípios da Complexidade ......................................................................481

1.1.3 Aplicação do Pensamento Complexo .......................................................483

1.2 O que é Cultura? ....................................................................................................486

1.3 Organização e Instituição Social ............................................................................489

1.4 A Cultura Organizacional ........................................................................................490

1.5 A Educação em Contexto Adverso .........................................................................491

1.6 O Trabalho em Rede ...............................................................................................494

2 Participação e Cidadania nas Aulas de Educação Física ................497

2.1 A Participação como Base da Observação .............................................................498

2.1.1 As Diferentes Formas de Participação .......................................................498

2.2 Cidadania e Educação Física ................................................................................500


Sumário

2.2.1 Conceitos de Cidadania ............................................................................500

2.2.2 Cidadania na História da Sociedade Brasileira .........................................501

2.2.3 Reflexos da Cidadania nos Programas Sociais .........................................502

2.2.4 O Espaço da Cidadania na Pós-modernidade ..........................................503

2.3 Esporte na Comunidade: Um Estudo de Caso ........................................................504

2.4 A Participação da Família .......................................................................................506

3 Os conteúdos da Educação Física: Construindo a

Cidadania Corporal ..............................................................................509

3.1 Construindo a “Cidadania Corporal” .......................................................................510

3.2 Definição e Abrangência dos Conteúdos ................................................................513

4 A Intervenção ......................................................................................523

4.1 Etapa 1: Conhecimento da Realidade .....................................................................524

4.2 Etapa 2: Formulação de Objetivos ..........................................................................525

4.3 Etapa 3: Seleção dos Conteúdos ...........................................................................525

4.4 Etapa 4: Definição da Metodologia a Ser Utilizada ..............................................526

4.5 Etapa 5: Recursos Materiais ..................................................................................528

4.6 Etapa 6: Definição dos Critérios de Avaliação do Projeto .......................................528

4.7 Etapa 7: Cronograma .............................................................................................529

4.8 Etapa 8: Referências ..............................................................................................530

Glossário ..............................................................................................531

Referências Bibliográficas ..................................................................532


Ícones Organizadores
ATENÇÃO – Existem conceitos, idéias, lembretes que são importantes. Por isso,
sempre que você vir tais destaques. ATENÇÃO!

REFLITA – Momento em que você fará uma pausa para pensar nas questões
apresentadas e aprofundar pontos relevantes.

HORA DE PRATICAR – Espaço para você fazer exercícios, atividades, pesquisas


e auto-avaliação para consolidar o que aprendeu.

SAIBA + – Além dos assuntos essenciais apresentados, o que existe que possa
contribuir com o progresso de sua aprendizagem? O SAIBA + traz endereços de
sites, textos complementares, aprofundamentos de idéias, curiosidades sobre os
temas estudados.

RESUMO – Finalizando cada Unidade, apresentamos uma síntese dos assuntos


abordados para facilitar a visão geral do que foi explorado.

14
Sobre o Módulo 3
As disciplinas do Módulo 3 dão continuidade ao processo de
fundamentação teórica e, como sempre, de acordo com o projeto peda-
gógico do curso, procuram associar a teoria com a prática, principalmen-
te através das atividades previstas nos encontros presenciais. A continui-
dade dos trabalhos desenvolvidos na disciplina Práticas Curriculares I, na
oferta das Práticas Curriculares II, apresenta-se como a outra forma de se
fazer essa confrontação.

O Módulo 3 é composto pelas seguintes disciplinas:

Caro(a) aluno(a), Manifestações Rítmicas e Expressivas – Esta disciplina pretende en-


fatizar a importância do ritmo nos fenômenos da natureza e no cotidiano
Terminamos o primeiro ano do
da vida das pessoas. Você aprenderá, também, que o ritmo é a base para
curso que corresponde a 25%
da nossa matriz curricular. Com- o desenvolvimento da coordenação motora. Dessa forma, o objetivo
parando com o tempo de dura- maior da disciplina é que você perceba a importância do ritmo e de suas
ção de uma partida de futebol,
manifestações na sua vida e no seu trabalho de professor.
estamos na metade do primeiro
tempo. A essa altura você já está
Psicologia da Educação – Esta disciplina apresenta diferentes aborda-
familiarizado com o modo de
ensino, domina o ambiente de gens da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem e as suas
aprendizagem e sabe utilizar as contribuições para o contexto de ensino. Para contextualizar os concei-
ferramentas do nosso ambiente
virtual, o que facilita muito os tos estudados, ela enfatiza estas abordagens aplicadas à Psicologia do
seus estudos. ensino da Educação Física. A abordagem da disciplina traz uma grande
Lembra que nós estamos usando contribuição para o ensino da educação física nas escolas e nos diversos
a metáfora de um campeonato
para qualificar esse seu desafio campos de intervenção profissional do professor de Educação Física.
de concluir o curso? Pois é, con-
tinue se dedicando para chegar
bem até o final.
A dedicação e o compromisso
de todos os agentes envolvidos
nessa empreitada são funda-
mentais para atingirmos os nos-
sos objetivos. Bons estudos!

Prof. Alcir Braga Sanches


Coordenador

15
Fundamentos Sócio-filosóficos da Educação Física – Composta de Professor Alcir B. Sanches
três unidades a disciplina tem por objetivo propor uma reflexão a res-
Graduado pela Escola Superior
peito dos aspectos filosóficos e sociológicos que envolvem a Educação de Educação Física do Estado
Física nas suas várias áreas de atuação. A partir do estudo das três uni- de Goiás, atua na Universidade
de Brasília (UnB), desde 1974.
dades propostas, espera-se que você tenha uma visão crítica de como
É mestre em Educação Física
a Educação Física é vista pela sociedade e, a partir do desenvolvimento pela Escola de Educação Física
dos conceitos que você possa construir uma práxis pedagógica cons- da Universidade de São Paulo –
área de concentração Aprendi-
ciente e inovadora.
zagem e Desenvolvimento Mo-
tor. Doutorou-se pela Faculdade
Fundamentos Fisiológicos da Educação Física – Esta disciplina visa de Ciências da Saúde da Univer-
estudar as fontes de energia envolvidas na realização do exercício, o con- sidade de Brasília -área de con-
centração Psicologia do Esporte.
trole hormonal, e as adaptações fisiológicas ao treinamento e ao estresse A experiência profissional e os
térmico. A abordagem preferencial da disciplina será a fundamentação estudos realizados o credencia-
ram para a discussão, supervisão
fisiológica que facilitará a compreensão dos fenômenos de adaptação
e orientação de temas relacio-
do organismo humano ao treinamento e ao estresse térmico. Espera-se nados à iniciação esportiva (fu-
que as habilidades desenvolvidas durante o curso, possam ser aplicadas tebol), à aprendizagem motora,
ao desenvolvimento motor e
nos diferentes campos de intervenção profissional do professor de Edu-
à influência do estresse no de-
cação Física. sempenho esportivo.

Práticas curriculares II – Nesta disciplina, em continuidade as ativida-


des desenvolvidas em Práticas Curriculares I, você deverá escolher um
único campo de intervenção e concentrar o seu olhar no professor de
Educação Física, em sua inserção institucional e no contexto geral. A
partir dos conteúdos estudados e das observações que você fez, até o
presente momento no curso, dar-se-a início a construção de um projeto
de intervenção como um instrumento para a condução da ação do pro-
fessor e o registro dos desafios de atuar em sua comunidade.

16
MANIFESTAÇÕES
RÍTMICAS E
EXPRESSIVAS

17
18
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

Sobre as autoras
Profa. Ana Carolina de Souza Silva
Dantas Mendes
Doutoranda e Mestre em Arte pela Universidade de Brasília
e Licenciada em Dança pela Universidade Federal da Bahia.
Professora de teatro e dança.

Profa. Ana Carolina Profa. Jane


Profa. Jane Dullius
Doutora em Ciências da Saúde, Mestre e Especialista em
Educação, Licenciada em Educação Física e Professora de
Dança.

Muito prazer!

Sou Ana Carolina, professora de Artes Cênicas do Instituto Federal de Educação


Ciência e Tecnologia de Brasília, dando aulas de teatro e dança. Sou formada pela
Universidade Federal da Bahia, no curso de Licenciatura em Dança e, de lá para cá,
dei aulas em todos os níveis do ensino formal e também a grupos de terceira idade. Na
Universidade de Brasília, fiz o Mestrado em Arte, pesquisando as relações entre dança e
tecnologias digitais e agora sou doutoranda seguindo a mesma linha de pesquisa; ainda
na UnB, lecionei no Departamento de Artes Cênicas, trabalhando com a formação de
professores de teatro. Ensinei, também, na Faculdade Alvorada (Brasília-DF), ministrando
a mesma disciplina que agora vamos trilhar juntos.

19
Muito prazer!

Sou professora Jane Dullius da Faculdade de Educação Física da Universidade


de Brasília, desde 1995. Ministro as disciplinas Formação Rítmica do Movimento,
Metodologia da Dança, Corporeidade, Prática Desportiva (Flexibilidade, Dança, Nado
Sincronizado, Corporeidade...), Prática de Ensino, Educação em Saúde e projetos de
Pesquisa e de Extensão. Em todos os semestres realizamos muitas atividades, jogos,
estudos e debates, além de uma grande apresentação com coreografias e práticas cênicas
corporais. Estudei música e dança desde a infância, tendo aprendido um pouco de alguns
instrumentos e feito dança clássica, moderna e jazz contemporâneo, expressão corporal,
dança folclórica e acrobática entre outras. Fui atleta de ginástica olímpica e rítmica e
pratiquei outros esportes como nado sincronizado e tênis. Comecei a dar aulas de dança,
ginástica e expressão corporal em 1975, em estilos variados e fui integrante de grupos de
dança por muitos anos como coreógrafa e dançarina. Não conclui o Bacharelado em Artes
Cênicas. Formei-me em Educação Física para melhor capacitar-me em utilizar a dança e
as atividades corporais rítmicas como meio de educação integral. Tenho Especialização
e Mestrado em Educação e Doutorado em Ciências da Saúde (Educação em Diabetes).

Temos certeza de que esse caminho vai ser de muitas descobertas, muita alegria
e muito prazer! Vamos lá?

20
Apresentação da Disciplina
RITMO

O ritmo em que gemo


doçuras e mágoas
é um dourado remo
por douradas águas.

Tudo, quando passo,


olha-me e suspira.
-Será meu compasso
que tanto os admira?

(Cecília Meireles)

E então? Você gostou desse poema?


Ele fala um pouco da nossa disciplina. Aqui vamos conversar sobre o que de fato é
ritmo e como ele pode “gemer” – não só no sentido de dor, mas no sentido de expressar
algo, ou seja, como o ritmo pode falar de coisas, sentimentos, experiências, vivências de
cada pessoa e de cada cultura.
Aí você pode perguntar: – E quem “não tem ritmo”?

Pois é. Nesta disciplina vamos descobrir, também, que todos nós “temos ritmo”;
que ele está presente na natureza nos ciclos do dia e noite, das estações, das marés
e etc; na vida urbana nos horários do transporte público, dos bancos, do trabalho, das
noites culturais e etc; na nossa vida no ritmo cardíaco, respiratório, nosso ritmo de sono,
de fome e tantos outros; que ele está presente em todos os nossos movimentos, não só
naqueles que executamos quando estamos acompanhando uma música.

21
Para isso, vamos conversar sobre corpo e suas manifestações, sobre jogos e
brincadeiras rítmicas, sobre desenvolvimento humano, sobre música e seus efeitos,
sobre dança e outras manifestações rítmicas e expressivas e vamos relacionar tudo que
formos descobrindo ao seu dia-a-dia pessoal e de sala de aula. O objetivo maior aqui é
que você perceba a importância do ritmo e de suas manifestações na sua vida e no seu
trabalho de educador físico.

Esses conteúdos foram divididos da seguinte forma:

Unidade 1: De Volta ao Corpo – conceitos de corpo, de movimento; fundamentos


da consciência corporal e coordenação motora;
Unidade 2: Ritmo: Um ou Muitos Conceitos? – conceitos de ritmo; ritmos fisiológico,
interno, pessoal, grupal, universal; percepção rítmica;
Unidade 3: Nas Ondas da Música – conceito de ritmo na música; expressividade
musical; elementos de notação rítmica; influências da música sobre os seres humanos;
1
Unidade 4: “Pense e Dance” – conceito de dança; elementos da dança; dança e
expressividade; manifestações rítmicas expressivas culturais; seqüências coreográficas
coletivas;
Unidade 5: Finalmente, para Começar – ritmo e desenvolvimento humano integral;
aprendizado rítmico; ritmo e prática docente.

1
Título de música do Grupo Barão Vermelho

22
Objetivos
Ao final de seu estudo nesta disciplina, esperamos que você possa:

conceituar ritmo;

identificar as diferentes formas de manifestação rítmica;

conceituar o corpo dentro da perspectiva da totalidade;

descrever o movimento como elemento constituinte do corpo e meio de expressão;

argumentar a favor da importância do ritmo para o desenvolvimento humano integral;

executar de forma consciente e criativa os movimentos corporais;

discutir sobre a importância da percepção rítmica para o educador físico;

aplicar o ritmo, de modo consciente e intencional, em sua vida profissional, conduzindo


o seu aluno pelo caminho do autoconhecimento.

Então, vamos começar?

Aproveitando o poema de Cecília Meireles, torcemos para que o compasso de sua


caminhada, nesta disciplina, seja admirável e cheio de doçuras!

23
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

24
MANIFESTAÇÕES
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS
RÍTMICAS E
E EXPRESSIVAS
EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

UNIDADE 1

De Volta ao Corpo
Nesta primeira Unidade você vai se concentrar em si mesmo. Como assim?
O ritmo no ser humano se dá no corpo, através de seus movimentos e, antes de
focalizarmos o corpo do seu aluno, é preciso que você perceba a si mesmo. Correto?
Inicialmente, vamos relembrar concepções de corpo já vistas
por você em outras disciplinas e compará-las a que trazemos aqui.
Vamos entender o movimento como elemento constituinte do corpo e
meio de expressão e comunicação.
Em seguida, será sua vez de se exercitar e desenvolver em
si mesmo sua percepção corporal, experimentando fundamentos da
consciência corporal e da coordenação motora.
Afaste os móveis da sala. É hora de despertar o seu potencial
criativo!

Objetivos
Ao finalizar esta Unidade, esperamos que você possa:
comparar as concepções de corpo abordadas em outras disciplinas desse curso com a
concepção aqui apresentada;
conceituar corpo como totalidade mente e fisicalidade;
conceituar o movimento como elemento constituinte do corpo e meio de expressão e
comunicação;
aplicar em si mesmo fundamentos da consciência corporal como eixo e alinhamento,
base de apoio e sustentação, peso e forma corporais;
aprimorar a coordenação motora focalizando lateralidade, movimento das pequenas e
das grandes articulações, movimento das partes e do todo corporal.

25
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

1.1 Concepções de Corpo

1.1.1 Conceitos Abordados em Outras Disciplinas

Ao longo dos dois primeiros módulos, você estudou dife-


rentes conceitos de corpo, em diferentes disciplinas. Aqui também
vamos precisar discutir sobre ele, para podermos entender de
que forma o ritmo faz parte do corpo e de que forma o corpo nos
constitui.

Hora de praticar
Faça um exercício de memória. Tente lembrar as concepções de corpo que você estudou
até aqui. Anote-as. Em seguida, consulte seu material do Módulo 1 e do Módulo 2.
Relacione as concepções aos momentos históricos e aos pensamentos filosóficos que as
nortearam. Fez isso? Bom! Agora responda:
1. “Com qual dessas concepções eu realmente concordo?”
2. “Como, de fato, eu vejo e entendo meu corpo?”
Lance suas respostas no fórum. Veja o que pensam seus colegas.

Com essa revisão, você deve ter relembrado como o corpo


foi freqüentemente tratado como dualidade: corpo X alma; corpo
X mente; sujeito X objeto. Uma dualidade marcada não apenas
pela distinção entre as partes mas também, e principalmente,
pela distinção de valor, de importância.

Para vários estudiosos, essa dualidade existe por ser uma


das formas possíveis de se entender uma das principais carac-
terísticas do corpo: a de ser sujeito e objeto ao mesmo tempo.

Meaurice Merleau-Ponty (1999), falando sobre o corpo,


nos diz que ele, o corpo, é uma simultaneidade de sujeito e obje-
to, existindo num espaço-tempo e servindo de referência central
ao processo perceptivo. Essa simultaneidade que caracteriza o
corpo, segundo Luiz Tatit (1996), impede, de fato, a demarcação
de limites entre sujeito e objeto, que é o que tenta fazer a visão
dualista. Nessa última, a mente corresponderia à porção sujeito do
ser, enquanto o corpo corresponderia à porção objeto.

26
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

Se você prestar bem atenção, verá que


nosso pensamento e nossa linguagem cotidiana
estão até hoje impregnados dessa visão dualis-
ta. Quando falamos coisas como “- Meu corpo
dói” ou “– Passe shampoo no cabelo e lave bem
o corpo, filho!” estamos, no primeiro exemplo,
separando o eu do meu corpo, como se eu, que
sou o sujeito, possuísse uma coisa, um objeto
chamado corpo; no segundo, estamos separan-
do a cabeça do conjunto do corpo, o que, por
analogia entre pensamento, mente e cabeça,
significa separar a mente do corpo. Será possível pensarmos de outra forma?

1.1.2 Corpo como Totalidade

Essa simultaneidade de sujeito e objeto de que nos fala


Merleau-Ponty (id.), destaca o aspecto fenomenológico do corpo,
um corpo sensível e inteligível, ou seja, um corpo que sente e que Quando falamos em
“aspecto fenomenológico
idealiza, simultaneamente; um corpo que é datado e localizado do corpo” estamos nos
espacialmente, o que significa dizer que tem, na sua constituição, referindo a sua aparição
como um fenômeno, a sua
as influências de sua época e do lugar onde se fez. essência em si mesmo, e
não a algo que é dito sobre
ele. Essa forma de pensar
Reflita sobre estas imagens: o corpo, e também os
objetos e fenômenos, vem
da Fenomenologia que é
uma linha de pensamento
filosófico que nasceu na
segunda metade do século
XIX, a partir das idéias de
Franz Brentano.
Edmund Husserl (1859-
1938), Martin Heidegger
(1889-1976) e Maurice
Merleau-Ponty (1908-
1961) foram alguns
dos principais filósofos
fenomenologistas do
século XX. Para eles, a
compreensão do mundo se
dá a partir da percepção
que temos de aparição
de seus fenômenos. Todo
conhecimento que existe
é fruto da percepção
humana.

27
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

Veja como é interessante o que Merleau-Ponty diz sobre o ser:

Eu não sou o resultado ou o entrecruzamento de


múltiplas causalidades que determinam meu corpo ou
meu “psiquismo”, eu não posso pensar-me como uma
parte do mundo, como simples objeto da biologia, da
psicologia e da sociologia, nem fechar sobre mim o
universo da ciência. Tudo aquilo que eu sei do mundo,
mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão
minha ou de uma experiência do mundo sem a qual
os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo
o universo da ciência é construído sobre o mundo
vivido (1999, p.3).

IE 1/ VÉ através do corpo que o ser é ser; é através do mundo que


esse ser se sabe corpo, o que quer dizer que é através do mundo
que o ser toma consciência de si mesmo; é através do corpo que
o ser toma consciência do mundo. Merleau-Ponty (1999, p.125)
completa que essa compreensão instaura a “fusão entre alma e
corpo no ato, a sublimação da existência biológica em existência
pessoal, do mundo natural em mundo cultural”. Você percebe a di-
ferença entre pensarmos o corpo como “fusão entre alma e corpo
no ato” e pensarmos como “alma mais corpo”? Na primeira idéia
temos a totalidade, que se faz na ação, no movimento; na segun-
da temos a dicotomia, que separa.

Contrariamente a essa dualidade, é possível compreen-


dermos o corpo como totalidade mente e fisicalidade. Entender o
corpo como totalidade equivale a entendê-lo como um composto
de partes que não se iguala à soma dessas partes (KATZ,1994).

O termo fisicalidade será usado aqui sempre que estivermos nos referindo
apenas à matéria física corporal. Não usaremos mais o termo corpo com
esse sentido. Certo? O corpo é o todo que nos constitui e não apenas o
nosso físico e a palavra mente se refere ao imaterial: pensamento, emoções,
memória.

28
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

Portanto, pensamento, cognição, emoções, mente, tam-


bém fazem parte do corpo, assim como os braços e pernas, o
sangue, a bílis, os músculos e os movimentos; e essas partes
se interconectam e influenciam (fisiologia e psiquismo), diferindo
apenas nas funções que possuem dentro do complexo dessa to-
talidade que é o corpo.

Veja o quadro abaixo.

SER HUMANO

MENTE

FISICALIDADE
TOTALIDADE DUALIDADE

SER HUMANO = CORPO SER HUMANO

MENTE CORPO
MENTE + FISICALIDADE +
SUJEITO OBJETO
SANGUE PENSAMENTO
MOVIMENTO
BILIS
SUJEITO +OBJETO

OBJETO
ELEMENTO UNO DESEQUILÍBRIO
PROCESSOS
NARRATIVOS E
ASPECTUAIS

ARTE e JOGO

Esse quadro sintetiza as duas formas de entendimento do


corpo: a da dualidade e da totalidade e traz mais alguns elemen-
tos. Vejamos.

A visão dualista do corpo, segundo Tatit (1996, p.202), gera


desequilíbrios em nossa existência, em nossa experiência do cor-
po (quando falamos de forma dual, como no exemplo do banho
dado acima, experimentamos essa compreensão dicotômica de
nós mesmos). Já a visão totalizante caminha no sentido da ex-
periência da unicidade, da experimentação de uma existência in-
tegral, onde de fato percebemos que nossas ações, sentimentos
e pensamentos são acontecimentos simultâneos e integrados da
nossa existência fenomenológica.

29
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

Tatit chama atenção para mais um fato. É possível recupe-


rarmos essa unicidade do ser através de “processos narrativos e
aspectuais”.

Agora, pense um pouquinho...

Você saberia dizer quais


seriam tais processos?

Bem, estamos falando sobre todas as experiências que,


fenomenologicamente, nos exigem uma participação integral, que
constroem sentidos e ações interdependentes. As brincadeiras e
jogos e as artes, por exemplo.

E o que essas experiências têm em comum, à primeira vis-


ta? O MOVIMENTO. Vamos conversar mais um pouco sobre ele.

1.2 Conceito de Movimento

Continuando com nossa abordagem fenomenológica, Mer-


leau-Ponty diz que o corpo possui uma espacialidade específica,
original, onde suas partes não se desdobram umas ao lado das
outras, mas se envolvem umas nas outras. Ele acrescenta: “meu
corpo inteiro não é uma reunião de órgãos justapostos no espaço.
Eu o tenho em uma posse indivisa e sei a posição de cada um
de meus membros por um esquema corporal em que eles estão
todos envolvidos” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 143-144).

30
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

Você percebe a diferença entre ter as partes de alguma


coisa uma ao lado das outras e tê-las envolvidas umas nas ou-
tras? Seria mais ou menos assim: imagine uma boneca.

Suas partes estão juntas, Se retiramos o braço da bo-


compondo a boneca inteira. neca, ela fica incompleta,
Certo? mas nada, de fato, acontece
com suas outras partes. Não
é mesmo?

Conosco é diferente!

Nossas partes se envolvem, relacionam-se umas com as ou-


tras. Se perdemos um braço, todo nosso corpo é atingido por isso:
nosso tronco sofre transformações no seu equilíbrio de forças mus-
culares, nosso equilíbrio no deslocamento se altera, nossa relação
com o mundo se modifica, nosso emocional precisa se reorganizar;
é necessário construir um novo esquema corporal, entende?

Podemos avançar um pouco mais, então. Para o filósofo,


essa espacialidade original não é uma espacialidade de posi-
ção, como a dos objetos exteriores, mas uma espacialidade de
situação, a partir da qual se constrói o espaço externo. Posição e
situação são palavras com significados bem distintos aqui.

Posição Situação

Situação traz a idéia de

X
Posição nos dá a idéia de
lugar fixo, de um ponto, de movimento e de relação e
um espaço específico que um também a idéia de tempo. Uma
objeto ocupa. situação não é alguma coisa
que acontece em um espaço e
por um determinado tempo?

31
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

O que Merleau-Ponty quer nos dizer é que a espacialidade


do corpo, a forma como ocupamos nosso espaço, só se realiza
com o movimento; e mais: que o espaço exterior, o espaço do
mundo a nossa volta, só se constrói, só existe para nós no mo-
mento em que nos relacionamos com ele, através do movimento.
O espaço a nossa volta não é sempre o mesmo, ainda que
não façamos nenhuma mudança física nele. Um lugar a que va-
mos todos os dias pode, a cada dia, nos parecer diferente. Pense
na sua sala de aula. Não há momentos em que ela parece pe-
quena demais ou grande demais? Isso se dá por uma questão de
movimento e de relação: depende do número de alunos, do nível
de agitação deles no dia, do seu próprio estado de espírito.
Tente lembrar em que outras situações o espaço a sua
volta muda para você.

O mais importante para se perceber aqui, então, é que o movimento não


apenas constitui nosso corpo, como também nos permite construir, para
nós, o espaço a nossa volta.

O movimento é a forma como nos revelamos, nos expressa-


mos e como nos relacionamos com o outro e com o mundo. Assu-
me diversas funções ao longo de nossa vida:

caráter funcional-utilitário: como quando nos movemos para


subir uma escada, ou pegar um objeto, por exemplo;

caráter lúdico: como quando brincamos de roda;

caráter essencialmente expressivo: como quando dançamos.

No entanto, em todas essas e outras diferentes funções, o mo-


vimento sempre nos expressa e nos revela.

Mas por que nos importa estudar sobre o corpo e o movimento


quando o assunto são manifestações rítmicas e expressivas?
Você arrisca um palpite?

32
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

Pois bem. Quando falamos em movimento como elemento


constituinte do corpo, estamos falando de todos os movimentos:

INTERNOS EXTERNOS

- A batida do coração
– Aqueles que executamos e
- O ciclo menstrual são visíveis aos outros – como
o movimento das pequenas e
- A contração muscular grandes articulações.
Todos esses movimentos possuem ritmo próprio. De fato, o
corpo é nossa primeira experiência rítmica.
Entende agora porque precisamos nos voltar para nós
mesmos e para nossos movimentos? Precisamos ativar nossa
consciência corporal para percebermos nossos próprios ritmos.

Você já afastou os móveis da sala?

1.3 Fundamentos da Consciência Corporal

Consciência corporal é um termo velho conhecido nosso.


Não é mesmo? Diz respeito a capacidade de percebermos nosso
corpo, de senti-lo... Ops! Você viu como nos referimos ao corpo
agora? Na perspectiva da dualidade ou da totalidade? Pois é. O
grande desafio é termos de alcançar o conceito de corpo como
totalidade, não só na nossa forma de falar sobre ele, mas, princi-
palmente, na forma como o vivenciamos.

A consciência corporal, dentro desse âmbito, então, tem seu significado


ampliado. Não mais “percebermos nosso corpo”, mas percebermos que “so-
mos corpo”. Algo como tentar “pensar” com todas as nossas células, nosso
peso, nossa forma, nossos limites, nossa textura.

A proposta que trazemos, nesse momento, é então, de um


outro tipo de reflexão. Você vai ler e, em seguida, por em práti-
ca as sugestões de experimentação que faremos. Certo? E você
pode fazer sozinho ou pedir a alguém que vá lendo os comandos
para você. Dê intervalos de um dia entre cada exercício. Certo? Ao
final de cada um, registre e guarde suas impressões. Nós vamos
precisar delas depois.

33
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

Exercício 1 - Peso corporal

Deitado em decúbito dorsal, de olhos fechados, procure perceber


que partes do corpo estão em contato com o chão. Perceba, então,
em qual delas a sensação de pressão é maior; essa sensação tra-
duzirá o peso de cada parte ou seguimento que descansa sobre
aquele ponto de contato. Feito isso, imagine-se ampliando esses
pontos de contato com o chão, como se você estivesse se der-
retendo e se infiltrando no piso da sala. A sensação deverá ser
de muito peso e de imobilidade.

Por fim, vá aos poucos retomando sua movimentação come-


çando pelas extremidades, dedos dos pés e das mãos, até que
você se movimente confortavelmente, como que se espregui-
çando. Antes de começar, releia esse parágrafo. Se estiver fa-
zendo sozinho, é preciso que você tenha memorizado as eta-
pas para que não interrompa a experimentação a fim de ler
esse texto novamente. Certo?
E então? Conseguiu concluir a prática? Conseguiu ficar
concentrado todo o tempo? Teve dificuldades? Quais? Que
sensações teve? Prazer, desconforto, sonolência? Que mais
gostaria de nos relatar? Não esqueça de registrar tudo. Ok?

Exercício 2 - Forma corporal

Deitado em decúbito dorsal, de olhos fechados, imagine um


pincel atômico (hidrocor) de cor bem viva encostado no alto da
sua cabeça, apontando para o chão.
Agora imagine que esse pincel atômico começa a se deslocar,
riscando no chão o contorno da sua cabeça. Ele vai seguindo
por sua orelha, seu pescoço, seu ombro, seu braço, cotovelo e
Lembre-se assim por diante, sempre encostado a você e riscando no chão
Antes de começar, memorize seus limites, até retornar ao ponto de partida, sobre a cabeça.
as etapas para que você não
interrompa os exercícios. Nesse momento, você terá desenhado imaginariamente o con-
torno de sua forma corporal.

34
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

Então, abra os olhos e se levante, tentando não pisar sobre


a linha imaginária que acabou de construir. De pé, olhe para
o chão e tente visualizar seu desenho. Ali está registrado seu
espaço e forma corporais.
Para concluir, deite-se novamente, tentando ocupar o es-
paço do desenho imaginário. Depois, registre o processo, suas
impressões, dificuldades.

Exercício 3 - Limites, superfície e volume corporais

Deite em decúbito dorsal, de olhos fechados. Tente perceber as


partes de você que estão em contato com o chão. Em algumas,
o contato é direto entre a pele e o chão; em outras, haverá o
tecido da roupa entre o contato da pele com o chão. Tente per-
ceber as diferenças entre esses contatos.
Depois, faça a mesma coisa com sua superfície superior. Tente
perceber o contato da pele com o ar, nas partes em que não há
roupas, e o contato da pele com o tecido, nas partes em que há
contato com as roupas que está usando. Tente perceber se há
pressão das roupas em algum ponto (elásticos, botões, partes
mais justas etc).
Por fim, tente perceber a distância entre sua superfície superior
e o chão. Aí você terá uma sensação do volume corporal. Tente
percebê-lo preenchendo suas roupas. Retome sua movimentação
lentamente, espreguiçando-se.

A essa altura, esperamos que você já tenha tentado praticar os exercícios sugeri-
dos. Não se preocupe se você tiver tido dificuldades como desconcentração, sonolência,
esquecimento das etapas. Elas são comuns quando estamos começando a experimen-
tar a percepção integral do corpo. Não desanime. Repita esses exercícios outras vezes.
Com a prática você verá que a sua sensibilidade irá aumentar.

35
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

1.4 Coordenação Motora


O termo coordenação motora diz respeito à capacidade
de organizarmos nossos movimentos em resposta a um estímulo
cerebral. Nessa organização, fatores específicos são trabalhados,
como equilíbrio, ritmo, direção, reflexo, criação/transformação e in-
dependência de movimentos.

Quanto mais aguçamos nossa consciência corporal, melhor desenvolvemos a capaci-


dade de coordenarmos nossos movimentos, sejam eles para fins utilitários, lúdicos ou
expressivos, como vimos anteriormente.

Agora, convidamos você a experimentar exercícios relaciona-


dos à sua capacidade de coordenar movimentos. Esses exercí-
cios estão agrupados a partir de critérios de orientação (latera-
lidade) e amplitude de movimento. Vamos começar.

1.4.1 Lateralidade

Chamamos de lateralidade a capacidade que temos de per-


ceber e utilizar conscientemente, ao mesmo tempo ou em sepa-
rado, nossos dois lados: direito e esquerdo. Desenvolvemos essa
capacidade concentrando-nos em nossas ações, praticando mo-
vimentos bilaterais (os dois lados ao mesmo tempo) simétricos ou
assimétricos e praticando movimentos unilaterais (apenas um dos
lados). Para a noção de lateralidade, é preciso termos consciência
de nosso eixo corporal, essa linha imaginária que demarca nossa
simetria.

Vamos praticar um pouco? Não esqueça de anotar suas im-


pressões!

Exercício 4 – Canhoto ou destro?

Você é canhoto ou destro?

Na verdade, isso não importa muito aqui. O que queremos


é que você perceba a si mesmo. Nas próximas 24 horas, obser-
ve seus movimentos cotidianos. Com que lado você os executa?

36
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

Quais são seus movimentos bilaterais e unilaterais mais freqüen-


tes? Em que lado você descansa mais seu peso quando está em
pé, sobre a perna direita ou esquerda? Essas são algumas suges-
tões. Você pode fazer muitas outras observações.

Agora um desafio divertido: à medida que for observando,


procure trocar de lado; experimente fazer as coisas de outro jeito,
inverta os lados ou faça com os dois aqueles movimentos unila-
terais e também o contrário, faça com apenas um lado aquilo que
faz com os dois.

1.4.2 Movimento das Pequenas e das Grandes


Articulações

No Módulo 1, você aprendeu sobre vários tipos de movi-


mento articular. Lembra? Extensão, flexão, adução, abdução, rota-
ção. Nossa proposta agora é que você se concentre em perceber
corporalmente esses movimentos e as articulações em que eles
acontecem, partindo da mobilização das pequenas e grandes ar-
ticulações.

Exercício 5 – Marionete I

Quando falamos em
“pés paralelos” estamos
nos referindo à posição
corporal em que estamos
com joelhos e dedos
dos pés voltados para
frente, os pés como que
desenhando duas linhas
paralelas, tendo como
referência sua face inter-
na, medial. O contrário
dessa posição é quando
fazemos rotação exter-
De pé, com os pés afastados na distância aproximada da largu- na na articulação do
quadril, girando nossa
ra de seu quadril, dedos apontando para frente (pés paralelos), perna “para fora”. Nessa
distribua igualmente seu peso sobre os pés. Essa é sua base posição, nossos pés não
ficam “paralelos”, formam
de sustentação. Observe seu eixo corporal, alongue sua colu- um “V” no chão. Expe-
rimente passar de uma
na. Respire calmamente. posição à outra.

37
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

Comece, então a movimentar apenas os dedos das mãos, das


duas ao mesmo tempo. Observe que movimentos são possí-
veis, de extensão, flexão, adução, abdução, rotação, que com-
binações você pode fazer. Passe para os pulsos, fechando as
mãos. Experimente vários movimentos com eles. Agora estabi-
lize os pulsos e os ombros; você só deve mover a articulação
do cotovelo. Não fazemos muita coisa, não é mesmo? Agora é
a vez dos ombros. Deixe estáveis os pulsos e cotovelos. O que
você é capaz de fazer com seus ombros? Repita o exercício
começando pelos dedos dos pés, um lado de cada vez, pas-
sando pelo tornozelo, joelho e articulação do quadril.

O que você observou quanto à amplitude desses movi-


mentos no espaço em relação ao tamanho das articulações?

1.4.3 Movimento das Partes e do Todo

Ter controle sobre movimentos simultâneos é uma tarefa


da coordenação motora. Quando falamos aqui em movimento das
partes e do todo corporal estamos nos referindo a nossa capa-
cidade de movermos partes de nós isoladamente e de nos mo-
vermos inteiramente, como em deslocamentos, saltos, giros, por
exemplo.

O que propomos a seguir é um exercício de controle motor,


apesar do resultado aparentar total descontrole. Você vai se divertir!

Exercício 6 - Marionete II

De pé, os pés paralelos, assim como no exercício 5.

Mentalize uma de suas partes e a movimente isoladamente,


mantendo imóveis as outras partes, por exemplo, cotovelo di-
reito; joelho esquerdo; ombro esquerdo; nariz etc. Repita várias
vezes.

Em seguida, mentalize duas partes ao mesmo tempo, por


exemplo, dedos da mão direita e tornozelo esquerdo; dedos do
pé direito e pescoço; joelho direito e ombro direito etc.

38
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

Agora vá aumentando o número de partes envolvidas, combi-


nando várias articulações, até que você se movimente intei-
ramente, como se fosse uma marionete manipulada por outra
pessoa.


Que sensações você teve? Anote tudo, certo?

Concluímos a Unidade. o espaço que nos cerca. Percebeu ainda


Aqui você conheceu o que, como todo movimento tem um ritmo e
conceito de corpo como o corpo é constituído de vários movimen-
totalidade (mente-fisica- tos (internos e externos), o corpo é nossa
lidade) abordado dentro primeira experiência rítmica. Foi por isso
da linha filosófica da Fenomenologia. que, nessa unidade, nos dedicamos a nos

Percebeu como o movimento nos constitui observar, a explorar nossa consciência

e revela, e como, a partir dele, construímos corporal e nossa coordenação motora.

Bem, agora que já internalizamos os conceitos de corpo, de movimento e os


fundamentos da consciência corporal e da coordenação motora, podemos seguir para o
próximo assunto, em que veremos os conceitos de ritmo, os tipos de ritmos e a percepção
rítmica.
Vamos lá, então!

39
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 1 DE VOLTA AO CORPO

40
MANIFESTAÇÕESRÍTMICAS
MANIFESTAÇÕES RÍTMICASEE EXPRESSIVAS
EXPRESSIVAS
UNIDADE 2 RITMO: UM OU MUITOS CONCEITOS?

UNIDADE 2
Ritmo: Um ou Muitos
Conceitos?

Nesta Unidade nós vamos conversar sobre o que, de fato, é ritmo. Vamos, portan-
to, conceituar ritmo.

Vamos falar sobre o entendimento comum, corriqueiro, da palavra e em seguida


construiremos um conceito mais amplo no qual você verá que ritmo não está apenas as-
sociado à música. De fato, o ritmo está presente em nossas vidas em muitos momentos,
em muitas áreas.

O que seria para você ritmo fisiológico? E ritmo universal? Pense um pouco...Esses e outros
conceitos serão vistos por nós no caminho dessa unidade.

E durante toda nossa conversa você deverá perceber em si mesmo, em sua prá-
tica de sala de aula, no seu cotidiano e no mundo, exemplos de manifestações dos dife-
rentes ritmos vistos ao longo da unidade.

Vamos lá! Aguce seu potencial perceptivo agora!

Objetivos
Ao final desta Unidade esperamos que você seja capaz de:
identificar o conceito de ritmo construído pelo senso comum;
elaborar o conceito ampliado de ritmo;
conceituar ritmo fisiológico, ritmo interno, ritmo pessoal, ritmo grupal, ritmo universal;
apontar em si mesmo, em sua prática pedagógica e no mundo, manifestações dos
diferentes ritmos citados acima.

Então, vamos a ela!

41
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 2 RITMO: UM OU MUITOS CONCEITOS?

2.1 Ritmo no Senso Comum

Para o senso comum, no geral, ritmo é uma palavra asso-


ciada diretamente e unicamente à música. Nesse entendimento,
ele diz respeito à velocidade de execução de uma música – se
Senso comum é, assim
como a ciência e a arte,
ela é “rápida” ou “lenta”, como se diz no dia-a-dia – e, também, a
uma forma de conhecer- nossa capacidade de acompanhar essa música com sincronia.
mos e nos relacionarmos
com o mundo em que É comum ouvirmos alguém dizer: “– Essa música tem um ritmo
vivemos. É construído acelerado!” ou “– Você não tem ritmo!” (quando uma pessoa não
usando a intuição, a
observação empírica, a consegue executar determinados passos de uma dança em sin-
experiência prática acu-
cronia com a música tocada).
mulada e a crença. Não é
mais ou menos importan-
te que as outras formas
Também chamamos de ritmo os diferentes estilos musicais.
de conhecimento citadas; O ritmo do samba, do frevo, do carimbó, do xote, do galope etc.
é apenas diferente, com
funções e aplicações Pois bem. Pensar ritmo relacionado à música é apenas
sociais específicas. Às
vezes no nosso dia-a-dia uma das formas de entender ritmo. É possível ampliarmos esse
ele é mais útil e impor- conceito, pois ritmo não está associado apenas ao som, como
tante do que o método
científico ou artístico. Em veremos a seguir.
outros momentos, é pre-
ciso que nós ampliemos
seus conceitos, usando
a observação, análise e
2.2 Conceito Ampliado de Ritmo
comprovação dos fatos
que caracteriza o método Vamos começar. Faça uma experiência: bata palmas três ve-
científico de conheci-
mento do mundo. Vamos zes, fazendo um som forte na primeira batida e dois sons mais fra-
conversar sobre isso no
Fórum. Ok?
cos em seguida. Repita várias vezes.

FORTE SILÊNCIO FRACO SILÊNCIO FRACO

Conseguiu? Pois bem. Você acabou de marcar com pal-


mas um compasso ternário que é a base rítmica da valsa, por
exemplo.

42
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 2 RITMO: UM OU MUITOS CONCEITOS?

Calma! Veremos isso com detalhes na próxima unidade.


Por enquanto, o que queremos é que você preste atenção ao som
que produziu com as mãos. Entre os sons de uma palma e outra,
o que temos? O silêncio. Certo?

Agora vá até um interruptor de luz de sua casa. De preferên-


cia à noite. Acenda a lâmpada, espere um pouco e apague. Depois
acenda duas vezes, sem tempo de espera entre elas. Repita essa
seqüência algumas vezes. Deu certo? Pois bem. Você fez com a
luz um padrão rítmico, semelhante ao que fez com as palmas.

E entre uma luz acesa e outra, o que temos? O escuro. Certo?

O que há em comum aos dois exercícios? Em ambos hou-


ve a aparição de um elemento, o som ou a luz, seguido de sua
ausência. Tivemos palma forte, silêncio, palma fraca, silêncio, pal-
ma fraca, silêncio. Luz prolongada, escuro, luz rápida, escuro, luz
rápida, escuro, e assim sucessivamente.

O conceito ampliado de ritmo se baseia nessa alternância. Ritmo é a forma


como está organizada a aparição de um fenômeno ao longo do tempo e
também do espaço; melhor dizer ao longo do tempo-espaço, para deixar
evidenciada a constatação de que tempo e espaço, de fato, não são
dimensões isoladas uma da outra. Ritmo é sempre movimento.

É por isso que podemos ter ritmo não apenas na música.


Há ritmo na expressão visual também, por exemplo. Observe a
figura abaixo. Você consegue ver ritmo nela?

43
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 2 RITMO: UM OU MUITOS CONCEITOS?

Você percebe que a forma de apresentação das barras,


alternadas com os espaços em branco, estabelece um padrão
rítmico?

Agora veja essa obra de Picasso.

Fonte: http://moma.org/
explore/conservation/
demoiselles/

Obra de arte de Picasso chamada, Lês Demoiselles


d’Avignon (1907)

Observe bem os cotovelos, as pernas das mulheres retra-


tadas... Percebe como essas imagens repetem formas angulares?
Essas formas conferem ritmo à obra!

Podemos avançar? Se você ficou com alguma dúvida ou


tem algum comentário, coloque-os no fórum. É importante só pas-
sar adiante se tiver compreendido as idéias até aqui. Ok?

2.3 Diversidade de Ritmos

Você entende agora por que dissemos que todos nós te-
mos ritmo? Por que mesmo quando não conseguimos acompa-
nhar o ritmo de uma determinada música, nossos movimentos
têm um ritmo próprio de organização. Todo nosso ser tem um rit-
mo próprio.

44
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 2 RITMO: UM OU MUITOS CONCEITOS?

Assim como nós, os grupos, a sociedade, o universo têm


um padrão rítmico de organização. É por isso que falamos numa
diversidade de ritmos. Veja alguns a seguir.

2.3.1 Ritmo Fisiológico

Chamamos de fisiológico o ritmo com que acontecem nos-


sas funções vitais. Respiração, batimentos cardíacos, sono e vi-
gília, o ciclo menstrual feminino, nossa necessidade de alimenta-
ção, funcionamento de nosso intestino, tudo em nós obedece a
um ritmo próprio. Esses ritmos não estão isolados uns dos outros.
Eles se influenciam e transformam permanentemente, alterando,
inclusive, outras esferas de nosso ser, como nosso humor, nosso
raciocínio etc.

Observe. Nosso pulso cardíaco tem um ritmo. Quando o


alteramos demais, sofremos. Quando alteramos demais nosso
ritmo respiratório, nossos movimentos e emoções são afetados
e, assim, nosso cérebro não consegue raciocinar direito. Quan-
do não respeitamos nossa necessidade de manter um ritmo de
sono e vigília, todo nosso ser sofre. Há o ritmo digestivo, da fome
e da saciedade, dos movimentos peristálticos... Engordamos ou
emagrecemos sem saúde, por exemplo, se desrespeitamos esse
ritmo. Precisamos aprender a observar e respeitar, às vezes a re-
educar nossos ritmos.

Hora de praticar
Vamos treinar nossa observação? Durante uma semana, observe em si mesmo e nos seus
alunos (se forem crianças pequenas; os jovens e adultos possuem maior controle sobre
suas necessidades) uma necessidade fisiológica – fazer xixi, por exemplo, ou a manifesta-
ção de fome – e faça anotações. Registre de quanto em quanto tempo a vontade vem.

45
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 2 RITMO: UM OU MUITOS CONCEITOS?

Curiosidade!!!

A palavra enfezado
quer dizer zangado, mau
humorado, etc. Você
sabia que ela nasceu da
palavra fezes? Enfezado
era aquele que estava
com prisão de ventre, e
como seu humor fica-
va alterado, a palavra
enfezado tem hoje esse
significado.

2.3.2 Ritmo Interno e Ritmo Pessoal

O ritmo interno engloba o ritmo fisiológico, é influenciado


por ele, mas abarca, também, outros elementos de nosso ser
como nossa personalidade, nossa educação, nossa cultura.

Ele se mostra em nossa maneira de pensar, de andar, de


falar; em nossas reações emocionais.
Passa a se chamar ritmo pessoal quando entramos em
contato com outras pessoas. É a forma como nos relacionamos,
como integramos nosso movimento com o movimento dos outros.
É sempre relativo ao grupo em que estamos inseridos. Às vezes
somos considerados “calmos” em casa, mas no trabalho somos
tidos como “agitados”, por exemplo, ou o contrário.

Hora de praticar
Qual seu ritmo interno? Preste atenção em coisas simples como escovar os dentes, tomar
banho, fazer as refeições; observe como anda ou como dirige seu carro. Você está satisfeito
com seu ritmo interno?
Quanto a seu ritmo pessoal, como as pessoas enxergam você? Faça uma consulta a seus
familiares e colegas de trabalho. Vai ser interessante! Você pode fazer descobertas inacre-
ditáveis!

46
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 2 RITMO: UM OU MUITOS CONCEITOS?

2.3.3 Ritmo Grupal

É a forma de organização dos movimentos de um grupo. É


o resultado da coordenação dos vários ritmos pessoais que com-
põem aquele grupo.
Acesse o site http: //
Não é apenas o ritmo com que os seus membros dançam g1 .globo .com/bomdia-
juntos, percebe? Vai além disso. É a forma como ele se apresenta brasil/ 0,,MUL851634
-16020,00-
em todos os momentos de suas ações de grupo. Quantas vezes, COMO+IDENTIFICAR +
na sua prática docente, você se deparou com turmas mais “interes- O + RITMO + DO +SEU
+ CORPO.html O . html
sadas” ou mais “apáticas? Quantas vezes você disse – Ah! Essa e veja o que diversos
especialistas falam sobre
turma é muito danada! Ou – Ah! Essa turma é muito devagar! nosso ritmo interno
Pense, como mais um exemplo, nas torcidas organizadas.
Muitas delas têm ações violentas. Muitas pessoas ali, individu-
almente, não se comportariam daquela forma mas, quando em
grupo, se deixam levar por um movimento negativo e prejudicial.

O comportamento de tribo dos adolescentes, também, é


característico da importância e do papel do grupo para os se-
res humanos. Somos seres sociais. Precisamos do sentimento de
pertencimento a um grupo.

Quando entendemos que o ritmo de um grupo é o resulta-


do da coordenação dos ritmos individuais, percebemos, também,
como temos importância em cada grupo de que fazemos parte. E
mais, percebemos como nos identificamos mais com certos gru-
pos que com outros.

Hora de praticar
Liste os vários grupos de que você faz parte (familiar, profissional, esportivo, religioso etc).
Quais as características deles? Você percebe diferenças do seu ritmo pessoal em cada um
deles?
Hora de Registre
praticar!suas observações no fórum.

Liste os vários grupos de que você faz parte (familiar, profissional,

47
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 2 RITMO: UM OU MUITOS CONCEITOS?

2.3.4 Ritmo Universal

É o ritmo de funcionamento do universo. É uma idéia am-


pla, que engloba muitos ritmos diferentes. E é uma idéia importan-
te pois, a todo momento, ele nos influencia e nós a ele.

Aqui está incluída a forma como a Terra se movimenta ao


redor do Sol, as estações do ano e suas alternâncias climáticas,
os diversos ciclos da natureza, enfim.

Nascer do sol sol ao meio-dia pôr do sol

Já pensaram que o ritmo com que a Terra gira ao redor do


Sol determina o ritmo das marés? E que o ritmo com que temos
as mudanças de luas também está relacionado a isso? E que
as estações têm seu ritmo definido por esses movimentos, entre
outros fatores? E que o ritmo de crescimento das plantas segue
esses ritmos?

Os ritmos humanos também compõem o ritmo universal,


também fazemos parte da natureza! Há o crescimento das cida-
des, o desenvolvimento dos transportes e comunicações, o ritmo
de nosso consumo etc.

Nós, seres humanos, temos descompassado o ritmo uni-


versal quando interferimos de modo inadequado e egoísta na na-
tureza; nossas ações têm alterado as marés, as tempestades, o
ritmo de crescimento das plantas, as estações... O aquecimento
global é fruto das ações humanas sobre o mundo, ações que des-
respeitam as necessidades de funcionamento saudável do plane-
ta, alteram seu ritmo, e agora se voltam contra nós mesmos.

48
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 2 RITMO: UM OU MUITOS CONCEITOS?

Hora de praticar
Você seria capaz de indicar, na região onde você mora, ações humanas que têm ajudado a
descompassar o ritmo da natureza e outras que têm ajudado a recuperar esse ritmo? Acesse
a página de nossa disciplina. Vamos fazer um quadro com todas essas informações.

Concluímos a Unidade Percebeu que o ritmo está presente


2. Aqui você compreen- em tudo e em todos e que é preciso estar
deu o conceito de ritmo sensível a ele.
construído pelo senso Conceituamos os ritmos fisiológico,
comum e foi capaz de interno, pessoal, grupal e universal e você
ampliar esse conceito para além do domí- percebeu no seu dia-a-dia diferentes mani-
nio da música. festações desses ritmos.

Agora podemos avançar. Na próxima etapa, vamos nos concentrar no ritmo musical.
Não precisa arrastar o sofá dessa vez, mas se tiver algum instrumento musical em casa, é
hora de tirá-lo do armário!

Vamos lá!

49
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 2 RITMO: UM OU MUITOS CONCEITOS?

50
MANIFESTAÇÕES
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS
RÍTMICAS E
E EXPRESSIVAS
EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

UNIDADE 3
Nas Ondas da Música

Agora que você entendeu que o ritmo não é exclusividade da música, vamos vol-
tar a ela, pois, na atuação do Professor de Educação Física, é com a música aliada ao
movimento que vamos trabalhar muito.

Nesta Unidade você vai ter noções dos elementos da notação rítmica musical, ou
seja, verá como podemos escrever o ritmo musical.

Verá, também, como a música tem influência sobre nós, seres humanos, e como
podemos usá-la como instrumento para o desenvolvimento do auto conhecimento e con-
trole rítmico de nossos alunos.

Esperamos que você aprenda muito nesta unidade. E que se divirta também!

Objetivos
Ao finalizar esta Unidade, esperamos que você possa:

conceituar ritmo na música;

descrever a expressividade musical;

nomear os elementos da notação rítmica musical;

identificar a influência e efeitos da música sobre os seres humanos;

adequar o uso da música a suas atividades docentes.

51
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

3.1 Conceito de Ritmo na Música

Na unidade 2, você viu que ritmo é sempre um movimento


de alternância entre um determinado fenômeno e sua ausência, é
a forma como esse movimento está organizado.

Na música não é diferente. O fenômeno aqui é o som e a


ausência do som é a pausa. Então, o ritmo é a forma como os
sons e as pausas se organizam. Lacerda (1966) diz que ritmo “é a
maneira como se sucedem os valores na música”, e esses valores,
a que ele se refere, são os sons e as pausas. O ritmo é um dos
componentes da música, junto com a melodia e a harmonia.

Almir Chediak (1986, p.41) diz que música “é a arte dos


sons. É constituída de melodia, ritmo e harmonia. Melodia é uma
sucessão de sons musicais combinados. Ritmo é a duração e a
acentuação dos sons e das pausas. Harmonia é a combinação
dos sons simultâneos.”

Nesse momento, para nós o importante é entendermos o


ritmo. Se juntarmos as definições dos dois autores citados acima,
veremos que elas se completam. A maneira como os sons e as
pausas se sucedem na música vai depender da duração e da
acentuação deles.

Lembra quando pedimos para você bater uma palma forte e


duas mais fracas?

A diferença entre essa forte e as duas mais fracas é de


acentuação, assim como quando lemos uma palavra que possui
um acento agudo (por exemplo, MÚ-si-ca).

Agora experimente dizer um “a” prolongado seguido de


dois “as” curtos. Repita essa seqüência. Vamos lá, não fique
com vergonha, é divertido!

52
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

Nesse exercício, a diferença entre os sons não é de acentua-


ção, mas de duração, percebe?

Voltemos ao exercício anterior.

Se você tivesse dito os “as” todos iguais, com a mesma dura-


ção e o mesmo tempo de intervalo, você não teria variações,
certo? Pois é. Você teria marcado o Metro, que é a marcação
do que chamamos de pulsação na música, mais um elemento
que a compõe. Não há acentuação nem diferença na duração
dos sons ou das pausas no metro. É sobre ele que o ritmo é
construído.

É isso: o ritmo aparece quando pontuamos o metro, ou seja, quando


acentuamos os sons ou mudamos a sua duração e a duração das pausas.

Agora é preciso aprender que esses elementos podem ser


representados graficamente, ou seja, podem ser escritos. É o que
veremos a seguir.

53
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

3.2 Elementos da Notação Rítmica Musical

Notação musical é um sistema de escrita que permite re-


presentar graficamente uma música. Há representação para todos
os elementos da música. Aqui nós vamos nos dedicar à represen-
tação rítmica. Ok?

3.2.1 Para Começar, Vamos Observar


Propriedades Importantes do Som

Duração: Como falamos antes, a duração é o tempo de produ-


ção do som, é o quanto ele dura.

Altura: É a propriedade do som de ser grave, médio ou agudo.


O mugido de uma vaca é grave; já o canto de um pássaro, um
bem-te-vi, por exemplo, é agudo. Entre eles há sons interme-
diários, ou médios. Duas coisas são muito importantes aqui: 1)
essa é uma propriedade relativa, ou seja, ela nasce da compa-
ração de sons. Por isso, um mesmo som pode ser grave num
momento, ou médio em outro, a partir do elemento de compa-
ração. O mugido da vaca, por exemplo, pode ser considerado
médio se comparado ao mugido de um touro, mais grave ainda.
Entende? 2) no senso comum, falamos de altura nos referindo
ao que se chama nos aparelhos de som e tv de volume. Na
teoria musical, esse volume é a intensidade do som (veremos
a seguir) e não sua altura. Ok? Cuidado, então! Se falarmos a
um músico “por favor, abaixe essa música,” ele irá mudar a to-
nalidade com que executa a música, deixando-a mais grave, e
não diminuir o volume na caixa de som.

Intensidade: é a propriedade do som ser mais fraco ou mais


forte; assim como a altura, é uma propriedade relativa. Aqui,
sim, falamos do volume dos aparelhos de som.

Timbre: é a qualidade do som que nos permite identificar sua


origem; é como a sua identidade. É o timbre que nos faz reco-
nhecer se o som é de piano ou de flauta, por exemplo, mesmo
sem vermos os instrumentos sendo tocados.

54
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

Hora de praticar
Dê uma volta na sua rua. Abra bem os ouvidos! Que sons você escuta? São
longos ou curtos? Graves ou agudos? Fortes ou fracos? Você consegue dizer
de onde vem, quem os produz? Divida conosco suas observações.

3.2.2 Escrita Musical

A escrita musical foi a forma encontrada pelo ser humano para


deixar registrada as músicas e assim poderem ser “lidas” e to-
cadas por todos. Assim como nossa linguagem evoluiu da orali-
dade para a escrita, também na música foram criados símbolos
que permitiram registrar cada propriedade do som na forma de
uma escrita.

A pauta onde se escreve a música possui 5 linhas; por isso


é chamada de pentagrama, que é uma palavra que vem do grego:
pente (cinco) + gram (escrever). Veja abaixo.

___________________________________________________________

___________________________________________________________

___________________________________________________________

___________________________________________________________

___________________________________________________________

55
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

Na escrita musical, cada uma das propriedades do som


tem sua representação no pentagrama. Aqui vamos detalhar ape-
nas os elementos fundamentais. Ok?

Duração: é representada pela figura da nota e pelo andamen-


to. Vamos começar pela figura da nota. É ela que indica quanto
tempo o som deve durar. Cada uma possui um nome e tem
uma duração específica;

semibreve mínima semínima colcheia semicolcheia fusa semifusa


4t 2t 1t 1/2t 1/4t 1/8t 1/16t
4t 2t 1t 1/2t 1/4t 1/8t 1/16t

Esse “t” quer dizer “tempo” e quer mostrar a relação que exis-
te entre uma nota e outra. Partindo da semibreve, que é a de maior
duração, cada nota seguinte dura sempre metade da anterior.

Percebeu? O mesmo vai valer para as pausas, como você


vai ver a seguir.

As pausas também têm duração variável assim como o


som. Por isso, elas também têm figuras que as representam. Para
cada nota há uma figura de pausa correspondente. Veja abaixo.

semibreve mínima semínima colcheia semicolcheia fusa semifusa

4t 2t 1t 1/2t 1/4t 1/8t 1/16t


4t 2t 1t 1/2t 1/4t 1/8t 1/16t

O andamento é a velocidade da música. É a velocidade


com que marcamos a pulsação, o metro. Tradicionalmente, é indi-
cado por palavras em italiano como por exemplo: Largo, adágio,
lento, andante, presto etc. Isto quer dizer que as notas vistas aci-
ma podem durar mais ou menos tempo, podem ser tocadas mais
ou menos rápido.

56
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

A relação entre elas se mantém sempre. Por exemplo, a semínima vale sem-
pre metade da mínima, não importando quantos segundos ela vai durar.

Altura: é dada pela posição da nota no pentagrama.

AsAsnotas são escritas


notas são escritas ou entre as linhas
sobre as linhas ou entre as linhas
sobre as linhas

Indo das mais graves em baixo às mais agudas em cima.

Intensidade: é dada pelos sinais de dinâmica. A dinâmica são


os graus de força com que são produzidos os sons na música,
ou seja, seu volume. São descritos com palavras que, na pau-
ta, são representadas por símbolos. Por exemplo: Forte, Piano,
Mezopiano (ou meio piano), Mesoforte (ou meio forte). Obser-
ve a figura abaixo:

57
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

No pentagrama, esses sinais vêm escritos para que o mú-


sico produza o som com a intensidade desejada pelo compositor
da obra. Veja:

Neste exemplo, a primeira nota deve ser tocada forte e as


demais vão crescendo para o fortíssimo. Aquelas duas linhas for-
mando um ângulo indicam esse crescimento.

Lembre-se: não podemos falar em alto e baixo. Esses termos são para a
altura da música, se aguda ou grave.

Timbre: é dado pela indicação do tipo de voz (soprano, contral-


to, tenor...) ou instrumento que deve executar a música (piano,
flauta...);

Compasso: é uma forma de dividir em grupos regulares uma


composição musical levando em consideração pulsos e repou-
sos e definindo uma unidade de tempo. A música fica “dividida”
em pequenas partes de igual duração. A soma da duração dos
tempos das notas e da duração das pausas dentro de um com-
passo deve ser sempre igual à duração determinada para os
compassos dessa música;

Barra de compasso: é uma linha vertical que separa os com-


passos;

58
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

Tempo: é uma parte do compasso. Os compassos podem ter


tempos diferentes;

Compasso binário: tem 2 tempos, sendo o primeiro o tempo


forte;

Compasso ternário: tem 3 tempos. Marcamos um tempo forte


e dois mais fracos;

Compasso quaternário: tem 4 tempos, sendo o primeiro e o


terceiro tempos acentuados, porém o primeiro com mais força
que o terceiro.

Vamos experimentar?

Abaixo, temos um exemplo de compasso binário. Para cada


nota numerada com 1, você deve bater uma palma forte, seguida de
uma mais fraca para o número dois. Ok? Repita algumas vezes.

A seguir temos um compasso ternário. Bata palmas nova-


mente. Para o número 1 bata uma palma forte; para o 2 e o 3, bata
palmas fracas. Muito bem!

Manifestações Rítmicas e Expres UNIDADE 3/


NAS ONDAS

Agora experimente
escrever um compasso
quaternário. Depois bata
palmas. Registre tudo na
nossa página.
Nossa intenção aqui não é transformá-lo num músico.
Sobre notação musical,
Queremos, apenas, que você possa identificar os elementos que veja a seguinte página:
http://pt. wikipedia.org/wik
compõem o som e assim poder usá-los de forma consciente em i/Nota%C3%A7% C3%
suas aulas. A3o_musical.

59
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

3.3 Expressividade Musical

Entendemos por expressividade musical a capacidade da


música de transmitir algo, seja uma idéia, uma imagem, uma sen-
sação, uma emoção. E como ela faz isso conosco! Não é mesmo?

Por que será que a música nos emociona tanto? Dentre as


formas de arte, ela parece ser a que mais rapidamente nos atinge,
nos emocionando, nos incomodando, nos alegrando etc... Nossas
reações à música são variadas pois as expressões musicais são
muito diferentes e porque nós temos também formas diferentes de
escutar e sentir a música. Vamos por partes.

Em que se baseia a expressão musical?

A expressão musical nasce da organização dos sons a


partir daqueles elementos que vimos antes, principalmente a me-
lodia, o ritmo e a harmonia. Há músicas em que o aspecto rítmico
é preponderante, chama mais nossa atenção e há aquelas em
que a melodia nos fala mais forte. No ritmo sentimos a batida da
música e a velocidade com que nos conduz; na melodia sentimos
as variações para onde ela nos leva.

Através de seus elementos, a música é capaz de modificar


nossos estados físicos, mentais e emocionais. Músicas fortemen-
te marcadas pela percussão nos mobilizam quase que imedia-
tamente a dançar ainda que seja apenas batendo o pé no chão,
acelerando nossos batimentos cardíacos. Músicas essencialmen-
te melódicas nos acalmam, nos trazem lembranças, podem nos
alegrar ou entristecer.

Quando a música possui mais emissões curtas de sons,


ou seja, notas mais juntas, com duração menor cada uma, há
uma sensação de aceleração, o ritmo é mais rápido. Essas músi-
cas onde há predominância de colcheias, semicolcheias, fusas e
semifusas tendem a agitar, animar, levantar a energia, estimular
ações. Já quando temos mais sons emitidos com maior duração,

60
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

ou seja, mais notas do tipo semibreves, mínimas e semínimas, o


que escutamos tende a favorecer mais o relaxamento, a música
parece mais calma e parece nos manter mais estáveis, pois os
sons duram mais tempo, e as pausas mais longas também ten-
dem a favorecer neste aspecto.

Da mesma forma temos a preponderância de estímulos à


interiorização ou exteriorização de acordo com a altura preponde-
rante das músicas, ou seja, conforme sejam mais graves ou agu-
das as notas emitidas. Naquelas emissões de sons mais graves,
músicas de tons mais graves, há uma ênfase na interiorização, no
recolhimento. Já nas músicas mais agudas, de sons mais predo-
minantemente altos, o estímulo é para a exteriorização.

Pense nisso quando for escolher as músicas, ritmos e sons


que utilizará em suas aulas.

Você sabia que há, também, formas diferentes de ouvir uma


música?
Os meios de comunica-
ção sabem muito bem
Pois é. Há a escuta não intencional, que é aquela em que disso e utilizam esse
colocamos uma música de fundo, enquanto fazemos outra coisa. recurso com bastante fre-
qüência. Se você prestar
As músicas ambientes, por exemplo. É a música que deixamos atenção na programação
de TV verá que nove-
tocar enquanto almoçamos e conversamos; é a música que fica
las, filmes, comerciais a
tocando no consultório médico. Nesse tipo de escuta não presta- todo tempo manipulam
nossas emoções sim-
mos atenção direta à música, mas ela serve para dar um “clima” à plesmente com o uso da
situação, ou ao ambiente. É o chamado nível Sensitivo de audi- trilha sonora.

ção e ele altera nosso humor sem que percebamos.

Hora de praticar
Hoje à noite assista a uma novela de sua preferência. Tente se concentrar na
trilha sonora. Observe o estilo de música que é tocado em cada cena. Há
diferença entre as cenas de amor e as de tensão, por exemplo? Descreva a
expressão musical e a cena, relacionando uma a outra. Leve seus resultados
para nossa página.

61
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

Há também a escuta intencional, quando nós prestamos


atenção à música. Nessa escuta, não estamos fazendo outra coi-
sa, procuramos perceber a expressão, as imagens que a música
traz. Às vezes essa escuta nos leva para fora da música, nos faz
“viajar”, lembrar de pessoas e lugares, lembrar de situações que
vivemos. Emocionamo-nos com a música mais pelo que ela nos
traz de lembranças ou de pensamentos e sonhos. Às vezes “via-
jamos”, mas dentro da própria música. Emocionamo-nos com ela
própria, com a sua expressividade, sem sabermos direito o por
quê. A esse nível de escuta chamamos Expressivo.

A terceira forma de escuta é aquela em que de fato prende-


mos nossa atenção, nossa percepção, nosso pensamento à mú-
sica. Escutamosos instrumentos, ouvimos os diferentes timbres,
percebemos a melodia, a harmonia, o ritmo. É ouvir percebendo
a estrutura, a forma, as partes da música. Esse nível de escuta é
o chamado Analítico, ou puramente musical.

Esses níveis não são mais ou menos importantes entre


si. A diferença está na função de sua utilização. Há momentos
em que a “melhor” escuta é a expressiva. Há outros em que pre-
cisamos escutar analisando a música. Há outros ainda em que
misturamos as escutas. Na profissão de educador físico, você vai
precisar saber escutar das três formas e mais, vai precisar saber
quando optar por uma ou por outra escuta, usando-as para me-
lhor utilização da música em suas aulas.

Hora de praticar
Escolha uma música de sua preferência. Sente-se confortavelmente diante do aparelho
de som e o deixe tocar. Feche os olhos e tente se concentrar nela. “Observe” os sons e as
pausas; tente identificar os instrumentos. Agora imagine a música preenchendo todo o
espaço onde você está. Viaje com ela através de suas ondas. Cuidado! Não deixe suas lem-
branças lhe desviarem a atenção da música. Escute a música e concentre todo seu ser nela.
Compartilhe suas impressões no fórum.

62
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

3.3.1 Efeitos e Influências da Música Sobre os


Seres Humanos
Por atingir diretamente nossos estados emocionais, a mú-
sica tem uma importante influência sobre nós. Mas não é apenas
nas nossas emoções que a música nos influencia.

Pesquisas nas áreas de neurociência têm comprovado que


as partes do cérebro responsáveis pelo aprendizado musical e
pelo aprendizado matemático estão próximas. Crianças que es-
tudam música na pré-escola desenvolvem mais seus raciocínios
lógico e matemático do que as que não estudam.

O aprendizado musical desenvolve em nós, também, a


sensibilidade auditiva. Tornamo-nos capazes de perceber diferen-
ças sutis nos sons e, assim, apreciá-los ou rejeitá-los mais.

A música exerce, ainda, forte influência sobre nosso desejo


de movimento. Ela parece falar diretamente aos nossos múscu-
los! Maria Fux (1983) diz que não conseguimos ouvir plenamente
a música sem dançar!

Ao longo da história da humanidade, a música teve diferen-


tes funções: mágicas, curativas, religiosas, socialização e entrete-
nimento, expressivas etc.Todas essas funções atestam a impor-
tância que a música teve e tem em nossas vidas, desde sempre.

Hoje usamos a música para diversos fins como:

Musicoterapia, que é uma forma de tratamento que utiliza a


música para solucionar problemas de ordem física, mental e
emocional;

Expressão artística da música, que nos emociona;

Música embalando danças sociais;

Música criando ambientações.

63
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

Hora de praticar

Que outras funções podemos encontrar para a música em


Hora dedias?
nossos praticar
Para encontrar essa resposta, observe a sua co-
munidade,
Que outras funções podemos os hábitos
encontrar paramusicais
a músicadeem sua cidade,
nossos asPara
dias? preferências
encontrarde
essa resposta, observeestilos
a sua comunidade,
nas diversasos hábitosdemusicais
regiões de sua
seu estado. cidade, as
Socialize suapreferên-
resposta
cias de estilos nas diversas regiões de seu estado. Socialize sua resposta no fórum.
no fórum.

3.3.2 A Música em sua Atividade Docente

Como você tem usado a música em suas aulas?

Com tudo que vimos nessa unidade, você pode perceber


que podemos fazer diferentes usos da música nas aulas de Edu-
cação Física, principalmente com o objetivo de trabalhar a capa-
cidade rítmica dos nossos alunos.

Podemos utilizá-la para modificar o ritmo grupal de nos-


sa turma; como ambientação para práticas motoras; como instru-
mento para o desenvolvimento rítmico, etc.

Vamos pensar juntos em algumas estratégias?

Nós vamos citar algumas possibilidades aqui. Você deve


sugerir outras, na nossa página. Ok?

1. Coloque uma música instrumental ou seja, aquela que não é


cantada, com pouca percussão. Dê a cada aluno uma folha de
papel e lápis colorido. Peça a eles que desenhem aquilo que
estão ouvindo.

– Essa estratégia desenvolve a percepção auditiva, a concen-


tração e a imaginação; aqui estamos nos concentrando mais
na expressividade melódica da musica;

64
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

2. Você conhece a brincadeira “Escravos de Jó”? Ela é muito efi-


caz para o desenvolvimento rítmico. Dever de casa: pesquise
sobre ela, caso não a conheça;

3. Com um pandeiro, marque a pulsação (o metro) e peça a seus


alunos que acompanhem cada batida do pandeiro com um
passo. Vá acelerando a execução das batidas; depois diminua
a velocidade dela; trabalhamos assim a percepção auditiva e o
reflexo áudio-motor de nossos alunos;

Que músicas podemos e devemos utilizar em nossas classes?

Além dos aspectos rítmicos e de altura melódica, devemos


também, levar em consideração o que transmite, culturalmente, a
música utilizada. As músicas de um povo o representam cultural-
mente e, na educação, estamos preservando e remodelando nos-
sa cultura. Será que devemos utilizar qualquer música que toca
na rádio? Você já prestou atenção em algumas cantigas de roda
como Atirei o pau no gato....; Eu sou pobre, pobre, pobre....; Sam-
balelê precisava, é de uma boa lambada.....????? E em letras que
reforçam preconceitos, incitam atitudes inadequadas, reproduzem
atitudes de desrespeito do ponto de vista da cor, do gênero, da
cultura, das limitações....

Reflitam sobre isso e


vamos conversar no
fórum sobre alguns
exemplos.

65
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 3 NAS ONDAS DA MÚSICA

Concluímos a Unidade de escuta musical e suas funções. Apren-


3. Aqui você compreen- deu, também, que a música exerce enor-
deu o conceito de ritmo me influência sobre nós, seres humanos, e
na música e aprendeu que é preciso estar consciente de sua ex-
os fundamentos da es- pressividade na hora de nossas escolhas
crita musical. Identificou diferentes formas para elaboração de aulas.

Agora vamos em frente. Na Unidade 4 vamos dançar!

66
MANIFESTAÇÕES
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS
RÍTMICAS E
E EXPRESSIVAS
EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

UNIDADE 4

“Pense e Dance”
“Pense e Dance” é o título de uma música do Barão Vermelho, grupo de rock brasi-
leiro, que nos fala de uma maneira de viver atuante, ativa, corajosa, assumindo as “rédeas
do destino”, como se costuma dizer por aí. E isso tem mesmo tudo a ver com a dança.

Pensar e dançar é o que vamos fazer nesta unidade. Pois pensar a dança sem
dançar não nos ajuda a compreendê-la.

E mais. Vamos conhecer seus elementos fundamentais; vamos estudar o ritmo


na dança; vamos investigar dança e expressividade e identificar diversas manifestações
rítmicas expressivas. Tudo isso pensando e dançando!

É hora de afastar os móveis da sala, novamente!

Barão Vermelho - Pense E Dance Não fique esperando a vida passar tão rápido
Compositor: Dé/ Frejat/ Guto Goffi A felicidade é um estado imaginário

Não penso
Penso. Em tudo que já fiz
Como vai minha vida E não esqueço
Alimento todos os desejos De quem um dia amei
Exorcizo as minhas fantasias Desprezo os dias cinzentos
Todo mundo tem um pouco de medo da vida Eu aproveito pra sonhar
Enquanto é tempo
Pra que perder tempo
Eu rasgo o couro com os dentes
Desperdiçando emoções
Beijo uma flor sem machucar
Grilar com pequenas provocações
As minhas verdades
Ataco se isso for preciso
Eu invento sem medo
Sou eu quem escolho e faço
Eu faço de tudo
Os meus inimigos
Pelos meus desejos

“Saudações a quem tem coragem” Pense, dance, pense, pense, dance


Aos que estão aqui pra qualquer viagem De olho no lance

67
Objetivos
Ao finalizar esta Unidade, esperamos que você possa:

conceituar dança;

descrever noções dos elementos da dança;

aplicar o conceito de ritmo à dança;

identificar as relações entre dança e expressividade;

descrever manifestações rítmicas expressivas representativas da cultura local, regio-


nal e nacional;

expressar-se por meio da dança;

elaborar pequenas seqüências coreográficas coletivas.

68
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

4.1 Conceito de Dança

Pegue o seu caderno. Para começar essa nossa conversa,


escreva o que é dança para você. Guarde-o com cuidado. Vamos
precisar dessa tarefa depois. Socialize seu pensamento no fórum
também. Lá nós vamos ver como a idéia de dança pode ser
diferente para cada um de nós. E vamos ver, também, em que
aspectos você e seus colegas de curso pensam parecido quando
o assunto é dança.

Vamos começar com uma idéia bem ampla: Dança é arte


do movimento.

Dessa idéia vem outra pergunta. Mas o que é mesmo arte?

4.1.1 Conceito de Arte

Você lembra que na Unidade 2 falamos um pouco sobre formas


de conhecimento do mundo? (volte ao item 2.1 e dê uma olhada)

Pois é. A arte é uma forma de conhecimento do mundo. Foi


criada pelo ser humano para ajudá-lo a entender, construir, se Assim como a fala e a
escrita são uma lin-
relacionar com o mundo em que vive. guagem, baseada nas
palavras, a arte também
Cada uma das formas de conhecimento tem característi- é linguagem, pois nos
cas específicas, e as três se complementam nesse trabalho de fala algo, nos indica
algo. Essa linguagem é
nos inserir nesse mundo. As características da arte são: determinada pela ma-
téria de que é feita a
busca o conhecimento sensorial, sensitivo, simbólico do mun- arte: se feita de sons, a
linguagem da música; se
do; feita de materiais visuais
(tinta, grafite, imagens
faz isso através da observação, análise, intuição, transforma- virtuais etc.) são as artes
ção, transcendência; plásticas ou visuais; se
feita de movimentos, é a
resulta numa criação expressiva do próprio ser humano e de dança; se feita de ação,
texto, é o teatro. Essas
sua relação de conhecimento e vivência do mundo. são as artes clássicas,
tradicionais. Hoje em dia
A essência da arte, independente da linguagem, é a criação. temos outras formas de
arte, como a arte digital
Assim como o cientista e o inventor criam, o artista, feita no computador, por
exemplo.

69
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

também, cria mas sua criação tem características específicas.


Ela tem um caráter único, pessoal, expressivo do artista, virtual,
transcendente. Através dessa criação o ser humano se expressa,
expressa seu mundo e seu sonho de mundo, transformando-o.

Vamos exemplificar para clarear sua compreensão.

Pense na fruta maçã. Para conhecermos o objeto maçã


pelo método científico, temos que analisá-lo de forma sistemati-
zada, investigando seus atributos físicos: cor, tamanho, substân-
cias que a compõem, características nutricionais, benefícios para
a saúde, etc.

Agora pense um pouco. Esse conhecimento nos diz se a


maçã é uma fruta gostosa, suculenta? Nos diz sobre a diferença
de sabor entre uma maçã verde e uma vermelha? Não.

Pois é. Aqui entra o senso comum. É ele que nos dá es-


sas informações. É ele que nos faz saber, só por olhar, qual a
melhor maçã a comprar quando estamos na feira. Já pensou se
precisássemos do método científico para escolher uma maçã no
mercadinho? Teríamos que fazer uma análise da composição de
cada uma para depois decidirmos qual deveria ser a mais doce,
mais suculenta etc. Já pensou quanto tempo iríamos gastar nesse
processo? A fome até passaria :-)!

70
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

E a arte, entra onde?

Entra nas representações simbólicas que cons-


truímos ao nos relacionarmos com a fruta. A maçã
não é apenas uma fruta. Ela é mais. Para muitos, na
religião cristã, ela é o símbolo do pecado original.
Para outros ela é símbolo de carinho, como quando
um aluno a oferta para sua professora. Para outros é
fruto muito desejado, por não ser típico de sua região
e além de muitos outros significados. O ser humano
tem necessidade de expressar isso, seja na pintura,
na fotografia, na literatura, na dança.

Assim como a maçã, toda a realidade é compreendida por nós dessa


maneira, unindo conhecimentos.

Você seria capaz de pensar um outro


elemento da realidade a partir da
compreensão das três formas de
conhecimento, como fizemos com
a maçã? Experimente! Damos uma
sugestão: o rio, ou o mar.

Você entendeu enfim o que é arte?

Vamos avançar então.

4.1.2 De Volta à Dança


Dissemos que dança é arte do movimento.

Mas, qualquer movimento é dança? Quando subimos uma


escada, por exemplo, estamos dançando?

71
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

Não, não estamos. Podemos usar o movimento de subir


uma escada para compor uma dança, ou até subir dançando, mas
o movimento de subir realmente uma escada, naquele momento,
não é o movimento de dança. Porquê?

Por que a dança não é feita de movimentos utilitários, fun-


cionais, no momento em que eles acontecem de fato. Esses mo-
vimentos são todos aqueles que praticamos em nosso dia-a-dia,
para realizarmos nossas atividades. Eles têm uma função especí-
fica, uma utilidade prática: subir uma escada, levantar o copo para
beber água, varrer a casa. Tome este último exemplo. Quando nos
movemos para varrer a casa nosso movimento é feito para deixar
a casa limpa, certo? Movemo-nos com a função de limpar. Não
nos movemos pelo movimento em si mesmo.

A dança tem outra função, não utilitária. Nos movemos


pelo prazer do movimento, para socializarmos, para nos expres-
sarmos. O movimento tem a intenção dele mesmo.

A dança pode ser definida, então, como o movimento in-


tencional, simbólico, transcendente do ser humano através do
qual ele expressa a si mesmo e sua relação com o mundo.

Dentro desse conceito temos dois níveis de abrangência:


a dança lato sensu (sentido amplo) e stricto sensu (sentido es-
trito, específico).

A dança no sentido lato é esse movimento definido acima, de


todo ser humano, próprio de sua essência individual e cultural.
Repetindo: de todo ser humano. Se todo ser humano é corpo e
movimento, todo ser humano dança. Não cabe dizermos: “Eu
não sei dançar”. Todos sabemos dançar. Talvez você não saiba
uma dança específica como o tango, por exemplo, mas isso
não significa que não saiba dançar. Há um jeito de dançar que
é só seu e é, dança. Entende?

72
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

Hora de praticar
Que estilo de dança você acha que não sabe dançar de jeito nenhum? Xaxado?
Carimbó? Tango? Rock? Escolha um qualquer, ponha a música para tocar e
experimente inventar! Essa é a sua dança!

Maria Fux disse: “A dança está


no homem, em qualquer homem da
rua e é necessário desenterrá-la e
compartilhá-la” (FUX, p.39). Fux é
uma dançarina Argentina muito im-
portante. Foi ela que criou a dança-
terapia, uma forma de tratamento
terapêutico feito a partir da dança.

A dança em seu sentido lato, portanto, engloba as mani-


festações espontâneas, as danças folclóricas, as danças popu-
lares, as danças de salão, a dança como fonte de lazer, como
instrumento terapêutico, como processo de auto-conhecimento e
educação.

Já em seu sentido estrito, a dança é a busca pela máxima


expressividade do movimento corporal, resultando numa cria-
ção coreográfica, numa obra de arte. É o trabalho do dançarino
profissional, do bailarino que, como todo profissional, deve se
especializar no que faz, daí sua capacidade de executar movi-
mentos tão diversos. Essa dança é comprometida com a inova-
ção, com a criação estética, com o espetáculo.

73
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

Agora que já conversamos bastante, veja se você entende


o que Roger Garaudy, filósofo francês, quis dizer com esse con-
ceito de dança. Para ele, a dança é “a expressão, através de mo-
vimentos do corpo, organizados em seqüências significativas, de
experiências que transcendem o poder das palavras e da mímica”
(1980, p.13).

Percebeu como a definição dele é diferente da nossa, mas


como ela coincide com o que dissemos até aqui?

Agora pegue seu caderno e leia o que você havia escrito


quando iniciamos essa unidade. O que você pensa agora? Mudou
alguma coisa no seu entendimento do que seja dança?

Vá ao fórum. Queremos ouvir você!

4.2 Elementos da Dança

Quando falamos em elementos que compõem a dança, te-


mos de lembrar de Rudolf Laban (1879-1958), que foi um bailarino
e coreógrafo alemão que estudou a fundo o movimento humano,

Para saber mais sobre


influenciando não só as artes, mas muitos ramos da ciência. La-
Laban e seu Sistema de ban se dedicou ao desenvolvimento de um método de análise do
Análise de Movimento,
visite a página http:// movimento que é utilizado e desenvolvido hoje em todo o mundo.
pt.wikipedia.org/wiki/
Rudolf_Laban. Para Laban, todo movimento nasce de um impulso interno
que ele chamou de esforço. Esse esforço gera uma ação-movi-
mento e são ambos caracterizados pelos fatores espaço, tempo,
peso e fluência. Para Laban, as variações de qualidade desses
fatores representam diferentes movimentos e, também, atitudes
internas distintas.

A dança é feita de movimentos. Assim, a obra coreográ-


fica como um todo se constrói a partir desses mesmos elementos
que compõem o movimento: o tempo, o espaço, o peso e fluência.
Vamos usar aqui a análise de Lia Robatto (1994) que agrupa num
mesmo item, o peso e a fluência, chamando-o de intensidade.

74
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

4.2.1 Espaço

O espaço, na dança, pode ser percebido a partir de duas


referências: o espaço individual do dançarino, sua cinesfera, que,
tendo como referência seu centro e eixo corporal, engloba seu es-
paço interno e externo, sem deslocamentos (assim como temos
um ritmo interno, também temos um espaço interno a ser perce-
bido); e o espaço cênico que é o espaço onde a dança acontece; Laban define assim a
cinesfera: “Ainda que
ele vai além da cinesfera do dançarino e tem suas referências em o corpo se mova ou
pontos determinados a sua volta. esteja detido, cerca o
espaço. Ao redor do
corpo está a ‘esfera de
movimento’ ou ‘kinesfera’,
cuja circunferência se
pode alcançar com as
extremidades estendidas
normalmente, sem
mudar a postura, isto é, o
lugar de apoio” (LABAN,
1990, p. 85).

Quando estudamos o espaço do movimento, observamos


o seguinte:

Desenho do movimento: são as linhas que desenhamos com


o percurso do nosso movimento. Por exemplo, podemos fazer
movimentos que são retos ou curvos, angulares ou em voltas,
simétricos ou assimétricos. Tudo em relação aos movimentos
individuais mas, também, aos movimentos do grupo como um
todo;

Hora de praticar
Imagine que você é um robô. Agora tente andar, sentar dançar. Com certeza seus movi-
mentos serão retos e angulares. Agora, se você fosse uma cobra...

75
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

Dimensão do movimento: po-


demos observar o movimento a
partir de planos espaciais, que
determinam sua dimensão. São
eles: altura, quando o movimen-
to enfatiza a verticalidade; largu-
ra, quando o movimento enfati-
za a horizontalidade; e o plano
transversal, que enfatiza a pro-
fundidade;

Hora de praticar
Imagine-se tentando alcançar o maleiro de uma armário, ou o topo de uma estante. Faça
os movimentos. Eles estarão enfatizando a verticalidade. Agora, imite o gesto de passar
roupas; a ênfase está na horizontalidade. Por fim, tente ser uma onda do mar ou do rio;
na sua frente está a areia; seus movimentos enfatizam a profundidade, vem de trás para
frente.

Proporção: relaciona o tamanho do dançarino à dimensão do


espaço físico onde ele dança. Os movimentos podem ser, en-
tão, amplos ou restritos, largos ou estreitos, grandes e exage-
rados ou mínimos e sutis;

76
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

Hora de praticar
Hora de praticar
Qual o tamanho de sua sala? Tente fazer movimentos bem
Qual ocomo
amplos, tamanho de sua “pegar”
querendo sala? Tente
todofazer movimentos bem amplos, como querendo “pe-
o espaço.
gar” todo o espaço.

Níveis: os movimentos podem ser executados em três níveis:


baixo que são executados no chão ou em posições muito fle-
tidas, como por exemplo as quedas e rolamentos; alto, quan-
do ocorrem com a elevação do dançarino para cima, como por
exemplo, os movimentos com os braços para cima, pulos, saltos;
e, o nível médio que é o intermediário entre o baixo e o alto;

Nível baixo:

Nível médio:

Nível alto:

77
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

Hora de praticar
Pense num gesto. Você pode executá-lo nos três níveis. Experimente!

Direção: esse elemento mostra o percurso do movimento. Uti-


liza os planos e os níveis vistos acima para dizer onde o mo-
vimento tem início, para onde ele vai e por onde ele passa. As
direções básicas seriam: frente e trás (plano transversal), lado
direito e esquerdo (plano da largura), cima e baixo (plano da
altura) e todas as diagonais intermediárias. Os conjuntos de
movimentos podem apresentar direções convergentes ou di-
vergentes entre si.

Hora de praticar
Junte agora todos os movimentos que você executou nos itens anteriores: do robô, de
tentar alcançar o maleiro, de passar roupa, da onda etc. Emende um no outro, sem parar.
Observe que você fará caminhos diferentes, cima-baixo, frente-trás etc, com diferentes
direções. E terá se divertido muito também!

78
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

4.2.2 Tempo

O tempo é um dos elementos da dança que muito nos inte-


ressa nessa disciplina, pois ele tem relação direta com o ritmo.

Quando estudamos ou criamos um movimento podemos


decrevê-lo em seu fator tempo observando sua:

Duração: é o tempo decorrido entre o início e o fim de cada


movimento, ou de suas pausas; é, também, o tempo da coreo-
grafia como um todo. Pode ser medido em minutos e em com-
passos, quando se utiliza a música;

Hora de praticar
Imagine que você tem um giz na sua mão e faça o desenho de um grande círculo num
quadro imaginário a sua frente. O tempo decorrido entre o início e o fim do movimento
foi quanto ele durou.

Velocidade: diz respeito à variação da duração dos movimen-


tos em relação a uma referência inicial. Os movimentos podem
ir acelerando ou desacelerando em relação a essa referência.
Vai do padrão mais lento ao mais rápido ou pode se manter
uniformemente;

Hora de praticar
Em pé, comece a andar no mesmo lugar. Aos poucos, vá acelerando até virar uma corrida
bem ligeira. Depois vá desacelerando até retornar à caminhada inicial. Você não manteve
um movimento uniforme, mas variou sua velocidade acelerando-o e o desacelerando.

79
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

Acentuação: são as marcas, o “relevo” que acontece no


percurso do movimento; pode ser identificado por marcações
rítmicas;

Hora de praticar
Repita o gesto do círculo com o giz imaginário, mas dessa vez, faça pequenas pausas ao
longo do percurso. Percebeu o resultado? Essas pausas dão o acento, o relevo ao movi-
mento.

Periodicidade: refere-se à incidência dos fatores de tempo


que vimos acima. Ou seja, de quanto em quanto tempo, na
coreografia, acontecem os acentos, as pausas, as acelerações
ou as desacelerações etc. É a periodicidade que marca o ritmo
da coreografia.

Hora de praticar
Agora junte a corrida e o círculo. Faça primeiro o círculo sem acentos, 2X; agora faça a
corrida; repita tudo do começo; agora inclua o círculo com acentos. Repita tudo do come-
ço até aí. Você acaba de montar uma pequena seqüência utilizando a periodicidade dos
fatores de tempo vistos acima.

4.2.3 Intensidade

A intensidade nos fala da qualidade do movimento. É o


como ele é feito. É determinada principalmente pelos fatores:

Peso: chamamos de peso ao grau de evidência da resistência


à força da gravidade durante nossa execução do movimento.
Quando nos movemos estamos, a todo momento, enfrentan-
do a gravidade. Se não fosse assim, não conseguiríamos nos

80
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

levantar do chão, já que a gravidade está todo o tempo nos


puxando para baixo. Não é mesmo? Pois então. Quando dei-
xamos transparecer nosso esforço em enfrentar a gravidade,
temos um movimento que se mostra pesado; já quando faze-
mos o movimento sem mostrar o esforço, temos um movimento
de aparência leve. Pense num salto de uma bailarina. Ela não
parece flutuar de tão leve? O trabalho muscular ali é enorme,
mas ela, por estar muito treinada, não deixa transparecer. Para
conseguir essa leveza, é preciso muita força muscular. O peso,
também, tem relação com o nosso estado ativo ou passivo em
relação ao movimento.

Hora de praticar
Em pé abra os braços em cruz e sustente-os nessa posição. Agora, deixe-os cair, puxados
pela força da gravidade, sem nenhuma resistência de sua parte. Se puder, faça isso olhando
para um espelho. Que resultado visual você tem? Agora, partindo da mesma posição
inicial, faça movimentos lentos, controlados, descendo e subindo os braços. Compare o
resultado alcançado agora com o resultado anterior.

Esforço: se refere ao grau de energia que despendemos na


realização do movimento. Os movimentos, então, podem ser
fortes ou fracos, tensos ou relaxados.

81
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

4.3 Ritmo na Dança

Assim como aplicamos o conceito amplo de ritmo à músi-


ca, vamos pensá-lo em relação à dança.

Se o material desta linguagem é o movimento, o ritmo se


dá pela organização dos movimentos e as pausas. Certo?

É por isso que dizemos que pode haver ritmo na dança


mesmo não havendo música. Podemos dançar sem música. A
dança tem seu ritmo próprio.

Hora de praticar
Experimente. Faça um movimento qualquer, de seu agrado. Preste bem atenção em como
ele começa e como termina. Certo? Agora, repita-o. Experimente fazê-lo mais rápido.
Depois, mais lento. Agora faça uma vez lento, seguida de duas vezes rápido. Como antes,
você acaba de fazer uma composição em dança. Uma pequena coreografia. E não preci-
sou de música!

Acontece que a música nos estimula a dançar. Vimos isso


na Unidade 3. Com ela sentimos muito prazer em executar os mo-
vimentos, sejam eles já conhecidos ou inventados por nós. Nesse
dançar a música, sentimos vontade de acompanhar o ritmo que
ela tem, casando sons e movimentos.

É assim com as danças sociais, com as danças populares,


folclóricas, de salão. Dançamos a música.

É por isso, também, que muitas músicas têm seu corres-


pondente em movimento. Muitas vezes temos um só nome para
um estilo de música e uma dança. É assim para o samba, o frevo,
o xaxado, o carimbó e tantas outras manifestações rítmicas.

Na dança artística contemporânea, também se dança a


música, mas não se fica preso a ela, sempre. A música é uma ex-
pressão artística própria, assim como a dança, e os coreógrafos

82
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

podem usá-la da forma que melhor convier a sua necessidade de


expressão. Às vezes se dança a música; as vezes se dança com
a música, mas num ritmo que difere do dela; às vezes se dança
o silêncio.

4.4 Expressividade na Dança

A expressividade na dança vem da verdade do movimento.


Mas o que é isso? É a intenção do movimento, é a coerência entre
o movimento que se faz e a intenção que o gerou.

Essas intenções podem ser as mais variadas. Dançamos


para expressar nossas emoções; para transmitir uma idéia; para
nos divertir; para socializar etc.

E expressividade da dança, quando somada à expressivi-


dade da música, nos leva a uma sensação de completude.

Hora de praticar
Escolha uma música de seu agrado e se sente no chão da sua sala. Escute a música
uma vez, tentando não deixar seu pensamento fugir dela. Escute-a novamente, agora
se permitindo fazer movimentos pequenos, sentado mesmo. Agora, levante-se. Ponha
a música novamente e dance. Faça os movimentos que lhe der vontade. Faça os
movimentos conhecidos, os que você já está acostumado. E faça, também, movimentos
novos, diferentes, que você nunca experimentou. Não fique com vergonha. Permita-se
sentir o prazer que é dançar livremente! Depois escreva suas impressões no fórum.

4.4.1 Manifestações Rítmicas Expressivas

Chegamos ao nome que dá título a nossa disciplina.

As manifestações rítmicas expressivas em nossa cultura


são muitas e de diferentes ordens.

83
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

Há as manifestações puramente musicais. Há aquelas que


são conjunção de dança e música. Essas últimas são as que mais
nos interessam já que somos educadores físicos. Certo?

O Brasil é muito rico em ritmos e festas populares, que são manifesta-


ções rítmicas por excelência.

Segundo a obra de Gustavo Côrtes, “Dança, Brasil!” (Belo


Horizonte: Ed. Leitura, 2000), temos como destaques em cada
região, por exemplo:

No Norte: o Boi-Bumbá de Parintins; o Círio de Nazaré; a Festa


de São Joaquim; a Festa do Çairé; a Marujada em Bragança
Paraense. E danças como o carimbó, o retumbão, o lundu da
Ilha do Marajó, o xote bragantino, o vaqueiro do Marajó, o ma-
rabaixo, o batuque, o siriá e o boi-de-máscara;

No Nordeste temos: Lavagem da Igreja do Bonfim na Bahia;


Folguedos Natalinos em Alagoas; Bumba-meu-boi no Mara-
nhão; Festas de São João de Campina Grande; de Caruaru e
de Estância; Carnaval em Recife, Olinda e Salvador; a Roma-
ria em Juazeiro do Norte; e as danças guerreiro, frevo, xaxa-
do, quilombo, caninha verde, maracatu, caboclinhos, ciranda,
coco, capoeira entre outras;

No Centro-Oeste: Festa de São João em Corumbá; Procissão


do Fogaréu; Festa do Divino; Festa de Nossa Senhora do Caa-
cupé; e as danças da catira, chupim, cururu, siriri, engenho de
maromba, cavalhada etc;

No Sudeste: Festa de São Sebastião (Alardo); Festa de Nossa


Senhora do Rosário; Carnaval Carioca; Festa de Santa Cruz;
Festa do Divino; e as danças: ticumbi, congos ou congadas,
moçambique, catopês, jongo, caboclinhos ou caiapós, folias de
reis, marujos, são gonçalo, calango entre outras;

84
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

No Sul: Oktoberfest; Festa de Nossa Senhora dos Navegantes;


Boi-de-mamão; Fandangos; Festa Nacional da Uva; e as dan-
ças caranguejo, chimarrita, pezinho, balaio, maçanico, ranchei-
ra, pau-de-fita, tatu, chula, tirana do lenço, xará-grande, anu,
tonta e recortado entre outras.

Qual delas você conhece? Qual delas é típica da sua região?

Agora você tem uma tarefa: Escolha uma dessas festas/dan-


ças típicas de sua região. Converse com pessoas de sua comu-
nidade sobre ela, sobre a sua tradição. Descreva-a falando da
música, da dança, da vestimenta. Coloque tudo isso na nossa
página. Seja bem detalhista, para que os alunos em outros pó-
los que não o seu possam “visualizar” essa dança também.
Use as informações que você aprendeu até aqui para descre-
ver essa manifestação rítmica (característica da música e da
dança a partir de seus elementos);

Agora outra tarefa: Escolha a descrição feita por um de seus


colegas de curso que seja bem distinta da escolhida por você.
Dê preferência a uma que você nunca viu, ou nunca dançou.
Tente reproduzi-la. Qual foi o resultado? Escreva no fórum.
Ok?

4.4.2 Composições Coletivas

Convidamos você agora a ser o coreógrafo.

Compor danças coletivamente não é difícil. É de fato um


grande prazer e tem uma importância educacional enorme.

Através da criação espontânea e coletiva, ajudamos nosso


aluno a desenvolver sua expressão motora; a respeitar, conviver
e construir a realidade (a dança) junto com o outro, sempre dife-
rente dele mesmo; a aprender a adequar seu ritmo e seu espaço
interno, pessoal, ao ritmo e espaço do grupo a que faz parte.

85
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 4 “PENSE E DANCE”

Você pode lançar mão de qualquer dos elementos da


dança para servir de estímulo para a criação do movimento. Por
exemplo, propor aos alunos que criem um gesto e depois modifi-
quem ele modificando seu tempo, sua direção, seu nível; depois
é só formar duplas ou trios onde cada aluno aprende o gesto do
outro e os executa em conjunto.
Você pode, também, partir de estímulos materiais (bola,
corda, elástico etc..), estímulos imaginários (sonhos, imagens,
etc), estímulos emocionais (situações de alegria, tristeza, raiva,
serenidade...) e estímulos factuais (narrativas reais do dia-a-dia,
dos jornais etc..). Tudo pode virar dança!

Hora de praticar
Em círculo, com seus alunos em sala de aula, peça que cada um se apresente, mas, ao invés
do nome, ele deverá fazer um gesto. Na primeira rodada, cada aluno faz seu gesto e o grupo
repete para fixar. Na segunda rodada, peça para cada aluno repetir seu gesto e a cada vez de
um aluno, o grupo deve repetir todos os movimentos já executados até aquele aluno de forma
que na vez do último aluno, todo o grupo repete todos os gestos. Você terá construído com o
grupo uma coreografia. Escolha uma música e peça ao grupo que escute, tentando adequar
a ela os movimentos feitos antes sem música. Depois é só ensaiar um pouco que a “dança do
grupo” estará pronta. Sucesso!

Concluímos a Unidade e soube usá-los para compor pequenas


4. Aqui você aprendeu coreografias. Aprendeu também sobre al-
o conceito de dança. gumas de nossas manifestações rítmicas
Observou os elementos expressivas e como compor coletivamente
que compõem a dança em dança.

Esperamos que você tenha se soltado no movimento!

Na próxima unidade, fecharemos nossa disciplina convidando-o a refletir mais cuida-


dosamente sobre sua prática profissional.

Você verá como trabalhar o ritmo tem importância fundamental para você, educador físico.

86
MANIFESTAÇÕES
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS
RÍTMICAS E
E EXPRESSIVAS
EXPRESSIVAS
UNIDADE 5 FINALMENTE, PARA COMEÇAR

UNIDADE 5

Finalmente, para Começar

Chegamos ao fim de nossa disciplina.

Esta Unidade pretende ser o momento maior de reflexão sobre o papel do estudo do
ritmo para a educação do ser humano e sobre o papel do educador físico nesse processo.

Como o educador físico trabalha com o corpo e o corpo, além de seus ritmos inter-
nos fisiológicos, também apresenta um ritmo em seus movimentos exteriores, é necessário
que este professor profissional entenda e compreenda o ritmo e auxilie seus educandos a
perceberem seus diversos ritmos e a conduzi-los de forma adequada. Auxiliar a criança, o
adolescente, o adulto ou o idoso a encontrarem seu tempo e, se necessário, a saber ajustar
esse “tempo” às necessidades de cada momento.

Isso, também, é educação física !!!!

Já pensaram o quanto pode ser importante ensinar nossos jovens a fazer silêncio,
por exemplo? Não o silêncio ordenado, mandado, mas o silêncio do discípulo, do ouvinte?
A palavra discípulo significa “aquele que sabe ouvir”, ou seja, aquele que é atento. Não é
difícil ajudarmos as crianças a gostarem do silêncio.... Mas parece que pensamos que elas
devem estar constantemente ocupadas, sempre em reboliço. Como, então, dar espaço em
nosso ser para ouvirmos a nós mesmos e encontrarmos nosso ritmo? Ritmo, pausa, vibra-
ção, preenchimento, ordenação do tempo, isso também é educável.

Terminamos aqui o que pretendemos tenha sido o começo de um caminho de mui-


tas descobertas e muitos desafios em sua atuação profissional.

Desejamos sucesso em sua jornada!

87
Objetivos
Ao finalizar esta Unidade, esperamos que você possa:

descrever a importância do ritmo para o desenvolvimento humano integral;

apontar a existência de um ritmo harmônico em sua vida e em suas atividades peda-


gógicas;

identificar as dificuldades no aprendizado rítmico a partir da experimentação pessoal


e da observação do seu trabalho em sala de aula;

descrever sua prática docente a partir dos conhecimentos adquiridos nesta disciplina;

propor ações, estratégias e atitudes inovadoras para sua prática docente concernen-
tes com o aprendizado rítmico;

discorrer sobre a importância do interesse, conhecimento e respeito às diversas for-


mas de manifestação rítmica para o desenvolvimento do indivíduo cidadão.

88
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 5 FINALMENTE, PARA COMEÇAR

5.1 O Ritmo e o Desenvolvimento Humano

Você seria capaz de dizer qual a importância do ritmo para


o desenvolvimento humano? Vamos pensar juntos.

Vimos que ritmo, em seu sentido amplo, é movimento. Certo?

Vimos, também, que o movimento nos constitui como se-


res humanos e que, assim sendo, o ritmo é parte integrante de
toda nossa vida.

O ritmo, também, constitui a vida de nosso planeta, de nos-


sa sociedade.

Como está o nosso ritmo de vida? O que podemos dizer do


ritmo de crescimento da sociedade, ou da cidade? Conseguimos
observar que há tempos de agir e de pausar, de expressar e de
silenciar, de contrair e de relaxar?

Já observaram como, individualmente, temos diferentes rit-


mos? Nosso caminhar, nosso pensar, nosso falar...

Percebem como o domínio rítmico interfere na dimensão que


daremos a tudo em nossa vida?

A importância do ritmo para o desenvolvimento humano,


portanto, está diretamente relacionada a duas esferas:

1-Ao desenvolvimento integral das 2-Ao desenvolvimento da capaci-


potencialidades humanas (somos dade de interação e integração do
ritmo e precisamos desenvolvê-lo indivíduo com o mundo em que
plenamente para estarmos tam- vive (somos seres sociais e preci-
bém plenamente desenvolvidos); samos perceber e participar cons-
cientemente do ritmo do mundo
em que vivemos).

Estamos falando no desenvolvimento de um ritmo harmô-


nico de vida.

89
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 5 FINALMENTE, PARA COMEÇAR

5.1.1 Ritmo Harmônico

Harmonia rítmica não significa padronização. Não existe


um único ritmo ideal a ser seguido. Na esfera individual, essa har-
monia vem do auto-conhecimento. O indivíduo precisa conhecer
Qual seria o ritmo suas potencialidades, limites, força, fraqueza, energia, seu ritmo
harmônico de suas
atividades docentes? próprio, para assim chegar à consciência de si mesmo, de suas
características, qualidades defeitos, medos, aspirações... e mais,
o espaço que ocupa no mundo, como participa dele.

Na esfera social, essa harmonia rítmica depende do ritmo


coletivo. É a partir do autoconhecimento visto acima, que o indi-
víduo consegue, também, perceber o espaço e o tempo a sua
volta, consegue perceber como interage, interfere, contribui para
a construção desse ritmo harmônico coletivo.

5.1.2 Conhecimento das Manifestações Rítmicas


Expressivas Culturais

Um outro aspecto muito importante quando se fala em de-


senvolvimento integral do ser humano é proporcionar a ele o co-
nhecimento das manifestações rítmicas expressivas culturais e o
entendimento sobre a importância desse conhecimento.

Sabemos que dentre as atividades corporais, aquela onde


talvez fique mais evidente a importância e uso do ritmo é na dança.
A dança utiliza o ritmo para pautar os movimentos e a expressão
do corpo que dança. E as nossas manifestações rítmicas expres-
sivas culturais se baseiam fortemente na dança e na música.

As manifestações rítmicas expressivas culturais pauta-


das na dança têm a capacidade de expressar a intensidade da
experiência humana através do corpo. Assim, elas são parte da
identidade cultural de um povo, refletindo seus hábitos, costumes,
crenças, aspirações, traduzidos em suas posturas corporais dian-
te dos fatos da vida. Sendo parte da identidade cultural, elas são
ao mesmo tempo, instrumento de ajuda na manutenção dessa

90
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 5 FINALMENTE, PARA COMEÇAR

própria identidade, toda vez que é resgatada a tradição gestual


desse povo e que o processo criativo é vivenciado. São saberes
coletiva e historicamente construídos e devem ser preservados e
socializados dentro da comunidade, em nome da preservação da
própria identidade desse povo.

Por tudo isto visto acima, as manifestações rítmicas ex-


pressivas culturais constituem-se saber fundamental na formação
do indivíduo cidadão, conhecedor de si e do mundo cultural em
que está inserido.

5.2 Desenvolvimento da Prática Docente


Vamos começar a conversar a partir de sua experiência.
Você pode descrever sua prática docente?

Responda as questões a seguir:

Quando e como você planeja seu


trabalho? Como você executa
suas aulas? Como você avalia seu
trabalho?

Pois bem, onde está o ritmo em seu trabalho?

Está apenas nas aulas de dança? Com certeza, a esta al-


tura, sua resposta deve ter sido NÃO.

Você já compreendeu que ritmo é movimento e que está


em todas as esferas da vida.

Portanto, na sua prática docente, o ritmo se manifesta nas


atividades esportivas, como na braçada rítmica da natação, no
quicar ritmado da bola de basquete, no quique da bola no tênis de
mesa ou de campo, no ritmo das passadas nas corridas e mar-
chas, no ritmo da rodada do peso em seu arremesso, nos movi-
mentos da ginástica rítmica e da ginástica artística, na dança, na
sua forma de conduzir sua aula...

91
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 5 FINALMENTE, PARA COMEÇAR

Ritmo se educa, e educação implica conscientização. A educação rítmica


integra tempo e espaço. É necessário reconhecer a distribuição deste tempo
em espaços e a ocupação do espaço nos tempos. É preciso observar os
tempos fortes e os tênues, os momentos de preenchimento pelo silêncio e
distensão e os de preenchimento pelo movimento ou som ou vibração.

Como escreve Yvonne Berg em seu livro Viver o seu cor-


po: por uma pedagogia do movimento (São Paulo: Martins Fon-
tes, 1988, p.78), “a educação rítmica não se deveria limitar a um
estudo da ‘gramática musical’, mas sim ser uma descoberta do
domínio espaço-temporal e, por conseguinte, uma reorganização
do ritmo cotidiano da vida.” E afirma a autora que é preciso “tomar
consciência de que o ritmo vivo é muito mais importante que o
rendimento”, e nos instiga a darmo-nos o direito, de vez em quan-
do, de “perder tempo”, ou seja, ganhar um tempo diferenciado, ne-
cessário para manter o equilíbrio, a saúde.

Não é só com a dança, portanto, que você pode despertar a consciência


rítmica de seu aluno.

Que dificuldades no aprendizado rítmico você detecta em


sua prática docente?
Observe primeiro em você mesmo. Quais foram, ou quais
são suas dificuldades rítmicas? Quais foram suas dificuldades
nessa disciplina, por exemplo? Responda no fórum.
Agora observe seu aluno. Ele pode ter diversas razões para
possíveis dificuldades no aprendizado rítmico. Berge aborda que
traumatismos rítmicos podem ter profundas causas psicológicas,
como o medo que nos impede de tomar impulso, ou a cobiça que
acelera nossa ação e a impede de ser realizada de forma adequa-
da, ou a falta de estímulo à observação de si mesmo que faz com
que nossos gestos sejam descoordenados, desajeitados.

Você percebe como podemos mobilizar profundamente


nosso aluno através do trabalho com o ritmo?

92
MANIFESTAÇÕES RÍTMICAS E EXPRESSIVAS
UNIDADE 5 FINALMENTE, PARA COMEÇAR

Se despertamos sua consciência para as características rít-


micas de suas ações, estaremos desenvolvendo seu autoconheci-
mento e sua sensibilidade às sensações advindas dessas mesmas
ações. Ele perceberá, por exemplo, que ritmo é energia, mantém
animada a ação, o que não é necessariamente sinônimo de agita-
ção; que uma ação suave e “dentro do ritmo adequado” é agradável;
que uma ação rápida em seu ritmo preciso, dá-nos uma sensação
de segurança; que a cadência do ritmo nos transporta....

Por isso está unidade se chamou “Finalmente, para começar”.

Tudo o que discutimos aqui deve ser instrumento e estí-


mulo para você repensar sua prática pedagógica e aprimorar o
estudo e desenvolvimento do ritmo em suas aulas.

Agora é com você. Queremos lhe ouvir.

Hora de praticar
Com base em tudo que conversamos, que propostas de ação voltadas para o aprendizado
rítmico você seria capaz de sugerir? Não limite sua participação. Registre o máximo possível
de idéias. Vamos discuti-las no fórum.

Concluímos a Unidade de seu aluno e a necessidade e dificul-


5. Aqui você foi con- dades da busca pelo ritmo harmônico em
vidado a refletir sobre nossas vidas. Reconheceu a importância
sua prática docente, es- do aprendizado e respeito às diversas for-
pecialmente no que diz mas de manifestações rítmicas e propôs
respeito ao ritmo. Percebeu a importância alternativas inovadoras para o desenvolvi-
do ritmo para o desenvolvimento integral mento do aprendizado rítmico.

Parabéns! Você chegou ao final de mais uma disciplina!

Tomara que você tenha feito belas descobertas durante esse nosso estudo. E que
tenha se divertido também!

Sucesso na caminhada que continua!

93
Glossário
Aquecimento global: refere-se ao au- Harmonia: combinação de elementos di-
mento da temperatura média dos ocea- ferentes que produz uma sensação agra-
nos e da atmosfera da Terra e tem, entre dável e de prazer; é também a ausência
suas causas, a atividade humana geran- de conflitos; paz, concórdia, concordân-
do gases que provocam um efeito estufa cia, acordo.
em nosso planeta.
Oralidade: transmissão dos conhecimen-
Dualidade: qualidade do que é dual ou tos humanos através da fala.
duplo em natureza, substância ou princí-
Simultaneidade: existência, ao mesmo tem-
pio, ou seja, do que mantém em si duas
po, de duas ou mais ações, coisas ou fatos.
realidades distintas.
Transcendência: ação por meio da qual
Empirismo: processo de conhecimento
a existência humana ultrapassa a sua re-
que provém da experiência.
alidade imediata.

94
Referências Bibliográficas
BERGE, Yvonne. Viver o seu corpo: por uma pedagogia do movimento. São Paulo:
Martins Fontes, 1988.

CHEDIAK, Almir. Harmonia e improvisação. Rio de Janeiro: Lumiar, 1986.

CÔRTES, Gustavo Pereira. Dança, Brasil!: festas e danças populares. Belo Hori-
zonte: Leitura, 2000.

FUX, Maria. Dança, experiência de vida. São Paulo: Summus, 1983.

GARAUDY, Roger. Dançar a vida. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.

KATZ, Helena. Um, dois, três: a dança é o pensamento do corpo. 1994. Tese (Dou-
torado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 1994.

LABAN, Rudolf. Dança educativa moderna.São Paulo: Ícone, 1990.

____________,Domínio do movimento.São Paulo: Summus, 1978.

LACERDA, Oswaldo. Compêndio de teoria elementar de música. São Paulo: Ricor-


di, 1966.

MEIRELES, Cecília. Ritmo. In: Viagem: vaga música. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1982.

MERLEAU-PONTY, Meaurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins


Fontes, 1999.

ROBATTO, Lia. Dança em processo: a linguagem do indizível. Salvador: UFBA,


1994.

TATIT, Luiz. Corpo na semiótica e nas artes. In: SILVA, Assis (Org). Corpo e sentido: a
escuta do sensível. São Paulo: Universidade Estadual Paulista, 1996. p.195-208.

95
Bibliografia Recomendada
Dullius, Márion. A Dança no esporte. Porto alegre: AGE, 2000.

Porcher, Louis. Educação artística, para quê?São Paulo: Summus, 1986.

Watson, A. & Drury, N. T. Musicoterapia, um caminho holístico para a harmonia


interior. São Paulo: Ground, 1990.

96
Filmes Recomendados
Baila comigo, de Randall Miller – Um viúvo que recebe de um homem à beira da
morte o pedido que entre em contato com seu antigo amor de infância. Ele acaba
encontrando-a em uma escola de dança.

Flashdance, de Adrian Lyne – trabalhadora em indústria que, apaixonada por dançar,


treina e estuda sozinha e acaba concorrendo num concurso de dança onde contagia
os juízes.

Mr. Holland – Adorável Professor, de Stephen Herek – Para poder sustentar sua
família, um jovem compositor aceita dar aulas enquanto compõe sua sinfonia. Porém,
após 30 anos vendo seus alunos se formarem, ele tem uma grande surpresa quando
está perto de se aposentar.

O som do coração, de Kirsten Sheridan – Um jovem cresceu em um orfanato possui


um grande dom musical, usando-o para tentar reencontrar seus pais.

Oliver, de Carol Redd – menino irlandês que se apaixona pela dança, em meio a
turbulências pelas greves dos trabalhadores onde seu pai está envolvido, e o menino
é treinado por uma professora que vê nele potencial e acaba recebendo bolsa de es-
tudos na capital e se torna grande artista.

Quem somos nós, de William Arntz, Besty Chasse e Mark Vicente - reflexões a partir
da ciência atual e da filosofia sobre como construímos nossas percepções e as ali-
mentamos constantemente.

Sociedade dos Poetas Mortos, de Peter Weir – dentro do sistema tradicional de


ensino, um novo professor de letras traz outras percepções aos estudantes acerca do
que é e do papel da arte na vida.

97
Sítios Recomendados
Coral de Itajubá – canções, latinha e sons no corpo

http://br.youtube.com/watch?v=smGTQxoNw3k&feature=related

Manifestações rítmicas:

http://www.youtube.com/watch?v=NUKIoSLf9VE
http://www.youtube.com/watch?v=d5QAM9GpSq4
http://br.youtube.com/watch?v=MyCSv6-dcUg

http://www.youtube.com/watch?v=mg8_MzvYtoQ
http://www.youtube.com/watch?v=-Q09dZ3mNrA&NR=1
http://www.youtube.com/watch?v=PtaPMXKsaDk

http://br.youtube.com/watch?v=3i-4tyW5gl4

Vídeos do grupo Stomp Out Loud


http://www.youtube.com/watch?v=Ha_K11LNl08

http://www.youtube.com/watch?v=n-_mUAhzhkg

http://www.youtube.com/watch?v=US7c9ASVfNc

http://www.youtube.com/watch?v=Zu15Ou-jKM0

98
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

psicologia
da educação

99
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

100
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
psicologia
UNIDADE 1
da educação
PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

Sobre as autoras
Cláudia Maria Goulart dos Santos
Graduada em Educação Física (UFRJ), Especialista em Psicologia do Es-
porte (UnB), Mestrado e Doutorado em Ciências da Saúde (UnB) na área
de Psicologia do Esporte. Professora da Faculdade de Educação Física
da Universidade de Brasília, pesquisadora e professora na área de Psi-
cologia do Esporte. Pesquiso os aspectos da motivação nas diversas
manifestações da atividade física e esporte.

Raquel Maria de Melo


Mestrado e Doutorado em Psicologia pela Universidade de Brasília.
Graduada em Psicologia pelo Centro de Ensino Unificado de Brasília
(CEUB).

Muito Prazer!
Somos professoras da Universidade de Brasília e construímos esta disciplina
juntas.
Eu, Cláudia, sou professora da Faculdade de Educação Física, pesquisadora na
área de psicologia do esporte e exercício físico e professora da disciplina Introdução à Psi-
cologia do Esporte na FEF. Atualmente tenho aplicado estudos da motivação no ambiente
esportivo e nas aulas de educação física escolar. Espero que façamos juntos um excelente
trabalho.
Eu, Raquel, sou professora do Instituto de Psicologia. Sou graduada em Psicologia,
mestre e doutora em Ciências do Comportamento. Vou trabalhar no curso de licenciatura à
distância da Educação Física com a disciplina Psicologia da Educação.

101
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

Caro aluno,

Esta disciplina apresenta diferentes abordagens da Psicologia do Desenvolvimen-


to e da Aprendizagem e suas contribuições para o contexto de ensino. Para contextuali-
zar os conceitos estudados, vamos enfatizar estas abordagens aplicadas à Psicologia do
Ensino da Educação Física.
E o que precisamos estudar para aplicar a Psicologia à Educação Física? Bem, é
importante explorarmos as variáveis motivacionais, sociais, culturais e emocionais que
interferem nos diferentes aspectos do desenvolvimento e na aprendizagem em aulas de
Educação Física.

102
Apresentação da Disciplina
Para que os objetivos sejam alcançados, o conteúdo selecionado foi dividido em
oito unidades de estudo.

Unidade 1: Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem: Contribuições


para o Ensino;

Unidade 2: Aspectos Individuais e Cognitivos do Desenvolvimento e da Aprendi-


zagem;

Unidade 3: Influência de Fatores Sociais e Culturais nos Diferentes Aspectos do


Desenvolvimento e da Aprendizagem;

Unidade 4: Análise do Comportamento e a Construção de Repertórios Relevante


no Contexto Escolar;

Unidade 5: As Influências Emocionais na Atividade Física Escolar;

Unidade 6: Desenvolvimento das Habilidades Sociais no Contexto de Aulas de


Educação Física Escolar;

Unidade 7: Estabelecimento de Objetivos e Orientação às Metas em Aulas de


Educação Física Escolar;

Unidade 8: A importância do Clima Motivacional e Percepção do Conceito de Ha-


bilidade para os Diferentes Aspectos do Desenvolvimento da Aprendizagem no Contexto
Escolar.

103
Objetivos
Ao final desta disciplina, esperamos que você possa:

caracterizar as contribuições da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendiza-


gem para o contexto de ensino de aulas de educação física;
aplicar conhecimentos de Psicologia na proposição de atividades de ensino de
Educação Física;
analisar situações do contexto escolar, considerando as diferentes perspectivas da
Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem;
caracterizar o efeito de fatores individuais, motivacionais, sociais e culturais nos
processos de desenvolvimento e da aprendizagem.

104
PSICOLOGIA
PSICOLOGIA DA
DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

UNIDADE 1
Psicologia do Desenvolvimento e da
Aprendizagem: Contribuições para o
Ensino
Nesta Unidade vamos caracterizar, de uma maneira geral, a Psicologia e, mais
especificamente, serão apresentadas a Psicologia do Desenvolvimento e a Psicologia da
Aprendizagem. Vamos explorar as contribuições destas duas áreas da Psicologia para o
ensino o que contribuirá para a sua formação de professor de Educação Física.

Objetivos
Ao finalizar esta Unidade esperamos que você possa:

utilizar conceitos básicos da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem para


analisar situações do contexto escolar;

descrever as contribuições da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem


para o ensino;

identificar aspectos do desenvolvimento que devem ser considerados no planejamen-


to e condução de atividades físicas.

Sucesso nos estudos!

105
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

1.1 Psicologia: Ciência e Senso Comum

O que você entende por


Psicologia?

O termo psicologia geralmente é utilizado em diferentes


situações do dia-a-dia que envolvem, por exemplo, a educação
dos filhos, dificuldades de aprendizagem, problemas de relacio-
namento conjugal ou entre colegas de trabalho, alterações no
comportamento em situações de estresse ou tensão emocional e
no desempenho de atletas em competições ou jogos decisivos.
De maneira geral, as pessoas, têm uma idéia do que seja
psicologia e de como ela pode ajudar a explicar o comportamento.
O termo psicologia origi-
na-se do grego, ‘psique’ Este conhecimento, denominado de senso comum, é procedente
que significa alma, men-
te, e ‘logos’ que significa
do uso de termos e explicações, consideradas psicológicas, em
estudo, conhecimento. O diferentes meios de comunicação, tais como revistas, filmes e li-
símbolo da psicologia é a
letra grega psi -Y. vros, em contextos escolares e de trabalho, e mesmo em intera-
ções sociais.
O senso comum é, portanto, um conhecimento baseado
na experiência cotidiana, sem fundamentação científica e, portan-
to, não nos permite definir e caracterizar a psicologia?

A Psicologia è uma
ciência?

UA psicologia é considerada uma ciência e está classificada


no contexto das áreas sociais ou humanas. Entretanto, ela também
tem sido compreendida a partir de sua interface com a biologia e
a saúde. O conhecimento psicológico é fundamentado em estudos
que procuram estabelecer leis, princípios ou teorias para compre-
ender o comportamento a partir do uso de metodologia científica.

106
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

Uma definição comumente encontrada nos manuais de Introdução à


Psicologia é a seguinte: A psicologia é a ciência do comportamento e dos
processos cognitivos (Hockenbury; Hockenbury, 2003).

A psicologia estuda a aprendizagem, o desenvolvimento, a


motivação, a emoção, a criatividade, a personalidade, a memória,
a inteligência, o funcionamento do sistema nervoso, as interações
sociais, o comportamento em grupo, os processos psicoterapêu-
ticos, além de muitos outros comportamentos.
O comportamento se
A história da psicologia enquanto ciência é caracterizada refere às mudanças que
por diferentes abordagens teóricas que se diferenciam pelos pres- ocorrem nos organismos
nas diferentes interações
supostos teóricos e filosóficos. Dentre as abordagens mais conhe- que estabelece com o
cidas e que influenciaram outras áreas do conhecimento podem ambiente (ex: chutar uma
bola, executar um salto
ser citadas o Behaviorismo, a Psicanálise e o Humanismo. mortal, pular corda). Os
processos cognitivos se
Vamos estudar a seguir as áreas da Psicologia do Desen- referem a pensamentos,
volvimento e a da Aprendizagem e as possibilidades de aplicação raciocínio, memória,
atenção.
de conhecimentos procedentes destas duas áreas para o contex-
to escolar e na prática do profissional de Educação Física.

1.2 Psicologia do Desenvolvimento

A ciência é uma das


Pense ... Você sabe o que é formas que o homem
desenvolvimento? O que será que se utiliza para conhecer
a psicologia do desenvolvimento o mundo ao seu redor
estuda? Você já leu alguma coisa a e descrever os eventos.
respeito? O que? Uma característica comum
das ciências é que todas
usam a mesma aborda-
gem geral para a solução
A psicologia do desenvolvimento é uma área da ciência de problemas ou para
psicológica que estuda os processos de mudança que ocorrem responder questões sobre
os eventos que ocorrem
durante toda a vida do indivíduo. Tais mudanças envolvem o cres- no mundo: o método
científico. A ciência tem
cimento da estrutura física, as transformações do comportamento como objetivos descrever,
e dos processos cognitivos. controlar e prever certos
fenômenos, o que faz
Além disso, a psicologia do desenvolvimento também in- com que seus resultados
vestiga os fatores que afetam os processos de mudança, como recebam grande aceitação
e confiança por parte do
por exemplo, a hereditariedade, a maturação e o ambiente. público em geral.

107
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

Como na psicologia existem várias formas de compreen-


der, descrever e explicar o comportamento e os processos cogni-
tivos, o desenvolvimento humano tem sido investigado a partir de
perspectivas distintas. As diferentes teorias do desenvolvimento
tendem a enfatizar um determinado aspecto do desenvolvimen-
to e foram construídas a partir de observações, pesquisas com
grupos de indivíduos em diferentes faixas etárias ou em diferen-
tes culturas, estudos de casos, e acompanhamento de indivíduos
desde o nascimento até a vida adulta.
O interesse por temas que influenciaram a psicologia do
desenvolvimento pode ser identificado nas concepções de filó-
sofos dos séculos XVII e XVIII sobre a natureza humana e seu
desenvolvimento.
John Locke (1632-1704), proponente do empirismo inglês,
considerava que a mente da criança recém nascida poderia ser
comparada a um quadro em branco (tabula rasa) e a partir das
experiências (estimulação e educação) o conhecimento (idéias e
formas de agir) seria adquirido. J. Rousseau (1712-1778) e I. Kant
(1724-1804) enfatizavam a existência de características inatas do
ser humano.
Observe que estas duas concepções filosóficas estão na
origem de questões relacionadas à influência dos fatores inatos
(hereditários) e ambientais (experiência) no desenvolvimento e na
aprendizagem.
A psicologia do desenvolvimento contemporânea foi tam-
bém influenciada pela teoria evolucionista de Charles Darwin
(1809-1882), apresentada na metade do século XIX. De acordo
com esta teoria, sobrevivem as espécies que melhor se adaptam
às condições mutantes do ambiente. As características das es-
pécies sobreviventes são transmitidas aos descendentes, o que
torna mais provável a sua sobrevivência.

A evolução não é algo exclusivo da espécie (evolução filogenética),


estendendo-se também ao indivíduo. As experiências vivenciadas por
cada indivíduo produzem mudanças ao longo da vida o que caracteriza a
evolução ontogenética.

108
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

Até a década de 60, a psicologia do desenvolvimento prio-


rizava o estudo da criança e do adolescente e se preocupava em
definir parâmetros ou padrões normativos que pudessem explicar
o que, como e por que as mudanças ocorrem na infância e na ado-
lescência, além de possíveis desvios ao longo desta trajetória.
Naquela época, as diferentes teorias apresentavam o de-
senvolvimento em estágios evolutivos relacionados com a faixa
etária. Podemos citar uma teoria muito conhecida no contexto es-
colar: a teoria do desenvolvimento cognitivo de Jean Piaget, que
será estuda na Unidade II.
A psicologia do desenvolvimento deste período foi criticada
por enfatizar as fases da infância e da adolescência, não incluir
todo o curso de vida do indivíduo, e pela idéia de que há estágios
de desenvolvimento universais, que independem da cultura.
A perspectiva contemporânea do desenvolvimento consi-
dera as mudanças ao longo do curso de vida do indivíduo, da
concepção até a morte, e a importância de se estudar a complexi-
dade deste processo através de uma perspectiva multidisciplinar.
Neste sentido, o desenvolvimento humano se refere a qual-
quer processo de mudança progressiva decorrente das interações
do indivíduo com o contexto e envolve desde os processos bio- Urie Bronfenbrenner
lógicos do organismo até as mudanças sócio-históricas ao longo (1917-2005) nasceu em
Moscou. Formou-se em
do tempo.Esta perspectiva do desenvolvimento reflete a influência Psicologia e é conside-
rado um proeminente
de concepções sócio-histórica como a teoria de Vygotsky (1896- Ecologista Humano,
1934) que será estudada na Unidade III. pois enfatiza o equilíbrio
entre o ser humano e o
Na década de 70 a psicologia do desenvolvimento foi in- seu ambiente. Sua obra
fluenciada pela perspectiva ecológica que apresenta uma nova compreende mais de
300 publicações dentre
concepção de ambiente ou contexto. O contexto é considerado artigos científicos, livros
e capítulos. Esta aborda-
como um conjunto de influências interdependentes e que atuam
gem, atualmente deno-
de maneira combinada. Esta perspectiva, atualmente denominada minada de bioecológica,
propicia vínculos entre
de bioecológica, foi proposta em 1970 por Urie Bronfenbrenner. várias disciplinas, per-
De acordo com esta perspectiva, para compreender o de- mitindo uma visão mais
integrada do ser humano,
senvolvimento humano é necessário analisar o ambiente ecológi- de seu contexto, de sua
co o qual envolve: história de vida, rotinas e
processos de desenvolvi-
mento.

109
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

características inerentes ao próprio indivíduo (herança genéti-


ca) e as suas interações imediatas com familiares e colegas de
escola, por exemplo;

interação entre diversos ambientes dos quais o indivíduo parti-


cipa (ex: família, escola, vizinhança);

as influências indiretas sobre o indivíduo procedentes de sis-


temas dos quais ele não participa diretamente, tais como o
trabalho dos familiares, os programas e atividades dos grupos
comunitários e os serviços públicos disponíveis;

os padrões institucionais da cultura, tais como a economia, as leis,


os costumes e as normas morais e os recursos tecnológicos.

Inserido nesta rede de contextos, o indivíduo tem um papel


ativo na relação com as pessoas e com as situações que o
rodeiam; este é um processo bidirecional de influências.

Mais recentemente verifica-se na psicologia do desenvolvi-


mento um crescente interesse por temas relacionados aos aspec-
tos emocional e social, um aumento marcante de estudos sobre a
vida adulta e a velhice e sobre o efeito de diferentes culturas sobre
os diferentes aspectos do desenvolvimento.

Hora de praticar
No contexto escolar é comum a utilização da noção de que existe um momento adequado
para a aprendizagem de conhecimentos e habilidades específicos. Considerando a prática
do professor de Educação Física e o referencial teórico da abordagem do desenvolvimento,
desenvolva suas idéias e participe do fórum temático da Semana 1.

Até agora falamos sobre a psicologia e uma de suas áre-


as de investigação: a Psicologia do Desenvolvimento. Na próxima
parte do texto, você terá oportunidade de conhecer como a psico-
logia estuda a aprendizagem.

110
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

1.3 Psicologia da Aprendizagem


Assim como o termo psicologia, aprendizagem também faz
parte do nosso vocabulário cotidiano e possui diferentes significados.
Em geral, as pessoas utilizam o termo aprendizagem para se
referir à novas aquisições, por exemplo, de habilidades físicas (ex:
dirigir, nadar) ou de conhecimentos (ex: definições, fatos históricos).
Podemos também usar o termo aprendizagem de maneira
negativa para nos referir a uma situação em que o indivíduo falha
ou fracassa em aprender em condições em que a maioria das
pessoas é bem sucedida. Por exemplo, ao dizer que um aluno
tem dificuldade para aprender a ler, escrever, efetuar uma opera-
ção de multiplicação ou nadar.
De modo geral, a aprendizagem, se refere à aquisição ou ao processo pelo
qual um comportamento é adicionado ao repertório de um organismo. Uma
definição comumente encontrada nos livros de psicologia é que aprendiza-
gem se refere a uma mudança relativamente permanente no comportamen-
to, que resulta de prática ou experiência.
Historicamente, a aprendizagem tem sido estudada desde
o tempo dos filósofos gregos (pré-socráticos, Sócrates, Platão e
Aristóteles), uma vez que a filosofia sempre esteve preocupada
em investigar como as pessoas adquirem conhecimento.
O estudo da aprendizagem está diretamente relacionado com
a evolução histórica da psicologia enquanto ciência, mais especifi-
camente com a abordagem behaviorista. John Watson, em 1913,
utilizou o termo Behaviorismo pela primeira vez, ao propor que a
psicologia deveria estudar o comportamento observável, mensurá-
vel, utilizando métodos objetivos: observação e experimentação. John Watson (1878-
1958): Fundou o Behavio-
De acordo com Watson, a aprendizagem seria explicada por rismo no início do século
uma relação entre estímulo e resposta (S-R). Em um de seus traba- XX como uma abordagem
da psicologia americana.
lhos mais conhecidos, Watson demonstrou experimentalmente que Enfatizou o estudo cien-
tífico de comportamentos
as emoções podem ser aprendidas através de um procedimento de observáveis em oposição
associação entre estímulos semelhante ao procedimento de condicio- ao estudo de proces-
sos mentais subjetivos.
namento respondente desenvolvido por Pavlov. Realizou pesquisas com
animais e seres humanos;
publicou vários artigos e
livros; e contribuiu para a
aplicação da psicologia na
publicidade e educação de
crianças.

111
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

O Behaviorismo de acordo com a perspectiva de Watson


gerou muita controvérsia, principalmente, devido à exclusão da
consciência (ou dos eventos mentais) como objeto de estudo da
psicologia. Ao priorizar apenas o comportamento observável, a
proposta de Watson não apresentava uma alternativa para tratar
Behaviorismo: Do
inglês, behavior que sig- dos comportamentos difíceis de serem observados, devido à falta
nifica comportamento.
de uma metodologia adequada, mas cuja existência não foi nega-
da. Além disso, estudos posteriores demonstraram a limitação da
relação S-R, proposta por Watson, para explicar todo e qualquer
tipo de comportamento.

Nas décadas 20 e 30 surgiu na psicologia norte-americana


o movimento denominado de neobehaviorismo. Este novo tipo de
behaviorismo permitiu o estudo de outros comportamentos além
Ivan Petrovich Pavlov dos reflexos estudados por Watson e Pavlov.
(1849-1936): Fisiologista
russo; recebeu o prêmio Neste novo contexto, o termo Behaviorismo passou a ter
Nobel em 1904 por suas
pesquisas sobre a fisiologia outros significados. A denominação Behaviorismo Intencional (ou
da digestão. Desenvolveu
o procedimento de condi- Mediacional) está relacionada com o trabalho de Edward Tolman
cionamento respondente (1886-1959). Ao analisar o comportamento de um indivíduo (R)
(ou clássico) que consis-
te na associação entre diante de uma determinada situação (S), Tolman considerava que
um estímulo novo (som
de campainha) com um era possível inferir uma intenção, uma finalidade, ou seja, algo que
estímulo (alimento) que já
produz uma resposta reflexa ocorre a nível interno. Ao interagir com o ambiente, o indivíduo for-
(salivação). Após repetidas
associações entre os dois ma mapas cognitivos ou representações internas do mundo exter-
estímulos, verifica-se a
aprendizagem de uma nova
no, que lhe permite repetir o comportamento em ocasiões futuras.
relação estímulo-resposta Devido à ênfase em eventos internos, o trabalho de Tolman contri-
(salivar diante do som).
buiu para o desenvolvimento da moderna Psicologia Cognitiva.
Com os trabalhos de B. F. Skinner, a partir da década de
40, surge uma nova modalidade de Behaviorismo na psicologia: o
Behaviorismo Radical.

Psicologia Cognitiva: Abor-


dagem da psicologia que
tem início na década de
50. Estuda a forma como
as pessoas percebem,
aprendem, recordam e pen-
sam sobre as informações
(STERNBERG, 2000).

112
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

O termo radical está relacionado com um tipo de análise que busca a


origem, a raiz, de um determinado comportamento.

O Behaviorismo radical é a filosofia da ciência do com-


portamento. De acordo com esta filosofia, todos os fenômenos
comportamentais, sem exceção, podem ser estudados por meio
de metodologia científica, sejam eles comportamentos de fácil
observação (ex: escrever, correr, nadar) ou comportamentos que
somente o próprio indivíduo tem acesso, como as emoções e os
pensamentos.
Mesmo reconhecendo as contribuições de Watson e Pavlov
para a psicologia, Skinner discorda do modelo S-R uma vez que
não permite explicar a aprendizagem da maioria dos nossos
comportamentos, tais como aprender um novo idioma, dançar e
resolver problemas.
Aprender um novo idioma, dançar e resolver problemas
depende das experiências do indivíduo com o mundo que está a
sua volta e das conseqüências que seguem o comportamento, as Burrhus Frederic
quais podem influenciar se o comportamento continuará ou não Skinner (1904-1990):
Formou-se em letras
ocorrendo ou se será modificado. e, posteriormente, fez
Podemos, então, concluir que o behaviorismo de Watson pós-graduação em Psi-
cologia. Propôs o Beha-
explica, apenas, comportamentos que atendem a uma relação viorismo Radical como
a filosofia da ciência
S-R podem ser citados: reflexos de salivação, contração e dilata-
do comportamento e a
ção da pupila e mudanças fisiológicas associadas com as emo- abordagem da Análise
do Comportamento.
ções (ex: taquicardia, sudorese, sobressalto). O behaviorismo ra- Pesquisou sobre diver-
dical de Skinner descreve os nossos comportamentos (ex: nadar, sos assuntos relevantes
à compreensão do ser
resolver problemas) em função de um processo de seleção por humano, dentre eles:
conseqüências. aprendizagem, memória,
pensamento, cognição,
emoções, linguagem
e aspectos sociais e
culturais do ser humano.
Publicou em torno de 300
artigos científicos e cerca
de 20 livros.

113
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

De acordo com a Análise do Comportamento, que adota o modelo de sele-


ção por conseqüências, a aprendizagem se refere à mudança do compor-
tamento em função das interações do indivíduo com o ambiente, sendo que
as conseqüências que seguem o comportamento selecionam os comporta-
mentos que continuarão ocorrendo e aqueles que deixarão de ocorrer.

Para Skinner, o comportamento é considerado complexo


e multideterminado e deve ser compreendido como o produto de
diferentes histórias: biológica (características herdadas, funciona-
mento e estrutura do organismo), pessoal (as diferentes experiên-
cias ao longo da vida do indivíduo) e cultural (contexto no qual o
indivíduo está inserido).
Para que você entenda melhor a proposta de Skinner, va-
mos analisar, por exemplo, o comportamento de gostar de jogar
futebol de um aluno. Gostar ou não de futebol e jogar futebol com
pouca ou muita freqüência, são considerados comportamentos
aprendidos em função da história de vida do aluno.

Assim, ao analisar o comportamento do aluno precisamos le-


var em consideração as suas características físicas (ex: idade, altu-
ra, musculatura) e também o contexto físico, social e cultural no qual
ele vive. Tais aspectos determinam formas específicas de interação
e de comportamentos do aluno com os objetos, familiares e colegas.

Até agora consideramos separadamente os conceitos


de desenvolvimento e aprendizagem. Existe relação entre de-
senvolvimento e aprendizagem? Como você acha que eles se
relacionam, ou não se relacionam?

Ao considerar que a aprendizagem se refere à mudança


do comportamento decorrente das interações do indivíduo com o
ambiente observamos uma relação direta com a definição de de-
senvolvimento previamente apresentada. Entretanto, a definição
de aprendizagem não está relacionada com a faixa etária ou o curso
de vida.

114
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

Para a Análise do Comportamento, estudar as mudanças


na forma de se comportar ao longo da vida (desenvolvimento)
seria equivalente a descrever o repertório aprendido por cada in-
divíduo em um determinado momento, que depende das histórias
biológica, pessoal e cultural, como previamente descrito.
Por outro lado, dentre as perspectivas do desenvolvimento
observa-se variação. Para algumas concepções teóricas, o de-
senvolvimento e a aprendizagem são processos independentes,
sendo que o primeiro é condição necessária para o segundo. Esta
visão está relacionada com as noções de maturação e de pré-
requisitos para a aquisição de novos comportamentos. De acordo
com uma concepção alternativa, a relação entre desenvolvimento
e aprendizagem é de dependência, os dois processos caminham
juntos. Assim, o indivíduo só se desenvolve quando aprende.

1.4 Contribuições da Psicologia do


Desenvolvimento e da Aprendizagem
para o Contexto Escolar

A relação entre a psicologia e a educação é de comple-


mentaridade. Assim, a apresentação de teorias e conceitos de de-
senvolvimento e aprendizagem tem como objetivo proporcionar a
você uma visão geral sobre informações e conhecimentos funda-
mentados em dados de pesquisas, que possam ser consultados e
utilizados como referencial na sua prática como educador.

Para o futuro professor, além de conhecimentos especí-


ficos na área de sua formação é necessário ter, também, uma
formação em psicologia, a fim de melhor compreender o compor-
tamento dos alunos, interagir com eles no dia-a-dia, e planejar as
atividades pedagógicas.
O conhecimento psicológico no contexto escolar pode ser
útil em várias situações problemas, dentre elas podem ser citadas
questões relacionadas à disciplina, relacionamento entre profes-
sores e alunos e entre alunos, dificuldades de aprendizagem, falta
de motivação e agressividade.

115
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

A noção de que ao longo da vida o indivíduo muda a sua


forma de se comportar, pensar, resolver problemas, lidar com
os outros e lembrar, procedente das concepções sobre o de-
senvolvimento é relevante para o contexto escolar. Tais in-
formações podem orientar o professor na escolha de atividades
acadêmicas, na forma de condução da atividade, e na maneira de
se relacionar com os alunos.
Conhecimentos sobre aspectos importantes do desenvol-
vimento podem ajudar o professor a responder questões como:
Como as instruções da atividade podem ser apresentadas? É im-
portante usar exemplos concretos? Situações problemas podem
aumentar a participação dos alunos? Quais atividades e desafios
são mais adequados para turmas de diferentes faixas etárias?
O aluno está inserido em vários contextos, familiar, religio-
so, comunidade, vizinhança e, dentre estes, a escola. Tais con-
textos influenciam o que o indivíduo aprende, a sua maneira de
agir, pensar e de se relacionar com os colegas, os professores e
a escola. A prática pedagógica deve ser orientada a partir desta
perspectiva, ou seja, deve considerar esta multiplicidade de fato-
res que interferem no comportamento e o fato de que, ao iniciar os
estudos, o aluno já chega com um repertório de comportamentos,
habilidades e conhecimentos.
Outro aspecto importante a ser considerado é que os indi-
víduos reagem de maneira diferenciada diante de cada contexto.
Assim, mesmo em uma escola onde os alunos de uma determi-
nada turma, com idades aproximadas, são procedentes, em sua
maioria, de um mesmo bairro, não podemos considerá-los como
um grupo homogêneo e que aprendem com o mesmo procedi-
mento de ensino. Cada indivíduo é único em termos de dotação
biológica (genética) e da forma de se comportar em um determi-
nado momento e contexto. Para um mesmo indivíduo podemos
observar modificações em seu comportamento em função de di-
ferentes fatores tais como: fome, doença, longos períodos sem
dormir ou descansar, e uso de drogas.

116
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

A perspectiva da Análise do Comportamento oferece um


modo de olhar para o que ocorre no contexto escolar utilizando
conceitos e princípios de aprendizagem derivados de investiga-
ções científicas. O professor pode assumir um papel de pesqui-
sador na busca de fatores que explicam o comportamento dos
alunos em sua aula. O que, então, ele deve fazer?
observar o comportamento dos alunos em uma determinada
atividade física;

identificar a reação dos alunos às instruções, à participação,


à cooperação, à ocorrência de comportamentos agressivos e
reclamações;

estabelecer a relação entre as características da atividade e o


comportamento dos alunos;

elaborar uma nova maneira de conduzir a atividade física e


implementar a mudança na sua aula; e por último;

comparar o desempenho dos alunos com a nova maneira de


ensinar e com procedimento de ensino anterior.

Observe que esta forma de agir do professor deve estar


ajustada à realidade dos alunos e da escola, uma vez que as
mudanças na forma de ensinar dependem do que ocorre durante
a aula.

Outra contribuição adicional é a concepção de que ao lon-


go da vida o indivíduo se desenvolve, aprende novas formas de
agir, e de se adaptar aos diferentes contextos. Assim, aprender
não se refere apenas ao conteúdo acadêmico. A escola deve pro-
piciar, portanto, oportunidades para a aprendizagem de diferen-
tes comportamentos: cognitivos, verbais, sociais, afetivos, éticos
e morais. As atividades pedagógicas devem estabelecer objetivos
que se estendem aos comportamentos que apresentem funcio-
nalidade para o aluno em diversos contextos e não apenas na
escola.

117
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 PSICOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM: CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO

Assim, ao ensinar as regras de um jogo coletivo (ex: fu-


tebol, basquete, voleibol), o professor pode, também, estabele-
cer objetivos para que os alunos adquiram comportamentos tais
como: saber esperar a sua vez, cooperar com os colegas, decidir
a melhor jogada em um dado momento, respeitar os adversários.
Pode também ser necessário planejar alternativas para reduzir
comportamentos que competem com desempenhos motores e
sociais relevantes para a atividade física.
Para finalizar, podemos afirmar que, ao planejar e conduzir
as atividades acadêmicas, o professor pode verificar os progres-
sos ou dificuldades dos alunos, analisar a sua prática, e explorar
novas formas de ensinar. Desta maneira, ele se sentirá mais
seguro por saber o que está fazendo e estará atuando como um
professor investigador ou pesquisador.

Hora de praticar
Tendo como referência o conteúdo desta Unidade, elabore um texto discorrendo as
possíveis contribuições da Psicologia do Desenvolvimento e da Aprendizagem para o
ensino de Educação Física. Fundamente seus argumentos com exemplos de situações
práticas típicos da escola onde você trabalha e de sua comunidade.

Nesta Unidade carac- dentes da Psicologia do Desenvolvimento


terizamos, de uma ma- e da aprendizagem que podem contribuir
neira geral, a psicologia para a formação e a prática do professor
enquanto ciência. Mais de Educação Física.
especificamente, o tex- É importante que o professor assu-
to caracterizou o desenvolvimento histórico, ma um papel de “pesquisador” ao analisar
o objeto de estudo e a maneira de estudar e o comportamento dos alunos durante as
explicar os processos comportamentais estu- aulas, a participação, as dificuldades e as
dados pelas áreas da Psicologia do Desenvol- reações emocionais, a fim de rever o seu
vimento e da Aprendizagem. planejamento e elaborar novas estratégias
Os conceitos e informações proce- de aprendizagem.

Parabéns! Você concluiu a primeira unidade e está preparado para iniciar os estu-
dos sobre a teoria de Piaget.

118
PSICOLOGIADA
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

UNIDADE 2
Aspectos Individuais e Cognitivos
do Desenvolvimento e da
Aprendizagem

Nesta Unidade vamos explorar a noção de que o desenvolvimento descreve um


processo de mudança ao longo da vida, durante o qual ocorrem várias aprendizagens.
Vamos observar que as crianças, os adolescentes, os adultos e as pessoas na terceira
idade se diferenciam em vários comportamentos tais como a maneira como explicam as
coisas que acontecem a sua volta, o tipo de relacionamento com os outros, a linguagem
que utilizam, a qualidade e a precisão na execução de habilidades motoras e, principal-
mente, na forma como aprendem habilidades e conhecimentos. Serão analisados exem-
plos do cotidiano escolar e, sobretudo, de aulas de Educação Física.

Objetivos
Ao final desta Unidade esperamos que você seja capaz de:
descrever diferenças em aspectos do desenvolvimento e da aprendizagem em dife-
rentes faixas etárias;
caracterizar mudanças no desenvolvimento cognitivo em diferentes faixas etárias;
analisar situações do contexto escolar levando em consideração as diferenças do
desenvolvimento cognitivo em diferentes faixas etárias.

Será enfatizada a teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget dada a sua im-


portância para a compreensão dos processos de desenvolvimento do nascimento até
a adolescência. Vamos acrescentar comentários sobre o desenvolvimento cognitivo na
vida adulta e na velhice e apresentar sugestões sobre as contribuições de tal perspectiva
teórica para o contexto escolar e a prática do professor de Educação Física.

Bom estudo!

119
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

2.1 Introdução à Teoria do Desenvolvimento


Cognitivo de Piaget

A teoria de Jean Piaget está centrada na origem do co-


nhecimento e foi desenvolvida a partir de observações diretas em
situações naturais, principalmente do comportamento de seus

Jean Piaget (1896-


próprios filhos e, experimentações originais e sistemáticas que
1960) nasceu na Suíça. consistiam em tarefas de solução de problemas.
Formou-se em biologia e
obteve o título de doutor Para Piaget as crianças pensam de maneira diferente dos
em ciências naturais.
Trabalhou em Paris no adultos, ou seja, apresentam formas distintas de perceber, expli-
laboratório de Binet, que car e se comportar diante do mundo que variam de acordo com a
desenvolveu os primeiros
testes de inteligência. Re- faixa etária.
alizou diversas pesquisas
sobre temas da Filosofia Piaget elaborou uma epistemologia genética, isto é uma
e da Psicologia. Publicou
vários livros sobre o de- teoria evolutiva do conhecimento, cujo principal foco é a origem
senvolvimento cognitivo dos processos de construção do conhecimento ou do desenvolvi-
da criança, dentre eles:
A linguagem e o pensa- mento cognitivo.
mento da criança; O nas-
cimento da inteligência De acordo com Piaget, o conhecimento é construído na
na criança; A psicologia
interação do indivíduo com o meio e, por isso, é conhecido como
da inteligência, A psicolo-
gia da criança e O juízo o pai do construtivismo. A ênfase na ação, na exploração e
moral na criança.
na manipulação de objetos ou eventos do meio, como parte do
processo de aquisição de conhecimento é uma característica
marcante de sua teoria. Portanto, esta é considerada uma teoria
interacionista.

Outro fator central na teoria de Piaget diz respeito à dimen-


são maturação que se refere ao fato de que o conhecimento se
apóia na estrutura biológica. A cada fase do ciclo de vida, a es-
trutura biológica cria as bases orgânicas (ex: neurológica, muscu-
lar) que possibilitam a aquisição de novos comportamentos, mas
Epistemologia genética:
teoria da origem ou
pode ainda estabelecer limites para a aquisição de outros.
gênese do conhecimento.
Epistemologia, significa
teoria do conhecimento.
Genética, significa
ênfase na gênese,
origem, e na evolução.

120
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

2.2 Conceitos Básicos

Para facilitar a sua compreensão da teoria de Piaget, va-


mos caracterizar alguns conceitos propostos por ele para explicar
o desenvolvimento cognitivo. Tais conceitos foram influenciados
pela biologia devido ao pressuposto de que o funcionamento físi-
co (orgânico) e o mental são similares.

2.2.1 Esquemas ou estruturas: Os esquemas são padrões or- Constructos hipotéticos:


São conceitos, abstra-
ganizados de comportamentos. São estruturas mentais ou cogni- ções. Não se referem
tivas pelas quais os indivíduos se adaptam e organizam o meio. a coisas que são dire-
tamente observáveis
Os esquemas são inferidos a partir do comportamento observável como, por exemplo,
e são, portanto, denominados de constructos hipotéticos. inteligência, criatividade,
capacidade, habilida-
As crianças possuem um determinado número de esque- de, motivação, instinto.
Podem ser inferidos a
mas, os quais são análogos aos conceitos, categorias, ou fichas partir do comportamento
de um arquivo. No recém nascido os esquemas são de natureza observável.

reflexa, ou seja, são inferidos a partir de reflexos como o sugar.


Gradualmente, os esquemas passam a ser constituídos por re-
presentações mentais de ações concretas por exemplo imaginar
a ação de pegar uma bola. A partir dos seis ou sete anos,os es-
quemas apresentam uma forma organizada, coerente e lógica
chamada de operações como, por exemplo, classificar coisas em
conjuntos pela cor ou tamanho. Os processos responsáveis pela
mudança dos esquemas são a assimilação e a acomodação.

2.2.2 Assimilação: É o processo cognitivo pelo qual uma pes-


soa integra um novo dado perceptual, motor ou conceitual nos
esquemas já existentes. É, portanto, um processo de incorporar
ou classificar novas experiências ou informações aos esquemas
já existentes.

Vamos analisar um exemplo: Uma criança na cozinha, ao


ver um objeto não familiar, uma concha, utiliza o termo “colher”
ao pedir para a mãe pegar o objeto: Posso pegar aquela colher?
Neste caso, podemos dizer que o objeto concha foi incorporado
ao esquema colher. Como a criança ainda não sabe o nome cor-
reto do novo objeto, ela utiliza um esquema que já possui e se
ajusta razoavelmente a objetos similares.

121
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

2.2.3 Acomodação: É o processo de criação de novos esque-


mas (ações e idéias) ou a modificação de antigos esquemas.

Um exemplo de acomodação seria o seguinte: uma criança


aprendeu que os animais que voam são denominados de pás-
saros. Cada vez que ela vê um animal voando ela assimila este
estímulo ao esquema que possui - pássaro. Ao ver um objeto di-
ferente voando, um helicóptero, ela tenta assimilá-lo ao esquema
de pássaro.

Entretanto, o tamanho, o barulho produzido e a forma não


se ajustam ao esquema que ela possui, o que impossibilita a as-
similação. A menina, então, pode perguntar aos pais, apontando
para o objeto: O que é aquilo? Os pais, ao dizerem o nome do
objeto desconhecido e descreverem as diferenças entre pássaros
e helicópteros, podem permitir à criança a formação de um novo
esquema.

2.2.4 Equilibração: Quando o indivíduo se depara com uma si-


tuação nova, a qual não pode ser assimilada pelos esquemas
disponíveis, gera-se o desequilíbrio. Assim, a equilibração é a
passagem do desequilíbrio para o equilíbrio. Os processos de
assimilação e acomodação funcionam para restabelecer o equi-
líbrio.

No exemplo previamente mencionado, havia um estado de


desequilíbrio quando a criança constatou que não poderia usar o
esquema que possuía (o nome pássaro) para se referir ao objeto
novo. A nova informação, o nome e as diferenças entre pássaros e
helicóptero apresentadas pelos pais, restabeleceram o equilíbrio,
ou harmonia cognitiva.

2.3 Estágios do Desenvolvimento Cognitivo

Piaget propôs que o desenvolvimento cognitivo ocorre em


quatro estágios qualitativamente distintos: sensório-motor, pré-
operacional, operacional concreto e operacional formal. Cada
estágio é derivado das realizações e capacidades adquiridas no
estágio anterior.

122
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

Todas as crianças passam pelos quatro (4) estágios na


mesma ordem. Entretanto, podem ser observadas diferenças in-
dividuais no ritmo com que as crianças passam por cada estágio
em virtude de fatores hereditários e ambientais. Assim, as idades
associadas aos estágios são aproximações ou médias.

2.3.1 Estágio sensório-motor (0-2 anos): Durante este estágio, o


comportamento é predominantemente motor. A criança ainda não
representa internamente os eventos. Geralmente, diz-se que a in-
teligência neste estágio é prática: quando a criança pensa com o
corpo todo e através de suas ações. Este estágio é composto por
seis subestágios:
- Subestágio 1 (0 a 1 mês) - Atividade reflexa: A maior parte do
comportamento do recém nascido é de natureza reflexa e indife-
renciada: sugar, agarrar, chorar e movimentos de braços, tronco e
cabeça. Algumas semanas após o nascimento, observa-se que o
bebê apresenta o comportamento de buscar ou de procurar pelo
seio da mãe. Ao ser colocado no colo, ele vira a cabeça em dire-
ção ao seio. Esse não é mais um reflexo. É uma demonstração do
processo de acomodação ao meio;
- Subestágio 2 (1 a 4 meses) - Primeiras diferenciações: Sur-
gem vários comportamentos novos. Freqüentemente ocorre o
comportamento de chupar o dedo polegar o qual reflete o início
do desenvolvimento da coordenação mão-boca; a criança segue
objetos com os olhos e movimenta a cabeça em direção aos sons
(coordenação da visão-audição). Entretanto, os bebês desta ida-
de ainda não diferenciam o seu próprio corpo dos outros objetos
do ambiente;

- Subestágio 3 (4 a 8 meses) - Reprodução de eventos inte-


ressantes: O comportamento da criança orienta-se progressiva-
mente para outros objetos e eventos além do seu próprio corpo, o
que demonstra o desenvolvimento do conceito de objeto. O bebê
é capaz de pegar e manipular um brinquedo que ele pode alcan-
çar, demonstrando coordenação entre a visão e o tato. Ele repete
eventos que lhe são interessantes (reações circulares), como por
exemplo, bater repetidamente em um móbile que produz um de-
terminado som. Esta capacidade demonstra o desenvolvimento
do comportamento intencional, dirigido a um propósito;

123
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

-Subestágio 4 (8 a 12 meses) - Coordenação de esquemas: A


criança desenvolve a capacidade de combinar comportamentos já
adquiridos com a finalidade de atingir um determinado objetivo. A
criança começa a diferenciar meios e fins e coordena esquemas
familiares. Por exemplo, ela retira o travesseiro que está sobre um
brinquedo, estende a mão e pega o brinquedo;

Você já deve ter presenciado a seguinte situação: um adul-


to, diante de um bebê, brincando de esconder o rosto com uma
fralda. Cada vez que esconde o rosto a criança fica confusa, olha
para os lados; quando o adulto descobre o rosto a criança de-
monstra alegria. Esta brincadeira distrai os bebês mais novos,
mas não funciona com as crianças de cerca de um ano. Estas
afastam o obstáculo, a fralda, e não demonstram surpresa;
Este exemplo ilustra uma importante capacidade adquirida
no subestágio 4: a noção de permanência do objeto. No estágio
subestágio três, a criança assumia que tudo que não estava visível
não existia. Assim, mesmo vendo o adulto cobrir o rosto com a fral-
da, a criança não procurava pelo adulto. Posteriormente, entre os
8 e 10 meses aproximadamente, os objetos são percebidos como
continuando a existir mesmo fora do campo visual. A criança agora
procura pelo adulto, afasta e retira a fralda do seu rosto;

- Subestágio 5 (12 a 18 meses) - Invenção de novos meios: A


criança começa a formar esquemas para resolver novos proble-
mas. O aprimoramento das capacidades motoras amplia as pos-
sibilidades de explorar o ambiente. Este período pode ser carac-
terizado pela “experimentação”. A criança utiliza várias alternativas
de esquemas, diferentes formas de agir até encontrar uma que
leve à solução do problema;

A experimentação pode ser ilustrada pela interação da


criança com um brinquedo de encaixe de formas diferentes. Ao
pegar cada peça, a criança pode bater a peça nas aberturas, ten-
tar encaixá-la em diferentes aberturas, tentar encaixar na abertura
correta, mas com a inclinação errada, e girar a peça até encaixá-
la corretamente. À medida que interage com o brinquedo a crian-
ça desenvolve novos esquemas e torna-se mais ágil e precisa em
solucionar o problema.

124
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

-Subestágio 6 (18 a 24 meses) - Representação: Neste subes-


tágio, a criança passa do nível de inteligência sensório-motora
para a inteligência representacional. A criança se torna capaz de
representar internamente objetos e eventos e, conseqüentemen-
te, é capaz de resolver problemas através da representação. Ela
desenvolve a capacidade de elaborar seqüências de ações no
nível representacional (idéias, pensamentos) antes de emitir o
comportamento que resultará na solução de problema simples. A
criança também é capaz de procurar por objetos que ela não viu
quando foram escondidos;

2.3.2 Estágio pré-operacional (2-7 anos): A inteligência nes-


te estágio é simbólica. As crianças representam internamente os
objetos, as pessoas e os eventos pelo uso de símbolos, incluindo
imagens mentais, palavras e gestos.

No início deste estágio, a criança é capaz de imitar obje-


tos e eventos que já não estão mais presentes o que evidencia a
capacidade de representar mentalmente o comportamento imita-
do. Este desempenho, também, ilustra um aspecto da memória,
a recordação por exemplo, a criança que brinca de fazer um bolo,
imitando uma ação que ela viu a mãe desempenhando no dia
anterior.

A segunda forma de representação característica deste


estágio é ilustrada pelo jogo simbólico ou brincadeiras de “faz-de-
conta”. As crianças podem brincar com um cabo de uma vassoura
utilizando-o como um cavalo, produzindo ações, sons e gestos Será que crianças sur-
das-mudas apresentam
como se estivessem interagindo com o animal. desenvolvimento cognitivo
com estágios descritos
A aquisição mais notável deste estágio é a linguagem fala- por Piaget? Será muito
da. Em torno dos dois anos de idade podendo ocorrer variações proveitoso procurar infor-
mação sobre este tema.
individuais, a criança começa a usar palavras ou sons como sím-
bolos para representar objetos. No início, a criança usa sentenças
de uma palavra como por exemplo a palavra “água” mas o contex-
to tem o significado de “quero água”, sendo observada uma rápi-
da expansão do vocabulário e, posteriormente, sentenças como
duas palavras por exemplo, “bola grande”. Aos quatro anos a maio-
ria das crianças já possui um amplo domínio da linguagem falada
e já utiliza muitas regras gramaticais.

125
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

A aquisição da linguagem falada facilita o desenvolvimen-


to conceitual que ocorre neste estágio. Para Piaget a linguagem
é um facilitador do desenvolvimento cognitivo mas não deve ser
considerada como um pré-requisito e nem como uma condição
necessária para que ele ocorra. Pode-se concluir que “o pensa-
mento precede a linguagem e que esta limita-se a transformá-lo”
(Piaget, 1998, p. 80).

O pensamento e o comportamento da criança pré-opera-


cional são caracterizados como egocêntricos. Isto é, a criança
tem dificuldade de assumir o papel ou o ponto de vista do outro.
Ela acredita que todos pensam como ela e que a sua forma de
pensar está correta. Ao falar ao telefone, por exemplo, uma crian-
ça de quatro anos pode mostrar um brinquedo novo para o apare-
lho para que a pessoa com a qual está conversando possa vê-lo
como ela está vendo.

Outra característica do pensamento pré-operacional é a


centração que se refere à capacidade de lidar apenas com uma
dimensão de cada vez. A criança deste estágio tende a prestar
Representação de uma das
tarefas de Piaget (tarefa das atenção a um número limitado de características de um estímulo.
montanhas) para avaliar o pen-
samento egocêntrico de crian- Considere a seguinte situação: pede-se a uma criança de
ças do estágio pré-operacional. quatro ou cinco anos para comparar duas fileiras de objetos se-
Procure mais informações so-
bre esta tarefa. melhantes, uma contendo nove (9) moedas de R$ 1,00 e a outra
contendo sete moedas de R$ 1,00. A segunda fileira é mais com-
prida do que a primeira em função da distância maior entre as
moedas. Mesmo tendo visto as moedas da segunda fileira sendo
afastadas, a criança seleciona essa fileira como a que tem mais
moedas. Podemos, então, observar que a criança não é capaz
de reverter mentalmente a ação de alongar a fileira. Ela não con-
segue imaginar as moedas voltando à posição inicial, ou seja, o
pensamento não é reversível.

Tarefa de conservação
de número, similar à 1. São apresentadas à 2. Aumenta-se a distân-
utilizada por Piaget. criança duas fileiras uma cia entre as moedas da
com nove moedas e ou- segunda fileira.
tra com sete.

126
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

As características do pensamento pré-operacional (ego-


centrismo, centração e reversibilidade) podem ser consideradas
obstáculos ao pensamento lógico e estão relacionadas com a au-
sência de conservação.

De acordo com o conceito de conservação a quantidade


de uma matéria permanece a mesma apesar de variações em
dimensões irrelevantes. Vamos voltar ao exemplo das moedas.
Nesse caso, o aumento da distância entre as moedas produz um
alongamento da fileira, uma dimensão irrelevante, mas não muda
a quantidade de moedas (dimensão relevante).

Um segundo tipo de problema de con-


servação reflete o conceito de área. Consi- 1. São apresentados à criança dois
dere a seguinte situação, similar a um dos cartões.
Em cada cartão um menino e um biscoito
problemas utilizados por Piaget: Dois cartões
iguais, em formato retangular, são apresen-
tados à criança. Sobre cada cartão são
colocadas as figuras (de papel e recortadas)
de um menino e um biscoito. Pergunta-se
à criança: Qual dos dois meninos tem mais A B
biscoitos? A resposta típica das crianças do
estágio pré-operacional é que os dois têm a
mesma quantidade de biscoitos. Acrescenta-
se um biscoito em cada cartão, sendo que no
primeiro os biscoitos estão afastados e no se-
A B
gundo estão um ao lado do outro. Nesta nova
situação, a resposta da criança se modifica.
Ela diz que o menino do segundo cartão tem 2. São apresentados à criança dois
mais biscoitos. A criança supõe que a quanti- cartões. Cada cartão tem um menino e
dois biscoitos. No cartão A, os biscoitos
dade de biscoitos é maior porque a área ocu-
estão afastados e no cartão B eles estão
pada pelos dois biscoitos posicionados lado próximos.
a lado é maior do que a área ocupada pelos
biscoitos separados.

127
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

Um terceiro tipo de problema de conservação é o da con-


servação de líquido. Apresenta-se à criança dois recipientes de
igual tamanho, forma e quantidade de líquido (suco de laranja).
Pede-se a ela para comparar a quantidade de líquido contida nos
dois recipientes. Nesta situação, a criança do estágio pré-opera-
cional afirma que os dois apresentam a mesma quantidade de
suco. A seguir, o líquido de um dos recipientes é transferido, na
frente da criança, para outro recipiente, mais comprido e estreito
e, pede-se para que ela avalie novamente a quantidade de líquido
dos dois recipientes. Como nos dois exemplos anteriores, uma
dimensão irrelevante (a forma do recipiente) foi modificada. Nesta
segunda situação, a criança responde com base apenas em uma
dimensão, a altura, afirmando que o segundo recipiente tem
mais suco.

1. São mostrados à crian- 2. O suco de um dos co-


ça dois copos idên- pos é despejado em
ticos com a mesma outro copo, mais alto
quantidade de suco. e estreito.

Tarefa de conservação de líquido, similar à utilizada


por Piaget.

O processo de aquisição do conceito de conservação é


gradual e dependente da experiência ativa da criança com o am-
biente como por exemplo a exploração e manipulação de objetos.
Deve-se ressaltar que outros tipos de conservação foram, tam-
bém, estudados por Piaget, tais como, conservação de substân-
cia (massa), de peso e de volume de sólidos.

2.3.3 Estágio das operações concretas (7-12 anos): As crian-


ças deste estágio tornam-se capazes de realizar operações men-
tais lógicas que são representações internas de ações. Elas são
capazes de pensar e realizar operações inversas, conforme defi-
nição de reversibilidade do pensamento, descrita no estágio pré-
operacional.

128
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

Neste estágio, a criança desenvolve processos de pensa-


mento lógico (operações) que podem ser aplicados a problemas
reais, concretos. É adquirida a capacidade para distinguir aparên-
cia de realidade, características temporárias de permanentes, o
que permite considerar mais de uma característica dos objetos
ou situações, ou seja, ocorre a descentração do pensamento. Di-
ferentemente da criança do estágio pré-operacional, a criança do
estágio das operações concretas não apresenta dificuldades na
solução dos problemas de conservação e apresenta argumentos
corretos para as suas respostas.

Com relação ao aspecto social, a criança deste estágio é


menos egocêntrica, ela aceita que os outros têm pontos de vistas
diferentes e elabora justificativas para o seu pensamento, as suas
idéias. Desta forma, as interações sociais durante brincadeiras,
conversas e jogos contribuem para o desenvolvimento cognitivo,
uma vez que são oportunidades para a criança expor suas idéias
e argumentar sobre a sua forma de pensar.

O pensamento operatório permite que as crianças men-


talmente combinem, separem, ordenem, transformem objetos e
ações e compreendam termos relacionais como maior, menor,
direita, esquerda, mais alto, mais baixo. Essas operações são de-
nominadas de concretas porque são realizadas na presença dos
objetos e eventos que estão sendo considerados.

Observa-se, neste estágio, a capacidade de classificar de


acordo com mais de uma característica. Um conjunto de selos,
por exemplo, possui várias características, como o país de origem
e o tipo de figura. Uma criança pode organizar a sua coleção por
país de origem. Para cada país, ela pode separar os selos por tipo
de figura: animais, esportes, personalidades. Ela, também, pode
subdividir os selos de animais em pássaros, animais terrestres e
aquáticos.

Apesar da expansão da capacidade para categorizar e


classificar objetos, as crianças deste estágio ainda apresentam
dificuldade para compreender problemas abstratos e hipotéticos.

129
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

2.3.4 Estágio das operações formais (a partir dos 12 anos): O


pensamento lógico alcança sua expressão máxima neste está-
gio. O adolescente adquire a capacidade de compreensão lógica
abstrata, ou seja, é capaz de “pensar a respeito do próprio pen-
samento”.
O adolescente tem
capacidade de resolver Comparando-se o pensamento da criança do estágio das
problemas, de raciocinar, operações concretas com o pensamento do adolescente, verifica-
de maneira lógica como
o adulto, mas por que se que o primeiro é mais rígido e limitado à solução de problemas
eles pensam de modo
concretos, enquanto que o pensamento no estágio das operações
diferente? Piaget consi-
dera que uma explicação formais é mais flexível e se estende para situações hipotéticas.
é o egocentrismo do ado-
lescente. O que é lógico Como o pensamento operatório-formal caracteriza-se pela emer-
para ele é sempre certo; gência do raciocínio hipotético, há uma maior flexibilidade no ra-
considera que o mundo
segue uma determinada ciocínio. Diante de uma situação problema, o adolescente pode
lógica a qual nem sem- considerar diferentes alternativas de solução, compará-las e esta-
pre corresponde à reali-
dade, à forma como as belecer uma hierarquia entre elas, antes de tomar uma decisão. A
coisas de fato ocorrem.
Outras características do
consideração de diferentes alternativas possibilita que o adoles-
pensamento adolescente cente simule o ponto de vista do outro.
são o idealismo que mui-
tas vezes se manifesta Ao analisar o desempenho de pré-adolescentes e adoles-
em críticas à sociedade
e em sugestões de um centes em tarefas problemas (similares a experimentos de quími-
mundo melhor. ca e física), Piaget verificou que eles apresentam um pensamen-
to similar ao de um cientista. São capazes de pensar sobre várias
características ao mesmo tempo, formular hipóteses, submetê-las
a uma verificação ordenada (testes), rejeitar as que não se confir-
mam e aceitar as que se confirmam, e extrair conclusões.

Para Piaget o desenvolvimento cognitivo finaliza na ado-


lescência, quando as capacidades cognitivas atingem o nível dos
adultos. Entretanto, estudos mostram que nem todos os adoles-
centes e adultos desenvolvem plenamente as operações formais
e muitos continuam utilizando as capacidades típicas do estágio
das operações concretas. Além disso, as capacidades do estágio
das operações formais são influenciadas por fatores ambientais
e culturais.

130
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

Os estudiosos do desenvolvimento consideram que duran-


te a vida adulta ocorrem mudanças na forma de interpretar o mun-
do, de agir e de se relacionar com as pessoas. Ao longo dos anos
e em função das diferentes experiências, os adultos começam a
raciocinar de maneira mais rápida e precisa em comparação com
os adolescentes. Portanto, o estágio das operações formais não
seria o último do desenvolvimento cognitivo.

Os adultos, entretanto, estão mais envolvidos com questões


práticas da vida real e na busca de soluções para os problemas
do dia-a-dia os quais são distintos dos tipos de tarefas utilizadas
por Piaget. Na fase adulta, o indivíduo assume responsabilidades
no trabalho, constitui uma família e desempenha diferentes papéis
na sociedade como o de estudante, pai, jogador de um time de
futebol, participante das atividades de uma determinada religião.

De acordo com uma perspectiva mais contemporânea, as


mudanças cognitivas durante a velhice são decorrentes do pro-
cesso normal de envelhecimento, principalmente, em atividades
relacionadas com a atenção, aprendizagem e memória. Déficits
graduais na audição e visão, necessidade de mais tempo para
organizar as informações e para reagir, diminuição da capacida-
de de prestar atenção a várias atividades, situações complexas e
com detalhes irrelevantes, demandam novas formas de interação
com as pessoas e com o ambiente. As habilidades intelectuais
mostram um declínio lento e gradual, mas a capacidade de apren-
der é mantida, apesar de falsas crenças. No processo de envelhe-
cimento e no declínio das capacidades cognitivas são observadas
diferenças individuais entre os indivíduos em função de fatores
pessoais como por exemplo o estilo de vida, estado de saúde,
sociais e culturais.

131
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

Hora de praticar
Após a leitura da descrição dos estágios da teoria do desenvolvimento cognitivo de
Piaget, você deverá assistir os vídeos da Semana 2 disponibilizados no seu pólo e no
Moodle.

A sua tarefa consistirá em:

1) Assistir os vídeos. Durante cada vídeo, procure observar, detalhadamente, os compor-


tamentos apresentados pelas crianças.

2) Redigir um parágrafo para cada vídeo contendo as seguintes informações:

• descrição dos comportamentos apresentados pelas crianças;

• identificação do estágio do desenvolvimento cognitivo;

• comentário sobre a comprovação (ou não) da descrição apresentada por Piaget para o
estágio de desenvolvimento que você identificou.

2.4 Desenvolvimento do Julgamento


Moral

De acordo com Piaget, a compreensão de regras e de ou-


tros conceitos morais como mentira e justiça desenvolve-se de
maneira similar aos conceitos cognitivos. Piaget estudou o desen-
volvimento dos conceitos infantis sobre regras de jogo, utilizando
o jogo de bolas de gude, por apresentar uma estrutura de regras
e por ser, na época, o jogo preferido de muitas crianças.

Piaget entrevistou crianças sobre a compreensão que elas


tinham das regras do jogo de bolas de gude. Foram feitas per-
guntas tais como: Quais são as regras do jogo? Mostre-me como
jogar. Você pode inventar uma nova regra? Esta é uma regra jus-
ta? Neste estudo, Piaget interagia com as crianças de diferentes
maneiras e participava tanto como observador como jogador.

132
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

Piaget identificou quatro estágios no desenvolvimento do


conhecimento infantil sobre as regras do jogo:

1. Estágio motor: A criança não apresenta noção de regras. Até


o estágio sensório motor a criança joga bola de gude consigo
mesma. As bolas de gude são consideradas objetos a serem
explorados, manipulados;
2. Estágio egocêntrico: Dos dois aos cinco anos, as crianças ad-
quirem a noção de regras e começam a querer jogar, geralmente,
com crianças mais velhas, e procuram imitar a forma como elas
jogam. Mesmo juntas, as crianças jogam cada uma para si não
há interação social ou de cooperação, todas podem ganhar;
3. Estágio da cooperação: Por volta dos sete ou oito anos a
criança apresenta compreensão nítida das regras do jogo. Cada
jogador procura vencer os adversários o que torna necessário
o uso de regras comuns. Podem ocorrer discordâncias sobre
as regras do jogo e muitas vezes as crianças passam muito
tempo discutindo as regras, pois valorizam muito a vitória;
4. Estágio da codificação das regras: Em torno dos 11 ou 12
anos, a maioria das crianças começa a entender que as regras
são e podem ser feitas pelo grupo; o grupo pode mudar as re-
gras; e as regras são necessárias para um jogo justo.
Para estudar os julgamentos das crianças em relação à inten-
ção das ações Piaget desenvolveu uma metodologia bastante pecu-
liar. Ele apresentava pares de histórias que envolviam dilemas morais
e fazia perguntas às crianças. Por exemplo, pedia-se às crianças
para comparar o que ocorreu nas duas histórias (A e B), decidir qual
era o comportamento mais grave, e explicar a sua escolha.
A: João abriu a porta do seu quarto. A porta bateu em uma
cadeira. O menino não sabia que na cadeira atrás da porta tinha
uma bandeja com dez copos. Os copos caíram no chão e todos
se quebraram;
B. A mãe de Pedro estava no trabalho. Pedro subiu em uma
cadeira e tentou pegar um pacote de biscoitos que estava na
última prateleira do armário. Ao esticar o braço, esbarrou em um
copo que caiu e quebrou, mas ele não conseguiu pegar o pacote
de biscoitos.

133
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

Ao analisar as respostas neste tipo de tarefa, Piaget veri-


ficou que as crianças de sete ou oito anos consideravam o com-
portamento do menino da primeira história, João, “pior” ou mais
grave, uma vez que ele quebrou 10 copos enquanto Pedro que-
brou apenas um. As crianças desta idade, portanto, não avaliam
a intenção, os motivos, para julgar uma ação, elas consideram,
apenas, os danos produzidos. Por volta dos oito ou nove anos a
criança já adquiriu conceitos relacionados à intencionalidade e há
uma redução do pensamento egocêntrico, ou seja, ela passa a
considerar o ponto de vista dos outros. As crianças consideram os
resultados ou danos produzidos pelas ações, as intenções e os
motivos para fazer os seus julgamentos. Assim, as crianças desta
idade consideram o comportamento do menino da segunda histó-
ria, Pedro, mais grave, ele estava fazendo algo sem autorização,
escondido.

Durante o período sensório-motor não há evidência de


compreensão de outros conceitos morais. No estágio pré-opera-
cional o raciocínio moral é considerado pré-normativo, baseia-se
na obediência à autoridade mais por medo do que por respeito
mútuo. Para as crianças deste estágio, o que é certo ou errado
está pré-determinado pela autoridade dos pais, de Deus, do Go-
verno e não depende de sua avaliação.

Por volta dos sete ou oito anos, as crianças são capazes


de fazer as suas próprias avaliações do que é certo ou errado.
Surgem os primeiros indicadores da autonomia quando elas co-
meçam a entrar em conflito com os adultos sobre o que é justo e
certo. Por exemplo, elas podem protestar que o recreio das crian-
ças menores tem uma duração maior, portanto ficam mais tempo
no parquinho.

No estágio das operações formais os julgamentos dos pré-


adolescentes e dos adolescentes levam em consideração tanto
as intenções como também outros aspectos da situação, como
por exemplo, a idade e o nível sócio-econômico da pessoa cujo
comportamento está sendo analisado.

134
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

Hora de praticar
Em atividades que envolvem competição é comum ocorrerem comportamentos tais
como: se recusar a seguir as regras ou instruções, esbarrar ou chutar sem intenção um
colega, brigar ou discutir. Como lidar com tais eventualidades? Elabore argumentos
fundamentados na proposta de Piaget sobre o julgamento moral e participe do fórum
da Semana 2.

2.5 Contribuições para o Contexto


Escolar

Vamos comentar, nesta parte do texto, algumas implica-


ções da teoria de Piaget para o contexto escolar. O principal foco
do trabalho de Piaget não era a educação e o ensino. Entretanto,
sua teoria apresenta descrições sobre como a criança adquire
o conhecimento e como ocorre o desenvolvimento cognitivo que
são, sem dúvida, relevantes para a educação.

É importante ressaltar que a teoria não pode ser reduzida


a conjunto de procedimentos. As tarefas propostas por Piaget para
avaliar as capacidades em cada estágio não devem ser trans-
postas diretamente para o ensino. Devemos analisar as idéias,
conceitos e informações apresentadas por Piaget com o objetivo
de identificar aspectos que possam auxiliar o professor no desem-
penho de suas atividades. Além disso, não devem ser propostas
apenas atividades que requeiram o comportamento que é espe-
rado numa faixa etária. Desafios são importantes para promover
o desenvolvimento cognitivo.

Para Piaget, cada situação de aprendizagem, ou seja, as


atividades propostas pelo professor e os recursos disponibilizados,
tende a ser representada pelo aluno como uma situação problema.
O aluno tenta obter a solução do problema utilizando o conheci-

135
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

mento que já possui, as estruturas ou esquemas cognitivos que


dispõe, de acordo com o estágio de desenvolvimento cognitivo.

É importante, portanto, ao selecionar as atividades de uma


determinada aula considerar a faixa etária das crianças e o que
elas já são capazes de fazer. Além disso, a forma de apresen-
tação é um aspecto relevante. Dar oportunidade para os alunos
participarem, explorarem objetos e o ambiente, tirarem as pró-
prias conclusões ou resolver um problema proposto, favorecem a
aquisição de novos comportamentos, ou seja, a aprendizagem.

Atividades que envolvem interações sociais (dramatiza-


ções, brincadeiras e jogos) são importantes para o desenvolvi-
mento cognitivo. Interações com outros alunos podem servir para
promover desequilíbrio em relação a conhecimentos previamente
adquiridos (ex: tipo de alimentação considerada saudável, forma
de executar um determinado movimento e regras de um jogo).
Quando as crianças e adolescentes se encontram em situações
em que o seu pensamento entra em conflito com o pensamento
dos colegas ou do professor, o conflito pode levá-las a questionar
o seu próprio pensamento (desequilíbrio).

No espaço da sala de aula o aluno deve, portanto, ter li-


berdade para expressar a sua opinião, fazer suposições propor
alternativas, mesmo quando não tem certeza e comete erros. Per-
guntas adicionais formuladas pelo professor a respeito das res-
postas dos alunos podem levá-los a considerar outros aspectos,
ver o problema de diferentes maneiras, e chegar as suas próprias
conclusões ou a solução do problema, o que resultaria no retorno
ao equilíbrio.

Outro aspecto importante é a novidade. Cada atividade


didática pode representar uma situação nova: as instruções for-
necidas pelo professor podem ser diferentes, o material utiliza-
do pode variar e os alunos podem se organizar em grupos com
componentes distintos a cada atividade. Os esquemas cognitivos
utilizados para resolver problemas anteriores podem, muitas ve-
zes, ser insuficientes e ineficazes na situação nova. A novidade
gera desequilíbrio cognitivo, sendo necessária uma mudança na
estrutura cognitiva, ou seja, deve ocorrer a acomodação. Assim,

136
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

as atividades didáticas devem despertar curiosidade, dúvida, e


instigar a ação.

Para finalizar, devemos destacar o papel do jogo e da brincadeira no contexto es-


colar. Atividades lúdicas podem ser utilizadas em diferentes situações no contexto escolar
para desenvolver aspectos cognitivos e sociais. Podem ser utilizadas para exercitar con-
ceitos e fatos estudados como também para ensinar comportamentos relevantes para a
convivência social, como seguir regras, respeitar as diferenças individuais, cooperar com
os colegas e planejar ações e estratégias. Além disso, atividades coletivas que envolvem
simulação de situações reais, como por exemplo, a estrutura de um time de futebol (ex:
diretor, preparador físico, técnico, jogadores) pode favorecer a integração entre conheci-
mentos procedentes de várias disciplinas (ex: biologia, física, matemática) e o exercício de
diferentes papéis e responsabilidades.

Nesta Unidade apre- diferentes estágios a forma de pensar e de


sentamos a noção de se comportar apresenta características pe-
que o desenvolvimento culiares.
descreve um processo Informações sobre a forma como
de mudança ao longo indivíduos de diferentes faixas etárias pen-
da vida, durante o qual ocorrem várias sam, se comportam e se relacionam em si-
aprendizagens. tuações que envolvem regras e julgamento
moral, podem contribuir para a prática do
A teoria do desenvolvimento cogniti-
professor tanto no planejamento quanto na
vo de Piaget descreve o processo de aqui-
condução de suas aulas.
sição do conhecimento e mostra que nos

Parabéns! Você concluiu mais uma unidade da nossa disciplina.

137
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 2 ASPECTOS INDIVIDUAIS E COGNITIVOS DO DESENVOLVIMENTO E APRENDIZAGEM

138
PSICOLOGIADA
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

UNIDADE 3
Influência de Fatores Sociais nos
Diferentes Aspectos do
Desenvolvimento e da Aprendizagem

Nesta Unidade vamos discutir a noção de que o que nós aprendemos, o que so-
mos capazes de fazer e o que nos diferencia um dos outros, depende da nossa herança
genética e do contexto social e cultural no qual vivemos. A importância das interações
sociais para os processos de desenvolvimento e de aprendizagem será enfatizada no
contexto escolar, assim como a relevância de brincadeiras e jogos que envolvem compe-
tição e cooperação. Tais atividades pedagógicas são comumente utilizadas em aulas de
Educação Física.

Objetivos
Ao final desta Unidade esperamos que você seja capaz de:

descrever a contribuição de fatores sociais e culturais para o desenvolvimento e a


aprendizagem;

identificar, nas interações sociais envolvidas em atividades físicas coletivas, diferentes


tipos de comportamentos exigidos como pré-requisitos e aqueles que podem ser en-
sinadas aos alunos;

analisar diferentes atividades físicas quanto à sua pertinência em relação ao contexto


social e cultural no qual a escola e os alunos estão inseridos.

Serão caracterizadas as concepções teóricas de Vygotsky e Wallon devido à re-


levância contemporânea para a psicologia e a educação. Vamos também comentar al-
gumas contribuições de tais perspectivas teóricas para o contexto escolar e a prática do
professor de Educação Física.

Bom estudo!

139
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

3.1 Teoria Sócio-histórica de Vygotsky

3.1.1 Introdução

Nos anos de 1920, sob o regime da ex-União Soviética,


Marxismo. É um conjun- nos países do leste europeu, nascia a teoria sócio-histórica, uma
to de idéias de origem psicologia que buscava compreender o homem na sua totalidade.
filosófica, econômica,
política e social, proposto Essa teoria, fundamentada no Marxismo, só ganhou importân-
por Karl Marx e Friedrich cia no Ocidente nos anos de 1960 e no Brasil apenas nos anos
Engels, que interpreta
a vida social conforme 1980.
a dinâmica da luta de
classes e prevê a trans- O principal representante dessa teoria foi Lev Vygotsky
formação das socieda- (1896-1934). Para ele, o desenvolvimento do indivíduo é o resulta-
des de acordo com as
leis do desenvolvimento do de um processo sócio-histórico no qual a linguagem e a apren-
histórico de seu sistema dizagem são fundamentais. O seu principal interesse era explicar
produtivo (CHAUI, 2003).
o processo de aquisição de conhecimentos a partir da interação
do indivíduo com o meio e não elaborar uma teoria do desenvolvi-
mento infantil. Realizou estudos com crianças como uma possibi-
lidade de explicar o comportamento humano e investigar a origem
do desenvolvimento cultural

3.1.2 Conceitos Básicos

A teoria sócio-histórica, também denominada de histórico-


cultural ou sócio-interacionista, elaborada por Vygotsky, tem como
O russo Lev Semeno-
objetivo:
vich Vygotsky(1896-
1934) formou-se em “Caracterizar os aspectos tipicamente humanos do
direito,especializou-se
em literatura e psicologia comportamento e elaborar hipóteses de como essas
e fez o curso de medici- características se formam ao longo da vida humana
na.
e de como se desenvolvem durante a vida de um
Seu interesse por áreas
diversas e sua formação indivíduo (Vygotsky, 1991, p. 21).”
interdisciplinar resultou
em uma produção de
cerca de 200 trabalhos Pense... O que significa uma perspectiva sócio-
científicos.
Seus trabalhos cultural ou histórico-cultural? Você já ouviu falar
influenciaram vários alguma coisa a respeito desses termos? O quê?
teóricos de áreas como a
educação, a neurociência Será muito proveitoso procurar informações adi-
e a lingüística, entre cionais.
outras.

140
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

A concepção histórico-cultural pressupõe que o ser hu-


mano nasce com uma única potencialidade, a potencialidade de
aprender. Em outras palavras, ao nascer o indivíduo é um ser
biológico e a partir das interações com as outras pessoas, com
as situações que vivencia, no momento histórico em que vive e
com a cultura a que tem acesso, ele adquire as características Funções psicológicas
superiores.São aquelas
tipicamente humanas.
que caracterizam o fun-
cionamento psicológico
O principal interesse de Vygotsky foi pelo estudo das fun-
humano: ações conscien-
ções psicológicas superiores que caracterizam o funcionamen- tes, atenção voluntária,
memória, pensamento e
to psicológico dos seres humanos, tais como a capacidade de
comportamento intencio-
planejar ações, imaginar objetos ausentes, pensar e lembrar de nal.
situações previamente vivenciadas. Tais processos mentais são
intencionais, conscientes e voluntários, e se originam a partir das
interações entre as pessoas.

As funções psicológicas superiores se diferenciam das


funções psicológicas elementares que envolvem reações au-
tomáticas, associações entre estímulo e resposta (reflexos), e são
de origem biológica.

O pensamento de Vygosky apresenta três idéias cen- Funções psicológicas


trais: elementares. Processos
psicológicos elementa-
1) As funções psicológicas são o produto direto do funcionamento res, tais como reflexos
(ex: sucção), reações au-
cerebral, dependem da estrutura biológica do organismo. Esta tomáticas (ex: movimento
estrutura biológica, física, é inata e estabelecida ao longo da da cabeça em direção
a um som estridente) e
evolução histórica da espécie (história filogenética); associações simples (ex:
evitar o contato com uma
2) Os processos psicológicos superiores fundamentam-se nas chapa quente).
interações entre o indivíduo e seu contexto social e cultural.
Este é um processo de desenvolvimento peculiar à história de
interação de cada indivíduo com o ambiente externo (história
ontogenética);

3) A relação entre o indivíduo e o mundo não é uma relação direta.


É uma relação mediada por sistemas simbólicos (ex: lingua-
gem).

O conceito de mediação é fundamental na concepção de


Vygotsky para compreender o funcionamento dos processos psi-
cológicos superiores. Em termos gerais, mediação envolve a in-

141
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

clusão de um novo elemento na relação entre dois elementos, ou


seja, a relação entre os elementos não é direta.

Vamos analisar o exemplo abaixo:

Neste caso, há uma relação direta entre a sensação de dor


nos pés e retirar os sapatos

(S - estímulo) (R – Resposta)

Se a garota, mesmo sentido dor, retirar os sapatos somen-


te após se lembrar da dor e dos machucados produzidos pelos
sapatos em uma ocasião anterior, teremos um exemplo de me-
diação.

A lembrança de uma experiência aterior com os sapatos


introduziu um elemento a mais entre a dor (S) e a ação de retirar
os sapatos (R).

Vygotsky identificou dois tipos de mediadores: os instru-


mentos e os signos. Vejamos cada um deles.

142
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

1. Instrumento – É um elemento que se insere entre o indivíduo


e o objeto de sua ação. A enxada utilizada por um trabalhador
rural é mais eficaz para retirar o mato da plantação do que
as próprias mãos; um CD permite armazenar arquivos de texto,
sons e imagens. O instrumento é utilizado com um determinado
objetivo, ele tem uma função para a qual foi criado, é, portanto, um
mediador da relação entre o indivíduo e o mundo;

2. Signos – Meios auxiliares para solucionar um determinado


problema psicológico como por exemplo lembrar, comparar
Signo - algo que significa ou
coisas, relatar, escolher, etc. e têm funções similares as dos representa outra coisa.
Instrumento - algo que pode
instrumentos.
ser utilizado para fazer algu-
ma coisa.

Os instrumentos são elementos externos utilizados pelo indivíduo para exe-


cutar ações concretas, enquanto que os signos estão orientados para den-
tro do indivíduo, para executar processos mentais (processos psicológicos
superiores).

O homem utiliza signos em diversas situações. O signo


pode ser utilizado como uma marca externa. Por exemplo utilizar
um círculo ou um traço para indicar os pontos em uma brincadeira
de tênis de mesa, fazer um mapa para que os ciclistas identifi-
quem o percurso de uma determinada trilha e fazer um diagrama
para que os jogadores de vôlei se posicionem para fazer uma
jogada ensaiada.

O uso dos signos estabelece a


mediação entre um estímulo (objeto ou
situação) e a resposta. Nos exemplos
previamente citados, facilita contar os
pontos, lembrar uma informação, pres-
tar atenção a determinados aspectos,
decidir sobre o que fazer, ou executar
uma ação motora.

143
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

Os processos de mediação não estão presentes nas crian-


ças pequenas e são construídos ao longo do desenvolvimento. As-
sim, as ações das crianças pequenas são diretas e não mediadas.
À medida que a criança se desenvolve, ela deixa de utilizar apenas
marcas externas e passa a utilizar signos internos, isto é, repre-
Representação mental. sentações mentais que substituem os objetos do mundo real.
Imagem mental (ex: visu-
al, auditiva, tátil), idéias, Pensar em uma praia, planejar um salto ou em como resol-
conceitos, palavras, que ver uma expressão matemática, não envolve os objetos ou situa-
representam objetos,
eventos e situações do ções concretas. Pensar envolve lidar com uma idéia, um conceito,
mundo externo. uma imagem ou uma palavra, enfim, algum tipo de representação
interna que substitui o objeto ou a situação real.

Um aspecto importante a ser observado é que o uso de


signos não se restringe a situações específicas e não são exclu-
Sistema Simbólico sivas de cada indivíduo. Ao longo da história da espécie humana
Estudamos esse assunto no foram criados sistemas simbólicos para representar a realidade,
Módulo 2, na disciplina Comu- os quais são compartilhados pelos membros de cada grupo so-
nicação, lembra-se? cial, permitem a comunicação e facilita a interação entre os indi-
víduos.

A linguagem é um tipo de sistema simbólico social-


mente compartilhado. Então, a palavra em português gato
tem um significado específico o animal de quatro patas e
que mia que é compartilhado pelos integrantes da cultura que
fala a língua portuguesa; portanto, não depende de experi-
ências específicas como os gatos que cada pessoa conhe-
ce ou o fato de ter sido arranhado por um determinado gato.

A essa altura, você pode estar se perguntando:

Como a criança aprende tais


significados?

Bem, a aprendizagem acontece pela interação verbal com


adultos e outras crianças, ou seja, ao longo do seu desenvolvi-
mento ocorre um processo de transformação dos significados.

144
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

O significado de uma palavra ou gesto depende do contexto cultural. A pa-


lavra gato em português pode não ter nenhum significado em russo e ges-
tos que tem um significado obsceno em uma cultura podem não tê-lo em
outra.

De acordo com Vygotsky o processo de desenvolvimento


ocorre de fora para dentro.

Primeiramente, o indivíduo realiza ações externas, as quais


serão interpretadas pelas pessoas que estão a sua volta e de
acordo com a cultura da qual ele faz parte. É a partir da interação
com os outros, portanto, que o indivíduo forma as representações
internas.

Vamos analisar o seguinte exemplo:

Pedro (1 ano de idade) movi- Um adulto, que observa a cena,


menta uma das mãos na tenta- pega o brinquedo e o entrega
tiva de pegar um brinquedo que para a criança. Ele interpreta
está fora do seu alcance. o movimento da criança como
tendo um significado Eu quero
aquele brinquedo.

Após a repetição de situações similares, a criança passa a


compreender o seu próprio movimento como um gesto de apontar
um objeto desejado que é orientado não mais para o objeto, mas
para outra pessoa, aquela que pode pegar o objeto e entregá-lo
para a criança.

A interação social é, portanto, na perspectiva de Vygotsky, o


veículo fundamental para a transmissão do conhecimento social, his-
tórico e culturalmente construído. Mas o que é interação social?

145
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

A Interação social pressupõe ao menos duas pessoas e o intercâmbio


de informações, conhecimentos e experiências, em termos qualitativos e
quantitativos.

As crianças não crescem isoladas. Elas interagem com os


pais, com os familiares, e com outras crianças, adolescentes e
adultos em diferentes contextos da comunidade como na escola,
no clube, na igreja. São estas diferentes interações que propiciam
o desenvolvimento cognitivo e da linguagem.

Note que durante a nossa conversa, falamos em aprendi-


zagem, desenvolvimento e interação. No entanto, de que maneira
a aprendizagem se relaciona com o desenvolvimento? Continue a
leitura do texto para compreender essa relação.

3.1.3 A Relação entre Desenvolvimento e


Aprendizado

Para Vygotsky aprendizagem e desenvolvi-


mento estão inter-relacionados. O desenvolvimento
ocorre a partir de condições propícias ao aprendi-
zado as quais estão relacionadas com o contexto
sócio-cultural. Vamos analisar o seguinte exemplo:

Uma criança nasceu em um grupo cultural


isolado. Esse grupo não possui um sistema
de escrita; portanto, ela não aprenderá a
ler e escrever.

Mas, se na idade de seis(6) anos, a crian-


ça conviver com um grupo cultural alfabe-
tizado, é possível que, por meio de intera-
ções sociais e procedimentos de ensino,
ela aprenda a ler e escrever. Portanto o seu
desenvolvimento será modificado.

146
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

De acordo com Vygotsky, podemos analisar o desenvolvimento de


acordo com dois níveis:

1. Nível de desenvolvimento real ou efetivo: Refere-se ao que o indivíduo


é capaz de fazer de forma independente, sem nenhum tipo de ajuda.

1- Felipe, de sete anos, rebate com a re- 2 - Júlia, com seis anos, monta quebra-
quete de tênis uma bola em movimento: cabeças de 48 peças. Entretanto, quando
Lucas de três, não consegue rebater com ela tinha quatro anos, só conseguia montar
a bola em movimento. quebra-cabeças com até 25 peças.

2. Nível de desenvolvimento potencial: É determinado pela


realização de qualquer tarefa com a ajuda de outra pessoa.
Uma pessoa pode não executar sozinha uma tarefa, mas
é capaz, se outra pessoa fornecer instruções, demonstrar
como se faz, apresentar algumas dicas ou fornecer ajuda ou
apoio físico.

1. Lucas, de oito meses,


não anda sozinho, mas
com ajuda (ex: alguém
segurando a sua mão)
ele anda.

2. Juca, de três anos ainda não utiliza de


maneira precisa o mouse. Com instruções
e a mão de um adulto sobre a sua, ajudan-
do-o, ele pode movimentar o mouse e cli-
car no local correto.

147
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

A noção de que o desempenho de uma pessoa pode ser


modificado em decorrência da interação com outra é fundamental
para a concepção de Vygotsky. A capacidade de beneficiar-se da
ajuda do outro depende de certo nível de desenvolvimento. As-
sim, uma criança de oito meses que não anda é capaz de andar
com ajuda; mas com três meses, uma criança não anda mesmo
com ajuda.

É a partir da consideração desses dois níveis de desenvol-


vimento (real e potencial) que Vygotsky define a Zona de Desen-
volvimento Proximal (ZDP) como:

a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se


costuma determinar através da solução independente
de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial,
determinado através da solução de problemas sob
a orientação de um adulto ou em colaboração com
companheiros mais capazes (Vygotsky, 1991, p. 97).

Portanto, podemos representar o conceito de zona de desen-


volvimento proximal, conforme mostramos ao lado.

A zona de desenvolvimento
proximal define as funções que ainda
Nível de
não amadureceram mas que estão em
desenvolvimento potencial
processo de desenvolvimento. É uma
medida do potencial de aprendizagem;
representa a região na qual o desen-

ZDP volvimento cognitivo ocorre e está em


constante transformação: aquilo que
uma criança é capaz de fazer com aju-
da hoje, poderá amanhã fazer sozinha.
Nível de Neste sentido, o processo de desen-
desenvolvimento real volvimento pode ser considerado mais
lento e dependente da aprendizagem.

148
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

A partir do conceito de zona E durante a aprendizagem das


de desenvolvimento proximal, habilidades motoras necessárias
é possível identificar situações para a prática de atividades
do dia-a-dia que ilustram este esportivas?
conceito?

Ao ler sobre a abordagem de Vygotsky e o conceito de zona


de desenvolvimento proximal, você pode ter se perguntado como tais
informações podem ajudar o professor, não é mesmo? Então, vamos
ao próximo tópico do texto para analisar esta questão.

3.1.4 Contribuições para o Contexto Escolar

A grande contribuição de Vygotsky é mostrar que aprende-


mos e nos desenvolvemos sempre em relação com as pessoas
em nossa volta. Daí a importância da interação entre o professor
De acordo com Oliveira
e alunos. Para ensinar alguma coisa é preciso estar junto com o (1997):
outro, ajudando-o. Por outro lado, o aluno deve ter um papel ativo. Os procedimentos re-
gulares que ocorrem na
Ao interagir com os outros, o aluno representa internamente, de escola - demonstração,
assistência, fornecimento
uma maneira pessoal, as suas experiências, as informações e os de pistas, instruções -
fatos. são fundamentais na pro-
moção do “bom ensino”.
Portanto, o que Vygotsky propõe é que o professor atue Isto é, a criança não tem
condições de percorrer,
na zona de desenvolvimento proximal. A educação deve se iniciar sozinha, o caminho do
pelo que o aluno já é capaz de fazer (o desenvolvimento real) aprendizado. A interven-
ção de outras pessoas
buscando concretizar aquilo que ele apresenta como potencial (o - que, no caso específico
da escola, são o profes-
desenvolvimento potencial). Como ponto de chegada devem ser
sor e as demais crianças
definidos objetivos acadêmicos adequados à faixa etária, ao nível - é fundamental para a
promoção do desenvolvi-
de conhecimentos e as habilidades de cada grupo de alunos e ao mento do indivíduo
contexto sócio-cultural. (p. 62).

149
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

Na perspectiva de Vygotsky, atividades tais como jogos,


brincadeiras elaboradas a partir do conteúdo estudado e drama-
tizações em grupo, podem ser benéficas para o desenvolvimento
dos alunos. Os componentes dos grupos apresentam conheci-
mentos e habilidades distintos, de tal forma que é possível os
alunos ajudarem uns aos outros.

Como você sabe, nas aulas de Educação Física, é comum a


realização de atividades coletivas. Os jogos coletivos são oportuni-
dades para que os alunos aprendam mais do que habilidades físicas.
Com a ajuda do professor e dos colegas podem ser aprendidos os
comportamentos de seguir regras e planejar seqüência de ações.

Nesta primeira parte da Unidade 3, você teve a oportunida-


de de conhecer a teoria de Vygotsky e algumas das suas contri-
buições para o ensino. Continue o estudo do texto para que juntos
possamos explorar a perspectiva do desenvolvimento de Henri
Wallon.

3.2 A Teoria Psicogenética de Henri Wallon

3.2.1 Introdução

A perspectiva de Henri Wallon é denominada de psicoge-


nética, pois o seu objetivo é a compreensão da gênese, a origem
do desenvolvimento psicológico. Wallon concebe o desenvolvi-
Henri Wallon (1879- mento da pessoa de uma maneira completa e integrada em rela-
1962): Psicólogo francês,
com formação em filoso-
ção às dimensões motoras, afetivas e cognitivas.
fia, medicina e psiquia-
tria. Enfatizou o estudo De modo parecido ao pensamento de Vygotsky, Wallon
da criança sob vários considera que as condições biológicas e o contexto social e cul-
aspectos: afetivo, cogni-
tivo e motor. Propôs uma tural, com os quais o indivíduo interage ao longo da sua vida,
abordagem contextualiza-
da para compreender as influenciam o desenvolvimento.
relações entre a criança
e o ambiente em cada
fase do desenvolvimento. E como Wallon, compreende o
Escreveu oito (8) livros desenvolvimento infantil?
e cerca de 300 artigos,
alguns em co-autoria,
publicados em revistas
de medicina, psiquiatria,
filosofia, psicologia e
pedagogia.

150
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

3.2.2 Estágios do Desenvolvimento

De acordo com Wallon, o desenvolvimento é um processo


global e dinâmico que ocorre em estágios (ou etapas), desde o
nascimento até a adolescência. Cada estágio é caracterizado por
um conjunto de necessidades e interesses específicos e envolve
mudanças nos aspectos motores, cognitivos e afetivos.

Como você deve se lembrar, na Unidade II, estudamos a


teoria de Piaget que também é uma teoria de estágios. Existe um
aspecto importante que diferencia as idéias de Piaget e de Wallon
sobre as ocorrências dos estágios.

Vejamos: WALLON

No decorrer dos estágios,


duas fases podem se
No decorrer dos estágios,
alternar:
duas fases podem se alternar

Fases afetivas Fases cognitivas

Associadas ao Relacionadas com o


desenvolvimento da identidade desenvolvimento da
(ou da personalidade). compreensão do mundo (ou
cognitivo).

Vamos, agora, caracterizar os estágios de desenvolvimen-


to propostos por Wallon:

1. Período da vida intra-uterina: Neste período há uma relação de


dependência biológica entre o feto e organismo materno, mas é
possível verificar reações motoras, movimentos, a estimulações
internas e externas procedentes do ambiente físico e social;

2. Estágio impulsivo-emocional (0-1 ano): O que move o desen-


volvimento é a emoção, a qual permite as primeiras interações
da criança com o mundo. Após o nascimento, o bebê é totalmen-
te dependente de cuidados para garantir a sua sobrevivência e
a sua atividade está voltada para as necessidades fisiológicas
como a alimentação, o sono e postura do corpo.

151
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

Observe as aquisições da criança nas duas fases que ca-


racterizam este estágio:

1. Fase Impulsiva (0-3 meses): predomina


o choro, respostas reflexas e movimentos
impulsivos.

2. Fase Emocional (3-12 meses): a crian-


ça começa a estabelecer relações entre
os seus desejos e as mudanças externas.
Aos seis (6) meses a criança já é capaz de
expressar várias emoções: cólera, dor, tris-
teza, alegria, e de diferenciar expressões
afetivas de quem convive com ela.

O sorriso da criança se torna freqüente e funciona para manter o


adulto próximo, para cuidar e atender as suas necessidades.

No final do primeiro ano, observa-se a ocorrência de ativi-


dades repetitivas como, por exemplo, jogar objetos para fora do
Será que estas
novas aquisições berço e amassar e rasgar papel. Tais atividades produzem aper-
geram conflitos feiçoamento gradual dos movimentos e ajudam a criança a esta-
com os adultos?
belecer relações entre o que ela faz e os efeitos produzidos;

3. Estágio Sensório motor (1-2 anos): Neste estágio, predomina


o andar e a fala, acompanhados de gestos, que permitem novos
tipos de interações com os objetos e com as pessoas. A criança
utiliza desempenhos como agarrar, segurar, manipular e apontar;

É comum, observar conflitos entre os adultos e as crianças


uma vez que ao explorar o ambiente elas ficam expostas a muitos
perigos, como por exemplo o desnível do piso, as tomadas, os ob-
jetos que quebram e cortam.

152
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

4. Estágio projetivo (2-3 anos): A criança começa a representar


mentalmente os objetos e os eventos do mundo externo, se ex-
pressa por palavras e gestos, e utiliza freqüentemente a imitação.
Inicialmente, imita os próprios gestos e, posteriormente, imita as
pessoas afetivamente próximas;

5. Estágio do personalismo (3-5 anos): Por volta dos três anos a


orientação do desenvolvimento se dirige para a exploração de si
mesmo, como uma pessoa diferente das outras.

As crianças desse estágio demonstram necessidade de


conquistar a sua autonomia, sendo constantemente utilizados o
eu, o meu e o não. As divergências com os outros ocorrem apa-
rentemente sem motivo e como uma tentativa de impor o próprio
ponto de vista.

O período anterior é seguido por uma fase mais positiva,


que ocorre por volta dos quatro anos, denominada idade da graça.
A criança focaliza sua atenção nas próprias atitudes e comporta-
mentos, gosta de se “exibir” diante dos adultos, mas é comum
ficar com vergonha logo em seguida.

Por volta dos cinco anos, surge outro conflito. Novamente a


criança se opõe aos outros, podendo ocorrer a imitação de pesso-
as próximas ou de algum personagem admirado, a inveja, ciúmes.
Essas são tentativas de ocupar o lugar do outro e tem caráter de
rivalidade;

6. Estágio categorial (6-12 anos): É carac-


terizado pela fase cognitiva e orientado A criança no estágio ca-
para o ambiente externo, para a aquisição tegorial se torna capaz de
de conhecimentos. Neste período, a esco- identificar, comparar, clas-
la desempenha um papel importante para a sificar, entender conceitos,
e explicar o que ocorre a
criança e permite ampliação da sua capaci-
sua volta por meio de rela-
dade intelectual e das interações sociais.
ções de tempo, espaço e
Socialmente as escolhas da criança causalidade.
não são mais puramente afetivas. Ela passa
a escolher os colegas em função das ativi-
dades e desenvolve o companheirismo. As interações sociais em
diferentes contextos como na escola, na família, no time de fute-

153
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

bol permite o exercício de diferentes papéis e favorece a individu-


alização;

7. Estágio da puberdade e da adolescência: Período que


antecede a vida adulta caracterizado pelo predomínio da
fase afetiva. Nesse estágio, ocorrem modificações fisiológi-
cas decorrentes do amadurecimento sexual que resultam
em mudanças corporais e psicológicas.

O adolescente direciona as suas atividades para a

È comum os adolescentes se envol-


autonomia e identidade pessoal e encontra-se vinculado a
verem em movimentos de oposição grupos. Verifica-se o domínio de categorias cognitivas de
ou de reivindicação, que questionam
a sociedade quanto aos seus valo- maior nível de abstração e a ambivalência de atitudes e
res e costumes. sentimentos. Nesse estágio ocorre uma nova crise de opo-
sição, mas agora à sociedade, seus valores e costumes.

Como você deve ter observado, a descrição dos estágios


de desenvolvimento de Wallon, previamente apresentada, destaca
a relação entre os aspectos afetivos e cognitivos. Considerando
que anteriormente afirmamos que a concepção de Wallon envolve
mudanças nos aspectos cognitivos, afetivo e motor, qual seria,
então, a relação entre os aspectos motor e cognitivo?

Wallon destaca a importância do movimento na origem do


pensamento. Ao longo dos diferentes estágios, ocorrem mudan-
ças motoras que envolvem as dimensões afetiva e cognitiva. A
dimensão afetiva está relacionada com os gestos e movimentos
que produzem efeitos em outras pessoas e a cognitiva se refere à
ação direta sobre o meio físico.

No recém-nascido, os movimentos são orientados pela di-


mensão afetiva; no final do primeiro ano, os movimentos como os de
pegar, empurrar são utilizados para explorar o mundo, o que marca
o início da dimensão cognitiva; e com a aquisição e domínio pro-
gressivo da linguagem diminui o papel do movimento na atividade
cognitiva.

154
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

Outro aspecto interessante é que Wallon considera que a


postura do corpo está diretamente relacionada com a atividade inte-
lectual. Provavelmente, você já deve ter observado esta relação em
situações como as seguintes:

Tentativas mal sucedidas de resolver um


problema de matemática são acompa-
nhadas por posturas do corpo e expres-
sões faciais que demonstram ansiedade
e frustração

A leitura atenta de um livro é acompanhada por


posturas rígidas do corpo e expressões faciais
que demonstram concentração e envolvimento
com o conteúdo do texto.

Desta forma, podemos considerar que a afirmação de que


mudanças de posição e movimentos como os de andar, gesticular
ajudam a pensar melhor sobre um determinado problema, é perti-
nente. Observe o que ocorre nos seguintes exemplos:

Para falar do carro de seu pai Eline, de qua- Ao se concentrar e definir como arremes-
tro anos utiliza gestos e movimentos. sar uma bola, Paulo, um jogador de bas-
quete faz, com a cabeça, o movimento da
trajetória da bola.

155
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

Este aspecto da teoria de Wallon pode ser muito interes-


sante para o professor de Educação Física. Continue a leitura do
texto para conhecer um pouco mais sobre as contribuições desta
perspectiva do desenvolvimento para o contexto escolar.

3.2.3 A contribuição de Wallon para o Contexto


Educacional

Nesta parte do texto vamos comentar algumas possíveis


contribuições da perspectiva de Wallon para a educação a partir
do seu trabalho como idealizador de um sistema de ensino e de
sua teoria de desenvolvimento.

A análise proposta por Wallon do sistema educacional fran-


cês (Projeto Langevin-Wallon) mostra o respeito pela escola e
pelo professor que trabalha nesta instituição.

De acordo com Wallon:

a escola é um meio indispensável à formação do

Wallon participou do
ser humano, e o professor deve ter uma formação
projeto de Reforma adequada para atuar nesse meio e o reconhecimento
do Ensino Francês do
pós-guerra, denominado
de sua atuação (ALMEIDA, 2007, p. 76-77).
Projeto Langevin-Wallon
Para Wallon, o método de ensino deve se adequar às ca-
(1947). A diretriz nor-
teadora do projeto era pacidades dos alunos e ao conteúdo de cada disciplina e garantir
construir uma educação
a participação dos alunos, alternando-se atividades individuais
mais justa para uma
sociedade mais justa. com atividades coletivas.
As ações propostas se
fundamentavam em Considerando os estágios de desenvolvimento propostos
quatro princípios: justiça,
por Wallon, vamos destacar algumas idéias que podem ser úteis
dignidade de todas as
ocupações, orientação e para o professor:
cultura geral.
O ensino deve ter como referência o estágio de desenvolvi-
mento do aluno, com os seus objetivos e necessidades espe-
cíficos;
É importante que o professor adapte o ambiente escolar e o
método de ensino às possibilidades e necessidades do alu-
no em um determinado momento, conforme o seu ritmo, e de
acordo com o contexto sócio cultural; e,

156
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

O ensino deve criar oportunidades para o desenvolvimento dos


aspectos motores, cognitivos e afetivos.

Ao planejar as atividades e a forma de ensinar, o professor


deve se orientar pelo maior número possível de informações so-
bre os alunos como por exemplo os conhecimentos, preferências,
interesses, opiniões e sentimentos e considerar o contexto social
e a cultura da qual ele faz parte.

Atividades contextualizadas como brincadeiras típicas da comunidade ou da


sua cultura podem aumentar a participação, o envolvimento, a motivação e
sentimentos positivos em relação às aulas.

Wallon destaca a importância das atividades coletivas.

Por que é importante participar


de atividade em grupo?

Nos grupos, o aluno tem a oportunidade de desempenhar


papéis diferentes, aprender a assumir e dividir responsabilidades,
respeitar as regras, administrar conflitos, conviver com as diferen-
ças, cooperar e competir.

Ao trabalhar com grupos, o professor deve assumir o papel


de um coordenador. É importante observar o comportamento do
grupo e intervir em momentos adequados, criar situações proble-
mas e desafios, apoiar, oferecer condições para que a atividade
possa ser executada e ajudar os alunos a lidar com a expressão
de suas emoções.

Outro aspecto relevante, é que atividades coletivas, tais


como jogos e brincadeiras, geram descontração e reduzem a an-
siedade dos alunos, o que pode favorecer a participação dos mais
tímidos e receosos de se expressarem diante de outras pessoas.

157
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

Entretanto, como você já deve ter observado, em algumas


atividades coletivas, principalmente quando a competição está
envolvida, podem ocorrer desentendimentos e reações emocio-
nais intensas. O que pode ser feito para evitar tais problemas?

Considerando o antagonismo entre emoção e atividade in-


telectual proposto por Wallon, é fundamental que o professor iden-
tifique os fatores que produzem os conflitos que ocorrem durante
a aula como resistência, agitação e desentendimentos e ajude os
alunos a entender o porquê de suas reações emocionais. Portan-
to, “ao invés de se deixar contagiar pelo descontrole emocional
das crianças, deve procurar contagiá-las com a racionalidade”
(Galvão, 2007, p. 105).

Para diminuir os conflitos, o professor deve selecionar ati-


vidades coletivas em que os alunos tenham mais autonomia e
responsabilidades e utilizar estratégias tais como definir o período
da atividade, considerando a faixa etária dos alunos, e organizar
previamente o espaço físico e os materiais.

Para finalizar, gostaríamos de ressaltar a importância atri-


buída por Wallon ao papel do professor e a importância de sua
formação e preparação. O professor deve se manter atualizado
em relação ao conteúdo específico da sua área de especializa-
ção e sobre temas atuais, assuntos considerados relevantes por
seus alunos e, se possível, em relação a diferentes manifestações
culturais como cinema, teatro, dança e pintura. Que tal aproveitar
estas sugestões?

Hora de praticar
Participe do Fórum da Semana 3. Nele você terá a oportunidade de comentar as contribui-
ções das teorias de Vygotsky e Wallon para a prática do professor de Educação Física.

158
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

Utilize a sua experiência de professor para analisar as ati-


vidades que, geralmente, são desenvolvidas nas aulas de Educa-
ção Física. Identifique: (1) os diferentes tipos de comportamentos
que são explorados; (2) os aspectos individuais, sociais e culturais
que devem ser levados em consideração pelo professor para pla-
nejar as suas atividades; (3) o efeito da realização de atividades
físicas para os diferentes aspectos do desenvolvimento do aluno.

Hora de praticar
Para verificar o quanto aprendeu nessa unidade, você deverá responder previa-
mente as questões abaixo, que fazem parte do Questionário - Unidade 3, e depois
preencher os espaços adequados para cada questão do Questionário disponível
na página da disciplina, no Moodle.
1. Elabore e descreva dois exemplos de instrumentos e dois de signos. Procure for-
mular exemplos do seu dia-a-dia.
2. Considerando o contexto de aulas de Educação Física, elabore e descreva um
exemplo que ilustre a aplicação do conceito zona de desenvolvimento proximal.
3. Caracterize as semelhanças e as diferenças entre as concepções do desenvolvi-
mento de Vygotsky e Wallon.
4. Dentre os estágios do desenvolvimento de Wallon, escolha um deles e comente
uma situação que você tenha vivenciado e que ilustre as características do estágio
selecionado.
5. Durante a realização de atividades coletivas em aulas de Educação Física fre-
quentemente ocorrem conflitos entre os alunos. Considerando a perspectiva de
Wallon, o que o professor poderia fazer para reduzir tais conflitos durante a reali-
zação de jogos e brincadeiras que envolvem competição? Comente e justifique as
sugestões.
6. Considerando as perspectivas de Vygostky e Wallon, descreva como aspectos
culturais podem ser trabalhados em aulas de Educação Física.

159
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 3 INFLUÊNCIA DE FATORES SOCIAIS NOS DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM

Nessa Unidade tive- proximal, a partir daquilo que o aluno já é


mos a oportunidade capaz de fazer (o desenvolvimento real)
de analisar as pers- buscando concretizar aquilo que ele apre-
pectivas teóricas do senta como potencial (o desenvolvimento
desenvolvimento de potencial).
Vygotsky e Wallon e as possíveis con- Verificamos que a teoria psicogené-
tribuições para a prática do professor de tica de Wallon concebe o desenvolvimento
Educação Física. do indivíduo de uma maneira completa e
Vimos que, de acordo com Vygotsky, integrada em relação às dimensões mo-
a aprendizagem e o desenvolvimento de- toras, afetivas e cognitivas. Assim, o ensi-
pendem da interação do indivíduo com o no deve ter como referência o estágio de
contexto sócio-cultural no qual ele está in- desenvolvimento da criança com os seus
serido. Aprendemos, portanto, que a inte- objetivos e necessidades específicos e se
ração entre professor e aluno e entre os adequar ao contexto sócio-cultural. Vimos
alunos tem um papel fundamental na edu- também que Wallon destaca a importância
cação. Assim, é importante que o professor das atividades coletivas para o desenvolvi-
procure atuar na zona de desenvolvimento mento da criança.

Parabéns! Você concluiu os seus testudos sobre as perspectivas teóricas de


Vygotsky e Wallon!

160
PSICOLOGIA
PSICOLOGIA DA
DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

UNIDADE 4
Análise do Comportamento e
a Construção de Repertórios
Relevantes no Contexto Escolar

Nesta Unidade será explorada uma forma de analisar o comportamento do aluno


em um dado contexto. Vamos verificar que o que aprendemos depende de nossas carac-
terísticas individuais, das situações com as quais interagimos, das reações que o nosso
comportamento produz, principalmente, no comportamento dos outros. Além disso, o
conhecimento e as habilidades adquiridas proporcionam mudanças na forma de nos
relacionarmos com o mundo.

De acordo com esta perspectiva, o planejamento de estratégias de ensino tem um


papel fundamental. Assim, no contexto de aulas de Educação Física vamos caracterizar
a importância de planejar o ensino em pequenas etapas, avançar do simples para o
complexo, valorizar o acerto e os pequenos progressos, ajustar as atividades aos ritmos
individuais. Além disso, vamos discutir alternativas para lidar com situações de insuces-
so na aprendizagem ou resistência em participar das atividades que, geralmente, está
associada com desatenção, baixa motivação e comportamentos de indisciplina.

Objetivos
Após o estudo da Unidade você será capaz de:

analisar os fatores que interferem na aprendizagem nas situações do contexto escolar;

propor alternativas de ensino de habilidades envolvidas em atividades físicas, consi-


derando o que o aluno já é capaz de fazer e seu ritmo de aprendizagem;

identificar fatores que contribuem para a ocorrência de comportamentos de indiscipli-


na e de resistência em participar das aulas em diferentes contextos.

161
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

4.1 Introdução

Na Unidade I, caracterizamos a abordagem da Análise do


Comportamento proposta por Skinner. Você se lembra? Esta é
uma abordagem psicológica que busca compreender as diferen-
tes interações do indivíduo com o ambiente e que se fundamenta
na concepção filosófica do Behaviorismo Radical. A idéia central
desta abordagem é que as conseqüências que seguem o com-
portamento num dado momento, presente ou passado, influen-
ciam se este comportamento continua ou não ocorrendo.

De acordo com a Análise do Comportamento, a aprendizagem se refere à mudan-


ça do comportamento em função das interações do indivíduo com o ambiente.

As diferentes interações entre o indivíduo e o ambiente po-


dem ser analisadas a partir de conceitos e princípios, fundamen-
tados em pesquisas científicas e propostos por Skinner. Vamos
apresentar, ao longo deste texto, as definições dos conceitos nas
chamadas laterais.

De acordo com esta concepção de aprendizagem, de-


vemos considerar que a construção de repertórios acadêmicos
Skinner se interessou por depende de múltiplos fatores. Dentre eles podemos destacar as
questões relacionadas
características biológicas e a história passada de cada pessoa, o
à educação e escreveu
um livro, Tecnologia do contexto social e a cultura.
Ensino (1972), origi-
nalmente publicado em No ambiente escolar podemos identificar, mais especifica-
1968. Escreveu também
mente, os aspectos relacionados aos procedimentos de ensino.
vários capítulos sobre o
assunto. As atividades propostas, os materiais e os recursos utilizados, as
instruções e a forma de apresentar o conteúdo são aspectos defi-
nidos e planejados pelo professor e que podem influenciar o que
o aluno irá aprender.

É importante você observar que, de acordo com a perspectiva


da Análise do Comportamento, o aluno tem um papel ativo que está
diretamente relacionado com as situações de ensino planejadas. As-
sim, em uma determinada atividade escolar proposta pelo professor,
o aluno deve emitir comportamentos tais como: respostas motoras,
interagir com os colegas, planejar, relacionar situações e idéias.

162
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Como estamos falando de aprendizagem enquanto inte-


ração entre o comportamento do aluno e o ambiente, devemos
adicionalmente considerar quais são as mudanças que o compor-
tamento do aluno produz no contexto escolar e como estas mudan-
ças influenciam as ações futuras dos alunos. Ao identificar tais as-
pectos estamos fazendo uma análise funcional do comportamento
do aluno.

Você deve está se perguntando:

O que são estas mudanças no


contexto escolar?

No contexto escolar, quando o aluno emite um determinado


comportamento, várias mudanças podem ocorrer, tais como: co-
mentários sobre a precisão ou qualidade do seu desempenho por
parte do professor, expressões faciais do professor e as reações
dos colegas.

A análise funcional leva em consideração o que o aluno faz, em uma de-


terminada condição, as conseqüências que seguem o comportamento e a
influência de tais conseqüências sobre a continuidade ou não de ocorrência
do comportamento.

De acordo com esta concepção, como você, professor, pode


analisar as diferentes interações comportamento-ambiente que
ocorrem no contexto escolar?

Bem, você, professor, pode desempenhar o papel de um


investigador/pesquisador. Para compreender por que um deter-
minado comportamento ocorre, é importante observar, registrar e Análise funcional: relação
de dependência entre
identificar a relação entre todos os eventos que ocorrem, seja pre- três elementos: a condi-
ção (ou situação) diante
cedendo ou sucedendo o comportamento. da qual o comportamento
ocorre, o comportamen-
to e as conseqüências
que são produzidas em
decorrência do compor-
tamento.

163
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Os comportamentos relevantes no contexto escolar envolvem também: (a)


comportamentos pró-sociais (ex: ajudar os colegas, e seguir regras) e anti-
sociais (ex: ofensas verbais, agressões físicas) dos alunos e; (b) compor-
tamentos do professor, tais como: forma com que reage aos conteúdos e
procedimentos de ensino utilizados e como intervém diante de comporta-
mentos de indisciplina e outras situações adversas.

Para que você possa compreender a contribuição da Aná-


lise do Comportamento para a educação vamos, inicialmente,
descrever as concepções de Skinner sobre a educação. A seguir,
vamos analisar aspectos relacionados com a prática do professor,
os processos de aprendizagem e de ensino, a partir de conceitos
Skinner (1981) analisou
diferentes instituições, tais e princípios por ele propostos.
como o governo, a religião,
a economia e a educação,
e suas respectivas influ-
ências na forma como os
indivíduos se comportam 4.2 A Concepção da Análise do
em uma determinada
sociedade e cultura. Para Comportamento sobre a Educação
Skinner a “força de uma
cultura está nos seus mem-
bros” (SKINNER, 1972, p, De acordo com a Análise do Comportamento, a educa-
222), sendo que a edu-
cação é a instituição que ção tem função social. Sua tarefa consiste em garantir ao aluno o
tem um papel fundamental
na definição e no ensino acesso aos conhecimentos acumulados e a aquisição de compor-
daqueles comportamentos
que serão relevantes para tamentos que lhe permita, em um momento futuro, agir e resolver
o indivíduo, para o grupo e
para a cultura da qual ele problemas em diferentes situações e contextos de maneira inde-
faz parte.
pendente, bem sucedida e original.
Skinner destaca o papel da
educação no desenvolvi- E quanto à formação dos professores, quais as considera-
mento de comportamentos
novos e originais, o que pode ções de Skinner?
ser observado na seguinte
citação: Skinner defende que a formação do professor deve prever
“(…) uma política educacio-
nal concebida para maximi- o ensino de estratégias para analisar o comportamento do aluno e
zar a força de uma cultura
deve encorajar a novidade e planejar métodos adequados de ensino. Ele deve estar preparado
a diversidade. (…) Aqueles
que encorajam o aluno a para enfrentar as situações práticas futuras no sentido de adaptar
pesquisar, a descobrir por si a sua forma de ensinar às características de seus alunos e ao
próprio e a ser original de ou-
tros modos, estão ampliando contexto social e cultural no qual eles estão inseridos.
o estoque de mutações que
contribuem para a evolução
de uma cultura. Embora algu-
mas mutações sejam inúteis
ou mesmo prejudiciais, a
diversidade é essencial”
(SKINNER, 1972, p. 225).

164
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Outro aspecto importante diz respeito à variabilidade entre


os desempenhos dos alunos como um aspecto que deve ser con-
siderado no processo de avaliação.

Vamos considerar o seguinte exemplo hipotético:

Após um mês
de aula...

Uma determinada criança, no início ...ela passou a pular de pé na pis-


das aulas de natação, entrava na cina e se deslocar de uma borda a
piscina pela escala lateral, segura- outra utilizando a prancha.
va a prancha, batia as pernas por
alguns minutos e produzia pouco
deslocamento do corpo na água.

Agora, vamos analisar a situação de ensino/aprendizagem


descrita no nosso exemplo. Como você acha que o desempenho
da criança deve ser avaliado?

Bem, a avaliação deve ocorrer em relação a dois momen-


tos: no início das aulas de natação e após um mês. A comparação
entre o que a criança fazia e o que ela passou a fazer, após um
mês de aula, nos permite identificar os comportamentos adqui-
ridos e as possíveis dificuldades. É esta informação que deverá
nortear a definição de quais comportamentos serão, posterior-
mente, ensinados e com quais procedimentos.

165
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

É possível que outras crianças da turma tenham avançado


um pouco mais e que algumas tenham progredido menos. Esta
variabilidade no desempenho das crianças nos mostra que alu-
nos submetidos a um mesmo procedimento de ensino só terão re-
sultados idênticos se contarem com repertórios iniciais idênticos
e histórias de vida similares, o que é improvável. Neste sentido,
devemos sempre evitar comparações entre os alunos.

Esta forma de avaliar o desempenho deve, no entanto, ser


realizada em curtos períodos de tempo e, de preferência, após
cada atividade, seguindo a mesma lógica de comparar dois mo-
mentos. A avaliação contínua, permanente e individualizada per-
mite analisar as condições oferecidas para que o aluno aprenda e
planejar novas alternativas de ensino.

A perspectiva da Análise do comportamento rejeita expli-


cações que atribuem ao aluno e às suas características pessoais
(ex: limitações físicas, falta de interesse e motivação) o fracas-
so em adquirir desempenhos acadêmicos. Por que será que esta
prática ainda continua sendo utilizada?

No contexto escolar é comum o uso de explicações tais


como: O aluno não aprendeu a nadar porque ele é desinteressa-
do e está acima do peso. Tal estratégia de “culpar a vítima” mas-
cara a ineficiência do ensino, justifica o insucesso do professor e
evita que ele tenha de reformular a sua prática.

No caso do exemplo da natação devemos identificar sob


quais condições o comportamento foi ensinado, como atualmente
ocorre e com quais características, e os efeitos produzidos no
ambiente social como as reações do professor e dos colegas. Em
outras palavras, devemos analisar, em diferentes momentos, as
contingências nas quais o comportamento ocorre.

A seguir vamos caracterizar a Análise do Comportamento


como uma perspectiva conceitual para analisar as diferentes in-
terações aluno-ambiente, relevantes para a aprendizagem. Você
terá a oportunidade de obter informações sobre como esta ma-
neira de analisar o comportamento pode ajudar o professor nas
etapas de planejamento e condução do ensino.

166
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

4.3 Utilização de Conceitos e Princípios


da Análise do Comportamento para
Descrever o que Ocorre no Contexto
Escolar

A partir de agora, vamos analisar os diferentes aspectos da


prática do professor, que envolvem os processos de ensino e de
aprendizagem, bem como as interações entre professor e alunos
e alunos e alunos, a partir de conceitos e princípios propostos por
Skinner.

1. Definição de objetivos de ensino: De acordo com Skinner en-


sinar é “arranjar contingências de reforçamento sob as quais o
comportamento muda” (SKINNER, 1972, p. 108).

Para que o planejamento seja efetuado é fundamental que


o professor descreva o que ele espera que os alunos aprendam Arranjar contingências
em uma determinada aula, unidade de estudo ou disciplina, ou se refere a planejar o
ensino, ou seja, definir
seja, ele deve estabelecer objetivos de ensino. as condições diante das
quais o comportamento
Um objetivo especifica o comportamento esperado do alu- deverá ocorrer e as
conseqüências ou
no ao término do processo de ensino. Os objetivos devem ser de- mudanças no ambiente
finidos e detalhados em termos de comportamentos e habilidades que deverão seguir o
comportamento.
que os alunos devem ser capazes de emitir.

A partir da definição dos objetivos, o professor pode plane-


jar as estratégias de ensino e as condições necessárias para que
o aluno aprenda. Além disso, pode ao final do processo de ensino,
verificar o quanto e com qual qualidade os alunos apresentam os
comportamentos definidos como objetivos e os que faltam para
ser aprendidos.

Os objetivos de ensino não devem se restringir aos aspectos do conteúdo.


Podem ser estabelecidos objetivos que envolvam: originalidade, solução
de problemas, seguimento de regras e conduta ética, os quais poderão
favorecer desempenhos independentes, originais e adaptados, em novos
contextos.

167
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

2. Consideração do repertório inicial do aluno: Ao definir os objeti-


vos de ensino o professor deve considerar o repertório inicial dos
alunos: O que eles já sabem fazer? Quais os conhecimentos e
habilidades que eles já aprenderam nas séries anteriores ou em
outros contextos, como por exemplo familiar, escolas ou acade-
mias de práticas esportivas?

Também é importante considerar as diferenças individuais,


o ritmo de aprendizagem de cada aluno e verificar se eles já pos-
suem os desempenhos relevantes para as novas aprendizagens,
como por exemplo, prestar atenção e seguir instruções verbais.
O que o professor pode fazer caso os alunos ainda não tenham
aprendido tais comportamentos relevantes?

Vamos pensar, como alternativa, na utilização de brincadei-


ras e jogos. Você com certeza conhece as brincadeiras de Estátua
e O seu mestre mandou. Tais brincadeiras são de curta duração,
possuem poucas regras e são úteis para ensinar comportamen-
tos de seguir instruções verbais simples. Posteriormente, ativida-
des mais complexas que exigem seguir uma quantidade maior de
regras como tênis de mesa e handebol podem ser utilizadas.

3. Utilização de reforçadores positivos e manutenção dos


comportamentos aprendidos:

Os comportamentos definidos como objetivos devem ser


seguidos por reforçadores positivos. O professor deve utilizar
Como identificar reforçadores que sejam eficazes, ou seja, que garantam que o
reforçadores
eficazes ? comportamento continue ocorrendo.

A partir da observação do comportamento dos alunos, de


perguntas, e sondagem do efeito de algumas conseqüências é
que o professor conseguirá selecionar reforçadores positivos ade-
quados para a sua turma.

Na fase inicial de aprendizagem é importante o uso fre-


qüente de reforçadores a fim de que os comportamentos recen-
temente aprendidos continuem ocorrendo. Neste período, po-
dem ser utilizadas conseqüências arbitrárias como elogios, pon-
tos extras, balas. No entanto, deve-se planejar a apresentação

168
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

intermitente destas conseqüências e a substituição gradual por


conseqüências cada vez mais naturais.

Conseqüências naturais são inerentes ao próprio comportamento, ou seja,


são efeitos produzidos ao executar o comportamento como informação obti-
da ao ler um jornal e a sua apresentação não depende de outra pessoa ou
de um equipamento.

Por que é importante tornar a apresentação das conse-


qüências gradualmente intermitente e substituir conseqüências
arbitrárias por conseqüências naturais? Vamos utilizar um exem-
plo para analisar esta questão. Considere o caso de atletas que
devem treinar diariamente e por várias horas por exemplo os gi-
nastas, os jogadores de vôlei, os nadadores.
O princípio do
reforçamento positivo
se refere a um aumento
na probabilidade de
ocorrência de um
comportamento, em
uma determinada
condição, quando
O que mantém ou reforça o comporta- Neste exemplo estamos analisando atle- este é imediatamente
mento destes atletas? Será que são os tas que estão em fase de aperfeiçoa- seguido por certas
elogios, as vitórias ou as medalhas? Pos- mento da precisão e qualidade de movi- conseqüências.
sivelmente, não, uma vez que no dia-a- mentos ou do uso de estratégias de jogo. Considere o seguinte
exemplo em um jogo de
dia, na rotina de treinos, tais conseqüên- Então, é necessário que as conseqüên-
basquete, após uma falta
cias raramente são apresentadas. cias sejam inerentes à própria atividade
de um lance, um atleta
física. experiente, diante do
garrafão, arremessa a
bola e marca um ponto. A
Assim, os atletas devem, por exemplo, aprender a responder em determinadas situ-
torcida vibra.
ações, controlar a respiração, ajustar ou mudar a forma de executar os movimentos, Neste exemplo, o
identificar aspectos dos próprios movimentos (ex: posição e deslocamento de partes comportamento
ou de todo o corpo, tensão ou relaxamento muscular, velocidade, etc.) e a melhora na de arremessar a
precisão dos desempenhos. bola foi seguido
por determinadas
conseqüências: ponto
e vibração da torcida.
Tais efeitos devem ter mais influência sobre a atividade física do que as conseqüências Neste caso, há uma
arbitrárias (ex: elogios, sorrisos), que também, podem ser utilizadas mas de maneira alta probabilidade de
intermitente e sempre relacionadas com o fato do atleta se tornar mais preciso em res- que o comportamento
ponder as mudanças produzidas no seu próprio desempenho. ocorra em ocasiões
futuras. Dizemos, então,
Uma observação adicional é que as mudanças no desem- que tais conseqüências
funcionam como
penho de atletas de alto nível são decorrentes de vários fatores reforçadores positivos.
que, neste exemplo hipotético, não foram considerados, tais como,
alimentação, resistência física, musculatura.

169
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

A apresentação intermitente de conseqüências mantém


a ocorrência dos comportamentos, ou seja, favorece a persistên-
cia. Portanto, podemos afirmar que o problema não está na utili-
zação de conseqüências arbitrárias, mas no seu uso prolongado,
que pode resultar em comportamentos indesejáveis tais como de-
pendência, avaliação pessoal negativa e desistência.
Apresentação
intermitente de As conseqüências naturais devem estar embutidas nas ati-
conseqüências: Vamos vidades planejadas pelo professor. Como isto pode ser feito?
voltar ao exemplo do
jogador de basquete. No contexto escolar, é comum o uso de situações simpli-
Ao ler o exemplo você
deve ter questionado ficadas, demonstrações, analogias e aproximações de situações
se a situação descrita
representa o que de fato
reais. Ao utilizar tais estratégias é importante planejar atividades
ocorre. Nem sempre que propiciem a ocorrência de comportamentos que resultem em
quando o jogador
arremessa a bola ele conseqüências que sejam mais similares as que são inerentes
acerta. Mesmo jogadores aos comportamentos no contexto natural, no dia-a-dia.
experientes podem errar.
Diversos fatores podem Vamos analisar o caso de uma escola que construiu uma
afetar o seu desempenho
como o local de onde mini-cidade para reproduzir as condições do trânsito e ensinar as
faz o arremesso, os
barulhos, a posição
crianças a obedecerem as leis, tais como parar na faixa de pedes-
dos adversários. De tres e responder corretamente as luzes do semáforo. Nessa situa-
fato, no contexto natural
o comportamento ção planejada, os comportamentos dos futuros motoristas depen-
pode ocorrer muitas dem de conseqüências naturais criadas na mini-cidade, similares
vezes antes que a
conseqüência seja as do trânsito real. Entretanto, inicialmente, é importante que os
apresentada como por
professores também elogiem e demonstrem aprovação para os
exemplo girar a chave
na fechadura três vezes comportamentos adequados.
para a porta abrir. Em
outros momentos, Diferentes características das atividades pedagógicas e da
as conseqüências
que seguem o forma de agir do professor, quando associadas com reforçadores
comportamento somente positivos, podem, também, adquirir a função de reforçador positi-
são apresentadas
depois que se passou vo. Como isto é possível?
um determinado
período de tempo O nome da atividade, o local em que é realizada, os ma-
como abrir o e-mail
pessoal e encontrar
teriais utilizados, as instruções e a forma de agir do professor ao
uma nova mensagem. propor a atividade, estão presentes ou são apresentados antes dos
Dizemos, nestes casos,
que a relação entre alunos iniciarem a atividade. Se ao desempenhá-la eles são bem
o comportamento e sucedidos e se divertem, tudo que ocorreu antes passa a funcionar
as conseqüências é
intermitente. como reforçador positivo.

170
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Desta forma, o nome da atividade, a própria imagem do pro- Será que algo similar
fessor e a forma como ele convida os alunos se tornaram reforça- pode ocorrer com
situações desagra-
dores. Neste caso, é comum observamos os alunos atenderem
dáveis que funcio-
com entusiasmo ao convite do professor para iniciar uma deter-
nam como estímulos
minada atividade ou fazerem outras atividades antes para, terem aversivos?
a oportunidade de participar de uma atividade que contém muitos
reforçadores.

Tudo que está presente antes do comportamento ocorrer e


ser seguido por estímulos aversivos (punição, conforme definição
ao lado) passa a funcionar como estímulo aversivo.

Considere a seguinte situação: Quando um determinado


aluno participa de brincadeiras com bola, geralmente ocorrem coi-
sas desagradáveis, como por exemplo se machucar, errar mais do
que acertar, comentários pejorativos dos colegas, ou repreensão
do professor. Neste caso, o aluno pode ficar ansioso logo que o
professor propõe a atividade com bola, uma vez que a própria ati- Estímulos aversivos: São
vidade se tornou aversiva. conseqüências apresen-
tadas, ou que seguem a
Durante uma aula, o professor também ensina que ocorrência do compor-
tamento, que produzem
certas atividades podem ser situações reforçadoras a diminuição na proba-
bilidade futura do com-
ou aversivas. Situações reforçadoras tendem a gerar portamento. As pessoas
interesse e participação enquanto que situações aver- tendem a deixar de emitir
comportamentos que re-
sivas estão associadas com desinteresse e compor- sultam na apresentação
tamentos que evitam ou interrompem a participação. de estímulos aversivos.

4. Exclusão de contingências aversivas: De acordo com a concep-


ção da Análise do Comportamento, no contexto escolar deve-se
evitar o uso da punição e de situações aversivas devido a vários
efeitos indesejáveis.

Quais são os efeitos indesejáveis da


puniçao?

171
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Quando a punição é utilizada com freqüência no contex-


to escolar, é possível que os alunos aprendam comportamentos
inadequados como faltar aulas, fingir que estão doentes, divagar
ou sonhar acordado. Tais comportamentos evitam ou impedem
a continuidade de situações desagradáveis como a repreensão
Punição: Se refere verbal, as tarefas repetitivas ou muito complexas.
a apresentação de
conseqüências que fazem Além disso, como reações emocionais a exemplo da ansie-
com que o comportamento
deixe de ocorrer. São dade ou raiva são desencadeadas por punição ou apresentação
exemplos de punição:
(a) Nas três de situações aversivas pelo professor, tais comportamentos emo-
últimas oportunidades
em que Maria brincou
cionais podem passar a ocorrer assim que o professor se aproxi-
de queimada ela saiu ma dos alunos ou propõe uma atividade.
do jogo chorando por
levar uma bolada (no
rosto, nas costas e na
Um argumento adicional é que a punição não tem papel
cabeça). Nas aulas instrutivo. Quando o professor utiliza a punição, o comportamento
seguintes de Educação
Física, ela deixou de do aluno pode deixar de ocorrer, pelo menos por um tempo, mas
participar da brincadeira
de queimada. Neste caso, ele não ensina, também, quais são os comportamentos conside-
as boladas são estímulos rados adequados para a convivência social e quais devem ser
aversivos uma vez que
resultou na diminuição do aprendidos em relação à atividade proposta.
comportamento de jogar
queimada. Punir comportamen-
(b) Quando Pedro
fazia uma falta grave no tos de indisciplina, por exem-
futebol, a professora o
retirava do jogo e pedia plo, pode tornar o aluno quie-
que ele permanecesse to, mas não fará com que ele
no banco até a partida
terminar. Ela verificou que se concentre na atividade.
a quantidade de faltas
cometidas por Pedro
Por outro lado, as estraté-
diminui. Logo, ser retirado gias de não dar atenção (re-
do jogo e ficar no banco
era algo aversivo para o moção de reforçador positivo
garoto e impedia que ele se – extinção) para comporta-
divertisse.
Extinção: Caracteriza- mentos de indisciplina e selecionar atividades interessantes para
se pela suspensão do os alunos criam oportunidades para fazer algo como nteragir com
reforço ou a quebra da
contingência entre o os colegas, planejar a solução de um problema, pesquisar
comportamento e reforço.
Produz como efeito o
uma informação o que é incompatível com os comportamentos de
declínio gradual e irre- indisciplina.
gular na ocorrência da
resposta. Podem também E para o professor quais seriam exemplos de situações
ser observadas reações
emocionais, uma vez que aversivas? Os comportamentos de indisciplina dos alunos como
a retirada do reforçador
positivo é algo desa- passear pela sala, perturbar o colega, jogar aviãozinho podem
gradável, uma situação
aversiva. funcionar como uma situação aversiva para o professor.

172
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Todas as ações do professor que interrompem os compor-


tamentos de indisciplina tais como repreender ou expulsar o aluno
da sala podem ser reforçados, no sentido de serem prováveis de
ocorrer em situações futuras similares, conforme conceito de re-
forçamento negativo apresentado ao lado.

Neste caso, o comportamento do professor foi bem sucedi- Reforçamento negativo:


Se refere ao aumento na
do uma vez que os alunos pararam de se comportar de maneira probabilidade de um com-
portamento que resulta
indisciplinada. Esta pode ser uma possível justificativa para o uso na retirada de um evento
da punição, apesar de não considerar os efeitos indesejáveis para aversivo imediatamente
após a sua ocorrência ou
os alunos que mencionamos anteriormente. impede que o estímulo
aversivo seja apresentado.
Caso o professor não proponha atividades incompatíveis Considere os seguintes
exemplos: (a) dizer que
com a indisciplina ou utilize o procedimento de extinção, é prová- tem um compromisso du-
vel que os alunos continuem apresentando comportamentos de rante uma conversa sobre
um tema desagradável e
indisciplina. Infelizmente, para alguns alunos que não possuem (b) diminuir a velocidade
do carro ao ver uma placa
repertório para acompanhar as aulas, esta pode ser a única op- sinalizando a presença de
ção de interagir com o professor e os colegas e obter a atenção fiscalização eletrônica. Tais
comportamentos tendem
deles (reforçador social poderoso). a ocorrer em situações
parecidas no futuro, uma
5. Utilização do princípio da progressão gradual: Para a prática do vez que interrompem estí-
mulos aversivos presentes
professor é importante a noção de que a aprendizagem de novos (assunto desagradável) ou
desempenhos pode ser favorecida pelo planejamento de estraté- evita a perda de dinheiro
(multa - estímulo aversivo).
gias de ensino em pequenas etapas, que avançam de maneira
gradual de situações simples para complexas e iniciam a partir de
desempenhos que o aluno já é capaz de emitir. Por que será que
é importante utilizar estratégias de ensino que envolvem progres-
são gradual?

Estratégias de ensino que utilizam progressão gradual es-


tão associadas com a redução na ocorrência de erros. Cometer
muitos erros durante uma atividade é algo aversivo para o aluno
e provoca perturbações no seu desempenho e desistência. Por-
tanto, os professores devem evitar situações que levem o aluno a
cometer erros desnecessários.

Atividades nas quais os alunos cometem muitos erros podem gerar efeitos emo-
cionais prejudiciais à aprendizagem. As próprias atividades podem se tornar
situações aversivas que o aluno procurará evitar; além de diminuírem a auto-
estima, o interesse e a motivação, entusiasmo e participação nas atividades.

173
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Uma estratégia para ensinar novos comportamentos ou


modificar a forma de executar um determinado comportamento,
principalmente, desempenhos motores, é a modelagem.

Para descrever o procedimento de modelagem, vamos


considerar o ensino do comportamento de marcar um gol.

2. O professor seleciona a resposta inicial,


1. Inicialmente, o professor entrega a bola
por exemplo, acertar a parte superior da
para a criança; pede para ela marcar um
bola com a ponta pé e produzir um peque-
gol, e observar o que ela faz.
no deslocamento da bola

3. Ao longo de pequenas etapas, o pro-


fessor elogia respostas cada vez mais
semelhantes ao comportamento final esta-
belecido como objetivo, chutar a bola com
uma determinada parte do pé, com força e
direção correta para fazer o gol.

Durante o procedimento de modelagem, para avançar de


uma etapa para outra é necessário que a criança consiga realizar
de maneira precisa o desempenho definido em cada etapa. No
exemplo anterior, a modelagem pode ser utilizada para ensinar a
criança a emitir respostas com mudanças em aspectos específi-
Modelagem: procedi- cos tais como: rapidez com que chuta a bola, potência do chute,
mento que consiste no
reforçamento diferencial direção, perna utilizada e posição específica do pé.
de comportamentos que
se tornam cada vez mais O princípio da progressão gradual também pode ser utili-
semelhante ao compor- zado quando se pretende mudar as circunstâncias em que o com-
tamento definido como o
objetivo do ensino. portamento ocorre, ou seja, ensinar o aluno a responder diante
de situações novas. Neste caso, um aspecto da situação diante
da qual o comportamento deve ocorrer é apresentado de manei-
ra exagerada ou acentuada e, depois, gradualmente reduzido. É

174
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

possível fazer o contrário, primeiro diminuir um aspecto da situa-


ção e depois retorná-lo ao normal. Observe, nas ilustrações abai-
xo estas duas possibilidades.

Se o objetivo é ensinar a criança a chutar no espaço entre as traves do gol, pode-se


aumentar o tamanho do gol e depois reluzi-lo para o tamanho normal.

Para garantir que a criança arremesse a bola de basquete e acerte a cesta, pode-se
diminuir a altura da cesta e, gradualmente, aumentar a altura até ficar compatível com
a idade da criança.

As pessoas não se comportam sempre da mesma forma.


Como você já deve ter observado, o nosso comportamento é va-
riável. Assim, no exemplo do comportamento de chutar a bola,
vez ou outra, ocorrem chutes mais fortes ou mais fracos, dirigidos
neste ou naquele ângulo, em cima ou embaixo da bola, com o
lado de fora ou com o lado de dentro do pé.

Parte do sucesso de um professor de futebol, por exemplo,


depende da habilidade de detectar essas pequenas variações ou

175
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

mudanças e, rapidamente, conseqüenciá-las. Deve-se, também,


ensinar o aluno a identificar quais aspectos do ambiente e do seu
próprio comportamento são relevantes para produzir tais efeitos.

A utilização de instruções e modelos pode se dar inicial-


mente e, depois, gradualmente, removidas. Instruções e modelos
de como executar um desempenho fornecem pistas sobre o que
deve ser feito. Vejamos o uso da estratégia em uma brincadeira
de pingue-pongue.

Ao ensinar como se executa um saque na brincadeira de


pingue-pongue, o professor pode demonstrar e, ao mesmo tempo,
descrever cada etapa deste movimento indicando detalhes tais
como posição da mão, dos dedos e postura de partes do corpo.

Em cada etapa da seqüência do saque, o aluno deve ser


solicitado a fazer o movimento. Conseqüências naturais são pro-
duzidas por cada desempenho como acertar a bola com a ra-
quete de certa maneira produz o deslocamento da bola em uma
determinada direção. Para garantir a participação na atividade,
pequenos progressos devem ser valorizados por meio de elogios
e palavras de incentivo. Gradualmente, as dicas adicionais como
instruções e modelo de como fazer, devem ser removidas e o
aluno deve ser incentivado a executar, sozinho, mais partes da
seqüência de movimentos.

Vamos retomar alguns pontos da Análise do Comporta-

Por que as técnicas mento? Quais aspectos enfatizava? Vamos relembrar...


de mudança gradual  papel fundamental do professor no planejamento das con-
funcionam?
dições de aprendizagem;

a adequação desse planejamento às diferenças indivi-


duais e ao ritmo de aprendizagem de cada aluno, e ao contexto
no qual os alunos estão inseridos.

176
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Agora, veja, resumidamente, alguns aspectos importantes


para o planejamento do ensino:

Para uma aula ou unidade


de ensino

Estabeleça objetivos de ensino


em termos dos comportamentos
que o aluno deverá adquirir.

Verifique o que ele já sabe fa-


zer e se prepare para ensinar
comportamentos novos.

Organize a seqüência de
ensino de modo progressivo
em relação às dificuldades.

Planeje o ensino tendo em


vista o aluno e o mantenha
em permanente atividade.

Crie condições para auto-


avaliação, incentive constan-
temente, e informe o aluno
sobre os seus progressos.

Organize etapas pequenas e só avance com a cer-


teza de domínio de etapas anteriores. Se as dificul-
dades acumularem é provável que o aluno desista;
caso tenha sido necessário o uso de conseqüências
arbitrárias, planeje a retirada delas aproximando-se o
máximo possível de conseqüências naturais.

Quais as informações o professor deve considerar durante


a realização das atividade programadas?

Os comportamentos do aluno ao executar uma determina-


da atividade fornecem várias informações relevantes.

177
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Quando o aluno desiste ou realiza parcialmente a ativida-


de, faz perguntas sobre ela, demora na sua realização, comete
vários erros, ou apresenta comportamentos de indisciplina, o seu
desempenho nos informa algo sobre a atividade, sobre as condi-
ções que o professor planejou para sua realização e aquelas que
ele, aluno, tem para realizá-la.

As reações do aluno fornecem dicas sobre aspectos positi-


vos e limitações das estratégias de ensino utilizadas pelo profes-
sor e, portanto, indicam aspectos a serem revistos e modificados.
Ao observar e identificar tais comportamentos, o professor estaria
atuando como um investigador/pesquisador.

A concepção da Análise do Comportamento enfatiza a im-


portância de análises funcionais para a compreensão de questões
relacionadas ao ensino que se referem tanto à prática do profes-
sor, planejamento, definição, implementação e avaliação de estra-
tégias de ensino, como às interações entre professor e alunos e
entre os alunos. A influência mútua entre as ações do professor e
os comportamentos dos alunos permite que o professor aprenda
a ensinar e que os alunos aprendam com êxito.

As análises apresentadas sobre temas relevantes ao con-


texto escolar podem favorecer o planejamento de atividades didá-
ticas e ajudar o professor a lidar com comportamentos que com-
petem ou dificultam o alcance os objetivos propostos. Entretanto,
como o comportamento é multideterminado, é importante consi-
derar as peculiaridades de cada turma, escola e comunidade ao
efetuar análises funcionais das diferentes interações comporta-
mento e ambiente que ocorrem no contexto escolar.

178
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Hora de praticar
No Fórum da Semana 4 serão analisados os diferentes aspectos relativos aos procedimentos
de ensino que contribuem para a aprendizagem de comportamentos motores complexos,
como por exemplo, os desempenhos de uma atleta de ginástica artística ao executar a sua
série de exercícios na trave.
Para iniciar o debate, procure responder as seguintes questões:
Como é possível aprender tais movimentos?
Quais os aspectos relevantes dos procedimentos de ensino que contribuem para a apren-
dizagem de tais desempenhos motores? Fatores individuais (ex: constituição física, idade)
também contribuem?
Para verificar o quanto aprendeu nessa unidade, você deverá responder previamente as
questões abaixo, que fazem parte do Questionário - Unidade 4, e depois preencher os espa-
ços adequados diretamente na página da disciplina.
1. De acordo com os princípios da Análise do Comportamento estudados nesta unidade,
como você explicaria a manutenção de comportamentos de indisciplina em sala de aula?
2. Será que a estratégia de “culpar a vítima” é utilizada no contexto escolar? Justifique a sua
resposta. Utilize exemplos do contexto escolar para ilustrar a sua resposta.
3. Qual a importância dos objetivos de ensino? Quais as vantagens para o aluno e para o
professor? Procure relacionar este tópico com a sua experiência de aluno de um curso a dis-
tância.
4. O princípio da progressão gradual pode ser útil para o professor de Educação Física? Elabo-
re sugestões que utilizem este princípio para ensinar alguma habilidade física.
5. Discuta a importância da utilização de conseqüências reforçadoras positivas em aulas de
Educação Física. Identifique também situações em que os reforçadores arbitrários devem ser
utilizados e aquelas em que os reforçadores naturais são mais adequados.

179
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 4 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E A CONSTRUÇÃO DE REPERTÓRIOS RELEVANTES NO CONTEXTO ESCOLAR

Nesta Unidade, tive- avançar do simples para o complexo, valo-


mos a oportunidade rizar o acerto e os pequenos progressos, e
de explorar aspectos ajustar as atividades aos ritmos individuais
importantes da pers- e ao contexto social-cultural da comunida-
pectiva da Análise do de onde os alunos estão inseridos. Vimos
Comportamento e as contribuições para a ainda, que o professor deve evitar compa-
prática do professor. rações avaliativas entre os desempenhos
dos alunos e os procedimentos de ensino
Destacamos que, de acordo com
devem ser modificados sempre que os ob-
Skinner, a educação deve criar oportuni-
jetivos não forem atingidos.
dades para que o aluno tenha acesso aos
conhecimentos acumulados, o que garanti- Além disso, discutimos alternativas
rá a sobrevivência da cultura, e a aquisição para lidar com situações de insucesso na
de comportamentos que lhe permitam atu- aprendizagem ou resistência em participar
ar e resolver problemas, de maneira inde- das atividades. Planejar a realização de
pendente, em situações novas no futuro. atividades agradáveis, que possibilitam re-
forçadores positivos, tendem a gerar inte-
Vimos que a Análise do Comporta-
resse e participação. Atividades desagra-
mento possibilita uma maneira de analisar
dáveis, complexas e que produzem muitos
as diferentes interações aluno-ambiente,
erros, estão associadas com baixa auto-
relevantes para a aprendizagem, que de-
estima, desinteresse e comportamentos
verão nortear o planejamento do ensino.
que evitam ou interrompem a participação
Ressaltamos também a importância
nas atividades.
de planejar o ensino em pequenas etapas,

Parabéns pela conclusão dos estudos sobre a perspectiva da Análise do Compor-


tamento!

180
PSICOLOGIA
PSICOLOGIA DA
DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO
UNIDADE 5 AS INFLUÊNCIAS EMOCIONAIS NA ATIVIDADE FÍSICA ESCOLAR

UNIDADE 5
Influências Emocionais na
Atividade Física Escolar

A partir desta Unidade vamos começar a trabalhar a Psicologia da Educação


aplicada às aulas de Educação Física. Nesta unidade analisaremos como as emoções
podem afetar a aprendizagem e mesmo o desempenho de comportamentos previamente
adquiridos. Durante as aulas de educação física, jogos e competições escolares podem
acarretar situações de estresse e ansiedade por parte dos alunos. Quais as formas de
ansiedade mais recorrentes em aulas de educação física? Como classificá-las? A partir
da compreensão por parte do professor de diferentes manifestações das emoções dos
alunos ele poderá intervir no aprendizado e auxiliar os alunos em diferentes aspectos do
seu desenvolvimento.

Objetivos
Após o estudo da Unidade você será capaz de:
identificar diferentes fatores que produzem ansiedade em aulas de educação física;

caracterizar as conseqüências de atitudes agressivas durante a execução das tarefas


propostas ou na participação de jogos em aulas;

avaliar os níveis de ativação durante os exercícios propostos;

apontar os fatores que podem levar ao estresse dos alunos em jogos e/ou competições;

analisar as orientações às metas dos alunos de educação física, seja voltado para o
ego, ou seja, orientado para a tarefa.

181
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 5 AS INFLUÊNCIAS EMOCIONAIS NA ATIVIDADE FÍSICA ESCOLAR

5.1 Introdução

Durante uma aula de educação física escolar podemos


analisar que elas são acompanhadas de uma série de compor-
tamentos e emoções manifestadas pelos alunos nos jogos e
exercícios propostos. Estes resultados muitas vezes são bastante
discutidos por professores da área e perguntam-se: Como fazer
com que alunos iniciem suas atividades físicas em escolas com
divertimento? Como conseguir aderências nas aulas? Como evi-
tar situações agressivas?

  O que se tem visto é que não se trata apenas em


elaborar exercícios práticos e se preocupar exclusiva-
mente com os desempenhos físicos. Para que estes
desempenhos estejam de acordo com os objetivos e
estratégias planejadas pelo professor, ele deverá ob-
servar os comportamentos dos alunos que ocorrem
durante as aulas e quais suas influências na sua aula
de educação física escolar.

Sendo assim, este texto trata em descrever os dife-


rentes aspectos do comportamento e emoções que
ocorrem durante jogos e exercícios propostos pelo professor de
educação física dentro do ambiente escolar.  Em primeiro lugar,
descrevem-se os conceitos referentes à ansiedade, ativação e es-
tresse, como acontecem e quais as respectivas influências posi-
tivas e negativas na educação física escolar. Em segundo lugar,
descreve-se como e quando situações em aula podem aumentar
ou minimizar agressões por parte dos alunos. Por fim, como le-
var os alunos a maior aderência aos exercícios e jogos propostos
pelo professor de educação física escolar por meio do divertimen-
to, satisfação e interesse intrínseco pelas aulas.

182
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 5 AS INFLUÊNCIAS EMOCIONAIS NA ATIVIDADE FÍSICA ESCOLAR

5.2 Ansiedade, Ativação e Estresse 

Podemos considerar que numa aula de educação física


certo grau de ansiedade venha a ter aspectos positivos para que
os alunos se motivem a participar dos exercícios propostos pelo
professor; pois esta ansiedade pode aumentar o esforço, a persis-
tência e a auto-superação.  Por outro lado, o excesso de ansie-
dade pode levar o aluno a mudanças, tais como: tensão muscular,
falta de eficiência durante a execução de movimentos, dificuldade
de tomar decisões e redução da autoconfiança e do prazer pela
prática. E por último, um pouco de ansiedade pode resultar em
pouco esforço e pouca motivação pela prática. Podemos concluir
que um equilíbrio da ansiedade pode levar o aluno a estar auto-
regulado e a obter maior prazer e participação durante as aulas.
Exemplos:

Alunos extremamente ansiosos - vão para a aula correndo, tro-


cam de roupa gritando, ouvem a explicação do professor mui-
tas vezes saltando sem parar. O resultado muitas vezes é que
não conseguem aprender, nem prestar atenção nas orienta-
ções fornecidas;

Alunos que vão para aula apáticos, desmotivados, sem vontade


de fazer qualquer exercício proposto pelo professor, porque
estão com um nível de ansiedade muito baixo;

183
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 5 AS INFLUÊNCIAS EMOCIONAIS NA ATIVIDADE FÍSICA ESCOLAR

Alunos que vão para aula com certo grau de ansiedade - fa-
zem a aula com disposição, prestam atenção nas orientações
fornecidas pelo professor e se propõem a auxiliar mesmo que
o professor não lhes peça qualquer auxílio. Na realidade este
‘certo grau’ de ansiedade, também, pode ser definido como ní-
vel adequado de ativação. Ou seja, há uma predisposição do
aluno psicológica que ativa fisiologicamente o seu organismo e
o prepara para a atividade física.

Para explicar estas variações do nível de ‘ansiedade’ defini-


remos três características emocionais que podem ocorrer durante
as aulas de educação física e que muitas vezes confundem-se
em sua terminologia e entendimento. Na realidade veremos que
esta variação do nível de ansiedade pode ser melhor compreen-
dida se definirmos como: ansiedade, ativação e estresse.

1. Ansiedade: Primeiro analisaremos a diferenciação entre dois


tipos de ansiedade. A ansiedade-traço e a ansiedade-estado. A
ansiedade-traço refere-se a uma dimensão da personalidade e da
disposição interna que predispõem uma pessoa a estar em um alto
grau de ansiedade contínua frente a uma situação aparentemente
não perigosa, mas que a ele causa um permanente sentimento de
ansiedade. Ou seja, o aluno pode apresentar em qualquer situação
de uma aula de educação física ou não, esta característica. Parti-
cularmente não será a aula, o professor ou o exercício que propor-
cionarão a ansiedade, mas é uma dimensão da personalidade que
o aluno traz com ele. Já a ansiedade-estado refere-se a emoções
negativas de apreensão e tensão em situações ameaçadoras.  Por
exemplo, um aluno que após determinado exercício proposto tem
a percepção, naquele momento, de que é uma atividade perigosa,
pode ter alta ansiedade para executá-lo.

O segundo fato a ser analisado é a diferença entre ansie-


dade cognitiva, ansiedade somática e ansiedade físico-social.

184
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 5 AS INFLUÊNCIAS EMOCIONAIS NA ATIVIDADE FÍSICA ESCOLAR

Caracteriza-se pela preocupação e expectativa negativa da


auto-avaliação, do desempenho e da avaliação realizada por
outros. Por exemplo, o aluno preocupa-se em demasia como
Ansiedade cognitiva está o seu desempenho durante as aulas e como os outros,
seja o professor e/ou seus colegas o avaliam durante a aula
prática ou teórica;

Manifesta-se quando o aluno tem sentimentos de ameaça,


insegurança e desprazer durante a aula e/ou jogo, trazendo
uma série de alterações fisiológicas ao organismo, tais como:
diminuição da pressão sangüínea, estímulo do funcionamento
Ansiedade somática da bexiga, aceleração da ação do intestino e do estômago, por
meio do sistema nervoso autônomo parassimpático e com isto
uma série de situações desconfortáveis ao aluno;

Predisposição da personalidade do individuo em que o grau de


ansiedade aumenta quando outros observam seus atributos
Ansiedade físico-social físicos, fato considerado comum em aulas de educação
física.

2. Ativação: Refere-se à intensidade do comportamento de uma


pessoa para a prática de uma atividade física. O aluno ativado
tem uma conduta adaptativa de rendimento, sentimentos de de-
safio, segurança e prazer pela prática de exercícios. Aumenta o
funcionamento do sistema nervoso autônomo simpático, quando
então o coração é estimulado, os vasos sangüíneos contraem-se,
há o aumento da pressão arterial, o relaxamento dos brônquios
e da traquéia, a supressão de micção e de movimentos peristál-
ticos.  Portanto, o aluno ativado regula-se fisiologicamente para
as funções a desempenhar durante a atividade. No entanto, o
excesso de ativação poderá trazer alguns resultados negativos
na prática de exercícios. Para isto descrevemos abaixo a relação
entre ativação e controle

Karasek et al. (1982) elaboraram um Modelo Quadrante


Anabólico-Catabólico entre Controle e Ativação, que são descritos
a seguir com suas respectivas conseqüências:

185
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 5 AS INFLUÊNCIAS EMOCIONAIS NA ATIVIDADE FÍSICA ESCOLAR

a) Auto-controle e Auto-ativação: fisicamente elevado, auta energia na prática de


exercícios, habilidade psicológica e capacidade de recuperação;

b) Auto-controle e Baixa-ativação: relaxamento, distração, falta de motivação, indife-


rença frente à êxitos e fracassos;

c)  Baixo-controle e Auto-ativação: sofrimento psicológico, angústia e sentimento de


incerteza;

d) Baixo-controle e Baixa-ativação: passividade, não exibe intenções de combate,


pouca resposta neuro-endócrina. 

3. Estresse: Na realidade, trata-se de um processo que passa por


quatro estágios, os quais levam ao estresse (McGRATH, 1970
apud WEINBERG e GOULD, 2001, p.98-101). 

O primeiro estágio, denominado demanda ambiental, ocor-


re quando o aluno tem a característica de ansiedade físico-social
e/ou associada à ansiedade cognitiva, onde ele não se sente
capaz de expor certa habilidade em um contexto social e é pres-
sionado a executá-lo. O professor e/ou colegas insistem para que
ele faça determinado exercício e ele não se sente à vontade de
executar tal movimento em público.

O segundo estágio, denominado percepção da demanda,


ocorre quando o aluno tem característica de ansiedade-traço e
observa uma situação física e/ou psicológica como ameaçadora,
mesmo que a situação não seja ameaçadora para outra pessoa,
também exposta a ela.

O terceiro estágio é denominado resposta ao estresse, são


as respostas físicas e psicológicas frente à percepção de uma
situação: aumento da preocupação (ansiedade-estado cognitiva),
aumento da ativação, (a noradrenalina triplica, a adrenalina dupli-
ca e há o aumento da tensão muscular) e aumento da ansiedade-
estado somática.

186
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 5 AS INFLUÊNCIAS EMOCIONAIS NA ATIVIDADE FÍSICA ESCOLAR

O último estágio, denominado conseqüências comporta-


mentais, pode levar o indivíduo à cólera, à agressividade e ao
riso incontrolável.  Antes que se chegue a esta situação torna-se
relevante que o professor de educação física entenda o que leva o
aluno a passar por estes sentimentos e tente evitar que se chegue
a tais resultados, pois poderão levá-lo a abandonar as aulas. 

Precisamos conversar sobre outro fator importante: a aplica-


ção de competições
Precisamos esportivas
conversar sobre em importante:
outro fator escolas, pois estas de
a aplicação po-
dem vir a obter
competições resultados
esportivas negativos
em escolas, para podem
pois estas os alunos. Se a
vir a obter
criança ou o jovem for solicitado a apresentar rendimento
resultados negativos para os alunos. Se a criança ou o jovem forem aci-
masolicitados
de seu desempenho, poderá gerar
a apresentar rendimento acima resultados de ansie-
de seu desempenho,
dade cognitiva, físico-social, somática e, até mesmo, chegar
poderá gerar resultados de ansiedade cognitiva, físico-social, somática
aoe,estresse.
até mesmo, chegar ao estresse.

O professor de educação física deverá estar atento e evitar


levar o aluno a constrangimentos e situações que os levem ao
estresse e a falta de interesse pelas aulas. Por isso, deve estar
atento quanto às participações em competições esportivas em
escolas, pois estas podem vir a obter resultados negativos para
os alunos, caso o professor não esteja atento aos comportamen-
tos manifestados por seus alunos. As competições devem ter a
participação de alunos que gostem e se sintam bem participando
delas e não vindas de uma forma impositiva por parte da direção
da escola, pais e professores.

Vejamos esse assunto de um modo mais detalhado, a par-


tir da análise que De Rose Jr (2002) faz sobre a ansiedade e
o estresse gerados em competições esportivas entre crianças e
jovens. Em primeiro lugar, define quatro fatores que são eviden-
ciados quando se compete:
confronto → realizado entre dois ou mais indivíduos ou equipes, direta ou indireta-
mente, dependendo do tipo de esporte (...) ;
demonstração → oportunidade de demonstrar as capacidades e as habilidades
aprendidas e desenvolvidas nos treinamentos (...) ;
comparação → pode acontecer em função de um padrão próprio ou estabelecida a
partir de modelos externos (...);
avaliação → quando se refere ao desempenho que pode ser quantitativo ou quanti-
tativo(...);” (DE ROSE JR. 2002, p.71).

187
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 5 AS INFLUÊNCIAS EMOCIONAIS NA ATIVIDADE FÍSICA ESCOLAR

Caso o jovem ou a criança tenham uma solicitação de ren-


dimento acima de seu desempenho, poderão apresentar resulta-
dos de ansiedade cognitiva, fisico-social, somática ou ainda che-
gar ao estresse.

Além disso, algumas causas que ativam estes resultados


emocionais segundo De Rose Jr. (2002, p.73) são:

complexidade da tarefa maior do que os recursos do praticante;

pressões exercidas pelo professor e/ou colegas;

falta de definição clara dos objetivos a serem alcançados;

treinamento e especializações precoces.

De Rose Jr. conclui e cita pesquisas que indicam que os


maiores sintomas geradores de estresse pré-competitivo em alu-
nos infanto-juvenis De Rose Jr., (1997,1998) são:

medo de decepcionar as pessoas;

preocupações com os resultados das competições;

medo de cometer erros;

problemas de sono na noite anterior à competição;

excitação, nervosismo;

ansiedade e aumento de responsabilidade.

Sendo assim, deve-se repensar como e por que trabalhar


o esporte competitivo nas escolas para que não tenhamos resul-
tados negativos na prática de exercícios físicos. 

Portanto, caso o jovem ou a criança tenham uma solicita-


ção de rendimento acima de seu desempenho, poderá apresentar
resultados de ansiedade cognitiva, fisico-social, somática ou ain-
da chegar ao estresse.

188
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 5 AS INFLUÊNCIAS EMOCIONAIS NA ATIVIDADE FÍSICA ESCOLAR

5.3 Agressividade  

Atualmente vê-se a manifestação da agressão em diversos


níveis e situações distintas: seja na mídia, em filmes, em jogos
eletrônicos, em estádios, nas ruas e, também, podem vir a ocorrer
em aulas de educação física.

Definida como um comportamento que envolve danos ou


ferimentos, dirigida a um ser vivo ou objeto e que envolve a inten-
cionalidade da pessoa que agride. Ela pode ser considerada hostil
quando causa danos físicos ou psicológicos a uma outra pessoa. 

Jogos coletivos são bastante comuns em aulas de educa-


ção física escolar mas o professor deve estar atento na elaboração
destas atividades.  Jogos coletivos são excelentes para se trabalhar
a cooperação e coesão de grupo mas, também, se deve observar
quanto às manifestações que podem ocorrer em sua prática. 

Conforme as regras estabelecidas pelo professor em rela-


ção ao jogo e/ou atividade proposta, ou mesmo o tipo de esporte
coletivo escolhido para ser praticado em uma aula ou período do
ano, poderá trazer um clima mais ‘hostil’ entre alunos. Por exem-
plo, há escolas que estimulam a prática do futebol por ser uma
prática em que há uma participação maciça dos alunos. Há pro-
fessores que evitam a prática do futebol por acreditarem ser um
esporte que estimula a violência entre os alunos. Por outro lado,
há professores que têm estimulado a prática do futebol misto (me-
ninos e meninas) e os ensina a cooperarem e respeitarem as
regras do jogo, sem machucar as meninas que participam.

189
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 5 AS INFLUÊNCIAS EMOCIONAIS NA ATIVIDADE FÍSICA ESCOLAR

Pode-se trabalhar o jogo, o esporte de várias formas. O professor que deve-


rá saber a hora de intervir e como intervir para que evite agressões, ansie-
dades em demasia, estresse e abandono por parte dos alunos das aulas.

Trabalhar as tensões, frustrações e relações que venham a


ocorrer durante os jogos são relevantes e enriquecedoras para os
alunos, como: saber perder, saber ganhar, cooperar e competir. 
Para evitar situações que levem à agressividade alguns pontos
deve-se levantar. 

A agressão em jogos coletivos pode vir acompanhada


quando há existência de poucos gols, ou poucos pontos, pois
neste caso as tensões permanecem altas originando faltas mais
agressivas.  Por outro lado, as faltas são menos freqüentes quando
há um número grande de gols, pois ao marcar um gol, há redução
da tensão psicológica e um rearranjo das relações entre os times.
          Os times de jogadores menos habilidosos cometem mais fal-
tas do que os mais habilidosos. Isso se atribui a um maior nível de
frustração por parte dos menos habilidosos e ao fato de que estes
talvez, não saibam reagir dentro das regras, tanto que podem se
tornar agressivos mesmo quando ganham uma partida. 

Para isto, devem-se ter comportamentos adequados na


elaboração dos jogos: 

ao dividir um time para a prática de jogo coletivo, quanto mais homogêneo


e cooperativo forem os times, menor agressividade durante os jogos;

antes de elaborar exercícios e jogos, analisar com cuidado situações


que podem levar à agressão;

ensinar os alunos que situações de agressão diminuem a habilidade e a


cooperação do grupo;

impedir que alunos insultem ou ridicularizem seus colegas, seja durante a


execução de tarefas, seja por meio de comentários sobre o corpo do outro;

que os alunos mais habilidosos não se excitem em demasia, pois a auta-


ativação pode levar a agressão.

190
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 5 AS INFLUÊNCIAS EMOCIONAIS NA ATIVIDADE FÍSICA ESCOLAR

5.4 Bullying

Pesquisas realizadas pela Unesco


apresentaram dados alarmantes quan-
to ao crescente da violência em escolas
brasileiras: recolheram aproximadamente
mais de trinta mil depoimentos de estu-
dantes e treze mil de pais e professores
em 340 escolas do país, sendo estas 239
públicas e 101 privadas. As entrevistas
chegaram à conclusão de que os alunos
nas grandes cidades estão tão inseguros
na sala de aula quanto se estivessem
nas ruas. Segundo eles, a escola já não
é mais um local seguro para se estar. Dos
alunos que tem arma de fogo, 70% já a
levaram para a escola, sendo que outros
que não tem armas já levaram a de seus
próprios pais, para se proteger ou mos-
trar aos colegas. (CAROLINO, 2006).

Denomina-se bullying como agressão sistemática e inten-


cional entre os alunos sem um motivo necessariamente aparente.
Este fenômeno vem acontecendo em vários países, sendo tema
de livros. Esta atitude agressiva para com o próximo pode vir de
diferentes estímulos, muitas vezes nem tão relevantes: torcer por
um time de futebol; estilos de roupa, tipos de música, ou mesmo
o local onde mora ou bairro, gang de grafiteiros dentre outros.
Apenas pelo fato de ter escolhas diferentes das citadas anterior-
mente, já é motivo para a prática do bullying.

O professor de educação física deverá estar atento a estas


manifestações, pois muitas vezes podem surgir no meio de uma
aula, de um jogo ou mesmo partida competitiva. Saber e entender
os códigos e sinais no ambiente em que o professor ministra suas
aulas, sendo consciente destas situações, poderá evitar proble-
mas e danos futuros à comunidade.

191
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 5 AS INFLUÊNCIAS EMOCIONAIS NA ATIVIDADE FÍSICA ESCOLAR

Hora de praticar
Quais os tipos de ansiedade tratados nesta unidade? Descreva-os e relacione com situa-
ções de suas aulas.
Descreva o que é Bullying. Relate situações que já ocorreram em suas aulas. Após dê so-
luções que foram realizadas e que obtiveram resultados positivos e quais novas soluções
você indicaria após leitura do texto.
Observe suas aulas e descreva situações em que os alunos demonstram alto grau de ativa-
ção e baixo controle. Quais os resultados encontrados? Quais as intervenções você acredi-
ta serem pertinentes ao grupo? Justifique.
Após a leitura de jornal local sobre agressividade, debata com os alunos o tema. Após,
peça a eles que dêem sugestões e soluções sobre o tema na comunidade em que resi-
dem.

Emoções e comporta- portamentais e emocionais dos alunos em


mentos são manifesta- aulas de educação física.
dos em aulas de Educa- Uma das manifestações que ocor-
ção Física e podem ser rem trata-se do nível de ativação que pode
utilizados na formação vir associada a outros fatores de controle e
de valores e atitudes dos alunos. O profes- afetam o rendimento do aluno. Além disso,
sor deverá estar atento a estas manifesta- os níveis de ansiedade e estresse podem
ções para que suas aulas possam ser um afetar a dinâmica das aulas e os objetivos
ambiente que proporcione o autoconheci- propostos pelo professor. Uma série de al-
mento destes comportamentos e emoções terações fisiológicas e conseqüentemente
por parte de seus alunos. Mas isto somen- emocionais ocorre com os alunos.
te ocorre, quando o professor tem em sua
Por outro lado, a agressão prove-
formação, elementos que contribuam para
niente de situações de bullying ou não,
uma intervenção pedagógica. Elementos
são comportamentos que cada vez tipifi-
estes que tratem das manifestações com-
cam situações nas escolas brasileiras.

192
PSICOLOGIA
PSICOLOGIA DA
DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

UNIDADE 6
Desenvolvimento das Habilidades
Sociais no Contexto de Aulas de
Educação Física Escolar

O objetivo desta Unidade é descrever o ensino e utilização das habilidades sociais


no contexto de aulas de educação física.

Objetivos
Após a leitura desta Unidade você será capaz de:
explicar a relevância das habilidades sociais em aulas de educação física;

definir as habilidades para solucionar problemas e habilidades para construir uma


equipe;

considerar as aulas de educação física como um ambiente propício para o aprendiza-


do de habilidades sociais;

discutir os comportamentos pro-sociais dentro do contexto de aulas de educação física;

elaborar habilidades mentais que influenciam nas habilidades sociais;

descrever formas de desenvolvimento de integração de grupo.

193
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Depois que vimos na unidade anterior como ocorrem al-


guns processos emocionais em aulas de Educação Física, vamos
ver nesta unidade como desenvolver as habilidades emocionais e
como estas influenciam nas habilidades sociais, que é o objetivo
desta unidade.

O ensino e o aprendizado das habilidades sociais são fa-


tores importantes para alunos e professores de educação física,
pois auxiliam na criação de um clima positivo ao aprendizado de
habilidades e na realização de conquistas.

Sendo as aulas de educação física expositivas, há momen-


tos em que os alunos possam vir a se sentirem ridicularizados
ou envergonhados, por terem dificuldade em realizar determinada
tarefa ou por determinada situação de jogo, poderá resultar em
ansiedade e estresse, acarretando na desistência da prática mo-
mentânea e futuramente na falta de aderência à atividade física.

Sendo assim, podemos afirmar que as aulas de educa-


ção física podem ser um espaço para aprendizagens de habili-
dades tanto sociais quanto emocionais. Aprender a se expressar
verbalmente e corporalmente, assim como ter controle de suas
emoções durante os relacionamentos sociais da aula, aprender
a solucionar problemas, lidar com situações de conflito internas e
externas, será muito positivo para o aprendizado do aluno. Por-
tanto, cremos que aulas de educação física podem ser um am-
biente bastante propício para a aprendizagem de habilidades so-
ciais, que podem vir a se estender em outras áreas da vida do
educando. Por exemplo: quando o aluno desenvolve habilidades
para resolver problemas, para superar seus limites, tem a capa-
cidade de superar a perda e aprender a lidar com a vitória em
competições, a construir uma equipe, a superar o estresse de um
jogo ou uma aula expositiva, percebe seu corpo nas diferentes fa-
ses do crescimento e desenvolvimento e obtém a capacidade de
formar relacionamentos; tudo isto pode ser aprendido e utilizado
em outros ambientes que não sejam especificamente em aulas
de educação física. No entanto, entendemos que o professor de

194
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

educação física necessita ter ferramentas adequadas para intervir


positivamente frente à estas situações, sabendo agir com conhe-
cimento e sabedoria.

A relevância então deste estudo é entender que as aulas de educação fí-


sica na escola são um ambiente propício a aprendizagens não só físicas,
mas, também, de habilidades emocionais e sociais.

6.1 Habilidade Emocional

As habilidades emocionais são as habilidades que os alu-


nos devem aprender relacionada às suas emoções. Entender
quando, como e por que ocorrem suas manifestações emocionais
e dos outros colegas de turma. Saber lidar com suas emoções e
dos outros colegas, entender o limite de cada um, ajudar e res-
peitar nas dificuldades uns dos outros. Dificuldade em aprender
uma nova tarefa, em escolher um time, em se expor frente aos
outros. Caberá ao professor de educação física saber utilizar-se
deste ambiente rico em manifestações emocionais e ensinar aos
alunos como lidar com os diferentes aspectos emocionais que in-
terferem nas relações sociais.

Sendo assim, as habilidades emocionais referem-se a qua-


tro pontos principais:

1) Percepção e compreensão das emoções. Por que o aluno teve


raiva, medo ou foi agressivo durante exercícios ou jogos propos-
tos pelo professor? Pesquisas mostram que alunos ou grupo de
alunos menos habilidosos, em determinada disputa tendem a ser
mais agressivos do que os que são mais habilidosos. Outro fator,
alunos que estão perdendo em uma disputa, também tender a
ser mais agressivos. A conversa e feedback do professor após a
aula pode ajudar na compreensão das emoções. Deixar passar
situações de agressividade, medo ou raiva após as aulas seria
negligenciar processos de construção de relacionamentos sociais
positivos.

195
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

2) Processos cognitivos e afetivos na ação. Estudos mostram


que todas as ações são reguladas por processos cognitivos e
afetivos, que os sentimentos vêm mais rápido que a cognição e
a expressão por meio da fala vêm depois destes dois. Partindo
desta afirmativa, podemos ter dois tipos de orientação para uma
determinada ação. A orientação baseada na coragem e ação ba-
seada em decisões racionais. Sendo preponderantes no primei-
ro os processos afetivos e no segundo os processos cognitivos.
Na decisão baseada na coragem o estímulo para ação do aluno
nem sempre virá de um processo cognitivo, mas dos sentimentos
e emoções. Por outro lado, a orientação baseada em decisões
racionais são intenções baseadas em decisões por meio de pro-
cessos cognitivos. Cada um tem seu ponto positivo, não devemos
afirmar que um é mais relevante que o outro, mas por outro lado,
as ações baseadas em decisões racionais - processos cognitivos
- deve, na maioria das vezes, ser superior as ações baseadas na
coragem – processos afetivos. O que devemos desenvolver no
aluno são os processos cognitivos, vindos de decisões racionais.
Propor situações de solução de problemas em grupo e/ou indivi-
dualmente, interação de grupo, feedback positivo, são processos,
dentre outros vistos nas unidades anteriores que auxiliam no de-
senvolvimento cognitivo do aluno;

3) Regular suas próprias emoções – auto-regulação. Não basta


apenas entender suas emoções, mas aprender a se controlar, a
respeitar os outros e a si mesmo;

4) Entender a emoção dos outros. Saber que os outros têm suas


dificuldades e limitações na execução de exercícios e que estas
dificuldades podem se expressar por meio de emoções. Respeitar
os limites do grupo e construir uma equipe baseada no potencial
de cada um e não exigir aquilo que o colega não pode fornecer.
Essas são ferramentas que ajudarão no desenvolvimento de uma
equipe harmonicamente bem integrada nas relações humanas.

196
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Destas quatro habilidades a serem desenvolvidas pelos


professores, a habilidade em regular as emoções, auto-regulação
será uma das mais importantes a serem trabalhadas, pois traba-
lha diretamente com o equilíbrio das manifestações emocionais
dentro de um contexto social. Por exemplo, uma carga exagerada
de raiva e/ou ódio pode ferir ou mesmo destruir um relacionamen-
to para sempre. Então, ensinar o aluno a se controlar por meio
de exercícios de relaxamento, percepção corporal, mentalização,
feedback após o fato ocorrido, assim como outras formas de exer-
cícios, poderá levar a um maior auto-controle nas aulas.

6.2 Treinamento de Habilidades Mentais


e Auto-regulação

Após termos lido o subitem anterior, perguntamos:

Como podemos trabalhar com os alunos?


Então de que forma trabalharemos as habilidades
emocionais que poderão interferir nas habilidades
Sociais?

Durante as aulas é o aluno que estará sozinho para tomar


as decisões, solucionar problemas durante um determinado exer-
cício e/ou jogo, é ele que estará sozinho para fazer suas escolhas,
observando não só suas emoções, mas de seus colegas também
e deverá estabelecer estratégias para que seus objetivos pesso-
ais sejam alcançados. Objetivos estes que podem ser resultados
de desempenho físico e/ou sociais. Somente ele poderá se esfor-
çar, equilibrar suas emoções, concentrar-se, executar, monitorar,
quais os ajustes serão necessários para desempenhar o melhor
possível, conforme suas habilidades. Para isto o aluno deverá ser
capacitado para ter pensamentos de auto-regulação e ter ações
e emoções adequadas para conseguir melhores resultados emo-
cionais e físicos.

197
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Quanto mais o aluno se sentir motivado e determinado


mais estará envolvido em executar com maestria as tarefas es-
tabelecidas pelo professor. Isso o levará a mecanismos de auto-
regulação.

Então, temos que entender que o treinamento das habili-


dades mentais tem como objetivo principal a auto-regulação dos
alunos e para se atingir estes mecanismos de auto-regulação, al-
gumas estratégias devem ser obtidas por meio do treinamento de
habilidades mentais.

Assim trataremos a seguir algumas técnicas que podem


ser praticadas em aula que ajudam no treinamento das habilida-
des mentais:

1. Treinamento Mental:

Podemos definir as diferenciações que existem entre trei-


namento mental, mentalização e prática mental. A primeira tem
o objetivo no desenvolvimento e promoção de habilidades, sen-
do essa habilidade orientada a melhorar o desempenho físico.
A segunda tem como objetivo a preparação do aluno no enfren-
tamento de circunstâncias afetivas e de desempenho na prática
de atividade física. A terceira, a preparação mental, refere-se ao
controle de situações internalizadas, com treinamento de atitudes
mentais que ocorrem no jogo.

a) Treinamento Mental e Processo Mental:

Processo cognitivo - treinamento de técnicas de concentração;

Processo afetivo - estratégias de controle da emoção ou ansieda-


de;

Processo motivacional - estratégias de estabelecimento de me-


tas, técnicas de controle da vontade.

b) Prática Mental:

Prática orientada ao visual e imagem;

Prática de auto-regulação, auto-sugestão, conversa internalizada,


auto-argumentação;

198
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Prática orientada à cinestesia - sentimentos relacionados aos mo-


vimentos.

c) Preparação Mental:

Simulação da situação do ambiente de jogo;

Controle psicofisiológico da ativação treinamento da regulação


psíquica;

Simulação da ação - habilidades e movimentos orientados à ta-


refa;

Podem ser observados como uma melhora psíquica do desem-


penho.

2. Técnicas de Relaxamento:

Jacobson descreveu em sua monografia sobre relaxamen-


to, intitulada Relaxamento Progressivo: estudo fisiológico e clínico
do tônus muscular e seu significado em psicologia e terapêutica,
técnicas que levam ao repouso muscular. Denominada, também,
como Relaxamento Progressivo de Jacobson, esta técnica consis-
te em tencionar cada grupo muscular de cada segmento corporal
separadamente para em seguida relaxá-los. Com isso, estimula-
se o receptor para o reflexo de distensão invertida que está no
órgão tendinoso de golgi, proporcionando uma inibição dos moto-
neurônios alfa. Portanto o exercício trata de executar uma tensão
suficientemente grande em cada segmento corporal, quando a
contração cessa subitamente o músculo relaxa.
Acompanhe no seguinte exercício:
Manter o aluno sentado e pedir para ele contrair cada segmento
corporal mantendo uns três segundos aproximados de contração;
Posteriormente relaxa este segmento corporal;
O exercício é executado sempre sentado, iniciando pela mão
dominante e depois para a outra, passando para o antebraço,
braço, peitoral, grande dorsal, região abdominal, glúteos, co-
xas, pernas e pés, sendo este último alternando entre o lado
dominante e o outro.

199
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Essa é uma técnica de fácil aprendizado e de resposta breve para o relaxa-


mento da musculatura.

3. Concentração e Atenção:

Concentração e atenção são capacidades fundamentais


para se bem suceder durante uma aula, treinamento ou partida.
Durante as aulas há uma diversidade de estímulos internos e ex-
ternos que podem tirar a atenção do aluno. Esse treinamento é
uma ferramenta eficaz para que o aluno tenha o máximo de con-
centração e atenção durante suas tomadas de decisão.

São quatro categorias de atenção relacionadas à atividade


física:

a) Foco de atenção externo amplo: ocorre quando uma pessoa


percebe vários estímulos simultaneamente. Por exemplo, o aluno
precisa ter uma tomada de decisão rápida e tem que ter atenção
nos diversos estímulos a ele apresentados, tais como: a trajetó-
ria da bola do oponente, a posição do adversário e o golpe que
executará; o professor deverá propor atividades que envolvam e
orientar o aluno, conforme o seu desenvolvimento, para que tenha
a atenção na situação proposta e não nos estímulos externos a
ele;

b) Foco de atenção externo restrito: ocorre quando o aluno ignora


outros estímulos e foca-se em apenas um que lhe é relevante. Por
exemplo, quando o aluno concentra-se para receber uma bola de
outro colega ele deverá se concentrar totalmente no outro e na
direção da bola que virá em direção a ele. Para isto, o aluno de-
verá ser informado que deverá lançar a bola, ou qualquer objeto
somente após a concentração e atenção de seu colega;

c) Foco de atenção interno amplo: ocorre quando não há estímu-


los externos e o aluno internaliza-se em seus pensamentos. Isto
pode ser estimulado após a aula, por meio do feedback do profes-
sor das situações de jogo;

200
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

d) Foco de atenção interno restrito: ocorre quando uma determi-


nada habilidade não está sendo executada, por ocasião de algu-
ma alteração fisiológica decorrente de ansiedade. O aluno pode
recorrer às técnicas de respiração profunda antes de alguma ati-
vidade proposta com o objetivo de equilibrar a ativação durante
uma determinado exercicío.

Para atingir níveis satisfatórios de concentração e atenção


a técnica de respiração dinâmica torna-se útil, pois aborda a res-
piração do ser humano de forma global. Ou seja, cada segmento
corporal está diretamente interligado, seja nos movimentos cor-
porais, seja nos movimentos respiratórios. A partir desta idéia,
um dos mecanismos da respiração natural refere-se à respiração
dinâmica, em que consiste na inspiração e expiração na posi-
ção de pé, no estado de vigilância e ativo. O trabalho envolve a
oxigenação dos músculos da cadeia anterior e posterior do tron-
co, trazendo maior absorção de nutrientes por este grupamento
muscular, equilibrando o sistema nervoso autônomo (simpático
e parassimpático) e conseqüentemente trazendo maior ativação,
menor ansiedade e concentração.

As técnicas descritas devem ser utilizadas para auxiliar na


manutenção do equilíbrio da ativação, na diminuição da ansieda-
de e para se atingir um nível ótimo de execução de habilidades.

6.3 Comportamento Pro-social

Depois que vimos técnicas de habilidades mentais, vamos


ver agora neste subitem como os comportamentos dos alunos e
professores podem influenciar num ambiente prosocial. O comportamento
pro-social são ações que
Oberva-se em aulas de educação física, nos comporta- levam o aluno a ajudar
ou beneficiar o próximo
mentos manifestados durante alguma tarefa ou jogo disputado, sem ter qualquer tipo de
alguns alunos podem agredir outras pessoas ou objetos pelo fato lucro sobre suas ações.
Comportamentos de
de não terem um bom desempenho. Caso o professor não inter- altruísmo e empatia são
venha nesta situação, e neste caso pode ser que para ele o objeti- ações que auxiliam em
comportamentos
vo principal da aula trata de desempenho e resultados, demonstra pro-sociais em aulas.

201
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

então que a agressão pode ser considerada para ele como válida
dentro de um ambiente escolar. Portanto, é importante que ele in-
tervenha conscientemente sobre ações agressivas dentro de uma
aula.

Por outro lado, pode-se trabalhar o comportamento pro-


social, para isto o professor deverá promover ações ajuda e com-
panheirismo. Em aulas de educação física, uma das formas de
demonstração de ajuda ao próximo pode ser manifestada por
meio do auxílio nas habilidades motoras durante a execução de
tarefas. Além disso, por meio de ações de encorajamento, palavra
de conforto, ajuda verbal e mesmo corporal. Isto levará a união do
grupo e conseqüentemente melhor adesão à prática da atividade
física.

Uma das formas de se trabalhar este auxílio poderá ser a


não divisão da turma por níveis de desempenho, pois isto poderá
afetar a ação deste auxílio. Ou, caso sua turma não seja dividida
por desempenho – o que seria mais indicado – aproveitar que
os alunos com melhores desempenhos auxiliem os iniciantes ou
Então o que podemos fazer menos habilidosos na realização de tarefas. Há alunos que são
para construir uma equipe
com clima cooperativo nas bons em umas tarefas e outros em outra. O que se pode fazer é
aulas de educação física?
promover o trabalho num clima de unidade de grupo, para que
isso ocorra é preciso que haja ajuda mútua. De preferência sem
que haja recompensa para esta situação. Ou seja, alunos com
melhores desempenhos devem ter bons exemplos de ações altru-
ístas, para que gere um clima de cooperação no grupo. Por outro
lado, não devem demonstrar sua superioridade técnica, com ar-
rogância e orgulho aos outros, pois isto pode ocasionar um clima
competitivo e não pro-social.

Normalmente, as ações de altruísmo e empatia ocorrem


com o aumento da idade. Alunos mais novos tendem a se compa-
rar uns com os outros e não serem tão altruístas em seus relacio-
namentos. Estudos têm demonstrado que aulas que tenham clima
cooperativo os alunos auxiliam mais uns aos outros do que aulas
que tenham o estímulo exacerbado em serem competitivos.

202
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Portanto, desenvolver este clima cooperativo em aula tor-


na-se positivo para os relacionamentos em grupo.

6.4 A construção de uma Equipe

Após estudarmos sobre habilidades mentais, auto-regula-


ção e comportamentos prosociais, vamos utilizar estes pressupos-
tos e utilizá-los na construção de uma equipe coesa, cooperativa
e bem integrada. Para isto, algumas questões relativas às aulas,
comportamento do professor e dos alunos devem ser enfatizados
para que se consiga uma integração positiva do grupo.

O primeiro aspecto a ser discutido, trata-se de como de-


vemos elaborar as aulas. Elas devem ter questões que envolvam
aspectos de união, sacrifícios entre os alunos, metas de grupo e
comportamentos cooperativos para que se atinja a integração do
grupo. A seguir as definições e estratégias para se atingir cada
um dos pressupostos citados:

2)Sacrifícios:
quando alunos com
alto status fazem
1)União: quando os membros do
sacrifícios pelo
grupo são repetitivamente
em estreita grupo, a coesão
colocados
aumenta;
proximidade física, os
sentimentos
de coesão
aumentam; 3) Metas de grupo estão mais
fortemente associados com sucesso
da equipe do que metas individuais.
A participação dos membros no
estabelecimento de objetivos
contribui para aumentar a coesão;

4)Comportamento cooperativo e
não exageradamente competitivo: é
superior ao comportamento
individualista para o desempenho
individual e de grupo, além disso,
contribui para aumentar a coesão.

203
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Então o que o professor pode fazer para ajudar no comporta-


mento pro-social da aula?

a) Comunique-se efetivamente. Conversar com os alunos pode


demonstrar uma atitude cooperativa com o grupo.

b) Explique os papéis individuais no sucesso da turma. Demons-


tre que cada aluno tem sua importância dentro do grupo, que
ninguém é melhor que o outro, que se utilizarem o potencial de
cada um a turma obterá resultados positivos nas habilidades
sociais, não só das aulas de educação física, mas de outras
atividades propostas na escola ou mesmo fora dela. Aprende-
rão a reivindicar e trabalhar em unidade.

c) Estabeleça metas desafiadoras. Faça com que os alunos te-


nham prazer em superar seus limites e que percebam isto é
possível, nas várias áreas da vida deles.

d) Evite formação de “panelinhas”. A divisão da turma pode levar


a conflitos difíceis de serem solucionados (ver na aplicação do
sociograma, a seguir, como evitar isto).

e) Conheça o clima da turma e da escola, se tendem as ser coo-


perativos ou competitivos, podendo levar a agressão ou mes-
mo ao bullying.

Depois que você leu anteriormente quais as formas de se


trabalhar com os alunos, você pode parar um pouco e observar
algumas características dos tipos de professores. Com qual des-
tes dois você mais se identifica?

AUTORITÁRIO DEMOCRÁTICO

Não gosta de risos; Ouve os alunos antes de tomar uma decisão
referente ao grupo;
Extremamente disciplinado;
Deixa os alunos manifestarem suas opiniões sem
Medidas punitivas ;
ou interrompê-los e as pondera;
Mantém distância dos alunos;
Respeita a todos sem discriminação qualquer;
o coletivo;
Fala somente com
Flexível na elaboração do programa da disciplina;
Cumpre rigidamente os programas;
de vista; Convence os alunos do que será melhor para todos;

Critica outros pontos
Utiliza ameaças para motivar os alunos. Trabalha a unidade do grupo .

204
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Agora que você refletiu sobre o tipo de professor que você


mais se identificou, descrevemos abaixo quais as atitudes que
podem ser trabalhadas na turma para levar as habilidades sociais
do grupo:

Pela escuta:
Apoio pessoal: é escutar o outro sem
a percepção que dar conselho ou
se tem de que julgamento.
outra pessoa está Apoio emocional:
fornecendo serviços oferecer apoio,
ou ajuda sem querer indicando que ele
tirar proveito da ou ela está do lado
situação do colega.

ATITUDES QUE
PODEM SER
Desafiador da tarefa: é a
TRABALHADAS Emocionalmente
percepção de que outra desafiador: desafiar
pessoa está desafiando a os alunos na
forma de pensar de quem execução de novas
recebe o apoio acerca de uma tarefas.
tarefa ou de uma atividade
Confirmação da
a fim de instigar, motivar e
Reconhecimento da realidade: demonstrar
levá-lo a maior criatividade,
tarefa: reconhecer ao colega que você
excitação e envolvimento.
o esforço do outro vê a vida da mesma
durante a execução forma daquele que
de tarefa. recebe o apoio.

6.5 Exemplos de Avaliações de Grupo

Neste subitem mostramos


como analisar a formação de uma
turma. Deve-se realizar no míni-
mo três perguntas e depois fazer,
numa folha de papel as ligações
entre os componentes da turma.
Com isso, podemos avaliar se há
“panelinhas”, quais os alunos mais
queridos e os preteridos.

205
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

SOCIOGRAMA Observamos na figura ao lado que


Carlos e Fernando foram os mais escolhi-
Com quem não gosta dos do grupo.
de jogar? Podemos observar na ilustração
abaixo, que Junior é o mais escolhido para
Júnior
Juni or José jogar, que Mário e Fernando estão isolados
Carlos
do grupo, que há alunos que não foram es-
colhidos.
Fernando Sandro


Mári o Feli pe João

Com quem prefere jogar?

Juni or Fernando
Fernando
João


Mári o
Feli pe


Sandro José Carlos


Com quem gosta mais de conversar
após a aula?

João Junior
Fernando
Fernando

Observamos na ilustração ao

Mário lado que João e Júnior foram os mais
Felipe escolhidos do grupo.

Sandro Carlos
José

206
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Hora de praticar
Quais são as situações que levam uma turma de sua escola a atitudes pro-sociais? Explique e
justifique sua resposta, tendo como referência os textos estudados nesta unidade.

Habilidades emocionais to mental e relaxamento, auxiliam nas ha-


podem ser desenvolvi- bilidades mentais dos alunos e atividades
das nas aulas de educa- que promovam ajuda mútua nas aulas - de
ção física, por meio de alunos com maior habilidade em relação
aos com menos habilidades - promovem a
treinamentos dos profes-
cooperação do grupo e conseqüentemente
sores. Sendo as aulas expositivas, alunos
a formação de uma equipe coesa, unida.
podem sentir-se envergonhados de de-
monstrarem seus desempenhos. Para isto, Portanto, caberá ao professor de
o professor de educação física, deverá educação física usar ferramentas das ha-
bilidades emocionais e mentais adequadas
criar um ambiente em que as habilidades
à promoção de um clima de coesão, coo-
mentais possam ser as ferramentas para
peração e pro-social na adesão às aulas
a construção de uma turma que promova
por parte dos alunos.
ações prosociais. Exercícios de treinamen-

207
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 6 DESENVOLVIMENTO DAS HABILIDADES SOCIAIS NO CONTEXTO DE AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

208
PSICOLOGIA
PSICOLOGIA DA
DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO
UNIDADE 7 ESTABELECIMENTO DE OBJETIVOS E ORIENTAÇÃO ÀS METAS EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

UNIDADE 7
Estabelecimento de Objetivos e
Orientação às Metas em Aulas de
Educação Física Escolar

O objetivo desta Unidade é relacionar o estabelecimento de objetivos e as orien-


tações às metas em aulas de educação física escolar.

Objetivos
Após a leitura desta Unidade você será capaz de:
estabelecer objetivos aplicados à aulas de educação física escolar;

identificar às orientações às metas ego e tarefa no contexto de aulas de educação


física escolar;

diferenciar situações em aulas que ocorram auto-superação e comparação social;

descrever ambientes de satisfação, divertimento e interesse intríseco em aulas de


Educação Física escolar.

209
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 7 ESTABELECIMENTO DE OBJETIVOS E ORIENTAÇÃO ÀS METAS EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

7.1 Estabelecimento de Objetivos

Um dos primeiros estudos sobre estabelecimentos de ob-


jetivos descreve que estes são utilizados para expressar o nível
de desempenho numa tarefa que uma pessoa espera atingir no
futuro (Magill, 1984, p. 255). Para Lewin (1935) existem dois tipos
de objetivos: os objetivos ideais, que são os objetivos finais, isto é
o que o indivíduo deseja atingir como resultado final na execução
de uma determinada tarefa. Para ele, os objetivos finais ou ideais
são um grande fator motivacional para que o indivíduo continue
a manter um determinado padrão de desempenho, segundo os
quais vai sendo avaliado por si mesmo e por seu professor, apri-
morando assim a execução de determinada habilidade.

Estudos atuais descrevem que as metas devem ser espe-


cíficas, mensuráveis, ajustáveis, realistas, temporais e criativas.

1. Específicas. Os alunos devem saber com clareza as metas es-


tabelecidas pelo professor e que estes, estejam de acordo com
os desafios que foram estabelecidos a eles;

2. Ajustáveis. Caso haja necessidade de ajustes em relação às


metas, devem ser realizados, para que não se tenha metas fora
do contexto das aulas;

3. Mensuráveis. As metas devem ser mensuráveis, ou seja, me-


didas e estabelecidas aonde se quer chegar e quais as
estratégias para se superar os limites. Para isso deve-se medir
o desempenho do aluno no início, para que se estabeleça es-
tratégias de superação;

4. Realistas. Não adianta estabelecer metas impossíveis de se-


rem atingidas, pois desmotiva o aluno. Por outro lado, como
serão ajustáveis, pode-se ao longo do processo estabelecer
metas que requeiram maior ou menor esforço do aluno, confor-
me resultados que venham apresentando ao longo do ano;

210
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 7 ESTABELECIMENTO DE OBJETIVOS E ORIENTAÇÃO ÀS METAS EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

5. Temporais. Deve-se estabelecer metas de curto, médio e lon-


go prazo e ajustá-las sempre que possível. Para se atingir o
longo prazo, as metas de curto e médio prazo deverão estar
ajustadas às metas de longo prazo;

6. Criativas. Mesmo tendo os 5 fatores descritos anteriormente, é


essencial que o professor seja criativo na elaboração de metas
dos educandos. Elaborando metas que explorem todo o poten-
cial que leve ao desafio, superação e criatividade do aluno na
execução de tarefas.

7.2 Orientação às Metas

Para a realização destes objetivos, o caminho, a intencio-


nalidade para esta realização, denominamos de Metas de Reali-
zação ou Metas de Conquista. As orientações às metas, são eixo
fundamental das disposições do indivíduo para esta Realização
e/ou Conquista dos objetivos pessoais.

Dentro do contexto de Metas de Realização Nicholls (1984,


1989) descreve que existem duas concepções de habilidade.
Quando o sujeito está tentando produzir um alto nível de domínio
por meio de sua percepção da habilidade, esta orientação às me-
tas relaciona-se com a auto-superação do indivíduo e leva à reali-
zação de um comportamento em que o aprendizado e a realização
das tarefas são preponderantes. Com isto, a percepção da habili-
dade pelo aluno é fator essencial para a melhoria do aprendizado.

O sucesso ou fracasso são dependentes da avaliação do


aprendizado ou da melhora na execução de uma tarefa. Denomi-
na-se esta concepção de habilidade de orientação para a tarefa
(NICHOLLS, 1989,1992).

A segunda concepção de habilidade é baseada em com-


parações do âmbito social, onde o aluno julga sua capacidade
relacionando-a ao que os outros estão desempenhando. Esta
orientação leva à realização de comportamentos em que a com-

211
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 7 ESTABELECIMENTO DE OBJETIVOS E ORIENTAÇÃO ÀS METAS EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

paração com os outros é um dos fatores preponderantes, levando


as pessoas que estão altamente orientadas a esta variável de
atitudes extremamente competitivas.

Sendo assim, as percepções de habilidade são normativas


e referenciadas por meio dos critérios das habilidades dos outros.
Sucesso ou fracasso dependem da habilidade e rendimento dos
outros e esta comparação torna-se preponderante no estabeleci-
mento de objetivos e orientação às metas. Para esta orientação
às metas dá-se o nome de orientação para o ego (NICHOLLS,
1989,1992). 

7.3 Satisfação, Divertimento e Interesse


Intrínseco

Alunos tendem a permanecer em atividades que sejam di-


vertidas, prazerosas e pelas quais sentem interesse intrínseco.
Pesquisas (GOULART, 2007) mostram que tentar se auto-superar
a cada exercício proposto pelo professor, ter persistência e se es-
forçar ao invés de ficar apenas se comparando aos outros na rea-
lização de exercícios leva os alunos a maior motivação intrínseca
durante as aulas.

Esta diferenciação entre auto-superação e comparação so-


cial é definida por orientação ao ego quando o aluno se compara
socialmente a outro colega e orientação à tarefa quando tenta se
auto-superar na prática de exercícios. Na realidade, estas duas
características são ortogonais entre si e ocorrem ao mesmo tem-
po numa pessoa. Ou seja, pode-se ser ao mesmo tempo altamen-
te orientado ao ego e baixo a tarefa e vice-versa, ou mesmo alta-
mente ou pouco orientado ao ego e a tarefa (NICHOLLS, 1984).

O nível elevado de orientação à tarefa é atribuído ao esfor-


ço, ao trabalho duro, persistência e ao aprendizado. O aluno tem
como parâmetro o seu próprio rendimento, está focado em suas
habilidades e não as compara com os outros companheiros e/ou

212
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 7 ESTABELECIMENTO DE OBJETIVOS E ORIENTAÇÃO ÀS METAS EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

adversários. O nível baixo de orientação à tarefa leva à ausência


de esforço, de persistência e não se preocupa com o aprendiza-
do, pois faz as tarefas com displicência.

Com um nível elevado de orientação ao ego, o aluno joga


sempre se comparando aos seus companheiros e/ou adversá-
rios. O seu parâmetro de desempenho não está em si, em tentar
se superar, mas na preocupação constante com o nível de ren-
dimento dos outros. Além disso, não se interessa pela prática
dos exercícios, mas com o jogo, pois quer mostrar a todos como
ele é excepcional e melhor que todos. Acredita que não precisa
fazer exercícios, pois quem é ‘bom’ não precisa fazer as tarefas.
Muitas vezes se julga ‘esperto’. Por outro lado, se não consegue
ter este rendimento excepcional, prefere ficar fora, pois para ele
é vergonhoso, humilhante não mostrar um bom desempenho em
público. O nível baixo de orientação ao ego leva o aluno à apatia
e desinteresse durante a execução de tarefas.

Para uma melhor compreensão da nomenclatura, a orientação ao ego


relaciona-se com a meta para o resultado, estrutura de recompensa com-
petitiva e comparação social; a orientação à tarefa relaciona-se com a
meta para aprendizado, meta para o aumento da competência, meta de
processo, meta para o domínio de uma tarefa, estrutura de recompensa
cooperativa, desejo de aprender novas habilidades, executar com maes-
tria e qualidade as tarefas, entender novas situações de aprendizagem e
humildade e cooperação durante o aprendizado de novas habilidades.

Segundo Dweck (2000, 2006), as duas orientações são


normais, universais e podem ocorrer com qualquer pessoa. Am-
bas podem ser o combustível da realização de objetivos. Todos
querem ser capazes de realizar bem suas habilidades e suas
realizações pessoais, além de desenvolverem suas competên-
cias e conhecimentos. Não há nada de errado quando se tenta
encontrar o caminho para atingir suas metas pessoais. Sendo
assim, as duas orientações devem ser analisadas dentro de um
determinado contexto, não devendo uma ser considerada mais
relevante em detrimento da outra.

213
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 7 ESTABELECIMENTO DE OBJETIVOS E ORIENTAÇÃO ÀS METAS EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

O professor altamente orientado ao ego entende que alu-


nos nascem com talento, não sendo necessário o aprendizado de
novas habilidades ou, então, tendem a comparar o desempenho
dos alunos em aula. Por outro lado, os professores orientados à
tarefa, tendem a fornecer feedback (reforço) positivo durante a
prática de tarefas, estimula exercícios que levam a maior persis-
tência e desafio dos alunos. Na realidade, as duas orientações
são importantes, mas a orientação à tarefa deverá sempre ser
superior em estímulos do que a orientação ao ego, para que se
tenha um clima favorável à motivação intrínseca nas aulas de
educação física.

Então, como fazer para estimular o divertimento, a satisfa-


ção e o interesse intrínseco? Várias atitudes podem ser tomadas
a partir do professor, citaremos algumas a seguir:

por meio da elaboração de tarefas criativas e diversificadas, ou


seja, não ser repetitivo nos exercícios ao longo do ano. Para
isso busque livros, converse com colegas, pesquise para que
sua aula seja mais interessante e enriquecedora de conteú-
dos;

evitar a comparação de atributos físicos e/ou no desempenho


durante a execução de um exercício ou durante um jogo. Por-
tanto, observe se ao pedir para os meninos tirarem a camisa,
na divisão de um time não gera comparação social nos atribu-
tos físicos. Caso traga constrangimento, divida o time em cores
ou utilize outro recurso;

impedir apelidos pejorativos e xingamentos entre os colegas de


turma. Isto mostra a todos que você se interessa e preza pelo
respeito mútuo;

estimular um ambiente cooperativo entre o grupo: alunos mais


habilidosos auxiliando os menos, com isso mostrar que sem-
pre há o que se aprender com o colega, que cada um tem seu
papel importante no grupo, que juntos obterão um excelente
resultado e que não existe ninguém que seja bom em tudo na
vida.

214
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 7 ESTABELECIMENTO DE OBJETIVOS E ORIENTAÇÃO ÀS METAS EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

Com isso, a possibilidade que os alunos se divirtam duran-


te as aulas aumenta e torna-se fator fundamental para manter a
satisfação, o divertimento e, conseqüentemente, o interesse in-
trínseco e a aderência pela prática de exercícios por toda a vida.

Hora de praticar
Tendo como base os estudos desta unidade, estabeleça metas individuais e coletivas, ou seja,
para que os alunos a cumprarm individualmente (dê como exemplo pelo menos 5 alunos de
sua turma, que tenham metas diferenciadas) e para a turma como um todo.

Estabelecer objetivos é na-se com a auto-motivação intrínseca,


uma das formas para o envolvimento com desafios, persistência
professor de educação em dificuldades. Tentam superar obstá-
física organizar e elabo- culos, permanecem mais tempo na ativi-
rar suas aulas. Para isto, dade, demonstram expectativas elevadas
o aluno deverá conhecer quais os objeti- de sucesso e predispõe-se a novos desa-
vos estabelecidos pelo professor e estar fios. Por outro lado, a orientação ao ego
de acordo com eles. Mas, para que estes relaciona-se com a motivação extrínseca,
objetivos sejam alcançados, o caminho, a evitam desafios, desistem frente à dificul-
intenção do aluno, os impulsos para a rea- dades encontradas, dedicam-se pouco
lização estão relacionados ao que chama- tempo na atividade, evidenciam dificul-
mos de orientação às metas. dades, demonstram expectativas baixas
As orientações às metas são deno- quanto ao sucesso, preferem atividades
minadas de orientação à tarefa e orienta- que conhecem e acreditam que os mais
ção ao ego. A orientação à tarefa relacio- habilidosos nasceram talentosos.

215
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 7 ESTABELECIMENTO DE OBJETIVOS E ORIENTAÇÃO ÀS METAS EM AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA ESCOLAR

216
PSICOLOGIA
PSICOLOGIA DA
DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO
A IMPORTÂNCIA DO CLIMA MOTIVACIONAL E PERCEPÇÃO DO CONCEITO DE HABILIDADE PARA OS
UNIDADE 8 DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

UNIDADE 8
A Importância do Clima Motivacional e
Percepção do Conceito de Habilidade para os
Diferentes Aspectos do Desenvolvimento e da
Aprendizagem no Contexto Escolar

Nesta Unidade iremos entender mais sobre os processos motivacionais e as suas


influências em aulas de Educação Física. A partir do momento que o professor tenha
consciência que seus comportamentos e atitudes podem influenciar diretamente na ade-
são dos alunos pela sua aula, poderá levar a um clima favorável a maior cooperação dos
alunos na execução de tarefas elaboradas por ele.

Objetivos
Sendo assim, após o término desta Unidade, esperamos que você seja capaz de:
classificar o clima motivacional orientado à tarefa e orientado ao ego em relação à
percepção que os alunos têm do professor em aulas de Educação Física;

interpretar a autodeterminação (desmotivação, motivação intrínseca e extrínseca) dos


alunos durante as aulas ministradas;

elaborar metas realistas para as aulas de Educação Física. Traçar estratégias para
alcançá-las e criar formas para o agenciamento delas;

analisar as orientações às metas dos alunos de Educação Física, seja voltado para o
ego, ou seja, orientado para a tarefa;

relacionar os processos motivacionais com a prática das aulas de Educação Física.

217
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
A IMPORTÂNCIA DO CLIMA MOTIVACIONAL E PERCEPÇÃO DO CONCEITO DE HABILIDADE PARA OS
UNIDADE 8 DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

8.1 Clima Motivacional

Alguns estudos têm demonstrado que os comportamentos


do professor nas aulas de educação física interferem diretamente
no clima motivacional dos alunos (AMES, 1992) ou seja, na moti-
vação dos alunos pelas aulas ministradas por seus professores.

A premissa básica desta perspectiva parte do princípio que


a natureza das experiências individuais e a forma como o aluno
as interpreta influenciam no grau de sua escolha: o ego e a tarefa
que são salientadas e percebidas por ele dentro de um determi-
nado contexto, sejam na escola, na atividade física ou no esporte
Denomina-se a
orientação ao ego (ROBERTS, 2001).
quando o aluno percebe
que o seu professor, Baseado nas interações com o professor, o aluno pode ter
para atingir os objetivos uma tendência para escolha do clima orientação para o ego ou
propostos em aula,
estabelece um clima de para a tarefa.
comparação social, ou
então que cada aluno Portanto, denominamos clima motivacional a influência do
nasce com o talento para
determinada habilidade. meio ambiente sobre a sua escolha da percepção motivacional do
Denomina-se orientação
aluno, a qual se denomina orientação ao ego e orientação à tarefa.
à tarefa quando o
professor estimula os
alunos a superarem suas
dificuldades por meio dos Você orienta os seus alunos mais
exercícios propostos em para o ego ou para a tarefa?
aula.
Como você percebe que estas
diferenciações ocorrem frente a
diferentes situações?

Os professores exercem grande influência sobre os jovens


por meio de constante interação, contribuindo com moral, valores,
atitudes e crenças para a sua formação, sendo assim torna-se
importante que este professor saiba que clima deverá estar pre-
valecendo em suas aulas.

Para isto relacionamos alguns aspectos que você, pro-


fessor deverá trabalhar para estimular um clima motivacional
adequado em suas aulas de Educação Física. Tomamos por
base os estudos de Epstein (1988, 1989, apud Treasure, 2001,
p. 89), que indicam seis aspectos: 1) Tarefa; 2) Autoridade; 3)

218
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
A IMPORTÂNCIA DO CLIMA MOTIVACIONAL E PERCEPÇÃO DO CONCEITO DE HABILIDADE PARA OS
UNIDADE 8 DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

Reconhecimento; 4) Grupo; 5) Avaliação; e 6) Temporalidade.


Vejamos, a seguir, cada um desses aspectos.

1- Tarefa

O elemento fundamental na atividade física é descrição da tarefa, a série


de exercícios propostos e o processo de aprendizagem da habilidade.
Pesquisas têm demonstrado que a aplicação de variedade e diversidade
na elaboração das tarefas facilita o interesse pelo aprendizado e níveis
adequados de clima de orientação ao ego e à tarefa.

Quando os alunos gostam e se divertem na prática de exer-


cícios ganham novas habilidades e demonstram maior disposição
e motivação em realizar o exercício proposto. Além disso, a partir
do momento que melhoram a percepção da habilidade, evoluem
em sua avaliação pessoal.

Além disso, as tarefas têm os componentes sociais, pois são


normalmente organizadas dentro de um contexto de grupo. O pro-
fessor que trabalha com interações cooperativas de grupo, em suas
aulas, não promoverá comparações sociais e também não criará
um clima de competitividade entre os alunos da mesma turma.
Abaixo, descrevemos o Quadro 1 da estrutura proposta por
Epstein (id.), reformulada para os construtos da orientação ao ego
e tarefa, por Biddle (2005).
Quadro 1: Descrição das estruturas de alto nível de clima motivacional orientado ao ego
e à tarefa:

Tarefas Autoridade Reconhecimento Grupo Avaliação Tempo

Desafio e Participação Baseado na Aprendizado Maestria Ajuste nas


diversidade nas melhoria baseado na da tarefa habilidades
Orientação na execução escolhas e individual; cooperação e melhora pessoais.
à Tarefa de tarefas; papéis de e promoção individual;
liderança de interação
dos alunos; do grupo;

Ausência de Não Baseado na Formação Baseado Aprendizado


variedade e participação comparação com da equipe em vencer uniforme
desafios na na tomada outros alunos; baseado nas ou ter um para todos os
Orientação elaboração de decisões; capacidades desempenho alunos.
ao Ego de tarefas; motoras; superior aos
outros;

219
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
A IMPORTÂNCIA DO CLIMA MOTIVACIONAL E PERCEPÇÃO DO CONCEITO DE HABILIDADE PARA OS
UNIDADE 8 DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

2- Autoridade

A responsabilidade pelo aprendizado freqüentemente é de-


finida pelo grau de comprometimento do professor na orientação
da autonomia dos alunos durante as aulas ministradas. Apesar de
o professor ter a autoridade, deve-se ensinar ao aluno a autono-
mia durante a execução de tarefas.

O professor deverá direcionar seus conteúdos para que o


aluno tenha mais autonomia em aulas e não o conteúdo totalmen-
te centrado no professor. Para isto, o professor não será o centra-
lizador de todas as atividades, mas aquele que orienta o aluno a
ter mais autonomia na escolha das atividades propostas.

Então, o professor deverá observar se o aluno escolhe ati-


vidades muito difíceis ou muito fáceis, se desiste facilmente ou se
terá medo do fracasso. Todas estas situações se referem a um
resultado de desânimo pela prática da atividade.

3- Reconhecimento

A utilização de recompensas e incentivos são formas utili-


zadas freqüentemente para recompensar os alunos pelos desem-
penhos e/ou comportamentos alcançados. Porém, é uma ação
desafiadora, que merece cuidados, pois recompensar um aluno

Você já adotou na frente de outros pode ocasionar falta de motivação para alguns.
o sistema de Por isto, o mais adequado é incentivar um aluno isoladamente do
recompensa e grupo. Bem, essa atuação pode ser uma forma de motivação. Por
incentivos? O que
outro lado, a recompensa e o
aconteceu?
incentivo podem ocasionar a
falta de motivação, caso sejam
aplicados em um mesmo grupo
em que os objetivos e habilida-
des sejam diferenciados entre
eles. Caso haja uma diferença
grande entre eles, isto poderá
transformar-se em um clima de
comparação social.

220
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
A IMPORTÂNCIA DO CLIMA MOTIVACIONAL E PERCEPÇÃO DO CONCEITO DE HABILIDADE PARA OS
UNIDADE 8 DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

Normalmente, a recompensa ocorre em um ambiente público e demonstra


um clima de comparação social. Portanto, as recompensas não devem gerar
um clima de comparação social mas atribuir o resultado a todo o grupo que
participou cada um a seu modo, da tarefa, ou desafio proposto pelo professor.

4- Grupo
O conceito de
Estruturas de grupos normalmente fazem com que os jo- empatia já
vens se interessem por colegas do mesmo grupo e integrem-se a foi trabalhado
ele, ou afastem-se quando não existe empatia pelo grupo. Essas antes? Em outras
disciplinas?
estruturas são formas importantes, pois por meio delas formam-
se ambientes que resultam em: aproximação - afastamento, união
- aborrecimento.

E o que isso significa? Bem, o grupo fornece um ambiente


rico de interações sociais, no qual se manifesta a personalidade
e as disposições pessoais. Esta interação pode resultar em algo
positivo para o aluno quando ele sente motivação, satisfação e
interesse em estar com o grupo; ou pode ser negativo, quando
ele se sente aborrecido e desmotivado por fazer parte do grupo.
Portanto, o ambiente deverá proporcionar um clima motivacional
que tenha resultados positivos para que o aluno tenha interesses
intrínsecos em continuar a participar dele.

Muitas vezes, os professores gastam mais tempo


em instrução, oportunidades, encorajamento e atenção
para os grupos dos mais habilidosos. Sendo assim, co-
locar jovens em grupos muito homogêneos pode gerar
comparações de habilidades e isso pode não ser muito
positivo para o grupo.

Por outro lado, promover movimentação entre grupos, evi-


tando que se criem pequenos grupos fechados, valorizando a he-
terogeneidade e a variabilidade entre eles, promoverá um clima
motivacional cooperativo, cujos resultados podem trazer estímulo
frente às tarefas difíceis, com o auxílio dos demais e não somente
do professor e auto-superação.

221
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
A IMPORTÂNCIA DO CLIMA MOTIVACIONAL E PERCEPÇÃO DO CONCEITO DE HABILIDADE PARA OS
UNIDADE 8 DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

5-Avaliação

A motivação do aluno poderá diminuir se a avaliação ocor-


rer em termos normativos e no âmbito da comparação social. O
ideal é avaliar o aluno por meio da auto-referência, pois a avalia-
ção volta-se para um processo individualizado, com metas pesso-
ais e conseqüentemente irá gerar maior participação, comprome-
A auto-referência: timento, esforço e percepção da habilidade.
quando se estabelece
metas baseadas em seu Avaliar é medir o que foi ensinado para traçar estratégias
próprio desempenho,
para se auto-superar, e mais precisas de aprendizagem, fazendo com que o aluno saiba
não comparada a uma onde ele está, aonde quer e aonde pode chegar, mas principal-
norma estabelecida a
todos, ou comparativa a mente se auto-referenciando e não se referenciando a uma nor-
outros colegas da turma. ma ou critério.

6- Temporalidade

O tempo para se trabalhar um reforço durante um determi-


nado exercício, fazer a correção, chamar atenção, demonstrar um
gesto e outras atividades, está diretamente relacionado ao tempo
‘certo’ ou ao tempo mais adequado de fazerem-se intervenções
positivas com os alunos. Cada situação, cada aluno em seu ‘tem-
po’ e esta é uma das qualidades que o professor deverá desen-
volver: qual a hora certa de falar, de dar um feedback positivo de
iniciar uma nova etapa de aprendizado.

O professor em constante interação com o grupo e com


cada aluno poderá ter maior capacidade de saber escolher me-
lhor o ‘tempo’ de cada aluno e executar uma intervenção pedagó-
gica mais positiva com eles.

222
PSICOLOGIA DA EDUCAÇÃO
A IMPORTÂNCIA DO CLIMA MOTIVACIONAL E PERCEPÇÃO DO CONCEITO DE HABILIDADE PARA OS
UNIDADE 8 DIFERENTES ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO E DA APRENDIZAGEM NO CONTEXTO ESCOLAR

Hora de praticar
Agora, é com você! Vamos trabalhar com um estudo de caso.
Acompanhe um professor de Educação Física, de uma escola pública, com alunos da 5ª série do
ensino fundamental. Faça uma análise sistematizada do clima motivacional, descrevendo em
que momentos o professor estimula a comparação social e/ou a auto-superação dos alunos.
Quais os resultados que você pôde observar? Maior motivação ou desmotivação dos alunos no
clima apresentado pelo professor?

Após a leitura da Unidade balhar um clima motivacional mais ade-


podemos observar que o quado elaborando tarefas adequadas ao
clima motivacional é a desenvolvimento do aluno; comprometer-
forma com que o aluno se com a autonomia dos alunos durante as
percebe a motivação de aulas ministradas; estimular recompensas,
quando estas forem adequadas durante as
seu professor em aula. Este professor pode
aulas; desenvolver aspectos de coopera-
ser orientado para o ego e para a tarefa.
ção do grupo; avaliar de forma auto-refe-
Sabe-se que as formas de orientação à
renciada e não por meio de comparações
tarefa motiva mais os alunos à aderência à
sociais; estabelecer a temporalidade das
prática da atividade física. metas – curto, médio e longo prazos.
Por outro lado, há formas de se tra-

Palavra com aluno:

Com este conteúdo esperamos que você possa entender como os processos moti-
vacionais e o clima do professor interferem diretamente na aderência dos alunos e em sua
motivação pelas aulas de educação física.

Se ainda restou alguma dúvida, não continue: procure seu tutor, converse com os
seus colegas. Troque idéias e, com tudo esclarecido, siga em frente!

223
Glossário
Acomodação: é o processo de criação quemas já existentes.
de novos esquemas (ações e idéias) ou a Auto-referência: quando se estabelece
modificação de antigos esquemas. metas baseadas em seu próprio desem-
Ambiente: conjunto de influências e esti- penho, para se auto-superar, e não com-
mulações ambientais (ex: físicas, sociais parada a uma norma estabelecida a to-
e culturais) que altera os padrões de com- dos, ou comparativa a outros colegas da
portamento do indivíduo. turma.

Behaviorismo: do inglês, behavior que Centração: capacidade de lidar apenas


significa comportamento. com uma dimensão de cada vez.

Análise do comportamento: é uma abor- Clima motivacional: refere-se à percep-


dagem psicológica que busca compreen- ção que o aluno tem do ambiente que o
der as diferentes interações do indivíduo cerca: seus pais, o professor, os amigos,
com o ambiente e que se fundamenta na entre outros, e qual a influência motiva-
concepção filosófica do Behaviorismo cional que estes tentam impor sobre ele.
Radical, proposta por Skinner. Clima orientação a tarefa: percepção do
Análise funcional: relação de depen- aluno que o professor está orientando a
dência entre três elementos: a situação aula para um clima de cooperação, supe-
diante da qual o comportamento ocorre, o ração das dificuldades por meio de tare-
comportamento e as conseqüências que fas criativas e adequadas ao aprendizado
são produzidas em decorrência do com- do aluno, estimula a persistência e cria
portamento. ambientes de desafios para superação
de limites.
Aprendizagem: se refere à mudança do
comportamento em função das interações Clima orientação ao ego: percepção do
do indivíduo com o ambiente. As conse- aluno que o professor está orientando a
qüências que seguem o comportamen- aula para um clima de comparação social
to selecionam aqueles que continuarão entre os alunos, competitividade, vitória a
ocorrendo e os que deixarão de ocorrer. todo custo e premiação dos melhores da
turma.
Assimilação: é o processo cognitivo pelo
qual uma pessoa integra um novo dado Comportamento: é o que a pessoa faz,
perceptual, motor ou conceitual nos es-

224
Glossário
por isso é expresso por um verbo de ação. mologia de acordo com o qual a constru-
Pode se referir a uma ação diretamente ção do conhecimento ocorre a partir de
observável (ex: correr, arremessar uma bases anteriores, num processo dinâmico
bola e falar) ou a um comportamento que e reversível.
só a própria pessoa observa a sua ocor- Contingência: descreve uma relação fun-
rência, como por exemplo, pensar, lem- cional do tipo “se ..., então ...”: Se o com-
brar, imaginar; e mudanças fisiológicas portamento ocorrer em determinada condi-
(ex: batimentos cardíacos, transpirar). ção antecedente então as conseqüências
Condição: se refere a situação que esta serão apresentadas. Por exemplo: Quando
presente quando o comportamento ocor- o árbitro apita (marcação do pênalti), se
re. São, portanto, condições anteceden- determinada condição, quando este é ime-
tes. Pode envolver: estímulos (ex: objetos, diatamente seguido por certas conseqüên-
sons, imagens, instruções, local - sala de cias.
aula, escritório), o ambiente social. Egocentrismo: se refere ao estado cogni-
Conseqüências: eventos, estímulos, ou tivo em que o indivíduo vê o mundo apenas
o comportamento de outras pessoas que do seu ponto de vista, sem ter consciência
ocorrem após o comportamento ser emiti- de que outros pontos de vista existem.
do. Por exemplo: pontos, elogio, comentá- Empirismo: em grego, empeiria significa
rios apreciativos, oportunidade para fazer experiência, ou seja, o conhecimento é
um passeio, repreensão verbal, dentre adquirido por meio da experiência.
outros.
Epistemologia genética: teoria da ori-
Conservação: se refere ao conceito de gem ou gênese do conhecimento. Episte-
que a quantidade de uma matéria perma- mologia significa teoria do conhecimento.
nece a mesma apesar de variações em Genética: significa ênfase na gênese, ori-
dimensões irrelevantes. gem, e na evolução.
Constructos hipotéticos: são conceitos, Esquemas: os esquemas são padrões
abstrações. Podem ser inferidos a partir organizados de comportamentos. São es-
do comportamento observável. truturas mentais ou cognitivas pelas quais
Construtivismo: é um sistema de episte- os indivíduos se adaptam e organizam o
meio, essenciais para o sucesso na práti-

225
Glossário
ca da atividade física. Hereditariedade: características físicas
transmitidas pelos pais à descendência. A
Estágio: refere-se a um conjunto de pa-
carga genética estabelece o potencial do
drões comportamentais e de habilidades
indivíduo, que pode ou não desenvolver-
característicos de uma determinada idade
se em função das condições ambientais
ou fase do ciclo de vida do indivíduo.
em que o indivíduo nasce. Idéias, concei-
Evolução filogenética: diz respeito ao tos, palavras, que representam objetos,
desenvolvimento ou a história evolutiva eventos e situações do mundo externo.
de uma espécie.
Instrumento: é algo que pode ser utiliza-
Evolução ontogenética: diz respeito ao do para fazer alguma coisa.
desenvolvimento ou história de vida de
Interação social: pressupõe pelo menos
um organismo individual.
duas pessoas e o intercâmbio de infor-
Fase afetiva: está associada com o de- mações, conhecimentos e experiências,
senvolvimento da identidade (ou da per- tanto em termos qualitativos como quan-
sonalidade). titativos.
Fase cognitiva: está associada com o Marxismo: é um conjunto de idéias de
desenvolvimento da compreensão do origem filosófica, econômica, política e
mundo (ou cognitivo). social, proposto por Karl Marx e Friedri-
Funções psicológicas elementares: ch Engels, que interpreta a vida social
processos psicológicos elementares, tais conforme a dinâmica da luta de classes
como reflexos (ex: sucção), reações au- e prevê a transformação das sociedades
tomáticas (ex: movimento da cabeça em de acordo com as leis do desenvolvimen-
direção a um som estridente) e associa- to histórico de seu sistema produtivo.
ções simples (ex: evitar o contato com Maturação neurofisiológica: seqüências
uma chapa quente). de processos de crescimento e mudança,
Funções psicológicas superiores: são relativamente independentes dos eventos
aquelas que caracterizam o funcionamen- ambientais. Está relacionada com progra-
to psicológico humano: ações conscien- mas genéticos e o desenvolvimento neu-
tes, atenção voluntária, memória, pensa- rofisiológico.
mento e comportamento intencional. Mediação: envolve a inclusão de um novo

226
Glossário
elemento na relação entre dois elemen- estejam fora do campo visual da criança.
tos, ou seja, a relação entre os elementos Objetivo de ensino. especificação dos
não é direta. comportamentos que os alunos deverão
Modelagem: procedimento que consiste ser capazes de emitir ao término do pro-
no reforçamento diferencial de compor- cesso de ensino.
tamentos que se tornam cada vez mais Orientação à tarefa: a percepção da habi-
semelhantes ao comportamento definido lidade e a auto-superação são fatores es-
como o objetivo do ensino. senciais para a melhoria do aprendizado.
Motivação extrínseca: relacionada a fa- Orientação ao ego: a comparação social
tores externos à atividade. Promoção de e nascer com talento são fatores essen-
recompensa em eventos, prêmios, status ciais para o sucesso na prática da ativi-
social e elogios. Ela é um fator importan- dade física.
te, mas não deve ser altamente estimula-
Padrões normativos: pressuposto de
da, para que não gere frustrações, exces-
que os processos estudados pela psico-
so de competitividade. Relaciona-se com
logia do desenvolvimento são aplicáveis
orientação ao ego.
a todos os seres humanos ou a grandes
Motivação intrínseca: prazer pela ativida- grupos (membros de uma cultura num
de que pratica, valoriza o esforço, a persis- determinado momento), pais, professor,
tência, a superação de obstáculos. Os alu- o grupo de alunos), a comunidade e a
nos se sentem competentes e determina- cultura a partir de bases anteriores, num
dos para cumprir tarefas. Relaciona-se com processo dinâmico e reversível.
o aprendizado, com orientação à tarefa.
Psicologia cognitiva: abordagem da psi-
Nível de desenvolvimento potencial: é cologia que tem início na década de 50.
determinado pela realização de qualquer Estuda a forma como as pessoas perce-
tarefa com a ajuda de outra pessoa. bem, aprendem, recordam e pensam so-
Nível de desenvolvimento real: refere-se bre as informações.

ao que o indivíduo é capaz de fazer de forma Punição: se refere a apresentação de um


independente, sem nenhum tipo de ajuda. estímulo aversivo, ou a retirada de um re-
forçador positivo, imediatamente após o
Noção de permanência: noção de que
comportamento. Produz como efeito a di-
os objetos continuam a existir mesmo que
minuição da probabilidade futura de ocor-

227
Glossário
rência do comportamento. Reforçamento positivo: se refere a um
Reflexo: relação automática e previsível aumento na probabilidadede de um de-
entre um estímulo e uma resposta; é des- terminado comportamento, em uma de-
crito pela relação S-R; e envolve respos- terminada condição, quando este é ime-
tas fisiológicas a estímulos específicos. diatamente seguido por certas consen-
Exemplos: gotas de limão na língua - sa- quências.
livação; barulho estridente-taquicardia, Representação mental: imagem mental
sobressalto. (ex: visual, auditiva, tátil).
Reforçador positivo: eventos ou estímu- Signo: É algo que significa ou representa
los que quando são apresentados como outra coisa.
conseqüência do comportamento produ-
Zona de Desenvolvimento Proximal
zem como efeito o aumento na sua pro-
(ZDP): distância entre o nível de desen-
babilidade futura de ocorrência.
volvimento real e o nível de desenvolvi-
mento potencial.

228
Referências Bibliográficas
AMES, C. Classrooms: goal, structures, and student motivation. Journal of Educa-
tional Psycology. 84, 261-271, 1992.

ASPESI, C. C.; DESSEN; M. A.; CHAGAS, J. F. A ciência do desenvolvimento humano:


uma perspectiva interdisciplinar. In: Dessen; M. A; Costa Júnior, A. L. C. (Eds.). A ci-
ência do desenvolvimento humano: Tendências atuais e perspectivas futuras.
Porto Alegre: Artmed, 2005. p. 19-36.

Atkinson, R. L.; Atkinson, R. C.; Smith, E. E.; BeN, D. J. Introdução à psicolo-


gia. 11. ed. Porto Alegre: Artmed, 1995.

BIDDLE, S.. Psychology of Physical Activity: Determinants, Well-Being and Inter-


ventions. New York: Taylor and Francis/Psychology Press, 2005.

BOCK, A. M. B.; FURTADO, O; TEIXEIRA, M. L. T. Psicologias: uma introdução ao


estudo de psicologia. São Paulo: Saraiva, 2002.

CARRARA, K. Behaviorismo, análise do comportamento e educação. In: Carrara, K.


(Ed.). Introdução à psicologia da educação: seis abordagens. São Paulo: Aver-
camp, 2004, p. 109-133.

CERVELLÓ, E. & Santos-Rosa, F.J. (2001). Motivation in Sport: Na achievement


goal perspective in Spanish recreational athletes. Perceptual and Motor Skills,
92, 527-534. 

ChauÍ, M. Convite à Filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2003.

COLE, M.; COLE, S. R. O desenvolvimento da criança e do adolescente. Porto


Alegre: Artmed, 2004.

DE ROSE JUNIOR, D. A competição como fonte de estresse no esporte. Revista


Brasileira de Ciência e Movimento, Brasília, 10, (4 ), 26 , 2002. 

__________________.Esporte e atividade física na infância e na adolescência:


uma abordagem multidisciplinar. 1ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas 2002. 

__________________.Lista de sintomas de stress pré-competitivo infanto-juve-


nil. Revista Paulista de Educação Física, São Paulo, 12, (2), 123-133, 1998. 

__________________.Sintomas de stress no esporte infanto-juvenil. Treinamen-


to Desportivo, São Paulo, 3, (2), 2-20, 1997. 

229
Referências Bibliográficas

DUDA, J.L., Fox, K. R., Biddle, S. J. H., & Armstrong, N.   Children’s achievement
goals and beliefs about success in sport. British Journal of Educational Psychol-
ogy, 62, 313-323, 1992.  

EPSTEIN, J. Effective schools or effective students? Dealing with diversity. In:


R. Haskins y B. McRae (Eds.), Policies for America´s public schools. Norwood, NJ:
Ablex, 1988.

__________.Family structures and student motivation: A developmental perspec-


tive. In: C. Ames y R. Ames (Eds.), Research on motivation in education: Vol 3 (p.
259-295). New York: Academic Press, 1989.

FÁVERO, M. H. Psicologia e conhecimento: subsídios da psicologia do desenvol-


vimento para a análise de ensinar e aprender. Brasília: Editora UnB, 2005.

GALVÃO, I. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil.


16. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.

GOODWIN, C. J. História da psicologia moderna. São Paulo: Cultrix, 2005

GOULART. C. Motivação e esporte: uma intervenção nas metas de realização em


jovens atletas. Tese de Doutorado, Universidade de Brasília, Brasília, 2007. 

HENNEMAN, R. H. O que é psicologia. 22. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.

Hockenbury, D. H.; Hockenbury, S. E. Descobrindo a psicologia. 2. ed. São


Paulo: Manole, 2003.

HOM, H., Duda, J.L., & Miller, A. Correlates of goal orientations among young ath-
letes. Pediatric Exercise Science, 5, 168-176, 1993.  

KARASEK, R., Russell, R. & Theorell, T. Physiology of stress and regeneration in


job related cardiovascular illness. Journal of Human Stress, 1 (8), 1982. 

LUNA, S. V. Contribuições de Skinner para a educação. In: Placco, V. M. N. S. (Ed.).


Psicologia e Educação: revendo contribuições. São Paulo: EDUC, 2002, p. 145-
179.

MAHONEY, A. A.; Almeida, L. R. Wallon: Psicologia e Educação. 7. ed. São Paulo:


Loyola, 2007.

MARTIN, G. L. Consultoria em psicologia do esporte: Orientações práticas em


análise do comportamento. Campinas: Instituto de Análise do Comportamento,
2001.

MATOS, M. A. Análise de contingências no aprender e no ensinar. In: Alencar, E. S.


(Ed.). Novas contribuições da psicologia aos processos de ensino e aprendi-
zagem. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1995, p. 141-65.

230
Referências Bibliográficas

MATOS, M. A. Behaviorismo metodológico e suas relações com o mentalismo e o


behaviorismo radical. In: BANACO, R. A (Ed.). Sobre comportamento e cognição:
aspectos teóricos e metodológicos e de formação em análise do comporta-
mento e terapia cognitivista. v. 1. São Paulo: Arbytes, 1997. p. 54-67.

MCGRATH, J.E. Major methodological issues. In: J.E. McGrath (Ed.). Social and
psychological factors in stress (p. 19-49). New York: Holt, Rinehart & Winston,
1970.

MELLO, S. A. A escola de Vygotsky. In: Carrara, K. (Ed.). Introdução à psicologia da


educação: seis abordagens. São Paulo: Avercamp, 2004. p. 135-155.

MOREIRA, M. A. Teorias de aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999.

MUSSEN, P. H., CONGER, J. J., KAGAN, J.; HUSTON, A. C. Desenvolvimento e per-


sonalidade da criança. São Paulo: Harbra, 1988.

NICHOLLS, J. G. Achievement  motivation: Conceptions of ability, subjective ex-


perience, task choice, and performance. Psychological Review, 91, 328-346,
1984.  

OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento - um processo histó-


rico. 4. ed. São Paulo: Scipione, 1997.

PALÁCIOS, J. Psicologia evolutiva: conceito, enfoques, controvérsias e métodos.


In: COLL, C.; MARCHESI, A.; PALÁCIOS, J. (Eds.). Desenvolvimento psicológico
e educação: psicologia evolutiva. v.1, 2.ed. Porto Alegra: Artmed, 2004. p. 13-52.

PIAGET, J. A equilibração das estruturas cognitivas: problema central do desen-


volvimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

________.O juízo moral na criança. São Paulo: Summus, 1994.

________.Seis estudos de psicologia. 23. ed. São Paulo: Forense Universitária,


1998.

REGO, T. C. Vygotsky: uma perspectiva histórico-cultural da educação. Rio de


Janeiro: Vozes, 1995.

ROBERTS, G. C. Advances in motivation in sport and exercise: conceptual con-


straints and convergence. In: G. C. Roberts (Ed.) Advances in motivation in sport
and exercise (p. 1-50). Champaign, IL: Human Kinetics, 2001.

SIDMAN, M. Coerção e suas implicações. São Paulo: Editorial Psy, 1995.

231
Referências Bibliográficas

SKINNER, B. F. Ciência e comportamento humano. 5. ed. São Paulo: Martins Fon-


tes, 1981.

____________.Selection by consequences. Science, v. 213, n. 31, p. 501-504, 1981.

____________.Tecnologia do ensino. São Paulo: EPU, 1972.

STERNBERG, R. J. Psicologia cognitiva. Porto Alegre: Artmed, 2000.

STODDARD, L. T.; DE ROSE, J. C; MCILVANE, W. J. Observações curiosas acerca do


desempenho deficiente após ocorrência de erros. Psicologia, v. 12, p. 1-18, 1986.

VARGAS, J. S. Formular objetivos comportamentais úteis. São Paulo: EPU, 1972.

VEGA, J. L., BUENO, B., BUZ, J. Desenvolvimento cognitivo na idade adulta e na ve-
lhice. In: Desenvolvimento psicológico e educação: psicologia evolutiva. v. 1, 2.
ed. Porto Alegre: Artmed, 2004. p. 389-403.

Vygotsky, L. S. A formação social da mente. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,


1991.

Vygotsky, L. S. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 10. ed. São Paulo:


Ícone, 2006.

WADSWORTH, B. J. Inteligência e afetividade da criança na teoria de Piaget. 4. ed.


São Paulo: Pioneira, 1996.

WEINBERG, R. & Gould, D. Fundamentos da psicologia do esporte e do exercício.


Porto Alegre: Artmed Editora, 2001.

______________________.Fundamentos da psicologia do esporte e do exercí-


cio. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2006.

ZANOTTO, M. L. B. Subsídios da Análise do Comportamento para formação de pro-


fessores. In: Hübner, M. M. C.; Marinotti, M. Análise do Comportamento para a
educação: Contribuições Recentes. Santo André: Esetec, 2004, p. 33-48.

232
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

FUNDAMENTOS
SÓCIO-FILOSÓFICOS
DA EDUCAÇÃO
FÍSICA

233
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

234
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO
UNIDADE 1 FÍSICA
A FILOSOFIA

Sobre os autores
Prof. Elvio Marcos Boato
Professor da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal,
lotado atualmente no Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais
e do curso de Educação Física da Universidade Católica de Brasília.
Atua no Ensino Especial desde 1987 e na graduação em Educação Física,
Pedagogia, Letras e Turismo, desde 1996, além de trabalhar com cursos
de pós-graduação nas áreas de Educação Física, Educação e Saúde.

Prof. Ivanor Ranzi


Professor do Colégio Marista Champagnat de Taguatinga-DF, coordena
o Setor de Educação Física e Esportes e leciona no curso de Educação
Física da Universidade Paulista de Brasília (UNIP).

Muito prazer!

Somos amigos, professores de Educação Física e construímos essa disciplina juntos.

Eu, Prof. Elvio Marcos Boato, sou professor da Secretaria de Estado de Educação
do Distrito Federal, lotado atualmente no Centro de Ensino Especial de Deficientes Visuais
e do curso de Educação Física da Universidade Católica de Brasília.

Venho atuando no Ensino Especial desde 1987 e como professor na graduação em


Educação Física, Pedagogia, Letras e Turismo, desde 1996, além de trabalhar com cursos
de pós-graduação nas áreas de Educação Física, Educação e Saúde.

Tenho verdadeiro encantamento pelo trabalho com pessoas deficientes e, atuando


nessa área, tenho procurado incessantemente me aprofundar no estudo da Filosofia da
Educação e sobre as questões sócio-culturais envolvidas com a Educação Física e a prá-
tica esportiva.

235
Neste trabalho, escrevi as Unidades 1 e 3 esperando que sua leitura seja um in-
centivo para a continuidade dos estudos da área.

Junto com o Prof. Ivanor, espero estar com vocês construindo um olhar crítico sobre
a Educação Física a partir da reflexão proposta nessa disciplina.

Grande abraço!

Eu, Prof. Ivanor Ranzi, sou professor do Colégio Marista Champagnat de Tagua-
tinga-DF, onde coordeno o Setor de Educação Física e Esportes. Além disso, leciono no
curso de Educação Física da Universidade Paulista de Brasília (UNIP). Entre as discipli-
nas trabalhadas, encontra-se a de Fundamentos Filosóficos e Sócio-históricos da Edu-
cação Física. Desenvolvo estudos na área da Educação Física Escolar e na Educação e
Cultura.

Durante anos dedicados à formação de cidadãos na área educacional, desde a


Educação Infantil à Educação Superior, a convicção do papel do educador perante essa
missão só vem crescendo. Os desafios são constantes! No entanto, nós podemos adotar
uma postura de marcar significativamente os alunos ou não. Essa opção parece ser o
diferencial de quem se propõe a dedicar a vida à educação, sobretudo em provocar a
mudança de consciência e atitude frente às questões do cotidiano. Carrego o desejo de
poder contribuir na formação e, assim, poder colaborar na construção da sua história de
vida e na transformação social.

Neste trabalho, escrevi a unidade II referente ao estudo da Sociologia e dos as-


pectos sociológicos da Educação Física.

Oxalá possamos dizer o quanto valeu a pena gastarmos a vida na formação de


cidadãos mais críticos e conscientes de seu papel na sociedade.

236
Apresentação da Disciplina
Caro(a) aluno(a),

Ao iniciarmos o estudo da disciplina Fundamentos Sócio-filosóficos da Educação


Física, queremos esclarecer que nosso objetivo não é propor uma descrição histórica da
Sociologia e da Filosofia, com o relato de seus grandes teóricos e estudiosos. Queremos
sim propor uma reflexão a respeito dos aspectos filosóficos e sociológicos que envolvem
a Educação Física nas suas várias áreas de atuação.

Desta forma são propostas três unidades de estudo.

Na Unidade 1, fazemos uma descrição de alguns conceitos da Filosofia e como


eles estão inseridos na Educação Física e no Esporte.

Na Unidade 2, você vai encontrar a descrição de alguns conceitos da Sociologia


e, como na Unidade 1, a relação desses conceitos com a Educação Física e o Esporte.

Por fim, na Unidade 3, apresentamos uma reflexão a respeito dos aspectos filosó-
ficos e sócio-culturais da Educação Física e do esporte em nosso contexto.

A partir do estudo dessas três unidades, esperamos que você tenha uma visão
crítica de como a Educação Física e o esporte se apresentam para eles mesmos e para
a comunidade; estabeleça conceitos pessoais a respeito dessa visão; tendo, ainda, con-
dições de fazer uma reflexão profunda sobre a prática do professor de Educação Física,
quer seja na área esportiva, na academia, na escola ou na área do lazer.

237
Objetivos
Ao final do estudo desta disciplina, esperamos que você seja capaz de:

construir uma visão crítica da Educação Física e do esporte a partir da reflexão sobre
o contexto em que os mesmos estão inseridos;

refletir sobre os acontecimentos referentes à Educação Física e ao esporte, relacio-


nando-os com os conceitos da Sociologia e da Filosofia como Ideologia, Alienação,
Mito, Narcisismo, Individualismo, Imaginário Social etc;

construir uma práxis pedagógica a partir da tomada de consciência sobre uma postura
filosófica embasada em conceitos éticos seja na área esportiva, de academia, na Es-
cola ou no lazer, para um ensino de qualidade.

238
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

UNIDADE 1

A Filosofia
Nesta Unidade você terá a oportunidade de ver a Filosofia de uma maneira desmi-
tificada, colocada no seu cotidiano, na sua vida. Por isso, não faremos o relato histórico
do nascimento da filosofia clássica grega e dos feitos e ditos dos seus grandes filósofos,
mas procuraremos apresentar seus conceitos, suas funções e aplicações práticas na
vida cotidiana do ser humano, além de apresentamos suas relações com a Educação
Física e com o esporte.

Objetivos
Ao finalizar esta Unidade, esperamos que você possa:
entender o conceito de Filosofia e sua aplicação prática na sua vida cotidiana, na Edu-
cação Física e no esporte;

ter consciência dos conceitos de ideologia e alienação, compreendendo suas relações


com a vida cotidiana e com a Educação Física;

ter consciência do conceito de reflexão e compreender sua importância na prática pe-


dagógica do professor de Educação Física;

ter consciência dos conceitos de senso comum e bom senso, analisando o papel do
professor de Educação Física na superação do primeiro pelo segundo.

239
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

1.1 Para que Filosofia?

O verdadeiro conhecimento se faz pela


ligação contínua entre intuição e razão,
entre o vivido e o teorizado,entre o
concreto e o abstrato.
(ARANHA E MARTINS, 2002, p. 23)

Você pode estar se perguntando para que estudar Filosofia


se a finalidade do curso é formar professores de Educação Física
para o exercício dessa profissão.

Tal questionamento é compreensível, visto que existe um


preconceito em torno da Filosofia que a relega a um segundo pla-
no no rol das ciências e na prioridade das disciplinas a serem
ministradas na escola.

Muitos creditam a ela um papel irrelevante visto que a cul-


.
tura brasileira costuma dar valor apenas àquilo que gera lucro ou
um crédito imediato. Nesse sentido, a Filosofia realmente não te-
ria utilidade prática, visto que a mesma não tem, conforme afirma
Chauí, visibilidade e utilidade imediatas.

Por isso, quando perguntamos às pessoas “para que serve


a Filosofia?”, podemos receber a seguinte resposta:

A Filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual


o mundo permanece tal e qual’. Ou seja, a Filosofia
. não serve para nada. Por isso, se costuma chamar
de ‘filósofo’ alguém sempre distraído, com a cabeça
no mundo da lua, pensando e dizendo coisas que
ninguém entende e que são perfeitamente inúteis.
(CHAUÍ, 2001, p. 12)

Talvez, tais considerações se devam ao fato de, em alguns


casos, o estudo da Filosofia nas instituições de ensino se prender
ao relato histórico do nascimento da filosofia clássica grega e aos
feitos e ditos dos seus filósofos, sem contextualização e explica-
ções que levem os alunos, a entender seus conceitos, suas fun-
ções e aplicações práticas na vida cotidiana do ser humano.

240
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Sendo assim, tentaremos, nesse trabalho, em vez de nos


ater ao estudo dos ditos e feitos dos filósofos gregos, explanar so-
bre os conceitos da Filosofia e como eles se inserem na nossa vida
e na nossa prática pedagógica como professores de Educação Fí-
sica e como cidadãos. Não esqueça que nos módulos “História da
Educação e da Educação Física” e “Fundamentos da Educação
Física”, muito já foi dito sobre a visão dos filósofos e da Filosofia
Clássica a respeito da Educação e da Educação Física e, sendo
assim, você pode retornar a esses módulos para ter uma melhor
compreensão do assunto.

1.2 Do Mito à Reflexão – O Nascimento


da Filosofia

Inicialmente o homem, para explicar a existência das coi-


sas que ele não compreende, faz uso do mito, fato que permite
a ele viver com mais tranqüilidade, visto que o mito, entre outras,
tem a função de explicar o inexplicável, o incompreensível.

Sem ter como compreender os fenômenos da natureza e al-


guns elementos da sua existência como o nascimento e a mor-
te, o homem primitivo responsabiliza o humor dos deuses pelos
acontecimentos como o raio, a chuva, o dia, a noite, assim como
as doenças, a caça, a pesca, a colheita, as lutas contra grupos
rivais etc. criando deuses e mitos que explicavam tais aconteci-
mentos.

1.2.1 Mas o que é o Mito?


Para Chauí (2001, p. 54), o mito é uma intuição compreensiva
da realidade, uma forma espontânea de o homem se situar no
mundo. Para a autora, as raízes do mito não se encontram nas
explicações racionais, mas na experiência vivida sendo uma pré-
reflexão, baseada em emoções e sentimentos.

241
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Chauí (2001, p. 54) lembra que antes de ser “uma cabeça


que pensa” o homem fantasia e imagina e, antes de interpretar o
mundo, o homem o deseja ou o teme, volta-se para ele ou dele se
oculta.

Sendo assim, as primeiras impressões sobre o mundo e


seus acontecimentos são embasadas no desejo de vivê-lo e do-
miná-lo, fugindo do medo, das angústias e da insegurança.

Para Borges (2002, p. 12) “o mito é sempre uma história


com personagens sobrenaturais, os Deuses”. Dessa forma, os ho-
mens se tornam objetos passivos diante das ações dos deuses,
que são responsáveis pela criação de todas as coisas que acon-
tecem.
Os mitos contam em geral a história de uma criação,
do início de algo. É sempre uma história sagrada.
Comumente se refere a um determinado espaço de
tempo que é considerado um tempo sagrado: é um
passado tão distante, tão remoto, que não o datam
concretamente, não sabem quando ele se deu
(BORGES, 2002 p.12).

Assim, podemos ver o mito como uma forma de trazer tran-


qüilidade para os homens, visto que dá explicações para os acon-
tecimentos que fogem das possibilidades de ação do homem. É
bom frisar, também, que o critério para adesão ao mito é a fé, ou
seja, por ser uma verdade intuída, fruto da experiência vivida pela
Mito é o relato, a narrati-
va de uma criação; con- comunidade e comunicada de forma oral de geração para gera-
ta-nos de que modo algo ção, ela não precisa de comprovações ou maiores explicações e
que não era, começou a
ser. Expressa o mundo nem de evidências racionais. Sendo assim, a fé no mito é a base
e a realidade humana.
É sempre uma repre-
para que alguém o aceite como verdadeiro: o homem o aceita ou
sentação coletiva, que o rejeita baseado na crença.
transmite e relata uma
explicação do mundo. O
mito é sentido e vivido
antes de ser interligado
e formulado. O mito é
a palavra, a imagem, o
gesto, que circunscreve
o acontecimento no cora-
ção do homem. Decifrar
o mito é, pois decifrar-se.
(BRANDÃO, 2000)

242
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

UM EXEMPLO DE MITO
O MITO DA CRIAÇÃO CONFORME PLATÃO

Conforme Platão os sexos da espécie humana eram três e não dois,


masculino e feminino. Havia naquele tempo o andrógino, com ambos os se-
xos e introjetados em ambos. Assim, a figura de cada homem era andrógina
e estava inteira, costas redondas e costelas em círculos; tinham quatro mãos,
e pernas em número igual ao das mãos; sobre o pescoço bem redondo, dois
rostos, em tudo iguais, mas o crânio, sobre os dois rostos colocados um ao
contrário do outro, era um só. As orelhas, quatro.

Não só caminhava ereto como para qualquer direção, corria, girava em


círculo, rodando sobre si. Por causa de sua força, desejou ser deus, escalar os
céus. Zeus e outros deuses resolvem mostrar em qual lado estava o poder, mas
pairou dúvida: matá-los com raio? Tolerar a insolência? Depois de reflexões,
Zeus decide:

“Descobri um jeito de existir a humanidade, mas deixar de insubordi-


nações: enfraquecê-la. Por ora vou cortar cada um deles em dois; serão mais
fracos e mais proveitosos para nós. Hão de andar eretos, mas se continuarem
arrogantes ainda os dividirei em mais dois até andarem com uma perna só.”

Dito isto, fendeu o homem em dois, mandou Apolo preencher de pele


o que chamamos de barriga, fechar o corte e amarrar na altura do umbigo. Ora
fendido o físico em dois, cada metade sentia saudade da outra e juntavam-se
envolvendo com os braços e enlaçados uns aos outros, no desejo de unificar-
se, apenas pelo enlace. Invadido de compaixão, Zeus passou-lhes as púberes
para o lado da frente para haver reprodução via sexualidade, pois até então
eles se reproduziam não uns com os outros, mas pelo ato de extirpar o que é
excesso a si. Agora sim, haveria de haver um momento em que lembrasse do
físico primitivo, que procura de dois compor um e curar a natureza humana.

243
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

1.2.2 Mito e Religião

É importante esclarecer que ainda hoje, mesmo diante de


todos os avanços tecnológicos e da ciência, temos nossos mi-
tos, nossas histórias. Todas as religiões estão repletas de mitos
que são fundamentais para a vida do homem. A ciência consegue
explicar quase tudo, porém há muito sem explicação. Questões
como:

De onde viemos?

Para onde vamos?

Qual o sentido da vida?

Continuam sem explicações claras e concretas da ciência.

Em função disso, buscamos na religião as explicações que


precisamos para compreender tais impasses que, se não explica-
dos, acabam por dificultar nossa compreensão do mundo.

No caso do Cristianismo, religião da grande maioria do


povo brasileiro, acredita-se que o homem foi criado por Deus a
partir de Adão e Eva e que o pecado dos dois levou-os à perda do
paraíso e à necessidade do sofrimento e da morte para alcançá-
lo novamente. A vinda de Cristo ao mundo, sua morte e ressurrei-
ção, são dádivas divinas que livram o homem dos seus pecados,
permitindo a ele o conforto da vida após a morte.

Sabemos que tais explicações para o nascimento do ho-


mem e para o seu destino após a morte, bem como a ressurreição
de Cristo não podem ser provadas pela ciência e, portanto, são
explicações míticas para a história do homem no mundo. Porém,
ao acreditar nessas explicações, o homem tranqüiliza-se quanto
às questões anteriormente levantadas no que se refere à sua ori-
gem e seu destino, sendo que o critério para aderir a tais explica-
ções é a fé, a crença em tais acontecimentos, que é transmitida
de pai para filho, de geração para geração.

244
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Porém, o fato da ciência não comprovar tais crenças, não


significa que elas não sejam verdadeiras ou que as mesmas não
tenham valor. Ao contrário, elas são verdadeiras e tem sim muita
importância na vida do homem.
A ciência é necessária, mas não é a única interpretação
válida do real, nem é suficiente. Quando exaltada, faz
nascer o mito do cientificismo: a crença na ciência
como única forma de saber possível é geradora
de outros mitos também prejudiciais, como o do
progresso, cujo fruto mais amargo é a tecnocracia, e
os da objetividade e neutralidade científica. (ARANHA
e MARTINS, 2002, p. 58).

As autoras enfatizam também que “o mito, recuperado no


cotidiano do homem contemporâneo, não se apresenta com a
abrangência que se fazia sentir no homem primitivo” (idem, p. 59).
Ou seja, o nascimento da filosofia e o desenvolvimento da tecno-
logia, levaram o homem a buscar a reflexão que permite a ele
conviver com o mito, com a filosofia e com a ciência, descartando
aqueles mitos e as concepções que podem ser prejudiciais a si e
à sua comunidade.

1.2.3 Outras Atribuições do Mito

O mito serve para designar muitas coisas, representar inú-


meras idéias e pode ser empregado em contextos diversos,
adquirindo um conceito amplo e complexo quando conectado à
história das sociedades.

Sendo assim, ele há de ser sempre um desafio, uma aber-


tura, um enigma de sentido múltiplo e difuso. É por meio dele que
as sociedades exprimem suas contradições, dúvidas e inquieta-
ções. Quase indefinível, pode designar desde os mitos gregos,
como o mito da criação conforme Platão, até o de Michael Jack-
son1, passando pelo mito da mulher amada ou da eterna juventu-
de. Que ‘verdade’ podemos encontrar nesses mitos? Quais suas
possíveis origens e interpretações? (ROCHA, 1999)
1 Cantor norte americano cujos sucessos musicais e as excentricidades o tornaram
um ícone da musica pop mundial, com histórias e atitudes que o fazem uma grande
referência mítica da atualidade.

245
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

“São essas questões que tornam o mito instigante e criam


a necessidade da busca de sua compreensão, para que o mesmo
não se torne a verdade absoluta ou uma mentira total”. Para Ara-
nha e Martins, citando Gusdorf (2002, p. 59)

O mito propõe todos os valores, puros e impuros. Não


é da sua atribuição autorizar tudo o que sugere. Nossa
época conheceu o horror do desencadeamento dos
mitos do poder e da raça, quando seu fascínio se
exercia sem controle. A sabedoria é um equilíbrio. O
mito propõe, mas cabe à consciência dispor. E foi
talvez porque um racionalismo estreito demais fazia
profissão de desprezar os mitos, que estes, deixados
sem controle, tornaram-se loucos.

1.2.4 O Mito no Esporte

O esporte tornou-se um fenômeno social de massas; a competição espor-


tiva é um espetáculo para as massas e um de seus componentes mais
importantes é o ídolo, “fabricado” pelos meios de comunicação. A imprensa
usa a estrela para poder vender e, ao mesmo tempo, a “fabrica”. A identifi-
cação das massas com os ídolos mascara os verdadeiros problemas. Um
campeão, excelente no campo esportivo, torna-se dono de outras virtudes:
inteligência, generosidade, coragem etc. Ser campeão, assim, converte-se
em sinônimo de ser perfeito. Visto deste ângulo, o esporte assemelha-se a
outras formas de espetáculo e fábrica de ídolos, como o cinema e a música
(BETTI, 1991, p. 51).

É com a “fabricação” dos ídolos esportivos que o mito se


cria. A partir do momento em que o mito é criado em torno do
ídolo, alimenta-se toda uma indústria que determina comporta-
mentos, atitudes e uma necessidade de consumo dos produtos
por ela produzidos.

Porém, o discurso em torno dos valores adquiridos por


meio do esporte, como a saúde, o distanciamento dos vícios e
das drogas e a conquista de valores - como a cooperação, o res-
peito às regras etc. - caem por terra diante do grande número de

246
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

lesões advindas da prática esportiva, os constantes escândalos


divulgados pela mídia sobre o uso de drogas como anabolizantes
e excitantes por atletas considerados de alto nível, bem como o
desrespeito aos adversários e às regras para buscar a vitória a
qualquer custo.

Para Parlebas (citado por BETTI, 1991, p. 114).


“o esporte não possui nenhuma virtude mágica. Ele
não é, em si mesmo, nem socializante nem anti-
socializante. É conforme: ele é aquilo que se fizer dele.
A prática esportiva pode formar tanto patifes como
homens perfeitos preocupados com o ‘fair-play’”.

Porém, segundo Bracht (2003, p. 25), “o esporte-espetácu-


lo é utilizado como meio para desviar a atenção das massas da
luta de classes e como fuga da realidade política”, e é em função
disso que se criam os mitos em torno dos atletas para que a po-
pulação operária possa buscar no esporte a ascensão social tão
desejada.

O atleta-herói, a partir desse contexto, tudo pode, inclusive


desrespeitar leis e regras sociais devidas a todos os outros cida-
dãos comuns, pois ele é o espelho do desejo desses cidadãos.

Um exemplo pode ser o dos jogadores da seleção brasileira


de futebol campeã mundial em 1994, que, ao chegar ao Aeroporto
de São Paulo após a conquista da Copa do Mundo, tiveram o privi-
légio de não pagar impostos sobre as mercadorias que adquiriram
nos Estados Unidos durante a realização da mesma competição,
sob a alegação de que o povo precisava ver seus heróis desfilan-
do pela cidade e o tempo perdido na alfândega para calcular os
impostos impediria a rápida saída dos jogadores do aeroporto,
provocando tumulto nas ruas. Cabe lembrar que qualquer cidadão
comum teria que pagar os impostos devidos, independente do
tempo que seria necessário para calculá-los na alfândega.

A vida do herói-atleta constitui-se então, de grandes


aparições, entrevistas pessoais etc. Se os ídolos
tivessem uma vida comum, como a nossa (como

247
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

mostra a Revista Caras, a vida desses ídolos se


desenrola numa ilha da fantasia, a ilha de caras), ele
não poderia ser objeto de nossa fantasia”. (BRACHT,
2003, p. 118)

A criação e exposição desses atletas-heróis provocam o


consumo massificado de produtos por eles utilizados e divulga-
dos, bem como o sonho na população de alcançar o mesmo su-
cesso a partir da sua inserção no esporte, independente das con-
dições com que o atleta tenha chegado à fama.

Hora de praticar
Pare um pouco para pensar: que mitos cercam a sua vida cotidiana? E a sua vida
profissional? Que influências ele tem para você e para seus alunos?
Quais desses mitos são benéficos e quais são prejudiciais?
Qual a sua influência na transmissão de mitos (benéficos ou prejudiciais) para seus
alunos?
Como você vê os atletas que conquistam medalhas ou ganham campeonatos? Qual
a importância concreta deles na sua vida? O que você faria por eles?
Faça um comentário a respeito dessas questões no fórum e comente as observa-
ções dos seus colegas.

1.2.5 A Filosofia

Apesar do fato de que as explicações míticas da realidade


não desapareceram completamente – todas as culturas mantêm
seus mitos que buscam explicar a realidade desconhecida dos
homens – surge, por volta do século VI a.C., na Grécia, a passa-
gem do pensamento mítico para o pensamento filosófico.
Porém, Aranha (2003, p. 42), afirma que tal passagem não
se deu como um milagre2, mas “foi um processo preparado lenta-
mente pelo passado mítico e cujas características não desapare-
cem como por encanto na nova visão filosófica do mundo”.
Dentro dessa compreensão, o pensamento filosófico se
desenvolveu ao longo dos tempos, fruto do desejo do homem de
encontrar explicações sobre a vida e a morte, e sobre os aconteci-
2 Alguns autores costumam chamar de “milagre grego”, o aparecimento da filosofia na
Grécia.

248
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

mentos que permeiam seu cotidiano. Sendo assim, o povo grego


não foi o único a buscar tais explicações. Os egípcios, os meso-
potâmicos e os chineses, entre outros, também estabeleceram
seus tratados filosóficos, construindo formas de pensar e explicar
sua realidade.

Porém, segundo Chauí (2001, p. 20)

A Filosofia, entendida como aspiração ao conheci-


mento racional, lógico e sistemático da realidade na-
tural e humana, da origem e causas do mundo e de
suas transformações, da origem e causas das ações
humanas e do próprio pensamento, é um fato tipica-
mente grego.

A própria palavra filosofia nasce na Grécia. Pitágoras, filó-


sofo grego que viveu no século VI a.C., foi quem usou pela primei-
ra vez a palavra ‘filosofia’, associando as palavras “philos” (ami-
zade, amor fraterno) e “sophia” (sabedoria), significando amor à
sabedoria. Para Aranha e Martins (2002, p. 72) “é bom observar
que a própria etimologia mostra que a filosofia não é puro logos,
pura razão: ela é a procura amorosa da verdade”.

Mas não é tão simples assim, definir Filosofia. Prado Júnior


(2000, p. 6) afirma que a Filosofia seria:

Uma especulação infinita e desregrada em torno de


qualquer assunto ou questão, ao sabor de cada autor,
de suas preferências e mesmo de seus humores. Há
mesmo quem afirme não caber à Filosofia ‘resolver’, e
sim unicamente sugerir questões e propor problemas,
fazer perguntas cujas respostas não têm maior interesse,
e com o fim unicamente de estimular a reflexão, aguçar
a curiosidade.

249
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Mas se a Filosofia busca apenas especular, qual seria


sua utilidade prática na nossa vida? Aranha e Martins (2002,
p. 72) explicam, afirmando que “a filosofia é, sobretudo uma
atitude, um pensar permanente. É um conhecimento insti-
tuinte, no sentido de que questiona o saber instituído”.

Dessa forma, não se trataria de ensinar filosofia a nin-


guém, mas ajudar as pessoas a desenvolver a capacidade
de filosofar, de questionar a realidade, as verdades consti-
tuídas e de refletir sobre os fatos e acontecimentos que a
rodeiam.

1.2.6 Mas, enfim, o que é Filosofia?

Para Chauí (2001, p. 12)

Uma primeira resposta à pergunta ‘o que


é filosofia’ poderia ser a decisão de não
aceitar como óbvias e evidentes as coisas,
as idéias, os fatos, as situações, os valores,
os comportamentos de nossa existência
cotidiana; jamais aceitá-los sem antes
havê-los investigado e compreendido.

Isso significa dizer que a Filosofia está ligada à nossa vida


cotidiana, visto que estamos permanentemente buscando informa-
ções, dando opiniões, explicando, tentando compreender, fazendo
perguntas e ouvindo respostas sobre tudo que nos rodeia, ou seja,
procurando e dando sentido às coisas.

Nesse sentido, somos todos filósofos, pois, segundo Gra-


msci (citado por ARANHA e MARTINS, 2002, p. 74) “não se pode
pensar em nenhum homem que não seja também filósofo, que não
pense, precisamente porque pensar é próprio do homem como tal”.

250
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Estar no mundo sem fazer história, sem por ela ser feito, sem fazer cultura,
sem ‘tratar’ sua própria presença no mundo, sem sonhar, sem cantar, sem
musicar, sem pintar, sem cuidar da terra, das águas, sem usar as mãos,
sem esculpir, sem filosofar, sem pontos de vista sobre o mundo, sem fazer
ciência, ou teologia, sem assombro em face do mistério, sem aprender, sem
ensinar, sem idéias de formação, sem politizar não é possível (FREIRE,
1996, p. 58).

Porém, alguns teóricos da Filosofia, chamam esse ‘filoso-


far’ espontâneo do homem comum de Filosofia de vida, que não
está totalmente desvinculada da seriedade ou do rigor do ‘filoso-
far’ considerado verdadeiro proposto por tais teóricos.

A Filosofia propriamente dita tem condições de surgir


no momento em que o pensar é posto em causa,
tornando-se objeto de reflexão. Mas não qualquer
reflexão. Como vimos, o homem comum, no cotidiano
da vida, é levado a momentos de parada, a fim de
retomar o significado de seus atos e pensamentos,
e nessa hora é solicitado a refletir. Entretanto, ainda
não é Filosofia rigorosa o que ele faz. (ARANHA e
MARTINS, 2002, p. 74)
Reflexão significa movi-
mento de volta sobre si
mesmo ou movimento
Para as autoras, é a filosofia que dá o distanciamento para de retorno a si mesmo. A
reflexão é o movimento
a avaliação de toda a ação humana, pois reúne o pensamento pelo qual o pensamento
fragmentado da ciência e o reconstrói na sua unidade; retoma a volta-se para si mesmo,
interrogando a si mesmo
ação pulverizada no tempo e procura compreendê-la. (CHAUÍ, 2001, p. 14).
Reflectere, em latim,
Concluindo, podemos dizer que, se Filosofia é amor pelo significa ‘fazer retroceder’,
conhecimento, pelo saber e a busca desse conhecimento e desse ‘voltar atrás’. Portanto, re-
fletir é retomar o próprio
saber, filósofo é aquele “que ama a sabedoria, tem amizade pelo pensamento, pensar o
já pensado, voltar para
saber, deseja saber” (CHAUÍ, 2001, p. 19). si mesmo e colocar em
questão o que já conhe-
ce. (ARANHA e MAR-
TINS, 2002, p. 74)

251
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

1.3 Filosofia e Ciência


“... qual a diferença entre
a ciência e a Filosofia?”
Agora que já definimos Filosofia, podem surgir as seguin-
tes questões:

“...e a ciência, o que ela significa diante


da Filosofia?”

Inicialmente, ciência e filosofia estavam totalmente entrela-


çadas. O filósofo era o “sábio que refletia sobre todos os setores
da indagação humana” (ARANHA e MARTINS, 2002, p. 72).

Para Santin (1987, p. 10, 11)

[...] não havia, ainda, a preocupação de se estabelecer


distinções entre matemática, biologia, astronomia,
física, botânica etc., como sendo ciências ou ramos
“Divinizar ou diabolizar a autônomos do saber. Essas divisões e classificações
tecnologia ou a ciência só vão ocorrer do século XVII em diante. O saber,
é uma forma altamente portanto, era visualizado dentro de uma ótica única,
negativa e perigosa de
contínua e homogênea.
pensar errado.” (FREIRE,
1996, p. 33)
Porém, com a compartimentalização do saber, o desenvol-
“Toda vez que a razão
se distancia demais do vimento do conhecimento e da tecnologia e a especificidade das
vivido, a teoria se petri-
fica e o conhecimento é diversas áreas acadêmicas, as ciências foram ganhando corpo e
empobrecido. Por outro características que as foram distanciando da Filosofia, sendo que
lado [...] permanecer no
nível do vivido e da intui- as duas têm objetivos diferentes, que se entrelaçam, mas que se
ção impede o distancia- constroem distintamente.
mento fecundo da razão
que interpreta e critica. O
Para Chauí (2001, p. 13)
verdadeiro conhecimento
se faz, portanto, pela
ligação contínua entre in-
Verdade, pensamento, procedimentos especiais para
tuição e razão, entre o vi- conhecer fatos, relação entre teoria e prática, correção
vido e o teorizado, entre e acúmulo de saberes: tudo isso não é ciência, são
o concreto e o abstrato.” questões filosóficas. O cientista parte delas como
(ARANHA E MARTINS, questões já respondidas, mas é a Filosofia quem as
2002, p. 23) formula e busca respostas para ela.
Assim, o trabalho das ciências pressupõe, como
condição, o trabalho da Filosofia, mesmo que o
cientista não seja filósofo.

252
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Em outras palavras, poderíamos afirmar que a Filosofia se


ocuparia de perguntar, questionar, duvidar e a ciência de buscar res-
postas que levem o homem ao conhecimento e ao desenvolvimento.

Para Prado Júnior (2001, p. 41) “a ciência ocupa-se com os


dados experimentais colhidos na consideração direta das feições
e ocorrências da realidade e a Filosofia, com as idéias (diríamos
melhor: ‘conceitos’ ou representações mentais daquela realidade
exterior carreada pela experiência).”

Concluindo, a filosofia duvida e questiona, a ciência busca


respostas, encontrando-as se submete a novas dúvidas e ques-
tionamentos da filosofia, tentando novamente respondê-los. E as-
sim o mundo gira e o conhecimento e a tecnologia avançam.

Hora de praticar
Ao se relacionar com seus alunos nas aulas de Educação Física, na sua opinião, o
que é ciência e o que filosofia? Em outras palavras, o que você informa a eles que
é fruto do estudo da ciência e o que é fruto da sua visão de mundo, da sua compre-
ensão da realidade?
Há diferenças de importância nesses dois aspectos na sua aula?
Coloque essas questões no fórum de discussão da disciplina e comente as afirma-
ções dos colegas.

1.4 Ideologia

Para Aranha e Martins (2002, p. 76), a filosofia é a crítica


da ideologia, enquanto forma ilusória de conhecimento que visa a
manutenção de privilégios.

Mas o que seria IDEOLOGIA?

De acordo com o dicionário da língua portuguesa on-line3,


a palavra Ideologia pode ser usada com o seguinte significado:
3 Disponível em http://www.priberam.pt/dlpo/dlpo.aspx.

253
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

“Ciência que trata da formação das idéias e da sua origem;


conjunto de idéias, crenças e doutrinas, próprias de uma
sociedade, de uma época ou de uma classe, e que são produto
de uma situação histórica e das aspirações dos grupos que as
apresentam como imperativos da razão”.

Porém, devido à especificidade desse trabalho e a neces-


sidade de maior abrangência do conceito, consideraremos a defi-
nição de Chauí (p. 113), para quem:

A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações


(idéias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e pres-
crevem aos membros da sociedade:

O que devem pensar e como devem pensar;


O que devem valorizar e como devem valorizar;
O que devem sentir e como devem sentir;

O que devem fazer e como devem fazer.

Ela é, portanto, um corpo explicativo (representações) e prático (normas,


regras, preceitos) de caráter prescritivo, normativo, regulador, cuja função
é dar aos membros de uma sociedade dividida em classes uma explicação
racional para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir
tais diferenças à divisão da sociedade em classes, a partir das divisões na
esfera da produção.

Nesse sentido, segundo Aranha e Martins (2002, p. 37) a


ideologia se caracteriza pela naturalização, quando considera-
mos naturais os arranjos da classe dominante para controlar a
classe dominada e manter seu status, aceitando as situações de
dominação como normais e verdadeiras.

Outra característica da ideologia, segundo as autoras, é a


universalização, quando os valores da classe dominante passam
a ser os valores e os desejos de conquista da classe dominada,

254
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

como se tais valores fossem os únicos verdadeiros e aceitos. Des-


sa forma, cria-se a necessidade da ascensão social na busca de
alcançar as conquistas que tornam as pessoas membros da clas-
se dominante.

Para tanto, o mercado e a mídia, impõe modos de compor-


tamento, valores, referências e modelos a serem seguidos mes-
mo por aqueles dominados e sem as condições necessárias para
a reflexão a respeito do que estão consumindo.

Para Betti (1991, p. 50)

A sociedade capitalista estrutura-se numa hierarquia


cuja ideologia dominante é a promoção social, a
possibilidade aparente de escalar a pirâmide até o
topo. A hierarquia tende a converter-se numa forma
pura, aparentemente aberta a todos pelo critério da
capacidade individual, mas na realidade oculta a real
desigualdade entre os indivíduos.

Sendo assim, divulga-se a possibilidade de ascensão so-


cial, desde que o indivíduo aproveite as oportunidades ofereci-
das pela classe dominante e, se ele não consegue, o fracasso é
vinculado à sua falta de empenho ou de força. O indivíduo passa
a ser o responsável pelo seu próprio fracasso diante da falta de
oportunidades reais que deveriam ser oferecidas pelo Estado.

Um exemplo claro disso é a educação. Para Aranha e Mar-


tins (2002, p. 38) ela “aparece como um direito de todos, mas,
analisando a gênese da produção e usufruto dos bens, descobre-
se que de fato a educação está restrita a uma classe”. Ou seja,
apesar do discurso vigente ser o de que a educação é oferecida
para todos, dando a todos as oportunidades de acesso à infor-
mação, sabe-se que, na verdade, a educação oferecida à classe
dominada visa o trabalho braçal e repetitivo, que não exige reflexão,
e a que é oferecida à classe dominante visa à manutenção de
privilégios, formando o homem que pensa e decide, que calcula
e ordena.

255
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Para Aranha e Martins (2002, p.15)

Enquanto prevalecerem as funções divididas do


homem que pensa e do homem que só executa, será
impossível evitar a dominação, pois sempre existirá
a idéia de que só alguns sabem e são competentes
e, portanto, decidem; a maioria que nada sabe é
incompetente e obedece.

Podemos observar aqui que, para a manutenção dessa di-


visão em classes, há um esforço no sentido de descaracterização
da escola pública, destinada aos filhos da classe operária e de
exaltação do valor das escolas privadas, voltadas para a classe
dominante.

Normalmente, as escolas públicas não contam com a es-


trutura necessária de materiais, equipamentos e pessoal, para
oferecer as condições mínimas que permitam aos que nela aden-
tram de acessar as informações necessárias para ascender so-
cialmente.

Enquanto isso, as escolas privadas oferecem - pelo me-


nos nos seus discursos - todas as condições necessárias para o
sucesso dos alunos, cobrando mensalidades caras para oferecer
aquilo que é obrigação do Estado, visto que o cidadão, seja ele de
que classe social for, paga pesados impostos para ter direito aos
serviços educacionais de qualidade.

Não é de se estranhar então, que a escola privada tenha


se tornado sonho de consumo de todas as classes, que no lugar
de cobrar dos governos a melhoria da escola pública, buscam,
com todas as suas forças, oferecer aos seus filhos os serviços de
escolas privadas, onde a educação se tornou mercadoria.

Porém, tanto a escola privada – com raras exceções -


quanto a escola pública carecem de uma estrutura que realmente
ofereça as condições para que haja a ascensão e as conquistas
sociais por elas prometidas. Para Aquino (2005):

256
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

As escolas são lugares abandonados do ponto de


vista intelectual. Nisso a escola privada e a escola
pública não têm diferença significativa. A estratégia
do abandono dos alunos da escola pública tem a sua
contrapartida na teatralização da escola privada. Em
ambas, pouco de inteligente se constrói. Dialogamos
muito pouco com a cultura acumulada, sempre
recomeçamos do zero.

Isso significa dizer, que mesmo alcançando o direito de fre-


qüentar as escolas consideradas de excelência, não se tem a ga-
rantia de alcance do prometido sucesso, apesar de todos os dis-
cursos voltados para a educação evocarem seu potencial como
principal fator de ascensão social.

Segundo Emir Sader4, em entrevista ao Correio Braziliense


de 22 de setembro de 2004,

Apesar dos enganosos dados sobre a porcentagem


de crianças e jovens matriculados nas escolas, o
conjunto do sistema educacional perdeu peso na
função de propiciar o conhecimento que permita a
essas crianças e jovens tomarem consciência de quem
são, de qual é o mundo que os produz e reproduz e
de dar-lhes condições de escolher um outro mundo e
trabalhar para a sua construção.

Porém, alimentando o sonho de tornar seus filhos iguais


aos da classe dominante, os operários sonham com a escola pri-
vada, onde os mesmos, consumindo o mesmo produto, tornar-
se-ão mais parecidos com os modelos sonhados, mesmo que o
desejado sucesso nunca chegue.

E são esses desejos que nos levam a continuar crendo


na eficácia de um sistema cuja verdadeira eficácia é nos manter
acreditando na sua falsa eficácia. Ao mesmo tempo em que ele
não nos dá a prometida condição de mudar nosso mundo e as-
cender socialmente, ele cria em nós o desejo do consumo dos
bens que produzimos, mas que não podemos ter a menos que
4 Professor aposentado da Universidade de São Paulo. Dirige o Laboratório de Políti-
cas Públicas (LPP da Universidade do Estado do Rio de Janeiro), onde é professor de
Sociologia.

257
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

nos esforcemos sobremaneira a fim de produzir mais e mais na


busca da ascensão que nos permitirá sermos iguais àqueles a
quem é dado o direito de ter o que desejamos.

Para exemplificar, podemos ver o caso daquela operária


que consome a revista “Caras” para ver o lazer de seus ídolos no
que a revista chama de momentos íntimos. Ao ver o ator da novela
com sua namorada no Castelo de Caras tomando champanhe,
comendo caviar e relaxando numa banheira de hidromassagem
com sais de banho e pétalas de rosa boiando, ela se sente recon-
fortada, pois percebe que o ídolo tem uma vida condizente com o
prazer que ele dá a ela.

Em resumo, o lazer dessa operária é ver o lazer do ídolo nas


páginas da revista, e o sonho é de um dia conseguir alcançar os
mesmos benefícios que ele. Por isso continuará trabalhando por toda
a vida, mesmo que nunca consiga chegar nem perto do desejo.
Para Freire (1996, p.83), é importante ter sempre claro que
faz parte do poder ideológico dominante a inculcação nos domi-
nados da responsabilidade por sua situação. Daí a culpa que sen-
tem eles, em determinado momento de suas relações com o seu
contexto e com as classes dominantes por se acharem nesta si-
tuação desvantajosa. Para o autor, “enquanto se sentirem assim,
pensarem assim e agirem assim, reforçam o poder do sistema e
se tornam coniventes da ordem desumanizante”.

É bom esclarecer aqui, que o Estado se utiliza de vários me-


canismos para manter a ideologia dominante como boa e neces-
sária. Um deles é a religião que, por meio dos seus mitos que, em
muitos casos, reforçam a necessidade da obediência e respeito às
autoridades constituídas, independente de seus atos. Outro meca-
nismo eficaz é a própria escola que, apesar de todo o potencial que
teria para mudar a realidade, acaba por reproduzir o pensamento
dominante. A mídia de massa é, também, importante meio para a im-
posição de comportamentos, de pensamentos e de controle social e
se torna muito eficaz já que pertence a grupos da classe dominante
a quem interessa a manutenção da ideologia dominante.

Porém, quando esses mecanismos falham ou se mostram

258
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

ineficazes, são apresentados os aparelhos repressivos como a


polícia e as cadeias – que debelam as tentativas de rebelião do
povo contra a ordem estabelecida e escondem os infratores - a
patrulha ideológica5 e a cooptação6.

1.4.1 Ideologia na Propaganda

É comum observarmos nos comerciais de televisão, propa-


gandas oferecendo vantagens que os produtos que você irá com-
prar não podem, na prática, oferecer. Ou seja, oferecem produtos
!
e, para vendê-los, anunciam vantagens que não estão relaciona-
das ao mesmo. .

Um exemplo a ser descrito é o das antigas propagandas


de cigarro apresentadas na televisão. Mostrava-se um homem
bem vestido dentro de um iate maravilhoso, navegando num mar
paradisíaco, acompanhado de algumas lindas mulheres vestindo
pouca roupa. O homem aparecia fumando e o slogan dizia: “vá ao
sucesso com o cigarro X”.

Do lado de cá da tela, um operário que percebe um salário


mínimo por mês como paga de seu trabalho braçal, assistia des-
lumbrado a cena, imaginando suas possibilidades reais de estar
no lugar daquele homem.

Ao se deparar com a realidade e com a consciência da im-


possibilidade de estar naquele iate, naquele mar, acompanhado
por aquelas mulheres, ele se contenta em fumar o cigarro anun-
ciado para parecer – pelo menos um pouco – com o bem sucedido
personagem da propaganda, sonhando com o sucesso prometido
pelo comercial.

Porém, o cigarro anunciado e consumido não pode ajudar


ninguém a chegar ao sucesso, senão à doença e, em muitos ca-
sos, à morte por causa do seu uso continuado.

5 Expressão usada no Brasil, a partir de 1978, para designar a ação de grupos que
criticam artistas, intelectuais e outras pessoas populares por não defenderem as idéias
desses mesmos grupos. (ARANHA e MARTINS, 2002, p. 52)
6 Processo pelo qual um indivíduo ou pequeno grupo recebe concessões e privilégios
para deixar de defender os interesses da classe social a que pertence e passar a defen-
der aquele que lhe fez as concessões. (idem)

259
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

1.4.2 Ideologia na Propaganda Política


Sempre que os professores de um determinado Município,
Estado ou Distrito Federal entram em greve para reivindicar me-
lhores salários e condições de trabalho, observa-se a posição dos
governantes contrários a tais reivindicações, no sentido de des-
“Não posso aceitar como qualificar os movimentos grevistas, mesmo sendo eles legítimos
tática do bom combate
a política do quanto pior e necessários para a obtenção da qualidade da educação pública
melhor, mas não posso no Brasil.
também aceitar, impassí-
vel, a política assistencia- Durante uma greve de professores da Secretaria de Estado
lista que, anestesiando
a consciência oprimida, de Educação do Distrito Federal há alguns anos, o Governo se
prorroga, “sine die”, a
utilizou de propagandas ideológicas nos meios de comunicação
necessária mudança da
sociedade. Não posso de massa para colocar a população contra os professores e tentar
proibir que os oprimidos
com quem trabalho numa desqualificar o movimento deles.
favela votem em candi-
datos reacionários, mas Nessas propagandas apareciam pais de alunos da perife-
tenho o dever de adverti- ria, humildes e desconhecedores dos seus verdadeiros direitos,
los do erro que cometem,
da contradição em que com os seguintes discursos:
se emaranham. Votar
no político reacionário é
ajudar a preservação do
“status quo”. Como posso “Os professores entraram em greve. Quem vai agora cui-
votar, se sou progressista
e coerente com minha dar do meu filho enquanto eu trabalho?”
opção, num candida-
to em cujo discurso,
faiscante de desamor,
anuncia seus projetos ra- “Os professores não deviam entrar em greve, pois agora
cistas?” (FREIRE, 1996, meu filho não vai ter onde merendar”.
P. 80)

Cabe lembrar que as funções requeridas da escola em tais


discursos, não são funções da escola. Apesar de que, em muitas
situações, ser apenas na escola que a criança tem uma alimen-
tação de qualidade, a escola não tem como função dar comida e
nem cuidar das crianças.

A merenda acaba sendo um acessório para que aquelas


crianças das famílias que não têm como oferecer uma alimen-
tação para os filhos, para que os mesmos tenham as condições
mínimas para a aprendizagem dos conteúdos escolares que con-
tribuirão com sua formação.

260
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Porém, ao jogar para a escola a função de alimentar e cui-


dar das crianças, o Governo, de forma velada, tira dela sua função
principal de educar e formar essas crianças. Também convence
os pais de que o Governo é bom quando oferece à população a
educação que, na verdade, é direito de todos e obrigação do Es-
tado. Dessa forma, os pais acabam acreditando na benevolência
de um Governo que oferece um lugar que dá merenda e cuidados
para seus filhos enquanto eles vão trabalhar e cumprir sua função
social, mesmo sem educar e formar seus filhos de maneira condi-
zente.

Ao mesmo tempo, descaracteriza o movimento dos profes-


sores em busca de melhores salários e condições de trabalho, além
de jogar contra eles toda a população, fazendo-a acreditar que, ao
parar o trabalho, os professores abandonam os alunos à própria
sorte. Nunca é demais lembrar que, quando o governo deixa de
oferecer boas condições salariais e de trabalho para os professo-
res, é ele quem está abandonando os alunos à própria sorte.

1.4.3 Ideologia nas Aulas de Educação


Física

É comum vermos nos projetos que oferecem ativi-


dades físicas e iniciação esportiva para crianças e adoles-
centes das periferias das cidades, discursos carregados de
ideologia, visando a manutenção da ordem estabelecida e
prometendo a salvação dos alunos que neles entram do
mundo das drogas, da marginalidade, além da inclusão so-
cial por meio do esporte.

Além disso, tais discursos são carregados de preconceitos,


pois consideram as crianças e adolescentes da periferia delinqüen-
tes em potencial, que precisam fazer parte do projeto proposto para
serem vigiados e cuidados, para não se perder nos caminhos erra-
dos da vida.

261
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

É claro que não podemos desconsiderar as possibilidades


que a Educação Física e o esporte podem oferecer para a inclu-
são social, mas é importante ter claro que eles são apenas um
dos elementos necessários para que o indivíduo possa se incluir
socialmente e que ele, por si só, não é capaz de exercer tal fun-
ção com a eficácia prometida, a menos que o indivíduo seja um
fenômeno em uma determinada modalidade esportiva.

Para que o indivíduo da periferia seja efetivamente incluído


socialmente, é necessário oferecer a ele - a seus familiares e sua
comunidade - educação de qualidade, acesso às instituições que
promovem saúde – preventiva e curativa – lazer, trabalho com
salário digno, cultura e informação.

Também é bom lembrar que não há qualquer garantia de


que a criança ou o adolescente que acessem um desses pro-
gramas, não se enverede pelo mundo da marginalidade ou das
drogas. Esse espaço pode, inclusive, ser a porta de acesso para
tais mundos.

Além disso, as atividades de Educação Física e esporte


são direitos das crianças e adolescentes das periferias e não
podem estar associadas a outros discursos que não sejam o de
oportunizar a eles acesso as atividades que lhes dêem dignidade,
respeito e o cumprimento por parte do Estado do dever de ofere-
cer os caminhos que levem a todos os cidadãos oportunidades
de inclusão social.

1.4.4 Ideologia no Esporte

Uma das formas de ascensão social mais divulgadas e


aclamadas na nossa sociedade é o esporte, pois ele é “a con-
sagração objetiva da hierarquia, o esportista é imediatamente
classificado pelo seu valor, estabelecendo o resultado espor-
tivo uma hierarquia visível e indispensável” (BETTI, 1991, P.
50)

Por isso, o esporte tornou-se um dos principais meios


de afirmação da ideologia dominante sendo usado para mas-
carar e/ou camuflar os conflitos sociais e os verdadeiros pro-
blemas da sociedade.

262
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Porcher, citado por Betti (1991, p.56), afirma que “o fenôme-


no esportivo, alimentado pelos meios de comunicação de massa,
tem implicações no plano do nacionalismo, pois a opinião pública
costuma confundir o desempenho esportivo com os assuntos do
Estado.”

Na mesma linha, Bracht (2003, p. 32) afirma que “as injus-


tiças sociais podem ser compensadas por uma identificação com
a nação no contexto do confronto esportivo internacional”. Sendo
assim, o cidadão comum, ao ver a seleção nacional de verde e
amarelo defendendo o país, se sente representado e vitorioso,
independente do que está acontecendo em sua vida. Ele corre
com as pernas do ídolo e recebe com ele a medalha de cam-
peão no peito. Apesar das dificuldades de sua vida cotidiana ele é
“campeão do mundo”, o “melhor do mundo”, e, pelo menos nesse
aspecto, se sente respeitado, mesmo que nada de concreto mude
depois que o jogo ou o campeonato acabem.

Outra questão importante é levantada por Bracht (2003,


p. 88), quando mostra que “a idéia defendida e disseminada (e
falsa) é a de que para termos uma população ativa, esportiva e
fisicamente, precisamos de heróis esportivos que atuariam como
exemplos.” Dessa forma, busca-se mostrar às novas gerações a
necessidade de trilhar os mesmos caminhos trilhados pelo atleta-
herói em busca do sucesso e da fama, copiando seu modelo.

Nesses discursos não se enfatiza a falta de oportunidades


e de estrutura para a inclusão social, deixando o indivíduo à mer-
cê de suas condições individuais para se sobressair e a idéia de
que, se ele não obtiver sucesso, será o único culpado.

Um exemplo de ideologia
no esporte

No ano de 2008, o Governo do Distrito Federal investiu alguns milhões de


Reais para reformar o Ginásio de Esportes da cidade para que fossem rea-
lizados alguns jogos da Copa do Mundo de Futsal da FIFA.

263
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Em função do desinteresse da população frente a tal campeonato e, diante


da certeza de arquibancadas vazias, criou-se um projeto que levou aos
jogos alunos das escolas públicas do Distrito Federal para que o ginásio
fosse sempre visto por quem assistiu aos jogos pelo mundo afora, lotado
de espectadores.

O discurso do governo foi o de estar investindo no esporte da cidade, cons-


truindo um dos ginásios mais modernos do mundo. Porém, após o final dos
jogos, nem as crianças que foram levadas para lotar o ginásio e falsear a
falta de interesse da comunidade pelo evento, nem as demais crianças da
periferia do Distrito Federal, irão usufruir efetivamente da reforma do Gi-
násio. Pode-se dizer ainda mais: que a população do Distrito Federal, de
forma geral, não terá qualquer benefício com tal reforma.

Se, ao contrário, os milhões gastos na reforma fossem aplicados nas escolas


públicas, com a reforma e construção de espaços para a prática de Educa-
ção Física, além da compra de materiais que permitiriam tal prática, teríamos
aí, um verdadeiro investimento no esporte.

É bom lembrar que as crianças levadas aos jogos com o único objetivo de
encher as arquibancadas “para inglês ver”, dificilmente terão nova oportuni-
dade de entrar no ginásio reformado, visto que os eventos que lá acontecem
tem preços muito elevados diante de suas posses. Além disso, não terão
muitas oportunidades de praticar esportes, visto que na sua comunidade,
as escolas e os espaços públicos não oferecem as condições necessárias
para tal.

Assim como o Governo do Distrito Federal, muitos outros governantes in-


vestem em obras faraônicas que terão visibilidade imediata na mídia - que
se reverterá em votos -, com o discurso de estarem investindo no esporte,
enquanto deixam de investir na popularização e massificação da prática
esportiva, que deveria ser oferecida como direito de todos.

A partir dessa prática, cria-se uma massa de consumidores alienados e


conformados com sua incapacidade e impossibilidade diante do que deve-
ria ser seu direito.

264
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

1.4.5 Ideologia e Alienação

Do lado contrário de tudo que foi dito sobre ideologia, Chauí


(2001, p. 113) afirma que sua verdadeira função é:

... a de apagar as diferenças, como as de classes, e de


fornecer aos membros da sociedade o sentimento da
identidade social, encontrando certos referenciais
identificadores de todos e para todos, como, por
exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a
Nação, ou o Estado.

Para tanto, é necessário sair da alienação, vencer


o senso comum e alcançar a capacidade crítica de con-
testação que permita a reflexão acerca das condições de
cada um, fato que levará à consciência crítica.

Mas o que é alienação?

“Alienação é fazer com as próprias mãos um


mundo que não é o seu.” (Rubem Alves)

Para Aranha e Martins (2002, p. 12), “etimologica-


mente a palavra alienação vem do latim alienare, alienus,
que significa: ‘que pertence a um outro’. E outro é alius. Sob
determinado aspecto, alienar é tornar alheio, transferir para
outrem o que é seu”.
Para clarificar o conceito é interessante usar o mes-
mo exemplo apresentado por Codo (1985) quando se refere
ao carro que compramos para pagar em prestações. Nesse
caso, no documento do carro vem a observação: alienado
à Financeira X. Isso significa que o carro que compramos
é nosso, mas ao mesmo tempo ele não é nosso por-
que ainda não está completamente pago e se deixarmos de
quitar as prestações a financeira tem o direito de tomá-lo
de volta.

265
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Em outras palavras, o carro é meu, eu sou o responsável


pela conservação e tenho o direito de usá-lo, porém ele pertence
efetivamente à financeira que será sua dona até que eu pague
toda a dívida. O carro, nesse caso, está alienado.

Nesse sentido a alienação pode ser explicada como o fato


de o sujeito, apesar de ser dono dos seus atos, da sua vida e de ter
a opção de gozar de todos os seus direitos, é controlado pela ideo-
logia imposta por outros e passa a viver de acordo com o que lhe é
ditado, acreditando ser esse o caminho verdadeiro a ser seguido.

Em nossa vida cotidiana, podemos observar a alienação


no trabalho mecanizado e não criativo imposto à grande maioria
dos trabalhadores. Isso se apresenta na linha de montagem das
fábricas, onde o operário é responsável por uma única função na
produção, sem ter o conhecimento de como se faz a montagem
do produto como um todo. Ele sabe apenas um pequeno pedaço
de tudo que é necessário para produzir o que ele diz produzir. Em
outras palavras, “os operários produzem, mas não têm a míni-
ma idéia de como se produz o produto que eles mesmos fazem”
(CODO, 1985, p. 36).

Um exemplo é o caso do operário que trabalha na linha de


montagem de um determinado automóvel. Sua função é apertar
os parafusos da porta dianteira esquerda do referido automóvel.
Num mesmo dia ele aperta os parafusos de dezenas de portas,
contribuindo assim com a montagem dos automóveis. Podemos
dizer que ele é responsável pela montagem do automóvel mas, ao
mesmo tempo, ele não sabe montar um automóvel. Sabe apenas
apertar os parafusos da porta dianteira esquerda.

Além disso, é possível que ele, com o salário que ganha


montando automóveis, não tenha condições de adquirir o produto
de seu trabalho. Ou seja, passa a vida montando automóveis, não
sabe efetivamente como montar um automóvel e, além disso, não
pode ter um automóvel que ele mesmo monta.

Assim como ele, os demais funcionários que trabalham na


linha de montagem do mesmo automóvel, só sabem realizar uma
função e, também, não podem comprar o mesmo automóvel. Isso

266
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

acontece porque, segundo Codo (1985, p. 36), nesse trabalho a


“produção é totalmente coletivizada, vários operários contribuem
na obtenção do produto, mas nenhum deles domina o processo
de produção”.

E ao se conformar com tal situação e realizar mecanicamen-


te seu trabalho, o operário contribui com o processo de exploração
dos trabalhadores, o que alimenta a indústria e a ideologia vigente.

Sendo assim, o trabalho que deveria ser o meio de cons-


trução e libertação do homem, o meio para sua humanização,
torna-se sua prisão. E acaba sendo o trabalho sua única forma
de expressão, já que a ele não são oferecidas oportunidades de
lazer e de cultura, onde possa se mostrar de forma criativa. Seu
lazer acaba por se transformar apenas no consumo dos bens e
valores impostos pela mídia de massa por meio de seus progra-
mas e propagandas reprodutores da ideologia. Isso faz com que o
trabalho seja “ao mesmo tempo criação e tédio, miséria e fortuna,
felicidade e tragédia, realização e tortura dos homens” (CODO,
1985, p. 09)

Para Freitag (citado por BRACHT, 2003, p. 34)

A alienação do trabalhador
assalariado tem na obra
de Marx três significados:

a) Abjetivação no A desapropriação c) Tornar-se estranho


b)
a si mesmo, não
sentido de ‘colocar do produto de seu
se reconhecendo
fora de si’ através trabalho por outros mais no produto de
do trabalho a sua seu trabalho como
própria essência produtor.
= PRODUTO DO TRABALHO; = APROPRIAÇÃO CAPITALISTA = PERDA DA CONSCIÊNCIA DE SI

Essa perda da consciência de si leva à exploração do tra-


balho e do trabalhador. Segundo Codo (1985, p.19), paga-se o
trabalhador que realiza o produto o necessário para que ele so-
breviva e vende-se o produto no mercado pelo valor que ele tem.

267
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

E esse trabalhador, explorado no seu trabalho e alienado à


sua própria condição, torna-se consumidor dos produtos que ele
mesmo produz acreditando assim fazer parte dos bens e valores
da sociedade. Porém, segundo Codo (1985, p.32),

Se um animal, ao se relacionar com o seu meio


ambiente, se conforma, ou seja, se torna parecido
consigo mesmo, os homens, na medida em que se
relacionam com o seu próprio meio, criado por eles,
também se tornam seres humanos. Se o homem é
roubado no seu próprio trabalho, é roubado de si
mesmo, perde-se quando deveria se identificar,
desconhece a si mesmo quando deveria se reconhecer,
destrói-se quando deveria estar se construindo.

É bom mostrar que o consumo alienado é parte da des-


truição do homem que, roubado no seu trabalho e no seu lazer,
é também roubado quando consome, pois não é dono do seu
próprio desejo. Um exemplo é dado por Aranha e Martins (2002,
p. 16) ao mostrarem que “quando bebemos Coca-Cola porque ‘é
emoção pra valer!’, bebemos o slogan, o costume norte-ameri-
cano, imitamos os jovens cheios de vida e alegria. Com o nosso
paladar é que menos bebemos...”

Isso quer dizer que, dentro das suas condições, o trabalha-


dor passa a consumir o produto do seu trabalho mecânico, tam-
bém de forma mecânica, por um preço muito maior do que vale o
seu trabalho, conformando-se sempre com o fato de ter apenas
um pequeno quinhão do que produz.

Podemos dizer que esse trabalhador é dono do seu traba-


lho, mas não tem o seu domínio e é explorado em seu trabalho.
Ele é dono do seu lazer, mas também não o domina, apenas o
consome. Ele é dono do direito de escolha, mas não pode exerce-
lo, senão seguir os ditames impostos por outros. Tudo isso mostra
Chegamos ao infer-
no pelo paraíso do
que esse trabalhador está alienado.
trabalho e também
atingimos o paraíso Em função disso, e diante das armadilhas criadas pela
pelo inferno do tra- ideologia, é necessário que os indivíduos consigam interpretar e
balho. (CODO, 1985,
p. 19) superar suas imposições para manterem-se vivos e aceitos, ainda

268
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

que pela força, pois o homem é o único animal que, diante dos
fatos sociais e culturais, “é simultaneamente agente e paciente,
determinante e determinado; e o que é mais característico e es-
pecífico é que, na perspectiva do conhecimento, o homem é, ao
mesmo tempo que o ‘conhecido’, também o ‘conhecedor’ (PRADO
JÚNIOR, 2001, p. 82).

1.4.6 Alienação no Esporte !

Para Betti (1991, p. 51) a atividade do atleta reproduz o tra-


balho do operário da fábrica, sendo que os dois casos tornaram-se
totalmente abstratos em quatro níveis: da atividade, do corpo, do
tempo e do espaço.

No nível da atividade, os gestos esportivos são cada vez mais a repetição


de si mesmos. As atividades naturais e prazerosas tornaram-se mecaniza-
das, em situações artificialmente criadas, onde a luta contra o tempo é o
fator central.

No nível do corpo, este é considerado apenas como um meio para o alto


rendimento, existindo independentemente da totalidade do homem.

No nível do tempo, a abstração provém da integração ao domínio do cronô-


metro, o qual detém o tempo e o fixa nos recordes; as referências temporais
da vida cotidiana são suprimidas.

No nível do espaço, não há relação direta com a natureza, à qual se inter-


põe o artifício esportivo; a pista substitui o bosque; a piscina, o rio. A natu-
reza é considerada em seu aspecto da rentabilidade para o fato esportivo;
ela está ‘coisificada’.

A partir dessa constatação, é preciso refletir sobre o papel


do esporte na vida dos próprios atletas e dos espectadores. Se por
um lado o atleta tornou-se um operário do esporte, alienando-se
às suas estruturas para manter-se no topo, do outro lado o ope-
rário tenta copiar os comportamentos torcendo e sonhando com o
sucesso do ídolo, que acaba sendo seu próprio sucesso.

269
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

O esporte tornou-se uma grande indústria e os atletas –


seus operários – precisam ganhar a qualquer custo, visto que só
o primeiro lugar é reconhecido. Para Betti (1991, p. 50) “o que im-
porta no esporte é o resultado; o esportista vale o que vale seu
resultado, e toda sua atividade depende de seu sucesso”. Na busca
desse sucesso passa a “valer tudo”: o uso de doping, treinamentos
extremos, burlar regras e passar por cima de conceitos éticos que
garantiriam a lisura nas competições.

Nas últimas Olimpíadas em Pequim na China, várias de-


núncias foram apresentadas sobre os desmandos do governo da-
quele país para com sua população, para que os jogos fossem
realizados e para que o mundo pudesse contemplar o poderio
do sistema. Porém, os atletas brasileiros, ao serem perguntados
sobre o que achavam de tal situação, falavam apenas que o im-
portante era o esporte e que eles estavam ali para defender seu
país e para buscar medalhas.

Mas defender o país contra o que? Que males acontece-


riam ao Brasil se nossos atletas não fossem às Olimpíadas defen-
dê-lo? E que benefício o povo brasileiro teve a partir da participa-
ção desses atletas nos referidos jogos?

Vários discursos sobre as vantagens que teríamos por cau-


sa da realização dos Jogos Pan-americanos no Rio de Janeiro.
Porém, além dos altos custos da realização que foram assumidos
pelo Governo Federal e das incertezas quanto à aplicação des-
ses recursos, pouco se sabe sobre os ganhos reais da população
brasileira com a realização desses jogos no Brasil.

Ganhamos muitas medalhas e a mídia disseminou a ne-


cessidade de estamparmos no peito o nosso orgulho por termos
ficado em terceiro lugar na classificação final, mais nada de con-
creto foi feito para possibilitar o acesso às atividades de Educação
Física e Esportes para as populações que historicamente não as
têm.

270
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

É bom enfatizar que, durante a realização dos jogos, muito


se vendeu, muito se lucrou com as vendas, mas o povo em nada
se beneficiou.

Também é interessante falarmos da seleção brasileira de


futebol. Há um enorme comércio em torno dos jogos dessa sele-
ção e a mídia insiste em enfatizar a importância de estarmos junto
com nossa seleção canarinha, independente de toda a obscurida-
de que a cerca.

Não temos, por exemplo, certeza dos critérios que levam


às convocações:

Os jogadores são convocados por seus méritos ou as con-


vocações são imposições das empresas patrocinadoras?

Os jogadores jogam por amor ao país ou pelo lucro que


obterão por jogar na seleção?

Se a seleção é do povo, porque os ingressos são tão caros


- o que impossibilita a presença do povo nos jogos?

Quando a seleção joga, ela está preocupada com o bem do


povo ou apenas quer que o povo a admire e venere?

Precisamos ainda desmitificar o fato de que a seleção bra-


sileira de futebol não é a pátria de chuteiras e nem seus jogadores
são heróis que defendem a pátria. Seus feitos nada mais são que
vitórias em jogos de futebol e eles são muito bem remunerados
para jogar. Não há heroísmo nisso. Trata-se, apenas, de uma se-
leção formada pela Confederação Brasileira de Futebol cujo presi-
dente perpetua-se no cargo, sem dar oportunidade para que nin-
guém saiba a verdadeira realidade sobre a indústria que formou
em torno de um time de futebol.

Porém, tanto os jogadores da seleção se sentem heróis,


que defendem a pátria e dão ao povo alegria, quanto o povo aca-
ba por crer que eles são realmente heróis, pois o faz acreditar no
próprio potencial e no potencial da nação, e na possibilidade de
vitória, mesmo diante de todas as dificuldades.

271
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Dessa forma, quando a seleção entra em campo, esconde-


se toda uma realidade social e cultural, que desrespeita o povo
que torce, deixando-o à margem das reais possibilidades do ser
humano.

1.5 Vencendo a Alienação – Do


Senso Comum ao Bom Senso
1.5.1 Senso Comum
Segundo Aranha e Martins (2002, p. 35), o senso comum
é um conhecimento adquirido por tradição, herdado dos antepas-
sados e ao qual são acrescentados os resultados da experiência
vivida na coletividade a que o indivíduo pertence. É um conjunto
de idéias que permite a interpretação da realidade, bem como de
um corpo de valores que ajuda a avaliar, julgar e, portanto, agir.

Para as autoras:
O senso comum não é refletido e se encontra mistu-
rado a crenças e preconceitos. É um conhecimento
ingênuo (não crítico), fragmentário (porque difuso,
assistemático e muitas vezes sujeito a incoerências)
e conservador (resiste a mudanças).

Em função dessas características, o indivíduo que perma-


nece vivendo sob o foco do senso comum, é um cidadão facil-
mente explorado pelo poder ideológico das classes dominantes.
visto que não reflete nem faz análises aprofundadas da realidade
que o cerca.

Cabe lembrar que o senso comum está diretamente rela-


cionado à alienação, mas não se trata, apenas, de considerá-lo
como um nível de compreensão de mundo inferior ou pequeno
diante das relações sociais. Antes disso, é preciso respeitar o sen-
so comum como saber construído a partir das vivências e convi-
vências possíveis ao indivíduo.

272
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Para Freire (1996, p. 29), educar “tanto implica o respeito ao


senso comum no processo de sua necessária superação, quanto
o respeito e o estímulo à capacidade criadora do educando”.

Isso significa que devemos respeito ao senso comum e


que temos responsabilidade quanto à sua necessária superação
para que o indivíduo possa passar da condição de ingenuidade
no pensamento para um processo de reflexão elaborada que per-
mita a ele sair da situação de mero objeto de reprodução de uma
realidade alienada, para a de participante e construtor crítico de
sua história e da história da sua sociedade.

Freire (1996, p. 31), afirma que:

Não há [...] na diferença e na ‘distância’ entre a


ingenuidade e a criticidade, entre o saber de pura
experiência feito e o que resulta dos procedimentos
metodicamente rigorosos, uma ruptura, mas uma
superação. A superação e não a ruptura se dá na
medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar
de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser
curiosidade, se criticiza.

Para que haja essa superação é preciso que se estimule


a criatividade e que se permita a expressão de seus resultados.
Porém, é preciso também entender a criatividade não como um
dom divino que cabe apenas a alguns privilegiados, mas como
uma capacidade inerente a todo e qualquer ser humano, que no
processo de desenvolvimento, pode ser podada ou estimulada.

Porém, num processo ideológico que impõe a idéia do tra-


balho como único meio de dignificação do homem e do ócio como
mecanismo de criação de pensamentos ruins e malignos, e onde
a educação passa a ser a educação para o trabalho, o lazer é um
luxo inacessível e o trabalho uma necessidade vital para que o ho-
mem se torne homem.

Sendo assim a criatividade passa a ser necessidade apenas


das classes dominantes, no sentido em que precisam de tal artifí-
cio para continuar comandando e, dessa forma, desconsidera-se

273
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

sua necessidade na educação daqueles que precisam manter a


máquina do trabalho funcionando.

Para que esse processo se efetive, a educação das classes


dominadas é apenas reprodutora e informadora, não permitindo
a exploração, a criação e a imaginação. Para Aranha e Martins
(2002, p. 338):

Imaginar é a capacidade de ver além do imediato, do que é, de criar pos-


sibilidades novas. É responder à pergunta: “se não fosse assim, como po-
deria ser?”.

E é impedindo o desenvolvimento da criatividade, a partir do


estímulo a não imaginação e a conformação da realidade, a partir
da constatação equivocada de que as coisas são como são por de-
terminação divina, que se impede a superação do senso comum.

Para Freire (1996, p. 54) é preciso compreender que nossa


situação concreta não é destino certo ou vontade de Deus, algo
que não pode ser mudado.

Nesse ponto, a superação do senso comum para o bom


senso torna-se imprescindível e, para tanto, é preciso estimular a
capacidade crítica e criativa dos educandos e dos trabalhadores,
sua curiosidade e a insubmissão.

Para Codo (1985, p. 38)


O exercício do bom sen-
so, com o qual só temos Por paradoxal que pareça, é a inteligência acumulada
o que ganhar, se faz no de cada trabalhador que promove a burrice do
“corpo” da curiosidade.
Neste sentido, quanto
trabalhador. Uma fragmentação do conhecimento,
mais pormos em prática que permite uma acumulação fantástica desse
de forma metódica a nos- conhecimento em pouquíssimas mãos e o fragmenta
sa capacidade de inda- tanto, o divide tanto, que ninguém é dono dele.
gar, de comparar, de du-
vidar, de aferir, tanto mais
eficazmente curiosos nos Por isso é preciso superar o pensamento ingênuo de que
podemos tornar e mais
as coisas são como são e buscar sua verdadeira essência, buscar
crítico se pode fazer o
nosso bom senso (FREI- o conhecimento verdadeiro a respeito da realidade para transfor-
RE, 1996, p. 62).
má-la, deixando o papel de submisso e alienado, atingindo a ca-
pacidade de reflexão que nos leva ao bom senso.

274
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

Hora de praticar
A partir dos conceitos discutidos na unidade I reflita:

Que tipo de atividade você propõe para seus alunos: atividades alienantes ou atividades
que permitem o desenvolvimento da criatividade?

Você se considera um professor alienado? Se sim, diga a que você acha que está alienado
e o que você pode fazer para deixar essa condição.

Suas aulas são embasadas no senso comum ou no bom senso?

De que forma a Educação Física e o Esporte podem contribuir para a superação do senso
comum pelo bom senso?

Nesta Unidade foi apre- É importante ficar claro que o profes-


sentado como se deu o sor de Educação Física deve estar consciente
nascimento da Filosofia e de seu importante papel educacional na so-
alguns importantes con- ciedade em que vive, para que não seja um
ceitos ligados a ela como reprodutor de ideologias e nem aceite passi-
o mito e suas várias atribuições na nossa vamente imposições de práticas pedagógicas
vida cotidiana. Vimos também como se deu a que enfatizem processos de alienação.
transição do mito para a filosofia e a relação Para tanto, o estudo da Filosofia e
dessa com a ciência. dos conceitos aqui apresentados podem
Além disso, foram apresentados servir de ferramenta na busca de uma Edu-
conceitos de ideologia e alienação e suas cação Física liberta - de ideologias, mitos e
relações com o Esporte e a Educação Físi- alienações - e libertadora.
ca, sendo discutidos também os conceitos Este estudo chama o professor de
de senso comum e bom senso, enfatizando educação física à consciência de seu papel
a necessidade da superação do primeiro político na ação pedagógica, esperando um
pelo segundo. posicionamento crítico diante da realidade
social em que atua.

Parabéns! Terminamos com sucesso a primeira unidade do nosso estudo. Agora é hora de
seguir em frente. Vem aí o estudo da Sociologia e sua relação com a Educação Física e o
Esporte. Vamos em frente?

275
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 A FILOSOFIA

276
FUNDAMENTOS
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS
SÓCIO-FILOSÓFICOS DA
DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO FÍSICA
FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

UNIDADE 2

Sociologia
Nesta Unidade você terá a oportunidade de ver a Sociologia de uma maneira obje-
tiva de forma a esclarecer seus conceitos e contextualizá-los dentro da Educação Física
e do Esporte. Elucidaremos a importância do estudo da Sociologia, principalmente para
a Educação Física e o esporte. Para tanto, nesse trabalho, tentaremos traçar um percurso
da história da sociologia para entender sua aplicabilidade na nossa vida cotidiana.

Objetivos
Ao final desta Unidade esperamos que você seja capaz de:

entender o conceito de Sociologia e sua aplicação prática na sua vida cotidiana, na


Educação Física e no Esporte;

conhecer e entender os conceitos de secularização, racionalização, imaginário social,


corpo, narcisismo e individualismo segundo a sociologia e suas aplicações no cotidia-
no da Educação Física e do esporte.

Então, vamos a ela!

277
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

2.1 Para que Sociologia?


[...] Minha presença no mundo não é a de quem a ele
se adapta, mas a de quem nele se insere.
É a posição de quem luta para não ser apenas objeto
mas, sujeito também da História.” (FREIRE, 1996, p.
54)

Você já deve ter lido ou ouvido falar em Sociologia. Se


pedissem a você para conceituar sociologia, provavelmente você
diria que o termo deriva de duas palavras: sócio (sociedade) e
logia (estudo). Assim, estudo da sociedade.

Mas qual a importância do estudo da Sociologia, princi-


palmente para a Educação Física? Nesse trabalho, tentaremos
traçar um percurso da sua história e entender sua aplicabilidade
na nossa vida cotidiana.

Para tanto, podemos começar afirmando que a Sociologia


é o campo do conhecimento que permite compreender cientifica-
mente o que acontece na sociedade. A sua base começou a ser
construída em meados do século XIX, tendo como precursores os
franceses Auguste Comte (1798 – 1857) e Émile Durkheim (1858
– 1917), além dos alemães Karl Marx (1818 – 1883) e Max Weber
(1864 – 1920).

As bases lançadas por Augusto Comte surgem com o que


ele denominou “Física Social” e, posteriormente, “Sociologia”. Des-
sa maneira, caberia à nova ciência entender a realidade social do
seu tempo para poder interferir, acelerando o desenvolvimento.

A partir dessa compreensão, pode-se destacar que uma


das principais contribuições de Comte encontra-se na “Lei dos
Três Estados”, pelos quais a evolução da humanidade passou (LAKA-
TOS e MARCONI, 1999, p 46).

278
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

“Teológico” - os fatos eram explicados pelo poder de um ser superior.

“Metafísico” – serviu de intermediário entre o primeiro e o terceiro estados.

“Positivo” – os fatos passaram a ser explicados por leis gerais de ordem


positivista.

Faz-se necessário salientar que o estado positivista só en-


contraria o ápice de sua maturidade racional com o desenvolvi-
mento e com a intervenção da Sociologia. Émile Durkheim, por sua
vez, contribuiu significativamente para que a Sociologia adquirisse
o status de ciência, visto que, na sua obra “A regra do Método So-
ciológico” propôs o método a ser adotado pela Sociologia. Segundo Positivismo
Sistema filosófico de
ele, o fato social deveria ser tratado como “coisa” e as pré-noções
Comte que se baseia nos
deveriam ser abandonadas (LAKATOS e MARCONI, 1999). fatos e na experiência, e
que deriva do conjunto
Na compreensão de Durkheim, a sociedade predomina sobre das ciências positivas,
repudiando tudo o que
o indivíduo, pois ela impõe as normas de conduta social. Assim, o “fato
é metafísico e sobrena-
social” era considerado exterior ao indivíduo, tendo caráter coercitivo, tural; modo de encarar
a vida unicamente pelo
e encontrava-se generalizado em uma determinada sociedade.
lado prático.
Lakatos e Marconi (1999) afirmam que esse autor compa-
rou as sociedades antigas e modernas e destacou que a socie-
dade evoluiu de um tipo de solidariedade original ou mecânica
para um tipo de solidariedade orgânica. Para ele, a solidarieda-
de mecânica era resultado da semelhança entre os indivíduos,
pois, nas sociedades antigas, todos desempenhavam atividades
idênticas. Quanto à solidariedade orgânica, presente nas socie-
dades modernas, seria fruto da dessemelhança, resultado esse
de como cada um entregava-se a uma atividade econômica.

Em Karl Marx destaca-se o estudo dos modos de produção


que, segundo ele, compõem-se de uma estrutura da qual fazem par-
te as forças produtivas e as relações de produção e, também, de uma
superestrutura, composta pelo aparato jurídico, político e ideológico.
De acordo com a sua definição de superestrutura, ela constrói-se
com base na estrutura da sociedade que dispõe de mecanismos
jurídicos, políticos e ideológicos capazes de garantir a reprodução
das relações de produção (LAKATOS e MARCONI, 1999).

279
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

Os autores enfatizam que Marx, ao estudar o desenvolvi-


mento do capitalismo, percebeu que a jornada do trabalhador é
formada pelo trabalho necessário e pelo trabalho excedente. Na
sua compreensão, o trabalho necessário gera o salário do traba-
lhador e o trabalho excedente é o responsável pelo que denomi-
namos “mais-valia”, de onde é produzido o lucro. Sua acumulação
possibilitou o desenvolvimento do capitalismo. Max Weber, em
sua análise social, não considerava a sociedade superior ou ex-
terior aos indivíduos, pois ela podia ser compreendida a partir do
conjunto das ações individuais.

Weber escreveu Ética protestante e espírito do capitalismo


tentando explicar a dinâmica do processo do desenvolvimento do
capitalismo. Na sua explicação, a religião protestante, diferente-
mente da católica, procurava levar os fiéis e adeptos a trabalhar
constantemente para assegurar um lugar no céu. Dessa manei-
ra, impedia-os de gastar seu capital com luxo e ostentação. Essa
concepção de trabalho e produção teria contribuído para os paí-
ses protestantes vivenciarem o grande avanço do capitalismo.

Weber, também, aprofundou a burocratização, a qual ele


considerava como uma mudança da organização pautada em va-
lores e ações para uma organização baseada para os objetivos
e ação. Ou seja, a mudança da chamada autoridade tradicional
para a autoridade racional-legal (LAKATOS e MARCONI, 1999).

Diante dessa exposição inicial, podemos verificar que é


inegável a contribuição da Sociologia como ciência na compreen-
são da sociedade e das relações sociais.

280
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

2.1.1 A Sociologia e seu Processo Histórico

Pode-se sustentar que a Sociologia foi aos poucos se fir-


mando como uma ciência plural que se ocupa das relações so-
ciais e fornece elementos para ações concretas e intervenção em
processos sociais.

Foi na França e na Alemanha que no século XIX surgiram


os primeiros esforços para sistematizar e delimitar o seu objeto de
estudo, além da definição do método de pesquisa da Sociologia.

Já no século XX a Sociologia, além de expandir-se para


outros países europeus, entre eles Inglaterra, Itália e Bélgica,
avançou para outras regiões do planeta, como Estados Unidos e
América Latina.

No início do século XX, a Sociologia, na França, debruça-


va-se sobre grandes temas como moral, religião, direito, educa-
ção e morfologia social. Nos anos que antecederam a Segunda
Guerra Mundial, começou a mergulhar numa crise que veio à tona
com o término da guerra retratando a dura realidade do atraso da
Sociologia nos EUA (LAKATOS e MARCONI, 1999).

Na década de 1930, na Alemanha, o nazismo causou um


vasto declínio na construção do pensamento sociológico, fechan-
do revistas e publicações de Sociologia e provocando uma perse-
guição aos sociólogos de origem judaica, os quais foram obriga-
dos a emigrar para outros países.

No período entre 1950 e 1960, apresentou uma considerá-


vel recuperação, que culminou com os acontecimentos de maio
de 1968, deflagrando uma nova crise no pensamento sociológico
francês. Os sinais de recuperação começaram a surgir nos anos
de 1980 e 1990, sobretudo com as contribuições de Pierre Bour-
dieu, Alain Touraine, Michel Crozier e Raymond Boudon.

O grande avanço da Sociologia no século XX verificou-se


nos Estados Unidos, onde se estabeleceu uma configuração nova
e distinta da fisionomia da Sociologia européia. Os seus estudos

281
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

passaram de uma tradição mais especulativa para uma concep-


ção de estudos práticos.

Atribui-se esse desenvolvimento ao resultado das con-


tribuições dos sociólogos europeus, dos filósofos neomarxistas
da Escola de Frankfurt, dos austríacos Alfred Schutz e Joseph
Schumpeter e do soviético Pitirim Sorokin.

Já na década de 1960, a Sociologia norte-americana as-


sumiu nova perspectiva, principalmente em virtude da especiali-
zação dos sociólogos e da divisão da Sociologia em vários cam-
pos. Outra mudança ocorreu devido à influência do pensamento
marxista ao se debruçar sobre as questões como a desigualdade
social, classe social, pobreza e racismo.

Por fim, a terceira mudança sentida na Sociologia norte-


americana deu-se no final da década de 1970 e no início de 1980,
sobretudo, com o surgimento de novas áreas de atuação, princi-
palmente dedicando-se ao estudo da interação face-a-face, da
socialização e da comunicação.

Na América Latina, a Sociologia surgiu entre as décadas


de 1950 e 1960, sob forte influência do pensamento sociológico
francês e norte-americano, a partir de temas relacionados ao de-
senvolvimento nacional e à modernização social e política.

No Brasil, surgiram os primeiros centros universitários des-


tinados à formação de sociólogos na década de 1930.

Nas décadas de 1950 e 1960, houve um avanço com a pro-


dução significativa e substancial de estudos resultados do esforço
e da qualidade na formação ocorrida e frutos do intercâmbio en-
tre sociólogos brasileiros e estrangeiros. Contudo, o golpe de 1964
desencadeou um retrocesso, principalmente com a desarticulação
estabelecida por meio do exílio de uns e aposentadoria de outros
sociólogos. Uma retomada dos estudos e da produção da Sociolo-
gia brasileira só veio a ocorrer com o processo de redemocratização
do país na década de 1980.

282
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

2.1.2 Por que Estudar Sociologia?

Assim como no caso da Filosofia, você já deve ter ouvido


ou, algumas vezes, até se perguntado, por que estudar Sociolo-
gia ou em que essa disciplina vai contribuir para o seu curso de
Educação Física.

O fato é que a Sociologia sempre foi tratada, ao longo de


sua breve história, com um certo desprezo histórico construído
pelo seu conservadorismo, desde o seu surgimento na França ou,
ainda, por ser instrumento de subversão e rebeldia frente à ordem
vigente.

A intenção desse trabalho é resgatar seu


significado e demonstrar que a Sociologia ocupa
um espaço privilegiado na formação do ser hu-
mano, porque em momento algum se explicam os
fenômenos sociais sem compreender a dimensão
histórica que os fatos carregam e, sobretudo, sem
compreender a dimensão social do momento em
que se vive.

No centro dessa discussão encontra-se a


Sociologia contemporânea, com algumas questões
relevantes, principalmente por se tratar de uma ci-
ência da vida social, justamente por debruçar-se em
estudos fundamentais sobre a perspectiva do uni-
verso juvenil. São estudos que envolvem o mundo
do trabalho e da violência juvenil, as questões de conscientização
ambiental, além dos meios de comunicação e dos movimentos
sociais (LAKATOS e MARCONI, 1999).

A preocupação maior é tornar a Sociologia uma ciência


que venha a contribuir com a formação da cidadania, superando
os preconceitos de uma ciência com ênfase no acúmulo de co-
nhecimentos, mas perdida na memória dos alunos.

283
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

2.1.3 Sociologia do Esporte

É inegável que o esporte, sobretudo o futebol, seja uma


das instituições sociais mais sólidas do mundo moderno. Para ter-
mos idéia da dimensão e da proporção do que isso representa e
de como se concretizam as relações na prática, basta olharmos
para a Federation International Football Association (FIFA) que
vemos nela uma instituição capaz de reunir um grande número
de países afiliados, superando até mesmo a Organização das Na-
ções Unidas (ONU).

Por sua influência, o esporte continua despontando como


uma das metas importantes dos programas governamentais, e não
raras vezes, tanto as vitórias bem como as derrotas servem de
metáfora para mensurar os sucessos e os fracassos dos sistemas
econômicos e sociais.

Dessa maneira, os estudos sociológicos do esporte têm


conquistado espaço e se tornado uma exigência não pelo simples
fato esportivo, mas principalmente para compreender toda a rea-
lidade social e cultural em que nos encontramos inseridos.

Segundo Helal (1990), o esporte constitui-se como um fato


social construído na vida das pessoas porque desde cedo ele se
impõe sendo capaz de influenciar nossos hábitos e costumes. O
esporte é herdado de geração a geração usando os mesmos ar-
tifícios da língua, da cultura e da religião para penetrar em nosso
cotidiano. Por sua maneira impositiva como se aplica em determi-
nadas situações e em alguns grupos sociais acha-se estranha a
pessoa que não discuta, opine ou fale de algum esporte.

O descaso durante muito tempo por parte das ciências so-


ciais, especialmente da Sociologia, por temas relacionados ao fe-
nômeno esportivo parece ter sido como um “gol contra” devido
aquilo que se constitui em objeto de estudo dessa ciência.

284
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

Pretendemos assim considerar, em nossa reflexão, o es-


porte moderno que se diferencia sociologicamente da brincadeira
e do jogo com dimensões mais lúdicas e despretensiosas, prin-
cipalmente pelas proporções e características que tem assumido
com a secularização e a racionalização. Esse fenômeno não é
privilégio exclusivo do esporte moderno, mas de forma geral da
vida social.

2.1.4 Secularização
De acordo com o dicionário das religiões, secula-
rização (ou secularismo) é uma palavra que apareceu no
século XIX e que deriva do latim saeculum: “século”. Há por
detrás dela uma “ideologia” atéia, fechada à transcendên-
cia e aos valores religiosos, que rejeita toda a relação entre
Deus e o mundo.

Helal (1990) define secularização como um proces-


so pelo qual realidades pertencentes ao domínio religioso,
sagrado ou mágico, passaram a pertencer ao domínio pro-
fano. A secularização é qualquer explicação racional, cien-
tífica ou técnica que venha substituir uma representação religiosa
ou alguma explicação sagrada ou atribuição divina.

Essas explicações eram próprias das sociedades primitivas


e/ou tribais que mantinham em suas tradições rituais religiosos e
atribuíam explicações aos poderes sobrenaturais das di-
vindades. Dessa maneira, as práticas esportivas encon-
travam-se ligadas as cerimônias religiosas. Pode-se per-
ceber essa concepção nos próprios Jogos Olímpicos da
Grécia Antiga considerados como festivais sagrados onde
os atletas prestavam seu “louvor aos deuses”.

Para traçar uma relação com os conceitos que des-


crevemos com relação à Filosofia, tais jogos estavam liga-
dos aos mitos religiosos de cada sociedade.

Já o esporte moderno, fruto da Revolução Indus-


trial ocorrida na Inglaterra, surge emancipado do vínculo

285
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

religioso. No entanto, Helal (1990, p.37) salienta que o esporte


encontra-se “diante de um interessante paradoxo, pois ao se afas-
tar do amadorismo e adentrar o domínio do profissionalismo, re-
conhecidamente um domínio racional e técnico e, portanto, profa-
no, o esporte tende a se sacralizar”. Pode-se compreender melhor
essa dimensão nas frases relacionadas ao futebol:

“futebol é que nem uma religião”;

“o templo sagrado do futebol brasileiro” (referência feita ao es-


tádio mais conhecido do Brasil: o Maracanã);

“manto sagrado” (referência feita à camisa da seleção ou


mesmo à do time favorito de um torcedor);

“os monstros sagrados do futebol brasileiro” (referência fei-


ta aos grandes craques da seleção brasileira de futebol);

“os deuses do futebol” (referência feita aos grandes joga-


dores de futebol do passado).
E o que dizer das expressões: o cara é fanático por fute-
bol? Das superstições? Do entrar no campo com o pé direito?
Do fazer o sinal-da-cruz ao entrar no campo ou depois de uma
jogada? Das purificações? Das promessas? Da reverência aos
“ídolos” do seu clube?

Como o próprio Helal (1990) afirma:

O que importa é perceber que, apesar de nunca ter


sido um fenômeno totalmente religioso, o futebol,
como muitos outros esportes modernos, passou a ter
uma relação muito próxima com os cultos sagrados.

Isso significa que o futebol – e o esporte de forma geral –


apesar de sua secularização, mantém, na sua essência, na sua
estrutura, mitos que constroem sua sacralização, construída e
mantida a partir da alienação e imposição ideológica. E,
é sempre bom lembrar que, a partir desses aspectos o esporte
torna-se peça importante no processo ideológico de exploração
do povo, do seu trabalho, do seu lazer e do seu consumo.

286
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

2.1.5 Racionalização

Para Helal (1990) “racionalizar consiste, antes de


tudo, em se conformar às leis da razão”. Assim, esse pro-
cesso desconsidera qualquer julgamento ou decisão com
base em fatores pessoais, emocionais e/ou afetivos.
No esporte moderno há uma relação muito íntima
entre secularização e racionalização. Percebe-se esse
processo nos avanços da ciência e da técnica, aliados
com forte aparato tecnológico que superam a concepção
tradicional, mítica, religiosa e mágica.
Verifica-se a racionalização do esporte moderno
nas abordagens da quantificação dos feitos atléticos, na
crescente busca pela especialização de papéis mais estu-
dados, testados, de maneira formal, rígida e calculista que visam,
sobretudo, o melhor desempenho do atleta e das equipes nas
diversas competições.

O espetáculo esportivo, presenciado na modernidade, pas-


sa a ser encarado e construído como momento extraordinário e
especial de celebração e de festa que proporciona um intervalo
da vida como ela é, ou seja, da vida real. Estabelece-se uma que-
bra frente ao cotidiano da vida.

O esporte moderno passa a configurar-se como


espaço de oportunidades de realizar e/ou ampliar negó-
cios, de influenciar na política, de movimentar a econo-
mia e de gerar trabalho.

Perante essa nova configuração, o esporte moder-


no tem sido cada vez mais um produto da indústria de
entretenimento. Essa mudança tem provocado uma que-
bra do ritual, trivializando assim, os eventos esportivos.
A televisão tem exercido papel decisivo na programação
e por meio do financiamento desses eventos esportivos,
pelo vínculo comercial e pela venda de produtos.

287
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

Sendo assim, o atleta, configura-se mais como objeto de


transações entre empresários e clubes, que um ser humano prati-
cante de uma modalidade esportiva e o esporte como uma indús-
tria geradora de grandes benefícios para a classe dominante.

2.1.6 Imaginário Social

Estudos referentes ao imaginário social vêm oferecendo à


Educação Física uma crescente e significativa contribuição. Por
outro lado, ainda não há uma clareza na definição, se seria área
de estudo ou o surgimento de uma nova ciência social.

Talvez devêssemos concordar com a afirmação de Pich


(2008), quando diz que o imaginário social estaria mais propenso
e inserido em uma articulação interdisciplinar de questões e pro-
blemas antropológicos.

O fato é que compreender o imaginário social significa abrir


espaço para aquilo que os pesquisadores das ciências humanas
definem ao afirmarem que:

O ser humano não é indivíduo soberano que a


modernidade criou, mas é determinado por um
conjunto de idéias, sentimentos e normas de ação
que condicionam seus pensamentos e ações. (PICH,
2008, p. 232)

Isso significa que há no agir do ser humano algo mais que


simplesmente razão. Nesse sentido, o imaginário social caracte-
riza-se pela descoberta, no ser humano, da dimensão pulsional
e do desejo, elementos esses que constituem o motor de suas
ações.

Pode-se assim afirmar que, por meio do imaginário, o ser


humano pode atingir suas aspirações, superar seus medos e ali-
mentar suas esperanças. É nele que as pessoas e as sociedades
depositam suas identidades e objetivos e, sobretudo, organizam-
se diante do passado, do presente e do futuro.

288
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

O imaginário social é caracterizado por um conjunto de relações imagéticas


que atuam como memória afetivo-social de uma cultura, capaz de expressar-
se por ideologias e utopias, além dos símbolos, das alegorias, dos rituais
e dos mitos. Esses elementos refletem e traduzem a concepção de mundo,
modelam as condutas sociais e condicionam os estilos de vida. O imaginário
social privilegia o caráter social dos significados que constituem objeto de
seu estudo.

Dessa forma, o sociólogo Durkheim (citado por LAKATOS


e MARCONI, 1999), descobre que em situações de emoções co-
letivas, os seres humanos são capazes de adotar comportamen-
tos semelhantes, não mediados pela racionalidade. Situações e
exemplos como esses, presentes nos eventos esportivos, nos
quais as emoções populares suprem, por momentos, os traços
da individualidade para envolver o sujeito na emoção coletiva. IMAGÉTICO
Que se exprime median-
Assim, na medida em que o ser humano participa de um te imagens ou que revela
imagens.
grupo social, ele assume e incorpora um conjunto de símbolos e
significados que caracterizam a cultura daquele grupo, vinculan-
do de maneira objetiva o sujeito ao objeto. Nesse sentido, há uma
descaracterização da identidade pessoal para a construção ou,
ainda, para a criação de certa identidade social coletiva. Instaura-
se, dessa maneira, uma tensão de forças entre o indivíduo e a
sociedade.

Inserem-se nesse campo do imaginário social, os saberes


sobre os processos de produção de significações sociais relativas
ao corpo e sobre o movimento e suas manifestações, tanto no
campo das práticas da cultura corporal de movimento quanto no
espaço profissional.

São exemplos da temática do imaginário social os estudos


referentes aos significados de corpo, a construção de histórias de
heróis esportivos pela mídia e as significações do esporte e do
lazer dos sujeitos praticantes (PICH, 2008).

289
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

2.1.7 O Corpo

As diversas manifestações corporais dependem de cada


cultura. O corpo social determina o modo pelo qual o corpo físico
é percebido e, nessa interação, um reforça o outro.

O corpo é uma feira de significados (RODRIGUES, 1979),


afetado pela religião, pela ocupação, pelo grupo familiar, pela
classe e por outros elementos sociais, políticos, culturais e sim-
bólicos, podendo ser um objeto de beleza, capaz de suscitar uma
confusão e uma desordem de emoções (prazer e desejo), de
sentimentos (inferioridade ou superioridade, baixa ou alta auto-
estima) e de paixões.

O corpo cria e estabelece um imaginário social, muitas ve-


zes virtual, assumindo uma função ideológica, à qual estão con-
gregadas as crenças e também os sentimentos que encontramos
na vida cotidiana, o que o torna portador em si da marca da vida
social. Se considerarmos todas as modificações que o corpo so-
fre, constataremos que é pouco mais que uma “massa de mode-
lagem à qual a sociedade imprime formas segundo suas próprias
disposições: formas nas quais a sociedade projeta a fisionomia do
seu próprio espírito (RODRIGUES, 1979, p. 62).

Os meios de comunicação de massa tor-


naram-se o veículo mais acionado para a propa-
gação do culto ao corpo. Atualmente, constroem
o padrão de um corpo belo e saudável, o que mo-
tiva cada vez mais pessoas a buscarem recursos
disponíveis no mercado para atingir esse padrão.

No nosso corpo, e nos das pessoas que co-


nosco se relacionam, podem-se reconhecer os di-
versos indicadores da posição social e, por vezes,
manipulá-los em benefício próprio. Constatamos
essa exaltação da forma física na sensualidade
exposta, divulgada e popularizada na publicidade, na moda e na
mídia.

290
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

O padrão corporal produzido pelos meios de comunicação


de massa vem gerando no imaginário social uma busca desenfre-
ada e excessiva por atividades físicas. A construção desse imagi-
nário está em “aceitar que a estetização do cotidiano seja capaz
de resgatar a motivação da vida, a felicidade e o engajamento
social” (NOVAES citado por BIM, 2002, p. 104).

O surgimento de academias de ginástica tem exercido pa-


pel importante na descoberta do corpo, principalmente reforçando
os valores estéticos e desenvolvendo um acentuado individualis-
mo e narcisismo entre as pessoas. Nessa concepção, o corpo
passa a ser constantemente aprimorado, sendo tratado como ob-
jeto de conhecimento e dominação.

No mundo pós-moderno, a estética corporal passou a ocu-


par lugar de destaque, criando uma espécie de transcendentalis-
mo. Dessa maneira, o prazer, o sonho, as fantasias, os símbolos,
as representações, os desejos estéticos, os adornos e os enfeites
passam a ser concebidos como verdadeiros constructos do saber
humano (NOVAES, 2001).

A beleza estética passa a fazer parte do jogo da vida do


homem ocidental moderno. No mundo narcísico do culto ao cor-
po, a auto-realização suprema é a estética, a qual constitui o meio
mais importante para sua valorização. O culto da beleza, da for-
ça e da juventude torna-se sinônimo de saúde e palco para de-
monstração de ostentação e de poder. O que pode significar, por
conseguinte, que não estar nesses quesitos é estar excluído da
convivência. Segundo Baudrillard (1981, p. 160), “o corpo limita-se
a ser o mais belo dos objetos que se possui, manipula e consome
psiquicamente”.

Para Sabino (2000), o corpo passa a ser um critério básico


de reconhecimento e classificação, possibilitando o fundamento
de uma reciprocidade calcada em uma concepção de mundo cen-
trada no indivíduo, tipicamente de uma sociedade narcísica e con-
sumista. A ânsia desenfreada e doentia pelo ‘corpo em forma’ ou

291
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

pelo ‘corpo perfeito’ é sinônimo de sucesso, status e dinheiro. O


corpo individual passa a constituir-se o centro do universo simbó-
lico. As relações sociais ficam dependentes da forma, da maneira
e das condições ostentadas pelo corpo.

A forma física passa a ser utilizada como instrumento de


promoção social e ascensão (surgem convites para festas), seja
na dimensão sexual (maior prestígio social) ou na inserção nos
diversos setores do mercado de trabalho.

Atualmente, o culto ao corpo toma proporções gigantescas,


seja pela beleza estética, pelo esporte, pela realização de atividades
físicas, seja ainda pela manutenção de um corpo saudável ou exclu-
sivamente para obter reconhecimento social, ascensão financeira e/
ou auto-afirmação. Para Sabino (2000, p. 103) “a aparência se torna,
assim, uma espécie de capital corporal a ser investido em harmonia
com a lógica do lucro inerente ao mercado”.

E uma das mais ostentosas e exibicionistas manifestações


narcíseas do culto ao corpo, no mundo moderno é a luta Vale-
tudo, onde literalmente vale tudo para mostrar que o corpo é mais
forte e perfeito que os demais (RANZI, 2005).

E a Educação Física, onde fica nessa história? Ao estimu-


lar as práticas corporais que visam apenas o desenvolvimento
da musculatura e o consumo de produtos que a indústria oferece
para que haja uma pseudo-melhora do corpo, ela contribui para o
crescimento da necessidade de culto ao corpo e, para sair dessa
situação, dever-se-ia seguir os passos propostos por Santin (1987,
p. 50) quando considera:
O princípio do uso do corpo deve ser substituído pela
idéia de ser corpo, isto é, de viver o corpo, de sentir-
se corpo. Não são um eu ou uma consciência os
proprietários de um corpo, do qual se servem e fazem
o uso que bem entendem como qualquer utensílio. A
corporeidade, seguindo o pensamento de Maurice
Merleau-Ponty, deve estar incluída na compreensão

292
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

da consciência e do eu. O eu ou a consciência são


corporeidade. Não são realidades transcendentais
residindo num corpo. Pode-se, assim, explicitar e
reformular o princípio antropológico da corporeidade,
afirmando que o eu se sente e se vive como corpo,
em lugar de afirmar que o eu tem um corpo. Talvez se
pudesse inverter o enunciado dizendo que o corpo se
manifesta como um eu. Ou, ainda, pode-se dizer que o
eu vive o corpo e vive corporalmente, em lugar de dizer
que o eu usa o corpo ou o eu ocupa o corpo.

2.1.8 Narcisismo

O termo narcisismo encontra-se associado ao mito de Nar-


ciso que se afoga num lago ao tentar abraçar sua própria imagem
refletida na água.

Conforme o vocabulário da psicanálise de Lapanche e


Pontalis (1970), o termo narcisismo aparece pela primeira vez na
obra de Freud em 1910. Para ele, o narcisismo já não surge como
uma fase evolutiva, mas com o êxtase da libido.

A sociedade pós-industrial consolida-se pela fascinação


em ver sua própria imagem refletida nos mais variados meios de
comunicação de massa, compensando, dessa maneira, sua auto-
imagem e reforçando o próprio ego.

Nesse sentido, o olhar se constitui fonte para evocar senti-


mentos de temor, mistério, amor. Por intermédio dele dá-se uma co-
municação, capaz de registrar e instaurar a ilusão entre a imagem e
o real.

Na modernidade, o olhar sofre influência do poder políti-


co, da força de produção e de consumo fazendo uso concentra-
do no efeito das vitrines, estimulando por sua vez, a compulsão
do olhar nas fachadas, nas paredes, nos painéis, nos suportes
imobiliários e móveis, fixo, duráveis e efêmeros. Assim, a partir
do modo de olhar tudo passa a ter uma função de significação.

293
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

O narcisismo dentro da Educação Física, pode ser consta-


tado nas academias de ginástica por meio do culto ao corpo, da
busca da beleza (a beleza imposta pela ideologia vigente) e do
sucesso efêmero a partir do corpo considerado perfeito.

2.1.9 Individualismo

Individualismo é um termo técnico amplamente utilizado


na Educação Física e que tem raízes fortemente fundamentadas
pelas ciências biológicas, para referir-se ao princípio da individu-
alidade do ser em responder a cada estímulo físico definido pelas
teorias do treinamento desportivo. Nessa perspectiva, cada indiví-
duo teria a medida certa para melhorar o desempenho do esforço
físico aplicado a partir do volume e da intensidade do estímulo,
sem comprometer o seu desenvolvimento físico e mental (RO-
DRIGUES, 2008).
O fato é que esse princípio da individualidade biológica é
um conceito reconhecido, aceito e de fundamental importância
para o desenvolvimento da prática científica da Educação Física.
Porém, a compreensão dessa individualidade biológica
deve ultrapassar o limite de pensar a educação do corpo e, sobre-
tudo, a educação do homem como sendo mais que uma rede de
vasos sangüíneos, um conjunto de ossos articulados ou um feixe
de músculos capaz de contrair e gerar força, pois esse discurso
biológico pode esconder um mecanismo extremo de dominação
sobre a vontade do outro, desconsiderando a interferência do de-
sempenho de fatores sociais e culturais na formação do homem.
Dentro dessa perspectiva, Rodrigues (2008) cita estudos de
Marcel Mauss, o qual assegura que o uso técnico do corpo é algo
diretamente relacionado com a sociedade na qual se encontra in-
serido o sujeito. Assim, não é possível pensar a individualidade sem
considerar os fatores sociais e culturais vivenciados pelo indivíduo.

294
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

O mesmo Rodrigues (2008) destaca que a colaboração de


Lévi-Strauss rompe com as concepções racistas, que “querem ver
no homem um produto do seu corpo”. No entanto, chama-se a aten-
ção para mostrar que o corpo do homem é produto de suas técni-
cas e de suas representações.

Na busca de uma Educação Física mais crítica, os profissio-


nais dessa área são convidados a rever as posições, os conceitos
e as concepções sobre a individualidade, pois não se trata de esta-
belecer uma batalha na defesa do biológico, do social ou, ainda, do
psicológico como mais importante. Trata-se da defesa de uma com-
preensão em prol da concepção do homem em sua totalidade.

Assim, mais uma vez passaremos a não compreender


o indivíduo completamente fragmentado, mas a considerar o
homem como a soma e o resultado também das relações sociais
e culturais.

“Deve-se compreender o homem como sendo uma complexa e indissociá-


vel mistura de carne, palavra e imagens, em que não vem ao caso decidir
qual das três partes pode mais” (RODRIGUES, 2008).

Hora de praticar
Levando em conta os conceitos discutidos nessa Unidade, faça uma reflexão a respeito
do papel sócio-cultural da sua prática pedagógica na Educação Física:
Qual o seu principal objetivo com seus alunos?
De que forma você trabalha as questões como o Narcisismo e o Individualismo com
seus alunos?
Qual sua concepção de corpo e como ela é trabalhada nas suas aulas?
Qual sua concepção de esporte e como ela é trabalhada nas suas aulas?
Faça um texto e coloque no fórum e analise os textos dos seus colegas

295
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 SOCIOLOGIA

Nesta Unidade foram seu próprio corpo ou à sociedade da qual


discutidos conceitos im- faz parte.
portantes para a socio- É importante enfatizar o papel do pro-
logia como a seculariza- fessor de Educação Física na indicação de
ção, a racionalização, o práticas da cultura corporal que respeitem
imaginário social, o corpo, o narcisismo e o o indivíduo, sua cultura, suas crenças e de-
individualismo, todos relacionados à Edu- sejos, de forma que ele possa se inserir na
cação Física e ao Esporte. sociedade de maneira crítica, criativa e parti-
Vimos como é importante que o cipativa.
professor de Educação Física esteja aten- Para tanto, o estudo da Sociologia e
to às questões sócio-culturais, envolvidas dos seus aspectos relacionados à Educação
na prática esportiva e no processo educa- Física e ao Esporte torna-se fundamental
cional para que o aluno e/ou atleta não se para uma prática comprometida e libertadora
perca em meio às imposições ideológicas das amarras da alienação e de ideologias.
ou em práticas corporais prejudiciais ao

Parabéns! Agora terminamos, também com sucesso, a segunda unidade do nosso


estudo. Vamos em frente.

296
FUNDAMENTOSSÓCIO-FILOSÓFICOS
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOSda
da educação
educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

UNIDADE 3
Considerações à Respeito dos
Fundamentos Sócio-Filosóficos da
Educação Física

Nesta Unidade, apresentamos uma reflexão a respeito dos aspectos filosóficos e


sócio-culturais da Educação Física e do esporte em nosso contexto. Procuramos expor
os olhares que o senso comum lança sobre a Educação Física e o Esporte, analisando
suas verdades e seus mitos de forma a sugerir algumas considerações para que possa-
mos sair desses caminhos e buscar novos rumos embasados em uma postura filosófica
que considere o homem como um todo e não apenas os seus aspectos motores.

Apresentamos o conceito de ética e sua importância na relação pedagógica do


professor de Educação Física com seus alunos.

Objetivos
Ao final desta Unidade esperamos que você seja capaz de:

fazer uma análise crítica dos aspectos sócio-filosóficos da Educação Física e do


Esporte;

compreender o conceito de ética;

assumir uma postura filosófica embasada na ética que estruture a sua práxis pedagó-
gica.

297
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

3.1 Da Educação Física do Senso Comum


para o Bom Senso da Educação Física

[...] ensinar não é “transferir conhecimento,


Mas criar as possibilidades para a sua
Produção ou a sua construção.
(Paulo Freire)

São vários os olhares que o senso comum lança sobre a


Educação Física. Tais olhares são visões equivocadas que não
correspondem ao seu verdadeiro papel, à sua realidade – pelo
menos àquela desejada – apesar de que alguns professores in-
sistem em ratificar o que é dito.

Aqui, nesse trabalho, apresentaremos quatro dessas vi-


sões: aquela que afirma que o professor de Educação Física só
tem músculos e não pensa, a de que a Educação Física é o mes-
mo que esporte, a de que a Educação Física é apenas culto ao
corpo e, por fim, aquela que diz que a Educação Física não tem
qualquer papel pedagógico na escola, a não ser o de treinar as
crianças para o esporte e para a ginástica.

3.1.1 O Professor de Educação Física Só Tem


Músculos

Um primeiro olhar do senso comum para a Educação Física


é aquele que diz que quem escolhe o curso são aquelas pessoas
que não querem muito compromisso com o estudo, que gostam de
passar o tempo “malhando” ou praticando esporte. Dentro dessa
categoria estão aqueles que passam muito tempo em frente aos
aparelhos de musculação para adquirir um corpo “sarado” e em
frente ao espelho para admirar suas conquistas corporais, se con-
formado com os ditames das modas e conceitos estipulados pela
indústria da “malhação”.

É comum ouvirmos falar que os professores de musculação


e ginástica “têm um corpo bonito, musculoso, mas que não tem
cérebro”.

298
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Para exemplificar este conceito equivocado e preconceituoso é bom citar a


entrevista de uma famosa atriz global para um não menos famoso programa
de TV há alguns anos. Ao ser questionada sobre um ex-namorado professor
de musculação ela respondeu que havia terminado o namoro porque ele
tinha apenas músculos e nenhum cérebro. Sua afirmação foi acompanhada
de muitos aplausos e risos da platéia, que demonstrou concordar com ela.

Em outra entrevista no mesmo programa, uma outra atriz disse que havia
sido convidada para uma festa onde estaria presente seu ex-marido e, para
provocar ciúmes e mostrar que já havia superado o trauma da separação,
ela ligou para uma agência de modelos e pediu um acompanhante para a
festa, exigindo que o mesmo tivesse curso superior e fosse muito bem apa-
rentado. Segundo ela, a agência mandou um rapaz muito bonito, bem ves-
tido, musculoso, alto, enfim, o homem ideal. Porém, durante a festa, esse
rapaz cometeu muitas gafes, apresentando muitos erros de português, en-
fim, fazendo com que ela passasse vergonha frente aos demais convidados
da festa e do seu ex-marido. Quando foi reclamar na agência de modelos
com relação ao comportamento do rapaz, enfatizou que havia solicitado
um homem com curso superior e ouviu como resposta da responsável pela
escolha do acompanhante, que ele tinha sim curso superior: era professor
de Educação Física. Novamente a platéia aplaudiu, rindo muito.

Esses exemplos são mais comuns do que se pensa e se


apresentam no dia-a-dia da Educação Física. Porém, sabemos
que o curso de Educação Física é um curso que exige muito dos
alunos e que tem muitos conhecimentos a serem repassados.
Não é possível se formar sem um mínimo de conhecimento do
funcionamento, crescimento e desenvolvimento do corpo e do
movimento humano.

Além disso, há que se enfatizar a grande produção científi-


ca da Educação Física, uma área que muito produz no meio aca-
dêmico. Vários são os periódicos que apresentam tal produção
científica e muitos os congressos e encontros que a divulgam.

Não é certo pensar que a crença de que a Educação Física


é uma área onde as pessoas se preocupam apenas com o corpo

299
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

e com o narcisismo, são créditos injustos e mal colocados. Se-


gundo Santin (1987, p. 38) para a Educação Física, em alguns
momentos:

[...] Em primeiro lugar, parece ser claro que o movimento humano é re-
duzido apenas ao seu aspecto corporal. Em segundo lugar, a Educação
Física parece assumir mais um caráter de treinamento ou adestramento do
movimento corporal, mais do que propriamente de uma educação física e
humana. Por fim, salvo melhor observação, os fatos e a prática revelam que
a Educação Física é colocada preferencialmente a serviço do Esporte.

Acrescentemos aí, além do esporte, a ginástica e a muscu-


lação propostas em academias, sendo que tal afirmação de Santin
cria a necessidade de uma reflexão profunda a respeito do papel
da Educação Física, para que ela mesma - e seus adeptos – pos-
sa se repensar no sentido de propor atividades e conhecimentos
que busquem a totalidade do ser humano e não apenas os aspec-
tos motores e corporais. Além disso, ela precisa se fazer conhecer
como uma área que aborda e se preocupa com esses aspectos.

Dessa forma, poderemos deixar de ver verdades embutidas


na afirmação de Santin (op. Cit., p. 47) quando diz que:

Acontece que na entrada da escola de Educação Física poderia ser escrito:


“não entre quem não possuir performances físicas”, em imitação à Acade-
mia de Platão que possuía em seu frontispício o dizer: “não entre quem não
conhecer matemática”.

3.1.2 A Educação Física é igual a Esporte

.
É importante esclarecer que a Educação Física tem algu-
mas áreas de atuação. O profissional pode optar por trabalhar
com desporto, em academias, com lazer e na escola, com a Edu-
cação Física Escolar. Porém, nenhuma dessas áreas resume a
Educação Física, ou seja, para citar apenas uma vertente, o des-
porto é uma das áreas de atuação da Educação Física, mas não
é a Educação Física.

300
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

O professor, para trabalhar nessa área, precisa de conhe-


cimentos específicos, referentes ao condicionamento físico, às tá-
ticas e técnicas do desporto escolhido. Esses conhecimentos são
referentes ao desporto e não à Educação Física de forma geral. O
mesmo acontece com a área de academia, de lazer e da escola.

Também é importante esclarecer que, para atuar em qual-


quer uma dessas áreas o professor deve buscar conhecimentos
específicos que digam respeito ao campo de atuação escolhido. .

Porém, o que se percebe é que há uma confusão com re-


lação a essa especificidade. O desporto e a academia estão ins-
talados na escola, criando uma confusão com relação aos meios
e fins da Educação Física Escolar, que acaba repetindo os trei-
namentos desportivos e as aulas de ginástica. O que se percebe,
então, é uma falta de referência com relação ao papel da Edu-
cação Física e do professor tanto na escola, como nas outras
áreas de atuação.

Para Bracht (1997, p. 23)

Os professores não operam a diferenciação dos papéis de treinador e pro-


fessor, em parte, porque a própria Educação Física, não tendo autonomia
ou uma identidade pedagógica, não fornece um referencial, um conjunto
fundamentado e institucionalizado de expectativas de comportamento. Isto
é, a própria definição do papel do professor de Educação Física inexiste.
Esta falta de referência é fator de perpetuação da indiferenciação destes
papeis.

Levando em conta essa afirmação, durante o tempo em que


trabalhei em um curso de graduação em Educação Física de uma
determinada Faculdade em Brasília, realizei, junto aos alunos, uma
pesquisa a respeito das expectativas quanto a sua atuação profis-
sional quando terminassem o curso.

Dos 280 alunos pesquisados, 225 (80,35%) deles, afirma-


ram desejar trabalhar com academia ou com o desporto, mos-
trando grande interesse pelas disciplina voltadas para essa área

301
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

e, de certa forma, desprezavam as disciplina voltadas para o con-


texto escolar.

Porém, um ano após o término do curso, 73% desses 225


alunos (164 alunos) responderam questões referentes à segun-
da fase da mesma pesquisa via internet, sendo que 137 alunos
(ou 60,1%) dos que afirmaram desejar trabalhar com desporto ou
academia, por força das contingências do mercado de trabalho,
acabaram indo atuar em escolas públicas e particulares com Edu-
cação Física Escolar.

Isso significa que, apesar de terem voltado sua formação


para trabalhar com academia (ginástica, musculação etc.) ou na
área esportiva como treinadores e/ou com condicionamento físico,
foram atuar com crianças em escolas.

A pesquisa constatou que esses alunos, desprezando as


disciplinas voltadas para a Educação Física Escolar, se aprofun-
daram mais nas disciplinas com conteúdos ligados ao esporte, ao
treinamento e à ginástica e, por falta de outras referências, passa-
ram a aplicar esses conhecimentos nas escolas nas quais foram
atuar.

Obviamente, esta pesquisa, por si só, não pode determi-


nar os motivos que levam a Educação Física a buscar fora de si,
conceitos e princípios para sua atuação. Porém, ela mostra que
muitos alunos entram nos cursos de graduação acreditando que
a Educação Física se resume ao trabalho com esporte e com
academia e que há uma forte tendência de se acreditar que a a
escola é o espaço ideal para iniciar as crianças na sua prática
além de reproduzi-la e de mostrar que a formação acadêmica dos
professores contribui para esse fator.

É bom afirmar que o esporte é importante para o desen-


volvimento da criança e têm muito a oferecer em termos de con-
ceitos necessários para a formação da personalidade da mesma.
Para Betti (1991, p. 55):

302
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

[...] o esporte deve ser introduzido na escola, não


somente por suas virtudes educativas, mas porque
muitas pessoas praticam alguma atividade esportiva
durante suas vidas, e devem ser ensinadas a praticá-
la bem para elas tirarem satisfação e proveito. Mesmo
aqueles que ao sair da escola tornam-se apenas
consumidores passivos do esporte, devem aprender
a assumir uma posição crítica diante do fenômeno
esportivo.

Porém, o esporte deve ser apenas um dos conteúdos da


Educação Física Escolar e não seu único objetivo. É preciso as-
sim criar uma forma de apresentar o esporte diferente dos moldes
desenvolvidos para as competições de alto rendimento. Deve-se
retirar dele as boas práticas e os bons conceitos para apresentá-
los aos alunos. A partir daí, criar um esporte escolar, para a escola,
sem copiar os modelos competitivos do esporte de rendimento.

Mas, no sentido inverso dessa iniciativa, Bracht (1997, p. 22),


afirma que temos:

[...] não o esporte da escola, e sim o esporte na Escola, o que indica sua
subordinação aos códigos/sentidos da instituição esportiva. O esporte na
escola é um braço prolongado da própria instituição esportiva. Os códigos
da instituição esportiva podem ser resumidos em: princípio do rendimento
atlético-desportivo, competição, comparação de rendimentos e recordes,
regulamentação rígida. Sucesso esportivo é sinônimo de vitória, racionali-
zação de meios e técnicas. O que pode ser observado é a transplantação
reflexa destes códigos do esporte para a Educação Física. Utilizando a lin-
guagem sistêmica, poder-se-ia dizer que a influência do meio-ambiente (es-
porte) não foi/é selecionada (filtrada) por um código próprio da Educação
Física, o que demonstra sua falta de autonomia na determinação do sentido
das ações em seu interior.

303
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Tudo isso significa que a Educação Física Escolar, quando


se adéqua ao modelo esportivo, mais discrimina e exclui que pro-
move a participação e a educação, visto que o esporte proposto
na escola, e mesmo as aulas de Educação Física Escolar, quase
sempre, estão afastados de uma educação integral e integradora,
buscando a descoberta e o desenvolvimento de talentos espor-
tivos que possam ser treinados para participar de competições
onde, a cada vez mais, “o individualismo, a rivalidade, o antago-
nismo, a tensão, a contração, a clausura, a pressão psicológica
dão o tom e a forma do cenário e das relações entre os participan-
tes” (BARBIERI, 1999, p. 25)

Mas não se trata de expulsar o esporte da escola. Trata-


se de propor um esporte educacional, voltado para a cooperação,
para o respeito e para a solidariedade e não para o “vencer a qual-
quer custo”. Isso significa romper com velhos modelos que acredi-
tam na necessidade de formar atletas que compitam em busca da
fama e do sucesso. Nesse sentido, Betti (1991, p. 53) questiona:

Por que é necessário dar aos jovens o gosto pela


competição? Se é para formar uma elite esportiva, seria
necessário demonstrar sua utilidade ao bem público.
Pode-se questionar, ainda, se este empreendimento
depende da competência da escola, se é compatível
com seus objetivos da educação esportiva.

Não esqueçamos que o papel da escola e da Educação Fí-


sica Escolar é o de contribuir com a formação e educação de todos
os alunos, onde cada um e todos possam se expressar, mostrar-
se, desenvolver-se dentro de suas possibilidades e interesses, de
forma a se inserir no meio sócio-cultural em que vive de maneira
ativa, crítica e criativa.

Sendo assim, não se pode mais pensar numa Educação


Física Escolar que tenha como primeiro e principal objetivo, como
afirma Santin (1987, p. 44), “[...] produzir um atleta, mas o objetivo
máximo será produzir um vencedor. Assim, a Educação Física visa
formar o competidor, ou melhor, o competidor-vencedor”.

304
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

3.1.3 A Educação Física é Igual a Culto Narcísico


ao Corpo

Para alguns a Educação Física é a expressão do culto ao


corpo “sarado”, musculoso e definido, o que, na sua essência, en-
contra vários indicadores de verdade. Podemos buscar na história
da Educação Física no Brasil alguns fatores que determinam a de-
finição desse papel. Para Soares (1994, p. 85):

A Educação Física no Brasil se confunde em muitos momentos de sua


história com as instituições médicas e militares. Em diferentes momentos,
estas instituições definem o caminho da Educação Física, delineiam o seu
espaço e delimitam o seu campo de conhecimento, tornando-a um valioso
instrumento de ação e de intervenção na realidade educacional e social.

Tal fato nos leva a ver uma Educação Física identificada


com caminhos apontados por outras áreas do conhecimento que,
apesar de estarem relacionadas com seu universo, não deveriam
ser seu determinante.

Soares (1994, p. 122), afirma ainda que a


Educação Física preconizada pelo pensamento
médico-higienista era aquela estruturada em ba-
ses fisiológicas e anatômicas, as únicas conside-
radas ‘científicas’. A autora mostra que os médicos
higienistas confiavam nos poderes do exercício
físico que seriam capazes de “curar todos os ma-
les da sociedade, quer sejam eles de ordem física,
quer sejam de ordem moral” (p. 133).

Essas influências levaram os currículos dos cursos de


Educação Física a buscar, demasiadamente, a apresentação de
conteúdos relacionados às questões biomédicas, de treinamento
desportivo e dos desportos de forma geral, se esquecendo - ou
desprezando, em muitos momentos - das questões referentes à
sua atuação na escola ou a uma visão mais global do homem.

305
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Porém, não se pode negar a importância das contribuições do


higienismo para a Educação Física. Mas se deve refletir sobre como
utilizar essas contribuições para que as mesmas não se tornem (ou
não permaneçam sendo) o centro das atenções dos cursos de gradu-
ação em Educação Física e dos próprios professores na sua prática.

Sabemos da necessidade de se conhecer o desenvolvimen-


to neuro-motor, a anatomia, a fisiologia e a cinesiologia do ser hu-
mano. Porém, esses conhecimentos devem estar a serviço da Edu-
cação Física e não ser o seu principal objeto de estudo e trabalho.

Mas se percebe um excesso de preocupação com esses


aspectos, oriundos dos pensamentos advindos dos higienistas
para quem, segundo Soares (1994, p. 141) “os profissionais liga-
dos à Educação Física seriam os arautos da saúde, vendedores
de força e beleza, robustez e vigor”.

Nessa perspectiva o professor é o modelo a ser seguido e co-


piado, apresentando um corpo “sarado”, saudável. Apresenta ainda
a Educação Física como caminho para a saúde e beleza, impondo
assim padrões alimentados por uma indústria que mais impede a
participação de um grande número de pessoas nas atividades físi-
cas que as incentiva para tal participação, na medida em que cobra
de seus seguidores a modelagem, a estereotipação e a imitação
como práticas saudáveis e necessárias para se obter a saúde.

Esse modelo acaba por excluir aqueles indivíduos que não


se encaixam nos padrões estabelecidos. Para Santin (1987, p. 49)

O modelo padrão é o que oferece as condições


ideais para a prática e execução dos exercícios
físicos estabelecidos pela disciplina. Quanto mais o
aluno atingir o nível do padrão, mais apto será para a
prática da Educação Física. Assim, os alunos que não
atingirem o limiar mínimo de condições da prática da
Educação Física são dispensados. Fazer ou não fazer
a disciplina parece não ter muita diferença no contexto
da formação do indivíduo ou do profissional.

Há, ainda, que se considerar que, a partir da definição de


um padrão de corpo, a Educação Física exige que a pessoa “te-

306
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

nha” um corpo a ser apresentado como um objeto que pode ser


adquirido a partir da compra dos produtos e serviços oferecidos
por ela e pela indústria da beleza e da saúde.

Sendo assim, a pessoa deixa de “ser” corpo para se encai-


xar no padrão, no modelo. Para Santin (1987, p. 50)
[...] “o homem, em todas as suas funções e vivências,
precisa ser corpo, o que é bem diferente dizer que
precisa do corpo. Isto porque a humanidade do homem
se confunde com a corporeidade. [...] O ser humano é
corporeidade.

Porém, tal referência está associada ao culto ao corpo, ao


narcisismo, ao desejo de alcançar o corpo proposto como modelo
e, para tanto, consumir tudo o que é apresentado para alcançar
tais objetivos, e é bom esclarecer que – apesar de muitos assu-
mirem esse modelo - esse não é o verdadeiro papel da Educação
Física.

Cabe lembrar que o trabalho em academias requer muito


conhecimento científico e muito estudo à respeito de cada aluno
matriculado para que seja efetivo e não pode estar vinculado ao
culto ao corpo ou ao simples narcisismo mas sim, a uma estrutu-
ra que leve o praticante a um bom estado físico e à qualidade de
vida. Para tanto, é interessante ouvir o conselho de Santin (1987,
p. 50), para quem “o princípio do uso do corpo deve ser substitu-
ído pela idéia de ser corpo, isto é, de viver o corpo, de sentir-se
corpo”.

Sendo assim a Educação Física precisa, no lugar de in-


centivar o culto ao corpo e o narcisismo presentes em algumas
de suas atividades, buscar em cada um a descoberta do corpo
que deve estar sempre no centro de toda e qualquer manifestação
impressiva e expressiva da vida do ser humano.

307
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

3.1.4 A Educação Física não Tem Papel


Pedagógico na Escola

Esta visão equivocada da Educação Física Escolar, entre


outros motivos, pode ser creditada ao fato de que, segundo Bracht
(1989), “os conteúdos da Educação Física Escolar, foram, e têm sido
determinados por instituições não vinculadas à escola, tais como a
instituição médica, a militar e a desportiva”. Até meados das déca-
das de 1970 e 1980 a Educação Física Escolar apenas repetia tais
modelos, sem uma preocupação fundamentalmente pedagógica.

Apesar da busca de novas perspectivas e modelos, a Edu-


cação Física ainda não está bem definida quanto a sua atuação
na escola e, além disso, o modelo ali adotado ao longo dos tem-
pos – e, também, nos cursos de formação de professores de Edu-
cação Física - mais excluiu do que proporcionou oportunidades
aos alunos de usufruir de seus conteúdos e benefícios ao abordar
com mais ênfase o esporte e a ginástica como elementos princi-
pais da disciplina.

Posso citar aqui, minha própria formação. Durante o meu


curso de graduação, não tive sequer uma disciplina voltada para
a atuação da Educação Física na Escola ou que propusesse o
respeito a todos os alunos, independente de suas características
físicas e/ou não propensões para o esporte de rendimento.

Para Santin (1987, p. 21):

A Educação Física encontra-se, no contexto da história da Educação e


das atividades educativas, numa situação estranha. Fala-se em educação,
mas parece não fazer parte da Educação. Diante desta situação a Educa-
ção Física é interpretada como algo intermediário ou mediador. Como um
instrumento para se chegar a objetivos que se situam fora dela mesma.
Tal maneira de encarar a Educação Física é devida, em parte, pelas di-
versas compreensões dualistas do homem apresentadas pelas diferentes
correntes filosóficas. A Educação Física poderá ter sua própria identidade
e autonomia, ou será sempre um mediador e instrumento para se chegar a
valores superiores?

308
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Porém o autor afirma que a Educação Física tem condi-


ções de se auto-sustentar a partir do que lhe é próprio, abando-
nando as influências de outras áreas que lhe são impostas e às
quais ela se amolda.

Mas o que é próprio da


Educação Física?

Para Santin (op. Cit. p. 25) “é o humano que sustenta e


alicerça a Educação Física. É no homem diretamente que a Edu-
cação Física encontra sua razão de ser”. Mas o autor não se refere
ao homem alienado ou condicionado. Ele aponta para um homem
global, que pensa, reflete, se expressa, vivencia, opina, participa,
convive, cria e recria seu mundo, seu espaço, sua condição de
homem. Dessa forma, Santin (op. Cit. p. 26) propõe que:

Os movimentos da Educação Física devem ser gestos


artísticos, isto é, criativos. E cada um tem seu gesto
original, próprio, pessoal. Cada um tem seu timbre de
voz, seu sotaque, seu modo de falar. Assim também
tem sua originalidade de movimento, de caminhar e
de expressão gestual. Tem-se, portanto, na Educação
Física, realmente educação, educação humana e não
apenas treinamento físico.

Isso significa que todos cabem dentro das atividades da


Educação Física. Mas o que se vê em suas aulas? Ao adotar mo-
delos propostos por outras áreas, como o esporte, a medicina e
a proposta militarista de treinamento e ginástica, o homem é des-
caracterizado diante do que lhe é próprio, tornando-se objeto de
manipulação e controle.

E é a definição do modelo a ser adotado em suas aulas


que determina a proposta filosófica da Educação Física. Qualquer
proposta de educação necessita, antes de tudo, definir que tipo
de homem se quer formar e o que se vai propor e requerer desse
homem a partir de sua inserção nessa proposta de educação.

309
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Para Santin (1987, p. 19), “múltiplas intenções e distintos


valores entram em jogo para se impor ou procurar a Educação
Física. Não se excluem a presença de forças econômicas, ide-
ológicas, políticas, religiosas e estéticas”. É bom esclarecer que
qualquer escolha, consciente ou inconsciente, é a opção por uma
determinada ideologia a ser proposta.

Dessa forma, a reflexão filosófica, embasada no bom sen-


so, se torna essencial para o professor de Educação Física, pois
é preciso romper os laços que a prendem a outros caminhos que
não são os seus e estabelecer caminhos que considerem:

REFLEXÕES FILOSÓFICAS
PARA O PROFESSOR DE
EDUCAÇÃO FÍSICA:

Que informações e conteúdos


Que objetivos se quer alcançar serão apresentados aos
Que educação física se deve
a partir do oferecimento dessa alunos para que haja a efetiva
oferecer na escola?
Educação Física escolhida? ruptura com os caminhos
equivocados e a busca de
novas perspectivas?

A partir das respostas dadas a essas questões, poderemos


estabelecer o modelo de Educação Física a ser adotado na esco-
la, sem impor uma determinada postura filosófica aos professo-
res, mas levando-os a buscar uma postura filosófica que embase
sua prática e que permita aos seus alunos vivenciarem o corpo de manei-
ra efetiva, porém própria e única.

Mas, para tanto, é preciso refletir sobre o papel da Educa-


ção Física na sociedade. Para Freire (1996, p. 22) “a reflexão crí-
tica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/
Prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática,
ativismo”.

Além disso, é preciso enfatizar que a Educação Física, en-


quanto componente curricular obrigatório do Ensino Fundamen-
tal, tem uma gama de possibilidades a serem desenvolvidas em

310
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

suas aulas para que os alunos possam se compreender corporal-


mente dentro de uma cultura corporal própria e que respeite suas
limitações, possibilidades, desejos e pulsões.

Dentro desses conteúdos estão o jogo, a dança, a expres-


são corporal, o desenvolvimento do esquema corporal, o desen-
volvimento de habilidades ginásticas e o esporte que tenha carac-
terísticas e funções educacionais e não competitivas e que não
reproduza o modelo do esporte de rendimento.

3.2 Refletindo sobre a Educação


Física – O Papel da Ética

Para concluir nossas reflexões a respeito da Educação Fí-


sica, proponho uma conversa final sobre um dos conceitos mais
importantes da Filosofia: a ética.

Para Aranha e Martins (2002, p. 274):

Ética vem do grego ethos, que tem o mesmo


significado de ‘costume’. Em sentido bem amplo, a
moral é o conjunto das regras de conduta admitidas
em determinada época ou por um grupo de homens.
Nesse sentido, o homem moral é aquele que age
bem ou mal na medida em que acata ou transgride as
regras do grupo.

Para as autoras a ética ou filosofia moral é a parte da filo-


sofia que se ocupa com a reflexão a respeito da moral. Podemos
simplificar esse conceito relatando a forma de ver a ética da ma-
neira descrita por um amigo meu. Apesar da aparente consciência
ingênua, ele assim conta:

“... existe um vestiário onde várias mulheres entram para to-


mar banho. Eu estou com muita vontade de vê-las nuas debaixo
do chuveiro. Porém, existe uma placa indicando que é proibida
a entrada de homens. Descubro que existe um botão na minha
camisa que apertado me faz ficar invisível. Invisível, posso entrar

311
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

sem ser notado e ver as mulheres nuas tomando banho. Mas


olho para a placa que indica a proibição e, por causa dela, mes-
mo podendo ficar invisível, não entro no vestiário, respeitando o
que foi determinado como regra, como lei.”

Este exemplo pode nos mostrar bem o que se quer descre-


ver aqui a respeito da ética, pois, segundo Freire (1996, p. 33)

Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer, da ética, quan-


to mais fora dela. Estar longe, ou pior, fora da ética, entre nós, mulheres
e homens, é uma transgressão. É por isso que transformar a experiência
educativa em puro treinamento técnico é amesquinhar o que há de funda-
mentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter formador.

Sendo assim, pensar a Educação Física apenas como re-


produtora de modelos instituídos pela indústria esportiva e da be-
leza a qualquer preço, trabalhando de forma alienada e alienante
sem permitir que o aluno reflita a respeito de sua condição, é pen-
sar uma Educação Física desvinculada de conceitos éticos.

Mas para que aconteça uma mudança de foco, é necessá-


rio que se reflita a respeito do papel do professor, do profissional
de Educação Física, para que ele não seja apenas um treinador
ou um estereotipador de movimentos. Para Freire (1996, p. 26) [...]
“ensinar não se esgota no ‘tratamento’ do objeto ou do conteúdo,
superficialmente feito, mas se alonga à produção das condições
em que aprender criticamente é possível.”

Para o autor, essas condições implicam ou exigem edu-


cadores e educandos críticos, criadores, instigadores, inquietos,
rigorosamente curiosos, humildes e persistentes, e isso quer di-
zer que não cabe mais dentro da Educação Física, professores
compromissados apenas com o desenvolvimento de habilidades
esportivas e de musculaturas esteticamente parecidas com os
modelos impostos pela ideologia dominante.

312
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Mas, segundo Santin (1987, p. 19), não se trata de “impor,


em nome de uma filosofia, uma compreensão da Educação Fí-
sica, mas apenas chamar a atenção sobre as práticas educativas
desenvolvidas e lembrar que elas são conseqüências de uma op-
ção filosófica e de uma decisão política”. Para o autor, cada um de
nós deve ter consciência sobre o grau de contribuição que apre-
senta quando é feita a opção por essa ou aquela postura filosófica
e de que maneira participamos influindo para que a decisão fosse
tomada. Segundo ele “tais opções e tais decisões definem os ru-
mos da Educação desenvolvida em nossas escolas”.

Dentro dessa perspectiva, é importante deixar claro que a


Educação Física Escolar não pode ficar subordinada às regras do
esporte espetáculo, das imposições da mídia e da indústria ou dos
princípios médico-higienistas. Porém, segundo Betti (1991, p. 57) a
Educação Física Escolar já absorveu o esporte em suas atividades.
“Todavia – afirma ele –, isto foi feito de forma mecânica, sem refle-
xão e crítica. O esporte de alto rendimento [...] certamente não é o
mais adequado para a Educação Física Escolar”.

É preciso ainda mudar o foco do trabalho da Educação Fí-


sica dentro do esporte, desmascarando o processo ideológico de
formação de ídolos a serem copiados pelas crianças que
acessam as atividades físicas. Para Betti (1991, p. 55) “há inte-
resse de algumas forças sociais em difundir a idéia de que o mais
alto mérito consiste em chegar à fama. É importante, então mos-
trar que o valor do esporte é muito mais rico e complexo”.
O esporte deve ser oferecido a todas as crianças como
opção de atividade física e de lazer e não apenas aos que apre-
sentam condições de se tornar campeões e é, também, preciso
mostrar que esse esporte preenche as características do lazer,
porém, não apenas do lazer passivo e consumista. Ao praticar
esportes na infância, na escola, o indivíduo pode desenvolver o
gosto pelo mesmo e pela atividade física e continuar a praticá-
los por toda a vida, desenvolvendo hábitos saudáveis de vida, de
comportamento e de relacionamentos sociais.

313
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

É ainda necessário desmascarar o processo alienante de


mitificação do esporte e dos atletas. O esporte não pode conti-
nuar a ser usado de maneira sacralizada com fins alienantes e
como meio de propaganda para o consumo alienado. Os atletas
são pessoas comuns e não podem ser transformados em deuses
ou heróis em função de suas conquistas. Além disso, o objetivo
das propostas de Educação Física não pode se fixar na imposição
do desejo de transformar os alunos em grandes atletas. Mesmo
aqueles que não têm condições ou desejo de se tornarem gran-
des atletas, têm o direito de acessar a todas as atividades da
Educação Física, inclusive o esporte.

Sobre isso, leia o texto a seguir que foi escrito pelo Profes-
sor Ronaldo Pacheco1 durante a realização das Olimpíadas de
Pequim em 2008.

Vendo os atletas brasileiros pedindo desculpas


pela não obtenção de medalhas e refletindo sobre o
que se faz pelo esporte no Brasil, resolvi escrever este
texto que, na minha opinião, reflete sobre quem deve
desculpas a quem.

1 Professor da Universidade Brasília – UnB e da Universidade Católica de


Brasília - UCB

314
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

DESCULPAS AOS NOSSOS ATLETAS:


Desculpem pela falta de espaços esportivos nas escolas;
Pela falta de professores de educação física nas séries iniciais;
Pelas escolinhas mercantilizadas que buscam quantidade de
clientes e não qualidade de aprendizagem;
Desculpem pela falta de incentivo na base;
Desculpem pela falta de praças esportivas;
Desculpem pelo discurso de que “o esporte serve para tirar a
criança da rua” (é muito pouco se for só isso!);
Desculpem pela violência nas ruas que impede jovens de brin-
car livremente, tirando deles a oportunidade de vivenciar expe-
riências motoras;
Desculpem se muito cedo lhe tiraram o “esporte-brincadeira” e
lhe impuseram o “esporte-profissão”;
Desculpem pelo investimento apenas na fase adulta quando já
conseguiram provar que valia a pena;
Desculpem pelas centenas de talentos desperdiçados por não te-
rem condições mínimas de pagar um transporte para ir ao treino,
de se alimentar adequadamente, ou de pagar um “exame de faixa”;
Desculpem por não permitirmos que estudem para poder se
dedicar integralmente aos treinos;
Desculpem pelo sacrifício imposto aos seus pais que dedicaram
seus poucos recursos para investir em algo que deveria ser ofe-
recido gratuitamente;
Desculpem levá-los a acreditar que o esporte é uma das poucas
maneiras de ascensão social para a classe menos favorecida no
nosso país;
Desculpem pela incompetência dos nossos dirigentes esportivos;
Desculpem pelos dirigentes que se eternizam no poder sem apresentar no-
vas propostas; Desculpem pelos dirigentes que desviam verbas em benefí-
cio próprio;
Desculpem pela falta de uma política nacional voltada para o esporte;
Desculpem por só nos preocuparmos com leis voltadas para o
futebol (Lei Zico, Lei Pelé, etc.);

315
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Desculpem se a única lei que conhecem ligada ao esporte é a


“Lei do Gérson” (coitado do Gérson);
Desculpem pelos secretários de esporte de “ocasião”, cujas esco-
lhas visam atender apenas promessas de ocupação de espaços
político-partidários (e com pouca verba no orçamento);
Desculpem pelos políticos que os recebem antes ou após gran-
des feitos (apenas os vencedores) apenas para usá-los como ins-
trumento de marketing político;
Desculpem por pensar em organizar “Olimpíadas” se ainda não
conseguimos organizar nossos ministérios, nossas secretarias,
nossas federações, nossa legislação esportiva;
Desculpem por forçá-los, contra a vontade, a se “exilarem” no ex-
terior caso pretendam se aprimorar no esporte;
Desculpem pela cobrança indevida de parte da imprensa que
pouco conhece e opina pelo senso comum;
Desculpem o povo brasileiro carente de ídolos e líderes por de-
positar em vocês toda a sua esperança;
Desculpem pela nossa paixão pelo esporte que, como toda pai-
xão, nem sempre é baseada na razão;
Desculpem por levá-los do céu ao inferno em cada competição,
pela expectativa criada;
Desculpem pelo rápido esquecimento quando partimos em
busca de novos ídolos;
Desculpem pelas lágrimas na derrota, ou na vitória, pois é a forma
que temos para extravasar o inexplicável orgulho de ser brasileiro
e de, apesar de tudo, acreditar que um dia ainda estaremos entre
os grandes.
Prof. Ronaldo Pacheco

Além das considerações a respeito da Educação Física Es-


colar, que muito cedo deixa de ser lúdica para se transformar em
treinamentos esportivos e iniciação precoce, o autor do texto faz
críticas ao modelo político de financiamento e estruturação do
esporte. Dentro dessa perspectiva, Bracht (2003, p. 71) enfatiza
que:

316
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

A função básica do Estado nas sociedades capitalistas


é garantir a reprodução do capital. Por isso, o esporte
será objeto de atenção do Estado em função de sua
maior ou menor contribuição nesse processo: seja
via promoção da reprodução da força de trabalho,
seja provocando efeito estabilizador como atenuador
de tensões sociais. A localização das prioridades do
Estado, se no âmbito do esporte de lazer ou no de alto
rendimento ou espetáculo, pode ser um indicador dos
motivos ou dos ‘serviços’ (benefícios) que o Estado
espera do esporte.

Daí o investimento em grandes ginásios e estádios, os dis-


cursos em torno dos grandes atletas – mesmo que eles tenham
vencido por esforço próprio, sem contribuição efetiva do Estado
– no lugar de investimentos na Educação Física Escolar e no es-
porte de lazer.

Daí, também, o fato de termos ministros e secretários de


Esporte sem nenhuma vinculação com a área e que acreditam
que, por esporte, entende-se apenas o financiamento de compe-
tições de alto rendimento e a premiação dos vencedores. Talvez
por isso, fracassemos tanto nas competições internacionais.

Continuando sua reflexão, Bracht (2003, p. 81) afirma que:

[...] uma primeira indicação para uma política pública para o setor de cunho
democrático é superar finalmente a idéia da pirâmide e sua perspectiva
implícita de que o sistema esportivo teria como finalidade produzir atletas
campeões, idéia que, por incrível que pareça, permanece firme na mente da
maioria dos políticos, no senso comum político, e é usada e afirmada pelo
sistema esportivo nacional e internacional porque esse lhe é fundamental;
não para recrutar melhores praticantes, como é o discurso, mas para a so-
cialização do exército de consumidores de seus produtos e subprodutos.

Mas para que se mude o foco, é preciso que a Educa-


ção Física mude, também, seu foco e saia da histórica coni-
vência diante de visões equivocadas a ela impostas. Sendo
assim, a Educação Física como meio de educação do homem
e o esporte como atividade de lazer devem ser a prioridade
nas intervenções governamentais. Para Bracht (op. Cit., p. 88),

317
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

nesse sentido, o esporte “precisa ser entendido como um elemen-


to de cultura/lazer e ser inserido no plano das políticas culturais,
de lazer e como tal estar integrado às outras políticas sociais”.

Quanto à Educação Física Escolar, ela precisa ser enten-


dida como meio para o desenvolvimento do corpo e dos seus
movimentos, que devem sempre estar no centro de toda e qual-
quer manifestação e possibilidade expressiva, como propõe San-
tin (1987, p. 51).

Por fim é preciso refletir quanto ao narcisismo e ao culto


ao corpo, desenvolvidos em algumas academias de ginástica. O
homem é mais que músculos e o trabalho físico nesses ambientes
precisa ir além do desenvolvimento da musculatura e da venda
da beleza impostos pela mídia. Para Santin (1987, p. 25) “deve-se,
talvez, pensar com mais acerto, pensando o homem global, como
um todo unitário, assim toda educação é educação do homem, não
apenas de uma parte do homem.

Nessa perspectiva a Educação Física não pode ficar rela-


cionada apenas ao discurso da beleza estética do corpo, do nar-
cisismo, mas à expressão livre e espontânea do movimento, ao
bem estar do corpo.

Sendo assim, para encerrar essas considerações, gostaria


de reproduzir as palavras de Santin (1987, p. 52), para quem:

A Educação Física poderá desenvolver a idéia de corporeidade como ins-


trumento a ser exaurido em função de idéias de outra ordem, ou compre-
ender o corpo como elemento básico humano que deve ser desenvolvido,
construído e respeitado ao mesmo nível de todas as dimensões humanas.
A Educação Física pode adotar uma filosofia que tenha como princípios o
rendimento, a competição e o confronto, onde a meta única é vencer para
proclamar sua superioridade; ou, então, desenvolver uma filosofia através
da qual as atividades corporais são vividas como lazer, gesto, harmonia,
arte e espetáculo. Observa-se, com isso, que as linhas filosóficas e pe-
dagógicas da Educação Física, como todas as atividades educativas, po-
dem estar não só limitadas pela rigidez dos determinismos mecânicos dos
sistemas produtivos, mas também podem desenvolver-se na imensidão da
liberdade, da imaginação e da criatividade humanas.

318
FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS da educação física
UNIDADE 3 CONSIDERAÇÕES À RESPEITO DOS FUNDAMENTOS SÓCIO-FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA

Concluindo, vencer os olhares equivocados lançados pelo


senso comum sobre a Educação Física, apresentando uma pers-
pectiva que busque o desenvolvimento global das pessoas, sua
expressão e o reconhecimento e uso de sua corporalidade é um
dever ético que temos para conosco, para com a Educação Física
e para com nossos alunos e não um favor que devemos a eles e
a nós mesmos.
Não esqueçamos que, além de músculos e movimentos,
somos emoções, sentimentos e, mais importante que desenvol-
ver um corpo “sarado”, é trabalhar as relações humanas e cons-
truir uma auto-estima capaz de se relacionar de forma crítica e
criativa com os outros e com o meio em que vive.

Hora de praticar
Após analisar os olhares que o senso comum lança sobre a Educação Física, analise sua
prática e verifique se você assume algum desses papéis.
Elabore um texto, que deve ser colocado no fórum, propondo sugestões a respeito de como
a Educação Física pode superar esses olhares e criar novos caminhos para suas práticas.

Nesta Unidade foram mas à expressão livre e espontânea do


apresentados os olhares movimento, ao bem estar do corpo.
do senso comum sobre Para tanto, o estudo dos aspectos
a Educação Física e sócio-filosóficos da Educação Física e do
a necessidade de, por Esporte, torna-se ponto fundamental para
meio da ética, vencer o estabelecimento de uma postura ética
tais olhares, propondo novos rumos para que respeite a todos que acessarem suas
a área. Vimos como é importante que o atividades, independente de diferenças,
professor de Educação Física esteja atento potencialidades ou limitações, de modo
para as questões referentes à sua prática a proporcionar um desenvolvimento
pedagógica, de modo a ultrapassar o senso pessoal que leve o indivíduo à autonomia
comum, fundamentando-se a partir de e a inserção na sociedade em que vive de
conceitos e posturas sócio-filosóficas que maneira crítica e criativa.
levem ao bom senso da Educação Física. Esperamos assim, que o estudo
Nessa perspectiva a Educação Física dessa disciplina tenha contribuído com sua
não pode ficar relacionada apenas ao discurso prática pedagógica na Educação Física e
da beleza estética do corpo e do narcisismo, na vida cotidiana.
Foi um grande prazer trabalhar junto com todos vocês.
Um grande abraço,
Elvio e Ivanor.

319
Glossário
Alienação: apesar de ter várias definições, doria ou amor pelo saber.
a palavra alienação é usada nesse traba-
lho como sendo a diminuição da capacida- Ideologia: ciência que trata da formação
de dos indivíduos em pensar em agir por si das idéias e da sua origem; conjunto de
próprio, seguindo os princípios e idéias de idéias, crenças e doutrinas, próprias de
outras pessoas ou de grupos dominantes. uma sociedade, de uma época ou de uma
classe, e que são produto de uma situação
Bom senso: diz respeito ao ato de racioci- histórica e das aspirações dos grupos que
nar do ser humano com sensibilidade, ra- as apresentam como imperativos da razão
cionalidade e prudência, o que possibilita (conceito disponível em http://www.pribe-
uma avaliação crítica de fatos e verdades. ram.pt/dlpo/dlpo.aspx. dicionário da língua
portuguesa on-line).
Ciência: a palavra ciência vem do latim
“scientia” que quer dizer conhecimento. Imagético: que se exprime mediante ima-
Diz respeito a um sistema de aquisição de gens ou que revela imagens.
conhecimento com a utilização de um mé-
todo científico. Imaginário social: o imaginário social é
caracterizado por um conjunto de relações
Cooptação: processo pelo qual um indiví- imagéticas que atuam como memória afe-
duo ou pequeno grupo recebe concessões tivo-social de uma cultura, capaz de ex-
e privilégios para deixar de defender os in- pressar-se por ideologias e utopias, além
teresses da classe social a que pertence dos símbolos, das alegorias, dos rituais e
e passar a defender aquele que lhe fez as dos mitos. Esses elementos refletem e tra-
concessões. (ARANHA e MARTINS, 2002, duzem a concepção de mundo, modelam
p. 52). as condutas sociais e condicionam os esti-
los de vida. O imaginário social privilegia o
Ética: para Aranha e Martins (2002, p. caráter social dos significados que consti-
274) Ética vem do grego ethos, que tem o tuem objeto de seu estudo.
mesmo significado de ‘costume’. Em sen-
tido bem amplo, a moral é o conjunto das Mito: a palavra mito vem do grego “mithós”.
regras de conduta admitidas em determi- Pode-se defini-lo como sendo uma explica-
nada época ou por um grupo de homens. ção dos principais acontecimentos da vida,
Nesse sentido, o homem moral é aquele os fenômenos da natureza e a origem do
que age bem ou mal na medida em que homem. Está sempre ligado a deuses, he-
acata ou transgride as regras do grupo. róis e seres sobrenaturais e tenta explicar
uma determinada realidade.
Filosofia: a palavra filosofia é compos-
ta por duas palavras gregas: “philo” que é Narcisismo: a palavra narcisismo refere-
uma palavra derivada de “philia” que signi- se ao mito grego de Narciso e está relacio-
fica amizade ou amor e “sophia” que signi- nado à característica da personalidade de
fica sabedoria. Portanto, pode-se definir a paixão por si mesmo.
palavra filosofia como amizade pela sabe-

320
Glossário
Naturalização: ato de considerar naturais Senso comum: é um saber que nasce da
os arranjos da classe dominante para con- experiência quotidiana sendo um conhe-
trolar a classe dominada e manter seu sta- cimento sobre os elementos da realidade
tus, aceitando as situações de dominação em que se vive. O senso comum se forma
como normais e verdadeiras (ARANHA e a partir de crenças que são consideradas
MARTINS, 2002, P. 37). normais, sem que haja uma investigação
detalhada para alcançar verdades profun-
Patrulha ideológica: expressão usada das ou científicas.
no Brasil, a partir de 1978, para designar
a ação de grupos que criticam artistas, in- Sociologia: ciência humana que estuda
telectuais e outras pessoas populares por a sociedade e o comportamento humano
não defenderem as idéias desses mesmos a partir de suas relações interpessoais e
grupos. (ARANHA e MARTINS, 2002, p. com o meio em que está inserido.
52).
Universalização: trata-se do fato dos va-
Positivismo: é um método proposto por lores da classe dominante passarem a ser
Auguste Comte que propõe que as avalia- os valores e os desejos de conquista da
ções científicas devem ser rigorosamente classe dominada, como se tais valores fos-
embasadas em experiências, sendo que sem os únicos verdadeiros e aceitos (ARA-
considera que todos os fatos da sociedade NHA e MARTINS, 2002, p. 37).
devem ser precisos e científicos.

Racionalização: para Helal (1990) “racio-


nalizar consiste, antes de tudo, em se con-
formar às leis da razão”.

Reflexão: significa movimento de volta so-


bre si mesmo ou movimento de retorno a
si mesmo. A reflexão é o movimento pelo
qual o pensamento volta-se para si mes-
mo, interrogando a si mesmo. (CHAUÍ,
2001, p. 14).

Secularização: Helal (1990) define secu-


larização como um processo pelo qual rea-
lidades pertencentes ao domínio religioso,
sagrado ou mágico, passaram a perten-
cer ao domínio profano. A secularização
é qualquer explicação racional, científica
ou técnica que venha substituir uma repre-
sentação religiosa ou alguma explicação
sagrada ou atribuição divina.

321
Referências Bibliográficas
AQUINO, Júlio Groppa. A Escola às Escuras. Entrevista publicada na Revista Carta Capital
de 19/10/2005. São Paulo: Editora Confiança, 2005.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da Educação. São Paulo: Moderna, 2003.
ARANHA, M. L. de A. e MARTINS, M. L. P. Filosofando. Introdução à Filosofia. São
Paulo: Moderna, 2002.
BARBIERI, César. Esporte Educacional: uma possibilidade para a restauração do
humano do homem. Canoas: E. ULBRA, 2001.
BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: 1981.
BETTI, Mauro. Educação Física e Sociedade. São Paulo: Movimento, 1991.
BIM, Sonia Regina. Os meios de comunicação de massa e a construção social do corpo.
Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Universidade Católica de Brasília, 2002.
BORGES, Vavy Pacheco. O que é história. São Paulo: Brasiliense, 2002.
BRACHT, Valter. Sociologia Crítica do Esporte – uma introdução. Ijuí: UNIJUÍ Ed., 2003.
__________. Educação Física e Aprendizagem Social. Porto Alegre: Magister, 1997.
__________. Educação Física; a busca da autonomia pedagógica. Revista da Fundação
de Esporte e Turismo do Paraná. Ano 1 no 2, 1989 (pp. 12-19).
BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia grega. Volume I. 14 ª edição. Petrópolis: Vozes,
2000.
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2001.
CODO, Wanderley. O que é alienação. São Paulo: Brasiliense, 1985.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1996.
HELAL, Ronaldo. O que é Sociologia do Esporte. São Paulo: Braziliense, 1990.
LAKATOS, Eva M & MARCONI, Marina de A. Sociologia Geral. 7ª Ed. Ver. e ampl., São
Paulo: Atlas, 1999.
LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J. Vocabulário da Psicanálise. São Paulo: Martins Fontes,
1970.

322
Referências Bibliográficas

NOVAES, Jefferson. Estética: corpo e academia. Rio de Janeiro: Shape, 2001.


PICH, Santiago. Imaginário Social. In. GONZÁLES, Fernando Jaime e FENSTERSEIFER,
Paulo Evaldo (org.). dicionário Crítico de Educação Física. Ijuí: Editora Unijuí, 2008.
PRADO JÚNIOR, Caio. O que é filosofia. São Paulo: Brasiliense, 2001.
RANZI, Ivanor. Vale-tudo: a figura narcísica e espetacularização midiática e
sadomasoquista. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Universidade
Católica de Brasília, 2005.
ROCHA, Everaldo. O que é Mito. São Paulo, Brasiliense, 1999.
RODRIGUES, José Carlos. Tabu do corpo. Rio de Janeiro: Achiamé, 1979.
RODRIGUES, Rogério. Individualismo. In. GONZALES, Fernando Jaime e
FENSTERSEIFER, Paulo Evaldo (org.). Dicionário Crítico de Educação Física. Ijuí:
Editora Unijuí, 2008.
SABINO, Cesar. Musculação: Expansão e manutenção da masculinidade. In.
GOLDENBERG, Mírian (org.). Os novos desejos: das academias de musculação às
agências de encontros. Rio de Janeiro: Record, 2000.
SANTIN, Silvino. Educação Física. Uma abordagem filosófica da corporeidade. Ijuí:
UNIJUÍ Ed., 1987.
SOARES, Carmen. Educação Física – raízes européias e Brasil. Campinas: Autores
Associados, 1994.

323
324
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

FUNDAMENTOS
FISIOLÓGICOS DA
EDUCAÇÃO FÍSICA

325
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

326
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS
UNIDADE 1 DA EDUCAÇÃO
TRANSFERÊNCIA FÍSICA
DE ENERGIA NO CORPO

Sobre as autoras
Profa. Júlia Aparecida Devidé Nogueira
Licenciada (1995) em Educação Física pela UnB, com mes-
trado (2001) e doutorado (2005) em Ciências da Saúde pela
UnB. Atualmente é professor adjunto da Faculdade de Edu-
cação Física da UnB. Tem experiência na área de Educação
Física, com ênfase em promoção da saúde, nutrição e ativi-
dade física, atuando nos temas: fisiologia do exercício, avalia-
ção nutricional, composição corporal e saúde.
Profa. Júlia Profa. Keila
Profa. Keila Elizabeth Fontana
Licenciada (1979) em Educação Física pela Universidade de
Brasília (UnB) e doutorado (2003) em Ciências da Saúde pela
UnB. Atualmente é professor adjunto da Faculdade de Edu-
cação Física da UnB. Tem experiência na área de Educação
Física, com ênfase em Fisiologia do Exercício, atuando nos
temas: composição corporal, ergoespirometria, aptidão físi-
ca, recursos ergogênicos e desempenho humano.

Muito prazer!
Eu, profª. Júlia, professora da UnB, ministro aulas no Curso de Graduação e de
Pós-Graduação (mestrado) na Faculdade de Educação Física (FEF). Coordeno projetos
de pesquisa e extensão em atividade física, nutrição e promoção da saúde na comunidade
(escolas e centros de saúde).

Eu, profª. Keila, professora da UnB, ministro aulas no Curso de Graduação e de


Pós-Graduação (mestrado) na Faculdade de Educação Física (FEF). Participo ainda de
cursos de especialização, presenciais e a distância. Desenvolvo pesquisas no Laboratório
de Fisiologia do Exercício da FEF, envolvendo os efeitos da atividade física em parâmetros
fisiológicos com e sem suplementação nutricional. Realizo avaliação ergoespirométrica (é
um sistema integrado para a realização de teste de esforço (ergometria) com análise meta-
bólica de gases) análise metabólica de lactato em atletas. Com a implementação da moda-
lidade de ensino a distância, elaboro material didático para essa modalidade.

Nós convidamos você a continuar os estudos sobre a fisiologia do exercício!

327
328
Apresentação da Disciplina
Caro(a) aluno(a),

Bem-vindo à disciplina Fundamentos Fisiológicos da Educação Física! Esta disci-


plina visa estudar as fontes de energia envolvidas na realização do exercício, o controle
hormonal e as adaptações fisiológicas ao treinamento e ao estresse térmico.
Em função da amplitude do tema em questão, abordaremos preferencialmente a
fundamentação fisiológica que facilitará a compreensão dos fenômenos acima. Assim,
recomendamos fortemente que, além do estudo desta apostila, a disciplina seja acom-
panhada pela leitura complementar do livro a seguir, disponível em seu pólo: McARDLE,
W.D.; KATCH F.I.; KATCH, V.L. Fisiologia do Exercício: Energia, Nutriçãoe Desempe-
nho Humano. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A., 2004.

Para você entender melhor os temas, dividimos o conteúdo em cinco unidades:

Unidade 1 - Transferência de Energia no Corpo.

Unidade 2 - Consumo de Energia Durante o Repouso e Atividade Física.

Unidade 3 - Sistema Endócrino.

Unidade 4 - Aprimoramento da Capacidade de Transferência de Energia.

Unidade 5 – Termorregulação e Desempenho no Exercício.

329
Objetivos
Ao finalizar a Disciplina, esperamos que você possa relacionar o funcionamento
dos sistemas fisiológicos de produção de energia com a manutenção das funções bioló-
gicas e com as adaptações fisiológicas desencadeadas pelo treinamento físico.

Desejamos sucesso em mais essa caminhada, com a certeza de que a constru-


ção do conhecimento está baseada na troca de experiências, esclarecimento de dúvidas,
descobertas e reflexões.

330
FUNDAMENTOS
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS
FISIOLÓGICOS DA
DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO FÍSICA
FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

UNIDADE 1
Transferência de Energia
no Corpo
Você já imaginou como nosso corpo extrai energia dos alimentos para realizar
suas diversas funções, inclusive a contração muscular que possibilita a realização de
várias atividades?
Nesta Unidade iremos abordar os conceitos gerais da bioenergética, que possibi-
litam a compreensão do metabolismo de produção de energia no corpo humano.

Objetivos
Ao finalizar esta Unidade, esperamos que você possa:
diferenciar energia potencial e cinética, considerando seu papel no trabalho
biológico;
comparar os processos químicos endergônicos e exergônicos;
discutir o papel das reações de oxidação-redução no metabolismo energético;
discutir as contribuições do trifosfato de adenosina (ATP), do fosfato de creatina
(PCr), e do metabolismo anaeróbico e aeróbico para realizar o trabalho biológico.

331
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

1.1 Introdução à Transferência de Energia

O termo energia é definido como a habilidade de reali-


zar trabalho, e pode ser expresso em calorias (cal). Caloria é a
quantidade de calor (energia) necessária para elevar em 1 grau
Celsius °C a temperatura de 1 grama de água. Para expressar a
quantidade de energia contida nos alimentos é mais preciso uti-
lizar o termo quilocaloria (kcal), ou seja, a quantidade de calor
Veja o conteúdo “Libe-
necessária para elevar em 1°C a temperatura de 1 quilograma
ração de energia pelo
alimento” nas páginas (= a 1 litro) de água.
141 a 159 do livro texto.
Várias formas de trabalho físico e biológico precisam de
energia para acontecer, incluindo a contração dos músculos para
respirar, movimentar, trabalhar e exercitar. A capacidade de ex-
trair energia dos alimentos (energia química) e transferi-la para os
músculos (energia mecânica) determina a capacidade do indiví-
duo de realizar trabalho.

A primeira lei da termodinâmica estabelece que a energia não pode ser


criada nem destruída mas sim, transformada de uma forma para outra (o
corpo não “produz energia” apenas transforma de energia química dos ali-
mentos em energia mecânica para movimentar os músculos, por exemplo).

Como a energia não pode ser destruída, a quantidade de


energia total em um sistema isolado se mantém constante; a re-
dução numa forma de energia corresponde a um aumento equi-
valente em outra forma (conversão). A quantidade total de energia
em um sistema é constituída pela soma de suas energias poten-
cial e cinética.

Energia potencial é a forma de energia que se encontra “ar-


mazenada” em um sistema e que pode ser utilizada a qualquer
momento para realizar trabalho.

Energia cinética é a forma de energia utilizada para gerar tra-


balho (movimento).

332
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

Os processos físicos ou químicos também podem ser classificados de acor-


do com sua capacidade de liberar ou absorver energia. Um processo que li-
bera energia para o meio ambiente é chamado exergônico (∆G negativo).
Um processo que absorve ou armazena energia é chamado endergônico
(∆G positivo). ∆G significa variação na energia livre.

Exemplos práticos da conversão de energia são a fotossín-


tese e a respiração celular. A condensação (absorção) de ener-
gia na sua forma química (alimento) se inicia nas plantas verdes
por meio da fotossíntese (processo endergônico). O pigmento
clorofila nas folhas verdes das plantas absorve energia solar para
sintetizar (formar) a glicose a partir do dióxido de carbono (CO2) e
da água (H2O), liberando O2 para o meio ambiente, na reação:

clorofila + energia radiante (sol)


6CO2 + 6H2O GLICOSE (C6H12O6) + 602
6O2

Ilustração 1- Processo endergônico (∆G +) da fotossíntese. Uma molécula de glicose é formada a partir da
união do dióxido de carbono com água.

6CO2 + 6H2O

333
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

A respiração celular é o processo inverso da fotossíntese.


Na perspectiva da
bioenergética, por Os nutrientes condensados pela fotossíntese são hidrolisados
que as plantas verdes
(digeridos, catabolisados, quebrados) em moléculas menores
são fundamentais à
conservação da vida para que o corpo retire, na presença de oxigênio (oxidação), a
humana?
energia armazenada em sualigações químicas. A energia química
dos alimentos é assim transferida para moléculas de ATP no cor-
po humano. Este ATP será hidrolisado para liberar energia para
realização de trabalho (processo exergônico).
Veja por exemplo a utilização da molécula de glicose (que
forma o nutriente carboidrato) para produção de energia através
da reação:

GLICOSE (C6H12O6) + 6 O2 → 6 CO2 + 6 H2O + ATP (energia potencial)

O trifosfato de adenosina (ATP) é a forma de energia que o


organismo humano consegue utilizar para produzir trabalho.

Ilustração 2 - Processo exergônico (∆G -) da respiração celular, onde a oxidação da glicose libera energia
para produzir trabalho.

334
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

Hidrólise é a quebra (digestão) de uma molécula orgânica mais complexa pela ligação
com uma molécula de água (H2O): HOH + AB = AH + BOH;

Condensação é a reação de síntese, reversa da hidrólise, onde o composto AB é


formado junto com uma molécula de água: AH + BOH = H2O + AB;

Oxidação é o processo de transferência (perda) de átomos ou elétrons (do oxigênio


por exemplo). Veja item 3.3 mais adiante no texto;

Redução é o processo que aceita os átomos ou elétrons, como o processo de formação


da molécula de água (H2O) quando o oxigênio (O++) aceita 2 hidrogênios (H).

Como ocorre a
transferência de
1.2 Transferência de Energia no Corpo energia entre
alimento e o corpo
Humano humano?

Você deve saber que o corpo humano necessita de um


suprimento contínuo de energia para realizar suas múltiplas fun-
ções (trabalho mecânico da contração muscular, trabalho químico
de sínteze de moléculas e trabalho de transporte entre meios intra
e extracelulares). Mas sabe também que a energia contida no ali-
mento não é transferida diretamente para as células para a realiza-
ção de um trabalho biológico.

Bem, a dinâmica da produção de energia no corpo humano acontece por


intermédio da quebra de ligações químicas. A energia potencial contida nas
ligações das moléculas dos nutrientes alimentares (carboidratos, gorduras
e proteínas) é liberada por etapas em pequenas quantidades quando as
ligações são desfeitas, em reações controladas por enzimas no ambiente
aquoso da célula.

Enzimas são substâncias protéicas específicas que catalisam (aceleram) o ritmo de


reações químicas. Co-enzimas são substâncias responsáveis por ativar as enzimas.

335
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

A produção de energia para o trabalho biológico ocorre


quando compostos pobres em energia potencial são “enriqueci-
dos” pela transferência de energia através das ligações de fosfa-
De onde você acha
que vem a energia to. A energia proveniente da oxidação dos alimentos é conduzida
necessária para ini- através do composto trifosfato de adenosina (ATP), que é rico em
ciar um movimento
quando assim o de- energia.
sejamos?

1.2.1 Trifosfato de Adenosina: A Moeda Corrente


da Energia
A energia potencial existente dentro da molécula de ATP
aciona todos os processos celulares que necessitam de energia.
Em essência, esse ciclo envolve a transformação (um doador e um
receptor) de energia nas células em duas etapas:

1. extrai a energia potencial do alimento e a armazena nas ligações


químicas do ATP;

2. extrai e transfere a energia química no ATP para acionar o tra-


balho biológico.
Ilustração 3- Estrutura do ATP. As ligações que unem os 2 fosfatos (simbolizadas como ~)
liberam grande quantidade de energia útil durante a hidrólise (quebra da molécula.)

Quando o ATP se combina com água (hidrólise) na reação


catalisada pela enzima trifosfato de adenosina (ATPase), um novo

336
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

composto, o difosfato de adenosina (ADP), é formado, liberando um


íon fosfato (fosfato inorgânico), e aproximadamente 7,3 kcal de
energia livre (isto é, energia disponível para o trabalho).

Raramente energia adicional é liberada quando outro fos-


fato é separado do ADP. Entretanto, em algu­mas reações, o ATP
pode doar seus dois fosfatos resultando em uma molécula com um
único grupo fosfato, o monofosfato de adenosina (AMP).

Durante a hidrólise do ATP na reação:


ATPase
ATP ADP + Pi + ENERGIA, a energia liberada é transferi-
da diretamente para outras moléculas que necessitam de energia,
acionando o trabalho biológico. No músculo, por exemplo, a ener-
gia estimula os elementos contráteis acionando o encurtamento
das fibras musculares (contração).

A molécula de ATP é hidrolisada rapidamente, sem neces-


sitar de oxigênio (anaerobicamente). O ATP é a fonte de ener-
gia para a realização imediata de qualquer movimento corporal
(exemplos: correr rapidamente para pegar o ônibus, levantar um
objeto, deferir uma cortada no voleibol, etc.) A produção de ener-
gia não seria tão rápida caso o metabolismo energético necessi-
tasse da presença de oxigênio. Veja os itens 1.2.2 e 1.2.3
a seguir no texto.
As células armazenam uma pequena quantidade de ATP e,
portanto, devem ressintetizá-lo continuamente de acordo com seu
ritmo de utilização. A ressíntese contínua do ATP ocorre através
de diferentes vias metabólicas.

As vias para a ressíntese de ATP podem acontecer a partir


do fracionamento anaeróbico do fosfato de creatina (PCr) e/ou da
glicose, ou a partir de reações aeróbicas dentro das mitocôndrias
que utilizam nutrientes dos alimentos para gerar ATP.

E o que acontece quando fazemos exercício extremo? Nes-


te caso, os níveis de ATP no músculo esquelético diminuem devido
à sua hidrólise para produção de energia. Como a quantidade de

337
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

ATP é limitada, a mudança na sua concentração, em resposta ao


aumento na utilização de energia pela célula, estimula a quebra
de outros compos­tos que contém energia armazenada (PCr e nu-
trientes) para ressintetizar o ATP.
De onde vem a energia Assim, os sistemas de transferência de energia são acele-
necessária para sair cor-
rendo da nossa cama caso rados quando se inicia um movimento, sendo mais ou menos ace-
o quarto comece a pegar lerados dependendo da intensidade do movimento (exercício). O
fogo (sair do repouso para o
exercício imediato)? E caso corpo armazena energia intramuscular na forma de ATP em quan-
precisássemos continuar
correndo até o corpo de tidade suficiente para realizar um exercício explosivo por alguns
bombeiros mais próximo, segundos.
que fica a 2 km de distância,
como poderíamos manter a O que este processo nos mostra? Observe que o ATP, iso-
produção de energia para
esta corrida? ladamente, não representa uma reserva significativa de energia e
precisa ser constantemente ressintetizado pelas outras vias me-
tabólicas. Uma pessoa sedentária ressintetiza diariamente uma
quantidade de ATP igual a aproximadamente 75% de sua massa
corporal; já um atleta de endurance, em uma corrida de marato­na
com duração de 2,5 horas, ressintetiza 20 vezes a quantidade de
energia (ATP) gasta em repouso.

1.2.2 Fosfato de Creatina: o Reservatório de


Energia

Para superar a limitação de armazenamento do ATP, a


energia necessá­ria para o trabalho biológico é suprida pela res-
síntese do ATP. Alguma energia para a ressíntese do ATP pelo
ADP provém do fosfa­to liberado na quebra anaeróbica do fosfato
de creatina (PCr), outro composto de fosfato intracelular de alta
energia.

As células armazenam 4 a 6 vezes mais PCr que ATP. En-


tretanto, as reservas de PCr também são limitadas e esta reação
anaeróbica de produção de energia atinge seu limite em cerca de
10 segundos de exercício. Assim, o PCr funciona como um “re­
servatório” de fosfato de alta energia para ressínteze de ATP na
seguinte reação, catalisada pela enzima creatina cinase:

ADP + PCr creatinina cinase


ATP + Cr

338
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

Entretanto, esta reação é reversível: o fosfato (P) e a creati-


na (Cr) podem voltar a se unir para formar PCr, e o ADP mais
P podem voltar a formar ATP.
A reação catalisada pela enzima adenilato cinase represen-
ta outra reação para a ressíntese do ATP. A reação utiliza duas molé-
culas de ADP para produzir uma molé­cula de ATP e uma de AMP:

ADP + ADP adenilato cinase


ATP + AMP
E o que acontece quando há o esforço máximo por mais de
10 segundos? Bem, a energia para a ressíntese do ATP terá que
pro­vir do catabolismo menos rápido dos macronutrientes armaze­
nados (gorduras, glicogênio e proteínas). Além do que, as reações
catalisadas pela ATPase, creatina cinase e adenilato cinase produ-
zem também co-produtos moleculares (AMP, Pi, ADP) que ativam
os estágios iniciais do catabolismo do glicogênio e da glicose e as
vias de produção de energia aeróbicas na mitocôndria.

Catalisar significa acelerar a velocidade de uma reação química


através da adição de uma substância que não se altera durante
o processo.

1.2.3 Oxidação Celular

A maior parte da energia para a fosforilação do ADP em


ATP (produção de energia) deriva da oxidação (queima biológica
por adição de oxigênio) dos nutrientes dietéticos (carboidratos,
lipídios e proteínas).

Fosforilar significa adicionar um grupo fosfato à uma molécula.

É importante notarmos que, quimicamente, uma molécula é reduzida


quando aceita elétrons provenientes de um doador de elétrons. E a molé-
cula que fornece o elétron é oxidada. As reações de oxidação (aquelas
que doam elétrons) e as reações de redução (aquelas que aceitam elé-
trons) acontecem de maneira combinada, pois cada oxidação coincide
com uma redução. Em essência, a oxidação-redução celular constitui o
mecanismo bioquímico responsável pelo metabolismo aeróbico de produ-
ção de energia.

339
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

A oxidação-redução celular proporciona continuamente


átomos de hidrogênio provenientes do catabolismo (quebra) das
moléculas armazenadas (glicogênio, gorduras e proteínas). As
mitocôndrias, que constituem as “usinas energéticas” da célula,
contém moléculas carreadoras que removem elétrons do hi-
drogênio (oxidação) e os transferem para o oxigênio (redução). A
síntese aeróbica de ATP ocorre durante as reações de oxidação-
redução.

- Transporte de Elétrons

Durante a oxidação celular, as enzimas desidrogenases


específicas para cada substrato (carboidrato, gordura e proteí-
na) catalisam a liberação do hidrogênio dos macronutrientes. O
componente coenzima da desidrogenase (habitualmente a coen-
zima nicofinamida-adenina dinucleotídeo; NAD+) aceita os pa-
res de elétrons provenientes do hidrogênio. Enquanto o substrato
é oxidado e cede hidrogênio (elétrons), o NAD+ ganha hidrogênio
e dois elétrons, sendo reduzido para NADH; o outro hidrogênio
aparece como H no líquido celular.

Outra coenzima, a flavina adenina dinucleotídeo (FAD),


também funciona como aceitador de elétrons na oxidação dos
substratos alimentares. No entanto e diferentemente do NAD+, o
FAD torna-se FADH2, ao aceitar ambos os hidrogênios. Assim o
NAD+ e o FAD catalisam a desidrogenação e aceitam pares de
elétrons. O NADH e o FADH2 formados proporcionam moléculas
ricas em ener­gia, pois carreiam elétrons com alto potencial de
transfe­rência de energia.
Citocromos, compostos ferro-protéicos, são os carreadores
de elétrons nas membranas internas da mitocôndria que aceitam
os elétrons carrea­dos por NADH e FADH2. Ao aceitar o elétron, a
porção férrica do citocromo se reduz para a forma ferrosa.
A seguir, o ferro ferroso doa seu elétron para o próximo
citocromo e assim sucessivamente até o fim da linha, onde os cito-
cromos transferem elétrons para a destinação definitiva, o oxigênio,
reduzindo-o para formar água. Neste momento o NAD+ e o FAD
podem ser utilizados novamente no metabolismo energético (veja
logo adiante na ilustração 4).

340
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

O transporte de elétrons através destas moléculas carre-


adoras é a via final da cadeia respiratória, ponto onde os elétrons
extraídos do hidrogênio passam para o oxigênio. Para cada par de
átomos de hidrogênio, dois elétrons fluem através da cadeia e re-
duzem um átomo de oxigênio para formar uma mo­lécula de água.
Assim, a presença de oxigênio na mitocôndria é que aciona a ca-
deia de transporte de elétrons e outras reações catabólicas que
dependem da disponibilidade contínua de NAD+ e FAD.

A ca­deia respiratória libera energia livre em quantida­des


relativamente pequenas. Em várias das transferências de elé­trons,
a formação de ligações fosfato de alta energia consegue conser-
var energia.

Carreadores são moléculas que fazem o transporte de um


substrato específico.

Catabolismo refere-se à degradação ou quebra de uma


substância.
Ilustração 4 - A cadeia de transporte de elétrons remove elétrons dos hidrogê-
nios para sua transferência ao oxigênio, com a energia química sendo arma-
zenada dentro do ATP.

NADH + H++ 3ADP + 3P + 1/2 O2 NAD+ + H2O + 3ATP

341
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

- Fosforilação Oxidativa

A fosforilação oxidativa sintetiza ATP pela transferência de


elé­trons do NADH e FADH2 para o oxigênio. A energia gerada no
transporte de elétrons bombeia os prótons pela membrana mito-
condrial para o espaço intermembranoso (ilustração 5).

Ilustração 5 - A mitocôndria é o local do metabolismo aeróbico. O transporte de


elétrons resulta no fluxo de H+ pela membrana interna que se acopla ao meca-
nismo da fosforilação oxidativa para ressintetizar ATP.

O gradiente eletroquímico ge­rado por esse fluxo reverso


de prótons representa a energia po­tencial armazenada. Isso torna
possível o mecanismo de acopla­mento que une ADP e um íon
fosfato para sintetizar ATP; este processo constitui o meio ender-
gônico da célula para acumular a energia química nos fosfatos de
alta energia.
Mais de 90% da síntese do ATP ocor­rem na cadeia respira-
tória por reações oxidativas da fosforilação. A energia eletroquímica
gerada na cadeia de transporte de elétrons acaba sendo utilizada

342
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

e transferida (acoplada) ao ADP para formar ATP. A oxi­dação do


hidrogênio e a subseqüente fosforilação ocorrem da seguinte ma-
neira:

NADH + H+ + 3ADP + 3Pi + ½O2 —> NAD+ + H2O + 3ATP

Esta mesma reação pode ocorrer com o FADH2, gerando


apenas 2 ATP, porque o FADH2 entra na cadeia respiratória num
nível de energia mais baixo do que o NADH.

- Papel do oxigênio no metabolismo energético

Existem três pré-requisitos para a ressíntese contínua do ATP


na fosforilação oxidativa. Se as três condi­ções forem satisfeitas, os
hidrogênios e os elétrons percorrerão ininterruptamente a cadeia res-
piratória na direção do oxigênio durante o metabolismo energético:

1) disponibilidade do NADH (ou FADH2) nos tecidos;


2) presença do oxigênio (agente oxidante) nos tecidos e;

3) concentração suficiente de enzimas e mitocôndrias para garantir


que as reações de transferência de energia prossigam no ritmo
apropriado.

No exercício extenuante, a inadequação no fornecimento


de oxigênio (condição 2) ou em seu ritmo de utilização (con­dição 3)
cria um desequilíbrio relativo entre a liberação de hi­drogênio e sua
aceitação final pelo oxigênio.

Neste caso, o fluxo de elétrons através da cadeia respiratória “retrocede”


e os hidrogênios se acumulam ligados ao NAD+ e FAD. Quando isto ocor-
re, um composto chamado piruvato, produto do fracionamento dos carboi­
dratos, une-se temporariamente ao excesso de hidrogênios para formar lac-
tato. A formação de lactato torna possível a continuação do transporte de
elétrons-fosforilação oxidativa.

O metabolismo aeróbico refere-se às reações catabólicas


ge­radoras de energia nas quais o oxigênio funciona como acei­tador
final de elétrons na cadeia respiratória e se combina com o hidrogênio

343
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

para formar água. Neste sentido, o termo aeró­bico parece engano-


so, pois o oxigênio não participa diretamente na síntese do ATP.
Por outro lado, a presença de oxigênio no “final da linha” deter-
mina em grande parte a capacidade para a produção de ATP. Por
sua vez, isso determina a possibilidade de manter um exercício
No conteúdo “Formação aeróbico de alta in­tensidade.
de lactato”; páginas 146
e 147 do livro texto.

Hora de praticar
Com base no que você estudou na unidade 1, responda às questões abaixo de
forma completa e objetiva e envie suas respostas ao fórum de discussão: “Hora de
praticar 1”.

Questões:

1. Relacione a primeira lei da termodinâmica e as formas de “produção” de energia


no corpo humano, citando as formas de trabalho biológico que requerem energia.

2. O que são processos endergônicos e exergônicos? Faça uma relação com a se-
gunda lei da termodinâmica.

3. Estabeleça a diferença entre fotossíntese e respiração e suas funções biológi-


cas.

4. Qual o efeito da ação das enzimas e coenzimas no ritmo das reações químicas?

5. Esclareça com suas palavras as reações básicas para a digestão e síntese (rea-
ções de hidrólise e condensação, e de oxidação e redução).

6. Resuma com suas palavras o transporte de elétrons e a fosforilação oxidativa.

7. Esclareça o papel do oxigênio no metabolismo energético.

344
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

Energia pode ser definida porte (transferência de substâncias entre as


como a capacidade de células). Enzimas são substâncias que cata-
realizar trabalho, e pode lisam (aceleram) estas reações químicas.
existir na forma potencial A hidrólise (catabolismo) das molé-
ou cinética. Energia po- culas desempenha funções críticas na di-
tencial refere-se à energia contida na estrutu- gestão e no metabolismo energético. A con-
ra da substância e energia cinética refere-se densação (anabolismo) sintetiza moléculas
à energia do movimento. complexas para manutenção e crescimento
Existem 6 formas de energia: química, do organismo.
mecânica, térmica, luminosa, elétrica e nu- As reações redox (oxidação-redução)
clear, que podem ser transformadas entre si; representam a base para os processos de
pois a energia não é criada nem destruída. transferência de energia no organismo. O
A reação que libera energia é chama- transporte de elétrons representa a via final
da de exergônica e a que absorve energia é da cadeia respiratória e do metabolismo ae-
endergônica. As plantas transferem a ener- róbico, possibilitando a ressíntese de ATP e
gia da luz solar para seus compostos (fo- H2O.
lhas, frutos, etc) num processo endergônico A energia potencial dos alimentos é
(fotossíntese). No corpo a respiração libera transferida para o composto de alta ener-
a energia contida nos alimentos para a re- gia, o ATP. A separação da ligação de fosfa-
alização de trabalho biológico no processo to do ATP libera energia livre para todas as
exergônico. formas de trabalho biológico. Fosforilação
O trabalho biológico no corpo ocorre é o processo de transferência de energia
de três formas: químico (síntese de molécu- das ligações de fosfato. ADP e creatina são
las), mecânico (contração muscular), e trans- reciclados continuamente para ATP e PCr.

345
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 1 TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA NO CORPO

346
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA
DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO FÍSICA
FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

UNIDADE 2
Consumo de Energia Durante
Repouso e Atividade Física
O suprimento de energia para o corpo, a fim de que ele realize suas diversas
funções, deve ser contínuo e se dá através da transferência de energia do alimento ao
corpo por meio de ligações químicas. As células corporais recebem energia à medida
que necessitam dela.

Em atividade física a necessidade de energia do corpo aumenta muito e os siste-


mas de transferência de energia, com e sem a presença de oxigênio, precisam trabalhar
de maneira extremamente bem regulada. A contribuição relativa de cada um destes sis-
temas depende da intensidade e duração do exercício e da aptidão física do praticante.

Nesta Unidade iremos abordar os sistemas de transferência de energia no corpo


em repouso e em atividade física.

Objetivos
Ao finalizar esta Unidade, esperamos que você possa:

discutir as contribuições dos carboidratos, gorduras e proteínas, e suas reações meta-


bólicas para a produção de energia;

discutir o papel do ciclo do ácido cítrico, da cadeia de transporte de elétrons e da fos-


forilação oxidativa no metabolismo energético;

descrever a liberação de energia celular durante o metabolismo anaeróbico;

discutir o papel do lactato sanguíneo;

descrever as interconversões entre os nutrientes, incluindo o Ciclo de Cori.

347
descrever a contribuição dos três sistemas energéticos do corpo e os nutrientes metaboliza-
dos considerando a intensidade e a duração das atividades;

relatar as diferenças nos padrões de consumo de oxigênio no início (déficit de oxigênio)


e após o exercício (EPOC) realizado em diferentes intensidades e durações.

348
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

2.1 Liberação de Energia pelo Alimento


Neste ponto já sabemos que o ATP é a molécula com alta
quantidade de energia potencial, mas que ela não é armazenada
em grandes quantidades dentro do organismo.

A liberação de energia no catabolismo dos nutrientes possui uma finalidade


essencial: fosforilar o ADP para ressintetizar ATP. Os três estágios que resultam
na liberação da energia do alimento são:

1) digestão de carboidrato em glicose, proteína em aminoácido e gordura em


ácido graxo e glicerol e sua absorção pela célula;

2) ocorre no citoplasma a quebra de aminoácido, glicose, ácido graxo e gli-


cerol em acetil-coenzima A (CoA), com produção de ATP e NADH;

3) ocorre dentro da mitocôndria, onde o acetil-CoA é degradado em CO2 e H2O,


com produção de ATP.

Veja esse processo na figura abaixo:

Ilustração 6 - Utilização dos nutrientes para produção de energia.

Proteínas Gorduras

2 2

349
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Não são apenas os alimentos que fornecem estes nutrien-


tes; existem reservas de nutrientes estocadas dentro do corpo que,
também fornecem substratos para a oxidação e formação de ATP.
Estas reservas são:

1) moléculas de triglicerídio e de glicogênio armazenadas nas


células musculares;

2) glicogênio armazenado no fígado;

3) triglicerídio armazenado no fígado e nos adipócitos e;

4) esqueletos de carbono intramusculares e do fígado que formam


novos aminoácidos.

Adipócitos: são células que armazenam gordura no corpo


humano.

Ilustração 7 - Fontes de combustível endógeno para produção de energia

350
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

2.2 Liberação de Energia pelos Carboidratos

A função primária dos carboidratos é fornecer energia para


o trabalho celular. Durante o exercício aeróbico leve e moderado,
os carboidratos fornecem um terço das necessidades energéticas
do organismo. A produção de energia aeróbica pela hidrólise dos
carboidratos é mais rápida que a dos lipídeos. E mais, a energia
fornecida pela metabolização da gordura só ocorre na presença
de carboidratos.

O carboidrato é, ainda, o único substrato capaz de gerar


ATP anaerobicamente. Isso é importante no exercício máximo que
requer a liberação rápida de energia acima dos níveis fornecidos
pelo metabolismo aeróbico. Nesse caso, o glicogênio intramuscu-
lar fornece a maior parte da energia para a ressíntese do ATP. Uma pessoa armazena
na forma de gordura
Assim sendo, a depleção das reservas de glicogênio reduz corporal, energia
suficiente para manter
de maneira significativa a produção de energia e a potência duran- uma corrida leve de
te o exercício. Em exercícios aeróbicos prolongados, tipo marato- 400 horas. Então,
porque as pessoas
na, atletas podem experimentar a fadiga relacionada à depleção podem piorar o
do glicogênio muscular e hepático. desempenho no final
de exercícios aeróbicos
O fracionamento completo de um mol (180 g) de glicose para com mais de 2 horas
de duração?
dióxido de carbono e água produz 686 kcal de energia livre dispo-
nível para a realização de trabalho.

C6H12O6 + 6O2 = 6CO2 + 6H2O (∆G 686 kcal/mol)

A degradação da glicose ocorre em dois estágios:

1) Anaeróbico - a glicose é rapidamente fracionada em duas moléculas de


piruvato, sem a presença de oxigênio (veja na ilustração 8);

2) Aeróbico - o piruvato é degradado em dióxido de carbono e água, ao final


da cadeia de transporte de elétrons, com oxigênio (veja Ilustração 12 mais
adiante).

351
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Ilustração 8 - Reações químicas da glicólise anaeróbica.

2.2.1 A Glicólise Anaeróbica

A glicólise anaeróbica (1º estágio da degradação da glico-


se) ocorre no citoplasma celular, fora da mitocôndria (Ilustração
8). A capacidade glicolítica da célula é crucial em atividades físi-
cas de esforço máximo com duração de até 90 segundos.

Na Ilustração 8 vemos que o ATP age como um doador de


fosfato a fim de fosforilar a glicose para glicose 6-fosfato (reação 1).
Neste estágio, a molécula fosforilada de glicose 6-fosfato, na presen-
ça da fosforilase, pode se juntar a outras moléculas de glicose para
formar glicogênio, ou pode seguir a cascata de reações para produ-
zir energia e é transformada para frutose 6-fosfato (reação 2).

352
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

A seguir, a molécula de frutose 6-fosfato ganha mais um


fosfato e se transforma em frutose 1,6-difosfato sob o controle da
enzima fosfofrutocinase (PFK), que limita o ritmo da glicólise du-
rante o exercício máximo (reação 3). A seguir, frutose 1,6-difosfato
se divide em duas moléculas fosforiladas com três cadeias de car-
bono (reações 4 e 5) que são decompostas em piruvato em cinco
reações sucessivas.

2.2.2 Metabolismo da Glicose para Glicogênio


e do Glicogênio para Glicose

As células hepáticas e musculares contêm enzimas para


síntese de glicogênio (glicogênese) e para sua quebra (glicoge-
nólise). Em condições normais, após uma refeição a glicose não se
acumula no sangue e seu excesso é utilizado para produzir ener-
gia quando em situações de alta atividade celular ou é armazenada
como glicogênio ou gordura (em situações de baixa atividade celular)
no corpo.

Glicogênese é o processo de síntese de glicogênio através da


glicose.

Glicogenólise é a quebra de glicogênio em moléculas de


glicose.

O músculo esquelético em repouso mostra uma alta ativida-


de da enzima glicogênio sintetase que estimula a glicogênese.
Já a atividade física induz maior atividade da enzima glicogênio
fosforilase que estimula a glicogenólise. Durante o exercício in-
tenso, situação em que os carboidratos são o combustível ideal, a
adrenalina um hormônio do sistema nervoso simpático acelera o
ritmo de degradação do glicogênio, aumentando a atividade da
fosforilase.

Em exercício de intensidade baixa a moderada, o catabo-


lismo do glicogênio diminui porque nesta situação a oxidação das
gorduras consegue suprir quantidades adequadas de ATP para o
músculo ativo.

353
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Podemos observar na Ilustração 8 que a energia liberada


pelos intermediários da glicose gera quatro moléculas de ATP (re-
ações 7 e 10). Como duas moléculas de ATP contribuem para a
fosforilação inicial da molécula de glicose (reações 1 e 3) a glicó-
lise anaeróbica acarreta um ganho efetivo de duas moléculas de
ATP.

A regulação da glicólise anaeróbica depende: (1) da concentração das


enzimas glicolíticas; (2) dos níveis do substrato frutose 1,6-difosfato e; (3) do
oxigênio, o qual, em grandes quantidades, inibe a glicólise anaeróbica. Além
disso, a quantidade de glicose que chega às células influencia sua utilização
no metabolismo energético.

2.2.3 Liberação de Hidrogênio na Glicólise

As reações glicolíticas retiram 2 pares de hidro­gênio na


quebra da glicose e transferem seus elétrons para NAD+ a fim de
formar NADH (Ilustração 8, reação 6). Se a cadeia respiratória pro-
cessasse diretamente esses elétrons, seriam geradas 3 moléculas
de ATP para cada molécula de NADH oxidada. Entretanto, a mito-
côndria no músculo esquelético é impermeável ao NADH. Assim,
os elétrons são lan­çados indiretamente para dentro da mitocôn-
dria, (formando FADH2) (ver Ilustração 4). Assim, são formadas 2,
e não 3 moléculas de ATP quando a cadeia respiratória oxida o
NADH citoplás­mico.

Como são formadas 2 mo­léculas de NADH na glicólise ana-


eróbica (Ilustração 8, reação 6), 4 moléculas de ATP serão ge­radas
aerobicamente pelo subseqüente transporte de elétrons -­fosforila-
ção oxidativa.

2.2.4 Formação de Lactato

Durante os níveis leve ao moderado de produção de energia


existe oxigênio suficiente nas células para oxidar os hidrogênios

354
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

(elétrons) retirados do substrato e carreados pelo NADH, formando


água (H2O). Este processo de oxidação do hidrogênio é chamado de
glicólise aeróbica, e tem o piruvato como produto final (Ilustração 9).
No exercício extenuante, quando as demandas energéticas
ultrapassam o suprimento de oxigênio e seu ritmo de utilização, a
cadeia respiratória não consegue oxidar todo o hidrogênio. Para que
a liberação de energia seja continuada, pares de hidro­gênios não-
oxidados, em excesso se combinam temporariamen­te com o piruvato
para formar lactato, deixando livres assim os NAD+ (possibilitando
a produção de energia anaeróbica da glicólise). Quando ocorre o
acúmulo de lactato, e não apenas sua produção, pode-se dizer
que houve o início do metabolismo anaeróbico (Ilustração 9).

Durante o repou­so e o exercício moderado, algum lactato


é formado continua­mente de duas maneiras: (1) o metabolismo
energético das he­mácias que não contêm mitocôndrias e (2) limi-
tações da atividade enzimática nas fibras musculares anaeróbicas.
Entretanto nestes casos, o lactato formado é oxidado prontamen-
te nas fibras musculares vizinhas com alta capacidade aeróbica.
Conseqüentemente, o lactato não se acumula, pois seu ritmo de
remoção é igual ao seu ritmo de produção.
Ilustração 9 – Formação do Lactato a partir do Piruvato.

GLICOSE
Glicólise

355
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

O armazenamento temporário do hidrogênio com o piruvato proporciona


“um reservatório” para o armazena­mento temporário do produto final da gli-
cólise anaeró­bica. Além disso, depois que o lactato é formado no músculo,
ele se difunde rapidamente para o espaço intersticial e para o sangue para
ser tamponado e removido do local do metabolismo energéti­co.

Assim, a glicólise ana­eróbica pode continuar fornecendo


energia para a ressíntese do ATP. Mas esta via de produção
de energia continua sendo temporária pois quando os níveis
sangüíneos e mus­culares de lactato aumentam, a ressíntese do
ATP é dificultada, a fadiga se instala e diminui o desempenho nos
exercícios. A maior acidez intracelular (acúmulo de H+) e outras
alterações medeiam a fadiga, pela inativação de várias enzimas
na transferência de energia e pela deterioração das propriedades
contráteis do músculo.

Entretanto, o lactato não é apenas um produto de desgas­


te metabólico. Pelo contrário, proporciona uma fonte valiosa de
energia que se acumula como resultado do exercício intenso. Du-
rante a recuperação, ou quando o ritmo do exercício diminui, uma
quantida­de suficiente de oxigênio se torna novamente disponível, e
o NAD+ retira os hidrogênios ligados ao lactato para oxidação a fim
de formar ATP, restando novamente piruvato. O piruvato será oxi-
dado para a obtenção de energia ou será transformado em glicose
(gliconeogênese) no ciclo de Cori (Ilustração 10).

Gliconeogênese é o mecanismo pelo qual se produz glicose,


por meio de conversão de outros compostos (ex: proteína).

O ciclo de Cori acontece no fígado e nos rins e serve para


remover o lactato (na forma de piruvato, sem H+) utilizando-o para
reabastecer as reservas de glicogênio depletadas no exercício in-
tenso. Isso torna o músculo o principal local de produção do lactato,
mas também o principal local para a remoção do lactato através da
oxidação.

356
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Ilustraão 10 – Ciclo de Cori no fígado ressintetiza a glicose a partir do lactato.

2.2.5 Ciclo do Ácido Cítrico

As reações anaeróbicas da glicólise liberam apenas cerca de


5% da energia existente dentro da molécula original de glicose. A
extração da energia restante ocorre aerobicamente quando o piru-
vato é transformado irreversivelmente para acetil-CoA.

Acetil-CoA = piruvato + coenzima A (derivada da vitamina B).

O Acetil-CoA penetra no ciclo do ácido cítrico (ou ciclo


de Krebs), que é o segundo estágio do fracionamento da glicose
(estágio aeróbico) (Ilustração 11). O ciclo do ácido cítrico ocorre
dentro da mitocôndria e degrada Acetil-CoA em dióxido de carbo-
no e hidrogênio:

Piruvato + NAD+ + CoA => Acetil-CoA + CO2 + NADH+ + H+

357
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Ilustração 11 – Ciclo do ácido cítrico mostrando a liberação de hidrogênio e dióxido de carbono na


mitocôndria durante o fracionamento de uma molécula de piruvato.

O acetil-CoA se com-
bina com oxaloacetato para
formar citrato (mesmo com-
posto do ácido encontra-
do nas frutas cítricas), que
prossegue através do ciclo
do ácido cítrico. O ciclo do
ácido cítrico continua mas
retém a molécula oxaloace-
tato original para combinar-
se com um novo fragmento
acetil que penetra no ciclo.

Cada molécula de acetil-CoA que penetra no ciclo do ácido cítrico libera duas
moléculas de dióxido de carbono e quatro pares de átomos de hidrogênio. A
geração de elétrons (H+) que serão transferidos na cadeia de transporte de
elétrons para NAD+ e FAD representa a função mais importante do ciclo do
ácido cítrico.
O oxigênio não participa diretamente nas reações do ciclo do ácido cítrico.
A maior parte da energia química existente no piruvato é transferida para o
ADP através do processo aeróbico subseqüente de transporte de elétrons e
fosforilação oxidativa. Quando os átomos de hidrogênio são oxidados durante
o transporte de elétrons e fosforilação oxidativa forma-se o ATP e dióxido de
carbono.
Com quantidades suficientes de oxigênio, ocorre a regeneração de NAD+ e de
FAD e o metabolismo do ciclo do ácido cítrico prossegue. O ciclo do ácido cítrico, o
transporte de elétrons e a fosforilação oxidativa representam os três componentes
do metabolismo aeróbico.

358
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

2.2.6 Transferência Total de Energia pelo


Catabolismo da Glicose

A produção total de ATP pela quebra completa da molécula


de glicose gera 38 ATP. Levando-se em conta que 2 ATP são usa-
dos na glicólise anaeróbica, o saldo do catabolismo da glicose é de
36 ATP (a glicólise produz 4 ATP e a fosforilação oxidativa produz
32 ATP). A Ilustração 12 resume as vias para a transferência de
energia durante o catabolismo da glicose no músculo esquelético.

Ilustração 12 – Produção de energia durante a oxidação de uma molé-


cula de glicose.

2.2.7 O que Regula o Metabolismo Energético?

Em condições normais, a transferência de elétrons e a sub-


seqüente liberação de energia estão intimamente ligadas à fosfori-
lação do ADP. Sem ADP para ser fosforilado para ATP, os elétrons
não percorrem a cadeia respiratória para se unir ao oxigênio.

359
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Outros compostos inibem ou ativam as enzimas em pontos es-


senciais das vias oxidativas regulando a glicólise e o ciclo do ácido
cítrico. Cada via contém, ao menos, uma enzima limitante da ve-
locidade das reações dessa via. A concentração celular de ADP
exerce o maior efeito sobre as enzimas limitantes da velocidade
que controlam o metabolismo energético dos carboidratos, das
gorduras e das proteínas.
Maratonistas de Qualquer aumento na quantidade de ADP assinala a
elite correm em uma
necessidade de fornecer energia para restaurar os níveis de ATP
intensidade que não
(feedback celular). Inversamente, altos níveis de ATP indicam
acarreta acúmulo de
lactato. Como explicar baixa necessidade de produzir mais energia (ATP).
então a fadiga no final
Outros moduladores que limitam a velocidade da produ-
da prova que faz com
ção de ATP incluem os níveis celulares de fosfato, o AMP cíclico,
que alguns atletas
reduzam o ritmo da a proteína cinase ativada por AMP, o cálcio, o NAD+, o citrato e o
corrida? pH. Entretanto, nenhum regulador químico isolado é dominante
na produção de ATP. Mudanças em cada um desses compostos
citados altera de maneira independente e diferente a velocidade
da fosforilação oxidativa.

2.3 Liberação de Energia pelas Gorduras

A gordura armazenada (chamada de triglicerídeo) representa


a mais abundante fonte corporal de energia potencial, proporcionan-
do uma quantidade quase ilimitada de energia quando comparada
aos carboidratos e às proteínas. As reservas provêm de duas fon-
tes principais: (1) dos triglicerídios existentes nas células adiposas
(adipócitos) e (2) dos triglicerídios intramusculares principalmente
nas fibras musculares aeróbicas. Triglicerídios circulantes no san-
gue também podem ser usados para produzir ATP.

Antes da liberação de energia pela gordura, a molécula de


triglicerídeo precisa ser hidrolisada pela enzima lipase sensível
aos hormônios (LSH), formando glicerol e três moléculas de áci-
dos graxos insolúveis na água:
lipase
Triglicerídeo + 3 H2O  lipase  Glicerol + 3 Ácidos graxos

360
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

2.3.1 Adipócitos: Local para o Armazenamento


e a Mobilização das Gorduras

Apesar de todas as células armazenarem alguma gordura,


os adipócitos (tecido adiposo) se especializam na síntese e no ar-
mazenamento dos triglicerídios. A Ilustração 13 esboça a lipólise,
mobilização dos ácidos graxos no tecido adiposo.

A enzima LSH estimula a quebra e difusão dos ácidos graxos do adipócito


para a circulação, onde estes se combinam com a albumina plasmática
(formando ácidos graxos livres; AGL) para serem transportados para os
músculos ativos.
No músculo, os AGL se separam da albumina para serem transportados por di-
fusão e/ou por carreadores protéicos através da membrana plasmática. Uma
vez dentro da fibra muscular, os AGL podem: (1) ser re-esterificados para
formar triglicerídios intramusculares ou (2) combinar-se com proteínas e pe-
netrar nas mitocôndrias pela ação da enzima carnitina aciltransferase a fim
de participarem do metabolismo energético. Vale a pena ressaltar que ácidos
graxos de cadeia média e curta não dependem do transporte mediado por
enzimas; a maioria difunde-se livremente para o interior das mitocôndrias.
A molécula de glicerol formada durante a lipólise é hidrossolúvel e difunde-se
prontamente do adipócito para a circulação, sendo levada até o fígado para ser
utilizada na síntese da glicose (gliconeogênese).

Ilustração 13 – Mobilização e utilização das gorduras.

a pele

io

361
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

A liberação de AGL pelo tecido adiposo e sua utilização para


a obtenção de energia no exercício leve e moderado aumenta di-
retamente com o aumento do fluxo sangüíneo no tecido adiposo e
no músculo ativo. O catabolismo dos AGL aumenta principalmente
nas fibras musculares de contração lenta, que possuem grande
quantidade de mitocôndrias e de suprimento sangüíneo.
A lipoproteína lipase (LPL), uma enzima que se localiza
nos capilares, catalisa a hidrólise destes triglicerídios. A LPL facilita
a captação celular dos ácidos graxos para serem utilizados como
energia ou para a ressíntese (reesterificação) dos triglicerídios
que serão armazenados no músculo e nos tecidos adiposos.

2.3.2 Efeitos Hormonais

Os hormônios adrenalina, noradrenalina, glucagon e do


crescimento aceleram a ativação da LSH e a subseqüente lipólise
dos AGL no tecido adiposo. As concentrações plasmáticas desses
hormônios lipogênicos aumentam durante o exercício para propor-
cionar aos músculos ativos um suprimento contínuo de lipídeos.
Um mediador intracelular, a adenosina 3’,5’-monofosfato
cíclico (AMP cíclico) ativa a LSH e regula o fracionamento das
A Unidade 3 fala sobre a
gorduras. O lactato circulante, as cetonas e, particularmente, a
regulação hormonal no insulina inibem a ativação do AMP cíclico, reduzindo a utilização
exercício.
de gorduras para produção de energia. Adaptações no músculo
ao treinamento contribuem para a maior utilização das gorduras
na obtenção de energia em exercício moderado.
A quebra ou a síntese das gorduras também depende da
disponibilidade dos ácidos graxos. Após uma refeição, quando o gas-
to energético está relativamente baixo e o processo digestivo acele-
ra a chegada dos AGL nas células, há a síntese de triglicerídios.

Por outro lado, no exercício moderado a maior utilização de AGL para a ob-
tenção de energia reduz sua concentração celular, estimulando a quebra dos
triglicerídios em AGL + glicerol. Simultaneamente, a liberação hormonal de-
sencadeada pelo exercício estimula a lipólise dos adipócitos aumentando o
fornecimento de AGL ao músculo ativo.

362
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

2.3.3 Catabolismo do Glicerol e dos Ácidos


Graxos

A glicólise anaeróbica aceita o glicerol na forma de 3-fos-


fogliceraldeído, que a seguir é degradado para piruvato a fim de
formar ATP. Os átomos de hidrogênio passam para o NAD+ e o
ciclo do ácido cítrico oxida o piruvato (Ilustração 14).

O fracionamento completo da única molécula de glicerol li-


berada do triglicerídeo sintetiza um total de 19 moléculas de ATP.
O glicerol proporciona também os esqueletos de carbono para a
síntese da glicose (gliconeogênese); função que passa a ser im-
portante quando as reservas de glicogênio são depletadas, seja
por restrição dietética de carboidratos, por um treinamento de lon-
ga duração ou um exercício intenso.

A molécula de ácido graxo passa por reações na mitocôndria chamadas


oxidação beta (β). A oxidação β separa a cadeia longa do ácido graxo em
fragmentos acil, e estes se combinam com a coenzima A formando Acetil-
CoA (molécula idêntica à gerada na glicólise, que penetrará diretamente no
ciclo do ácido cítrico).

Os hidrogênios liberados durante o catabolismo dos ácidos


graxos são transferidos para NAD+ e FAD e oxidados através da
cadeia respiratória. O fracionamento dos ácidos graxos está rela-
cionado diretamente ao consumo de oxigênio. Para que a oxidação
β possa prosseguir, o oxigênio terá que se combinar com o hi-
drogênio. Em condições anaeróbicas, o hidrogênio continua com
NAD+ e FAD, acarretando a interrupção do catabolismo das gordu-
ras (Ilustração 14).

363
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Ilustração 14 - Resumo das vias para a degradação do glicerol e de ácidos


graxos da molécula de triglicerídeo.

2.3.4 Transferência Total de Energia a partir do


Catabolismo das Gorduras
A quebra de uma molécula de ácido graxo progride da se-
guinte maneira:

1) a oxidação β produz NADH e FADH2 pela quebra da molécula


de AGL em fragmentos acil com dois carbonos;

2) o ciclo do ácido cítrico degrada o acetil-CoA em dióxido de


carbono e hidrogênio e;

3) o transporte de elétrons e a fosforilação oxidativa oxidam


os átomos de hidrogênio.

364
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Para cada molécula de ácido graxo, 147 moléculas de


ADP são fosforiladas para ATP durante a oxidação e o metabo-
lismo do ciclo do ácido cítrico. Levando-se em conta que cada
molécula de triglicerídeo contém três moléculas de ácidos gra-
xos, são formadas 441 moléculas de ATP a partir dos ácidos
graxos (3 x 147 ATP). Além disso, 19 moléculas de ATP são
formadas durante o fracionamento do glicerol. Assim, cada mo-
lécula de triglicerídeo catabolisada gera um total de 460 ATP.

O catabolismo da molécula de triglicerídeo forma 460 ATP O exercício regular


e a molécula de glicose 36 ATP. Assim o metabolismo do lipídeo é de baixa intensidade
estimula maior perda
mais rentável em energia. de gordura corporal
que o exercício de
Dependendo do estado nutricional e do nível de treinamen- alta intensidade com
mesmo gasto de
to do indivíduo e da intensidade e duração da atividade física, os energia total?
lipídeos suprem entre 30% e 80% da energia do trabalho biológi-
co. A exposição prolongada a uma dieta rica em gorduras e pobre
em carboidratos acarreta adaptações enzimáticas que aprimoram
a capacidade de realizar a oxidação lipídica em exercício. E, quan-
do o exercício de alta intensidade e longa duração deple­ta o gli-
cogênio, a gordura passa a ser o combustível ener­gético primário
para o exercício, com a adição da energia advinda das proteínas.

2.4 Liberação de Energia pela Proteína

A proteína, principalmente os aminoá­cidos de cadeia ramificada (leuci-


na, isoleucina, valina, glutamina e aspartato) desempenha um papel auxiliar
como substrato ener­gético durante as atividades de Endurance e o treina-
mento ár­duo. Para que isto ocorra, os aminoácidos devem ser transformados
em uma forma que consiga penetrar nas vias de libera­ção de energia, atra-
vés da retirada do nitrogê­nio da molécula do aminoácido (desaminação),
restando os esqueletos de carbono.

O fígado é o principal local para a desaminação, entretanto,


o músculo esque­lético também contém enzimas que removem o
nitrogênio de um aminoácido e o transfere para outros compostos
(transaminação), restando esqueletos de carbono dos aminoáci-
dos que podem ser utilizados para a formação de ATP.

365
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Alguns aminoácidos são glicogênicos, ou seja, quando


desaminados produzem piruvato, oxaloacetato ou malato, produ-
tos para a síntese da glicose (gliconeogênese). O papel glico­
neogênico de certos aminoácidos proporciona um importante com-
ponente do ciclo de Cori para fornecer glicose durante o exercício
prolongado.

Outros aminoácidos são cetogê­nicos, ou seja, quando de-


saminados produzem acetil-CoA ou acetoacetato. Esses compos-
tos não podem ser usados para sintetizar a glicose, mas podem
ser catabolisados para produção de energia no ciclo do ácido cí-
trico, ou podem ser usados para sintetizar triglicerídios.

O treinamento com exercícios regulares aumenta os níveis


das enzimas necessári­as para a transaminação e aprimora a ca-
pacidade do fígado de realizar a gliconeogênese, facilitando a
utilização da proteína como substrato energético.

Para que a proteína possa proporcionar energia, o corpo precisa retirar e


eliminar o grupo amino que contém nitrogênio (NH2). O nitrogênio sai do
corpo dissolvido em água formando a urina. Por essa razão, o catabolismo
excessivo da proteína, além de diminuir a massa muscular, aumenta a perda
de água do corpo.

2.5 Inter-relações entre Carboidratos,


Gorduras e Proteínas

O ciclo do ácido cítrico desempenha um papel muito mais importante que a


simples degradação do piruvato durante o catabolismo da glicose. Fragmen-
tos de outros compostos orgânicos vindos da quebra das gorduras e das
proteínas geram energia útil durante o ciclo do ácido cítrico, o transporte de
elétrons e a fosforilação oxidativa.

Os resíduos desaminados do excesso de aminoácidos penetram no ciclo do


ácido cítrico em vários estágios intermediários, enquanto o fragmento glicerol
do catabolismo dos triglicerídios consegue penetrar através da via glicolítica.
Os ácidos graxos são oxidados através da oxidação β para acetil-CoA,
que a seguir penetra diretamente no ciclo do ácido cítrico (Ilustração 15).

366
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

A “usina metabólica” representa o ciclo do ácido cítrico como


o elo vital entre a energia dos alimentos (macronutrientes) e a energia
química contida no ATP. O ciclo do ácido cítrico funciona, também,
como uma central metabólica capaz de proporcionar intermediários
que atravessam a membrana mitocondrial e penetram no citosol a
fim de sintetizar os nutrientes necessários para o crescimento e a
manutenção da saúde.

Os carboidratos em excesso proporcionam o glicerol e os


fragmentos de acetil necessários para sintetizar o triglicerídeo. O
acetil-CoA funciona como o ponto de partida para a síntese do co-
lesterol e de muitos hormônios. Os ácidos graxos não podem con-
tribuir para a síntese da glicose, pois a conversão de piruvato para
acetil-CoA não pode ser revertida (observar a seta unidirecional na
Ilustração 15). Muitos dos compostos de carbono gerados nas rea-
ções do ciclo do ácido cítrico proporcionam também os pontos de
partida orgânicos para a síntese de aminoácidos não-essenciais.

Ilustração 15 – Interconversões para o catabolismo e o anabolismo de


nutrientes.

Gorduras Proteínas

367
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

2.5.1 Conversão da Glicose para Gordura

O enchimento das reservas musculares e hepáticas de gli-


cogênio faz com que qualquer excesso de ingestão calórica na
forma de carboidrato seja convertido em gordura. A glicose penetra
Por que os ácidos na via pentose-fosfato, cujos produtos terminais formam um
graxos representam desvio temporário da via glicolítica. Eventualmente, os metabólicos
uma exceção nas
reingressam na via glicolítica principal, passam para dentro da
interconversões entre os
nutrientes alimentares? mitocôndria e penetram no ciclo do ácido cítrico para oxidação.
Entretanto, no estado bem alimentado o citrato se desvia da mito-
côndria e penetra no citosol para a síntese de ácidos graxos.

Por exemplo, após uma refeição, a liberação de insulina pelo


pâncreas aumenta o transporte da glicose para os adipócitos. A in-
sulina deflagra a ação dos transportadores GLUT 4 do citosol dos
adipócitos para a membrana plasmática. A ação do GLUT 4 facilita
o transporte da glicose para o citosol, sua transformação em trigli-
cerídeo e o subseqüente armazenamento dentro do adipócito.

2.5.2 Conversão da Proteína para Gordura

Como acontece com os carboidratos, o excesso de proteína dietética é


transformado em gordura. Os aminoácidos absorvidos pelo intestino delgado
após a digestão da proteína são transportados para o fígado. Os esqueletos
de carbono que derivam desses aminoácidos após a desaminação são
transformados em piruvato (Ilustração 15). A seguir, o piruvato penetra na
mitocôndria e é transformado em acetil-CoA para: 1) o catabolismo no ciclo
do ácido cítrico ou 2) a síntese de ácidos graxos.

2.5.3 As Gorduras Queimam em uma Chama de


Carboidratos

Nos tecidos metabolicamente ativos, o fracionamento dos


ácidos graxos depende em parte dos níveis basais contínuos do
catabolismo de carboidratos. Convém lembrar que a acetil-CoA
penetra no ciclo do ácido cítrico combinando-se com oxaloacetato

368
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

para formar citrato. O oxaloacetato é gerado a partir do piruva-


to durante o fracionamento dos carboidratos sob controle enzi-
mático de piruvato carboxilase, que acrescenta um grupo car-
boxila à molécula de piruvato. A degradação dos ácidos graxos
no ciclo do ácido cítrico continua somente quando uma quan-
tidade suficiente de oxaloacetato e de outros intermediários
se combina com a acetil-CoA formada durante a oxidação β.

Entretanto, esses intermediários são perdidos ou removi-


dos continuamente do ciclo e terão que ser reabastecidos. O piru-
vato formado durante o metabolismo da glicose desempenha um
papel importante na manutenção de um nível apropriado de oxa-
loacetato. Os baixos níveis de piruvato induzem níveis reduzidos
dos intermediários do ciclo do ácido cítrico (oxaloacetato e malato),
que reduzem a atividade do ciclo do ácido cítrico. Nesse sentido,
“as gorduras queimam em uma chama de carboidratos”.

2.5.4 Um Ritmo mais Lento de Liberação de


Energia pela Gordura

Há um limite no ritmo de utilização dos ácidos graxos pelo músculo ativo. O


treino aeróbico amplia esse limite, porém a potência gerada pelo fraciona-
mento das gorduras representa apenas cerca de metade daquela consegui-
da com os carboidratos como a principal fonte de energia aeróbica. Assim
sendo, a depleção de glicogênio muscular reduzirá a produção máxima de
potência aeróbica de um músculo.

A depleção de glicogênio pode ocorrer com exercício


prolonga­do, com treinamento pesado em dias consecutivos, com
ingestão energética inadequada, com a restrição dietética dos car-
boidratos, ou no diabetes. A condição hipoglicêmica coincide com
uma fadiga “central” ou neural e a depleção de glicogênio muscular
acarreta uma fadiga muscular “periférica” ou local durante o exer-
cício.

369
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

A gliconeogênese proporciona uma opção metabólica


para a síntese da glicose a partir de fontes diferentes dos carboi-
dratos, porém não consegue reabastecer nem manter as reservas
de glicogênio sem o consumo regular de carboidratos. A redução
na disponibilidade de carboidratos li­mita a capacidade de transfe-
rência de energia.

A intensidade do exercício aeróbico é de­primida apesar de


circularem para o músculo grandes quanti­dades de substrato dos
ácidos graxos. Com uma depleção ex­trema de carboidratos, os
fragmentos acetato produzidos na oxidação β se acumulam nos
líquidos extracelulares, pois não conseguem penetrar no ciclo do
ácido cítrico. O fígado transforma prontamente esses com­postos
em corpos cetônicos, alguns dos quais são eliminados na urina.
Se a cetose persiste, a acidez dos líquidos corporais pode au-
mentar até níveis potencialmente tóxicos.

2.6 Transferência de Energia no Exercício

A atividade física impõe ao corpo a maior demanda de ener-


gia; em exercício intenso, a produção de energia pelos músculos
ultrapassa o valor de repouso em 120 vezes ou mais. A contribui-
ção dos diferentes sistemas de transferência de energia depende
da intensidade e da duração do exercício, e do estado de aptidão do
praticante.

2.6.1 Energia Imediata: Sistema ATP-PCr

O exercício de curta duração e alta intensidade, como a cor­rida de 100 m,


a natação de 50 m ou o levantamento de peso, requer um suprimento de
energia imediata propor­cionado quase exclusivamente pelos fosfatos intra-
musculares de alta energia: o trifosfato de adenosina (ATP) e a fosfocre-
atina (PCr).

Cada quilograma de músculo esquelético contém 3 a 8 mmol


de ATP e quatro a cinco vezes mais de PCr. Em exercícios realizados

370
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

com grandes grupos musculares, existe energia armazenada na


forma de fosfagênio suficiente para correr com velocidade máxi-
ma por 5 a 8 segundos. Num tiro de 100 m, que possui o recorde
mundial de 9,84 s, o corredor não consegue manter a velocidade
máxima durante toda a corrida e reduz o ritmo nos últimos segun-
dos. Nessa situação, a quantidade de fosfatos intramuscula­res de
alta energia afeta de maneira significativa o desempenho.

Todos os desportos utilizam os fosfatos de alta energia, po­rém muitos deles,


como os que requerem esforços curtos e máximos durante o desempenho,
usam quase que exclusivamente esse meio de transferência de energia.
Imaginemos alguém realizando o levantamento de peso, correndo para o
gol no futebol, saltando para um arremesso no basquete, projetando-se para
um salto com vara ou saltando para um ataque no voleibol sem a ca­pacidade
de gerar energia rapidamente a partir dos fosfagênios armazenados. Seria
impossível a realização rápida do movimento.

Entretanto, a capacidade de prosseguir com um exercício


além de um curto período e de se recuperar após um esforço pré-
vio máximo requer energia adicional para ressíntese de ATP. Se
isso não ocorre, o suprimento de ATP diminui e o movimento de alta
intensidade cessa. Veremos a seguir que os nutrientes tais como
carboidratos, gorduras e proteínas dentro dos líquidos celulares e
dos depósi­tos teciduais estão prontos para ressintetizar continua-
mente o ATP necessário para manter o exercício.

2.6.2 Energia a Curto Prazo: Sistema do Ácido


Lático

A ressíntese do ATP terá que prosseguir com um ritmo rápido para que o
exercício possa conti­nuar. A energia para fosforilar o ADP durante o exercí-
cio in­tenso deriva principalmente do glicogênio muscular, através da glicóli-
se anaeróbica, com a subseqüente formação de lactato.

371
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

A glicólise anaeróbica torna possível a formação rápida de


ATP pela fosforilação, mesmo quando o fornecimento de oxigênio
é insuficiente e/ou quando as demandas energé­ticas ultrapassam
a capacidade do músculo para a ressíntese aeróbica do ATP. A
energia anaeróbica para a ressíntese do ATP na glicólise ocorre
durante o exercício máximo que dura entre 60 e 180 segundos.
Este metabolismo pode ser visto como um combustível de reser­
va ativado quando uma pessoa acelera durante os últimos metros
em uma corrida de 5 km ou quando realiza um esforço máximo
durante uma corrida de 400 metros ou um tiro de 100 m na nata-
ção, acarretando acúmulos rápidos e significativos de lactato san-
güíneo. A redução na intensidade do exercício árduo prolonga o
período do exercício e reduz o ritmo de acúmulo e o nível final de
lactacto sangüíneo.

- Acúmulo de Lactato

O lactato sanguíneo não se acumula para todos os níveis


de exercício. A Ilustração 16 mostra a relação entre consumo
de oxigênio (em percentual do consumo máximo) e o lacta­
to sanguíneo durante um exercício leve, moderado e intenso re­
alizado por atletas de Endurance por indivíduos destreinados.

Ilustração 16 – Concentração sangüínea de lactato para indivíduos treinados


e destreinados em diferentes níveis de exercício (em % do consumo máximo
de oxigênio).

372
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Durante um exercício leve, a produção de ATP para a ação


muscular ocorre principalmente através das reações que conso-
mem oxigênio (oxida­ção do hidrogênio) em indivíduos treinados
e destreinados, e qualquer lactato formado no músculo ativo será
oxidado pelas fibras musculares com uma alta capacidade oxi-
dativa. Quando a oxidação do lactato iguala sua produção, o nível
sangüíneo de lactato se mantém estável, apesar de um aumento
na intensidade do exercício e no consumo de oxigênio.

Em pessoas sadias e destreinadas, o lactato sanguí­neo come-


ça a se acumular em aproximadamente 55% de sua capacidade
máxima para o me­tabolismo aeróbico. A explicação para o acúmu-
lo do lactato sangüíneo durante o exercício pressupõe uma hipó-
xia tecidual relativa. Quando o metabolismo glicolítico predomina,
a produção de NADH ultrapassa a capacidade da célula de arre-
messar seus hidrogênios (elétrons) através da cadeia respiratória,
pois existe uma quanti­dade insuficiente de oxigênio ao nível teci-
dual. O desequilíbrio na liberação de oxigênio e a subsequente
oxidação, mais preci­samente a relação NAD+/NADH citoplasmáti-
ca, faz com que o piruvato aceite o excesso de hidrogênios, o que
resulta em acúmulo de lactato.

O recrutamento das fibras de contração rápida com o au-


mento da intensidade do exercício também favorece a formação de
lactato, independentemente da oxigenação tecidual. Entretanto, o
lacta­to é formado continuamente durante o repouso e o exercício
moderado. Em condições aeróbicas, o ritmo de remoção do lac­
tato pelos músculos de metabolismo aeróbico corresponde a seu
ritmo de formação, resultando na manutenção estável da concen-
tração sanguínea de lactato. Somente quando a produção é maior
do que a remoção do lactato, este se acumula no sangue.

As adaptações musculares induzidas pelo treinamento aeróbico permitem os


altos ritmos de renovação do lactato; ou seja, o lactato é acumulado apenas
em níveis mais altos de exercício do que no estado destrei­nado. A produção e
o acúmulo de lactato são acelerados quando o exercício torna-se mais inten-
so e as células musculares não con­seguem atender às demandas energéticas
de forma aeróbica, nem oxidar o lactato no mesmo ritmo de sua produção.

373
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Existe um padrão semelhante para os indivíduos destreina-


dos e os atletas de endurance, exceto que o limiar para o acúmulo
de lactato, denominado limiar de lactato no sangue, ocorre com
um percentual mais alto da capacidade aeróbica do atleta.

Atletas de endurance podem realizar exercício aeróbico em


ritmo estável com intensidade entre 80% e 90% de sua capacidade
aeróbica máxima, e só em intensidades superiores a esta é que o
acumulo de lactato se inicia. A maior capacidade de produzir ener-
gia aerobicamente pode ser explicada por razões genéticas (maior
quantidade de fibras vermelhas); por adapta­ções específicas ao
Em que nível de
exercício o corpo treinamento que favorecem me­nor produção de lactato (aumento
passa a utilizar da densidade capilar, do tamanho e do número de mitocôndrias);
o metabolismo ou por um ritmo mais rápido de remoção do lactato.
anaeróbico?
- Capacidade Produtora de Lactato

A capacidade de gerar e suportar altos níveis sangüíneos


de lactato durante o exercício máximo aumenta com o treinamen-
to anaeróbico especí­fico de velocidade-potência e diminui com o
destreinamento. Atletas de velocidade-potência em geral alcan­çam
níveis sangüíneos de lactato 20% a 30% mais altos que seus con-
gêneres destreinados durante o exercício máximo de curta du­ração.

O mecanismo para essa resposta no estado treinado resulta


de um ou mais dos seguintes fatores:

1) maior motivação;
2) maiores reservas intramusculares de glicogê­nio que permite maior
contribuição da energia através da glicólise anaeróbica; e
3) aumento das enzimas que regulam a glicólise particularmente
fosfo­frutocinase.
Entretanto, sabendo que os tecidos metabolizam continua-
mente lactato durante o exercício e a recu­peração, a quantidade de
O Capítulo 14 do livro
texto aborda em maior lactato sangüíneo num determi­nado momento não explica plena-
profundidade o conceito mente a capacidade de metabolismo anaeróbico do indivíduo.
do limiar de lactato no
sangue, sua mensuração
e sua relação com o de-
sempenho. E o Capítulo
21 do livro texto aborda
as adaptações que ocor-
rem com o treinamento.

374
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

2.6.3 Energia a Longo Prazo: Sistema Aeróbico

As reações da glicólise formam relativamente pouco ATP. Con­seqüentemente,


o metabolismo aeróbico proporciona a maior parte da transferência de energia
quando o exercício prossegue por mais de alguns minutos.

- Consumo de Oxigênio Durante o Exercício

O consumo de oxigênio au­menta exponencialmente nos


primeiros minutos do exer­cício e alcança um platô entre o 3º e o
4º minutos. A seguir permanece relativamente estável em toda a
duração do exercício. Veja o consumo de oxigênio em cada minuto
de uma corrida uniforme e lenta com duração de 10 minutos (Ilus-
tração 17).

Ilustração 17 - Consumo de oxigênio durante corrida contínua em ritmo lento em


um indivíduo treinado em endurance e um outro destreinado.

A área (de cor laranja)


indica o déficit de oxigê-
nio ou seja, a quantida-
de de O2 que teria sido
consumida se o consu-
mo de O2 tivesse alcan-
çado imediatamente um
ritmo estável.

O termo estado estável descreve a porção plana (platô) da curva do con-


sumo de oxi­gênio. Estado estável reflete um equilíbrio entre a energia de
que os músculos ativos necessitam e a produção de ATP no metabo­lismo
aeróbico. Nesta situação, as reações que consomem oxigênio fornecem a
energia para o exercício; todo o lactato pro­duzido é oxidado ou transformado
em glicose pelo ciclo de Cori no fígado, e o lactato sangüíneo não se acu-
mula sob condições metabólicas de ritmo estável.

375
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Teoricamente, depois que a pessoa alcança um ritmo está-


vel de metabolismo aeróbico, o exercício poderia progredir indefi­
nidamente se o indivíduo tivesse a vontade de fazê-lo. Isto pres-
supõe que o metabolismo aeróbico em ritmo es­tável é o único
determinante da capacidade de realizar um exercício submáximo.
Entretanto, com freqüência, a perda de líquidos e a depleção ele-
trolítica representam fatores limitantes significativos, especialmen-
te durante exercício em um clima quente. Além disso, a manuten-
ção de reservas adequadas de glicogênio para o funcionamento
do sistema nervoso e para realizar o exercí­cio é importante em
exercício intenso e prolongado. A depleção de glicogênio reduz
dras­ticamente a capacidade de realizar exercícios.

- Déficit de Oxigênio

Quando o exercício começa, a curva do consumo de oxigê­nio (Ilustração


17) não aumenta instantaneamente para o ritmo estável. No início do exer-
cício com carga constante o consumo de oxigênio fica abaixo do nível de
ritmo estável, apesar da necessidade de energia ficar inalterada por todo o
período do exer­cício

No início do exercí­cio a energia para a contração muscular


provém diretamente do fracionamento anaeróbico do ATP devido
ao retardo inicial no fornecimento de oxigênio. Isto ocorre em vir-
tude da interação: (1) da inércia intrínseca nos sinais metabólicos
celulares e na ativação das enzimas; e (2) da lentidão do forneci­
mento de oxigênio às mitocôndrias. Após vários minutos de exer-
cício submáximo o consumo de oxigênio torna-se proporcional à
intensidade do exercício, alcançando um ritmo estável.

O déficit de oxigênio expressa quantitativamente a diferen­ça entre o oxi-


gênio total que seria consumido se houvesse sido alcançado um ritmo estável
de metabolismo aeróbico desde o início e o oxigênio realmente consumido
durante o exercí­cio. A ener­gia utilizada no estágio inicial do exercício provém
do sistema ATP-CP e da glicólise anaeróbica até que o consumo de oxigênio
supra a deman­da total de energia.

376
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Com o défi­cit de oxigênio no início do exercício, os fosfa-


tos de alta energia são depletados e qualquer exercício adicional
só poderá prosseguir se ocorrer um “pagamento contínuo”, com a
ressíntese do ATP, seja através da glicólise anaeróbica, seja pelo
fra­cionamento aeróbico dos macronutrientes.

Vale ressaltar que o nível de lac­tato começa a aumentar no


músculo ativo mesmo antes dos fos­fatos de alta energia serem
totalmente depletados, indicando que a glicólise também contribui
nos estágios iniciais do exercício.

Indivíduos treinados e destreinados alcançam valores


seme­lhantes de consumo de oxigênio em ritmo estável. A pessoa
trei­nada em endurance alcança o ritmo estável mais rapi­damente,
com menor déficit de oxigênio que o indivíduo destreinado (Ilus-
tração 17) e com o com­ponente anaeróbico proporcionalmente
menor.
O meta­bolismo aeróbico melhorado no estágio inicial do
exercício pode resul­tar de um aumento mais rápido no fluxo san-
güíneo total (dé­bito cardíaco) e∕ou de maior fluxo sangüíneo no
músculo ativo, complementados por adaptações celulares induzi-
das pelo treinamento, acarretando aumento da capacidade de ge-
rar ATP aerobicamente.

- Consumo Máximo de Oxigênio

A Ilustração 18 mostra o consumo de oxigênio durante uma


corrida em velocidade constante em colinas pro­gressivamente
mais íngremes (que pode ser simulada aumentando a elevação
de uma esteira rolante). Cada aumento sucessivo requer mai­or
produção de energia (ATP).

377
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Ilustração 18 - Obtenção do consumo máximo de oxigênio VO2máx na corrida com


inclinações cada vez maiores. O VO2máx ocorre na região em que qualquer aumen-
to na intensidade do exercício não produz aumento no consumo de oxigênio.

Durante as pri­meiras colinas, o consumo de oxigênio au-


menta rapidamente, com cada novo valor de ritmo estável sendo
pro­porcional à intensidade do exercício. O corredor mantém a ve-
locidade até as duas últimas colinas, mas o consumo de oxigênio
não aumenta com a mesma rapidez nem no mesmo grau obser-
vado para as colinas anteriores, até que não haja mais aumento
no consumo de oxigênio na última co­lina.

Quando o consumo de oxigênio alcança um pla­tô este é o consumo máxi-


mo de oxigênio ou potência aeróbica máxima (VO2máx). A realização de um
exercício mais intenso só é possível com a produção de energia anaeró-
bica, e o inerente acúmulo de lactato. Nessas condições o atleta fica logo
exausto e incapaz de continuar.

O VO2máx é uma medida quantitativa da capaci­dade do in-


divíduo para a ressíntese aeróbica do ATP, sendo um importante
determinante da capacidade de realizar exercícios de alta inten-
sidade por mais de 5 minutos. Para alcançar um VO2máx alto é
necessária a resposta integrada de diversos sistemas fisiológicos
Na unidade 4 abordare-
mos mais detalhes sobre (Ilustração 19).
o VO2máx.

378
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Ilustração 19 - Sistemas necessários para fornecimento, transporte, distribui-


ção e utilização do oxigênio, fatores determinantes do VO2máx.

- Fibras Musculares de Contração Rápida e Lenta

Existem dois tipos distintos de fibras musculares nos se­res humanos:

1) Fibras de contração rápida ou tipo II, com alta velocidade de contração


e alta capacidade de produção anaeróbica de ATP. Tornam-se ativas
em atividades com mudança de ritmo (correr ou pedalar para subir uma
colina) e com paradas e arranques (basquete e futebol) ou durante um
esforço explosivo que requer movimentos rápidos (arremesso de peso).
As fibras tipo II podem ter duas subdivisões primárias: tipo IIa e tipo lIb.
A fibra tipo IIa possui uma capacidade aeróbica ligeira­mente mais alta;

2) Fibras de contração len­ta ou tipo I geram energia principalmente pelas


vias aeróbicas. Esta fibra possui velocidade de contração mais lenta em
comparação com a do tipo II. Sua capacidade de geração aeróbica de
ATP se relaciona às numerosas mitocôndrias e aos altos níveis das enzi-
mas necessárias para o metabolismo aeróbico. As fibras musculares tipo
I realizam principalmente as atividades contínuas que exigem um ritmo
estável de trans­ferência de energia aeróbica.

379
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

A fadiga em exercício prolongado (maratona) está asso-


ciada à depleção de glicogênio nas fibras musculares tipos I e
IIa dos músculos das pernas. Este padrão seletivo de depleção
de glicogênio ocorre também nas extremidades superiores dos
atletas que dependem de uma ca­deira de rodas durante os longos
períodos de exercício.

A composição por tipos de fibras musculares de atletas


em desportos que dependem de sis­temas energéticos diferentes
resultam em predomínio de tipos de fibras específicas. Para o
nadador campeão da prova de 50 m, as fibras tipo II re­presentam
cerca de 80% das fibras musculares totais, enquan­to os ciclistas
de endurance possuem 80% de fibras tipo I. Do ponto de vista
prático, a maioria dos desportos, como o basquete e o futebol
por exemplo, exige ambos os tipos de fibras musculares, as de
contra­ção contínua e lenta, entremeadas com as de explosão.

2.7 Espectro Energético do Exercício

A Ilustração 20 apresenta a contribuição relativa das fon-


tes energéticas anaeróbicas e aeróbicas em relação à duração do
exercício, que devem ser encaradas progredindo num continuum e
não como sistemas isolados.
Ilustração 20 - Contribuição relativa do metabolismo energético aeróbico e
anaeróbico durante o esforço físico.

380
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Os fosfatos de alta energia intramusculares (ATP) suprem quase toda a ener-


gia para o exercício de explosão rápida. Os sistemas ATP-PCr e do ácido
lático suprem cerca de metade da energia para o exercício intenso que dura
2 minu­tos; as reações aeróbicas suprem o restante.

Uma boa compreensão das demandas energéticas de


diver­sas atividades físicas ajudam a explicar porquê um recordista
mundial dos 100 m rasos não se sobressa­i na maratona. O trei-
namento físico deve então analisar a atividade através de seus
componentes energéticos específicos e, a seguir, formular as es­
tratégias de treinamento para garantir adaptações ótimas nas fun-
ções fisiológica e metabólica.

2.8 Consumo de Oxigênio Durante a


Recuperação

Após o exercício, os processos corporais não retornam


imedia­tamente aos níveis de repouso. Após o esforço físico leve de
curta duração, a recuperação se processa rapida­mente. Por outro
lado, o exercício intenso, como competições de 800 m corrida ou
400 m natação, precisa de um tempo para retornar ao metabolis-
mo de repouso. A recuperação após o exercício leve, moderado ou
intenso resulta de processos metabólicos e fisiológicos específi-
cos após cada forma de esforço.

A Ilustração 21 traz o consumo de oxigênio (VO2) durante o


exercí­cio e a recuperação após diferentes intensidades do exercí-
cio. O exercício leve (A) permite alcançar rapidamente um VO2 em
ritmo estável e produz um pequeno déficit de oxigênio, permitin-
do uma rápida recuperação. A magnitude do VO2 da recuperação
aproxima-se do tamanho do déficit de oxigênio existente no início
do exercício.

O exercício aeróbico moderado a pesado (B) precisa de


um período de tempo mais longo para alcan­çar um ritmo estável,
o que acarreta um maior déficit de oxigê­nio do que o exercício

381
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

menos intenso. Conseqüentemente, é necessário um maior perío-


do de tempo para o VO2 retornar ao nível de repouso na recupera-
ção. A curva do VO2 da recuperação demonstra um declínio rápido
inicial, semelhante à recuperação após um exercício leve segui-
do por um declínio gradual até os níveis ba­sais de repouso.

O exercício máximo (C) não produz um ritmo estável de


metabolismo aeróbico. Esse exercício requer uma quantidade de
energia maior que aquela forneci­da por processos aeróbicos. Nes-
sas condições, a transferên­cia de energia anaeróbica aumenta e
ocorre acúmulo de lactato sangüíneo, sendo necessário um perío-
do maior para conseguir uma recuperação completa. A impossibi­
lidade de alcançar um VO2 estável faz com que seja impossível
quantificar precisamente o déficit de oxigênio.
Ilustração 21 - Consumo de oxigênio durante o exercício e na recuperação
após (A) exercício leve em ritmo estável, (B) exercício moderado em ritmo
estável e (C) exercício intenso, com demanda de O2 maior que o consumo
real, sem atingir ritmo estável.

O VO2 na recuperação é sempre superior ao valor de repou­so, independente


da intensidade do exercício. O consumo de oxigênio em exces­so depois
do exercício é denominado débito de oxigênio ou consumo de oxigênio
da recupe­ração (Ilustração 21 - área sombreada amarela da curva de
recuperação).

382
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

A Ilustração 21 mostra duas características importan­tes do


VO2 da recuperação:

1) Com um exercício aeróbico leve de duração relativa­mente curta


(pouca modificação na temperatura corporal e nos hormônios),
cerca de metade do consumo total do oxigênio de recuperação
ocorre no transcorrer de 30 segundos, com a recuperação com-
pleta dentro de alguns minutos (componente rápido do VO2 da
recuperação);

2) A recuperação após o exercício extenuante, (aumento subs-


tancial no lactato sangüíneo, na temperatura corporal e
nos níveis hormonais) é diferente. Além do componente rápido
da fase de recuperação, existe uma segunda fase de recupe-
ração, o componente lento. Dependendo da intensidade e da
duração do exercício prévio, o componente lento pode levar até
24 horas para alcançar o VO2 pré-exercício.

O treinamento aeróbico acelera o ritmo da recuperação. In-


divíduos treinados tem ritmo mais rápido do VO2 da recuperação
até o nível pré-exercício do que seus congêneres destreinados na
mesma intensidade absoluta ou relativa do exercício. As adaptações
induzidas pelo treinamento e que facilitam a chegada rápida ao
ritmo estável contribuem também para a recuperação facilitada.

2.8.1 Dinâmica Metabólica do Consumo de


Oxigênio da Recuperação

Não existe uma explicação precisa dos fatores específicos


que contribuem para o VO2 na recuperação, particularmente do
papel do lactato. Sabe-se que o metabolismo aeróbico elevado na
recuperação restaura o corpo para sua condição pré-exercício.

Quanto maior o “déficit” de energia, maior a dívida de ener-


gia e maior o VO2 da recupe­ração para pagar essa dívida. Assim,
a dívida de oxigênio tem duas finalidades:

1) restabelecer as reservas originais de glicogênio (créditos)


através da trans­formação do lactato em glicogênio no fígado
(ciclo de Cori) e;

383
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

2) meta­bolizar o lactato restante através da via do ciclo piruvato-


­ácido cítrico. Esta explicação para o consumo do oxigênio na
recuperação foi chamada de dívida lática do oxigênio.

Posteriormente observou-se que a fase inicial do VO2 da re-


cuperação termi­nava antes do lactato sangüíneo começar a dimi-
nuir, e que era possível contrair uma dívida de oxigênio sem acú-
mulo de lactato sangüíneo. Para esclarecer esses achados, foram
propostas duas fases para a dí­vida de oxigênio: 1) dívida alática,
aquela sem acúmulo de lactato e, 2) dívida Iática associada com
níveis sangüíneos elevados de lactato:

Dívida alática de O2: resulta da restauração dos fosfatos


intramusculares de alta energia ATP e PCr depletados durante o
exercício, usando o fracionamento aeróbico dos macronutrientes
armazenados durante a recupera­ção.

Dívida lática de O2: resulta da reconversão do lactato para


glicogênio no fígado.

O conceito para dívida de oxigênio é o consumo excessivo de oxigênio


após o exercício (EPOC). O EPOC no exercício leve de curta duração
reabastece os fosfatos de alta energia depletados pelo exercício de maneira
rápida. No exercício aeróbico de alta intensidade e duração (> 60 min), o
EPOC fica elevado por um período consideravelmente mais longo. O aumento
no EPOC em exercício em rit­mo estável não se correlaciona com o acúmulo
de lactato, pelo contrário, outros desequilíbrios na função fisiológica elevam o
metabolismo da recuperação.

No exercício exaustivo com acúmulo de lactato, uma pequena parte


do EPOC transforma o lactato em glicogênio. Um componente significativo
do EPOC se relaciona aos processos fisiológicos que ocorrem de fato durante
a recuperação (ex: aumento do VO2 pelo aumento da temperatura corporal),
além dos eventos metabólicos observados durante o exercício. Esses fa­tores
são responsáveis provavelmente pela dívida de oxigênio consideravelmente
maior que o déficit de oxigênio no exercício aeróbico prolongado e no exercí-
cio anaeróbico exaustivo.

384
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Outros fatores que afetam o EPOC são: reabastecimento do


san­gue que retorna aos pulmões vindo dos músculos previa­mente
ativos; restauração do oxigênio absorvido nos líquidos corporais e
ligado à mioglobina no mús­culo; aumento dos volumes ventilató-
rios no exercício intenso; maior suprimento de oxigênio ao coração
durante a recuperação; reparo tecidual e redistribuição dos íons
cálcio, potássio e sódio dentro do músculo, com gasto de energia; e
efeitos resi­duais dos hormônios termogênicos adrenalina, noradre-
nalina, tiroxina e glicocorticóides liberados durante o exercício que
man­têm o metabolismo elevado por um longo período de tempo
durante a recuperação. Em essência, todos os sistemas fisiológi-
cos ativados durante o exercício aumentam suas própri­as necessi-
dades particulares em termos de oxigênio durante a recuperação.

Assim, o EPOC reflete dois fatores: (1) o nível de meta­bolismo anaeróbico no


exercício precedente e; (2) os ajustes res­piratórios, circulatórios, hormonais,
iônicos e térmicos que exer­cem influência durante a recuperação.

- Implicações de EPOC para o Exercício e a Recuperação

A compreensão da dinâmica do EPOC proporciona a base


para estruturar os intervalos do exercício e aprimorar a recupera-
ção. Tanto no exercício aeróbico em ritmo estável quanto nas séries
de 5 a 10 segundos de trabalho máximo aciona­do pelo ATP-CP,
não há acúmulo considerável de lactato. Conseqüentemente, a
re­cuperação progride com rapidez e o exercício pode recomeçar
após um curto período de repouso.

Em contrapartida, os períodos mais longos de exercício ana-


eróbico produzem considerável acúmulo de lactato. Nesses casos, o
EPOC consiste no componente rápido e no componente lento que
requer um período de tempo mais longo para recuperação. O atle­ta
que alcançou altos níveis de metabolismo anaeróbico pode não se
recuperar plenamente durante curtos períodos de repouso ou em
intervalos com a realização de um exercício menos intenso.

385
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

As técnicas para acelerar a recuperação após um exercício


em geral são ativas ou passivas. Na recuperação ativa o indiví­
duo realiza um exercício leve para facilitar a recuperação global.
Na recupe­ração passiva, a pessoa fica parada, su­pondo que a
inatividade reduz as demandas energéti­cas de repouso.

Após exercício em ritmo es­tável com pouco acúmulo de


lactato, a recuperação serve para ressintetizar os fosfatos de alta
energia; reabastecer o oxigênio no sangue, nos líquidos corporais
e na mioglobina muscular; e para manter elevadas a circulação e a
ventilação. Nessas circunstâncias, as técnicas de recuperação pas-
siva faci­litam a recuperação, pois qualquer exercício adicional serve
apenas para elevar o metabolismo total e retardar a recuperação.

Quando o exercício é intenso e a formação de lactato nos


músculos ul­trapassa a velocidade de remoção, ocorre o acúmulo de
lactato no sangue, levando à fadiga. Nestes casos, a recuperação
ativa (realizar exercício aeróbico moderado durante a recuperação)
é um procedimento que acelera a remoção do lactato e aprimora
o desempenho no exercício subseqüente, provavelmente devido à
maior perfusão de sangue no fígado, coração e músculos ativos (ór-
gãos que oxidam lactato).

Quando o exercício é intermitente ou intervalado, utiliza-se um ritmo pre-


estabelecido de exercício e interva­los de repouso. Esse treina­mento utiliza o
exercício supramáximo para submeter os sistemas de transferência de energia
à uma sobrecarga, intercalados com intervalos de repouso. A manipulação da
duração dos intervalos de exercício e de repouso pode impor uma sobrecarga
efetiva a um sistema espe­cífico de transferência de energia.

386
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

Hora de praticar
Com base no que você estudou na unidade 2, responda às questões abaixo de forma
completa e objetiva e envie suas respostas ao fórum de discussão: “Hora de praticar 2”.
Também leia e discuta as respostas dos colegas.

Questões:

1) Explique resumidamente os eventos da glicólise (Ilustração 8) e sua regulação.

2) Como ocorre a formação do ácido lático na glicólise anaeróbica?

3) Explique resumidamente a transferência de energia durante a oxidação completa da


glicose (glicólise, ciclo do ácido cítrico e transporte de elétrons).

4) Resuma o fracionamento de uma molécula de gordura (triacilglicerol) (Ilustração 13).

5) Qual o papel do Ciclo de Cori no metabolismo energético do exercício?

6) Discuta a afirmação: “As gorduras queimam numa chama de carboidratos”.

7) Explique a contribuição dos três sistemas energéticos em relação à intensidade e dura-


ção do exercício. Exemplifique com atividades desportivas específicas.

8) Explique a contribuição dos nutrientes na produção de energia aeróbica em relação à


intensidade e duração do exercício. Dê exemplos de atividades desportivas específicas.

9) Analise a Ilustração 16, abordando as diferenças no limiar de lactato sanguíneo entre


indivíduos treinados e não treinados.

10) O que é déficit e débito de oxigênio?

11) O que é VO2max?

12) Quais as diferenças entre as fibras musculares tipo I e II?

387
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 2 CONSUMO DE ENERGIA DURANTE REPOUSO E ATIVIDADE FÍSICA

A contribuição dos 3 siste- O exercício em ritmo estável repre-


mas de produção de ener- senta um equilíbrio entre o consumo de
gia depende da intensida- oxigênio para produção de ATP e as ne-
de e duração do exercício. cessidades energéticas dos músculos ati-
O treinamento melhora vos. Déficit de oxigênio é a diferença entre
especificamente o sistema utilizado. a quantidade de oxigênio que deveria estar
Os nutrientes (carboidrato, lipídeo disponível para produzir energia e a quan-
e proteína) são as principais fontes para tidade de oxigênio realmente utilizada.
ressintetizar o ATP. Podem ocorrer inúme- VO2máx é a capacidade máxima de
ras interconversões entre os nutrientes e os realizar a ressíntese aeróbica de ATP.
átomos de hidrogênio liberados na quebra Após o exercício o consumo de oxi-
aeróbica dos nutrientes oxidados na cadeia gênio continua elevado por causa das de-
respiratória, liberando energia e água. mandas metabólicas e dos desequilíbrios
O piruvato é formado na degrada- fisiológicos causados pelo exercício. A re-
ção anaeróbica da glicose. Se o exercício cuperação ativa (atividade leve a modera-
for anaeróbico, o piruvato se une tempora- da após o fim do exercício intenso) facilita
riamente ao hidrogênio e forma lactato. Se a remoção do lactato sanguíneo e acelera
o exercício for aeróbico o piruvato pode ser a recuperação.
transformado em acetil-CoA.

388
FUNDAMENTOS
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS
FISIOLÓGICOS DA
DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO FÍSICA
FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

UNIDADE 3

O Sistema Endócrino

O sistema endócrino é um importante regulador das mais diversas funções corpo-


rais com o objetivo de manter a homeostasia.

Esta Unidade proporciona uma visão geral deste sistema e suas funções em re-
pouso e em atividade física.

Objetivos
Ao finalizar esta Unidade, esperamos que você possa:

delinear os eventos pelos quais os hormônios afetam as funções das células-alvo;

listar e explicar a ação dos hormônios mais importantes, as glândulas que os secre-
tam e os efeitos do exercício em sua secreção;

esboçar os efeitos globais do treinamento sobre a função endócrina.

389
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

3.1 Visão Geral do Sistema Endócrino

O sistema endócrino integra e regula funções corpo­rais visando a manu-


tenção da homeostase. O sistema endócrino é constituído por um órgão
hospedeiro (glându­la), mensageiros químicos (hormônios) e um órgão-alvo
ou receptor.

Os hormônios ativam os sis­temas enzimáticos, alteram a


permeabilidade das membranas celulares, causam a contração e
o relaxamento dos músculos, es­timulam a síntese das proteínas e
das gorduras, iniciam a secre­ção celular e aprimoram a capacida-
de do organismo de responder aos estresses físico e fisiológico.

As glândulas são classifica­das como endócrinas (secre-


tam hormônios nos espaços extracelulares ao seu redor que se-
rão difundidos para o sangue e transportados por todo o corpo
para desem­penhar suas funções), ou exócrinas (que secretam
substâncias para fora do corpo ou para outro órgão; ex.: glândulas
sudoríparas e glândulas do trato di­gestivo).

Ilustração 22 - Localização dos órgãos endócrinos produtores de hormônios.

A Ilustração 22 mostra a localização das


principais glândulas endócrinas (hipófise, tireói-
de, paratireóides, supra-renais, pineal e timo).
Vários outros órgãos, tais como o pâncreas, as
gônadas (ovários e testículos) e o hipotálamo,
contém áreas de tecido endócrino que também
produzem hormônios. O hipotálamo é também
um dos principais órgãos do sistema nervoso,
funcionando como um órgão neuro­endócrino.

390
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

3.2 Hormônios
Hormônios são substâncias químicas sintetizadas por
glândulas específicas, secretadas para dentro do sangue e carre-
ados por todo o corpo. Os hormôni­os podem ser classificados em
duas categorias:

1) hormônios derivados dos esteróides e;

2) hormônios sintetizados a par­tir de aminoácidos (hormônios


ami­nas e polipeptídios).

O termo meia-vida descreve o período de tempo necessá-


rio para reduzir à metade a concentração sangüínea de um hor­
mônio. A meia-vida de um hormônio propor­ciona uma boa indica-
ção do período de tempo durante o qual seu efeito persiste.

3.2.1 Especificidade do Hormônio e a Célula-alvo


A capacidade da célula-alvo responder ao hormô­nio de-
pende da presença de receptores protéicos específicos que fixam
o hormônio. Os receptores da célula-alvo estão na mem­brana
plasmática ou no interior da célula. Os hormônios alteram as
reações das “células-alvo” por:

1) mudar o ritmo da síntese de proteínas intracelulares estimulando


o DNA nucléico;

2) mudar o ritmo da atividade enzimática;

3) alterar o transporte nas membranas plasmáticas;

4) induzir a atividade secretória.

O grau de ativação da célula-alvo por um hormônio depende


de três fatores:

1) concentração hormonal no sangue;

2) número de receptores na célula-alvo;

3) força da união entre o hormônio e o receptor. Os receptores dos


hormônios nas células são estruturas dinâmicas que se ajus-
tam continuamente às demandas fisiológicas.

391
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

3.2.2 Fatores que Determinam os Níveis Hormonais


A maioria dos hormônios responde a um estímulo periféri-
co com base nas necessidades corporais, outros são liberados a
intervalos regulares (alguns ciclos secre­tórios duram 24 horas ou-
tros, várias semanas). A velocidade com que as glândulas endó-
crinas secre­tam os hormônios depende da magnitude do influxo
químico es­timulante ou inibitório proveniente das fontes: hormo-
nais, humorais e∕ou neu­rais.

Estimulação hormonal: hormônios influenciam a secreção


de outros hormônios;

Estimulação humoral: oscilações nos níveis de certos íons


e nutrientes no sangue, na bile e em outros líquidos corpo-
rais estimulam a liberação de hormônios;

Estimulação neural: a atividade neural afeta a liberação dos


hormônios.

Quatro fatores determinam a concentração plasmática de um determinado


hormônio:

1) quantidade sintetizada na glândula hospedeira;

2) ritmo de catabolismo ou de secreção para dentro do sangue;

3) quantidade de proteínas transporta­doras presentes e;

4) modificações no volume plasmático.

3.2.3 Secreções Hormonais em Repouso e


em Exercício
O Quadro 1 lista as glândulas endócri­nas, os hormônios
específicos secretados, suas funções, os fatores de contro­le, e os
efeitos do exercício na sua produção.

392
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

QUADRO 1 - Glândulas endócrinas, suas secreções, funções, fatores de controle,


e efeitos agudos do exercício sobre a produção hormonal.

Glândula Controle da Efeitos do


Hormônio Efeitos hormonais
hospedeira secreção hormonal exercício

Hormônio do Estimula o crescimento tecidual;


Fator liberador
mobiliza os ácidos graxos para ↑ com aumento
crescimento (GH; hipotalâmico
a obtenção de energia; inibe o do exercício
(GHRF)
somatotropina) metabolismo dos carboidratos

Tireotropina Fator hipotalâmico


Estimula a produção e a liberação ↑ com aumento
liberador de TSH;
(TSH) de tiroxina pela tireóide do exercício
tiroxina

ACTH Estimula a produção e a liberação Fator hipotalâmico


de cortisol, de aldosterona e de liberador de ACTH; Desconhecidos
(corticotropina) outros hormônios supra-renais cortisol

Hipófise

anterior O FSH trabalha com o LH para Fator hipotalâmico


estimular a produção de estrogênio liberador de FSH
Gonadotrópico pelos ovários; o LH trabalha com o e LH; mulher:
(FSH e LH) Nenhuma
FSH para estimular a produção de estrogênio e
modificação
estrogênio e de progesterona pelos progesterona;
ovários e de testosterona pelos homem:
testículos testosterona

Prolactina Inibe a testosterona; mobiliza os Fator hipotalâmico ↑ com aumento


(PRL) ácidos graxos inibidor da PRL do exercício

Estresse emocional
Endorfinas Bloqueiam a dor; promovem a ↑ com exercício
/físico (pode estar
euforia; afetam a alimentação e o de longa
relacionado à
ciclo menstrual na mulher duração
intensidade)

Vasopressina Neurônios
Controla a excreção de água pelos ↑ com aumento
secretores
(ADH) rins do exercício
hipotalâmicos
Hipófise

posterior
Estimula os músculos no útero e na Neurônios Desconhecidos
Ocitocina mama; importante no trabalho de secretores
parto e na lactação hipotalâmicos

393
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

Promove o catabolismo dos ácidos


graxos e das proteínas; conserva ↑ apenas no
Cortisol ACTH; estresse
o açúcar no sangue/antagonista exercício árduo
Corticosterona da insulina; exerce efeitos
Córtex antiinflamatórios com a adrenalina

supra-renal
Angiotensina e
↑ com o
Promove a retenção de sódio, concentração
Aldosterona aumento
potássio e água pelos rins plasmática de
do exercício
potássio; renina

Facilita a atividade simpática, Adrenalina, ↑ no


Nervos simpáticos
Medula Adrenalina eleva o débito cardíaco, regula exercício árduo;
hipotalâmicos
os vasos sangüíneos, aumenta Noradrenalina ↑
Supra-renal Noradrenalina estimulados pelo
o metabolismo do glicogênio e a com o aumento
estresse
liberação de ácidos graxos do exercício

Tiroxina (T4)
Estimula a taxa metabólica; regula ↑ com o
TSH, metabolismo
Tireóide Triiodotironina o crescimento e a atividade das aumento do
corporal total
células exercício
(T3)

Promove o transporte dos


carboidratos para dentro das
células; aumenta o catabolismo
↓ com o
dos carboidratos e reduz a Níveis plasmáticos
Insulina aumento do
glicose sangüínea; promove o de glicose
exercício
transporte dos ácidos graxos e
Pâncreas dos aminoácidos para dentro das
células

Promove a liberação da glicose


↑ com o
do fígado para o sangue; aumenta Níveis plasmáticos
Glucagon aumento do
o metabolismo lipídico, reduz os de glicose
exercício
níveis de aminoácidos

Paratormônio ↑ com o
Eleva o cálcio sanguíneo; reduz o Concentração
Paratireóides exercício em
(PTH) fosfato sanguíneo plasmática de cálcio
longo prazo

↑ com o
Estrogênio Controla o ciclo menstrual; maior
exercício;
Ovários deposição de gorduras; promove as FSH, LH
Progesterona depende da
características sexuais femininas
fase menstrual

Controla o tamanho dos músculos,


aumenta o número de hemácias;
↑ com o
Testículos Testosterona reduz a gordura corporal; promove
exercício
as características sexuais
masculinas

↑ com o
Rins Renina Estimula a secreção de aldosterona Sódio plasmático aumento do
exercício

394
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

- Hormônios da Hipófise Anterior Como os


hormônios agem
A atividade da hipófise é controlada pelo hipotálamo. Cada para integrar e
regular o corpo
hormônio hipofisário possui um hormônio liberador hipotalâmi- como um todo?
co próprio, chamado fator de liberação. O influxo neural para o
hipotálamo, representado por estímulos de ansiedade, estresse
e atividade física, controla a produção dos fatores de liberação.
(Ilustração 23).

Ilustração 23 - A hipófise, suas secreções e órgãos-alvo.

- Hormônio do Crescimento

O hormônio do crescimento (GH; tam­bém chamado somatotropina) tem


atividade fisio­lógica generalizada, pois promove a divisão celular e a prolife­
ração celular em todo o corpo. Nos adultos, o GH facilita a sín­tese protéica:
1) aumentando o transporte dos aminoácidos atra­vés da membrana plas-
mática; 2) estimulando a formação de RNA ou; 3) ativando os ribossomos
celulares que fazem aumen­tar a síntese protéica. O GH torna, também,
mais lenta a quebra dos carboidratos e inicia a mobilização e a utilização
da gordura como fonte energética.

395
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

A atividade física estimula a elevação na secreção de GH,


representando uma resposta benéfica para o crescimento do
múscu­lo, do osso e do tecido conjuntivo e aprimorando também a
mistura de combustíveis durante o exercício (reduzindo a captação
de glicose e aumentando a mobilização dos ácidos graxos livres).

- Tireotropina
A tireotropina (ou hormônio tireóide-estimulante; TSH),
controla a secreção hormonal da tireóide. O TSH atua mantendo
o crescimento e o desenvolvi­mento da tireóide e aumentando o
metabolismo das células. Por causa do importante papel dos hor-
mônios tireói­deos na regulação do metabolismo corporal, era de
se espe­rar que a produção de TSH aumentasse durante exercí-
cio, mas isto nem sempre ocorre.

- Hormônio Adrenocorticotrópico

O ACTH (ou corticotropina) funciona como parte do eixo hipotalâmico-


hipofisário-supra-renal e regula a produção dos hormônios secretados
pelo córtex supra-renal. O ACTH: 1) aumenta a mobilização dos ácidos
graxos do tecido adiposo, 2) aumen­ta a gliconeogênese e 3) estimula o
catabolismo protéi­co. Em virtude do desa­parecimento rápido desse hor-
mônio do sangue, são escassos os dados acerca da resposta do ACTH
durante o exercício, mas parece que as concentrações do ACTH au-
mentam proporcionalmente com a intensidade e a duração do exercício.

- Prolactina
A prolactina (PRL) inicia e facilita a secreção de leite pelas
glândulas mamárias. Os níveis de PRL aumentam com al­tas in-
tensidades de exercício e retornam ao nível basal na recuperação.
A libera­ção repetida de PRL induzida pelo exercício pode inibir a
função ovariana e contribuir para as alterações no ciclo menstrual
em mulheres atletas.

396
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

Ocorrem maiores aumentos na PRL em mulheres que correm sem utilizar


sutiã; consomem dieta rica em gorduras ou fazem jejum.

- Hormônios Gonadotrópicos
Os hormônios gonadotrópicos estimulam os órgãos sexu-
ais mas­culinos e femininos, que passam a crescer e secretar seus
hormônios num ritmo mais rápido. O hormônio folículo-esti­
mulante (FSH) e o hormônio luteinizante (LH) são os dois hor-
mônios gonadotrópicos. O FSH inicia o crescimento dos fo­lículos
nos ovários e estimula esses órgãos a secretarem estrogênio (tipo
de hormônio sexual feminino). O LH complementa a ação do FSH
causando secreção de estrogênio e ruptura do folículo, para a
fertilização. No homem, o FSH esti­mula o crescimento do epitélio
germinativo nos testículos a fim de promover a formação dos es-
permatozóides. O LH estimula também os testículos a secretarem
o hormônio sexual masculi­no testosterona.

- Hormônios da Hipófise Posterior


O hipotálamo sintetiza e a hipófise posterior armazena dois
hormônios: o hormônio antidiurético (ADH ou vasopressina)
e a ocitocina. Assim, o dano ou a remoção da hipófise posterior
não afeta a produção de ADH ou de ocitocina. O ADH estimula a
reabsorção de água nos túbulos renais, limitando a produção de
urina. A ocitocina inicia a con­tração muscular no útero e estimula
a ejeção de leite na lactação.

O exercício estimula a secre­ção de ADH, ajudando o cor-


po a conservar líqui­dos, particularmente durante exercício em
um clima quente, quando a desidratação pode ser um risco. Esse
efeito con­tribui para a modulação eficiente da resposta cardiovas­
cular ao exercício. A liberação de ADH diminui em resposta a uma
sobrecarga hídrica, aumentando o volume urinário e deixando a
urina mais diluída (cor mais clara). Existe pouca informação dos
efeitos do exer­cício na liberação de ocitocina.

397
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

- Hormônios Tireóideos
A tireóide secreta dois hormônios chamados hormônios
metabólicos, tiroxina (T4) e triiodotironina (T3). A liberação de
T3 facilita a atividade re­flexa neural. A secreção de T4 eleva o me-
tabolismo de todas as células (com exceção do cérebro, baço,
testículos, útero e da própria tireóide). Níveis reduzidos de T4 pro-
duzem um estado de preguiça.

Desvios signifi­cativos na Taxa Metabólica Basal (TMB) podem indicar uma


anormalidade da tireóide. A pessoa pode perder peso rapidamente com a
ativida­de tireóidea alta, ou aumentar peso e gordura cor­poral com a produ-
ção baixa.

Os hormônios tireóideos proporcionam ainda uma regula-


ção importante para o cresci­mento e desenvolvimento dos tecidos
(principalmente esquelético e nervoso), da maturação e das
capacidades reprodutoras. E tem papel importante na manuten­
ção da pressão arterial ao aumentar os recep­tores adrenérgicos
dos vasos sangüíneos.

O metabolismo corporal total influencia a síntese dos


hormô­nios tireóideos. A depressão da TMB estimula a liberação
hipotalâmica de TSH. Isso faz aumentar a produção da tireóide e
eleva o metabolismo de repouso. Inversamente, o aumento crôni-
co no metabolismo reduz a produção de TSH, tornando o metabo­
lismo mais lento.

- Hormônios Paratireóideos
O hormônio paratireóideo (PTH, ou paratormônio) contro-
la o equilíbrio do cálcio no sangue. A redução nos níveis de cálcio
sangüíneo libera mais hormônio e a elevação dos níveis de cálcio
inibe a liberação. O prin­cipal efeito do PTH é aumentar os níveis de
cálcio, ao estimular três órgãos-alvo: osso, rim e intestino delgado.

398
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

- Hormônios Supra-renais
As glândulas supra-renais possuem duas partes: (1) a me-
dula (porção interna) e (2) o córtex (porção externa). Cada parte
secreta diferentes tipos de hormônios:

- Hormônios da Medula Supra-renal

A medula supra-renal faz parte do sistema nervoso simpático. Atua pro-


longando e aumentando os efeitos simpáticos por se­cretar adrenalina e
noradrenalina, chamadas coletivamente catecolaminas. A noradre­nalina
funciona como precur­sor da adrenalina e atua também como neurotrans-
missor nas terminações nervosas simpáticas que atuam no coração, vasos
sangüíneos e glândulas.

No metabolismo energético a adre­nalina estimula a glico-


genólise (no fígado e músculos ativos) e a lipólise (no adipócito
e músculos ativos). A noradrenalina estimula a ação lipolítica no
adipócito. Como as terminações nervosas simpáticas secretam
adrenalina e noradrenalina é mais apropriado estudar a resposta
“simpatoadrenal” ao exercício em vez de abordar apenas a res-
posta da glândula su­pra-renal.

A resposta simpatoadrenal ao exercício se relacio­na mais


à intensidade relativa que à intensidade absoluta do exercício. A
noradrenalina aumenta muito com intensidades acima de 50% do
VO2max, enquanto a adrenalina só aumenta quando a intensidade
do exercício for superior a 60% do VO2max. No esforço máximo,
podemos observar um aumento aproximado de 2 a 6 vezes na
liberação de noradrenalina, relacionado aos ajustes cardiovascu-
lares e metabólicos nos tecidos ativos.

Atletas de velocidade-potência têm maior ativação


simpatoadrenér­gica em exercício máximo do que os treinados
aerobicamente. Os efeitos da maior atividade da medula supra-
renal na distri­buição do fluxo sangüíneo, contratilidade cardíaca
e mobili­zação dos substratos melhoram todas as respostas ao
exercício.

399
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

- Hormônios do Córtex Supra-renal (Adrenocorticais)

O córtex supra-renal, estimulado pela corticotropina da hi-


pófise anterior, secreta os:

- Hormônios adrenocorticais. Esses hormô­nios corticosteróides


se enquadram funcionalmente em um de três grupos: minera-
locorticóides, glicocorticóides e androgênios, produzidos em
camadas diferentes do córtex supra-renal.

- Mineralocorticóides - Regulam os sais minerais sódio e potás-


sio no líquido extracelular. A aldosterona é o mais importante,
representando quase 95% de todos os mineralocorticóides pro-
duzidos.

A secre­ção de aldosterona proporciona o controle da concentração total de


sódio e do volume extracelular e estimula a reabsorção do sódio (juntamen-
te com líquido) nos túbulos renais.

O aumento no débito cardíaco e na pressão arterial tam-


bém acom­panha uma elevação no volume plasmático com a se-
creção de aldosterona. Em contrapartida, o sódio e a água flu­em
para a urina quando cessa a secreção de aldosterona. Como a
resposta celular a uma maior produção de aldosterona é lenta,
seria necessário um exercício relativamente prolongado (<45 min)
Entenda a Hipertensão: para ser observado algum efeito da aldosterona, assim, seu prin-
páginas 433 à 435 (capí-
tulo 20) do livro texto. cipal efeito ocorre durante a recuperação.

Glicocorticóides - As situações com uma alta carga


emocio­nal ou as demandas estressantes da atividade física es-
timulam o hipotálamo a secretar o fator liberador de corticotro-
pina que induz a hipófise anterior a liberar ACTH. Por sua vez,

o ACTH promove a liberação de glicocorticóides pelo córtex supra-


re­nal.

O cortisol, principal glicocorticóide do córtex supra-renal afeta


profundamente o metabolismo da gli­cose, das proteínas e dos ácidos
graxos livres. O cortisol: 1) Promove a quebra da proteína em aminoácidos

400
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

nas células (com exceção do fígado) para serem transformados em glicose


na gliconeogênese; 2) Facilita a ação de outros hormônios, como glucagon
e GH na gliconeogênese; 3) Age como antagonista da insulina, inibindo a
captação e a oxidação da glicose; e 4) Promove a quebra dos triglicerídeos
no tecido adiposo em glicerol e ácidos graxos.

Altas concentrações séricas de cortisol, por períodos pro­


longados, aumenta o fracionamento das proteí­nas, o desgaste te-
cidual e o equilíbrio nitrogenado negativo. A secreção de cortisol
acelera também a mobilização das gorduras para a obtenção de
energia durante a inanição e o exercício in­tenso e prolongado.
Com aumentos rápidos e significativos na produção de
cortisol, o fígado fraciona a gordura mobilizada em componentes
cetoácidos mais simples. As concentrações excessivas de cetoá-
cidos no líquido extracelular podem resultar na condição poten-
cialmente perigosa da cetose (uma forma de acidose).
Existe grande variabilidade na renovação do cortisol com o
exercício, depen­dendo de fatores como intensidade e duração do
exercício, nível de aptidão, estado nutricional e o ritmo circadiano.
Níveis al­tos de cortisol ocorrem durante ou após exercícios de
longa duração e alta intensidade.
Androgênios (gonadocorticóides ou esteróides) são pro-
duzidos principalmente pelas gônadas (órgãos reprodutores). O
córtex supra-renal também produz hormônios androgênicos e um
pouco de estrogênio e progesterona (hormônios femininos).

Testículos no homem e ovários na mulher são as glându­las que produzem


os hormônios androgênios (promotores das características físicas se-
xuais), que desencadeiam e mantêm a função reprodutora. Não existem
hormônios “masculinos” ou “femininos”, apenas diferenças na concentração
hormonal en­tre os sexos.

A testosterona é o androgênio mais importante secretado


pelos testículos. Ela é importante na produção de espermatozói-
des e no desenvolvimento das características sexuais masculinas
secundárias. Além disso, o papel ana­bólico ou de elaboração

401
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

tecidual da testosterona contribui para as diferenças entre homens


e mulheres na massa e força muscu­lares que se manifestam no
início da puberdade. Veja na ilustração.

Ilustração 24 – Efeitos dos androgênios em homens. Algum androgênio é


transformado em estrogênio nos tecidos periféricos e confere aos homens uma
vantagem significativa sobre as mulheres na manutenção da massa óssea du-
rante toda a vida.

Transformado para

A concentração plasmática de testosterona funciona como


um marcador fisiológico do estado anabólico. Além dos efeitos
diretos sobre a síntese do tecido muscular, a testosterona afeta

402
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

indiretamente o conteúdo protéico das fibras musculares por pro-


mover a liberação de GH. A testosterona interage também com re-
ceptores neurais aumentando a liberação de neurotransmissores
e iniciando alterações nas proteínas estruturais que modificarão o
tamanho da junção neuromuscular. Esses efeitos neurais aprimo-
ram a produção de força do músculo esquelético.

Os ovários são a fonte primária dos estrogênios, par­


ticularmente estradiol e progesterona, que regulam a ovulação,
a menstruação e os ajustes fisiológicos durante a gravidez. Os
estrogênios exercem também efeitos sobre os vasos sangüíneos,
osso, pulmão, fígado, intestino, próstata e testículo. A progestero-
na contri­bui na regulação do ciclo reproduti­vo feminino, na contra-
ção do músculo liso uterino e na lactação. O estradiol acelera a
mobilização dos ácidos graxos livres do tecido adiposo e inibe a
captação da glicose pelos tecidos periféricos.

Assim, aumentos no estradiol e no GH em exercício exercem efeitos meta-


bólicos semelhantes.

- Hormônios Pancreáticos
O pâncreas é composto de dois tipos de tecidos: os ácinos
e as ilhotas de Langerhans. As ilhotas contêm células-α que se-
cretam glucagon e células-β que secretam insulina. Os ácinos
tem função exócrina e secretam as enzimas di­gestivas.

A Insulina medeia a difusão facilitada na qual a glicose se combina com


uma proteína carreadora na membrana plasmática para ser transportada
para dentro das células. A insulina regula a entrada de glicose em todos os
tecidos (principalmente células musculares e adiposas), com exceção do
cérebro.

A gli­cose que não é usada para produzir energia é ar-


mazenada como glicogênio para utilização futura. Sem insulina,
apenas quantidades mínimas de glico­se penetram nas célu-
las. Em essên­cia, a insulina exerce um efeito hipoglicêmico por

403
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

reduzir a concentração sangüínea de glicose; e quando a secre­


ção de insulina é insuficiente, a concentração sangüínea de glico­
se aumenta. Quando os níveis sangüíneos de glicose permane-
cem altos, a glicose acaba trans­bordando para dentro da urina.

Na ausência de insulina, os áci­dos graxos são mobiliza-


Entenda o Diabetes
Melito: páginas 441 à dos para serem utilizados como substra­to energético primário. A
445 (capítulo 20) do livro insulina exerce também um efeito pronunciado sobre a síntese
texto.
das gorduras. Uma elevação nos níveis sangüíneos de glicose
(como ocorre após uma refeição) esti­mula a liberação de insulina,
o que acarreta alguma captação da glicose pelas células adipo-
sas e sua subseqüente transfor­mação para triglicerídio. A ação da
insulina desen­cadeia também a atividade enzimática intracelular
que facili­ta a síntese protéica, através das seguintes ações: 1) au-
mento do transporte de aminoáci­dos através da membrana plas-
mática; 2) aumento dos níveis celulares de RNA; e 3) aumento da
formação de proteínas pelos ribossomos.

Transportadores da Glicose - As células possuem diferen­


tes proteínas para o transporte da glicose (chamadas GLUT1 e
GLUT4), que variam sua resposta devido às concentrações de
insulina e de glicose. As fibras musculares contêm GLUT1 e
GLUT4. Em repouso, a maioria da glicose é transportada pelo
GLUT1. Com altas concentrações san­güíneas de glicose ou de in-
sulina (após comer ou durante o exercício), o GLUT4 leva glicose
para as células musculares sem depender da insulina.

Interação Glicose-Insulina - Os níveis sangüíneos de


glico­se no pâncreas controlam a secreção de insulina, o que induz
a entrada da glicose no interior das células, reduzindo a glicose
sangüí­nea. Isto remove o estímulo para a liberação de insulina. A
interação entre glicose e insulina provê um mecanismo de retro-
alimentação (feedback) mantendo a concentração sangüínea de
glicose dentro de limites estreitos.

A supressão da insulina pelas catecolaminas está re-


lacionada diretamente à intensidade do exercício. O exercício
prolongado obtém progressivamente mais energia dos ácidos

404
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

graxos livres, em virtude da produção reduzi­da de insulina e da


depleção de glicogênio. A redu­ção na glicose sangüínea em exer-
cício prolonga­do acelera a produção hepática de glicose e sensi­
biliza o fígado aos efeitos do glucagon e da adrenalina resultando
em liberação de glicose para manter os níveis sangüíneos.

O Glucagon, hormônio “antagonista da insulina”, estimula a glicogenólise


e a gliconeogênese pelo fí­gado, aumentando a glicose sanguínea.

À semelhança do que ocorre com a insulina, a concen-


tração plasmática de glicose controla a produção de glucagon. A
queda na concentração sangüínea de glicose, como em exercício
prolongado de alta intensidade ou na restri­ção de carboidratos,
estimula a liberação de glu­cagon. A liberação de glucagon no
exercício nem sempre está associada a uma redu­ção na glicose
plasmática.

- Outros Hormônios
Outros hormônios também influenciam as funções corpo-
rais. Por exemplo, o fígado secreta as somatomedinas, que afe-
tam o cres­cimento do músculo, da cartilagem e de outros tecidos.
O reves­timento mucoso do intestino delgado secreta secretina,
gastri­na e colecistocinina, que coordenam os processos diges-
tivos. O hipotálamo secreta vários hor­mônios estimulantes ou libe-
radores que ativam outros hormônios da hipófise anterior, como a
somatoliberina que estimula a secreção de somatotropi­na.

3.3 Treinamento de Endurance e Função


Endócrina
O Quadro 2 relaciona os diferentes hormônios e suas res­
postas gerais ao treinamento com exercícios. Por causa das in­
terações complexas entre secreções endócrinas e o sistema ner­
voso é difícil determinar com precisão efeitos específicos de cada
hormônio.

405
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

A magnitude da resposta hormonal a uma carga com exercício padronizado


em geral declina com o treinamento de endurance.

Quadro 2 – Hormônios e suas respostas ao treinamento de endurance.


HORMÔNIO RESPOSTA AO TREINAMENTO

Hormônios do hipotálamo e da hipófise

Nenhum efeito sobre os valores em repouso; elevação


Hormônio do crescimento
menos dramática durante o exercício

Tireotropina Nenhum efeito conhecido do treinamento

ACTH Valores aumentados com o exercício

Alguma evidência de que o treinamento reduz os valores


Prolactina
em repouso
Mulheres treinadas possuem valores deprimidos;
FSH, LH e Testosterona testosterona reduzida nos homens (níveis de testosterona
podem aumentar nos homens com um treinamento de
resistência de longa duração)
Hormônios da hipófise posterior

ADH ligeiramente reduzido para uma determinada carga


Vasopressina (ADH)
de trabalho. Nenhuma pesquisa disponível

Ocitocina Nenhuma pesquisa disponível

Hormônios tireóideos

Concentração reduzida de T3, total e aumentada de


Tiroxina (T4)
tiroxina livre em repouso

Triiodotironina (T3) Maior renovação de T3 e T4 durante o exercício

Hormônios supra-renais

Aldosterona Nenhuma adaptação significativa ao treinamento

Cortisol Ligeira elevação durante o exercício

Menor secreção em repouso e para a mesma intensidade


Adrenalina e Noradrenalina
absoluta do exercício após o treinamento

Hormônios pancreáticos
Maior sensibilidade à insulina; a diminuição normal na
Insulina insulina durante o exercício é reduzida grandemente com
o treinamento
Menor aumento nos níveis de glicose durante o exercício
Glucagon
para cargas de trabalho absolutas e relativas

Enzima e hormônio renais

Renina e Angiotensina Nenhum efeito aparente do treinamento

406
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

3.4 Treinamento e Função Endócrina

A remodelagem dos músculos no treinamento de resistên-


cia re­flete um processo complexo de interação dos receptores ce-
lulares com diferentes hormônios e a produção mediada pelo DNA
de novas proteínas contráteis. A resposta específica ao exercício
para uma sobrecarga muscular está relacionada à confi­guração
do exercício (intensidade, freqüência, vo­lume, seqüência, modali-
dade e intervalo de recuperação).

Os fatores responsáveis pelas alterações induzidas pelo exercício no ta-


manho e na função dos músculos incluem: modificações nas ta­xas de de-
puração hormonal hepática e extra-hepática, veloci­dades diferentes de se-
creção hormonal, e a ativa­ção alterada nos receptores através do controle
neuro-hu­moral.

O treinamento de resistência em homens faz aumentar a


freqüência e a amplitude da secreção de testosterona e de GH,
criando um ambiente hor­monal favorável ao crescimento muscular
(hipertrofia). Por ou­tro lado, a maioria dos estudos não conseguiu
demonstrar a ocorrência de modificações nas concentrações de
testosterona e de GH com o treinamento em mulheres. Assim, as
dife­renças sexuais na produção hormonal com o treinamento de
resistência podem explicar variações na força e no tamanho mus-
cular à sobrecarga de longa duração em homens e mulheres.

3.5 Peptídios Opióides e Exercício


O cérebro produz substân­cias opióides capazes de alterar
o humor. Os opióides incluem O-lipotropina, O-endor­fina e dinor-
fina, e exercem efeitos generalizados que variam em sua função
de neuro-hormônios a neurotransmis­sores. Inibem a liberação
hormonal pela hipófise anterior (principalmente de LH e FSH) po-
dendo causar distúrbios do ciclo menstrual (retardo na menar­
ca, sangramento uterino disfuncional, amenorréia secundária e

407
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

inadequação da fase luteínica, observados entre muitas mu­lheres


fisicamente ativas). Estimulam a liberação de GH e PRL.

Endorfinas também regulam outros hormônios (ACTH, ca-


tecolaminas e cortisol).

Concentra­ções séricas dos opióides aumentam com o exer­cício e se rela-


cionam à maior tolerância à dor, ao melhor controle do apetite e à redução
da ansi­edade. A resposta fisiológica precisa dos pep­tídios opióides ao exer-
cício continua obscura, mas inclu­i o efeito hipotético na alegria do exercício
(estado de euforia que ocorre à medida que aumenta a duração e intensida-
de do exercício aeróbico). Esses efeitos refletem os benefícios psicológicos
propostos do exercício regular.

Hora de praticar
Com base no que você estudou na unidade 3, faça o que se pede abaixo de forma com-
pleta e objetiva e envie o que você fez ao fórum de discussão: “Hora de praticar 3”.

1) Como os hormônios alteram as reações celulares de células-alvo específicas?

2) Liste os hormônios secretados pela hipófise e suas principais funções.

3) Liste os hormônios tiróideos, suas funções e como o exercício afeta sua liberação.

4) Liste os hormônios supra-renais, suas funções e como o exercício afeta a liberação.

5) Liste os hormônios pancreáticos, suas funções e como o exercício afeta a liberação.

6) Descreva os efeitos do treinamento de endurance na função endócrina.

7 ) Descreva o efeito do treinamento de resistência na testosterona e no GH.

408
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

O sistema endócrino é A medula supra-renal secreta cate-


composto de um órgão colaminas (adrenalina e noradrenalina). O
hospedeiro, um hormônio córtex supra-renal secreta: mineralocorti-
e um órgão-alvo. Os cóides (regulam níveis de sódio e potássio
hormônios alteram o extracelular); glicocorticóides (estimulam
ritmo das reações celulares e enzimáticas. gliconeogênese e atuam como antagonis-
tas da insulina) e androgênios (controlam
A hipófise anterior secreta: PRL
características sexuais secundárias mas-
(reprodução e características sexuais se-
culinas). Gônodas (testículos e ovários)
cundárias femininas); FSH e LH (estimu-
produzem testosterona, estradiol e proges-
lam a secreção de testosterona e estrogê-
terona.
nio); corticotropina, gonadotrópicos, TSH
O pâncreas libera insulina (acelera
(controla secreção hormonal da tireóide
o transporte de glicose para o interior
e acelera o metabolismo) e GH (divisão e
das células) e glucagon (antagonista da
proliferação celulares). A hipófise posterior
insulina, aumenta os níveis de açúcar no
secreta ADH (controla excreção de água
sangue).
pelos rins).
O exercício aumenta a liberação de
O PTH (controla o equilíbrio de cál-
endorfina (opióides); testosterona em ho-
cio no sangue).
mens e estrogênio em mulheres.

409
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 3 O SISTEMA ENDÓCRINO

410
FUNDAMENTOS
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS
FISIOLÓGICOS DA
DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO FÍSICA
FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

UNIDADE 4
Aprimorando a Capacidade
de Transferência de Energia

Aprendemos que diferentes atividades físicas, dependendo da duração e da in-


tensidade, ativam sistemas específicos de transferência de energia: o sistema ATP-PCr,
o sistema do ácido lático e o sistema aeróbico. Entretanto, certas atividades não se clas-
sificam em apenas uma categoria e, à medida que a pessoa aumenta sua aptidão física,
uma atividade antes classificada como anaeróbica pode se tornar aeróbica.
Em geral, todos os três sistemas de transferência de energia operam em diferen-
tes momentos durante o exercício, dependendo de sua duração e intensidade. Assim, o
treinamento eficiente é aquele que atribui o peso proporcional ao treinamento específico
dos sistemas energéticos e fisiológicos envolvidos naquela atividade.
Veremos a seguir os princípios, métodos e adaptações geradas pelo treinamento
anaeróbico e aeróbico. Em geral, as respostas fisiológicas do treinamento são similares
para homens e mulheres nas mais variadas faixas etárias.

Objetivos
Ao finalizar esta Unidade, esperamos que você possa:

interpretar os princípios básicos do treinamento ou condicionamento fisiológico;


descrever as adaptações fisiológicas ao treinamento aeróbico e anaeróbico;
identificar os fatores que afetam a resposta ao treinamento aeróbico e anaeróbico;
utilizar a freqüência cardíaca para estabelecer a intensidade do exercício;
resumir as recomendações acerca da quantidade e qualidade de exercício para de-
senvolver e manter a aptidão cardiorespiratória e muscular;
definir os tipos de contração muscular e as respostas ao treinamento de resistência;
identificar as adaptações fisiológicas associadas ao treinamento de resistência;
entender e aprender a minimizar a dor muscular de início tardio.

411
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

4.1 Princípios do Treinamento para


Potência Anaeróbica e Aeróbica

O principal objetivo do treinamento com exercícios é estimular adaptações


estruturais e funcionais que aprimoram o desempenho em tarefas específi-
cas. Para que estas adaptações ocorram, é necessária a adesão a progra-
mas físicos planejados em termos de freqüência e duração das sessões
de trabalho. A organização dos treinos também deve levar em conta 4 prin-
cípios do condi­cionamento físico.

4.1.1 Princípio de Sobrecarga

A aplicação regular de uma sobrecarga na forma de um exercício específico


aprimora a função fisiológica como resposta ao treinamento. O exercício re-
alizado em intensida­de acima dos níveis normais induz várias adaptações
altamente específicas que permitem ao organismo funcionar mais eficien-
temente. Para conseguir a sobrecarga apro­priada é necessário manipular
combinações de freqüência, intensidade e duração do treinamento, com
foco na modalidade do exercício.

4.1.2 Princípio da Especificidade

A especificidade do treinamento se refere às adaptações


metabólicas e fisiológicas que dependem do tipo de exercício re-
alizado. Por exemplo, treinos anaeróbicos de força-potência in­
duzem adaptações específicas de força-potência e um treino
com sobrecarga de endurance produz adapta­ções nos sistemas
aeróbicos. Ao montar o treino aeróbico, a sobrecarga deve:

1) proporcionar um estresse ao sistema cardiovascular e;

2) propiciar adaptações musculares apropriadas àquela atividade.

412
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

E mais, o treinamento ae­róbico com músculos específicos,


aprimora mais a aptidão aeróbica nos músculos treinados, como
por exemplo o ciclismo que treina mais os músculos dos membros
inferiores. Não existe uma transferência significativa dos benefí-
cios cardiovasculares gerais ao se usar outro grupo muscular
não treinado; ao pedir a um bom atleta de ciclismo que ele
treine natação, ele não terá bons resultados.

Há uma grande especificidade no aprimoramento do VO 2max obtido com


treinamento.

4.1.3 Princípio das Diferenças Individuais

É ir­real esperar que todos os indivíduos respondam a um determina­do


estímulo de treinamento da mesma maneira. Muitos fatores contribuem
para a variação individual na resposta ao treinamento, dentre eles fatores
genéticos e o nível de aptidão relativa da pessoa no início do treinamento.

E até mesmo quando um grupo relativamente homogêneo


começa a trei­nar ao mesmo tempo, não se pode esperar que todas
as pessoas atinjam o mesmo desempenho. Os maiores benefícios
do treinamen­to são conseguidos com programas de exercícios
ajustados às ne­cessidades e capacidades individuais dos parti-
cipantes.

4.1.4 Princípio da Reversibilidade

A perda das adaptações fisiológicas e do desempenho (destrei­namento)


ocorre rapidamente quando a pessoa para de treinar. Poucas semanas
de destreinamento acarretam uma redução significativa na capaci­dade
de realizar exercícios. Mesmo em atletas de elite, os efeitos de muitos
anos de treinamento con­tinuam sendo transitórios e reversíveis. Por essa
razão, a maio­ria dos atletas começa um programa de recondicionamento
nos meses antes do início da temporada competitiva.

413
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

4.2 Conseqüências Fisiológicas do Treinamento

4.2.1 Alterações no Sistema Anaeróbico:

maiores níveis de substratos anaeróbicos: ATP, PCr, creatina livre e


glicogênio acompanhados por uma melhora na força muscular;

maior quantidade e atividade das enzimas-chave que contro-


lam a fase anaeróbica do catabolismo da glicose;

maior capacidade de gerar altos níveis de lactato sanguíneo du-


rante o exercício explosivo. Resulta provavelmente de: (1) maiores
níveis de glicogênio e de enzimas glicolíticas e; (2) melhor motiva-
ção e tolerância à “dor” no exercício cansativo.

4.2.2 Alterações no Sistema Aeróbico

O treino com sobrecarga aeróbica induz adaptações em uma ampla


variedade de ca­pacidades relacionadas ao transporte e utilização do oxigênio
(Ilustração 25).

Ilustração 25 - Adaptações aeróbicas obtidas no treinamento com sobrecarga aeróbica.

neo

H
reatividade

414
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

O treinamento aeróbico produz melhoras significativas na


capa­cidade respiratória do músculo esquelético, através do de-
senvolvimento de mitocôn­drias maiores e mais numerosas. Há
também o aumento nas enzimas do sistema aeróbico resultando
em maior capacidade mitocondrial de gerar ATP aerobicamente.

O treinamento de aeróbico também faz aumentar a capaci-


dade do indivíduo de mobilizar, transportar e oxidar lipídeos (áci-
dos graxos) para obten­ção de energia em exercício submáximo.
A lipólise mais vigorosa resulta do maior fluxo sangüíneo dentro
do músculo treinado; mais enzimas para a mobilização e o meta-
bolismo das gorduras; capacidade respiratória aprimorada das mi-
tocôndrias musculares; e menor liberação de catecolaminas para
a mesma produção absoluta de potência.

O músculo treinado tem maior capacidade de oxidar os


carboidratos em exercício máximo, combinando maior capaci-
dade oxidativa das mitocôndrias e o melhor armazenamento de
glicogênio nos músculos, aumentando o fluxo de piruvato nas vias
energéticas aeróbicas.

Como visto anteriormente, em exercício submáximo o trei-


namento de endurance aumenta a combustão de ácidos graxos e
reduz a utilização do glicogênio muscular devido aos efeitos com-
binados de:

1) menor utilização do gli­cogênio muscular e;

2) produção e utilização reduzidas de glicose car­reada pelo plas​


ma incluindo glicogenólise e gli­coneogênese hepáticas diminuí
das. O catabolismo das gorduras aprimorado beneficia os atletas
de endurance, pois conserva as reservas de glicose sangüínea e
glicogênio, tão im­portantes durante o exercício prolongado de alta
intensidade.

O treinamento aeróbico também induz adaptações me-


tabólicas específicas para cada tipo de fibra muscular (hiper-
trofia seletiva). Atletas de endurance possuem fibras de con­
tração lenta maiores que as fibras de contração rápida no

415
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

mesmo músculo. E mais, as fibras de contração lenta, que geram


ATP aerobicamente, contêm quantidades de mioglobina de acor-
do com seu nível de atividade aeróbica. Já as fibras de contração
rápida de atletas de potência anaeróbica ocu­pam uma porção
maior do músculo.

Por causa da íntima relação do sistema cardiovascular com os pro­cessos


aeróbicos, o treinamento com exercícios aeróbicos produz adaptações
cardiovasculares significativas, aprimorando o fornecimento de oxigênio ao
músculo ativo.

A massa e o volume do coração em geral aumentam (hi-


pertrofia cardíaca) com o trei­n amento aeróbico de longo pra-
zo de acordo com as demandas específicas do treinamento, e
provavelmente re­fletem os dotes genéticos, as adaptações ao trei-
namento ou o efeito combinado de ambos os fatores. A hipertrofia
cardíaca é caracterizada pelo au­mento no tamanho longitudinal
da cavidade ventricular esquerda (hipertro­fia excêntrica) e pelo
espessamento moderado de suas pare­des (hipertrofia concên-
trica), produzindo maiores volumes diastólicos do ventrículo
esquerdo duran­te o repouso e o exercício. A hipertrofia cardíaca é
perdida com o destreinamento.

Algumas doenças A hipertrofia do miocárdio induzida pelo treinamento man-


também podem induzir tém relação também com alterações estruturais e funcionais na
um aumento cardíaco
considerável. Exemplo: árvore vascular do coração, incluindo modificações nos mecanis-
na hipertensão o
mos que regulam a perfusão miocárdica. As modificações estrutu-
coração trabalha croni-
camente contra uma rais incluem o aumento da área das arté­rias coronárias proximais,
resistência excessiva
ao fluxo sangüíneo. Isso do número de capilares, e recrutamento dos vasos colaterais,
distende o músculo aprimorando a perfusão e o fluxo sangüíneo para atender às de-
cardíaco que gera uma
força compensatória mandas energéticas do miocárdio treinado.
para superar a maior
resistência durante a Ocorre ainda o controle mais efetivo da resistência vascular
ejeção sistólica.
e da distribuição sangüínea dentro do músculo cardíaco. O treina-
mento aeróbico regular reduz as pressões sistólica e di­astólica
durante o repouso e em exercício submáximo; principalmente a
pressão sistólica, em indivídu­os hipertensos.

416
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

A massa mitocondrial e a concentração celular de enzimas


aeróbicas também aumentam no coração treina­do em enduran-
ce, proporcionando alguma cardioproteção por tornarem o tecido
miocárdico mais capaz de tolerar e se recuperar de episódios tran­
sitórios de isquemia e contra a doença arte­rial coronariana.

O aumento no volume plasmático aprimorara a re­serva


circulatória, o volume dias­tólico terminal, o volume sistólico de eje-
ção, o transporte de oxigênio e a regulação da temperatura duran-
te o exercício e retorna aos níveis pré-treinamento dentro de uma
semana após a interrupção do treinamento.

O treinamento aeróbico gera um desequilíbrio na atividade


tônica dos neurônios aceleradores simpáticos e de­pressores paras-
simpáticos, aumentando o tônus vagal (atividade pa­rassimpática),
gerando a bradicar­dia em repouso e em exercício submáximo.
O treinamento também reduz o ritmo intrínseco do marcapasso do
nódulo sinoatrial, gerando a redução na freqüência cardí­aca sub-
máxima que é reflexo do aumento no volume sistólico máximo e
no débito cardíaco. O AUMENTO NO VOLUME
SISTÓLICO DO CORAÇÃO
Quadro 3 - Fatores que causam o no volume sistólico do cora- PODE RESULTAR DO:

ção.

1- AUMENTO NO VOLUME 3- TEMPO D


O AUMENTO NO OVOLUME
AUMENTO NO VOLUME
AUMENTO NOINTERNO DEVIDO À 2- RIGIDEZ CARDÍACA DIASTÓLIC
SISTÓLICO DO CORAÇÃO
SISTÓLICO DO CORAÇÃO
EXPANSÃO DO VOLUME REDUZIDA EM V
VOLUME
PODE RESULTAR PODE SISTÓLICO:
DO: RESULTAR DO:
PLASMÁTICO E NA MASSA DO BRA
VENTRÍCULO ESQUERDO

1- AUMENTO NO VOLUME
1- AUMENTO NO VOLUME 3- TEMPO DE ENCHIMENTO 4- FUNÇÃO CONTRÁTIL
3- TEMPO DE ENCHIMENTO
2- RIGIDEZ
INTERNO DEVIDO ÀINTERNO DEVIDO À CARDÍACA DIASTÓLICO AUMENTADO
2- RIGIDEZ CARDÍACA DIASTÓLICO AUMENTADO
EXPANSÃO DO VOLUME
INTRÍNSECA DO CORAÇÃO
EXPANSÃO DO VOLUMEREDUZIDA REDUZIDA EM VIRTUDE DA EM VIRTUDE DA APRIMORADA
PLASMÁTICO E NAPLASMÁTICO
MASSA DO E NA MASSA DO BRADICARDIA BRADICARDIA
VENTRÍCULO ESQUERDO
VENTRÍCULO ESQUERDO

Assim, o coração 4- FUNÇÃO CONTRÁTIL


do atleta 4- FUNÇÃO
de endurance exibe um volume
CONTRÁTIL
INTRÍNSECA DO INTRÍNSECA
CORAÇÃO DO CORAÇÃO
sistólico consideravelmenteAPRIMORADA
maior durante o repouso e exercício do
APRIMORADA
que o de uma pessoa destreinada de mesma idade. O maior aumen-
to no volume sistólico ocorre na transição do repouso para o exercí-
cio e o volume sistólico máximo ocorre com 40 a 50% do VO2máx.

417
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

O aumento no débito cardíaco (DC) máximo representa


a adapta­ção mais significativa na função cardiovascular com o
treina­mento aeróbico. Nas pessoas destreinadas, o aumento no
DC se dá pela aceleração na freqüência cardíaca (FC); já os
atletas de endurance, tanto a FC quanto o volume sistólico (VS)
se elevam. Entretanto, o DC submáximo diminui, refletindo:

1) distribuição mais efetiva do fluxo sangüíneo;

2) capacidade aprimorada dos músculos treinados de extraírem O2


do sangue circulante, gerando ATP aerobicamente. Pessoas treina
das realizam exercício submáximo com um DC mais baixo e um
fluxo sangüíneo muscular ligeiramente menor do que pessoas
destreinadas.

A capacidade do músculo de fornecer, extrair e utilizar O2


aumenta com treinamento, fornecendo a quantidade necessária
de O2 nos tecidos ativos sem precisar aumentar o fluxo sangüí-
neo regional em exercício submáximo.

Durante o exercício máximo o treinamen­to aeróbico faz au-


mentar o fluxo sangüíneo total para o mús­culo esquelético por:

1) maior DC máximo;

2) distribuição do sangue para o músculo a partir de áreas inativas


que podem comprometer temporariamente o fluxo sangüíneo no
esforço máximo;

3) aumento das áreas em corte transversal das grandes e peque-


nas artérias e veias e um aumento na capilarização dos múscu-
los.

O treinamento reduz ainda o fluxo sangüíneo esplâncnico e


renal durante o exercício, por causa da redu­ção na ação do siste-
ma nervoso simpático nes­ses tecidos, liberando uma quantidade
significativa de san­gue para os músculos ativos. O fluxo sangüíneo
cutâneo aumentado torna a pes­soa treinada mais capaz de dissi-
par o calor metabólico gerado no exercício.

O treinamento aeróbico regular reduz as pressões sistólica

418
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

e di­astólica durante o repouso e o exercício submáximo. A maior


re­dução ocorre na pressão sistólica, particularmente nos indivídu­
os hipertensos.

O treinamento aeróbico estimula adaptações na ventilação


pulmonar durante os exercícios submáximo e máximo, refletindo
uma estratégia respiratória que minimiza o trabalho da respiração
para de­terminada intensidade do exercício. A ventilação do
exercício máximo aumenta (maior volume cor­rente – VC e
freqüência respiratória - FR) à medida que aumenta o VO2max, que
por sua vez eleva tanto a necessi­dade de O2 quanto a necessidade
de eli­minar CO2 através da ventilação al­veolar.

O treinamento aeróbico reduz o consumo de oxigênio pela


musculatura ventilatória, através do aumento dos níveis das en-
zimas aeróbicas, da capacidade oxidativa e a capacidade de
gerar força dos músculos ins­piratórios, o que aprimora a função
dos músculos ventilatórios e a endurance, pois reduz os efeitos
da fadiga sobre a mus­culatura ventilatória e disponibiliza mais O2
para os outros músculos ativos.

Essas adaptações ao treinamento são benéficas para o


desempenho nos exercícios porque:

1) reduz as demandas energéticas do exercício global, em virtude


de um menor trabalho respiratório;

2) reduz a produção de lactato pelos músculos ventilatóri­os duran


te o exercício prolongado de alta intensidade;

3) aprimora a maneira como os músculos ventilatórios metabolizam


o lactato circulante como combustível metabólico. Entretanto, em
exercício prolongado de alta intensidade, pode ocorrer fadiga nos
músculos inspiratórios com redução da capacidade dos músculos
abdominais de gerarem a pressão expiratória máxima.

O treinamento aeróbico aumenta o VC e diminui a FR. O ar


permanece nos pulmões por mais tempo entre as incursões respi-
ratórias, au­mentando a extração de O2 do ar inspirado. As pessoas
destreinadas ventilam pro­porcionalmente mais ar para conseguir

419
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

o mesmo consumo sub­máximo de O2. O treinamento com exer-


cícios eleva a capacidade de su­portar níveis excepcionalmente
altos de ventilação submáxi­ma, porém exerce pouco efeito sobre
a função pulmonar es­tática e dinâmica máxima.

Existe uma especificidade significativa para as respostas


ven­tilatórias, não apenas para o tipo de exercício, mas também
nas adaptações ao treinamento. Exercício com os braços produ-
zem equivalentes ventilatórios mais altos do que exercícios ape-
nas com as pernas. E após treinamento, o equivalente respiratório
diminui apenas no exercício que utiliza os músculos treinados es-
pecificamente.
O treinamento de enduran­ce estabiliza também o meio in-
terno do organismo durante o exercício submáximo, acar­retando
menos ruptura no equilíbrio hormonal e ácido-básico corpo-
ral total. A adaptação ventilatória se relaciona intima­mente com
a menor elevação na freqüência cardíaca e no lactato sangüí­neo
durante exercício, resultantes de adaptações locais nos músculos
treinados. O nível de lactato mais baixo diminui o impulso para a
ventilação proveniente do dióxido de carbono adicional produzido
no tamponamento do lactato.
O efeito generalizado do treinamento de en­durance reduz
os níveis sangüíneos de lactato e prolonga o nível da intensida-
de do exercício antes do iní­cio do acúmulo de lactato no sangue
(OBLA) em exercícios de intensidade pro­gressivamente crescen-
te. Existem três possíveis explicações para esse efei­to:

1) menor ritmo de formação do lactato durante o exer­cicio;

2) maior ritmo de remoção do lactato du­rante o exercício e;

3) efeitos combinados de uma menor produção e uma maior re


moção do lacta­to.
Indivíduos que participam de um treinamento anaeróbico
vigoroso toleram níveis mais altos de lactato sangüíneo (e valo­res
do pH mais baixos) que os congêneres destreinados. É possível
que o treinamento anaeróbico apri­more a capacidade corporal
para a regulação ácido-básica, me­lhorando talvez os tampões-
químicos ou a reserva alcalina.

420
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

Outras adaptações ao treinamento de aeróbico são:

Modificações na composição corporal - o exercício aeróbico


regular reduz a massa (peso) e a gordura corporal, com aumen-
to na massa magra, principalmente em obesos;

Transferência de calor - indivíduos treinados e bem hidrata-


dos se exercitam com mais conforto em ambientes quentes em
virtude do maior volume plasmático e de mecanismos termor-
reguladores mais responsivos;

Melhora no desempenho - acompanhando as adaptações fi-


siológicas do treinamento;

Benefícios significa­tivos no estado psicológico - produzi-


dos pelo exercício regular.

4.3 Fatores que Afetam a Resposta ao


Treinamento Aeróbico
Qual a carga de
Quatro fatores influenciam profundamente a resposta ao
exercício necessária
treina­mento aeróbico: para me manter em
forma (saudável)?
1. Nível inicial de aptidão aeróbica. A magnitude da resposta
ao treinamento depende do nível inici­al de aptidão. Quem possui
baixo nível de aptidão inicial terá maior probabilidade de melhorar.
Se o nível de aptidão inicial é alto, a magnitude de melhora será
relativamente pequena. Evidentemente, uma pequena melhora na
capacidade aeróbica é uma modificação tão crucial para um atle-
ta de elite quanto um aumento maior para a pessoa sedentária. As
melhoras já iniciam na primeira semana de treinamento.

2. Intensidade do Treinamento. As adaptações fisiológicas ao trei


namento dependem principalmente da intensidade da sobrecarga.
A intensidade pode ser expressa como:

1) energia gasta por tempo ex.: (9 kcal/min);

2) nível de exercício absoluto ou produção de potência ex.: (pedalar


com 900 kg-m/min, ou 147 W);

421
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

3) nível metabólico relativo em percentual do VO2max ex.: (85% do


VO2max);

4) relação com o limiar do lactato ou OBLA ex.: (4 mM de lactato);

5) freqüência cardíaca do exercício ou percentual da FCmax ex.: (180


bpm ou 80% da FCmax) e;

6) múltiplos da taxa metabólica de repouso (ex.: 6 MET).

A intensidade absoluta do treino consiste em fazer todos


os indivíduos se exercitarem com a mesma produ­ção de potência
ou energia por período de tempo. Porém, se todos se exercitam na
mesma inten­sidade, a tarefa pode ser muito estressante para uns
e ser muito leve para os outros mais aptos. Por essa razão, para
estabelecer a intensidade do treino, a intensidade relativa é mais
usada e se relaciona a algum ponto de ruptura do exercício em
ritmo estável (limiar do lactato, OBLA) ou a algum percen­tual da
capacidade fisiológica máxima (% do VO2max ou a% da FCmax).

O estabelecimento da intensidade do treinamento com base


no consumo de oxigênio proporciona um alto grau de exatidão,
mas requer um equipamento sofisticado, não sendo prático para
a população geral. Uma alternativa é utilizar a freqüência cardíaca
para classificar o exercício em termos de intensidade relativa, pois
o percentual do VO2max e o percentual da FCmax se relacionam de
uma maneira previsível, independentemente de sexo, nível de apti-
dão, modalidade do exercício ou idade.

A relação entre o percentual da FCmax e o percentual do


VO2máx é essencialmente a mesma para os exercícios com os mem-
bros superiores ou inferiores. Entretanto, o exercício re­alizado com
membros superiores produz uma FCmax muito mais baixa que os
exercícios realizados com membros inferiores. Essa diferença deve
ser levada em conta ao formular a prescrição do exercício para dife-
rentes modalidades de exercício.

422
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

- Treinamento com um Percentual da FCmax

Como regra geral, a capacidade aeróbica melhora se a intensi­


dade do exercício for ao menos 55 a 70% da FCmax. Em exercício re-
alizado com as pernas como por exemplo ciclismo, caminhada ou
corrida esta FC é aproximadamente 45 a 55% do VO2max.

Pode-se determinar a FCmax do exercício após realizar al-


guns minutos de esforço máximo naquele exercício mas o estresse
gerado é desaconselhável para adultos sem autorização médica
ou com predisposição à doença cardíaca coronariana.

Como alternativa, podemos usar a FCmax pre­vista para a idade, assim


calculada independente de raça, sexo ou idade:

FCmáx = 220 - idade (anos).

A queda na FCmax observada com a idade resulta provavel-


mente de um influxo simpático reduzi­do proveniente do bulbo e
de alterações relacionadas à idade nas características inerentes
do nódulo SA. Apesar dessa fórmula representar uma regra ele-
mentar conveniente, ela não determina a FCmax de determinada
pes­soa.

Outro método para estabelecer o limiar do treinamento, denominado método


de Karvonen, con­siste em exercitar os indivíduos com uma FC igual a 60%
da diferença entre o valor de repouso e o valor má­ximo. Onde a FC do
treinamento (FClimiar) é calculada assim:

FClimiar = FCrepouso + 0,60 (FCmáx — FCrepouso)

Essa abordagem para determinar a FClimiar do treinamento


fornece um valor mais alto comparado ao calculo do limiar da FC
simplesmente como 70% da FCmax.

- Zona Sensível ao Treinamento


Adaptações ao treinamento não de­pendem de um exercício
extenuante. Para a maioria das pessoas sadias, 70% da FCmax
representa um exercício moderado que produz adaptações

423
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

com pouco ou nenhum desconforto. Esse nível de treinamento,


denominado de “exercício de conversação”, alcança intensidade
suficiente para estimular os efeitos aeró­bicos do treinamento porém
não produz desconforto como o acúmulo de lacta­to e hiperpnéia
que impeça a pessoa de conversar durante o exercício.

A recomendação de 70% da FCmáx representa uma orienta-


ção geral para um exercício efetivo e ao mesmo tempo confortável.
O limite inferior real de­pende da capacidade inicial do participante
e do estado atual de treinamento (Ilustração 26).

Ilustração 26 - Zona sensível ao treinamento em relação à idade.

'
(bpm)

À medida que a aptidão aeróbica melhora, a FC do exer-


cício submáximo dimi­nui em 10 a 20 bpm para um determinado
nível de VO2. Assim, para manter o aprimoramento fisio­lógico, o
nível de exercício deve ser aumentado periodicamente para alcan-
çar a FC desejada do exercício. Uma pessoa que começa a treinar
caminhando deve passar a cami­nhar mais rapidamente, depois a
trotar e, eventualmente, passar a correr para atingir a freqüência

424
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

cardíaca desejada. Em cada progressão, o exercício continua com


a mesma intensidade relativa ou grau de dificuldade. Se não hou-
ver progressão na intensidade do exercício não ocorrerão mais
aprimoramentos pelo treinamento, apenas sua manutenção.

Em geral, quanto mais alta for a intensidade do treinamento


aci­ma do limiar, maior serão os aprimoramentos, particularmente
para o VO2max. Entretanto, existe uma intensidade limiar mínima
abaixo da qual não ocorrem adaptações e existe também um “teto”
acima do qual não há ganhos adicionais. Pessoas mais aptas ne-
cessitam de níveis mais altos de limi­ar para estimular as adapta-
ções do que pessoas menos aptas. O teto para a intensidade do
treinamento continua desconhecido, porém 85% do VO2max (cor-
respondente a 90% da FCmax) é provavelmente um limite superior
e maiores intensidades não produzem necessariamente resulta­
dos maiores; pelo contrário, podem aumentar o risco de lesões
nos ossos, nas articulações e nos músculos.

3. Duração doTreinamento. Ainda não foi identificada uma dura ção


limite por sessão de tra­balho capaz de induzir um aprimoramto
cardiovascular ideal. Este limiar depende da interação de muitos
fatores incluindo trabalho total realizado (duração ou volume de
treinamento), intensidade do exercício, freqüência do treinamento
e nível inicial de aptidão. Períodos curtos de exercício de 5 minu-
tos podem produzir efeitos em pessoas não condicionadas, mas
em geral, ses­sões de 20 a 30 minutos proporcionam melhoresre-
sultados, principalmente se a intensidade for 70% da FCmax ou-
mais. Se o treino for mais intenso, podem ocorrer melhoras com
sessões de apenas 10 minutos. Inversamente, será necessário
ais tempo de exercício contínuo, a exemplo os de 60 minutos, se
a intensidade do exer­cício for menor que 70% da FCmáx.

4. Freqüência do Treinamento. Alguns pes­quisadores relatam que


a freqüência do treinamento influencia pro­fundamente os aprimo-
ramentos cardiovasculares, e outros alegam que esse fator con-
tribui muito menos do que a intensidade e a duração do exercício.
Sabe-se que o treinamento mais freqüente pode ser benéfico
mesmo feito em intensidade mais baixa. O treinamento realizado

425
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

apenas um dia por semana em geral não produz mudanças sig-


nificativas na capacidade anaeróbica ou aeróbica, na compo­sição
corporal nem na redução de peso. Em geral, o treinamento aeró-
bico é realizado ao menos três dias por semana, com um dia de
repouso entre os dias de treino.
Procure na internet
recomendações Independente da modalidade do exercício, as respostas
atualizadas sobre
a quantidade e
ao treino serão similares se o treino for realizado com grandes gru-
qualidade de exercício pos musculares com a mesma intensidade, duração e freqüência.
para desenvolver
e manter a aptidão Pedalar, caminhar, correr, remar, nadar, patinar, pular corda, subir
cardiorrespiratória e e descer escadas proporcionam excelentes sobrecargas para o
muscular e a flexibilidade
em adultos (atividade sistema aeróbico.
física e promoção da
saúde).

4.4 Força Muscular e Treinamento de


Resistência

Um procedimento dinâmico para medir a força muscular é a realização do


teste de uma repetição máxima (1-RM). 1-RM é a quantidade má­xima de
peso levantada uma única vez, de forma padronizada e correta.

Para testar 1-RM em qualquer grupo muscular, estime o


peso inicial próximo, porém abaixo da capacidade máxima de le-
vantamento do indivíduo. Acrescente peso progressivamente nas
tentati­vas subseqüentes até alcançar a capacidade máxima de le-
vantamento. É preciso realizar ao me­nos três tentativas antes do
valor da força máxima se estabilizar, devido ao efeito da familiari-
zação (aprendizagem) ao exercício. A utilização de apenas uma
ou duas tentativas de 1-RM pode subestimar o verdadeiro valor
de 1-RM em até 11 %.

4.4.1 Diferenças Sexuais na Força Muscular

Existem várias abordagens para determinar se existe uma di-


ferença sexual verdadeira na força muscular. Elas incluem a avaliação:

1) da área em corte transversal do músculo;

426
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

2) em base absoluta, como força total exercida;

3) como força relativa relacio­nada ao peso corporal e à massa


magra (MM).

As comparações da força muscular ab­soluta (força total


em kg) indicam que homens são mais fortes que mulheres para
todos os grupos musculares testados. Os valores das mulheres são
cerca de 50% mais baixos para a força dos membros superiores
e cerca de 30% menores para a força das pernas comparada aos
homens. Essa diferença coincide com a dife­rença relacionada ao
sexo na distribuição da massa muscular. Como seria o
desempenho no teste
Para comparar o desempenho de força entre indivíduos é de 1RM de um homem
necessário criar uma relação do valor de força por uma medida e uma mulher com o
tamanho corporal e o
de referência (peso corporal, MM, corte transversal do músculo histórico de treinamento
similares?
ou cir­cunferência do membro). Ao comparar homens e mulheres
em termos de força muscular relativa utilizando uma relação com
o peso corporal ou MM as diferenças de força absoluta são dimi-
nuídas ou eliminadas. Isso apóia o argumento de que não existe
diferença na qualidade do músculo de homens e mulheres; a
diferença na força abso­luta entre os sexos reflete diferenças na
quantidade do músculo e não nas características arquiteturais ou
metabólicas de suas fibras.

4.5 treino de Força

A forma mais popular de treinamento de resistência en-


volve o levantamento de pesos. O equi­pamento padronizado para
levantamento de pesos, as polias, as molas, as barras imóveis ou
uma ampla variedade de dispo­sitivos isocinéticos e hidráulicos,
proporciona uma sobrecarga muscular efetiva. Este método fortale-
ce os mús­culos exercitados por induzí-los a superar uma resistên-
cia. Para alguns indi­víduos, o treino de resistência intensivo pode
produzir um aumento de 2 a 3 vezes no tamanho do músculo.

427
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

A intensidade da so­brecarga, que é o nível de tensão aplicada ao músculo,


governa os apri­moramentos de força e não o tipo de exercício que aplica a
sobrecarga. Como regra geral, o músculo aumenta a força quando trei­nado
próximo de sua atual capacidade de gerar força. Os aumentos iniciais na
força mus­cular com o treino de resistência resultam, em grande parte, de
fatores neurais e não de alterações estruturais nas fibras musculares.

Entretanto, certos métodos de exercíci­os são mais apro-


priados para a aplicação precisa da sobrecarga. O treinamento
progressivo com pesos de resistência, o treinamento isomé-
trico e o treinamento iso­cinético são três sistemas de exer-
cícios para treinar os músculos para se tornarem mais fortes.
O exercício com resistência progressiva (ERP) constitui uma
aplicação prática do princípio da sobrecarga e representa a base
da maioria dos programas com treinamento de resistência.

4.5.1 Diferentes Formas de Contração Muscular

A estimulação neural de um músculo faz com que os ele-


mentos contráteis de suas fibras tendam a se encurtar ao longo
do eixo longitudinal. O termo isométrico (ou estático) descreve a
ati­vação muscular sem modificação perceptível no comprimento
das fibras musculares e a contração dinâmica produz movimento
do esqueleto. O termo isotônico, se refere às contrações mus-
culares dinâmicas (concên­tricas e excêntricas) realizadas com
mesma tensão.

Contração concêntrica ocorre quando o músculo se encurta e gera movi-


mento articular à medida que a tensão aumenta.

Contração excêntrica ocorre quando a resistência externa ultrapassa a


força muscular e o músculo se alonga à medida que a tensão aumenta.
O peso é abaixado lentamente contra a força da gravida­de. As contrações
musculares concêntricas e excêntricas combinadas aumentam a eficácia
do treinamento de resistência no sentido de aprimorar a força muscular e o
tamanho das fibras. O treinamento com sobrecarga que inclui contrações
musculares concên­tricas também preserva os aumentos de força muito me-

428
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

lhor durante a fase de manutenção que apenas o treinamento concêntrico.

Contração isométrica (estática) ocorre quando o músculo gera força e ten-


ta se encurtar mas não consegue superar a resistência externa. Do ponto de
vista da física, este tipo de contração muscular não produz trabalho externo.
Entretanto, a contração isométrica pode gerar uma quantidade consi­derável
de força apesar da ausência de encurtamento perceptível dos sarcômeros
musculares e do movimento articular.

4.5.2 Treinamento de Resistência para


Crianças e Adolescentes
Estudos acer­ca dos benefícios ou possíveis riscos do trei-
namento de resis­tência para crianças ainda são escassos. Por cau-
sa da natureza formativa do sistema esquelético das crianças em
crescimento, sur­gem preocupações sobre a ocorrência de lesões
em virtude da sobrecarga músculo-esquelética excessiva (fraturas
epifisárias, ruptura dos discos intervertebrais, altera­ções ósseas e
traumatismos agudos da região lombossacra). Além disso, o perfil
hormonal da criança não atingiu o desenvolvimento pleno, em par-
ticular o hormônio testosterona responsável pela síntese tecidual.

As­sim, podemos questionar se o treino de resistên­cia em crianças é capaz


de aprimorar signifi­cativamente a força. É provável que os aumentos de for-
ça em crianças resultem prin­cipalmente do aprendizado e melhora na ativa-
ção neuromuscular e não de aumentos substanciais no tamanho do músculo.
O treinamento de resistência devidamente supervisionado, que utiliza apenas
contrações concêntricas com muitas repetições e pouco peso, aprimora a força
muscular sem qualquer efeito adverso so­bre o osso, o músculo ou o tecido
conjuntivo. Precisamos de mais estudos sobre os benefícios, os riscos, e os
efeitos em longo prazo da sobrecarga muscular regular sobre o crescimento
e o desenvolvimento de crianças. Veja recomendações prudentes para ini-
ciar um treinamento de resistência em crian­ças e adolescentes (Quadro 4).

429
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

DIRETRIZES PARA O TREINAMENTO COM EXERCÍCIOS DE RESISTÊNCIA E


QUADRO 4
PROGRESSÃO EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

IDADE (ANOS) CONSIDERAÇÕES

7 OU MENOS Introduzir a criança aos exercícios básicos com pouco ou nenhum peso; elaborar o conceito
de uma sessão de treinamento; ensinar as técnicas dos exercícios levemente resistidos,
manter o volume baixo.

Aumentar gradualmente o número de exercícios; praticar a técnica do exercício em todos os


levantamentos; começar com uma carga progressiva e gradual dos exercícios; proporcionar
8-10
exercícios simples; aumentar gradualmente o volume do treinamento; monitorar com
extremo cuidado a tolerância ao estresse do exercício.

Ensinar todas as técnicas básicas dos exercícios; dar continuidade com uma carga
11-13 progressiva de cada exercício; enfatizar as técnicas dos exercícios; introduzir exercícios
mais avançados com pouca ou nenhuma resistência.

Progredir para programas mais avançados para jovens no exercício de resistência;


14-15 acrescentar componentes específicos para cada desporto; enfatizar as técnicas do
exercício; aumentar o volume.

Conduzir a criança para programas adultos de nível inicial depois que todo o conhecimento
16 ou mais
básico foi elementar de experiência com o treinamento.

Se uma criança de qualquer idade inicia um programa sem qualquer experiência


prévia, iniciar a criança nos níveis precedentes e conduzi-la para níveis
mais avançados conforme permitido pela tolerância ao exercício, habilidade,
quantidade de tempo dedicado ao treinamento e compreensão

Quais as características de um treino de


resistência para crianças que respeite
suas individualidades de crescimento e
desenvolvimento?

430
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

4.5.3 Diretrizes do Treinamento de Resistência

Atualmente, vários órgãos reguladores da saúde conside­ram o exercício de


resistência regular um compo­nente importante de um programa de aptidão
física relacionada à saúde. O treinamento de resistência para atletas compe-
titivos visa aprimorar a força, potência e hipertrofia muscular (alta intensidade
de treinamento com 1 a 6-RM). Em contrapartida, os objetivos para adultos
de mais idade concentram-se em manter e se possível aumentar a força, a
endurance e a massa dos múscu­los e dos ossos, melhorando a saúde global
e o perfil de apti­dão física com séries únicas de exercícios diversificados com
8 a 15-RM de intensidade moderada no mínimo de duas vezes por semana.
A força muscular adequada na meia idade mantém uma segurança para
prevenir a ocorrência de lesões nas fases sub­seqüentes da vida.

A periodização divide o período de treinamento com resis-


tência (macrociclo) em ciclos menores (mesociclos); que por
sua vez são divididos em microciclos semanais. A compartimen-
talização do treinamento permite enfatizar sobrecargas variadas e
necessidades neuromuscu­lares específicas de cada desporto; mi-
nimiza a estafa e os efeitos do supertreinamento; e permite o foco
no treinamento a longo prazo, para que o desempenho máximo
coincida com a competição. Com a proximidade da competição, o
volume de treino diminui e a intensidade aumenta gradualmente.

Os princípios do treinamento são aplicados na periodização para elaborar o


treinamento com base nas necessidades de força, potência e endurance de
determinado desporto. A análise detalhada das necessidades metabólicas
do desporto também determina o treinamento.

- Treinamentos mistos de força e endurance

Programas concomitantes de treino de resistência e endu-


rance produzem menos aprimoramento da força e potência muscula-
res que o treinamento específico de força. Isso explica em parte por-
que atletas de po­tência e fisiculturistas se abstêm de atividades
de endurance. O maior gasto de energia e, talvez de proteínas, do
treinamento de endurance intenso pode limitar o crescimento do

431
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

músculo e a resposta metabólica ao treinamento de resistência.


Entretanto, essas considerações não afetam quem deseja obter
um condicionamento bem dis­tribuído com benefícios específicos
de aptidão e de saúde proporcionados por ambas as modalidades
de treina­mento com exercícios.

- Especificidade da Resposta ao Treinamento

O músculo treinado isometricamente tem maior aprimo­


ramento de força quando medido isometricamente, e o músculo
treinado dinamicamente tem melhores resultados quan­do ava-
liado em atividades que exigem mo­vimento. A força isométrica
desenvolvida ao nível de um determinado ângulo articular não é
transferida para outros ângulos ou posições corporais do mes-
mo músculo (espe­cificidade para a posição corporal do aprimo-
ramento da força). A produção de força máxima de um múscu-
lo depende de fatores neurais que recrutam efetivamente e
sincronizam o disparo de várias unidades motoras e não ape-
nas de fatores locais como o tipo de fibras e a área muscular.

O treinamento de resistência por si só não induz adap-


tações gene­ralizadas na estrutura e função dos músculos. Pelo
contrário, as propriedades contráteis de um músculo (força má-
xima, veloci­dade de encurtamento, ritmo de desenvolvimento da
tensão) melhoram de maneira altamente específica para a con-
tração muscular utilizada no treinamento. Apesar dos métodos de
trei­namento estáticos e dinâmicos produzirem aumentos significa-
tivos da força, nenhum sistema é superior ao outro nas diversas
avaliações da função muscular. A decisão do tipo de treino se
relaciona com a finalidade almejada para a força a ser adquirida.
Para aprimorar o desempenho físico específico através do treino
de resis­tência, deve-se treinar o(s) músculo(s) em movimentos
que si­mulam o movimento que requer o aprimoramento na força,
com consideração específica para as exigên­cias de força, veloci-
dade e potência.

432
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

- Treinamento Pliométrico

Para desportos que exigem poderosos movimentos propulsi­


vos como futebol, voleibol, corridas de alta velocidade, salto em
altura, salto em distância e outros, se utiliza uma forma especial
de treinamento com exercícios, a pliometria, ou treinamento com
saltos explosivos. O exercício pliométrico sobrecarrega o músculo
de forma a proporcionar um estiramento forçado e rápido cha-
mada de fase excêntrica ou de estiramento imediatamente antes
da fase concêntrica chamada de encurtamento. Como em muitas
situações nos desportos, a fase de alongamento rápido produz
um movimento subseqüente mais vi­goroso, principalmente por al-
cançar maior quantidade de energia potencial antes da contração
concêntrica de encurtamento e por induzir os reflexos segmenta-
res que potencializam a ativação muscular subseqüente.

4.6 Fatores que Modificam a Expressão


da Força Humana

Fatores psicológicos, neurais e musculares influenciam a


expressão da força humana. Um programa de treino de resistên-
cia modifica muitos componentes desses fatores enquanto outros
continuam sendo resistentes ao treinamento, determinados pro­
vavelmente por dotes naturais ou estabelecidos no início da vida.

Fatores Psicológicos-Neurais - uma facilitação neural apri-


morada é responsável pelos aumentos rápidos e significa-
tivos na força obser­vados no início do treinamento, que cos-
tumam ocorrer sem um aumento no tamanho e na área em
corte transversal do mús­culo. As adaptações neurais que
ocorrem com o treinamento de resistência podem resul-
tar da maior eficiência nos padrões de recrutamento neural,
maior ativação do sistema nervoso central, melhor sincroni-
zação das unidades motoras, embotamento dos reflexos ini-
bitórios neurais e inibição dos órgãos tendinosos de Golgi.

Fatores Musculares - A desinibição psicológica e os fatores


relacionados ao aprendizado modificam profundamente a for-

433
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

ça muscular na fase inicial do treinamento, porém a verdadeira


capacidade de gerar força depende de fatores anatômicos e
fisiológicos dentro da unidade articular-muscular.

O aumento na tensão muscular (força) proporciona o es-


tímulo primário para dar início ao crescimento do músculo es-
quelético (hipertrofia muscular) pelo treino com exercícios de
resistência. O estresse mecânico imposto aos componentes do
sistema mus­cular induz as proteínas sinalizadoras a ativarem os
genes que estimulam a síntese protéica. O crescimento muscular
do treino com sobrecarga aumenta o volume das fibras musculares
individuais. O processo hipertrófico está acoplado ao aumento no
número de núcleos e na síntese de com­ponentes celulares (miosina
e actina). O crescimento muscular pode resultar da lesão repetida
das fibras musculares (contrações excêntricas) seguida por uma
supercompensação da síntese protéica a fim de produzir um efeito
anabólico global. As miofibrilas das células sofrem espessamen­to
e aumentam em número, e a síntese protéica acelerada ajuda na
formação de novos sarcômeros. O ATP intramuscular, a fosfocrea-
tina e o glicogênio, também, so­frem um aumento significativo.

Outras alterações são o aumento na síntese de DNA, a


prolifera­ção de células do tecido conjuntivo e de células sa­télites
adjacente às fibras musculares que aprimoram a integridade es­
trutural e funcional de tendões e ligamentos, protegendo as arti-
culações e os músculos de possíveis lesões.

Com relação aos tipos de fibra muscular (I e II), existe uma


plasticidade significativa para o potencial metabólico. O treina-
mento específico amplia a capacidade de transferência de energia
aeróbica e anaeróbica nos dois tipos de fibra. O treino de enduran-
ce aumenta a capacidade oxidativa das fibras de contração rápi-
da até um nível quase igual à capaci­dade aeróbica das fibras de
contração lenta não treinadas. A idade não representa uma barreira
para as adap­tações ao treinamento das fibras musculares.

O treino de endurance pode induzir a conversão de algu-


mas fi­bras tipo IIb para as fibras tipo IIa (mais aeróbicas). O aumen­
to no tamanho e número das mitocôndrias e aumento correspon-
dente na quantidade total nas enzimas do ciclo do ácido cítrico e

434
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

do transporte de elétrons acompanham essas modificações, mas


só as fi­bras musculares treinadas especificamente apresentam
estas adaptações. Isso explica porquê atletas bem treinados que
passam a praticar outro desporto que usa diferente gru­po mus-
cular ou porções diferentes do mesmo músculo se sentem des-
treinados nas novas atividades. Nadadores com músculos bem
desenvolvidos nos membros superiores não conseguem transferir
sua aptidão para um desporto que depende predominantemente
da musculatura dos segmentos inferiores (ex: corrida).

Fatores Neuromusculares – Já sabemos que os fatores neu-


rais contribuem para a expressão da força muscular. Mas o me-
canismo preciso das mudan­ças no controle neuromuscular com
o treinamento de resistência ainda não foi esclarecido. A comple-
xidade da tarefa do exercício também determina a evolução da
adaptação neural. Contrações mais complexas, com múltiplas
articulações e músculos, necessitam de mais tempo para que
as adaptações neuromusculares ocorram.

4.7 Estresse Metabólico do Treinamento


de Resistência

Métodos tradicionais do treinamento de resistência proporcio­


nam apenas um mínimo estímulo para a aptidão cardiovascular,
redução da gordura corporal, perfil dos lipídios sangüíneos e outros
fatores de risco para doença cardíaca. Um programa de treinamento
de força de alta intensidade não produz qualquer aprimoramen-
to no VO2, nem na freqüência cardíaca e no volume sistólico do
exercício submáximo, mas pode cau­sar um pequeno aumento no
volume sangüíneo. A ausência de aprimoramento cardiovascular
advém da deman­da metabólica e circulatória total ser relativamen-
te baixa (pequeno período de ativação e massa muscular em ação).
Entretanto, o treinamento de resistência impõe um con­siderável es-
tresse localizado à músculos específicos.

435
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

4.8 Dor e Rigidez Musculares


Após realizar um exercício para o qual não estava prepa-
rado, a maioria das pessoas experimenta dor e rigidez nas articu-
lações e nos múscu­los. A dor temporária aparece imediatamente
depois do exercício e pode persistir por várias horas, enquanto uma
dor muscular de iní­cio tardio (DMIT) aparece subseqüentemente
e pode persistir por 3 ou 4 dias. Os seguintes fatores podem produzir
DMIT:

1) lacerações minúsculas no tecido muscular ou dano de seus


componentes contráteis com liberação de creatina cinase, mio-
globina e troponina, marcadores de danos nas fibras musculares;

2) modificações da pressão osmótica que causa retenção de líqui-


dos nos tecidos circundantes;

3) espasmos musculares;

4) estiramento excessivo e talvez laceração de porções do tecido


conjuntivo do músculo ou tendões;

5) inflamação aguda;

6) alteração no mecanismo celular de regulação do cálcio e;

7) uma combinação desses fatores.

Esta dor não se relaciona com o acúmulo de lactato. Fibras


de contração rápida com baixa capacidade oxidativa mostram
maior vulnerabilidade ao dano que ocorre vários dias após o exer-
cício do que o que ocorre no período imediato pós-exercício. Uma
sessão de exercício leve proporciona uma proteção significativa
contra a dor muscular durante exercícios subse­quentes nas próxi-
mas semanas, mas até mesmo o exercício precedente de menor
intensidade de múscu­los específicos não proporciona uma prote-
ção completa contra a DMIT observada com um exercício mais
intenso.

Alterações no pH, nos fosfatos intramusculares de alta


ener­gia, no equilíbrio iônico ou na temperatura, que ocorrem quan-
do o indivíduo faz um exercício para o qual não estava habituado,

436
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

produ­zem modificações na estrutura e função do retículo sarco-


plasmático. Esses efeitos deprimem os ritmos de captação e libe-
ração de Ca2+ e aumentam sua concentração no citoplasma das
fibras lesionadas. A sobrecarga de Ca2+ intracelular pode contribuir
para o processo que degrada as estruturas contráteis nas fibras
muscula­res lesionadas, resultando em dor e menor capacidade de
gerar força.

Os mecanismos precisos da dor muscular não são conheci-


dos, po­rém o grau de desconforto depende da intensidade e da du-
ração do esforço assim como do tipo de exercício realizado. O dano
ou a dor muscular preexis­tente em virtude de um exercício prévio
não exacerba o dano mus­cular subseqüente nem afeta o proces-
so de reparo.

Hora de praticar
Com base no que você estudou na unidade 4, responda às questões abaixo de forma completa e
objetiva e envie suas respostas ao fórum de discussão: “Hora de praticar 4”.
Questões:
1) Resuma os princípios do treinamento com exercícios (sobrecarga, especificidade, diferen-
ças individuais e reversibilidade).
2) Relacione as principais adaptações fisiológicas, metabólicas, cardiovasculares e pulmona-
res do treinamento aeróbico.
3) Descreva a influência do nível inicial de aptidão, e da freqüência, duração e intensidade
do treinamento aeróbico.
4) Quais as recomendações da quantidade e qualidade de exercício para desenvolver a ap-
tidão cardiorrespiratória, muscular e a flexibilidade em adultos sadios?
5) Compare o treinamento com exercícios aeróbicos contínuos e intermitentes, mencionan-
do as vantagens e desvantagens de cada um deles.
6) Liste as adaptações fisiológicas do treinamento com exercícios de resistência.
7) Discuta a conveniência do treinamento de resistência para crianças e adolescentes.
8) O que é a dor muscular de início tardio?

437
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 4 APRIMORANDO A CAPACIDADE DE TRANSFERÊNCIA DE ENERGIA

Atividades físicas são veis de treinamento que correspondem de


classificadas pelo siste- 60 a 90% da FCmax, induzem efetivamente
ma de transferência de a alterações na aptidão aeróbica.
energia que elas ativam
O treinamento progressivo com
predominantemente.O
peso, a isometria e o treinamento isocinéti-
treina­mento efetivo deve estimular estes
co são os principais sistemas para desen-
sistemas energéticos de forma apropriada
volver a força muscular, com aumentos de
para aprimorá-los fisiologicamente. A so-
força altamente específicos para o tipo de
brecarga, a especificidade, as diferenças
treinamento.
individuais e a reversibilidade representam
os princípios primários do treinamento. A sobrecarga específica aumenta a
força e estimula seletivamente a hipertrofia
As adaptações induzidas pelo trei-
muscular, que inclui: síntese protéica com
namento aeróbico e/ou anaeróbico incluem
espessamento das miofibrilas, proliferação
alterações funcionais e dimensionais nos
de células do tecido conjunti­vo e maior
sistemas cardiovascular, respiratório e me-
número de células satélites ao redor das
tabólico (muscular) e varia com as modali-
fibras. O aumento da força depende ainda
dades específicas de treinamento.
do recrutamento das unidades moto­ras, do
Os fatores que afetam os aprimora- padrão de acionamento dos motoneurô-
mentos do treinamento incluem o nível ini- nios e dos elementos contráteis das fibras
cial de aptidão; a freqüência, intensidade e musculares.
duração do exercí­cio; e o tipo ou modalida- As contrações musculares excêntri-
de de treinamento. Desses, a intensidade cas induzem uma DMIT muito mais intensa
do exercício é o fator mais importante. que as contrações concêntricas ou isomé-
Pode-se aplicar a intensidade do tricas. Assim, deve-se iniciar com exercícios
treinamento relacionando a intensi­dade do leves e progredir gradualmente com desen-
exercício a um percentual da FCmax. Os ní- volvimento significativo da força muscular.

438
FUNDAMENTOS
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS
FISIOLÓGICOS DA
DA EDUCAÇÃO
EDUCAÇÃO FÍSICA
FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

UNIDADE 5

Termorregulação

Os seres humanos mantêm uma temperatura média de 37°C, mas conseguem


tolerar quedas de 10°C e aumento de 5°C na temperatura corporal. O meio ambiente
pode acrescentar calor (dias quentes) ou retirar calor (dias frios) do corpo. O exercício
físico aumenta a produção de calor. Estas mudanças de temperatura corporal precisam
ser reguladas para evitar a hipertermia que é o aumento excessivo ou hipotermia que é
a diminuição excessiva da temperatura corporal.
Nesta Unidade abordaremos os conceitos da termorregulação, compreendendo
os mecanismos e estratégias para lidar com mudanças na temperatura corporal.

Objetivos
Nesta Unidade vamos:

discutir o papel do hipotálamo na regulação da temperatura corporal;

apresentar os fatores que contribuem para o ganho e a dissipação de calor corporal;

discutir o papel do sistema circulatório na regulação da temperatura corporal;

apresentar os aspectos da desidratação e hidratação na regulação da temperatura;

discutir os ajustes fisiológicos, os sintomas e o tratamento para as lesões causadas


pelo estresse térmico, frio ou calor excessivos.

439
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

5.1 Mecanismos da Termorregulação

A temperatura representa a energia cinética média das moléculas de uma


substância. Ajustes circulatórios proporcionam a “sintonia delicada” para
a regulação da temperatura corporal à 37°C.

A conservação de calor ocorre quando o sangue é desvia-


do para áreas mais internas, como cavidades craniana, torácica e
abdominal, e ainda, para os músculos, aumentando o isolamento
do sangue em relação às extremidades mais frias. Inversamente,
quando o calor interno aumenta, os vasos perifé­ricos se dilatam e
o sangue aquecido flui para a periferia mais fria. A compreensão
sobre os mecanismos que regulam a temperatura corporal pode
ajudar a manter a saúde, a performance e até prevenir tragédias.

A temperatura central, dos tecidos mais profundos, represen-


ta um equilíbrio dinâmico entre fatores que acrescentam e subtra-
em calor ao corpo. A exposição ao calor ou frio desencadeia meca-
nismos termorreguladores que geram e conservam calor nas baixas
temperaturas ambientes e dissipam calor nas altas temperaturas.

O hipotálamo contém o centro regulador da temperatura. Esse grupo


de neurônios especializados atuam como “termostato” — em geral
estabelecido e regulado em 37°C ± 1°C — que faz continuamente os ajustes
termorreguladores para os desvios em relação a um padrão térmico. O
hipotálamo induz ajustes em resposta ao influxo proveniente dos recepto­res
térmicos na pele e de mudanças na temperatura do sangue que perfunde a
região hipotalâmica.

Os receptores térmicos periféricos respondem às modifi-


cações rápidas no calor e no frio. Eles atuam predominantemente
como terminações nervosas livres na pele e agem como um
“sistema de alerta inicial” retransmitindo a informação sensorial
ao hipotálamo e ao córtex. Esse influxo direto desencadeia ajus-
tes fisiológicos apropriados para con­servar ou a dissipar calor.

440
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

O centro regulador hipotalâmico superior desempenha o papel primário na


manutenção do equilíbrio térmico.

Os receptores cutâneos para o frio são mais numerosos


e, em geral, estão localizados próximo da superfície cutânea. Em
contraste com a importância dos receptores periféricos na identi-
ficação do frio, a temperatura do sangue que perfunde o hipotála-
mo proporciona o meio primário para monitorar o calor corporal.

5.1.1 Produção, Conservação e Liberação de Calor

O gradiente normal de transferência de calor flui do cor-


po para o meio ambiente e a regulação da temperatura central
não envolve qualquer sobrecarga fisiológica. No entanto, a perda
excessiva de calor pode ocorrer no frio extremo. Nesse caso, a
produção de calor pelo corpo aumenta enquanto a perda de calor
torna-se mais lenta a fim de minimizar qualquer declínio na tem-
peratura central.

A estimulação dos receptores cutâneos ao frio produz constrição dos


vasos sangüíneos periféricos, o que reduz imediatamente o fluxo de sangue
quente para a superfície corporal mais fria e o redireciona para as regiões
centrais mais quentes.

Uma pessoa com gordura corporal excessiva exposta ao


estresse induzi­do pelo frio pode ser grandemente beneficiada por
esse mecanismo responsável pela conservação do calor. Para
uma pessoa vestida com roupa leve e com um conteúdo normal
de gordura corporal, a regulação do fluxo sangüíneo cutâneo pro-
porciona uma termorregulação efetiva em temperaturas ambien-
tes entre 25 e 29°C.

441
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

Os calafrios geram uma quantidade significativa de calor metabó­lico,


porém a atividade física faz a maior contribuição na defesa contra o frio.
O metabolismo energético do exercício mantém uma temperatura central
constante em um ambiente frio sem depender de uma vestimenta restritiva
e pesada funcionando como barreira.

É a temperatura interna, e não a produção de calor pelo


corpo em si, que medeia a resposta termorreguladora no frio. Os
calafrios, ainda, ocorrem durante o exercício rigoroso se a tempe-
ratura central for baixa. Como resultado, o estres­se induzido pelo
frio acarreta um consumo de oxigênio mais alto durante o exercí-
cio, em virtude dos calafrios, que ao realizar o mesmo exercício
em um ambiente mais quente.

A maior produção de calor durante a exposição ao frio re-


sulta em parte da ação dos 2 hormônios: a adrenalina e nora-
drenalina. O estresse induzido pela exposição prolongada ao frio
estimula, também a liberação de tiroxina, o hormônio tireóideo
que induz um maior metabolismo em repouso.

Em suma, a conservação do calor no estresse induzido


pelo frio resulta de ajustes vasculares que desviam o sangue da
periferia mais fria para tecidos profundos mais quentes do cor-
po; se esse mecanismo for ineficaz, os calafrios proporcionam um
influxo significativo de calor metabólico. O estresse prolonga­do
induzido pelo frio estimula a liberação dos hormô­nios que elevam
o metabolismo de repouso.

A estimulação dos receptores cutâneos ao calor produz ajustes para


a perda de calor corporal, protegendo contra o superaquecimento. A
dissipação efici­ente do calor torna-se crucial durante o exercício realizado
em um clima quente, quando existe uma competição inerente en­tre os
mecanismos que mantêm um grande fluxo sangüí­neo muscular e os
mecanismos termorreguladores.

442
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

Existem várias opções para a permuta de calor duran­te o


exercício, que ocorre através de quatro processos físicos: radia-
ção, condução, convecção e evaporação (Ilustração 27).

Radiação - Essa forma de transferência de calor não re-


quer contato molecular entre os objetos. Um exemplo é o efeito
de aquecimento do Sol sobre a Terra. Normalmente nosso corpo
é mais quente que o meio ambiente, e a permuta de energia tér­
mica radiante se processa do corpo, sem contato, para os objetos
mais frios no meio ambiente. Mas a pessoa pode absorver calor
radiante da luz solar direta ou por reflexão como na neve, na areia
e na água, até mesmo em temperaturas negativas. Quando a tem-
peratura do ambiente ou de um objeto ultrapassa a temperatura
da pele, o corpo absorve calor radiante e, nestes casos, a evapo-
ração é o único meio para a perda de calor.

Condução - A permuta de calor por condução envolve


a transferência do calor de uma molécula para outra através do
contato com um líquido, sólido ou gás. A circulação transporta
a maior parte do calor corporal, mas uma pequena quantidade
se movimenta por condução direta, dos tecidos profundos para
a superfície mais fria. A perda de calor por condução envolve o
aquecimento das moléculas de ar e das superfícies mais frias
quando em contato com a pele. O ritmo da perda de calor por con-
dução depende de dois fa­tores: o gradiente de temperatura entre
a pele e as superfí­cies circundantes, e suas qualidades térmicas. Por que a mão na água
A água absorve milhares de vezes mais calor que o ar e o conduz parece muito mais fria
que a mão no ar, mesmo
para longe da parte corporal mais quente. a água e o ar tendo tem-
peraturas idênticas?
Convecção - A eficácia da perda de calor por condução
depende da rapidez com que o ar ou água adjacente ao corpo
é permutado após ter sido aquecido. Se o movimento do ar ou
(água) é lento, o ar (água) próximo da pele se aquece e age como
uma “zona de isolamento” que minimiza a perda de calor por con-
dução. Inversamente, se o ar mais frio (vento) ou (água mais fria
ao se mexer na piscina) substitui continuamente o ar (água) mais
quente ao redor do corpo, a perda de calor aumenta porque a
convecção substitui continuamente a zona de isola­mento.

443
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

Evaporação - A evaporação proporciona a principal defesa contra o


supera­quecimento. O suor por si só não resfria a pele; é a evaporação que
esfria a pele.

A água que se vaporiza a partir das vias repiratórias e


da superfície cutânea transfere calor continuamente para o meio
ambiente. A superfície do corpo contém cerca de 2 a 4 milhões
de glân­dulas sudoríparas, que, durante o calor, secretam grandes
quantidades de solução salina hipotônica, o suor = 0,2 a 0,4% de
NaCl. A evaporação do suor a partir da pele exerce um efeito de
esfriamento. Por sua vez, a pele es­friada resfria o sangue desvia-
do dos tecidos internos para a su­perfície.

Ilustração 27 – Fatores térmicos ambientais, a produção de calor no músculo


ativo e sua transferência das regiões centrais para a pele.

5.2 Mecanismos de Dissipação do


Calor
Os mecanismos para a perda de calor são os mes­mos,
independentemente da origem interna (calor metabólico) ou ex-
terna (calor ambiental).

444
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

Circulação - Em clima quente ou durante o exercício vigoroso, a freqüên­


cia cardíaca e o débito cardíaco aumentam enquanto os vasos san­güíneos
superficiais se dilatam a fim de des­viar o sangue para a superfície do corpo
favo­recendo a perda de calor por radiação para o meio ambiente, parti­
cularmente a partir das mãos, da fronte (face avermelhada), dos antebraços,
das ore­lhas e das áreas tibiais.

Evaporação - A transpiração começa poucos minutos após o início do


exercí­cio e alcança um equilíbrio cerca de 30 minutos depois, de maneira
diretamente proporcional à carga do exercício. A defesa térmica é mais
efetiva quando o esfriamen­to evaporativo combina-se com um grande
fluxo sangüíneo cu­tâneo, que depois de esfriado flui para os tecidos mais
profundos, retirando calor adicional em seu retorno para o coração.

Ajustes Hormonais - a transpiração produz perda de água e eletrólitos e o


estresse induzido pelo calor desencadeia ajustes hormonais para conservar
sais e líquidos.

O estresse do calor estimula a liberação do hormônio al-


dosterona, que aumenta a reabsorção do sódio nos túbulos re-
nais e reduz a osmolalidade do suor, conservando eletrólitos. Ao
mesmo tempo, o exercício e a hipoidratação estimulam a libe-
ração de vasopressina (hormônio antidiurético) que eleva a re-
absorção de líquidos nos túbu­los renais, tornando a urina mais
concentrada. A magnitude da liberação de aldosterona e de
vasopressina de­pende da gravidade da hipoidratação e da inten-
sidade do exercício.

Vestimenta - A vestimenta isola o corpo de suas adjacências, podendo


reduzir a absorção de calor radiante em um ambiente quente ou retardar a
perda de calor por condução e convecção no frio. A roupa ideal para clima
quente é leve, folgada e de cor clara e a perda de calor corporal será
otimizada quando a roupa ficar úmida, permitindo o esfriamento evaporativo;
a roupa úmida perde suas propriedades isolantes. No frio o ideal é vestir
várias camadas de roupa que aumentam a quantidade de ar isolante entre
o corpo e o meio ambiente frio.

445
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

5.2.1 Termorregulação em Exercício no Calor

À medida que a temperatura ambiente aumenta, a condu-


ção, a convecção e a radiação reduzem a perda de calor corporal.
Quando a temperatura ambiente ultrapassa a temperatura cor-
poral, o corpo passa a ganhar calor por esses três mecanismos.
Nessas condições ambientais, a evaporação se torna o único meio
para a dis­sipação do calor, induzindo aumentos proporcionais no
ritmo de transpiração. Três fatores influenciam a quantidade total
de suor vaporizado pela pele ou vias respiratórias:
superfície expota ao meio ambiente;
temperatura e umidade relativa do ar ambiente;
correntes aéreas de convecção ao redor do corpo.

A umidade relativa é o fator determinante da eficácia da


perda de calor por evaporação. Em alta umidade, a pressão do
vapor ambiente se aproxima daquela da pele úmida e a evapo-
ração diminui; o suor se transforma em gotas na pele que caem.
Essa transpiração representa uma perda inútil de água que pode
produzir desidratação e superaquecimento. Enxugar a pele tam­
bém dificulta o esfriamento evaporativo. Temperaturas ambientes
altas são mais toleradas quando a umidade relativa é baixa.

Durante o exercício em clima quente é a evaporação que


dissi­pa o calor metabólico, diminuindo as reservas líquidas do cor-
po. A transpiração excessiva acarreta a perda de líquido e a redu-
ção do volume plasmático que, em casos extremos pode causar
insuficiência cir­culatória e aumento da temperatura central a ní-
veis letais.

- Ajustes Circulatórios

O corpo se depara com duas demandas cardiovasculares


com­petitivas ao se exercitar em clima quente: os músculos ne-
cessitam do fornecimento de sangue e oxigênio para manter o
metabolismo energético, mas o sangue precisa ser desviado para
a pele para esfriar o corpo, sem que possa fornecer oxigênio aos
músculos ativos.

446
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

O exercício submáximo produz débitos cardíacos semelhan­tes em ambientes


quentes e frios. Entretanto, o volume sistóli­co do coração costuma ser mais
baixo no calor em proporção direta com o déficit de líquido criado no exercício,
ou seja, a redução no volume sanguíneo. Isto corresponde a freqüências
cardíacas mais altas em todos os exercícios no calor. Em contrapartida, no
exercício máximo, mesmo o aumento na freqüência cardíaca não consegue
contrabalançar a redução no volume sistólico, o que acarreta a queda no
débito cardíaco máximo.

Para manter um fluxo sangüíneo cutâneo e muscular ade-


quado em exercício no calor é necessário que outros tecidos (renal,
visceral e esplâncnico) comprometam temporariamente seu supri-
mento sangüíneo. A redução significativa e prolongada no fluxo
sangüíneo nestes tecidos contribui para o núme­ro relativamente
grande de complicações hepáticas e renais ob­servadas durante
exercício no calor.

- Pressão Arterial

Em exercício, a vasoconstrição visceral redistribui o san-


gue para a pele e os tecidos ativos, o que eleva a re­sistência vas-
cular total. Um equilíbrio entre a dilatação e a constrição em ge-
ral mantém valores normais de pressão arterial. Entretanto, em
exercício árduo, com aumento da transpiração e desidratação,
uma quantidade menor de san­gue é desviada para as áreas pe-
riféricas para dissi­par calor. O fluxo sangüíneo periférico reduzido
reflete a tentativa do corpo de manter o débito cardíaco mesmo
com diminuição no volume plasmático.

A regulação circulatória e o fluxo sangüíneo mus­cular adquirem prioridade


em relação à regulação da tem­peratura durante o exercício no calor.
No calor, mesmo em exercício submáximo sem sobrecarga fisiológica
excessiva, há uma maior dependência do metabo­lismo anaeróbico que em
condições mais frias. Isso resulta em acúmulo precoce de lactato, desgaste
das reservas de glicogênio e fadiga prematura. O acúmulo de lactato ocorre
por menor captação de lactato pelo fí­gado por causa do fluxo hepático
reduzido e catabolismo muscular reduzido do lactato circulante, pois parte
do débito cardíaco é desviada para a pele para dissipar calor.

447
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

- Temperatura Central Durante o Exercício

O calor gerado pelos músculos ativos pode elevar a


temperatu­ra central a níveis mais altos que o normal. A elevação
moderada na temperatura central pode representar um ajuste fa-
vorável que aprimora as fun­ções fisiológicas e metabólicas. Entre-
tanto, indivíduos com boa aptidão aeróbica podem trabalhar por
períodos longos em ambientes quentes e tolerar níveis mais altos
de temperatura. Mas a elevação da temperatura central a níveis
muito altos (> 38 a 40°C) prejudica o desempenho nos exercí-
cios para indivíduos treinados e destrei­nados gerando a fadiga.

O exercício leve (50% do VO2max) realizado em ambiente confortável eleva


a temperatura central até aproximadamente 37,3°C, enquanto o exercício
moderado (75% do VO2max) eleva a temperatura para 38,5°C. O calor
metabólico extra se dissipa na pessoa treinada graças à maior produção de
suor assim, a pessoa treinada se exercita com a temperatura central mais
baixa que a destreinada em níveis idênticos de exercício.

- Desidratação

Desidratação é a perda de água corporal. Uma sessão mo-


derada de 1 hora de exercício em geral produz uma perda de suor de
0,5 a 1,0 L, mas perdas muito maiores ocorrem com várias horas de
exercício árduo no calor. Nada­dores e mergulhadores perdem líqui-
dos porque a imersão na água estimula maior produção de urina.

Atletas de potência (lutadores, boxeadores, levantadores de pe­sos e


remadores) podem usar técnicas para “ajustar o peso” pela redução rápida de
água (desidratação por exposição ao calor extremo de saunas e∕ou restrição
de líquidos, uso de diuréticos, laxativos e vômitos). Estes atletas usam essas
técnicas na esperança de acelerar a perda de peso, mas aumentam muito
o risco de enfermidade induzida pelo calor pois a desidratação prejudica
profundamente a função fisiológica, a termorregulação e a capacidade
ótima de treinar e de competir.

448
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

A perda de líquidos torna-se evidente durante o exercício em


ambientes quentes e úmidos, pois a alta pressão do vapor do ar
ambiente dificulta o esfriamento evaporativo. Ironicamente, a pro-
dução excessiva de suor em ambien­tes com alta umidade contribui
pouco para o esfriamento, por causa da evaporação mínima.

Qualquer grau de desidratação prejudica a função fisio­lógica e, à medida


que a desidratação pro­gride e o volume plasmático diminui, o fluxo sangüíneo
periférico e a taxa de transpiração diminuem e a termorregulação torna-
se progressivamente mais difícil. A desidratação equivalente a 5% do peso
corporal acarreta uma elevação significativa na temperatura retal e na
freqüência cardíaca e uma redução na taxa de transpiração, no VO2max e na
capacidade de realizar exercícios.

- Manutenção do Equilíbrio Hídrico: Reidrataçao e Hiperidratação

A reposição hídrica adequada mantém o volume plasmático, com manutenção


apropriada da circulação e da transpiração. A boa hidratação constitui a
defesa mais efetiva contra o es­tresse induzido pelo calor. A reposição ideal
durante o exercício estabelece uma equivalência entre a ingestão e a perda
de líquidos, processo esse monito­rado efetivamente por observação de
mudanças na massa corporal.

Pausas periódicas para ingestão de água durante a ati­


vidade ajudam a prevenir a depleção hídrica. Levando-se em con-
ta que o mecanismo da sede monitora de forma imprecisa as
necessidades hídricas, os técnicos e treinadores devem inci­tar os
atletas a se reidratarem sistematicamente.

O intestino delgado consegue absorver cerca de 1L de


água por hora. Fatores que afetam o ritmo de absorção incluem o
volume do estômago, a tempera­tura e a osmolalidade da bebida.
Uma pequena quantidade de eletrólitos na bebida facilita a reposi-
ção hídrica muito mais que a ingestão de água potável. Mas como
o suor é hipotônico em relação aos líquidos corporais, a reposição
da água constitui a preocupação imediata durante o exercício, e
não o reabastecimento dos minerais.

449
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

Para restaurar o equilíbrio hídrico, o volume de líquido


in­gerido após o exercício deve ultrapassar em 25 a 50% a perda
de suor ocorrida durante o exercício, pois os rins formam conti-
nuamente alguma urina, seja qual for o estado de hidratação. A
manutenção de uma concentração plasmática de sódio rela-
tivamente alta pelo acréscimo de sódio ao líquido ingerido
ativa o impulso da sede, pro­m ove a retenção dos líquidos
ingeridos (débito urinário mais baixo) e restaura mais rapida-
mente o volume plasmático.

O exercício moderado, em geral, produz uma perda mínima de potássio no


suor, não representando perigo a não ser que ocorra uma sudorese pro­
funda e longa. A não ser em casos raros, pequenos ajus­tes na ingestão de
alimentos conseguem compensar adequadamente a perda de minerais que
ocorre através da transpiração.

5.2.2 Aclimatação ao Calor

Tarefas fáceis realizadas em clima frio se tornam cansativas se forem tentadas


em um dia quente. Estágios iniciais do treinamento praticados em clima quente
comportam os maiores perigos em termos de lesões induzidas pelo calor, pois
os mecanismos termorreguladores ainda não se ajus­taram ao duplo desafio do
exercício e do calor ambiental. Mas o treinamento com repetidas exposições
a ambientes quentes promove constante aumento das temperaturas central
e cutânea causando adaptações que melhoram a ca­pacidade de realizar
exercícios no calor. Os principais fatores que interagem para aprimorar os ajustes
fisiológicos e a tolerância ao exercício durante o calor incluem aclimatação,
estado de treinamento, ida­de, sexo e composição corporal.

O termo aclimatação ao calor descreve as modificações


adaptativas fisiológicas coletivas que aprimoram a tolerância ao ca-
lor. A aclimatação ótima requer uma hidratação adequada; e os
benefícios da aclimatação se dissipam dentro de duas a três se-
manas após retornar para um ambiente mais temperado (acom-
panhe no Quadro 4.

450
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

QUADRO 4 - Principais ajustes fisiológicos que ocorrem na aclimatação ao


calor.

Resposta à aclimatação EFEITO

Transporta o calor metabólico dos


Melhor fluxo sanguíneo cutâneo tecidos profundos para a superfície
corporal

Circulação apropriada para a pele


Distribuição efetiva do débito e os músculos, a fim de atender às
demandas do metabolismo e da
cardíaco termorregulação; maior estabilidade
na pressão arterial durante exercício

Queda no limiar para o início da O esfriamento por evaporação


começa precocemente durante o
sudorese exercício

Distribuição mais efetiva do Utilização ótima da superfície efetiva


suor sobre a superfície da pele para o esfriamento evaporativo

Maior produção de calor Maximiza o esfriamento evaporativo

Menor concentração de sal e O suor diluído preserva os eletrólitos


suor no líquido extracelular

Queda nas temperaturas Libera uma maior porção do débito


cutânea e central e na
cardíaco para ser distribuído aos
freqüência cardíaca para um
exercício padronizado músculos ativos

Menor dependência do Efeito de preservação dos


catabolismo dos carboidratos
durante exercício carboidratos

451
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

A pessoa ativa não conse­gue alcançar a aclimatação plena


sem exposição ao estresse térmico (calor) ambiental. Os atletas
que treinam e competem num clima quente usufruem uma van-
tagem termorreguladora incontestável em relação aos atletas que
treinam em climas frios e só periodicamente competem num clima
quente.

O envelhecimento afeta as funções termorreguladoras, po-


rém não produz efeitos apreciáveis sobre a regulação da tempera-
tura durante o exercício nem sobre a aclimatação a um estresse tér-
mico moderado. O envelhecimento retarda o início da transpi­ração
pela diminuição da sensibilidade dos termor­receptores; produção
de suor limitada pelas glândulas sudoríparas ou pela desidratação;
alteração da estrutura e função da pele e de sua árvore vascular
(sensibilida­de vascular periférica deprimida que reduz a vasodilata-
ção cutâ­nea local e menor liberação do tônus vasomotor).

As crianças mostram uma taxa de transpiração mais bai-


xa e uma temperatura central mais alta durante o calor que os
adolescentes e adultos, apesar de possuírem um maior núme-
ro glândulas sudoríparas ativadas pelo calor. A di­ferença etária
na termorregulação, em geral, não limita a capacidade de realizar
exercícios, a não ser durante o calor extremo. A composição do
suor também difere entre crianças e adultos; o suor das crianças
mostra concentrações de sódio e cloro mais altas e concentra-
ções mais baixas de lactato, H+ e potássio.

Do ponto de vista prático, a intensidade do exercício deve ser redu­zida para


as crianças expostas ao calor; as crianças necessitam também de mais
tempo para se aclimatar que os adultos.

Homens e mulheres mostram uma eficiência equiva­lente


na termorregulação durante o exercício se houver controle para os
níveis de aptidão e de aclimatação.

452
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

Mulheres possuem uma to­lerância ao calor semelhante àquela dos homens


com uma apti­dão aeróbica idêntica para o mesmo nível de exercício. Entre-
tanto, as mulheres transpiram menos intensamente (produzem menos
suor) que os homens, apesar de possuírem mais glândulas sudoríparas ati-
vadas pelo calor, e as mulheres começam a transpirar com temperaturas
mais altas que os homens para uma carga de calor-exercício similar. As mu­
lheres utilizam provavelmente mecanismos circulatórios para a dissipação
do calor, enquanto os homens utilizam muito mais o esfriamento evaporativo.

A produção de menos suor para manter o equilíbrio térmico protege as mu-


lheres da desidratação durante o exercício realizado em temperaturas am-
bientes altas. As fases do ciclo menstrual influenciam o controle vascular
cu­tâneo nas mulheres de uma maneira que altera o fluxo sangüíneo cutâneo
e a resposta sudorípara em repouso e atividade física. Mas a mudança na
sensibilidade termorreguladora durante as fases hormonais não afetam a
capaci­dade de realizar um trabalho físico árduo.

O excesso de gordura corporal constitui uma desvantagem


ao se exercitar em um clima quente. Como o calor específico da
gordura ultrapassa o do tecido muscular, a gordura au­menta a
qualidade isolante corporal e retarda a condução de calor para a
periferia. A pessoa excessivamente gorda possui uma menor rela- Que mecanismos
ção da área de evaporação efetiva do suor que uma pessoa menor fisiológicos explicam como
a maior aptidão aeróbica
e mais magra. O excesso de gordura corporal eleva também o cus­to melhora o desempenho no
metabólico das atividades por causa da sustentação do peso corporal. calor?

Competição intensa em ambiente quente e úmido pode representar


um risco enorme para a saúde da pessoa excessi­vamente gorda.

453
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

5.2.3 Complicações do Estresse Térmico Excessivo

Se os sinais normais do estresse térmico tais como sede,


cansaço, sensação de embriaguez e distúrbios visuais não são
percebidos, a compensação cardiovascular começa a falhar. Isso
desencadeia uma cascata de complicações denominadas de
enfermidade induzida pelo calor. Cãibras, exaustão devida ao
calor e intermação são as principais enfermidades induzidas pelo
calor em ordem crescente de gravidade. Quando a enfermidade
induzida pelo calor ocorrer, devemos agir imediatamente para re-
duzir o estresse térmico e rei­dratar a pessoa até a chegada da
ajuda médica.

As cãibras induzidas pelo calor (espasmos musculares invo­luntários)


ocorrem durante ou após a atividade física intensa, habitualmente nos
músculos exercitados.

Durante a exposição prolongada ao calor, a transpiração


acarreta perda de água e eletrólitos que, se não forem repostos,
podem causar dores e espasmos musculares. O desequilíbrio
no nível dos líquidos corporais e nas concen­trações eletrolíticas
produz essa forma de enfermidade. A ingestão de grandes quan-
tidades de água e o aumento na ingestão de sal dias antes da
competição pode preveni-la.

A exaustão induzida pelo calor se manifesta em pessoas não aclimatadas,


em geral durante a primeira onda de calor do verão ou na primeira sessão
de treinamento árduo em um dia quente.

A exaustão térmica induzida pelo exer­cício resulta de ajus-


tes circulatórios não efetivos agravados pela diminuição do líquido
extracelular e do volume plasmático por transpiração excessiva.
O san­gue fica estagnado nos vasos periféricos dilatados, o que
reduz drasticamente o volume sangüíneo central necessário para

454
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

man­ter o débito cardíaco. As características da exaustão induzida


pelo calor incluem um pulso fraco e rápido, pressão arterial baixa,
cefaléia, vertigem e fraqueza geral. A pessoa vítima dos sintomas
de exaustão induzida pelo calor deve parar o exercício e ir para um
local mais frio. A terapia in­travenosa consegue repor os líquidos
com maior eficiência.

A intermação é a mais séria e complexa das enfermidades do estresse


induzido pelo calor, e requer assistência médica imediata.

A intermação reflete a falha dos mecanismos respon­sáveis


pela regulação térmica em virtude de uma temperatura central
excessivamente alta, maior que 40°C e inclui um estado mental
alterado e ausência de sudorese. Afeta as pessoas muito jovens, os
idosos e aqueles com doenças crôni­cas.

A intermação do esforço é um estado de hipertermia extre­ma devido aos


efeitos interativos da carga de calor do exercício e a dificuldade para dissipar
calor por causa do ambiente quente e úmido.

Quando a termorregulação falha, a sudorese diminui, a


pele fica seca e quente e a temperatura corporal sobe e alcança
Ao decidir sobre
41,5°C ou mais; isso impõe uma sobrecarga desordenada à fun- a hora da largada
ção car­diovascular. de uma maratona,
que informações
meteorológicas você
Se não for tratada, a incapacidade progride rapidamente e
iria consultar?
a morte ocorre por colapso circulatório e dano do sistema nervoso
central e de outros sistemas orgânicos. Enquan­to a pessoa espe-
ra pelo tratamento médico, medidas drásticas devem ser tomadas
para reduzir a tempera­tura central incluindo reposição hídrica e
esfriamento corporal através de fric­ções com álcool, aplicação de
compressas geladas e imersão do corpo inteiro em água fria ou
até gelada.

455
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

5.3 Mecanismos de Produção de Calor no Frio

A exposição ao frio extremo traz importantes desafios


fisioló­gicos e psicológicos. O frio, também, é um fator de es-
tresse ambiental e pode ter conseqüências letais. A temperatura
central fica menor, com maior suscetibilidade à hipotermia, duran-
te a fadiga crônica devida ao esforço, à privação de sono, à nutri-
ção inadequada, ao menor percentual de gordura e músculos e
à menor produção de calor pelos calafrios.

A água conduz o calor cerca de 25 vezes mais rápido que o ar na mesma


temperatura. Conseqüentemen­te, a imersão em água fria (27°C) impõe um
estresse térmico que induz uma série de ajustes termorreguladores. Com
freqüência, as pessoas têm calafrios se permanecem inativas em uma
piscina ou no mar por causa da grande perda condutiva de calor para a
água. Até mesmo ao exercitar com intensidade moderada na água fria, o
metabolismo do exercício pode gerar calor insuficien­te para balancear a
perda de calor; principalmente durante a natação, pois a perda de calor por
convecção aumenta muito com o movimento da água próxi­mo da superfície
da pele.

Exercícios leve e moderado na água fria produzem consu­


mos mais altos de oxigênio e temperaturas corporais mais bai­xas
que o exercício idêntico na água mais quente. O maior consumo de
oxigênio se rela­ciona ao maior custo energético dos calafrios, na
tentativa de produzir mais calor corporal.

A gordura subcutânea proporciona excelente isolamen­to


contra o estresse induzido pelo frio. Indivíduos com mais gordura
corporal conservam mais calor metabólico, além de terem a eficá-
cia dos ajustes vasomotores aprimorada. O isolamento da gordura
corporal torna-se evidente na água fria, onde indivíduos mais gor-
dos têm menos sobre­carga térmica, cardiovascular e maior tole-
rância ao exercício.

456
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

A água fria é excepci­onalmente estressante para crianças. A relação grande


entre a superfície e massa corporal de uma criança facilita a perda de calor
em ambien­te quente, mas é uma desvantagem no frio, pois o calor corporal
se dissipa rapidamente. Em exercício no ambiente de ar frio, que é menos
estressante, as crianças dependem de dois mecanismos para compensar
sua superfície corporal relativamente grande: o metabolismo energético
aumentado e a vasoconstrição periférica mais efetiva.

5.3.1 Aclimatação ao Frio

Os seres humanos possuem uma capacidade menor de


adaptação à exposição prolongada ao frio que à exposição pro-
longada ao calor. Na maioria dos casos é a vestimenta que permi-
te ao seres humanos tolerarem os climas mais frios da Terra.

A adaptação ao frio ocorre com a exposição re­gular e prolongada ao frio,


quando a produção de calor não consegue equilibrar sua perda e a pessoa
passa a ter uma temperatura central mais baixa do que o normal. Adaptações
circulató­rias periféricas também refletem uma aclimatação à exposição ao
frio local intenso. A exposição das mãos ou pés ao frio re­petidas vezes faz
aumentar o fluxo sangüíneo nesses tecidos durante o estresse induzido pelo
frio. Apesar de essa adaptação facilitar a perda de calor a partir da periferia,
ela também proporciona uma circulação vigorosa de sangue quente nos
tecidos expostos, prevenindo o dano tecidual por hipotermia.

Apesar de não se tratar especificamente de uma forma de


aclimatação ao frio, a aptidão física aprimorada, refletida pela alta
capacidade aeróbica e uma maior massa muscular, realça a de-
fesa termorreguladora de uma pessoa contra o estresse induzido
pelo frio. Isso se manifesta através de calafrios mais intensos e
o início mais precoce (mais sensível) dos calafrios à exposição ao
frio.

457
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

A grande vasoconstrição periférica durante a exposição ao


frio intenso pode fazer com que a temperatura das extremida-
des caia até ní­veis perigosos, particularmente quando isso é agra-
vado por aumentos na perda de calor por convecção e condução
(vento e roupa molhada).
Fatores que predispõem para a lesão induzida pelo frio
incluem ingestão de álcool, baixo nível de aptidão, fadiga, desi-
dratação e circulação periférica precária. Os primeiros sinais de
alerta são formigamento e dormên­cia nos dedos ou uma sensação
de queimação no nariz e nas orelhas; e podem chegar em casos
extremos, a causar dano tecidual (enregelamento) e ser necessá-
ria a remoção cirúrgica do tecido.

No estresse induzido pelo frio intenso como na submersão


prolongada em água gelada, o cérebro sofre uma queda signifi-
cativa na temperatura e reduz suas deman­das de oxigênio. Além
de necessidades reduzidas de oxigênio em virtude do esfriamen-
to, o sistema nervoso central é beneficiado pela redistribuição do
sangue a partir de teci­dos que podem diminuir seu suprimento
sangüíneo por pe­ríodos de tempo mais longos.

O ar ambiente frio em geral não representa um perigo es-


pecial em termos de lesão das vias aéreas. Até mesmo no frio ex-
tremo, o ar que penetra nas vias aéreas é aquecido até entre 26°C
e 32°C quando alcança os brônquios. O aquecimento do ar frio
inalado faz aumentar sua capacidade de conservar a umidade.
Assim, a umidade do ar frio inspirado gera uma perda significativa
de água e de calor do trato respiratório, prin­cipalmente durante o
exercício, que movimenta grandes volumes ventilatórios.
A perda de umidade através das vias aéreas durante o exer-
cício em um clima frio contribui para o ressecamento da boca,
sensação de queimação na garganta, irri­tação das passagens
respiratórias e desidratação geral. O uso de um cachecol ou más-
cara que cobre o nariz e a boca conserva a água no ar expi­rado, e
aquece e umedece o ar da próxima incursão res­piratória, minimi-
zando os sintomas respiratórios desconfortáveis.

458
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

Hora de praticar
Com base no que você estudou na unidade 5, responda às questões abaixo de forma
completa e objetiva e envie suas respostas ao fórum de discussão: “Hora de praticar 5”.

Questões:

1) Qual o papel do hipotálamo na manutenção do equilíbrio térmico?

2) Qual a importância do sistema circulatório para a manutenção do equilíbrio térmi-


co?

3) Explique a regulação do fluxo sanguíneo (cutâneo e muscular) e da pressão arterial


em exercício no clima quente.

4) Descreva as respostas do débito cardíaco, da freqüência cardíaca e do volume


sistólico de ejeção durante exercício em um clima quente.

5) Qual a finalidade da reposição dos líquidos e seus benefícios?

6) Defina e explique os fatores que modificam a tolerância ao calor durante o exercício.

7) Quais as possíveis causas, os principais sintomas e o tratamento para a exaustão


induzida pelo calor?

8) Explique os ajustes fisiológicos imediatos ao estresse induzido pelo frio.

A temperatura central em volume plasmático, compromete o sistema


geral sobe com o exercí- circulatório, e acarreta o aumento da tem-
cio; o estresse relativo peratura corporal.
do exercício determina a A ingestão de líquidos durante o
magnitude da elevação. exercício, na mesma proporção em que
O ajuste da temperatura corporal mantém eles estão sendo perdidos no suor, apro-
as funções fisiológicas e metabólicas em ximadamente 1 L por hora, é efetivo para
funcionamento normal. prevenir a desidratação. A reposição de
O exercício em ambiente quente e eletrólitos (Na e K) pode ser necessária
úmido impõe um desafio ao sistema de em exercícios mais longos no calor, mas
termorregulação. A transpiração excessi- em geral a dieta repõe adequadamente
va pode causar desidratação, que reduz o estes minerais perdidos no suor.

459
FUNDAMENTOS FISIOLÓGICOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA
UNIDADE 5 TERMORREGULAÇÃO

No frio, o vento e a presença de A aclimatação ao calor e ao frio, rea-


água, que conduz o calor cerca de 25 ve- lizado pela exposição repetida e controlada
zes mais rapidamente que o ar, se tornam ao estresse térmico, produz ajustes termor-
desafios à regulação térmica. A produção reguladores que aprimoram a capacidade
de calor pelos calafrios e pela atividade fí- de realizar exercícios sob estas condições;
sica são formas importantes do corpo au- entretanto a aclimatação ao frio é menor.
mentar a temperatura no frio.

460
Glossário
Adipócitos: são células que armazenam da até o momento em que o sistema car-
gordura no corpo humano. diopulmonar consegue responder eficaz-

Anabolismo: é a construção de substân- mente à necessidade de oxigênio para

cias no organismo. produzir energia.

Androgênio: é o termo designativo do Desaminação: é a retirada do nitrogênio

hormônio masculino que confere as carac- da molécula do aminoácido restando os


terísticas sexuais masculinas. esqueletos de carbono que conseguem
penetrar nas vias de liberação de energia.
Bradicardia: é o termo utilizado para de-
signar uma diminuição na freqüência car- Endergônico: processo que absorve ou
díaca, em geral menor que 60 batimentos/ armazena energia é chamado (∆G posi-
minuto em adultos. tivo).

Carreadores: são moléculas que fazem o Energia cinética: é a forma de energia


transporte de um substrato específico. utilizada para gerar trabalho (movimento).

Catabolismo: refere-se à degradação ou Energia: é a habilidade de realizar traba-


quebra de uma substância no organismo. lho.

Catalisar: significa acelerar a velocidade Energia potencial: é a forma de energia


de uma reação química através da adição que se encontra “armazenada” em um
de uma substância que não se altera du- sistema e que pode ser utilizada a qual-
rante o processo. quer momento para realizar trabalho.

Co-enzimas: são substâncias responsá- Enzimas: são substâncias protéicas es-


veis por ativar as enzimas. pecíficas que catalisam (aceleram) o rit-
mo de reações químicas.
Condensação: é a reação de síntese, re-
versa da hidrólise, onde o composto AB é EPOC: é o consumo excessivo de oxigê-
formado junto com uma molécula de água: nio após o exercício.
AH + BOH = H2O + AB. Ergoespirometria: é um sistema integra-
Débito de oxigênio ou consumo de oxi- do para a realização de teste de esforço
gênio da recuperação: é o consumo de (ergometria) com a análise metabólica de
oxigênio em excesso depois do exercício. gases.

Déficit de oxigênio: é a diferença entre o Exergônico: é o processo que libera ener-


consumo de O2 e a oferta de O2 acumula- gia para o meio ambiente com ∆G negativo

461
Glossário
(∆G significa variação na energia livre). Hipertrofia: é o crescimento da fibra (cé-
lula) muscular
Fosforilar: significa adicionar um grupo
fosfato à uma molécula. Hormônios: são substâncias químicas
sintetizadas por glândulas específicas,
Glicogênese: é o processo de síntese de
secretadas para dentro do sangue e car-
glicogênio através da glicose.
reados por todo o corpo.
Glicogenólise: é a quebra de glicogênio
OBLA: é o início do acúmulo de lactato
em moléculas de glicose.
no sangue.
Gliconeogênese: é o mecanismo pelo qual
Oxidação: é o processo de transferência
se produz glicose, por meio de conversão
(perda) de átomos ou elétrons (do oxi-
de outros compostos (ex.: proteína).
gênio por exemplo). Veja item 3.3 mais
Hidrólise: é a quebra (digestão de uma adiante no texto.
molécula orgânica mais complexa pela li-
Redução: é o processo que aceita os áto-
gação com uma molécula de água (H2O):
mos ou elétrons, como o processo de for-
HOH + AB = AH + BOH.
mação da molécula de água (H2O) quando
o oxigênio (O++) aceita 2 hidrogênios (H -).

462
Referências Bibliográficas
McARDLE, W.D.; KATCH F.I.; KATCH, V.L. Fisiologia do Exercício: Energia, Nutrição e
Desempenho Humano. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan S.A., 2004.

463
464
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

PRÁTICAS
CURRICULARES II

465
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

466
PRÁTICAS CURRICULARES II
PRÁTICAS CURRICULARES
UNIDADE 1 II
PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Prof. Luiz Cezar dos Lucila Souto Mayor Prof. Juarez Oliveira
Santos Rondon de Andrade Sampaio
Ph.D. em Kinesiology, pela Uni- Mestre em Psicologia, pela Uni- Especialista em Pedagogia do
versity of Waterloo, Canadá. versidade de Brasília. Movimento Humano, pela FA-
Mestre em Ciências do Movi- Especialista em Yoga, pela Fa- CICLA (PA). Licenciado em Edu-
mento Humano, pela Universi- culdade de Educação Física da cação Física, pela Faculdade de
dade Federal do Rio Grande do
UnB. Licenciada em Educação Educação Física da UnB .
Sul. Especialista em Motricida-
Física pela Faculdade de Edu-
de Humana, pela UNESP – Rio
Claro. cação Física da UnB.
Licenciado em Educação Física
pela Faculdade de Educação
Física da UnB.

Muito prazer!
Sou a Profª Lucila

Formei-me em Educação Física na Universidade de Brasília, em 1985, e desde


então, trabalho como técnica desportiva na mesma instituição. Coordeno programas de
esporte, qualidade de vida, lazer e organizo eventos esportivos e culturais para a comu-
nidade. Pesquisei sobre educação para cidadania em contexto comunitário no mestrado
em Psicologia, concluído em 2003, e, nos últimos anos venho me identificando com o
desafio da Educação a Distância onde tenho atuado como tutora, supervisora, orientadora
e membro de banca examinadora em cursos de especialização e graduação.

A Educação a Distância exige uma dedicação diferenciada de todos os envolvidos


no processo, pois nos responsabiliza pela construção de um ambiente colaborativo de
aprendizagem e por isso a participação, a troca de experiências devem ser priorizadas.
Espero poder compartilhar a minha prática com todos vocês como também aprender muito
e, de alguma forma, poder contribuir nesta etapa especial de sua formação.

467
Sou o Profº Luiz Cezar

Que bom estar novamente com vocês. A educação a distância tem me ensinado
muito e já contaminou o meu modo de atuar no ensino presencial e nas minhas ativida-
des de pesquisa.

Sempre valorizei a participação do aluno de Educação Física em programas e


eventos comunitários. Ao longo de minha formação acadêmica e posteriormente na fun-
ção de professor tive a oportunidade de vivenciar, organizar e coordenar diversos pro-
gramas de intervenção pedagógica em Educação Física em comunidades em estado de
vulnerabilidade social, escolas, clubes esportivos, e dentro do campus da UnB.

Tive a oportunidade de atuar como consultor do UNICEF junto ao projeto de es-


portes Criatividade envolvendo diversas parcerias dentre elas a escola, o município, enti-
dades públicas e organizações não governamentais. Através deste projeto pude perceber
a riqueza pedagógica que temos nas mãos. Dentro do campus da UnB elaborei e coor-
denei o projeto Oficinas Infantis de Atividades Esportivas por vários anos. Sendo assim,
agradeço a oportunidade de dividir a minhas experiências no campo da intervenção pe-
dagógica em Educação Física e podermos juntos construir um espaço melhor para as
crianças do futuro.

Sou o Profº Juarez

Colaborador da Faculdade de Educação Física da Universidade de Brasília - UnB


e professor efetivo da Secretaria de Educação do Governo do Distrito Federal. Formei-me
em Educação Física pela Universidade de Brasília – UnB. Sou especialista em Pedagogia
do Movimento Humano pela FACICLA – PA. Fui supervisor da capacitação do Programa
Segundo Tempo do Ministério do Esporte pela Universidade de Brasília. Sou pesquisador
do Centro de Estudos do Desenvolvimento do Esporte e do Lazer da Rede CEDES – UnB
e consultor do Programa Esporte e Lazer da Cidade do Ministério do Esporte.

468
Palavra com o aluno

Para você ser bem sucedido em nossa disciplina é preciso saber organizar o tem-
po entre estudo, participação em grupo, em ambiente virtual e observação no campo de
intervenção escolhido. Você deve cumprir a carga horária em cada uma destas atividades
e realizar suas anotações, relatos e tarefas nos prazos determinados.

Leia com atenção os textos indicados para ir a campo fazer suas observações e
participar do ambiente virtual baseado na fundamentação teórica estudada. Assim pode-
mos construir, desde o início, um clima de colaboração mais profundo entre os alunos e
a tutoria, que favorecerá a aprendizagem significativa. Organize seu grupo de estudos,
troque experiências com os companheiros e busque sempre refletir sobre o que apren-
deu em situações de sua prática profissional compartilhando estes pensamentos nos fó-
runs semanais. Nessas condições a motivação aumenta e o envolvimento com o estudo
também.

Lembre-se que aprender deve ser um processo permanente em seu desenvolvi-


mento pessoal e profissional. Estamos aqui para encorajá-lo a dar os próximos passos
em direção a sua formação e no desenvolvimento de sua autonomia.

Nossas saudações!

Os autores.

469
470
Apresentação da Disciplina
Caro(a) aluno(a),

Em Práticas Curriculares I, você aprendeu como realizar uma observação para in-
terpretar a realidade de forma crítica utilizando os parâmetros científicos. Você comparou
diversos campos de atuação profissional e manteve sua atenção aos aspectos didáticos,
metodológicos e sobre as diferentes concepções pedagógicas desenvolvidas pelos pro-
fessores de Educação Física, acompanhados em sua observação.

Para cursar a disciplina Práticas Curriculares II, você deverá escolher um único
campo de intervenção e concentrar o seu olhar no professor de Educação Física, em
sua inserção institucional e no contexto geral. Para desenvolver estas observações você
aprenderá sobre os conceitos de cultura, organização formal, grupos sociais, redes ins-
titucionais e cultura organizacional na pós-modernidade e a partir da teoria da complexi-
dade. A importância de agir em equipe multidisciplinar e entre organizações também será
discutida ao longo da disciplina e fará com que você observe as competências de cada
instância e reflita sobre a responsabilidade do professor de Educação Física atuando
como educador em seu ambiente.

Em um segundo momento, você retomará seu olhar para as aulas de Educação


Física para observar especialmente as diferentes formas de participação dos atores so-
ciais envolvidos e o desafio de educar para cidadania. Você analisará como o professor
pode colaborar para a formação do aluno em sua totalidade para a vida cidadã, obser-
vando nas aulas as relações interpessoais.

A partir da análise dos conteúdos da Educação Física enfatizada por cada con-
cepção pedagógica, e da necessidade de olhar para “o pensar e o fazer”, dentro de uma
visão mais ampla, baseada no paradigma da complexidade, vamos discutir sobre os con-
teúdos atitudinais, procedimentais e conceituais e mostrar que um dos nossos desafios
é a construção da cidadania corporal.

471
Por fim, vamos aprofundar a discussão sobre o projeto de intervenção pedagógica
analisando cada etapa de sua construção.

Para facilitar seu estudo, os assuntos foram distribuídos em 4 unidades.

Unidade 1 - Pós-modernidade, Cultura e Organização Social;

Unidade 2 - Participação e Cidadania nas Aulas de Educação Física;

Unidade 3 - Os Conteúdos da Educação Física: construindo a cidadania corporal;

Unidade 4 - Projeto de Intervenção Pedagógica.

472
Objetivos
Ao finalizar a Disciplina, esperamos que você possa:

analisar a atuação do professor de Educação Física em um campo de intervenção es-


pecífico, considerando cultura, organização, instituição social e cultura organizacional
na visão pós-moderna de ciência;

observar a participação dos atores sociais e o compromisso do professor como agente


de mudança para formar o aluno em sua totalidade para a vida cidadã, considerando o
contexto sócio-cultural geral e a importância de atuar em equipe multidisciplinar;

discutir a participação do educador frente aos principais problemas que envolvem sua
comunidade e seu papel de suporte às crianças em contextos adversos;

analisar os conteúdos da Educação Física considerando as influências das diferentes


concepções pedagógicas, do paradigma da complexidade com vistas à construção da
cidadania corporal;

experienciar a construção de um projeto de intervenção como um instrumento para a


condução da ação do professor e o registro dos desafios de atuar em sua comunidade.

Bons estudos!

473
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

474
PRÁTICASCURRICULARES
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

UNIDADE 1
Pós-modernidade, Cultura e
Organização Social
Nesta primeira Unidade vamos estudar sobre cultura e organização na pós-mo-
dernidade dentro da abordagem teórica da complexidade e sobre a importância do edu-
cador como agente de mudança. No campo de intervenção escolhido, você observará a
atuação do professor de Educação Física de forma isolada e/ou em equipe multidiscipli-
nar e descreverá os grupos sociais e as instituições presentes nesta realidade. Em segui-
da, você refletirá sobre o compromisso de educar em diferentes contextos na perspectiva
crítica transformadora comparando esta experiência com sua prática profissional.

Objetivos
Ao finalizar esta Unidade, esperamos que você possa:

definir cultura, organização social, instituição social e cultura organizacional relacio-


nando esses conceitos com as observações feitas no campo de intervenção profissio-
nal escolhido para seu estudo;

observar a ação do professor de Educação Física em seu ambiente formal ou não


formal, considerando a cultura organizacional, o contexto geral e comparando-a com
sua atuação profissional;

discutir sobre a participação do educador frente aos desafios de educar de forma crí-
tica e transformadora mediante diferentes problemas que envolvem o seu campo de
intervenção profissional e a sua realidade;

argumentar sobre a importância da atuação do professor de Educação Física de forma


isolada e/ou em equipe multidisciplinar no suporte às crianças adolescentes em contex-
tos adversos, considerando a diversidade sócio-cultural e a abordagem de rede social.

Desejamos a você um ótimo estudo!

475
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

1.1 Pensamento Pós-Moderno


Para aprofundarmos nos assuntos dos próximos capítulos
será necessário interpretá-los a partir da pós-modernidade. O
pensamento pós-moderno foi estudado na disciplina História da
Educação e da Educação Física e por isso vale a pena fazer uma
breve recapitulação.

Relembrando, o pensamento pós-moderno busca expli-


car a realidade a partir da compreensão do todo, da unidade, do
processo, da singularidade, da exemplaridade, da diversidade e
visualizar a metáfora do universo como ilhas de ordem em meio
do caos de um mar da complexidade. Considera a organização
complexa e auto-organização como uma nova forma de pensar
sobre nós mesmos, sobre o que produzimos e construímos a par-
tir das nossas teorias e da nossa capacidade criativa (DABAS &
NAJMANOVICH, 1995).

Podemos visualizar a metáfora da ci-


ência explicada no paradigma pós-moderno
como um céu repleto de nuvens, movimenta-
das pelo vento, que a cada instante apresen-
tam desenhos diferenciados que poderão ser
interpretados de diferentes formas a partir da
subjetividade de cada observador.

No exemplo citado anteriormente, inspi-


rado pelas colocações de Popper (1976) que
usou a metáfora do “Relógio às Nuvens” vamos
ilustrar o paradigma da ciência estável e mecanicista. Represen-
tada pelo relógio e da pós-moderna, que enfatiza o imprevisível,
representada pelas nuvens. O surgimento de novas idéias se dá
na pós-modernidade, pois cada pessoa constrói o significado de
sua leitura do desenho das nuvens a partir de sua história de vida,
de sua subjetividade exemplificando a dinâmica caótica. Mesmo
que todos estejam observando o céu em um mesmo momento
e de um mesmo local o céu será visto e explicado de diversas
formas.

476
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

A realidade não pode ser captada de uma forma única,


Registre em seu
pois é complexa e cada ser humano irá interpretá-la a partir de Diário de bordo e
sua experiência, de seus valores, de sua visão de mundo. Por isso faça uma discus-
são com seu gru-
as teorias pós-modernas são centradas no ser, mostrando-nos a po de estudo:
singularidade de nossas experiências, a relatividade de nossas
Quais figuras você pode visu-
explicações. Por fim, destacamos que a interpretação da ciên- alizar a partir da imagem na
cia como certeza e explicada pela teoria linear de causa e efeito, página anterior?
Converse com seus colegas e
como um mecanismo de um relógio, não nos contenta mais.
compare as figuras visualiza-
das por vocês, elas são seme-
Para o sociólogo e filósofo francês Edgar Morin (1996), um
lhantes ou são diferentes?
dos principais pensadores sobre a teoria da complexidade do sé- Registre suas impressões e
culo XX, conhecer de forma mais profunda o homem, no que ele comente a participação dos
seus colegas a partir da leitu-
tiver de mais humano é situá-lo dentro da sua realidade. Por isso, ra realizada.
estamos em um momento de passagem para uma nova forma de
pensar que nos fará lidar com a incerteza, compor com o caos,
reunir, contextualizar, globalizar e ao mesmo tempo reconhecer o
singular, o individual, o concreto. Fazer ciência com consciência,
resgatando a responsabilidade para cada um de nós é uma pro-
posta profundamente política e humana, pois está vinculada ao
futuro da humanidade (MORIN & LE MOIGNE, 1999/2000).

Assim, as aulas de Educação Física devem ser adapta-


das e contextualizadas pelo professor a partir dos problemas que
envolvem a sua comunidade. O olhar do professor levando em
consideração as diversidades do contexto e a percepção da sua
responsabilidade fará com que ele reflita melhor em seu papel de
educador como agente de mudança.

1.1.1 A Teoria da Complexidade


Vamos conhecer a evolução do conhecimento científico e O paradigma da
nos basear em alguns princípios do que Morin (1996) chama de complexidade está
sendo analisado por
paradigma da complexidade, ou pensamento complexo. O maior algumas correntes
desafio de hoje é mudar nosso modo de pensar, isto é pensar de do pensamento pós-
moderno como mais um
forma complexa, ou pensar a complexidade. O autor reflete sobre olhar para as ciências,
ou seja, como mais uma
ciência com consciência, a partir da frase célebre de Rabelais linha teórica e não como
que a ciência sem consciência é nada mais que o fim da alma. um paradigma.

477
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

No renascimento, quando nasce a ciência moderna, a so-


ciedade sabe que ela tem a ver com a consciência, no sentido
ético e moral do termo. Só que para a ciência se desenvolver teve
que se livrar das amarras da Igreja e de sua visão de mundo.Então
tornava público e pesquisava todo o conhecimento, quaisquer que
fossem as conseqüências morais. O conhecimento científico se
colocava então como amoral, implicando em uma disjunção entre
ciência e consciência.

A esta separação se acrescenta uma segunda, formulada


por René Descartes que propõe dois campos distintos de conhe-
cimento: o problema do sujeito, do homem que reflete sobre si
mesmo, ou seja, o campo a ser desenvolvido pela filosofia. De
outro lado, o problema dos objetos que se encontram num es-
paço, e o universo da extensão do espaço é aquele oferecido ao
conhecimento científico.

A filosofia trilhou o caminho do sujeito que por si próprio


tenta conhecer-se e a ciência trilhou o caminho de excluir este su-
jeito do objeto do conhecimento através do método experimental
ou pela observação, desde que a explicação pudesse ser objeti-
va, ou seja, confirmada por pessoas de diferentes culturas. Deste
modo, houve uma ruptura entre a filosofia e ciência. O desenvolvi-
mento extraordinário do conhecimento científico torna menos pra-
ticável a possibilidade de reflexão do sujeito sobre sua pesquisa,
resultando em uma ciência sem consciência moral.

Outro ponto levantado é o problema da hiperespecialização


que separa o conhecimento em disciplinas que não se comunicam
umas com as outras trazendo a fragmentação e a desintegração
das realidades, deixando pouco espaço para discussão sobre as
idéias gerais, sobre temas fundamentais como amizade, amor,
vida conjugal, mundo, política, etc. O especialista tem idéias ge-
rais, mas não as quer, por serem vagas, vazias, não necessárias.
O saber especializado é produzido para apenas ser armazenado
e não discutido. Os princípios que dinamizaram o conhecimento
científico foram o da simplificação, da universalidade, da objetivi-
dade.

478
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Paralelamente ao desenvolvimento do conhecimento cien-


tífico houve o desenvolvimento do poder relativo a este conheci-
mento tornando o cientista totalmente impotente perante a sua
aplicação e sem sentir-se responsável, devido à falta de reflexão
sobre si mesmo.
Por isso, Morin (1996) mostra que a ciência e a consciência
apresentam-se como problemas éticos e de consciência reflexiva,
sendo necessária a reintrodução do sujeito e sua subjetividade,
a busca de caminhos e não de soluções que venham contrapor à
fragmentação, à perda, ao conhecimento irresponsável.
Concluindo, Edgar Morin apresenta a Ecologia como a ci-
ência que pode recuperar o sentido dos estudos da ciência, ou
seja, da nossa própria vida. Reparem que o pensamento ecológico
tenta explicar a relação e interdependência entre vários ecossiste-
mas. O conhecimento ecológico permite dialogar com os nossos
problemas e as nossas necessidades, ultrapassando os defeitos
da superespecialização.
Como o conhecimento científico no começo foi fundado em
reação à metafísica não precisava explicar sobre os temas exis-
tenciais da vida e sim como funcionavam as coisas e quais eram
as regras. A partir de novas teorias da física, da termodinâmica,
volta-se a questionar sobre a vida. Os problemas fundamentais
voltam a ressurgir, através da nova ciência, ou seja, da ecologia,
por intermédio das descobertas da física e da biologia. Devido
à falta de diálogo com a filosofia, os cientistas quando chegam
através do seu conhecimento a esses problemas fundamentais,
tentam por si próprios compreendê-los e fazem um apelo à sua
própria reflexão.
Uma contribuição da epistemologia moderna é a reflexão
sobre o que é o real. Já desde muito tempo foi colocado pela ciên- A epistemologia, tam-
cia que as teorias são sistemas lógicos elaborados pelo espírito bém chamada de filosofia
do conhecimento analisa
humano que os aplica sobre o real e por isso não são reflexos do a origem, a estrutura, os
real. Isso quer dizer que as teorias científicas são construções métodos e a validade do
conhecimento. Ela avalia
subjetivas do homem. Por outro lado são fundamentadas em da- a consistência lógica da
dos verificáveis e, portanto, objetivos. Uma teoria científica tem teoria e sua coesão fa-
tual, sendo assim a prin-
sempre a incerteza, ainda que ela possa fundar-se em dados que cipal dentre as vertentes
possam ser certos. Uma teoria envelhece rápido mostrando que a da filosofia.

479
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

fecundidade do conhecimento científico é uma luta de teorias, de


diversidades, que aceitam uma regra comum.
As teorias produzidas pela sociedade, portanto não podem
escapar de uma dependência com relação à sociedade que as
produz.

Podemos nos perguntar: Qual o papel social


da ciência?

Se os físicos e biólogos são incapazes de ousar conceber


que estas ciências são também sociais, como eles podem ter os
instrumentos para pensar os problemas de sua responsabilidade?

Morin (2000) observa que a restituição do diálogo entre o


sujeito e o objeto e pelo menos entre o observador e aquele que o
observa é fundamental para o desenvolvimento do conhecimento
científico, que resgate sujeito e subjetividade.

Então, acompanhamos a passagem para um novo paradig-


ma, o da complexidade. A proposta de Morin é política e humana,
Leia mais sobre a pois os rumos da ciência estão vinculados ao futuro da humani-
Epistemologia ou teoria dade.
do conhecimento
do grego ἐπιστήμη
Como afirma Prigogine (1996), a ciência pode ser compa-
[episteme], ciência,
conhecimento; λόγος rada como um sistema aberto e complexo, onde as explicações
logos], discurso) é um
ramo da Filosofia que encontram novos níveis de compreensão e a produção de novas
trata dos problemas idéias resulta em um processo sem fim.
filosóficos relacionados
à crença e ao Por isso as abordagens teóricas das Ciências, como da
conhecimento.
Fonte: Wikipédia Educação Física, estão em constantes transformações, pois a
Site: http//pt.wikipedia.
própria vida, como a realidade, demonstra dinamismo e complexi-
org/wiki/Epistemologia
dade. Isso demonstra que a realidade pode ser explicada pela ci-
ência de forma aberta, casual, oriunda de fenômenos aleatórios,
em um dinamismo de cooperação, de competição, de reconstru-
ção permanente.

480
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Hora de praticar
Registre seus comentários e discuta com seus colegas sobre o que você entendeu sobre
“Fazer ciência com consciência” dentro da Educação Física.

Dê alguns exemplos a partir de sua experiência como professor de Educação Física.

Dê outros exemplos a partir da realidade observada.

1.1.2 Princípios da Complexidade


Em seu texto sobre “Os mandamentos da complexidade”
publicados em Ciência com Consciência, Morin (1996) levanta os
princípios da inteligibilidade complexa em contraposição aos prin-
cípios da inteligibilidade pela simplificação.

Acompanhe no quadro na próxima página.

481
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Paradigma da Simplificação Paradigma da Complexidade

1 Saber geral e Universalidade; Saber local e Singularidade;

Elimina o tempo ou concebe Temporalidade rica, múltipla e comple-


2
tempo único; xa;
O conhecimento do sistema é As interações entre as partes fazem
3 feito a partir do conhecimento de emergir qualidades novas não existen-
sua parte elementar; tes nas partes;

O universo é ordenado e regido Relação ordem, desordem, organiza-


4
por leis; ção é antagônica e complementar;

Efeito retroage sobre a causa, há um


5 Causalidade linear;
jogo complexo, dialógico.
Emergência das qualidades e das pro-
priedades que nascem da organização
Relação parte-todo dentro de
de um conjunto retroagem sobre esse
visão simplificada da soma das
6 conjunto; auto-organização; o conheci-
partes é igual ao todo e vice-
mento tem um ponto de partida quan-
versa;
do ele se coloca em movimento, mas
não há fim.
Distinção entre o objeto e o meio; re-
lação entre o observador-conceituador
Disjunção entre o objeto e o e o objeto observado, concebido; es-
meio; disjunção entre o objeto e tabelece que a presença de observa-
7
o sujeito que o percebe e con- dores no universo impõe coerções so-
cebe; bre sua posição temporal, e também
sobre o conjunto de propriedades do
universo;

Possibilidade de reintrodução das no-


Noções de ser e de existência ções de ser e de existência a partir da
eram totalmente eliminadas pela idéia de auto-produção, que é insepa-
8 a 11 formalização e pela quantifica- rável da idéia de recursão organizacio-
ção ficando restrito a um plano nal são encontradas no nosso univer-
metafísico; so físico; dependência da existência
do ser a auto-organização;

O conhecimento simplificador se Existem limites da demonstração lógi-


baseia na lógica para estabe- ca dentro dos sistemas formalizados
lecer a verdade intrínseca das complexos; estes comportam pelo me-
12 a 13
teorias, uma vez que está fun- nos uma proposição indecifrável a que
damentada empiricamente nos ele só pode responder referindo-se ao
procedimentos da verificação. exterior desse sistema.

482
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

O conhecimento científico poderia ser colocado no nível


da verdade empírica e no da verdade lógica. Na epistemologia
complexa não haveria nível e sim instâncias. A primeira seria a
espiritual. A epistemologia complexa significa a não mais existên-
cia de uma instância única, sendo o epistemólogo que controla de
maneira irredutível e irremediável todo o saber. Existe uma plurali-
dade de instâncias sendo cada uma delas decisiva e insuficiente,
cada uma comportando seu princípio de incerteza.

Conforme resume Morin (2000), o problema da epistemo-


logia é fazer a comunicação dessas instâncias separadas. E esta
não é uma ação individual e sim de todas as áreas que devem
remeter-se ao estudo dos princípios que determinam tais resul-
tados. Cada disciplina deve a partir de sua competência desen-
volver o suficiente para articulá-la a outras competências que li-
gadas entre si formariam um anel dinâmico e completo, o círculo
do conhecimento. Eis o segredo da epistemologia complexa, não
fornecer a chave mestra.

Morin (2000) demonstra que a complexidade é um desafio


e não uma solução. A complexidade lança três desafios:

Como reunir?

Como tratar as incertezas?

Como realçar o desafio lógico?

1.1.3 Aplicação do Pensamento Complexo


Para aplicar o pensamento complexo na prática da Educa-
ção Física e Esporte, em princípio devemos dar passos em dire-
ção ao novo paradigma.

Em primeiro lugar, temos que resgatar o sujeito que


reflete sobre si mesmo e pensa em seus acertos e desacertos.
Ele reflete sobre suas aulas, seu objeto de pesquisa e reflete
sobre sua existência. Devemos resgatar um sujeito que expõe

483
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

sua criatividade, ouve e atua em equipe, sabendo que seu


olhar é parcial, é singular e por isso a importância de expor sua
subjetividade, sua leitura da realidade para integrá-la com as
outras existentes.

É fundamental resgatar um sujeito capaz de reunir inúme-


ras diferenças na prática e integrá-las, fazendo pontes entre práti-
ca e teoria, sabendo que a teoria é apenas uma representação da
realidade. Um sujeito que tenha uma visão sistêmica e ecológica,
que não rotule a partir de teorias e sim as use apenas para dar um
rumo a sua caminhada.

Temos que resgatar um sujeito responsável pela aplica-


ção de seu conhecimento, resgatar o diálogo entre este sujeito
e quem o observa, que é essencial para o desenvolvimento do
conhecimento científico, ou seja, caminhar no sentido do resgate
da subjetividade.

Devemos superar a fragmentação do saber especializa-


do construindo pontes entre as disciplinas. A partir do pensamen-
to complexo sabemos que a interação entre as partes fará emergir
qualidades novas e não existentes às partes, lembrando sempre
que o conhecimento, a ciência, é sempre uma hipótese, uma su-
posição que evolui com o tempo.

Se conseguirmos dar estes passos, então estamos aptos a


perceber o nosso papel na atuação profissional, na formação de
alunos, de multiplicadores, no trabalho comunitário: o de construir
novos caminhos e não só buscar soluções.
Você classificaria a
atividade de pular corda Você sabia que um jogo de basquetebol, ou de outro es-
com um fenômeno simples
ou complexo? porte coletivo, é um exemplo de um fenômeno complexo?

No basquetebol não podemos nos ater apenas em elabo-


rar uma estratégia para fazer cestas, pois a equipe adversária
também tem o mesmo objetivo. Temos que pensar em uma forma
de desconstruir o jogo do outro time e não deixá-los atrapalhar
o nosso jogo. Cada jogador aproveita os erros dos outros para
dominar. Cada jogador tem que dominar uma série de instâncias
para participar plenamente.

484
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

A classificação do “pular corda” pode ser descrita como um


evento a partir da ótica do paradigma da simplificação, se olharmos
para uma pessoa saltando uma única corda, e analisarmos apenas
os aspectos do efeito do exercício e seus benefícios para saúde.

Veja a descrição a seguir: pular corda de forma individual é


um exercício de coordenação motora que circula a corda por bai-
xo dos pés e por cima da cabeça, conjugando o movimento das
pernas e braços, proporcionando ao praticante agilidade, força, rit-
mo. Esta atividade trabalha diversos grupos musculares (abdômen,
peitoral, ombro, costa, pernas, panturrilhas e braços).

Mesmo com variações e combinações mais elaboradas, a


atividade “pular corda” conjugada a acrobacias com agachamen-
tos, giros equilíbrio, coreografias, a saltar duas cordas simultanea-
mente, com bicicleta, a pular duas cordas movimentadas de forma
alternada e em grupo pode ainda ser descrita a partir da ótica da
simplificação.

Para exemplificar a atividade “pular corda” como um fenômeno complexo,


temos que ir além da percepção do grau de dificuldade da execução do
exercício, e observar as diversas instâncias que a envolvem, pois podemos
analisá-la sob o ponto de vista da cultura, da ludicidade, da expressão cor-
poral, da criatividade, e integrar todos os aspectos desta realidade.

485
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Agora é com você:

Hora de praticar
Registre e discuta com seu grupo de estudo:

1. O que você compreendeu sobre as diferenças de fazer ciência no paradigma da simpli-


ficação e no paradigma da complexidade?
2. Como você aplicaria o pensamento complexo em sua atuação profissional em Educa-
ção Física?

1.2 O que é Cultura?


Na disciplina Fundamentos da Educação Física e no mó-
dulo de acesso “Educação a distância: espaços, movimentos e
relações no aprender a aprender” vimos o conceito de cultura
apresentado como sendo “um sistema de símbolos compartilha-
dos com o qual se interpreta a realidade e que confere sentido à
vida dos seres humanos... simboliza tudo o que é aprendido, de
uma geração à outra, e partilhado pelos indivíduos
desse grupo, conferindo a cada membro uma iden-
tidade dentro da organização social”.

Para Monteiro, Ventura e Cruz (1999), a


cultura pode ser entendida como o padrão de de-
senvolvimento refletido nos sistemas sociais de
conhecimento, ideologia, valores, leis e rituais coti-
dianos.

Cohen (1980) acrescenta que a cultura é a


soma do que aprendemos com o que acreditamos,
e que caracterizam uma sociedade particular.

486
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Ampliando estes conceitos, Demo (1985) acrescenta que


tudo o que é criado, produzido, descoberto, transformado, desen-
volvido para sobrevivência e prazer através dos tempos e em to-
dos os lugares são manifestações da cultura.

Portanto, o olhar para a Educação Física e o Esporte en-


Relação dialógica:
quanto fenômenos culturais dependem de nossa percepção so- relação permanente e
indissociável entre duas
bre a cultura. Morin (1991/1998) apresenta a existência de um noções antagônicas e
tronco comum sem distinção entre conhecimento, cultura e socie- indispensáveis para a
compreensão da reali-
dade, onde a cultura de uma sociedade é organizada e organiza- dade.
dora por meio da linguagem das experiências vividas. A cultura
e sociedade estão em relação dialógica, onde os indivíduos são
portadores e transmissores de cultura e desempenham um pa-
pel regenerador. Esta cultura prescreve as normas práticas
éticas, políticas dessa sociedade, abrindo para fornecer saber e
fechando para manter regras, proibições e tabus. Desta forma,
uma idéia pode modificar uma cultura, transformar uma socieda-
de, mudar o curso da história.

Como vemos, todas as pessoas são produtores ou mante-


nedores de cultura e não existem pessoas sem cultura, como no
dito popular costumamos ouvir. Quando entramos em ambiente
diferente do nosso usual devemos perceber a cultura da organi-
zação e dos profissionais que iremos nos relacionar e principal-
mente dos alunos que vamos interagir ao longo do processo
educacional, das famílias e comunidade. Existe cultura na forma
de participar de movimentos sociais, cultura de brincadeiras, en-
fim culturas corporais.

Por sua vez, as fontes de mudanças sociais e culturais são


diversas e dentre elas podemos citar: a tecnologia; o ambiente
físico; a mudança populacional; a percepção das necessidades.

Identificamos na Educação Física fontes de mudanças cul-


turais na forma de ver o corpo, na forma da prática de diversas
modalidades esportivas, em objetos, vestimentas, calçados e etc.

Sendo assim, a educação é apontada como uma fonte de


transformação da realidade provocando mudanças de comporta-

487
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

mentos e de valores, resultando em mudanças culturais. A tele-


visão também é um instrumento que veicula diferentes valores,
linguagens, costumes.

Em um país imenso em território, diverso em etnias, o ato


Faça as suas de educar nos apresenta inúmeros desafios de tamanha comple-
anotações:
xidade. Para lidar com diferentes culturas geralmente presentes
Que outras fontes em uma mesma turma de Educação Física, o professor deve
de mudanças cul-
turais você pode enumerar no atentar para os costumes, as histórias de vida, os saberes locais
campo de intervenção obser- para trazer toda a riqueza de conhecimento de jogos e tradições
vado?
Compare estes resultados
da sua comunidade.
com os encontrados em sua
O Esporte e a Educação Física podem ser vistos como veí-
realidade profissional.
culo de modificação do modo de ser de uma comunidade trazendo
novos valores, congregando diferentes classes sociais, culturas,
gerando relações de amizades. Podem também ser vistos como
mantenedores da tradição, do lúdico. Isto dependerá do enfoque
educacional construído a partir da postura do professor e dos alu-
nos.

Este é um momento importante para você consolidar sua


aprendizagem.

Vamos refletir e conversar com seus colegas e tutor no fórum so-


bre a cultura:

Exemplifique “mudança cultural” e “aculturação.”

Quais ações podem valorizar a cultura local?

Como valorizar a cultura de grupos sociais minoritários presen-


tes em seu ambiente de intervenção?

Pense como agiria ao trabalhar em uma comunidade indígena


com aulas de Educação Física?

Você já passou pela experiência de ter um choque cultural?

Exemplifique, com sua experiência ou de outra pessoa e não


se esqueça de comentar a participação dos seus colegas.

488
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

1.3 Organização e Instituição Social


Na sociedade, como nos campos de intervenção da Educa-
ção Física, encontramos organizações formais e não formais onde
o profissional desenvolve o seu trabalho.

Para Monteiro, Ventura e Cruz (1999) estas organizações


Registre em seu
podem ser vistas de diferentes formas: como máquinas, exercendo
Diário de bordo:
seu papel para que o todo funcione; como organismos, onde as
Qual a estrutu-
necessidades organizacionais devem ser bem compreendidas e
ra organizacional
administradas; como cérebros, como um computador ou hologra- encontrada no campo de in-
ma; como culturas, ou realidades socialmente construídas e sus- tervenção observado? Com-
pare-a com a estrutura orga-
tentadas por conjunto de idéias e valores; como sistemas políticos; nizacional de seu campo de
como transformação; como instrumentos de dominação; baseados atuação profissional: O que
há de semelhante? O que há
em princípios políticos. de diferente?
Quais instituições sociais es-
Em uma perspectiva pós-moderna podemos manter todos tão presentes em seu campo
estes pontos de vista e acrescentar outros, para fazer diferentes de atuação observado? Des-
creva a organização em que
leituras de uma organização. Entretanto, iremos manter o olhar na você trabalha comparando-a
organização sob a perspectiva da cultura e da transformação. com a organização observa-
da.
As organizações formais são grupos de indivíduos que or- Desenhe o organograma de
seu campo de intervenção.
denam seus esforços para alcançar determinados objetivos, obe-
Registre nele também as ins-
decendo a regulamentos, possuindo hierarquia de autoridade e tituições sociais presentes,
funções claramente definidas (COHEN, 1980). Segundo o autor, as organizações parceiras e
o contexto maior onde este
as organizações informais não têm regras rígidas e seus objetivos campo está inserido.
são menos definidos.

Não devemos confundir organizações com instituições sociais. Para a so-


ciologia, uma instituição é um sistema organizado de padrões sociais, que
congrega certos comportamentos unificados com a finalidade de suprir as
necessidades básicas da sociedade. Existem cinco instituições sociais bá-
sicas, comuns a todas as sociedades: a familiar; a educacional; a religiosa;
a econômica; e a governamental.

Agora você pode distinguir a diferença entre uma organização


social e uma instituição social, dentro da abordagem sociológica.

489
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

1.4 A Cultura Organizacional


Quando entramos em uma comunidade, ou em uma or-
ganização formal ou informal, podemos lançar o olhar para uma
infinidade de fatores e observar a cultura organizacional, ou seja,
o jeito de ser da organização.

Siga este roteiro ou crie outro, registrando as observações


do campo de intervenção em seu diário de bordo:

Como está constituída a hierarquia organizacional? Como os par-


ticipantes se reúnem em torno das suas metas? Como interagem
para atingir seus objetivos? Quem são seus líderes? Quem são
os seus integrantes? Como as pessoas se comunicam? Como se
apóiam? Como se relacionam? Como se organizam? Quais são
suas festividades? Qual é sua história? Quais são os seus prin-
cipais valores? Quais organizações são suas parceiras? Qual o
projeto político e pedagógico que orienta esta organização.

Estas e outras características fazem parte da identidade


da organização e constituem suas manifestações culturais ou sua
cultura organizacional.

Podemos perceber que cargos, funções e hierarquias pro-


duzem espaços de poder. Observe como os profissionais ocupam
seu espaço de poder ao exercer suas funções e interagir.

Observe especificamente o professor de Educação Física


em seu campo de intervenção e reflita: Como ele ocupa seu es-
paço de poder na organização? Como ele exerce seu papel de
líder? Quais valores ele passa para seus alunos? Compare todas
as suas observações com sua experiência profissional. Quais re-
lações você pode estabelecer entre o que observou e a sua re-
alidade profissional? Registre estas suas reflexões em seu diário
de bordo.

490
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Hora de praticar
Trabalho individual/ Tarefa 1

Vamos organizar as observações realizadas até aqui como forma de aprofundamento de


seus estudos.

Faça uma síntese das reflexões registradas até o momento.

1.5 A Educação em Contexto Adverso


Na Educação Física o professor atua em diferentes con-
textos: em comunidades em estado de vulnerabilidade social, em
clubes, em escolas, em hospitais, em praças de esportes, etc.
Apesar de seu trabalho ser centrado no que acontece dentro da
sua aula junto aos seus alunos, um olhar mais atento associado
ao diálogo com a turma revela que a realidade brasileira é bem
complexa e que seu trabalho deve ser estendido também à família
e à comunidade para que realmente amplie seus resultados.

A experiência vai mostrando que as dificuldades relacio-


nais em quadra associam-se aos problemas familiares e sociais.
O contexto violento do entorno é reproduzido em brigas e agres-
sões dentro da quadra. O esporte profissional também é fonte de
uma cultura bem diferenciada trazendo exemplos de comporta-
mentos irreverentes, muito distante do que pretendemos atingir
por meio do ensino do esporte educacional. É preciso intervir para
poder transformar esta realidade e o papel do educador como
agente de mudança é fundamental. Muitos se perguntam frequen-
temente: até aonde vai a competência do educador quando o con-
texto é tão adverso?

491
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Neste sentido, o professor de Educação Física deve focar


adequadamente as dimensões pedagógicas, lúdicas, psicológi-
cas, de desenvolvimento e aprendizagem para atingir o objetivo
de educar integralmente o aluno. A educação integral deve abran-
ger ações específicas que ajudem aos alunos reestruturar-se e
Dentro das tendências transformar-se em busca da auto-realização.
pedagógicas vistas na
disciplina Didática da Por isso, achamos que o professor de Educação Física
Edudação Física, foram
apresentadas a aborda- deve resgatar seu papel de educador buscando sua identidade
gem crítica, progressista na abordagem crítica, progressista e emancipadora, baseada nas
e emancipadora.
práticas corporais produzidas historicamente para atuar em uma
realidade de injustiças.

O educador deve buscar inspirações nas práticas humani-


zadoras, se guiar por uma aprendizagem significativa para utili-
zar descobertas, resgatar consciência dos gestos, experimentar
o potencial criativo, respeitar a individualidade e saber explorar o
jogo, o exercício natural e a liberdade. Pois, somente o ser his-
tórico consegue se distanciar do seu contexto, sendo capaz de
analisá-lo, transformá-lo e comprometer-se, intervindo de forma
consciente em sua realidade (ANDRADE, 2003).

O papel do professor de Educação Física é essencial no


fortalecimento da auto-estima dos jovens em contextos adversos.
Muitas vezes, nas aulas de Educação Física o jovem se sente
amparado, valorizado, fazendo parte, brincando, sonhando com
um futuro melhor. O professor que valoriza o desenvolvimento de
cada aluno, a sua transformação em busca de sua auto realiza-
ção e autonomia realmente é um educador.

Quando um jovem realiza por si mesmo as mudanças e


ações que o levam a crescer, se fortalecer e conquistar sua li-
berdade, independente do meio em que vive é por que alcançou
um grau de autonomia. Esta situação é a descrição do que Paulo
Freire chama de “empoderamento”.

492
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Quando entramos em contato com comunidades em es-


tado de vulnerabilidade social devemos estar atentos para os
principais problemas que as envolvem, tais como: campos de in-
tervenção sem condições apropriadas para o desenvolvimento
do trabalho; falta de articulação com outras instituições; falta de
outros profissionais para atuar; alunos enfrentando a pobreza, a Você sabe o que signi-
fica realmente o termo
violência, com problemas de desnutrição, drogadição e desestru- empoderamento? Visite
a página http://www.
turação familiar. fatorbrasis.org/arquivos/
Paulo_Freire e leia o
Segundo Sudbrack (1992), o cenário da pobreza leva os jo- texto sobre Paulo Freire,
vens a passarem da infância para a vida adulta de forma abrupta autor do termo “empode-
ramento” em seu sentido
e muitas vezes sem maturidade para assumir precocemente seu transformador.
papel no mercado de trabalho ou em outra função social que lhe é
apresentada. Este é um problema que leva o jovem ao desajuste,
pois muitos se frustram em sua carreira escolar e perdem a espe-
rança de profissionalização.

A constatação de que cada vez mais cedo nossos jovens


experimentam algum tipo de droga, tal como o álcool, o tabaco e
os solventes é também real. Existe um uso crescente de outras
drogas entre jovens de comunidades carentes de alto grau de to-
xidade como merla e crack, estas derivadas da cocaína e outras
drogas injetáveis que aumentam o risco à transmissão do HIV e
da AIDS.

O sentimento de impotência muitas vezes pode


surgir para o profissional que está tendo sua primeira
experiência em contexto adverso. O ideal é agir sem-
pre articulado a outros profissionais e instituições,
buscando participar de uma equipe multiprofissional
e atuar em “rede” com outras instituições para obter
apoio nas diferentes situações que envolvem o coti-
diano do seu campo de intervenção.

Atualmente, o ensinar com competência e compromisso é


uma proposta que deve ser calcada nos valores educacionais e
deve perceber o aluno como ser integral para ajudá-lo a superar
tantos desafios. Esta tarefa é para educadores conscientes, ati-

493
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

vos, dinâmicos e realizadores, que aplicam fundamentos e jogos


como recurso pedagógico vinculado ao projeto educacional da
instituição com intencionalidade e de preferência a partir da expe-
riência dos alunos.

Outro aspecto fundamental para o desempenho do papel


do educador é a consciência de suas múltiplas funções sociais,
de maneira a não separar do processo pedagógico as atividades
políticas, pois qualquer ação educacional é primeiramente uma
ação política (P. FREIRE, 1983). Por isso, atuar em equipe multi-
disciplinar amplia o olhar do profissional, nos mostra as compe-
tências da interação com diversas áreas de atuação.

1.6 O Trabalho em Rede

Você sabe o que são


Quando o professor se articula a outros profissionais para
redes sociais e institucio-
nais? Por que a teoria de compor uma equipe multidisciplinar, ele recebe o apoio de dife-
redes é importante para rentes áreas de conhecimento em forma de orientação, de con-
a prática da Educação
Física e de tantas outras sulta e não se sente mais isolado em sua prática.
profissões?
Ao se articular com outras organizações buscando solu-
cionar problemas que fogem de seu alcance, ele estabelece re-
des institucionais estruturadas e de qualidade ampliando as suas
ações. Quando ele busca amigos, familiares, professores de ou-
tras disciplinas para apoiar seu aluno, ele ativa a rede social do
aluno e colabora intensamente para seu desenvolvimento huma-
no.

Todas as nossas atividades humanas formam redes de re-


lações afetivas, profissionais e institucionais que circulam emo-
ções, informação, conhecimento, e valores.

Pense em sua rotina diária com o foco nas pessoas que


você se relaciona e perceba que elas formam sua rede social.
Pense nos profissionais e nas instituições que você se relaciona e
perceba sua rede profissional e institucional. As redes estão pre-
sentes o tempo inteiro, e para notá-las temos que vê-las como um
sistema vivo e dinâmico. Por isso um passo importante para com-

494
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

preender o trabalho em rede é estudar os sistemas vivos, para


compreender como a vida realmente acontece.

Um exemplo de rede social muito comum hoje em


dia é a que formamos pela internet nos sites de relaciona-
mentos quando compartilhamos idéias com outras pesso-
as que possuem interesses, valores e objetivos comuns.
Estes grupos são formados por pessoas que possuem
identidades semelhantes. Em nosso curso também forma-
mos as redes por afinidade em nosso grupo de estudo,
nos contatos com os tutores, supervisores, professores e
com os alunos.

Por meio das redes sociais podemos combater a pobreza,


a exclusão social e a violência. Neste contexto, o educador tem
um papel fundamental para unir os alunos em torno de um obje-
tivo em comum, de forma igual e democrática, reorganizando o
Teoria de redes- Euler
grupo em torno de novos valores e responsabilidades. foi um matemático res-
ponsável pelos primeiros
Destacamos que nas aulas de Educação Física e no co- estudos da teoria de
redes e foi o criador da
tidiano do Esporte as redes sociais são formadas naturalmente, teoria dos grafos, um
pois seus praticantes jogam, organizam estratégias, comparti- conjunto de nós, conec-
tados por arestas que,
lham suas vidas, mantêm interesses comuns, revitalizando suas em conjunto, forma uma
rede. O estudo das redes
relações afetivas.
complexas foi iniciado
pelas ciências exatas e,
Para o físico Fritjof Capra (1996) o segredo da vida é saber em seguida, promovido
compartilhar, fazer parceiros e trabalhar em rede para que a teia pela sociologia, numa
perspetiva de análise es-
da vida continue sendo alimentada no planeta. Por isso o esporte trutural das redes sociais
como veículo de educação que nos apresenta a competição de Acessem também
http://pt.wikipedia.org/
forma lúdica deve ser também fundamentado nos valores da co- wiki/Rede_social
operação.

Nas comunidades do interior, nas comunidades


indígenas, os fenômenos da cooperação e da vivência
coletiva são facilmente observados fazendo-nos perce-
ber a rede da vida.

495
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 1 PÓS-MODERNIDADE, CULTURA E ORGANIZAÇÃO SOCIAL

Agora que você sabe o que são redes sociais, profissionais


e institucionais pense por que a teoria de redes é importante para
a prática da Educação Física e de tantas outras profissões?

Hora de praticar
Trabalho em equipe/ Tarefa 2

Este é um momento importante para você consolidar sua aprendizagem.


Redija um texto de 10 a 15 linhas sobre “Educação Física em contexto adverso em sua
realidade de observação: o papel do professor como agente de mudança e o trabalho em
rede.

Na Unidade 1 apresen- safiando-nos a atuar de forma consciente


tamos um novo modo e ética em nossa comunidade e a produzir
de refletir sobre a práti- novos conhecimentos.
ca do professor de Edu-
Vimos que os conceitos de cultura
cação Física, a partir
e organização foram apresentados na ex-
do paradigma da complexidade. O pen-
pectativa de mostrar as particularidades e
samento complexo nos instiga a explicar
diversidades das organizações sociais au-
a realidade de uma forma mais integrada,
xiliando-nos a refletir sobre o papel de edu-
subjetiva e multidimensional, valorizando a
car e construir a nossa realidade, atuando
experiência singular e coletiva, o contexto
em equipe multidisciplinar e em rede.
histórico, social, político e econômico, de-

Esperamos que você tenha aproveitado esta unidade e produzido muito conheci-
mento por meio dos registros de suas reflexões sobre a realidade!

496
PRÁTICASCURRICULARES
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 2 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

UNIDADE 2
Participação e Cidadania nas
Aulas de Educação Física

Na segunda Unidade vamos discutir sobre as diferentes formas de participação


que envolvem a relação professor-aluno e sobre a importância de educar para a cida-
dania em aulas de Educação Física, destacando o papel do professor e da família na
formação do aluno. Dando prosseguimento à observação em seu campo de intervenção
escolhido, vamos observar como acontece a educação para a cidadania a partir da prá-
tica do professor e de como ele interage com seus alunos.

Objetivos
Ao final desta Unidade esperamos que você seja capaz de:
perceber as diferentes formas de participação numa aula de Educação Física a partir
da interação professor-aluno;
conceituar cidadania;
observar a ação de educar para cidadania do professor de Educação Física em seu
ambiente formal ou não formal, comparando-a com seu próprio ambiente de atuação
profissional;
discutir sobre a parceria da família na educação do aluno;
construir regras de cidadania em sua turma.

Desejamos a você um ótimo estudo!

497
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 2 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

2.1 A Participação como Base da


Observação
No trabalho de campo, quando observamos o fenômeno
da participação em uma aula de Educação Física e de Esporte,
temos inúmeras interações acontecendo ao mesmo tempo. Para
captar as informações desejadas é preciso se organizar para
manter o foco no objetivo da observação.

A princípio encontramos dificuldades para realizar esta ta-


refa, pois a participação é uma medida da nossa vivência e não
da nossa observação. Por isso, em primeiro lugar vamos enfocar
teoricamente o fenômeno da participação em nossa sociedade
para que possamos nos familiarizar com ele e, mensurá-lo de for-
ma mais profunda em nossa prática profissional.

2.1.1 As Diferentes Formas de Participação

A participação é o processo social de fazer parte, tomar


parte e ter parte, onde a não participação, também, é uma ma-
neira de participar. Podemos participar de processos organizacio-
nais, ativa ou passivamente, onde a forma como tomamos parte
caracteriza a qualidade da nossa participação. Participar na famí-
lia, na escola, no trabalho, no esporte, na comunidade constitui a
aprendizagem e o caminho para aprendermos sobre a partici-
pação em um nível político e social mais amplo. A forma de par-
ticipação pode ser aperfeiçoada e mudar de passiva para ativa e
crítica (BORDENAVE, 1994).

Historicamente, temos a postura de não participar na so-


lução dos problemas comuns. A vivência comunitária não foi de-
senvolvida no Brasil colônia, marcado pelo trabalho escravo, onde
o poder alternava entre os senhores das terras, a corte, o gover-
nador e os representantes políticos. O povo brasileiro foi mantido
durante muito tempo longe das decisões e, por isso, não estrutu-
rou formas de vida democrática, que crescem por meio da parti-
cipação.

498
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 2 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Após as interrupções políticas das décadas de 60 e 70, o


país ensaiou as primeiras experiências de participação nos mo-
vimentos sociais que ganharam força por volta de 1980. Nossa
democracia tem muito que ser aprimorada para poder se tornar
uma prática participativa real. Temos uma democracia nos direitos
de voto, mas não temos uma democracia no usufruto dos bens de
consumo e econômicos. Segundo Paulo Freire (2001), a inexpe-
riência democrática deve ser superada pela experiência da parti-
cipação.

Participar é conquistar nosso espaço de autopromoção,


de autogestão, de democracia, de liberdade, de convivência. A
participação é “um fenômeno essencialmente político, ainda que
nunca divorciado da base econômica. Pois dificilmente a autopro-
moção é alcançada sem auto-sustentação” (DEMO, 2002, p. 12).

A participação da pessoa permite a pessoa se transformar


de objeto em sujeito, tomar decisões, conhecer suas potencialida-
des, valorizar seus saberes e ter consciência dos ganhos quando
intervêm em organização social (DABAS & NAJMANOVICH, 1995).

A participação é o principal eixo da política social para mini-


mizar desigualdades sociais, ao lado do eixo sócio-econômico e as-
sistencial. Quando participamos, ocupamos espaço de poder, ocupa-
mos espaço de outros, conquistamos nosso espaço (DEMO, 1988).

A qualidade do fenômeno participativo é captada através


Registre em seu “di-
da vivência, não da observação. Podemos vivenciá-la de maneira ário de bordo” e faça
intensa em uma organização nas dimensões da representativida- uma discussão com
seu grupo de estu-
de da liderança, legitimidade do processo, participação da base e do.
Quais as diferentes formas
planejamento participativo auto-sustentado.
de participação dos alunos
observadas no campo de in-
Podemos avaliá-la nos âmbitos de convivência entre as tervenção escolhido?
pessoas, da vivência comunitária e da identificação ideológica. Como o professor conduz
o processo de participação
Outras dimensões específicas da participação podem ser perce- em sua aula de Educação Fí-
bidas na consciência política e social; na capacidade crítica e au- sica?
Registre suas impressões
tocrítica; na identidade, solidariedade e conflitos comunitários; na e comente as reflexões dos
seus colegas a partir da leitu-
visão do Estado; na necessidade de auto-sustentação; na educa-
ra realizada.
ção e associação. A partir da noção de pobreza política podemos

499
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 2 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

avaliar a participação nas dimensões: dificuldade de auto-promo-


ção; dificuldade de auto-sustentação; e as chances de autogestão
(DEMO, 2002, pp. 12-26).

2.2 Cidadania e Educação Física


O tipo de participação necessária à construção da cida-
dania é a mais ativa, a mais participativa possível. Para isso é
preciso pensar no conceito de cidadania. O que é ser cidadão? O
que é a não cidadania? De qual cidadania precisamos no Brasil?
Quais as conseqüências da falta de cidadania para uma comuni-
dade? Como trabalhar na construção da cidadania?

Vamos entrar nestes temas mais devagar iniciando nossa


discussão pelas diferentes formas de olhar para a cidadania.

2.2.1 Conceitos de Cidadania

A palavra “cidadão” vem da raiz latina “civita”, de origem na


idade média, significa habitante da cidade e está vinculada a as-
censão da burguesia e do capitalismo (RIBEIRO, 2001).

A cidadania pode ser definida como “a competência huma-


na de fazer-se sujeito, para fazer história própria e coletivamente
organizada” (DEMO, 1995, p. 1).

Para ser cidadão é preciso ter consciência dos direitos e


deveres e participar de uma maneira digna das dimensões econô-
mica, política, social e cultural da sociedade, sabendo da igualda-
de dos homens perante a lei, independente de raça, credo e cor. A
reivindicação dos direitos civis, políticos e sociais garante existir a
cidadania. Ter direito à vida no sentido pleno é um direito que pre-
cisa ser construído coletivamente, para garantir as necessidades
básicas do cidadão (MANZINI-COVRE, 2001).

A não cidadania caracteriza-se pelo não exercício destes


direitos e deveres, resultando em todos os tipos de pobreza e ex-
clusão, processo este que reflete na desqualificação, na desinser-
ção, na não afiliação e na apartação social que só poderão ser

500
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 2 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

superados quando rompermos com a relação de subordinação,


discriminação e subalternidade. “A exclusão é um fenômeno mul-
tidimensional que superpõe uma multiplicidade de trajetórias de
desvinculação” (WANDERLEY, 1999, p. 23).

2.2.2 Cidadania na História da Sociedade


Brasileira

A história brasileira, marcada por conquistas e domina-


ções, mostra que sempre houve classes sem cidadania, como
exemplo podemos citar os índios, os negros, os camponeses, as
mulheres, os migrantes, os favelados, os sem teto. Na década
de 70, as prioridades de luta para cidadania se caracterizavam
pela busca de moradia, legalização de documentação, emprego
e alimentação. Nos anos 80, a democracia, a segregação urbana,
a questão espacial e territorial eram mais discutidas, dentre tan-
tas outras lutas presentes. Os anos 90 reapresentam a exclusão
como conceito de não cidadania. As políticas neoliberais atuais
elaboram políticas de inclusão fracas que atenuam apenas o pro-
blema, favorecendo a classe dominante (VÉRAS, 1999).

Conquistamos os direitos do voto direto, há 18 anos atrás e


nos perguntamos, o que realmente conquistamos? Nossa miséria
é tão grande que nossa reivindicação atual é pelos direitos sociais
de comer, morar, trabalhar, ter segurança. O exercício da cidada-
nia não pode estar vinculado somente ao voto. A consciência dos
direitos não é estática, como também a consciência da cidada-
nia muda. A concepção da cidadania para atender esta demanda
deve estar vinculada a uma formação que eduque a capacidade
de pensar, criticar e duvidar (ARROYO, 2001).

Comparando os dados quantitativos sobre cidadania, em


função do grau de associativismo entre 1990 e 2000, encontra-
mos um quadro relativamente igual. Nossa cidadania menor con-
tinua pequena (DEMO, 1991, 2001a).

501
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 2 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

2.2.3 Reflexos da Cidadania nos Programas Sociais

Em nossa gestão política temos programas caracterizados


pela cidadania tutelada que usa o clientelismo para acobertar a
questão social e implantar a dependência crônica com a doação
assistencialista. Temos também programas caracterizados pela
cidadania assistida, ligada à noção de direito, à perspectiva do
beneficiário passivo e obediente, que se torna assistencialista à
medida que não fortalece a emancipação do excluído, e perpetua
uma situação que deveria ser temporária (DEMO, 1995).

Na verdade os objetivos a serem atingidos por programas


para a comunidade deveriam ser os que constroem a cidadania
combatendo a miséria política, dando oportunidade para prevale-
cer projetos que contribuam para a emancipação do ser humano.

Observamos que a perpetuação do autoritarismo nas ins-


tituições brasileiras e na vida cotidiana, as hierarquias sociais, as
formas diferenciadas do cumprimento às leis, as desigualdades
de rendas, as injustiças sociais são proporcionais à violência, ao
crime organizado, ao consumo de drogas e à miséria, sendo todos
fenômenos da ausência da cidadania na política, na economia e
na vida social. As crianças das classes desprivilegiadas não têm
direito à infância, à escola de qualidade e no futuro ao emprego e
ao salário. As classes pobres são marginalizadas, onde o próprio
sistema e meios de comunicação perpetuam esta imagem sem
vê-los como vítima (MELLO, 1999).

A automação da nossa sociedade diminuiu os empregos


gerando trabalho especializado e escasso. O neoliberalismo pres-
supõe que o progresso e o desenvolvimento só são possíveis
através da competitividade, um novo nome para o colonialismo,
onde o confronto de interesses faz com que a pessoa lute, traba-
lhe, e se esforce para melhorar sua qualidade de vida, excluindo
as mais fracas e mantendo a dominação das mais fortes. A legi-
timação da exclusão é feita quando o próprio excluído torna-se a
vítima e o vencedor é aplaudido com seu sucesso, onde o homem

502
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 2 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

percebido fora da relação e do contexto é o único responsável por


sua vitória e derrota. A única chance de sairmos desta situação é
buscarmos soluções que levem à práticas mais humanas com re-
lações diversificadas, democráticas e participativas (GUARESHI,
1999).

A cidadania terá que solucionar a redistribuição de renda


e poder, através do controle democrático oriundo de um proces-
so histórico organizado de conquista e fazer prevalecer o bem
comum sobre a acumulação do capital. A educação para cidada-
nia é fator central de desenvolvimento, pois só o sujeito humano
competente é capaz de promover e participar de projeto próprio e
coletivo (DEMO, 1998, 2000c).

2.2.4 O Espaço da Cidadania na Pós-modernidade


As práticas da cidadania são construídas no espaço públi-
co da sociedade por meio de atitudes, ações, comprometimento
e do posicionamento político dos sujeitos, portadores do direito
de ter direito, que reconheçam que as desigualdades sociais tem
origem na relação de dominação. “Cidadania é estar permanente-
mente comprometido com os direitos humanos, sociais...” (SILVA,
2001, p. 175).

É preciso compreender a cidadania pelo aspecto do po-


der. Santos (1995/2001) sugere que as sociedades capitalistas
apresentam quatro formas básicas de produção de poder, que
são, simultaneamente, espaços estruturais e espaços tempo: “o
espaço doméstico; o espaço da produção; o espaço da cidadania;
e o espaço mundial” (p. 125). Cada uma dessas formas constitui
um feixe de relações sociais paradigmáticas, e todas as outras
formas presentes na sociedade representam combinações diver-
sas entre estes quatro conjuntos. “Cada espaço estrutural pode
ser compreendido como um fenômeno complexo constituído por
cinco componentes elementares: uma unidade de prática social,
uma forma institucional privilegiada, um mecanismo de poder,
uma forma de direito e um modo de racionalidade” (p. 126).

503
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 2 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Santos (1995/2001) indica que o espaço da cidadania é


formado pelas relações sociais do âmbito público entre o Esta-
do e os cidadãos, onde o indivíduo é a unidade prática social. O
Estado é a forma institucional. A dominação é o mecanismo de
poder. O direito territorial é a forma da juridicidade. E a lealdade é
o modo de racionalidade.

Assim a cidadania só poderá ser verdadeira quando puder-


mos conhecer a história, a política e a economia mundial e local,
para podermos criar mecanismos de participação efetivos e não
decorativos. A participação efetiva na família, no trabalho, na ci-
dade, no país e no mundo, realmente nos fará pensar e agir mais
em rede, a construir relações de solidariedade, de cooperação e
de trocas e deixarmos de lado as ações de competição e de do-
minação.

Portanto, como afirma Morin (1999/2001b), creio que a ver-


dadeira cidadania surgirá quando nos sentirmos solidários e res-
ponsáveis, a partir de uma percepção profunda de filiação, a ser
cultivada para todo o planeta. Creio ainda que este sentimento
esteja vinculado ao espaço do amor, não do poder.

2.3 Esporte na Comunidade: Um Estudo


de Caso
Você já foi questionado sobre como educar para a cidada-
nia em uma aula de Educação Física e Esporte na comunidade?

Como exemplaridade, vamos citar que esta foi a pergun-


ta que os integrantes de uma Organização não governamental
– ONG formularam, a uma pesquisadora, há alguns anos quando
foram confrontados em seu objetivo principal de formar o cidadão,
por meio de atividades esportivas para a comunidade.

Para aprofundar um pouco mais na realidade desta ONG,


apresentamos a proposta da entidade: educar crianças e jo-
vens para serem cidadãos ativos e responsáveis através da ofer-
ta do esporte como meio de edução, retirando-os do mundo das

504
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 2 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

drogas e da violência presentes em sua comunidade. Este foi o ob-


jetivo formulado por um educador, um político, pelas famílias dos
jovens e pelos voluntários da comunidade, em sua maioria com-
posta por atletas e ex-atletas.

Tudo transcorria bem, até que o educador observou que os


valores do esporte profissional prevaleciam nas aulas planejadas
por seus voluntários. A competição era exacerbada, a formação de
atletas era um sonho do jovem e de sua família e a Organização
era vista como trampolim para esta profissionalização no esporte.
Até a cultura da “venda do passe” para o jovem ir de uma equi-
pe comunitária a outra dominava as relações entre os técnicos da
ONG e do entorno.

Observe que as principais instituições presentes naquela realidade são: a


política, a educacional, a esportiva e a familiar. Observe, também, que o
valor de cada uma das instituições difere. Quais destas instituições predo-
minam uma vez que revelam valores algumas vezes contraditórios?

Conversando com todos os integrantes voluntários espor-


tivos, que ministravam a prática do esporte, ficou claro que a pro-
posta deles era que a educação para cidadania deveria acontecer
fora da hora do jogo, fora de sua aula e deveria estar vinculada a
atividade política da ONG.

Conversando com o educador e o político, vimos que eles


gostariam que as ações educativas fossem ministradas em mo-
mentos de estudo, de participações extras em outras atividades
e que o esporte fosse apenas um momento lúdico para atrair as
crianças e os jovens para a educação proposta pela ONG.

Hora de praticar
Hora de praticar/ Tarefa 1

A partir destas observações, como você apoiaria esta ONG pra resgatar seu objetivo de
educar para a cidadania por meio do esporte?

505
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 2 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

2.4 A Participação da Família


A instituição família apresenta-se de diferentes formas na
educação de suas crianças e jovens. Em certas situações, o pro-
fessor pode contar com sua parceria participando efetivamente
da educação na escola, interagindo discutindo os problemas
reais enfrentados pela comunidade e buscando soluções.
Em outras, a família pode pressionar de forma dissociada,
impondo sua visão que nem sempre vai ajudar a construir
os valores coletivos. Podemos citar, também, as famílias au-
sentes, distanciadas do processo de formação.

Agora é com você:

Vamos criar as regras de convivência em sua escola e co-


munidade com objetivo de educar para a cidadania? Considere
a cultura, a diversidade, a inclusão, o respeito, além das leis da
cidade e do país.

Você vê a família com potencial para


auxiliá-lo em sua aula? Como é a atuação
da família em campo de observação?A
participação da família é integrada às
ações do professor ou transcorre de forma
paralela?

Hora de praticar / Trabalho em equipe


Tarefa 2
Este é um momento importante para você consolidar sua aprendizagem.
A partir de sua reflexão sobre: a intervenção do professor, a participação da fa-
mília; a construção de regras em sua turma. Redija um texto de 10 a 15 linhas
sobre: “Educação para cidadania na comunidade”.

506
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 2 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Educar de forma plena alunos, famílias e comunidade. Por isso a


é construir a noção da importância do educador em criar novos
cidadania, da solida- caminhos com responsabilidade, ética e
riedade, do respeito a olhando para o aluno como ser integral.
partir das vivências dos

507
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 2 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA NAS AULAS DE EDUCAÇÃO FÍSICA

508
PRÁTICASCURRICULARES
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

UNIDADE 3
Os Conteúdos da Educação
Física: Construindo a Cidadania
Corporal

O que o aluno deve aprender nas aulas de Educação Física?

Nesta Unidade, você irá discutir sobre os conteúdos da Educação Física.

Objetivos
Ao final desta Unidade esperamos que você seja capaz de:
distinguir as diferentes dimensões dos conteúdos da Educação Física;
identificar os conteúdos específicos de cada tendência pedagógica da Educação Fí-
sica;
conscientizar-se sobre a necessidade de compreender os conteúdos da Educação
Física dentro de uma visão mais abrangente considerando a diversidade do compor-
tamento humano;
compreender o conceito de cidadania corporal.

Vamos lá!

509
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

3.1 Construindo a “Cidadania Corporal”

Vamos falar um pouco sobre o papel do professor de Edu-


cação Física dentro de um contexto social cada vez mais adverso
e muitas vezes com poucos recursos físicos e materiais. O primei-
ro ponto é entender que o professor deve propor a transformação.
De acordo com o que foi discutido na unidade 1 sobre a cultura,
devemos olhar mais para cada aluno, suas diferenças e neces-
sidades ao invés de tratar a todos de forma universal. Devemos
olhar para a diversidade de comportamentos, de atitudes e de va-
lores. Portanto, pensar o processo de intervenção pedagógica da
Educação Física dentro do pensamento complexo significa saber
olhar ao mesmo tempo para as potencialidades e para as dificul-
dades dos alunos.

Tendo como base os diversos conceitos de cidadania dis-


cutidos na unidade 2 (DEMO,1995; BOAVENTURA, 1995; SILVA,
2001; MANZINI-COVRE, 2001), vamos agora construir uma rela-
ção entre o significado desse termo com os conteúdos culturais
da Educação Física. Antes, porém, é fundamental termos a com-
preensão de que conteúdos como o esporte, a dança, o jogo, a
ginástica e as diversas formas de expressão corporal construídos
historicamente pelo homem são direitos sociais e que devem ser
assegurados pelo estado (COLETIVO DE AUTORES, 1992).

Nessa perspectiva, a escola se configura como um dos


mais importantes espaços de consolidação desses direitos. Des-
Cidadania corporal sa forma, o professor de Educação Física tem o papel de contri-
significa:
Ser saudável buir para a construção da cidadania corporal. Mas o que signi-
corporalmente; fica isto? Esta idéia que estamos lançando nesse texto deve ser
interagir corporalmente;
conhecer sobre a cultura entendida dentro do contexto maior que é a cidadania. O termo
corporal; cidadania, em consonância com o já discutido, refere-se ao con-
possuir habilidades
motoras e esportivas; junto de direitos e deveres do cidadão dentro de uma sociedade.
conhecer os seus direitos
sobre o acesso às
De acordo com Jaime Pinsky
manifestações da cultura Ser cidadão é ter direito à vida, à liberdade, à
corporal tais como o
esporte e o lazer. propriedade, à igualdade perante a lei: é, em resumo,
ter direitos civis. É também participar no destino da

510
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

sociedade, votar, ser votado, ter direitos políticos. Os


direitos civis e políticos não asseguram a democracia
sem os direitos sociais, aqueles que garantem a
participação do indivíduo na riqueza coletiva: o direito
à educação, ao trabalho, ao salário justo, à saúde, a
uma velhice tranqüila. Exercer a cidadania plena é ter
direitos civis, políticos e sociais. (p. 1)

Podemos identificar, através da citação acima, que cidada-


nia plena é obtida somente quando o indivíduo possui condições
(saúde, educação, trabalho, lazer etc) para obter os seus direitos.
Em se tratando de saúde, a Organização Mundial de Saúde enfa-
tiza que o conceito de saudável não é simplesmente a ausência
de doenças, mas um completo bem-estar físico-psiquico-social.
Desta forma, podemos afirmar que saúde não é apenas um pro-
cesso de intervenção na doença, mas um processo de constru-
ção, manutenção e recuperação do estado de saúde. Através
desta definição ampliada podemos identificar vários fatores que
podem contribuir para a qualidade de vida tais como: orgânicos,
psicológicos, sociais, comportamentais, e estruturais.

Quando pensamos nos fatores orgânicos, rapidamente li-


gamos ao tema condição física. A habilidade para realizar desde
movimentos básicos da vida diária (comer, vestir-se, andar, cor-
rer) até o aprendizado de manifestações culturais mais complexas
(dança, jogos, esporte) pressupõe uma condição física adequada
que é obtida através da prática. Portanto, assim como, ter acesso a
esses direitos, a saúde é algo a ser conquistada. Nesta conquista,
cabe ao professor de Educação Física orientar adequadamente
os alunos para a melhor maneira de executar os exercícios, forne-
cer conhecimentos sobre o cuidado com o corpo, dentre outros.

A influência dos fatores psicológicos (auto-estima), so-


ciais (relacionamento) e comportamentais (hábitos, lazer) na
saúde e em conseqüência na qualidade de vida podem ser anali-
sados em conjunto. Veja a situação:

511
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

Em um determinado momento foi construída uma quadra


de voleibol em um bairro de uma localidade. Esta quadra passou
a ser o ponto de encontro de todos adolescentes do bairro fosse
para jogar ou para ver as pessoas jogando, ou mesmo para en-
contrar os amigos. Os adolescentes passavam o dia todo jogan-
do voleibol. Porém, um adolescente que não possuía conteúdos
suficientes para participar do jogo de voleibol afastou-se deste
convívio logo após a sua primeira frustração. Os amigos contribu-
íram para este afastamento ao não escolhê-lo para participar das
equipes nos dias seguintes.

No exemplo acima, o adolescente não teve acesso a um


conteúdo cultural, configurado como um direito que ampliaria a
sua cidadania corporal.

A falta de conteúdos motores mínimos pode reduzir as vi-


vências motoras e conseqüentemente as possibilidades de inte-
ração social. Portanto, cabe ressaltar novamente que o papel do
professor de educação física é contribuir para a construção da
cidadania corporal.

Pensar em cidadania corporal também é pensar o esporte e o lazer como


patrimônio (fenômenos culturais) e direitos sociais. Portanto, o aluno tem o
direito de ter acesso a esse patrimônio e o professor tem o dever de trans-
mitir este conteúdo. Desta forma, tanto a escola quanto os espaços de lazer
se tornam espaços importantes para a construção da cidadania corporal.

512
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

3.2 Definição e Abrangência dos Conteúdos

Na disciplina Práticas Curriculares I, você teve a oportuni-


dade de conhecer os diferentes espaços de intervenção da Edu-
cação Física e identificar as principais características e os obje-
tivos da intervenção pedagógica nestes espaços. Nesta unidade,
vamos concentrar a discussão sobre os conteúdos gerais e espe-
cíficos da Educação Física na escola. Segundo Libâneo (1991)
conteúdos “são o conjunto de conhecimentos, habilidades, hábi-
tos, modos valorativos e atitudinais de atuação social, organizados
pedagógica e didaticamente [...]” (p.128). A partir desta definição
surge a pergunta: quais os conhecimentos o aluno de Educação
Física deve aprender após uma aula ou após um período letivo ou
determinado programa? A resposta a esta pergunta tem levado os
teóricos da Educação Física a formularem diferentes abordagens
ou concepções pedagógicas para a Educação Física.

Ao longo dos anos os objetivos da Educação Física têm


sido influenciados por correntes teóricas que priorizaram determi-
nados conteúdos em detrimento de outros. Você teve a oportuni-
dade de discutir sobre as influências políticas, ideológicas, sociais,
e outras na definição dos objetivos da Educação Física durante a
disciplina de “História da Educação e da Educação Física”, no pri-
meiro semestre. Tivemos o modelo de Educação Física Higienista
e Militarista, as influências da tendência pedagógica Escolano-
vista, a Educação Física Esportivista, a Educação Física Com-
petitivista. E a partir da década de 80, segundo Darido (2006), as
tendências saúde renovada, desevolvimentista, psicomotricidade,
interacionista, crítico-superadora e crítico-emancipatória.

Se fizermos um quadro comparativo sobre os principais


objetivos e conteúdos das diferentes “formas de pensar e pra- Para não ficar discu-
ticar” a Educação Física no Brasil, iremos observar que cada tindo sobre o conceito
de tendências concep-
autor dentro de suas perspectivas conceituais e metodológicas ções e/ou perspectivas
que definem sua tendência pedagógica “puxa a brasa para sua vamos utilizar um termo
“formas de pensar e
sardinha” apresentando como conteúdos principais aqueles que praticar” que parece ser
mais abrangente.

513
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

estão vinculados às formulações teóricas e aos objetivos que esta


visão compreende da Educação Física.

Vamos refletir um pouco sobre os conteúdos apresentados


no quadro a seguir:

Concepção Pedagógica Finalidade Conteúdos Procedimentais

Higienista Melhoria as funções orgânicas Ginástica, Método Francês

Melhoria Fisiológica, Psiquica,


Método desportivo Generalizado Jogo Esportivo
Social e Moral

Busca do rendimento, seleção,


Esportivista Esporte
iniciação esportiva

Funções psicomotoras (lateralidade,


Psicomotricidade Educação Global
esquema corporal)

Construção do conhecimento,
Construtivista Brincadeiras e jogos populares
resgate da cultura popular

Apropriar-se da cultura corporal Cultura corporal - esporte, jogo,

Crítico Superadora de forma contextualizada social, dança, ginástica, lutas, acrobacias

cultural e historicamente entre outros


Aprender a cultura do movimento
Cultura do movimento - esporte,
Crítico emancipatória de forma reflexiva, visando à eman-
jogo, dança, ginástica entre outros
cipação humana

Desenvolvimento e Apredizagem de
Desenvolvimentista Habilidades motoras
habilidades perceptivo-motoras

Saúde Renovada Aptidão Física Exercício, Ginástica

Cidadania, integração à cultura Jogos, esportes, ginástica, lutas,


PCNs
corporal atividades rítimicas

514
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

A discussão sobre qual deve ser o objetivo da Educação


Física; e em conseqüência quais os conhecimentos são impor-
tantes para o aluno, pode ser pensada a partir da idéia de “Pa-
radigmas do Movimento” apresentada na unidade 3 da disciplina
Didática da Educação Física. Partindo do princípio básico de que,
por exemplo, o objeto de estudo da Educação Física na ten-
dência desenvolvimentista é o movimento humano, o professor de
Educação Física tem o papel de intervir pedagogicamente para a
melhoria deste movimento. Na linguagem de Gallahue (2008) este
paradigma é expresso pela frase “fisicamente educado”. Estar fisi-
camente educado significa: (1) um indivíduo com habilidades ne-
cessárias para executar uma variedade de atividades físicas; (2)
ser fisicamente saudável; (3) indivíduo que pratica regularmente
atividades físicas; (4) que conhece as implicações e os benefícios
do envolvimento em atividades físicas e que valoriza a atividade
física como parte de um estilo de vida saudável.

Em contraposição a este paradigma existe a


corrente que pensa no movimento enquanto um meio
para se atingir outros fins. Conforme Serique (2008)
as aulas de Educação Física podem utilizar o movi-
mento.
como um meio do processo ensino-
aprendizagem, em que o foco central
passa a ser o desenvolvimento cognitivo
(aspectos relacionados à utilização da
mente), afetivo (relacionamento com
sentimentos e emoções), ou social
(relacionado com interações entre os
participantes) (p. 76).

Todas as “formas de pensar e praticar” a Educação Física,


apresentados na Disciplina Práticas Curriculares I, Didática da
Educação Física e História da Educação e da Educação Física,
podem de certa forma ser incluídos em um dos dois paradigmas
do movimento. Na realidade, o que se observa é que houve uma
ênfase em determinadas dimensões dos conteúdos da Educa-

515
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

ção Física. De um lado, algumas aulas estão mais voltadas para


o ensino de habilidades motoras, de habilidades esportivas, va-
lorizando o desenvolvimento da condição física e das funções
orgânicas. Do outro lado, observamos aulas com pouca preocu-
pação no desenvolvimento da condição física e um grande foco
em processos de interação social, desenvolvimento da cidadania
e da aprendizagem de habilidades cognitivas, psico-afetivas, e
preocupado com as manifestações culturais. Portanto, o que ob-
servamos é uma incansável busca por novos conteúdos para a
Educação Física.

Talvez a grande confusão gerada por estes dois para-


digmas tenha sido o entendimento incompleto da definição de
conteúdo de ensino ou de ter se restringido a apenas uma
dimensão do conteúdo. Tanto na definição de Libâneo (1991)
apresentada anteriormente quanto na definição mais recente
apresenta por Coll et al. (2000) conteúdo inclui diversas di-
mensões. Veja a definição apresentada por Coll et al. (2000):
[...] uma seleção de formas ou saberes culturais,
conceitos, explicações, raciocínios, habilidades,
linguagens, valores, crenças, sentimentos, atitudes,
interesses, modelos de conduta, etc. cuja assimilação
é considerada essencial para que se produzam
desenvolvimento e socialização adequados no aluno
(p. 64).
A abrangência da definição ressalta que o conteúdo de
ensino vai além das habilidades cognitivas que são tão enfati-
zadas na escola e inclui as dimensões de valores, sentimentos,
atitudes e as manifestações culturais. Para nós da Educação
Física os conteúdos devem ir além da aprendizagem de habi-
lidades motoras e incluir as demais dimensões do comporta-
mento humano.

516
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

Tente fazer um exercício e olhar para dentro


de uma aula de matemática, de história,
de Educação Física, ou de artes, e visualizar
quais dos conteúdos elencados na citação
acima são trabalhados.

Hora de praticar
Exercício 1:

Com base nas observações realizadas no projeto que você está atuando como observa-
dor participante e/ou nas suas experiências na área da Educação Física complete o qua-
dro abaixo apresentando pelo menos dois exemplos de cada um dos conteúdos relacio-
nados.

Conteúdos Exemplo 1 Exemplo 2

Formas ou saberes culturais

Conceitos

Explicações

Raciocínios

Habilidades

Linguagens

Valores

Crenças

Sentimentos

Atitudes

Interesses

Modelos de conduta

517
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

Os conteúdos podem ser agrupados em três categorias: (1)


dimensão conceitual; (2) dimensão procedimental; e (3) dimensão
atitudinal. Segundo Darido (2005) pensar os conteúdos dentro
desta forma abrangente significa considerar também o currículo
oculto que “são as aprendizagens que se realizam na escola, mas
que não aparecem de forma explicita nos programas de ensino”
(p.65).

PARA IDENTIFICAR AS
TRÊS FORMAS DE
CONTEÚDO PODEMOS
NOS PERGUNTAR

O QUE O ALUNO DEVE COMO O ALUNO DEVE COMO O ALUNO DEVE


SABER? SABER FAZER? SER/SE COMPORTAR?

O que o aluno deve saber nas aulas de Educação Física


está relacionado com a dimensão conceitual dos conteúdos. O
saber implica em conhecer conceitos, estabelecer relações entre
fatos, entre objetos e fenômenos da realidade. No campo da Edu-
cação Física, por exemplo, tendo como base a tendência pedagó-
gica desenvolvimentista, existem diversos conceitos que devem
ser adquiridos desde o processo de aprendizagem de habilidades
motoras básicas até a especialização e o treinamento esportivo.
Quando a criança está aprendendo a manipular uma bola, uma
corda ou um bambolê ela precisa entender conceitos tais como
forte, fraco, rápido, lento, suave, e muitos outros que estão inti-
mamente ligados a aprendizagem motora. Na linguagem utilizada
pela psicomotricidade (LAPIERRE, 1985) os conceitos são carac-
terizados como os contrastes fundamentais, e as nuanças.

É muito importante entendermos que o nível de compre-


ensão destes conceitos se torna cada vez mais abrangente e
complexo na medida em que avançamos nas idades e nas séries
escolares. Nas séries mais avançadas, os conceitos relacionados

518
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

com a saúde e o corpo são de grande importância. Por exemplo,


na concepção saúde renovada, o aluno deve aprender conceitos
relacionados ao crescimento e desenvolvimento (diferenças entre
idade cronológica e biológica), sobre nutrição (termorregulação,
necessidades alimentares e atividade física), atividade física (be-
nefícios da prática sistemática de atividade física), e
outros (NETO & LORENZETTO, 2005).

Veja outros exemplos de conteúdos conceituais que


podem ser trabalhados nas aulas de Educação Física:

1) No esporte: Para muitas pessoas o esporte é o úni-


co ou o mais importante conteúdo da Educação Fí-
sica. Esta discussão vai ocorrer em várias discipli-
nas, porém neste momento vamos tentar identificar
como o esporte pode ser utilizado dentro da dimen-
são conceitual. De acordo com Galvão, Rodrigues
e Silva (2005) a introdução da criança no universo
da cultura corporal (esporte) através dos meios de
comunicação de massa gera a necessidade de uma
aprendizagem sobre “selecionar ao que assistir, de
que forma interagir, como ver e interpretar os pro-
dutos esportivos da mídia (...).” (p. 187). Desta for-
ma, podemos destacar como conteúdo os aspectos
históricos e culturais relacionados ao esporte que
condicionam os comportamentos das crianças
nas aulas de Educação Física (tendência crítico-
emancipatória);

2) Na dança: De acordo com os PCNs (Brasil, 1997)


a dimensão conceitual da dança ou das atividades
expressivas inclui: (1) o conhecimento sobre as di-
versas manifestações da cultura, em diferentes con-
textos e épocas (danças rituais, sagradas, come-
morativas, regionais, folclóricas); e (2) conhecer e
discutir sobre as diferentes formas de dança e sua
relação com o gênero.

519
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

Imagine você em uma festa com vários amigos e pessoas


com formação em diferentes áreas. Após um período de apresen-
tações iniciais e de conversa sobre temas políticos e da atualida-
de, o assunto entra no campo da Educação Física. Uma pessoa
lhe pergunta: A capoeira é um esporte, uma dança ou uma arte
marcial? Qual a diferença entre a capoeira e um jogo de futebol?
Para ficar ainda mais complicado essa pessoa lhe diz que tan-
to na capoeira quanto no futebol existem os seguintes aspectos:
competição entre dois lados, movimentos rítmicos e artísticos e
agressões propositadas. Pense um pouco nisto e veja o quanto
será necessário possuir conteúdos conceituais para conversar
com esta pessoa.

Quando uma pessoa começa a praticar o ciclismo ela irá adquirir uma série
de informações sobre a modalidade. Muitas informações são necessárias
inicialmente e outras surgem com o crescente interesse na modalidade.
Ela precisa saber qual é a melhor bicicleta (componentes), como escolher
o quadro de acordo com a sua estatura, quais os tipos de prova que exis-
tem no ciclismo, e quem são os grandes ciclistas. Todas estas informações
irão contribuir tanto na motivação para a prática da modalidade quanto na
melhoria da performance desta pessoa. Portanto, não podemos pensar em
fazer algo que não conhecemos.

O conteúdo procedimental é aquele que responde à per-


gunta “o que o aluno deve saber fazer após uma aula de Edu-
cação Física”. Este conteúdo é o mais enfatizado nas aulas de
Educação Física e inclui, tomando como exemplo a tendência
desenvolvimentista, todas as vivências motoras voltadas para a
aquisição das habilidades motoras fundamentais e dos movimen-
tos específicos dos esportes, da dança, da ginástica, das lutas,
dos jogos e outros.

Por último, o conteúdo atitudinal inclui os valores, as atitu-


des, os princípios éticos e os comportamentos sociais que emer-
gem nas relações entre professor-aluno, aluno-aluno, e aluno-con-
teúdo. Esta dimensão é bastante influenciada pela concepção de

520
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

educação do professor. Se o professor considera a criativida-


de, a solidariedade, a cooperação, o desenvolvimento da ca-
pacidade crítica e outros valores sociais importantes na sua
prática pedagógica, então o conteúdo atitudinal estará presen-
te de forma natural nas suas atividades.

Após retornar da escola, o pai conversando com o seu


filho sobre como foi o dia na escola, pergunta: O que você
aprendeu na aula de geografia hoje? O filho responde: apren-
di sobre os rios da região norte. E o pai continua perguntado:
E o que você aprendeu na aula de Educação Física? O filho

Nesta Unidade, você O professor de educação física deve


aprendeu que a práti- se preocupar em favorecer a construção
ca da Educação Física da cidadania corporal. Os cidadãos têm o
independente das cor- direito de saber como cuidar da saúde cor-
rentes teóricas, concep- poral, de participar de atividades físicas,
ções e/ou paradigmas do movimento, deve esportivas, e de lazer. Para atingir a pleni-
abranger tanto os conteúdos procedimen- tude da cidadania corporal é necessário
tais, quanto os conteúdos atitudinais e os desenvolver conhecimentos, habilidades e
conteúdos conceituais. atitudes sobre as diferentes formas da cul-
tura corporal.

521
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 3 OS CONTEÚDOS DA EDUCAÇÃO FÍSICA: CONSTRUINDO UMA CIDADANIA CORPORAL

responde: aprendi a fazer uma cesta de basquete.

522
PRÁTICASCURRICULARES
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 4 A INTERVENÇÃO

UNIDADE 4

A Intervenção

O que fazer para criar um programa de Educação Física


em uma comunidade?

Nesta Unidade, você irá elaborar o seu projeto de intervenção.

Objetivos
Ao finalizar esta Unidade, esperamos que você possa:
identificar as etapas da construção de um projeto de intervenção pedagógica em
Educação Física;
elaborar passo-a-passo o seu projeto de intervenção;
conscientizar sobre o papel do professor de Educação Física na construção da cida-
dania corporal.

Vamos lá!

523
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 4 A INTERVENÇÃO

4.1 Etapa 1: Conhecimento da Realidade

Neste momento, vamos dialogar sobre a construção do


seu projeto de intervenção pedagógica em Educação Física. Ago-
ra que você está tendo experiência em um programa na qualidade
de observador, vamos pensar no seu projeto.

Tarefa: Com base no seu conhecimento sobre a comuni-


dade sobre as necessidades, os interesses, as condições físicas,
onde pretende desenvolver o seu projeto de intervenção, descreva
os objetivos gerais e específicos para o seu projeto. Utilize como
referência os indicadores apresentados na disciplina Práticas Cur-
riculares I, que são:

Apresentação da realidade: Aspectos históricos, geográ-


ficos culturais sociais, e políticos da localidade.

Identifique os interesses e as necessidades da comuni-


dade;

apresente aspectos da história que podem influenciar a


realização do programa na localidade;

descreva como é a localidade sob o prisma geográfico,


ou seja, as características do espaço geral como cidade,
município, bairro e do espaço específico;

apresente aspectos da cultura local que são relevantes e


que de alguma maneira tem a ver ou poderiam ter algu-
ma relação com a sua proposta;

analise a estrutura e a organização da sociedade local,


apresentando aspectos que de alguma forma podem in-
fluenciar no seu projeto;

avalie como a dimensão política (relações de poder, li-


deranças, etc) pode afetar (facilitar ou dificultar) o seu
projeto.

524
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 4 A INTERVENÇÃO

Qual a atividade/prática corporal/modalidade esportiva que


você pretende trabalhar?

4.2 Etapa 2: Formulação de Objetivos


Agora que você já decidiu sobre qual prática corporal/mo-


dalidade será desenvolvida na sua comunidade, vamos estabe-
lecer os objetivos para execução do seu projeto. Lembre-se das
discussões realizadas na disciplina Didática da Educação Física
sobre como formular corretamente objetivos gerais e específicos.

Tarefa: Formule um objetivo geral e 3 a 5 objetivos espe-


cíficos. Lembre-se de utilizar verbos de ação na elaboração dos
objetivos e de abranger as dimensões afetivo-sociais, cognitivas
e motoras.

4.3 Etapa 3: Seleção dos Conteúdos

Para facilitar a seleção dos conteúdos, você pode optar


por pensar em uma modalidade esportiva específica. Porém, é
bom lembrar que tanto o esporte, quanto as demais formas de
manifestação da cultura corporal como a dança, as lutas, o jogo,
e outros são conteúdos da educação física e representam direi-
tos sociais fundamentais para a construção da cidadania corporal
como discutimos no capítulo anterior.

525
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 4 A INTERVENÇÃO

Se por exemplo você escolheu futebol como conteúdo a


ser trabalhado em seu projeto é necessário levar em considera-
ção não apenas a dimensão procedimental deste conteúdo.
Procure identificar os conteúdos conceituais e os atitudinais que
estão vinculados a esta prática. Dentro desta idéia o aluno deverá
aprender:

os fundamentos da modalidade como chutar, cabecear,


passes;

as atitudes e valores como cooperar, respeitar o outro;

as informações técnicas, históricas e culturais sobre a


prática do futebol como regras, origem e evolução do fu-
tebol, conceitos sobre as técnicas de chute.

4.4 Etapa 4: Definição da Metodologia a Ser


Utilizada

Você acabou de chegar a uma cidade desco-


nhecida e precisa se dirigir da rodoviária para o local
onde será realizado um encontro de professores de
educação física da região. O que fazer? Você pode
pedir informações para as pessoas ou então seguir o
endereço que tem anotado na sua agenda. Você pode
ir de taxi, procurar um ônibus que passa pela rua, ou
então ir andando. Embora todas as formas irão levar
você ao mesmo local, a experiência e o conhecimento
que você irá adquirir sobre a cidade será diferente para
cada uma das formas de deslocamento.

526
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 4 A INTERVENÇÃO

Vamos transferir este exemplo para a prática pedagógica.


Para atingir os objetivos traçados anteriormente, é necessário
organizar estratégias para que os conteúdos sejam bem assimi-
lados pelos alunos e que isto aconteça de uma forma participa-
tiva e motivadora. Existem diversas maneiras de desenvolver um
mesmo conteúdo: em grupo, por meio de atividades individuais,
estafetas, pequenos circuitos, por meio de solução de problemas,
jogo entre outras. De acordo com o exemplo da cidade apresen-
tado anteriormente, a escolha da estratégia favorece o desenvol-
vimento de determinado conteúdo. Por exemplo, uma atividade
desenvolvida por meio de solução de problemas irá favorecer o
desenvolvimento da criatividade, e da cooperação, enquanto que
uma atividades centrada na participação individual irá favorecer a
auto-superação.

Lembre-se que o jogo é ao mesmo tempo um conteúdo a ser trabalhado e


uma estratégia que pode ser utilizada para desenvolver outro conteúdo. O
jogo é conteúdo quando o foco estiver na internalização de uma manifes-
tação cultural como, por exemplo, o jogo de bandeirinha. O jogo deixa de
ser conteúdo e passa a ser estratégia metodológica quando ele for utilizado
para desenvolver um conteúdo especifico tal como um fundamento espor-
tivo. Por exemplo, na situação onde o professor deseja ensinar o passe e a
recepção do handebol, ele pode utilizar o jogo de queimada.

527
PRáTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 4 A INTERVENÇÃO

4.5 Etapa 5: Recursos Materiais

Vamos considerar que a escolha da


atividade; manifestação corporal foi feita com
base nas informações sobre o espaço físico
disponível no local. Nessa etapa é importe
que você faça um levantamento dos materiais
tais como bolas, arcos, cordas, cones, etc.
que podem ser utilizados para trabalhar os
conteúdos elencados. Utilize a sua criativida-
de para identificar nos materiais levantados as
possibilidades que cada um deles possui para
potencializar a aprendizagem dos conteúdos.

4.6 Etapa 6: Definição dos Critérios de


Avaliação do Projeto

O sucesso do seu projeto irá depender do acompanhamen-


to do processo de aprendizagem e da repercussão que ele terá
na comunidade. Para isso, você precisa elaborar um sistema de
avaliação que considere a aprendizagem dos alunos dentro dos
objetivos traçados para o período específico.

Se o aluno não aprendeu adequadamente um determinado


conteúdo, será que os procedimentos metodológicos, os espaços, os
materiais foram adequados? Neste sentido, a avaliação é um instru-
mento rico e necessário para você poder rever a sua intervenção.
TÉCNICAS QUE
PODEM S ER
UTILIZADAS NO
PROCESSO
AVALIATIVO

REALIZAÇÃO DE RELATOS
OBSERVAÇÃO A PARTIR DE SOBRE TEMAS AUTO-AVALIAÇÃO PELOS
CRITÉRIOS BEM DEFINIDOS RELACIONADOS AO ALUNOS
(EXECUÇÃO CORRETA DO PROJETO
FUNDAMENTO, UTILIZAÇÃO
DO CONTEÚDO EM
SITUAÇÃO DE JOGO,
RELAÇÃO INTERPESSOAL
DO ALUNO DIANTE DO
GRUPO, CAPACIDADE DE
LIDERANÇA, CRIATIVIDADE
E COOPERAÇÃO)
AVALIAÇÃO DO
PROJETO PELOS
ALUNOS E PELA
COMUNIDADE
ENVOLVIDA.

528
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 4 A INTERVENÇÃO

4.7 Etapa 7: Cronograma

Saber para onde ir é importante, porém é necessário


saber quanto tempo é necessário para chegar lá.

Estabelecer o tempo para cada conteúdo não é uma tarefa


simples pois demanda experiência na área e conhecimento sobre
as experiências e as dificuldades da comunidade. Mesmo com
pouca experiência você deverá estabelecer previamente o total
de sessões que será utiliza-
da para cada conteúdo. Faça
um quadro contendo os dias
da semana com a quantida-
de de horas diárias de ativi-
dade estabelecendo temas
(conteúdos) para cada dia.

529
PRÁTICAS CURRICULARES II
UNIDADE 4 A INTERVENÇÃO

4.8 Etapa 8: Referências

Nesse tópico você deverá incluir as fontes de pesquisa


como livros, textos, artigos, internet, documentos que fundamen-
tarão a sua intervenção durante a execução do seu projeto.

Para realizar uma boa etapas: (1) conhecimento da realidade; (2)


intervenção pedagógica formulação de objetivos; (3) seleção dos
é necessário uma boa conteúdos; (4) definição da metodologia
preparação prévia. a ser utilizada; (5) recursos materiais; (6)
definição dos critérios de avaliação do pro-
Podemos dividir a ela-
jeto; (7) cronograma e; (8) referências.
boração do projeto pedagógico em oito

Lembre-se que cada etapa é um pré-requisito para as etapas posteriores. Portanto,


utilize o tempo necessário para construir cada uma das etapas e somente avance para a
etapa seguinte quanto tiver certeza de que analisou todas as variáveis existentes.

530
Glossário
Holograma: os hologramas possuem Metafísica: a palavra “Metafísica” signi-
uma característica única, cada parte de- fica “além do físico, do material” (meta:
les possui a informação do todo. Assim além, e física: matéria). Ciência que estu-
um pequeno pedaço de um holograma da tudo quanto se manifesta de maneira
terá informações sobre toda a imagem sobrenatural.(Disponível em www.guia.
do mesmo holograma completo, ela será heu.nom.br/metafísica.htm.
vista na íntegra, mas a partir de um ângu-
lo estreito. A comparação pode ser feita Paradigma: do grego Parádeigma signi-
com uma janela, se a cobrirmos deixando fica modelo. Pode ser considerado uma
um pequeno buraco na cobertura permi- representação de um padrão a ser se-
tiremos a um espectador continuar enxer- guido. Thomas Kuhn (1922 - 1996), físico
gando a paisagem do outro lado, de um americano, designou como paradigmáti-
ângulo muito restrito mas ele ainda verá cas as realizações científicas que geram
toda a paisagem pelo buraco (Disponível modelos que, por período mais ou menos
em www.wikipedia.org.br). longo e de modo mais ou menos explíci-
to, orientam o desenvolvimento posterior
Ideologia: um sistema de idéias que dá das pesquisas exclusivamente na busca
fundamento a uma doutrina política ou da solução para os problemas por elas
social, adotada por um partido ou grupo suscitados (Disponível em www.wikipe-
humano. Foi Karl Marx quem formulou a dia.org.br).
mais completa teoria sobre a origem e o
papel da ideologia nas diversas formas de Visão Sistêmica: um sistema é um con-
organização social. Para Marx, ideologia junto de partes interdependentes que atu-
é um conjunto de idéias e conceitos que am visando a um objetivo comum (Silva,
corresponde aos interesses de uma clas- João Martins da & Brito, Claudio H. Visão
se social, embora não obrigatoriamente Sistêmica, 1996. Disponível em http://
professado por todos seus membros. Há pt.shvoong.com/books/1810420-visaosis-
uma ideologia da burguesia, como há temica).
uma ideologia do proletariado. A ideologia
de certa classe decorre da posição que
ela ocupa num modo de produção his-
toricamente determinado (disponível em
WWW.pfilosofia.xpg.com.br/07leiturascot
idianas/20060.31ba.htm).

531
Referências Bibliográficas
ANDRADE, Lucila Rondon. Participação e Cidadania: o esporte e a educação em
contexto comunitário. Dissertação de Mestrado, UnB, 2003.

Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros


Curriculares Nacionais: 3º. e 4º. Ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. Cultrix, 1996.

CASTELS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

COHEN, Bruce Jerome. Sociologia Geral. São Paulo: Câmara Brasileira do Livro,
1980.

COLLl et al. Os conteúdos na Reforma. Porto Alegre: Artmed, 2000.

DABAS, Elina & NAJMANOVICH, Denise. Redes. El lenguaje de los vínculos. Hacia la
reconstrucción y el fortalecimiento de la sociedade civil. Buenos Aires: Paidós, 1995.

DARIDO, Soraya e RANGEL, Irene Conceição Andrade. Educação Física na escola:


implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

DEMO, Pedro. Cidadania Menor: Algumas indicações quantitativas de nossa po-


breza política. Rio de Janeiro: Vozes, 1991.

______.Pedro. Certeza da incerteza. Brasília: Ed. Plano, 2000a.

______.Pedro. Charme da exclusão social. Campinas: Autores Associados, 1998.

______.Pedro. Cidadania pequena. Campinas: Autores Associados, 2001.

______.Pedro. Cidadania Tutelada e Cidadania Assistida. Campinas: Autores Asso-


ciados, 1995.

______.Pedro. Educação pelo avesso: assistência como direito e como proble-


ma. São Paulo: Cortez, 2000b.

______.Pedro. Metodologia do Conhecimento Científico. São Paulo: Atlas, 2000c.

______.Pedro. Participação é conquista: Noções de política social participativa.


São Paulo: Cortez, 1988.

______.Pedro. Política Social do Conhecimento: Sobre futuros do combate à po-


breza. Petrópolis: Vozes. 2ª ed, 2000d.

______.Pedro. Sociologia: uma introdução crítica. São Paulo: Atlas, 1985.

532
Referências Bibliográficas

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.

GALLAHUE, David, l. e DONNELLY, Frances Cleland. Educação Física desenvolvimen-


tista para todas as crianças.(trad. Samantha Prado Stamatiu, Adriana Elisa Inácio)
4ª. Ed. São Paulo: Phorte, 2008.

GALVÃO, Zenaide; RODRIGUES, Luiz Henrique e SILVA, Eduardo, Vinícius Mota. Espor-
te. In: Darido, Soraya e Rangel, Irene Conceição Andrade. Educação Física na escola:
implicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Cien-
tíficos, 1989.

LAPIERRE, André e AUCOUTURIER, Bernard. As nuanças: do vivenciado ao abstra-


to através da educação psicomotora. São Paulo: Manole, 1985.

LIBÂNEO, José C. Didática. São Paulo: Cortez, 1991

MONTEIRO, Carmen Diva B., VENTURA, Elvira Cruvinel, DA CRUZ, Patrícia Nassif.
Cultura e mudança organizacional: em busca da compreensão sobre o dilema
das organizações. São Paulo: Caderno de Pesquisas em Administração, v. 1, nº 8, p.
69 – 80, primeiro trimestre, 1999. Disponível em:

http://www.portal-rp.com.br/bibliotecavirtual/culturaorganizacional/0113.htm

MORIN, Edgar & Lê Moigne, Jean-Louis. A inteligência da complexidade. São Paulo:


Petrópolis, 2000.

______.Edgard. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996.

NETO, Luiz Sanchez & LORENZETTO, Luiz Alberto. Conhecimento sobre o corpo. In:
Darido, Soraya e Rangel, Irene Conceição Andrade. Educação Física na escola: im-
plicações para a prática pedagógica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

PINSKY , Jaime. História da cidadania. . 4ª. Ed.,São Paulo: Editora Contexto, 2008.

POPPER, Karl. Questão sem fim. La Salle, Illinois: Open Court Publishing Company,
1976.

SERIQUE, Jorge Augusto Borges. Didática da Educação Física. In: Alcir Braga Sanch-
es (Ed.) Educação Física a Distância: modulo 2, Brasília: Universidade de Brasília,
2008.

SUDBRACK, M. F. O. Contribuição da abordagem sistêmica no trabalho com crian-


ças e adolescentes. In Cadernos da CBIA – maio/agosto, 1992

533
534
O trabalho Módulo 3 - Educaçção Física a Distância Universida ade de Brassília de
Conteúd do: Manifes stações rítm
micas e expressivas / Ana A Carolin na de Souzaa Silva Dan ntas
Mendes, Jane Dullius – Funda amentos so ociofilosóficcos da educcação e da educação
física/ Elvio Marcos s Boato, Iva
anor Ranzi – Psicologia da educa ação / Clau
udia Maria
Goulart dos Santos s, Raquel de Melo – Fundamento os fisiológiccos da educcação físicaa/
Julia Aparecida De evidè Nogue eira, Keila Elizabeth
E Fontana – Práticas
P Currriculares II /
Lucila Souto Mayor Rondon de d Andrade, Luiz Ceza ar dos Santos, Juarez Oliveira
Sampaio o.. foi licenc
ciado com uma Licençça Creative e Commonss - Atribuiçã ão – Sem
Derivado os 3.0 Não Adaptada.

Com base no traba alho disponível em http odem estar disponíveiss


p://www.feff.unb.br. Po
autorizações adicio
onais ao âm
mbito desta licença em
m http://www w.fef.unb.brr.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download:

Baixar livros de Administração


Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo

Das könnte Ihnen auch gefallen