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Corrupção, Impeachment e Poder Cidadão

Theotonio Dos Santos

A questão da corrupção parece empolgar a cidadania em todo o planeta (1). Na


Itália e no Brasil a luta contra este flagelo antigo da humanidade parece haver
assumido uma forma nova e eficaz. Naquele pais, ela levou à renovação generalizada da
liderança política e empresarial. No Brasil, ela levou ao impeachment de um presidente
da república, contra o qual se instaurou um processo por corrupção, e à decretação de
prisão do seu principal assessor financeiro e tesoureiro de campanha. A diferença entre
os dois casos é, contudo, evidente: na Itália está em crise toda a oligarquia política e
empresarial. No Brasil, a oligarquia conseguiu concentrar as culpas numa pessoa , num
político local projetado ao plano nacional pelos grandes poderes econômicos do pais,
particularmente pelo monopólio da televisão, e em seu auxiliar mais próximo, o
empresário Paulo Cesar Farias. Pode-se ver, portanto, como a oligarquia continua
controlando tranqüilamente o pais. O inquérito instaurado contra o presidente Collor e o
empresário PC Farias envolve seriamente alguns dos mais importantes empresários do
pais contra os quais não existe, entretanto, nenhuma acusação legal. E para cúmulo de
escárnio da opinião pública, cuja mobilização foi um fator decisivo do impeachment
presidencial, o Sr. Collor continua em liberdade e o Sr. PC Farias está fugitivo com
destino ignorado. Presos, encontram-se somente personagens menores como sua
secretária e seu chofer.

O tema da corrupção não é novo no Brasil, nem na América Latina. Na


década de 50 Carlos Lacerda liderou no Brasil uma vasta campanha moralizadora que
culminou com a tentativa de impeachment contra o presidente Getúlio Vargas, eleito
em l950 com ampla maioria. Lacerda levantou a consigna do "mar de lamas" que
cercaria o governo Vargas. Com o apoio do governo e empresas norte-americanas e de
parte das forças armadas já havia preparado o golpe para destitui-lo quando foi
surpreendido pelo suicídio de Vargas em agosto de 1954. Este deixou um testamento
político no qual acusava os interesses do capital internacional e seus agentes nacionais
como os articuladores de sua queda, cujo objetivo seria o de elimina-lo para melhor
submeter o povo brasileiro. A comoção política criada pela morte de Vargas e seu
testamento esvaziou em parte a campanha moralista comandada por Lacerda. Mas ela

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ressurgiu em São Paulo através da figura de Jânio Quadros, cuja carreira política
meteórica se baseou sobretudo na pretensa moralização da administração publica.

Quadros se elegeu presidente com a bandeira da moralização e da luta


contra as oligarquias apesar de seus enormes compromissos com estas forças. Mas o
povo elegeu para seu vice-presidente seu adversário e herdeiro do varguismo: João
Goulart. Após a sua intempestiva demissão sete meses depois de eleito, Goulart assume
o governo depois de derrotar um golpe de estado que visava impedir sua posse, a partir
da ação de seu cunhado e governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. No
governo ele foi vitima de uma violenta campanha onde o acusavam de corrupto e
subversivo. Foi com a bandeira da luta contra a corrupção que se realizou o golpe de
estado de l964 que impôs uma ditadura militar de 26 anos ao povo brasileiro. Fernando
Collor foi o primeiro presidente eleito depois do regime militar. E qual foi a sua
bandeira política? A luta contra a corrupção. Ele chegou ao governo de seu estado
demitindo funcionários que acumulavam altos salários e prometendo um governo de
moralidade pública. Foi sua campanha contra os "marajás" da administração pública que
o credenciou como candidato à presidência da república. Sua campanha publicitária
extremamente cara e moderna o apresentava como um super-homem, um solitário herói
do "western" americano que lutava contra os corruptos de toda natureza. Ficou célebre
sua frase: "No meu governo, quem roubar vai para a cadeia."

Parece incrível que um político sem partido, sem claros compromissos


com a oligarquia, exceto com a rede nacional de televisão que o apoiava e com alguns
familiares ricos pudesse chegar à presidência da república de um imenso pais com l50
milhões de habitantes e em torno de 90 milhões de eleitores. Esta era uma herança da
ditadura que ilegalizara os partidos políticos, mas repetia em parte o fenômeno Jânio
Quadros. O povo brasileiro não chegou a criar estruturas partidárias sólidas e busca
ainda um presidente que possa enfrentar os poderosos e os corruptos. Assim lhe parece
que este será tanto mais forte quanto menos compromisso tenha com forças sociais
organizadas. Collor talvez tenha sido sua última esperança neste tipo de soluções.

Mas quem era Fernando Collor? Filho de um senador da antiga União


Democrática Nacional, partido de Carlos Lacerda que lançou a candidatura de Jânio
Quadros a presidente, deu o suporte civil ao golpe militar de l964 e dirigiu as

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campanhas moralistas que criaram as condições para a derrubada de Vargas e de
Goulart, Collor conhecia muito bem o papel da demagogia moralista como grande
eleitora. Seu avô materno, Lindolfo Collor, havia sido ministro do primeiro governo
revolucionário de Vargas, em l930, e iniciara as reformas trabalhistas no pais. Rompera
com Vargas dois anos depois e sua inspiração ideológica que o levou ao integralismo -
movimento fascista brasileiro - era contudo o fascismo de Mussolini, figura que
Fernando também cultivava. Atrabiliário como seu pai, que matou um senador em pleno
recinto parlamentar, havia estado metido permanentemente em questões jurídicas
delicadas e em casos muito comentados de violência e de destempero temperamental.
Tendo vivido sua juventude em Brasília, havia fortes rumores que o identificavam com
o consumo de drogas, tema sobre o qual falrá publicamente seu irmão, posteriormente
(2).

Nada disto deteve os patrocinadores de sua campanha. Talvez no


princípio não acreditassem na viabilidade de sua candidatura e o estivessem
patrocinando com o intuito de negociar sua candidatura à vice-presidência. De fato, esta
composição política chegou a ser sugerida ao candidato presidencial do PSDB (Partido
da Social Democracia Brasileira) que a descartou, possivelmente por considerar muito
débil o apoio de Collor, que contava então com 5% de preferência nas prévias eleitorais.
A verdade, contudo, é que a partir de um certo ponto Collor passou ao primeiro lugar
nas prévias eleitorais e, desde o momento em que se firmou, começou a criar um
esquema próprio de poder. A sua passagem para o segundo turno eleitoral, tendo como
opositor a Luis Inácio Lula da Silva líder sindical e candidato de um partido
socializante, criou um ambiente extremamente favorável para suas ambições. Seu
tesoureiro de campanha se aproveitou do pânico da oligarquia empresarial para retirar-
lhe vastos recursos, muito superiores às necessidades da campanha eleitoral. Estes
excedentes são por sinal bastante comuns no pais e são em geral apossados pelos
próprios candidatos. Posteriormente, Collor e PC Farias procurarão explicar seus
recursos econômicos esbanjados em gastos de verdadeiros "marajás", através do que
qualificaram como "sobras da campanha". Estas sobras foram avaliadas pelos próprios
herdeiros da mesma em de mais de 4 milhões de dólares!

Que se poderia esperar de um tal grupo de "picaretas" no poder?


Sobretudo quando aí chegavam abalizados por 34 milhões de votos do povo brasileiro!

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Montaram um aparelho de captação de recursos que se usa chamar no Brasil de
"caixinhas". Consta que em reuniões íntimas, que terminaram chegando ao
conhecimento do grande público, estabeleceram como meta chegar ao montante de 2
bilhões de dólares. Um ano depois, segundo consta a boca pequena em Brasília, fizeram
uma festa para comemorar o primeiro bilhão! Falso ou verdadeiro, estes rumores
indicam um comportamento confirmado pelas investigações policiais (3).

Tudo parecia ir muito bem, até quando as lutas familiares e os interesses


prejudicados por um assalto tão brutal aos cofres privados e públicos, começaram a
fazer água nesta represa construída com tanta afoiteza e presunção. Os ataques, como
sempre, começaram pelos flancos. O nome de PC Farias começou a emergir, assim
também os de ministros e auxiliares de segundo escalão, envolvido em graves
denúncias. Começaram os processos, as comissões parlamentares, as denúncias cada
vez mais freqüentes, as quedas de ministérios. Tentou-se impor a Collor um ministério
de notáveis e de políticos conservadores. Ele se viu obrigado a compor-se com o Partido
da Frente Liberal, formado pelos membros arrependidos da antiga ditadura militar.
Queria também o apoio do PSDB, que terminou por recusar seu apoio incondicional,
admitindo a participação no governo de alguns dos seus quadros. Parecia que as
oligarquias estavam satisfeitas. A opinião pública, sob forte pressão foi induzida a crer
que o novo governo de composição representava a salvação do pais e esperava
melhorias. Ela já tinha aceitado o confisco de todas as poupanças do pais como uma
solução para a inflação. Já havia aceitado a volta da inflação como uma contingência
necessária. Agora lhe explicavam que o presidente estava mal cercado e que com um
governo de homens respeitáveis e políticos liberais tudo se resolveria. Mas a inflação
continuava, os salários perdiam valor a cada dia. E a corrupção, teria sido eliminada? A
imprensa afirmava unanimemente que agora que se excluíram os aventureiros que
cercavam o presidente tudo iria bem...

O descontentamento continuava e as desavenças dentro do esquema de poder e


dentro da família do presidente aumentavam. Os interesses prejudicados eram cada vez
maiores por que o presidente não perdia suas pretensões de acumulação destemperada e
seu tesoureiro continuava chantageando grandes empresários e políticos. Foi aí que
estourou a bomba das desavenças domésticas. O próprio irmão menor do presidente,
Pedro, ameaçado de perder o domínio das comunicações no seu estado, em mãos da

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família Collor, para um novo diário e um sistema de estações de rádio locais chefiados
pelo tesoureiro do seu irmão, botou a boca no mundo. Seus ataques começaram contra o
já famoso empresário e tesoureiro PC Farias. Mas pouco a pouco começaram a atingir o
próprio presidente que se negava a desprender-se do seu tesoureiro e a ceder às pressões
do irmão no sentido de preservar seu poder local.

Mas havia também um drama pessoal: a cunhada do presidente. Ele se


aproveitara de desavenças do casal para tentar conquista-la, o que despertara a ira do
irmão. Neste ponto é necessário assinalar que a confusão entre o político e o familiar já
se havia instaurado totalmente no governo. Sua ministra da fazenda havia protagonizado
um caso amoroso com o seu ministro da justiça que se convertera em escárnio público
(4). O presidente já havia brigado com a mulher em público, quando se caracterizou a
corrupção deslavada na organização beneficente multibilionária que lhe cabia dirigir
como primeira dama do pais. Teve de demiti-la e instaurar um inquérito contra ela. Seu
cunhado, casado com sua irmã mais velha era uma dos esteios de seu governo. Sua irmã
era objeto de permanentes críticas por suas intervenções nos bastidores do governo. Sua
mãe chegara a escrever um artigo na grande imprensa pedindo ao filho para não se
arriscar dirigindo aviões a jato sem brevet e carros Ferrari em velocidade extrema. O
país estava sob a égide da "República das Alagoas", para o escárnio das pessoas bem
pensantes. A oligarquia e as classes médias conservadoras se assustavam com o monstro
que haviam criado. Os vastos setores populares que apoiaram a candidatura Collor
como esperança de um salvador nacional ainda duvidavam. Afinal, não se sentiam tão
vexados com a falta de classe da oligarquia regional que havia se apossado do poder.

As revelações se sucediam e começavam a manchar o próprio presidente.


Sua resistência em tomar medidas concretas contra PC Farias indicavam que sua
cumplicidade era um fato. O irmão passou à ofensiva: Collor era de fato o chefe da
quadrilha e PC Farias simplesmente executava as ordens do irmão e rival amoroso. As
acusações se tornaram mais materiais diante das revelações do chofer da secretária de
Collor que provavam seus vínculos com PC Farias com a qual mantinha estranhas
relações como a remessa constante de altos volumes de dinheiro por parte de PC Farias
para a conta de Collor e de sua esposa. Como podia ser que a conta do presidente fosse
financiada precisamente pelo principal acusado de corrupção?

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A comissão parlamentar de inquérito que se instaurou para apurar essas
irregularidades foi encontrando uma massa de evidências terrivelmente escandalosas
contra PC Farias e claras provas de seus vínculos financeiros com o presidente. PC
Farias havia montado um grupo de agentes em cada um dos principais órgãos públicos
por onde passavam vastos recursos. Isto lhe permitia cobrar as comissões que
normalmente se cobram nas compras dessas agências estatais. Além disso, cobrava uma
espécie de tributo dos maiores empresários do pais, nacionais e multinacionais,
seguramente em troca de seus serviços junto à presidência. Descobriu-se também uma
rede de contas bancárias de falsos clientes que foram qualificadas como "contas
fantasmas". Mais grave ainda eram as claras conexões de PC Farias com políticos das
mais distintas procedências aos quais prestava favores com uma frota de aviões que
voavam periodicamente ao exterior numa rota muito próxima à do contrabando da
droga. Pedro Collor, o irmão traído e traidor, referiu-se às desconfianças que lhe foram
reveladas pelo gerente do banco de Miami a respeito da origem dos recursos de Paulo
Cesar Farias (5). Uma liqüidez tão grande, que eles avaliaram em, só poderia vir do
tráfico de droga, afirmou-lhe o gerente. Em seguida, Pedro Collor recebeu informações
muito mais comprometedoras da própria polícia norte-americana. Estas suspeitas
aumentavam diante da compra de uma apartamento de 4 milhões de dólares em Paris,
através de um personagem vinculado ao tráfico internacional de drogas. Posteriormente,
um criminoso argentino fêz uma detalhada entrevista à revista Isto É denunciando a
intervenção direta de PC Farias no tráfico de drogas. Este aspecto do processo foi
silenciado em seguida e esquecido ao que parece, definitivamente. PC Farias passou à
ofensiva e ameaçou levar consigo muita gente importante, caso fosse condenado (6).

O país estava estarrecido diante de revelações cada vez mais graves. O


presidente foi várias vezes à televisão para defender-se sem conseguir convencer à
população. Formou-se uma coalizão de forças de oposição que uniam três partidos
pouco identificados em outras ocasiões. Lula (PT), Tasso Jeireissati (PSDB) e Quércia
(PMDB) se uniram a favor do impeachment. Leonel Brizola (PDT) duvidava desta
aliança e levantava o envolvimento do ex-governador de São Paulo, Orestes Quércia,
com PC Farias através da privatização da companhia aérea VASP, que pertencia ao
governo de São Paulo. Esta companhia foi comprada por um empresário de Brasília,
pouco recomendável, o Sr. Canhedo, com o dinheiro a ele fornecido por PC Farias. As
condições da venda eram extremamente favoráveis e era bastante claro o envolvimento

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do então governador com esta operação. Criou-se uma comissão parlamentar de
inquérito contra Quércia que levou à sua queda da presidência do PMDB. Esta comissão
se encerrou, contudo, com o voto minerva do presidente da mesma a favor da inocência
de Quércia (7).

Mas as relutâncias de Brizola terminaram quando Collor chamou a uma


manifestação de massas em seu favor, convidando a população a vestir-se de verde-
amarelo (cores da bandeira nacional) para apoia-lo. Formou-se imediatamente uma
unidade total das oposições com o objetivo de demonstrar o repúdio popular a Collor.
Os estudantes tomaram a iniciativa da mobilização popular contra Collor. Vestidos de
luto, saíram maciçamente às ruas anulando qualquer pronunciamento a favor do
presidente. Alegres e exibindo pinturas nas faces ficaram conhecidos como os "caras
pintadas". Contaram com todo o apoio da televisão e da maioria esmagadora do
parlamento, governadores, etc. Foram convocadas também grandes manifestações de
massa em várias cidades que pareciam reeditar a campanha pela "Diretas Já", em 1983.

Ao que tudo indica, neste momento Fernando Collor já havia perdido o


apoio incondicional da Rede Globo de Televisão que o havia levado ao poder. As
revelações mostravam que PC Farias tentava criar uma nova rede nacional de televisão
a partir de um empresário do Paraná que pertencia ao pequeno e artificial partido do
presidente - o PRN (Partido da Renovação Nacional). Lembre-se que a família Collor
detinha a repetidora alagoana da Rede Globo e que Pedro denunciava a ameaça ao seu
império estadual das comunicações precisamente pelo tesoureiro do presidente que
armava uma nova rede de comunicações nacional. As ambições de Collor eram
claramente desmedidas. A oligarquia compreendia agora a extensão do erro que
cometera. Era necessário superar as dúvidas. Não havia outro caminho senão o
impeachment. Mas quem sucederia o presidente? Seu vice era Itamar Franco, senador
eleito pelo PMDB. Candidato derrotado a governador de Minas Gerais ficara sem
partido e terminara apoiando a Collor no início de sua campanha, integrando-se como
candidato à vice-presidência. Apoio incomodo, cheio de discordâncias políticas e
pessoais que levaram a vários conflitos durante a campanha e no governo. Itamar se
caracterizava sobretudo pelas suas posições nacionalistas, além de haver liderado uma
comissão parlamentar de inquérito contra a corrupção no governo Sarney (8). Ele fora
também um conseqüente opositor à ditadura militar com a qual colaborara Collor. Ele se

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opusera sobretudo às privatizações pouco claras que pretendia Collor e à destruição do
aparelho estatal que vinha realizando em nome do neo-liberalismo. Opôs-se também ao
confisco das poupanças praticado pelo primeiro plano econômico de Collor. Itamar não
era bem visto pelas elites econômicas do país. Contudo, as Forças Armadas mostravam-
se também descontentes com a política de Collor. Ele havia destruído o Serviço
Nacional de Informação, fechou locais de pesquisa nuclear, assinou a integração do
Brasil no acordo contra a proliferação nuclear, diminuiu seriamente as verbas do setor
militar, etc. As Forças Armadas não concordavam também com a destruição do Estado
Nacional, com uma abertura do mercado nacional ao exterior exagerada que poderia
sucatear a indústria nacional e as pesquisas tecnológicas de ponta. Assustava-se também
com a ameaça de uma privatização a serviço de grupos econômicos pouco sérios como
ocorrera com a VASP, em São Paulo, ou com a USIMINAS em plano nacional.

O apoio das Forças Armadas foi talvez o fator mais decisivo para
bloquear iniciativas no sentido de derrubar Itamar Franco juntamente com Collor e
eleger um novo presidente seja pelo Congresso Nacional seja por qualquer outro
mecanismo. A tese de excluir Itamar era defendida pelo atrabiliário governador da
Bahia, Antônio Carlos Magalhães, populista de direita e fiel servidor da rede globo de
televisão e do seu presidente Roberto Marinho, cujos negócios se estendem a muitos
setores da economia. De outro lado, setores de ultra esquerda do PT, levantavam a
consigna de eleições gerais sem compreender a difícil correlação de forças que se
formara no país. Apesar da euforia de grande parte da militância de esquerda, que
atribuía a queda de Collor ao movimento de rua para depô-lo, as oligarquias voltavam a
unir-se em torno de sua deposição e seus setores mais conservadores queriam
sobrepassar a Itamar.

De fato, assistiu-se a um espetáculo de civismo. O voto foi público, em


cadeia nacional de televisão. Foi montado um cenário nacional para mostrar a fidelidade
do parlamento à voz vinda das ruas. Collor jogou sua cartada final e demitiu-se antes de
iniciar o julgamento de seu impeachment. Sob pressão popular o parlamento não
aceitou seu pedido de demissão e decidiu submetê-lo a um processo pelo Senado, tal
como previam os estatutos legais. Ele foi afastado de
suas funções por seis meses e submetido a julgamento pelo Senado que concluiu
pela ilegalidade política de suas ações. O Supremo Tribunal, que defendera a lisura do

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processo político ao recusar um recurso do presidente Collor, encarrega-se agora de
julga-lo pelos crimes comuns. As elites nacionais estavam unidas em torno da execração
do criminoso.

A opinião pública se sentiu satisfeita e vitoriosa num primeiro momento.


Ela descobriu o gosto da cidadania pela qual vinha lutando desde os anos da ditadura,
particularmente na campanha pelas eleições diretas a presidente que foi
estrondosamente derrotada pelo parlamento ainda dominado pela ditadura, em l983.
Logo em seguida a opinião pública resistiu bravamente a um novo intento de
empulhamento. Aproveitando-se da imagem favorável que adquiriu o parlamento
durante a votação do impeachment, a maioria parlamentar abreviou o prazo do
plebiscito previsto na Constituição de l988 com o objetivo de decidir sobre a
possibilidade de implantar o parlamentarismo no país. Mas o povo votou contra o
parlamentarismo. Diante desta derrota surgiu imediatamente a tese de uma necessária
revisão constitucional que se havia previsto para o caso da vitória do parlamentarismo.
As elites não estão satisfeitas com a situação, particularmente com o governo Itamar
Franco que diverge de muitos de seus objetivos e concepções políticas.

Talvez isto explique em parte a morosidade com que se processa o ex-presidente


Collor por seus crimes comuns. Também explique em parte o tratamento suave ao Sr.
PC Farias que conseguiu fugir para destino ignorado, possivelmente fora do país quando
teria que depor já em prisão. Na verdade, a população espera insatisfeita. A tese da
moralidade pública não conseguiu impedir a recente vitória de Paulo Maluf - verdadeiro
símbolo da corrupção do período ditatorial - como prefeito de São Paulo. Nem mesmo
as revelações bombásticas sobre a corrupção que caracterizou sua campanha para
prefeito, fizeram diminuir suas preferências como candidato a presidente da república. E
seu eleitorado é exatamente composto dos setores conservadores que tentaram derrubar
a Vargas e que apoiaram a derrubada de Goulart em nome da moralidade pública.
Parece que há questões mais graves na ordem do dia. Sim, é preciso punir os
verdadeiros corruptos que continuam tranqüilamente impunes uns e outros no poder.
Mas este é um dado de um processo político muito mais amplo e complexo. O povo
sabe disto. As próximas eleições gerais deverão mudar o Presidente da República, dois
terços do Senado e a Câmara de Deputados, todos os governadores dos 27 estados do
país e as assembléias estaduais. O país nunca realizou umas eleições gerais desta

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amplitude. É natural que estas eleições provoquem apreensões na classe dominante.
Todas as insatisfações do momento atual e dos muitos anos de luta anteriores se
canalizam para outubro de l994. O episódio Collor pesará seguramente no julgamento
popular. A questão da corrupção será um dado importante. Mas seguramente não será o
único, nem talvez o principal.

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NOTAS

(1) Na década de 80 o fenômeno da corrupção ganhou dimensões fora do comum devido ao


crescimento da especulação financeira no período. As comissões subiram enormemente e o
dinheiro disponível para tal fim aumentou em proporções gigantescas. Neste mesmo período
agigantou-se o negócio das drogas, fonte de recursos ilegais, além da massa violenta de
negócios ligados à lavagem de dinheiro da droga.

(2) Após descrever as célebres violências do irmão adolescente em Brasília, Pedro Collor
afirma: "Minha tese é a de que essas crises de violência eram provocadas pelo consumo de
drogas pesadas. Não vejo outra explicação. Fernando, a partir de certa idade - mais ou menos
entre os 18 e 20 anos - passou a ser conhecido na cidade como uma pessoa violenta". Depois de
contar como quebrou uma boate inteira, batia em várias mulheres e dava surras violentas com
conhecimento de karatê, afirma: "Fernando transava drogas muito mais pesadas, incluindo
cocaína e LSD" (Pedro Collor, 1993, págs. 37-38).

(3) Renan Calheiros, um dos líderes dos "aventureiros", como ele mesmo qualificou o grupo que
assaltou o país com Fernando Collor, rompeu com o mesmo e denunciou as atividades de PC
Farias. Ele concluiu: "Era um esquema de poder sedento e guloso. Resultado: atraiu ódio, criou
escândalo e atingiu o governo no peito. Destruiu a moralidade defendida na campanha eleitoral.
É exatamente essa gula que o destruirá" (entrevista à revista Veja, 24 de junho de 1992, pág. 7).

(4) O escritor Fernando Sabino tomou o depoimento pessoal da ex-ministra para compor um
livro de grande êxito comercial. Posteriormente, a ex-ministra foi envolvida também na
recepção de recursos advindos da "caixa" de PC Farias, além de estar indiciada por outros
crimes de corrupção.

(5) Assim se expressou o gerente segundo Pedro Collor: "É que, pelo volume de dinheiro cash
que ele manipula aqui, estão começando a surgir comentários de que o senhor Farias possa estar
envolvido com o tráfico de drogas" (Pedro Collor, 1993, pág. 209). Neste capítulo sobre a
conexão Miami, Pedro Collor dá elementos muito claros para incriminar o Sr. Farias no
comércio de drogas. É impressionante como a imprensa brasileira deu um low profile a estas
evidências irrefutáveis.

(6) Já no seu primeiro depoimento à CPI o ex-tesoureiro de Collor ameaçara cinicamente com
revelar os beneficiados por sua "caixinha". A capa da revista Isto É de 17 de junho de 1992
dizia: "PC avisa que não cairá sozinho". Estas ameaças se prolongaram até sua fuga. Seu irmão,
deputado federal por Alagoas ameaça utilizar um dossiê secreto de PC Farias no caso de não se
respeitar seus interesses.

(7) O deputado Luís Salomão, líder da bancada do PDT na Câmara Federal publicou
recentemente um livro sobre os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito da VASP,
buscando provar a culpabilidade de Orestes Quércia nesta transação reconhecidamente irregular
(ver: Salomão, Luís, 1993).

(8) Sobre a corrupção durante a ditadura e no governo Sarney surgiro a leitura de José Carlos de
Assis, 1984. Sobre o período Collor ver a bibliografia citada ao final deste artigo.

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BIBLIOGRAFIA

Assis, José Carlos de, Os Mandarins da República, Anatomia dos Escândalos da Administração
Pública, Paz e Terra, SP, 1984.

Collor de Mello, Pedro, Passando a Limpo. A Trajetória de um Farsante, Editora Record, RJ,
1993.

Faro, Clovis (ed), A Economia Pós Plano Collor II, Livros Técnicos Editora, RJ,1991.

Krieger, Gustavo e outros, Todos os Sócios do Presidente, Scritta Editorial, SP, 1992.

Mendes, João Batista Petersen, A CPI do PC e os Crimes do Poder, Foglio Editora, RJ,1992.

Noblat, Ricardo, Céu dos Favoritos: O Brasil de Sarney a Collor, Rio Fundo Editora, RJ, 1990

Oliveira, Francisco de, Collor, A Falsificação da Ira. Imago, RJ, 1992

Salomão, Francisco, VASP, Vôo 171, Negociata e Impunidade sob as Asas do Poder de Collor
e Quércia, Câmara de Deputados, 1993.

Suassuna, Luciano e Costa Pinto, Luis, Os Fantasmas da Casa da Dinda, Editora Contexto, SP,
1992.

Tavares, Maria da Conceição (ed), Aquarella do Brasil. Ensaios Políticos e Econômicos sobre o
Governo Collor, Rio Fundo Editor, RJ, 1990.

Vários, "A CPI da Imprensa. Os principais jornalistas dos maiores veículos do País investigam e
analisam a cobertura do caso PC Farias", Imprensa, Ano 4, mês 8, Rio, 1993.

Revistas Veja e Isto É, várias edições.

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