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Resumo:
Tomando como ponto de partida às perspectivas abertas por François Hartog (1998) e
Tzvetan Todorov (1996) e sua análise sobre os discursos sobre o “outro”, esse artigo pretende
discutir de que maneira intelectuais ligados a administração metropolitana portuguesa em
Angola na segunda metade do século XX, nomeadamente Gilberto Freyre (1952), Maria
Archer (1956), Adriano Moreira (1956), Afonso Mendes (1958) e Mesquintela Lima (1964),
elaboraram discursos sobre a política colonial em relação à Angola, sobretudo em torno das
possibilidades de assimilação dos angolanos.
Abstract:
Taking as a starting point to the prospects opened by François Hartog (1998) and Tzvetan
Todorov (1996) and his analysis of the discourses on the "other", this article discusses how
intellectuals linked metropolitan Portuguese administration in Angola in the second half
twentieth century, notably Gilberto Freyre (1952), Mary Archer (1956), Adriano Moreira
(1956), Afonso Mendes (1958) and Mesquintela Lima (1964), prepared speeches about
colonial policy in relation to Angola, especially around the possibilities of assimilation of
Angolans.
∗
Mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
Doutorando em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Professor da Faculdade Eça de
Queirós (FACEQ). Email: washingtonprof@gmail.com
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Educação, Gestão e Sociedade: revista da Faculdade Eça de Queiros, ISSN 2179-9636, Ano 2, numero 5,
março de 2012. www.faceq.edu.br/regs
Dizer o outro é taxá-lo como diferente. Mas a diferença não se torna interessante senão
quando dois (a e b) entram em um mesmo contexto. Como então traduzir esta diferença? È
com esta questão que mesmo no século XX teóricos ligados ao colonialismo português se
depararam.
Nesse sentido esse artigo pretende discutir de que maneira intelectuais e literatos como
Gilberto Freyre (1952), Maria Archer (1956), Adriano Moreira (1956), Afonso Mendes
(1958) e Mesquintela Lima (1964) pensaram a política colonial em relação aos angolanos,
sobretudo em torno das possibilidades de assimilação dos mesmos. Nesses discursos há a
tentativa de elaborar um discurso conjunto e coeso sobre o “outro”, sobre o africano que
viviam em terras distantes, mas que faziam parte do império português
Para fazer tal estudo, analisaremos um obra de cada um desses autores, “Aventura e
Rotina” de Gilberto Freyre publicado em 1952, “Terras onde se fala português” de Maria
Archer de 1956, As elites das províncias portuguesa de Indigenato (Guiné, Angola,
Moçambique), Adriano Moreira, 1956, Moçamedes e Huila por Afonso Mendes (1958) e
Alguns aspectos sociológicos da Colonização (1964) – Mesquitela Lima.
Os textos foram escritos no período do Estado Novo (1926-1974). Antonio de Oliveira
Salazar construiu um regime político marcado pelo autoritarismo, antiliberalismo e
antidemocracia, mas ao mesmo tempo houve um desenvolvimento no que se refere a
economia, ao menos na primeira parte de seu governo. Em relação às colônias esse
autoritarismo é traduzido no cerceamento das autonomias dos territórios coloniais no domínio
financeiro e na substituição dos altos comissários por governadores locais sem poder de
decisão1.
Esse golpe promoveu um conjunto de dispositivos legais que culmina com o Ato
Colonial e com a Carta Orgânica do Império Colonial Português. O Ato Colonial de 1930
define um quadro jurídico-institucional geral de uma nova política para os territórios sob
dominação portuguesa. A política cultural de assimilação, defendida, sobretudo por Portugal
tinha por objetivo “converter”, de forma gradual, o “homem africano” em “europeu”, o que
significava em linhas gerais que toda a organização interna das colônias, o direito
consuetudinário e as culturas locais deveriam ser então modificadas. Em linhas gerais esses
códigos e regulamentos, ancorados nas ideias luso-tropicais de Gilberto Freyre, visavam,
1
Ver ALEXANDRE, Valentim. Portugal em África (1825 – 1974): Uma perspectiva Global In
Revista Penélope, nº11, Lisboa, 1993, pp.53-66 e (ROSAS, 1989. p. 107).
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dentre outras questões, criar uma identidade subordinada para o outro – o “indígena” – como
um não cidadão e, ao mesmo tempo, traçar fronteiras identitárias entre a grande massa de
africanos que seria enquadrado nesta categoria e os poucos africanos que dela estariam
isentos, os assimilados2.É nesse contexto que as obras a seguir serão analisadas.
Gilberto de Mello Freyre, foi sociólogo, antropólogo, historiador e escritor, sua obra
máxima sem duvida foi Casa Grande e Senzala publicada no ano de 1933, o que o tornou
conhecido mundialmente3. Nesse artigo analisaremos um de seus livros, “Aventura e Rotina”.
O Livro “Aventura e Rotina” surgiu a partir de um convite de Sarmento Rodrigues do
Ministério dos Negócios Estrangeiros para Gilberto Freyre para viajar e conhecer toda a
extensão do então império Português entre os anos de 1951 e 1952, e foi o mesmo Rodrigues
quem apresentou a Freyre e sua obra a Salazar. Nesse sentido destaca João Medina (Ano) de
que “[...] a utilização político-propagandística do pensamento de Freyre fez-se, sublinhe-se,
com total cumplicidade do interessado” (MEDINA, 2000, p. 50).
Freyre e sua esposa Madalena chegaram em Lisboa em agosto de 1951 de lá partiu
por sete meses (agosto de 1951 a fevereiro de 1952) para as colônias portuguesas na África e
da Ásia. Segundo Pinto (2009), “[...] o propósito de Freyre era a verificação científica das
suas teses, isto é, a constatação de uma identidade comum de práticas de sociabilidade similar
a todos os espaços territoriais em que o português se encontrou como colonizador” (PINTO,
2009, p.30 )
Freyre defendia a existência de um tipo especifico de colonização portuguesa
baseada nas assimilação cultural e não etnocêntrica dos povos colonizados, sua viagem fora
para comprovar in loco essas ideias. Desta viagem resultaram dois relatos publicados sob
forma de livros, “Um Brasileiro em Terras Portuguesas” e “Aventura e Rotina”.
2
O “indígena” é um termo que provem do latim e que refere-se aquilo que é natural de um
lugar ou país que habita. Em Angola se referia a todos os nativos (independentes de serem
crioulos, ouvimbundos, mbundos, bacongos...), mais de 90% da população, que estava
passível de uma legislação especifica do estado português. Ver NORÉ, Alfredo & ADÃO,
Áurea. O ensino colonial destinado aos "indígenas" de Angola. Antecedentes do ensino
rudimentar instituído pelo Estado Novo In; Revista Lusófona de Educação, Universidade
Lusófona de Humanidades e tecnologias, Portugal, 2003, p.102.
3
Para uma análise de Gilberto Freyre ver ARAÚJO, Ricardo Benzaquen.Guerra e paz: Casa-grande e
senzala e a obra de Gilberto Freyre nos anos 30. Rio de Janeiro, Editora 34.1993 e PALLARES-
BURKE, Maria Lúcia. Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos. São Paulo. Unesp, 2005
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Nesse artigo nos preocuparemos somente com o livro “Aventura e Rotina”,
sobretudo o que se refere à passagem de Freyre por Angola. Originalmente um diário de
viagem a obra teve sua primeira edição em 1953, a segunda em 1980 e a terceira, revista e
com ilustrações em 2001, quando completou-se 50 anos da viagem, que se dera entre Agosto
de 1951 e Fevereiro de 1952.
No prefácio a nova edição brasileira de 1980, Freyre diz que em sua viagem
encontrou “possíveis novos Brasis. Principalmente em Angola” (FREYRE, 2001, p. 25) e que
toda a sua análise partiu do conceito novo, o lusotropicalismo. Já no novo prefácio de 2001,
Alberto da Costa e Silva (2001) lembra que toda a viagem fora monitorada pelas autoridades
portuguesas. Tudo que fora mostrado passou antes pela aprovação das autoridades coloniais, o
próprio Freyre percebe que “No Dundo há relutância em me mostrarem as casas de habitação
reservadas aos trabalhadores indígenas (FREYRE, 2001, p. 381)”. Entretanto como nos
lembra Costa e Silva (2001), Freyre não se interessava necessariamente pela política colonial
em Angola, mas sim para os processos de mestiçagens e trocas culturais que se davam nas
regiões visitadas. Sobre a política portuguesa diz ele:
Estava convencido de que o Brasil era um dos melhores exemplos de que a política
de assimilação estava correta, e que teria começado desde Jose Bonifacio de Andrada e Silva,
“O estadista que se antecipou em ver com olhos de sociólogos modernos o problema da
assimilação do ameríndio e do africano pela sociedade brasileira. Assimilação pacífica. Lenta.
Respeitadora de valores indígenas.” (FREYRE, 2001, p. 382). Sua primeira estadia se deu em
Lisboa, onde tem o primeiro contato com angolanos. Diz ele:
Recebo a visita de um grupo de estudantes pretos e mestiços da
Angola. Um deles , seminarista, junta ao preto de pele africana o da
sobrecasaca clerical. Gente simpática, ainda que um tanto
contraditória no que me diz da Angola. Que os portugueses não fazem
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pelos nativos de Angola o que lhes cumpre fazer, diz-me um, desejoso
de uma política da mais viva assimilação cristã. Outro, ao contrário,
sustenta que a política lusitana com relação a gente nativa, naquela
província, deveria ser a de deixar intactos os grupos primitivos para
que seu desenvolvimento se processassem normalmente. O sistema de
outros europeus na África. (FREYRE,2001, p.53-54)
Em Dezembro de 1951, finalmente ele chega em Angola por Luanda, sua primeira
impressão é de tê-la já anteriormente conhecido, não se sentido dessa maneira um intruso.
Segundo ele “Em Angola é como se estivéssemos num Brasil já amadurecido em sociedade
híbrida, com uma população branca já considerável ao lado da branca, já perceptível ao lado
da nativa” (FREYRE, 2001, p. 355).
Em suas análise sobre Angola, Freyre destaca que o processo de assimilação viria
pelo caráter próprio que a escravidão assumira em terras colonizadas por Portugal o que
possibilitou o desenvolvimento do que ele chamou de “relações intimas” entre colonizadores
e colonizados, resultando assim em uma “rápida assimilação pelos nativos de muitos dos
valores dos adventícios” (FREIRE, 2001, p. 362 e 363).
Reafirma que “Da escravidão, assim socialmente dinâmica, resultou que, através da
miscigenação e da assimilação, indivíduos de cor pudessem subir até aos brancos: mesmo até
aos brancos mais altos” (FREYRE, 2001, p. 363). Esse “dinamismo” da escravidão nas terras
portuguesas era o que permitia como um individuo de cor pudesse ascender socialmente.
Dessa forma ele reafirma a relação superior (portugueses-brancos) – inferior (indivíduos de
cor). Continua ele:
Escravidão de estilo português que foi um prolongamento do estilo
maometano: o de associar á cultura dominante em vez de utilizá-la
apenas economicamente. A de torná-lo por vezes português e não
apenas subportuguês: ou africano ou asiático ou americano a serviço
do português. Daí a naturalidade com que o preto assimilado – ou
apenas em começo de assimilação – diz –se , em terra portuguesa,
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português; e não bântu ou mandinga ou iorubano. Português é que ele
é e se sente. E, sendo português, não se revolta tanto contra Portugal
como o preto das colônias inglesas contra o inglês, o do Congo Belga
contra os belgas, o da África do Sul contra os boers, até mesmo os
indígenas de colônias francesas contra a França (FREYRE, 2001, p.
363)
Como afirma Bastos (1998), “Freyre percebe o espaço colonial português, o mundo
luso-tropical como a mais acabada versão da possibilidade de ultrapassar os contrários e as
contradições (BASTOS, 1998, p,51)”. Para ele havia uma certa ligação entre o uso dos óculos
com o processo de assimilação. “Desde a Guiné que me impressiona o pendor do preto, mal
começa a assimilação da sua cultura pela européia – ou simplesmente o seu contato de
africanos com europeus – pelos óculos” (FREYRE, 2001, p. 367). Continua ele descrevendo o
que vira nas casas dos pretos em processo de assimilação:
Nota-se, porém, em várias casas de Mucequyes, que os assimilados
não se limitam ao uso de óculos ou de sutiã: vi mais de uma mesa
posta para o jantar como se fosse uma mesa de aldeia portuguesa;
casinhas quase iguais ás européias: cadeiras; camas, nos quartos de
dormir, e não esteiras. Nem esteiras nem redes. Suspeito assimilações
mais impostas que bem aceitas. Erro sociológicos. (FREIRE, 2001,
p.278)
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Deixo-me fotografar em Muceques no meio de um grupo de mulheres
e de crianças pretas, tão alegres de suas casas que desconfio de sua
alegria: não estarei eu a fazer o mesmo papel daqueles estrangeiros
inermes que no Brasil deixam-se retratar ao lado de ‘casas para
operários’ com que certos governos de Estado pretendem ter resolvido
o problema da habitação barata? Solução cenográfica de um problema
complexo. (FREYRE, 2001, p. 367)
Entretanto Freyre sabia que as melhores condições não estavam nos muceques, mas
sim em outros bairro, ele cita por exemplo um desse bairros o Balneário –Lactário. Segundo
ele: “O balneário Lacctário dá também de comer a muita criança preta; ensina a comer muito
adulto em fase difícil de transição da vida africana para a vida lusotropical dá assistência
médica a numerosa população de ‘assimilados’” (FREYRE, 2001, p. 368). Como se vê era um
lugar “onde se ensinava a comer” e que nessa transição havia uma “fase difícil”.
Diz ainda que grande parte dos sobas utilizavam como símbolos do poder algumas
“insígnias” portuguesas como casacões do exercito, bonés de oficiais...Freyre critica as ações
da Companhia de Diamantes do Dumbo, acreditava que a forma de exploração capitalista era
um dos impeditivos do processo de assimilação:
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adultos, dê-lhes toda uma nova base de desenvolvimento pessoal e
social (FREYRE, 200, p. 384)
Maria Archer nasceu em Lisboa em 1899. Em 1910 foi viver em Moçambique com a
família. Seu pai fora exercer a função de gerente de uma agência bancária. De Moçambique
conheceu outras regiões africanas, sobretudo regiões colonizadas por Portugal, como Angola.
Veio a morar no Brasil onde falecera. Seu livro “Terras onde se fala português” é um grande
relato de suas viagens ao continente africano, Terras onde se fala português (1957), apesar de
ter sido publicado no Brasil depois do Aventura e Rotina, Gilberto Freyre já tinha
conhecimento da mesma, através de uma edição portuguesa e faz referencia a Archer na
discussão que Freyre faz das mulheres em Angola, diz Freyre ao falar sobre a mulher de cor
angolana:
Para Freyre essa assimilada seria equivalente a mulata brasileira, “[...] que quase só
se distingue de branca de mesma classe pela cor” (FREYRE, 2001, p. 361). Entretanto Freire
desconfiava dessa informação da Archer, “Mas no íntimo muita raiz obscura prende essa
‘assimilada’ á África”
Percebe-se entretanto apesar dessa pequena discordância, que não é propriamente
contra a autora, mas á sua percepção, Freyre admira a obra de Maria Archer e a compara no
prefácio a edição portuguesa, vejas bem, a edição portuguesa, mostrando a força de Freyre em
Portugal. Pois bem a compara com as antropólogas americanas Ruth Benedict e Margaret
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Mead. O seu prefácio foi retirado do “Roteiro” na edição portuguesa e publicado no Brasil.
Diz Freyre sobre essa obra: “Donde pouco faltar ás paginas da talentosa escritora portuguesa
para serem ensaio de lusotropicalismo de todo consciente da unidade na diversidade”
(FREYRE apud ARCHER, 1956, p. 1)
O livro de Maria Archer é dividido em 11 capítulos que trata da presença portuguesa
na África, na América e na Ásia. Segundo Elisabete Batista “[...] roteiro no qual apresenta
compreensiva síntese sócio-histórico-geográfica dos territórios africanos que mantém o
português como língua de comunicação” (BATISTA, 2007, p. 8)
Aqui nos determos na análise que Archer faz de Angola. A referência á política de
assimilação, bem como em relação aos assimilados, ocorre inicialmente na descrição que faz
de Luanda, sobretudo a seus hospitais, que segundo ela; “Tem hospitais em conjunto para
brancos e gentes de cor com idêntica civilização, outros para indígenas (ARCHER, 1956,
p.156)”. Em sua fala a separação entre civilizados e não civilizados e de que maneira isso
delimita o acesso e o não acesso a serviços públicos.
O acesso a essa civilização era um dos diferencias e conferia poder inclusive aos
sobas. Archer descreve assim um deles: “Nos dias de festa aparece vestido de grande gala,
fardado com a velha casaca da nossa Marinha de Guerra, chapéu de bicos, espadim”
(ARCHER, 1956, p.159).
Tal qual analisa Freyre as insígnias portuguesas conferiam poder aos sobas, eram
instrumento de diferenciação social, daí que podemos pensar os imbricados caminhos da dita
‘assimilação’, se por um lado ela podia significar “vender-se” aos portugueses, por outro ao
usar determinadas insígnias portuguesas era um símbolo de diferenciação social entre os
próprios angolanos.
Essa diferenciação (civilizados X não civilizados) era vista também nos clubes
recreativos, diz Archer que “Há, por isso, clubes recreativos diversos para as várias classes
sociais, que se precatam cuidadosamente das promiscuidades democráticas” (ARCHER,
1956, p. 158)
È na discussão sobre o “papel da mulher” na África Portuguesa, que se pode
perceber as diferentes gradações existentes na sociedade portuguesa. Maria Archer foi um das
percussoras no estudo e defesa da mulher em Portugal, segundo Maria La Salete Coelho
(2008), em parte de suas obras encontra-se uma preponderância da figura feminina “ [...]
confrontada, no seu quotidiano, com inúmeros obstáculos que impedem a sua afirmação,
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começando pelos progenitores, passando pelo marido ou outros elementos da família até à
sociedade em geral (COELHO, 2008, p.12)”
Sobre a presença da colonização portuguesa na África, Archer criticava a pouca
ausência de mulheres, na obra “Brasil: Fronteira da África” (1963), ela diz que “uma
civilização só se fixa e define através da mulher” (Archer, 1963: 166). Em relação a mulher
africana ela carrega os vícios e estereótipos comuns aos colonizadores.
Primeiro ela diz existir a “negra sertaneja e selvagem”, grande parte das mulheres da
África, segundo ela:
O seu corpo nu, ornado de tatuagens e missangas, é como a sua alma,
pertença de uma arcaica civilização de que não somos partícipes [...]
Entre essas negras há algumas que estão em um estagio civilizatório
um pouco mais avançado que são as criadas, as lavandeiras e as
modestas companheiras dos brancos pobres (ARCHER, 1956, p.159).
Corpo nu, ausência de roupa/civilização que vai também para uma dimensão
religiosa, pois não somente o corpo, mas também a alma pertenceria a mais “arcaica
civilização”. Lembra Tzvetan Todorov (2009) que para os europeus as vestimentas são
símbolos de cultura, segundo ele “[...] a nudez é reveladora da falta de qualquer propriedade
cultural, costumes, ritos e religião (TODOROV, 2009, p.34)
Aquelas que estavam em estágio um pouco mais “civilizada” assim eram por manter
algum tipo de contato com os portugueses “civilizados”, como por exemplo as “negras
assimiladas”:
A classe das assimiladas compreende as negras que se vestem ao uso
europeu, trazem calçado, falam o português, procuram aproximar-se
da vida portuguesa. São geralmente costureiras, doceiras, criadas de
casas finas, companheiras do branco. Nesta classe social encontram-se
muitas mestiças, em todos os tons escuros da mistura dos sangues
europeus e africano, descendentes de brancos que abandonaram a
prole aos cuidados das mães e também cruzamentos de mestiços e
negros. (ARCHER, 1956, p. 160 – 161).
Acima das assimiladas estavam as mulatas, “[...] filhas de pais brancos que as
criaram e a educaram ao uso europeu (ARCHER, 1956, p. 160)”, depois as pardas claras,
mais acima as brancas nascidas na colônia e por fim aquelas que estavam no topo da pirâmide
civilizacional a mulher branca que nasceu em Portugal e que fora para a colônia.
No discurso de Archer (1956), a percepção da complexidade da sociedade angolana
em suas diferentes gradações, raciais e de gênero, mas ao mesmo tempo a ideia de que a
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civilização estava com os portugueses, quanto mais próximo dos portugueses, mas
“civilizado” o angolano se tornaria.
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Disponivel em http://angola-inteligente.over-blog.com/ Ver GRAÇA, Manuel ANGOLA 1960/1965, Surpresa
– Guerra – Recuperação" de Manuel Graça, Edição do autor, Impasse Caridade, nr.11, Agualva – Cacém.
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servir como parâmetro para outras realidades. Voltando ao texto objeto de analise, começa ele
dizendo:
Para ele esses assimilados seriam uma “classe intermediária”, essencial para a
vitalidade do poder metropolitano
Adriano Moreira tenta explicar o porque do estatuto do assimilado não ser procurado
até então:
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[...] nas províncias portuguesas de indigenato, e portanto em Angola,
Moçambique e Guiné, isto é, nas províncias onde se encontram
populações que não são inteiramente sujeitas á lei comum, acontece
que o estatuto jurídico de indígena é acompanhado de vantagens
fiscais e de assistência oficial que não existem para os não indígenas.
Daqui decorre naturalmente a falta de interesse do assimilado de fato
em obter a consagração jurídica do seu tipo de vida. Esta circunstância
era ainda apoiada pelo fato de durante muito tempo não se ter previsto
a opção pela lei comum apenas em cada um dos capítulos da vida
privada antes apontados. Só recentemente, pelo Decreto-Lei, numero
39.666 de 20 de Maio de 1954, se previu essa opção parcial pela lei do
colonizador , sem obrigação para a pessoa que opta de suportar os
encargos do direito público aplicável aos metropolitanos. È muito
provável que este regime permita uma avaliação quantitativa da classe
intermediária muito mais rigorosa do que era possível até agora.
(MOREIRA, 1956, p. 43-44)
Para Moreira a forma como o sistema social fora montado pela metrópole, como uma
maior proteção aos considerados indígenas em relação aos assimilados, fazia com que
houvesse pouca procura pelo estatuto da assimilação:
Como elemento de crítica, dir –se-á que a lei faz depender a concessão
da assimilação apenas nas seguintes condições: ter mais de 18 anos:
falar corretamente a língua portuguesa; exercer profissão, arte ou
ofício de que aufira o rendimento necessário para o sustento próprio e
das pessoas de sua família a seu cargo, ou possuir bens suficientes
para o mesmo fim; ter bom comportamento e ter adquirido a ilustração
e os hábitos pressupostos para o integral aplicação do direito público e
privado dos cidadãos portugueses; não ter sido notado como refratário
ao serviço militar nem dado como desertor. (MOREIRA, 1956 p. 44)
Mas os verdadeiros “chefes” para os “indígenas”, segundo Moreira eram aqueles que
tinham se assimilado, pois ao entender os meandros da colonização portuguesa podiam
melhor se relacionar e negociar com elas, os chefes tradicionais, “[...] não representam uma
força autônoma, quer política, quer culturalmente, sendo apenas elementos da administração”
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(MOREIRA, 1956, p. 53).Adriano Moreira tentará então discutir de que maneira o processo
de assimilação deveria se dar, diz ele:
Dessa maneira Moreira advoga que mesmo sendo assimilados deveria ser preservado
alguma reserva de padrões tradicionais de cultura, desde que não contrariasse a ordem
publica, “ou mais genericamente, a ética da colonização missionária” (p. 55). Seria então
depois necessário “coordenar o teor da vida privada”.
Ora isso á bastante contraditório, primeiro porque sabia Adriano Moreira que
ninguém pode se assimilar por completo a cultura do outro, então dessa forma não era
concessão dos portugueses fazer com que se conservasse determinados padrões tradicionais
da cultura, isso já era algo dado. Depois ele mostra temos em relação à vida privada desses
novos assimilados, pois sabia que era justamente nessa vida privada que essas manifestações
do tradicional se manifestavam.
Para Moreira alem dos portugueses só os muçulmanos na África se apresentavam
como uma “força assimiladora” entretanto até aquele momento tinha se mantido aliada ao
colonizador. Mas o grande perigo para poder provocar algum movimento de distúrbio ou
insurgência na colônia, que levasse a alguma tomada de consciência por parte das “minorias”
(grupos não dominantes da população), segundo ele:
O perigo da mudança de sentido da ação de qualquer dessas minorias
não vem portanto delas próprias, mas dos movimentos internacionais
ou estrangeiros, tais como o movimento de ortodoxia islâmica, o pan-
arabismo, o racismo orientado contra o branco, o anti-colonialismo
racista, o sovietismo russo ou chinês e a doutrina do espaço vital
indiana, que veladamente reclama toda a costa oriental de África para
a colocação dos excedentes demográficos. (MOREIRA, 1956, p. 59)
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Associado a dinâmica colonial, sendo inclusive um de seus agentes, Adriana Moreira
tenta dar uma visão cientifica em suas análise sobre a política de assimilação colonial, ao
mesmo tempo tentar ditar diretrizes para as ações do governo metropolitano. Tenta se
posicionar assim como um homem da ciência na direção da política metropolitana.
Para defender sua tese ele cita Sá da Bandeira, o lugar mais urbano , onde as
instituições administrativas e religiosas se faziam mais presentes e onde a assimilação estava,
segundo ele, em maior desenvolvimento. Sá da Bandeira era um centro econômico e também
estudantil. Um dos mais antigas instituições de Angola, o Liceu Diogo Cao, estava lá
instalado.
Em sua tentativa de entender o porquê muitos “pretos” não queriam se assimilar, ele
e diz que muitos, ao menos externamente, já eram assimilados. Vejamos o que ele diz:
È verdade que se as autoridades tomassem como índice de assimilação
certas manifestações exteriores de proceder, como o vestir e a
compostura das maneiras, decerto teriam milhares de indígenas para
assimilar. Mas o mais freqüente é que tais hábitos não acompanhem
uma paralela evolução espiritual, quedando o indígena exteriormente
civilizado, mas intimamente dominado, muitas vezes pelas idéias,
crenças e sentimentos aprendidos com os seus. (MENDES, 1958, p.
40)
5
Algumas de suas obras são “A etnologia e o serviço social (1966)”, “Elementos de antropologia
cultural : lições proferidas no II Curso de Portugalidade da Mocidade Portuguesa (1966) e “A
possessão espírita entre os Quicos da Lunda In: Boletim do Instituto de Investigação Científica de
Angola” 1971.
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rácico, assimilação cultural, procura de horizontalidade no choque de
culturas, convivência, acomodação ecológica a valores de culturas
diferentes e produção de ‘casos novos’ (LIMA, 1961, p. 13)
Para ele a política de assimilação praticada por Portugal tinha chegado a dois
resultados “brilhantes e eloqüentes”, a saber Brasil e Cabo Verde. Mas esses dois casos só
tornaram realmente relevantes porque a assimilação não teria sido total. Lima, baseia-se em
Donald Pierson, para definir o que é a assimilação:
A assimilação é um fenômeno sociológico, que pode ser definido
como ‘a transformação da experiência interior que procede sem que o
indivíduo se aperceba do que está passando. De fato, pode acontecer
que a assimilação se dê contrariando a própria intenção do individuo’.
Uma verdadeira assimilação só é possível, quando a interação entre os
indivíduos é grande e na medida em que os da cultura considerada de
‘menos valor’ entrem em contato intimo com os da cultura
européia e assumam atitudes iguais ou parecidas aos desta última”
(LIMA, 1961, p. 14)
Segundo ele a assimilação feita de maneira integral era impossível, mas quando duas
culturas diferentes entre em contato, há um “natural” movimento vertical no sentido da
cultura dito superior. Mesmo tendo esse movimento “O português nunca procurou a chamada
assimilação total, mas um equilíbrio como os povos que contata (p. 15), um exemplo maior
disso eram o Brasil e Cabo Verde.
E que esse processo teria produzido “produtos novos” nas colônias portuguesas
como o mestiço, o crioulo e o caboclo. Entretanto o fato de serem assimilados não significaria
estar em condição de igualdade com o Português. Segundo ele “A assimilação é uma
operação de transformação interna, mas isso não quer dizer que tenda para uma igualdade”
(LIMA, 1961, p. 15).
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Fazendo uso de gráficos para o processo de assimilação Mesquitela Lima chega a
seguinte conclusão: “Quando se adquire a horizontalidade no ponto que designamos
assimilação, é que verdadeiramente se produz aquilo que vulgarmente se denomina
descolonização, por ter se atingido a Civilização” (p. 16)
Mas mesmo “descolonizados”, “civilizados” eles nunca se tornariam portugueses, ao
terminar o texto ele é enfático:“Portugal não pretende fazer das populações nativas,
portugueses como aqueles que nasceram no minho e que estão, como é lógico e natural
impregnados da totalidade de valores, atitudes e sentimentos da cultura lusitana”. (LIMA,
1961, p. 16). Então qual seria o objetivo do processo de assimilação:
O que se pretende é uma sociedade equilibrada, sublimada pela fusão
de elementos mais valorativos das culturas em presença e não importa
em que medida tais elementos influenciem os diferentes ‘status’. Isto
verificar-se-á pela não impsoição da assimilação, que pode ser deixada
ao próprio movimento das forças sociais. (LIMA, 1961, p. 16).
O que se percebe é uma proximidade muito grande das suas ideias com as de
Gilberto Freyre, sobretudo na defesa de um tipo de colonização não etnocêntrica, não racista,
que buscava a assimilação cultural dos povos colonizados.
Considerações finais
Como o Colombo descrito por Todorov (1996), Freyre, Archer, Moreira, Mendes e
Lima olham para o outro, mas enxergam o que esperam ver. Nesse sentido compartilham
ideias comuns, que vão da estrutura narrativa até a troca de referências. Gilberto Freyre cita
Maria Archer, Mesquintela Lima cita Gilberto Freyre. Adriano Moreira tinha ligações
próximas tanto com Freyre quanto com Mendes.
Há entre eles alguns pontos de maior convergência entre eles, primeiro a existência
de uma série de binarismos em suas reflexões, campo e cidade, rural e urbano, selvagem e
civilizado, indígena e assimilado. Esse binarismo pode ser entendido a partir da ideia de
inversão, como nos diz Hartog (1999), a inversão é uma estratégia de tradução, onde a “[...]
onde a alteridade é transcrita como um ‘anti-próprio’” (HARTOG, 1999, pp. 229-230).
Outro elemento comum nos autores é o fato de que os europeus levariam à
civilização para os angolanos e consequentemente a existência de uma sociedade ao menos
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juridicamente igualitária como dizia Adriano Moreira ou ainda uma sociedade equilibrada na
opinião de Afonso Mendes.
A relação de superior e inferior está presente em todos os textos e para evidenciá-la
utilizam diferentes estratégias. Dessa forma as inversões, comparações, nominações e
descrições existentes nos textos são todos instrumentos teóricos que tem por pretensão
traduzir o outro, não dentro de uma perspectiva de Alteridade, mas dentro de um processo de
negação do diferente. Tal traços evidencia uma visão etnocêntrica e preconceituosa dos
autores e ajudam-nos a entender mais sobre o seu mundo cultural de origem, o português, do
que o mundo cultural encontrado, o anogolano, como nos diz Hartog (1998), classificando o
outro, classifico-me a mim mesmo.
Referência Bibliográfica
Fontes:
ARCHER, M. Terras onde se fala português. Rio de Janeiro: Casa do Estudante CEB,
1957.
Artigos e livros:
ARCHER, Maria (1963), Brasil: Fronteira da África. São Paulo: Editora Felman-Rego
BASTOS, Cristiana, 1998, “Tristes trópicos e alegres luso-tropicalismos: das notas de viagem
em Lévi-Strauss e Gilberto Freyre”, Análise Social, 33 (146-147), 415-432.
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BATTISTA, Elisabeth. . Entre o Índico e o Atlântico: incursões literárias de Maria Archer.
Revista Crioula, v. 1, p. 1-9, 2007.
PALLARES-BURKE, Maria Lúcia. Gilberto Freyre: um vitoriano nos trópicos. São Paulo.
Unesp, 2005
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