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Será o livre-arbítrio uma utopia?

Mestrado de Filosofia Contemporânea1


Filosofia da Acção
Cláudia Sofia Monsanto dos Santos
Estudante nº 201710631
31.jan.2018

Resumo
Este ensaio tem o propósito de reflectir sobre a importância do livre-
arbítrio na sociedade contemporânea, procurando perceber se a crença
no livre-arbítrio tem uma influência positiva no comportamento do ser
humano.

Palavras-chave: liberdade, vontade, utopia, acção, intenção,


comportamento, responsabilidade, autonomia, agência, agente, auto-
controlo, consciência

Abstract
This essay is intended to reflect on the importance of free will in
contemporary society, seeking to understand whether belief in free
will has a positive influence on the behavior of the human being.

Keywords: freedom, will, utopia, action, intention, behavior,


responsability, autonomy, agency, agent, self-control, consciousness

1
Mestrado de Filosofia Contemporânea 2017/2019 realizado na Faculdade de Letras da Universidade do
Porto.

1
A contemporaneidade encontra-se fragmentada por agentes perdidos entre momentos
multiculturais e tecnologias desconcertantes, que juntam no mesmo espaço e tempo
culturas com costumes diversos e, por vezes, contraditórios.
Tudo isto junto faz com que o ser humano procure fora de si algo que não sabe o quê e,
dessa forma, se afaste cada vez mais de si mesmo. Há uma perda de identidade própria
na sociedade actual, em virtude de uma ideia em que só o Outro tem valor – um Outro
ilusório, que ninguém sabe quem é na realidade. Talvez por isso as redes sociais sirvam
de meio para comunicar uma vida que não é a nossa, escudados atrás de nicknames e
fotografias denunciadoras de uma necessidade de viver uma vida ilusória, apenas com o
intuito de ser reconhecido como pessoa.
O que diria Marx hoje? O seu conceito de alienação é cada vez mais actual. Vivemos
alienados do mundo à nossa volta, vivemos alienados do mundo dentro de nós, vivemos
alienados do todo que nos faz pessoa, apenas distraídos por um desconhecimento
completo de quem somos e por uma desresponsabilização do rumo que o mundo tomou.
Desta feita, pretendo reflectir sobre a influência que a crença no livre-arbítrio tem no
comportamento humano, questionando se o livre-arbítrio pode ser a utopia da sociedade
contemporânea. Ou seja, será o livre-arbítrio uma utopia?
O problema do livre-arbítrio é um problema antigo, muito debatido por teólogos,
filósofos e, mais recentemente, por psicólogos e neurocientistas. A grande questão,
desde sempre, foi sobre a existência do livre-arbítrio num mundo, primeiramente,
definido por dogmas religiosos, que defendiam um ou mais deuses omnipotentes e, mais
tarde, por ciências, que defendiam a existência de um mundo determinista, onde não
havia espaço para o livre-arbítrio, em virtude das leis da natureza e a organização
estruturada do universo não deixarem qualquer abertura para a existência de
alternativas.
Este ensaio pretende reflectir sobre a influência que a crença no livre-arbítrio tem no
comportamento humano, por isso não é fundamental a discussão sobre a existência ou
não do livre-arbítrio. Mesmo assim, haverá lugar para algumas das teorias que
defendem ou questionam o livre-arbítrio sempre que entender que podem fundamentar
ou questionar a hipótese que pretendo apresentar neste ensaio.
Nesse sentido, recorri à obra de Alfred R. Mele, em particular a Autonomy, Self-control
and weakness of will e Free: Why Science hasn’t disproved free will, para investigar o

2
tema do livre-arbítrio, de forma a perceber melhor o conceito e outros complementares,
em virtude de ver Mele como uma fonte fundamental nesta investigação.
Para complementar, optei por recorrer ao livro Surrounding Free Will, organizado por
Alfred Mele, em particular aos artigos Free Will: Belief and Reality e Measuring and
Manipulating Beliefs and Behaviors Associated with Free Will: The Good, the Bad, and
the Ugly de Roy F. Baumeister, Cory Clark e Jamie Luguri e de Kathleen Voss e
Jonathan Schooler, respectivamente, uma vez que apresentam vários estudos sobre
livre-arbítrio, se bem que num âmbito comportamental.
Estes autores e obras são as principais fontes da investigação levada a cabo para redigir
este ensaio, se bem que recorri pontualmente ao artigo Do we have free will? de
Benjamin Libet, para compreender melhor os experimentos deste, para além de ter
consultado outros autores e obras, conforme refiro na bibliografia, como forma de
aprofundar o tema do livre-arbítrio e conceitos complementares.
A ideia para realizar uma investigação sobre a influência que o livre-arbítrio tem no
comportamento do ser humano nasceu na observação de pessoas e situações em que
tudo apontava para um desfecho e, no entanto, “algo” provocou outro desfecho.
Confesso que no início esta ideia estava escondida na necessidade de provar a mim
mesma que sou responsável pela vida que tenho. Esta situação vem muito da fase da
vida em que me encontro, no entanto é também influenciada pela minha formação
académica em Psicologia Social e pelo trabalho desenvolvido como Life Coach.
Desta feita, a hipótese que pretendo defender neste ensaio consiste na influência
positiva que o livre-arbítrio tem no comportamento humano e, também, a importância
que este pode ter na transformação do mundo conflituoso em que vivemos actualmente.
Ou seja, para além de permitir an individual behavioral upgrade, promove a social
behavior upgrade, através da diminuição de actos de intolerância entre os agentes
humanos, pois acredito que o livre-arbítrio reforça a compaixão humana.
Defendo que o efeito positivo do livre-arbítrio acontece apenas no momento em que o
agente humano acredita que é livre na sua essência. Por outras palavras, um agente
humano que acredite que tudo lhe acontece e nada é feito por si, não usufrui da riqueza
que o livre-arbítrio imprime à vida daqueles que acreditam que os acontecimentos da
vida foram causados pela sua vontade e que são livres de transformar no presente
qualquer consequência que possa vir dos seus actos passados, reposicionando assim o
seu futuro.

3
Posto isto, pretendo concluir que a crença no livre-arbítrio provoca uma mudança
comportamental significativa, que diminui a conflitualidade, a desresponsabilização e a
alienação reinantes no mundo contemporâneo.
Parto para este ensaio com a ideia de que o livre-arbítrio é um estado mental que nos
permite acreditar que somos responsáveis pela vida que temos e nos permite ser capazes
de ver alternativas de resposta a uma determinada situação, que podem levar a uma
escolha, decisão ou acção. O livre-arbítrio não é o resultado, nem uma escolha, nem
uma decisão, nem mesmo uma acção. Logo, o livre-arbítrio não é influenciado por
condicionantes internas ou externas. O que pretendo concluir é que a crença no livre-
arbítrio permite-nos transformar a forma como pensamos, deliberamos e
percepcionamos a situação que temos à nossa frente. O resultado, seja uma escolha, uma
decisão ou uma acção, está dependente da forma como pensamos, deliberamos ou
percepcionamos a vida. Logo, temos ou não alternativas de resposta à situação que
encontramos?
É neste sentido que pretendo responder se a crença no livre-arbítrio influencia de
alguma forma o comportamento do agente e de que forma é que o comportamento do
agente é influenciado. Para além disso, pretendo concluir se a consciência de si está
correlacionada com a crença no livre-arbítrio ou se a inconsciência de si invalida o
livre-arbítrio. Estas e outras questões são o fio condutor, que influencia a investigação
que deu origem a este ensaio, se bem que parto das seguintes premissas:
✓ livre-arbítrio existe;
✓ ser humano vive com livre-arbítrio;
✓ livre-arbítrio é uma propriedade inerente à agência humana;
✓ livre-arbítrio pressupõe uma agência e um agente;
✓ livre-arbítrio é diferente de freedom of action;
✓ freedom of action pressupõe também uma agência e um agente;
✓ vivemos num mundo probabilístico e não determinístico.
Consequentemente, ao longo deste ensaio procuro responder a várias perguntas.
Começo por explicar os três conceitos que compõem a questão que intitula este ensaio,
questionando se a liberdade contém em si limitações que nos permitem ser livres, se
escolher de acordo com a própria vontade é to pick ou to choose, e se a utopia é uma
motivação. O conceito de utopia abre caminho ao auto-controlo e a autonomia de Alfred
Mele, questionando se efectivamente estará tudo ao alcance do nosso controlo.

4
De seguida, torna-se fundamental definir livre-arbítrio e perceber de que forma surgiu a
crença neste. Conceitos como responsabilidade moral, cultura, significado e organização
pessoal surgem correlacionados ao livre-arbítrio e encaminham a reflexão para a
possibilidade de escolher, decidir ou agir sem qualquer influência e para o modelo de
livre-arbítrio com três níveis proposto por Alfred Mele.
Outros conceitos surgem ao longo desta reflexão, como acção, intenção, apontando uma
distinção entre acção e acção livre, para além de diferenciar livre-arbítrio de freedom of
action. A possibilidade da existência de alternativas promove a reflexão sobre o
determinismo, incompatibilista ou compatibilista ou libertário, surgindo o livre-arbítrio
como a luz ao fundo do túnel que teima em provar que existem alternativas.
No seguimento desta ideia de uma luz que desvenda alternativas, surge a questão se a
consciência é uma propriedade do livre-arbítrio ou se, pelo contrário, é prova da não
existência do livre-arbítrio, como procuram defender os experimentos de Libet e
Haggard. Por fim, através dos experimentos de Baumeister e Voss, procuro perceber se
efectivamente o livre-arbítrio influencia positivamente o nosso comportamento.
O problema do livre-arbítrio tem sido debatido de forma diferente nos estudos mais
recentes, em virtude da crença na liberdade e na vontade própria ter sido camuflada por
uma outra crença em que nada depende de nós. Tudo nos é imposto. Hoje em dia,
sentimos uma força que nos empurra numa determinada direcção.
E o mais curioso é que não queremos saber. As expectativas sociais e a ilusão em que
insistimos viver falam mais alto do que a capacidade de ser autêntico. E por este mesmo
motivo, é fundamental perceber até que ponto é que tudo isto advém de uma dificuldade
nossa, ou de um medo, ou de uma incapacidade de assumir o nosso papel na
transformação deste mundo, com o qual não nos identificamos.
Confesso que pode parecer uma loucura apontar o livre-arbítrio como uma utopia,
principalmente por me referir a uma sociedade composta por agentes alienados,
desinteressados, passivos, dependentes de uma realidade ilusória e despojados de
autonomia e controlo da própria vida. Por este motivo, quero começar por explicar os
três conceitos que compõem a questão que intitula este ensaio: a liberdade, a vontade e a
utopia.
Assim pergunto, será que a liberdade consiste em fazer tudo sem limitações? Ou será
que a liberdade contém em si limitações que nos permitem ser livres?

5
Entendo a liberdade como a responsabilidade de ser consciente de mim mesma, do meu
lado bom e do meu lado mau, do meu lado luz e do meu lado trevas, das minhas forças e
das minhas fraquezas, da minha coragem e do meu medo, da minha alegria e da minha
tristeza, das minhas limitações, das minhas lembranças, das minhas emoções, dos meus
pensamentos, das minhas crenças, dos meus desejos, das minhas intenções e,
principalmente, do efeito de todos nas minhas atitudes e no meu comportamento.
Liberdade é ser autêntica através do respeito por mim e pelos outros. Logo, ser livre é
ter limites que me protegem dos outros e que protegem os outros de mim! E penso que
tudo isto é característico de ser pessoa2, tal como a vontade.
E o que é isso de escolher de acordo com a própria vontade? Será vontade um capricho?
Será vontade um poder? Será que escolher de acordo com a própria vontade é to pick ou
será to choose3?
No meu entender, vontade é um guia interior, que nos capacita a perceber a
complexidade de ser pessoa. Logo, é um poder que guia o nosso estado mental,
influencia as nossas escolhas e fundamenta as nossas acções. Laura Ekstrom faz mesmo
um paralelo entre vontade, escolha e acção, quando diz que «beings with a will are
those with the ability to choose and to act»4.
Efectivamente, escolher de acordo com a própria vontade foge do âmbito de picking,
uma vez que «In picking, the alternatives make no difference and we just need a simple
mechanism that would make the selection»5, uma vez que se trata de uma escolha sem
grande peso significativo, como atirar uma moeda ao ar. Por isso, a vontade estará
intrinsecamente ligada a actos de choosing, «Since a choosing scenario is one in which
an agent has a reasoned preference of one alternative over the other»6, uma vez que se
trata de uma escolha significativa, como escolher a licenciatura.

2
O conceito de pessoa que pretendo aqui usar é o de Daniel Dennett, que defende que o conceito de
pessoa une a auto-consciência, a racionalidade e a responsabilidade pelas suas acções.
3
Mele, Alfred, Surrounding Free Will – Philosophy, Psychology, Neuroscience, Oxford University Press,
New York, 2015, pp. 165-183
4
O’connor, Timothy & Sandin, Constantine Companion of the Philosophy of Action. Blackwell Publishing
Ltd, 2010, pp. 101
5
Mele, Alfred, Surrounding Free Will – Philosophy, Psychology, Neuroscience, Oxford University Press,
New York, 2015, pp. 169
6
Idem, pp. 168

6
E a utopia? Onde se insere a utopia neste quadro? Será a utopia uma ilusão? Ou será que
a utopia é uma motivação?
A utopia é o ideal de perfeição que serve de beacon, de farol no caminho de
transformação de um mundo fragmentado por um desconhecimento interior de quem o
humano é e o que o motiva e guia. Por isso mesmo, vejo o livre-arbítrio como a nossa
utopia. Afinal, é o livre-arbítrio que nos permite pôr no nosso horizonte essa capacidade
máxima de escolher, decidir e agir livremente, através de uma ponderação consciente e
livre de todas as nossas escolhas, decisões e acções, se bem que sabendo que há coisas
que estão fora do nosso alcance, do nosso controlo – há coisas que não são da nossa
responsabilidade escolher, deliberar ou decidir, nem mesmo intencionar agir. Mesmo
assim, há muito o que esteja ao alcance do nosso controlo.
E esta ideia leva-me ao conceito de self-control que, «tão importante na teoria da
agência de Mele, é uma condição necessária mas não uma condição suficiente para a
existência de acção livre e responsável»7. No entender de Alfred Mele, o problema do
livre-arbítrio diz respeito a uma correlação sui generis entre crenças, desejos, intenções,
deliberações, decisões, motivações que possam levar o agente a agir com a possibilidade
de autonomia e auto-controlo.
Posto isto, em que consiste o livre-arbítrio?
Há quem diga que o livre-arbítrio é o poder de determinar as nossas acções, ou seja, «it
is up to us how we act»8. A verdade é que esta definição de livre-arbítrio denuncia um
poder causal inerente ao livre-arbítrio, uma vez que o define quase como a causa de uma
acção. Mesmo sendo a liberdade diferente de «ordinary cases of causal power»9, é esta
ideia que fundamenta a organização social de grande parte das sociedades, em virtude
de o ser humano adulto ter a capacidade de decidir as suas próprias acções e, por esse
motivo, deve aceitar as consequências que advenham dos seus actos.
Aliás, a principal crença no livre-arbítrio surgiu como uma justificação para poder
responsabilizar alguém que quebra as regras definidas socialmente. Por esse mesmo
motivo, a crença no livre-arbítrio está intimamente ligada à responsabilidade moral – se

7
Miguens, Sofia & Cadilha, Susana. Acção e Ética: conversas sobre racionalidade prática. Edições Colibri,
2011, pp. 23
8
O’connor, Timothy & Sandin, Constantine Companion of the Philosophy of Action. Blackwell Publishing
Ltd, 2010, pp. 301
9
Idem, pp. 302

7
não acreditarmos no livre-arbítrio não é possível responsabilizar alguém por uma
determinada acção. Se uma sociedade tem como fundamento que as pessoas são livres
para escolher, que têm livre-arbítrio e que têm alternativas, então podem tornar os seus
membros responsáveis pelos seus actos. Pelo contrário, não podem responsabilizar os
elementos de uma sociedade que tem como fundamento o determinismo incompatível
com o livre-arbítrio, em virtude da crença no livre-arbítrio ser substituída por uma
crença de que as pessoas não fazem algo e sim que tudo lhes acontece, não sendo por
isso responsáveis pelas suas acções.
Esta ligação do livre-arbítrio à responsabilidade moral desvenda, também, uma
correlação muito forte à cultura, pois demonstra que a nossa liberdade está limitada pela
liberdade dos outros, pois as nossas decisões são livres sempre e quando a nossa
liberdade não prejudique a liberdade dos outros. Afinal, as nossas acções devem ser
justificáveis perante a sociedade. Por exemplo, se eu matar alguém em legítima defesa,
será um acto justificável perante a sociedade. E se eu matar alguém por me apetecer?
Será muito difícil, se não impossível, justificar esse acto perante a sociedade – a não ser
que alegue o determinismo. No entanto, em qualquer das situações sou eu que decido
actuar de uma determinada forma. O que muda é o significado subjacente a cada acto.
Um significa a minha sobrevivência; o outro significa apenas um apetite!
E se eu matar alguém em legítima defesa por estar a tentar roubar algo para comer? Será
justificável perante a sociedade? Será possível responsabilizar-me de um crime que foi
motivado por uma necessidade extrema de sobrevivência? E por qual crime seria eu
responsável? Penso que pelos dois. Compreendo que o significado se mantém – a
sobrevivência – o que parece que muda é mesmo a organização pessoal (ou a falta dela,
neste caso), que me motiva a roubar, provocando, assim, a situação iminente de perigo
de vida. Ou seja, se eu morresse naquela situação, eu seria responsável pela minha
morte. Quem provoca essa situação sou eu, mesmo que condicionada pela fome.
Há quem veja o livre-arbítrio como uma capacidade de decidir e agir sem ser
influenciado. Será isso possível? No entender de Alfred Mele, tal é completamente
infundado, uma vez que é impossível o agente humano não ser influenciado, visto
sermos influenciados por tudo, se bem que, mesmo com essas influências, somos
capacidades de decidir e agir livremente. Mele define o livre-arbítrio como «the ability

8
to act freely»10 e defende que temos livre-arbítrio e que somos naturalmente
responsáveis. Entende que o livre-arbítrio é decidir, por isso define três níveis de livre-
arbítrio, utilizando o modelo de uma bomba de gasolina (regular, mid e premium gas).
Assim, entende que existe o livre-arbítrio regular, o livre-arbítrio de nível médio e o
livre-arbítrio premium.
O primeiro é o básico, em que uma pessoa tem que ser sã e racional, bem informada, not
deceived, sem ser influenciada por algo ou alguém e que seja capaz de tomar uma
decisão baseada em informações fidedignas.
O segundo é o nível intermédio, em que acresce ao primeiro nível a capacidade do
agente em decidir de outra forma, o que Mele chama de a certain kind of deep
openness11. Por outras palavras, para se poder decidir de forma diferente seria
necessário voltar atrás no tempo e decidir de forma diferente, mantendo todas as
condições da primeira decisão. Pretende assim chegar a uma ideia que as leis que
regulam a actividade cerebral teriam que ser probabilísticas, e nunca determinísticas,
havendo assim um real indeterminismo no cérebro. Para além disso, Mele aponta a ideia
que the laws of nature leave open alternatives12, sendo assim possível a existência do
livre-arbítrio num mundo determinista. No meu entender, essa abertura existe logo à
partida, uma vez que no momento de uma decisão temos sempre disponíveis pelo
menos duas opções: fazer ou não fazer. E será que esta última é uma acção? Sim, se não
fazer algo for intencional.
O livre-arbítrio premium acrescenta aos anteriores uma alma ou mente imaterial, ou
seja, uma capacidade que transcende a ordem natural. Como an evidence driven
person13, Alfred Mele entende que todos temos livre-arbítrio ao nível do regular, se bem
que tem algumas reservas em relação ao médio e premium, uma vez que não existe uma
forte evidência disso. No entanto, defende que o livre-arbítrio é visto actualmente como
uma capacidade ao nível do premium, ou seja, extranatural. Por isso mesmo, entende

10
Mauro, Carlos, Miguens, Sofia e Cadilha, Susana. Conversations on Human Action and Practical
Rationality, Cambridge Scholars Publishing, 2013, pp. 44
11
http://www.successpodcast.com/show-notes/2017/2/8/do-neuroscience-and-quantum-physics-
disprove-the-existence-of-free-will-with-dr-alfred-mele, min. 0:03:50.6
12
Idem, min. 0:06:46.0
13
Idem, min. 0:14:10.5

9
que é necessário conectar o livre-arbítrio à responsabilidade moral para conseguir trazê-
lo de volta à terra.
Parece-me claro que o livre-arbítrio existe. É uma propriedade inerente à agência
humana, logo pressupõe uma agência e um agente. O agente é aquele que age, por isso
pode subentender-se que a acção livre é o propósito do livre-arbítrio. A agência é a
propriedade de ser agente, ou seja, imprime no agente a capacidade de responder
racionalmente a razões práticas e permite que o comportamento do agente seja guiado e
justificado dessa forma. O livre-arbítrio influencia o agente humano, pois capacita-o de
um poder motivador de liberdade e vontade, ou seja, o ser humano vive com livre-
arbítrio. A liberdade é a responsabilidade de ser consciente de si mesmo e a vontade é o
guia que capacita o agente a entender a complexidade de ser pessoa. Então, será o livre-
arbítrio o farol que ilumina a essência do agente, expressa através das próprias acções?
Penso que sim, porque o livre-arbítrio é um estado mental que motiva o agente a
acreditar que é o responsável pela vida que tem. Só podemos dizer que um agente agiu
quando este faz com que algo aconteça por sua intenção. O dia amanhece sem qualquer
acção do agente. E como é que o agente sabe que amanheceu? Provavelmente quando
vir a luz do dia a entrar em sua casa. E será que o agente pode ver a luz do dia a entrar
em sua casa caso as cortinas estejam fechadas? Então, o agente nada faz para que
amanheça, mas precisa de abrir as cortinas para saber que amanheceu. Logo, o agente
abre intencionalmente as cortinas, pois deseja ver a luz do dia, acredita que se abrir as
cortinas vai ver a luz do dia e tem intenção de abrir as cortinas para assim ver a luz do
dia.
O que quero dizer com isto é que uma acção só existe quando há intenção, ou seja, uma
acção não deixa de ser um acontecimento, mas a acção é um acto do agente,
contrariamente a algo que acontece ao agente. E para haver intenção tem que haver um
encontro de, pelo menos, um desejo com, pelo menos, uma crença, associado à intenção
de fazer o que se quer fazer. A intenção só existe quando o agente deseja fazer alguma
coisa, acredita que é capaz de fazer aquilo que deseja fazer e pretende fazer aquilo que
deseja fazer.
E qual é a diferença entre uma acção e uma acção livre? Sofia Miguéns e Susana
Cadilha defendem que «a liberdade da vontade implica ser-se livre para se querer o
que se quer querer», sendo assim necessário que os agentes sejam «capazes de formar
volições de segunda ordem, seres capazes de quererem que um determinado desejo seu

10
seja (ou não seja) a sua vontade»14. Por outras palavras, uma acção intencional só passa
a ser uma acção livre se a escolha, a decisão e acção do agente nascer de uma volição de
segunda ordem, pois este quer que o desejo seja a sua vontade.
Mas será o livre-arbítrio o mesmo que freedom of action? Penso que não. São
diferentes. Freedom of action é a acção que resulta do livre-arbítrio, seja ela uma
escolha, uma decisão ou uma acção materializada. Freedom of action nasce na
sequência do livre-arbítrio. Apenas um agente com alternativas pode agir de forma livre.
E apenas um agente com livre-arbítrio pode percepcionar alternativas. Assim, free
action é uma performance causada por uma escolha de entre várias alternativas, tal
como explica Robert Kane ao dizer «But if e is her own free action, then she makes it
the case that e occurs, not by causing it, but by simply performing it (This latter “by” is
logical rather than causal)»15.
Logo, é através da relação que o agente tem consigo mesmo que é possível vivenciar o
livre-arbítrio. Quero assim dizer que existem agentes que se responsabilizam pela
utilização do seu livre-arbítrio e outros que usam a não utilização do livre-arbítrio como
desculpa para não se responsabilizarem pelas suas escolhas, decisões e acções.
Mesmo que a consequência da nossa escolha seja a morte, numa situação de perigo, por
exemplo, temos sempre duas opções, no minímo: ficar quieto (sendo esta não acção,
uma acção por si) ou fugir. Qualquer uma delas tem uma consequência, que poderá
levar à morte ou não, mas as alternativas existem.
E será que existem mesmo? Pierre Simon LaPlace, defendia que «Given for an instant
an intelligence which could comprehend all the forces by which nature is animated and
the respective situation of the beings who compose it – an intelligence sufficiently vast
to submit these data to analysis – it would embrace in the same formula the movements
of the greatest bodies of the universe and those of the lightest atom; for it nothing would
be uncertain and the future, as the past, would be present to its eyes»16. Por outras
palavras, um mundo determinista é visto, em geral, como um mundo em que uma
completa descrição das leis da natureza e uma completa descrição do universo em
qualquer momento implica todas as outras verdades desse universo. Esta é a visão dos

14
Miguens, Sofia & Cadilha, Susana. Acção e Ética: conversas sobre racionalidade prática. Edições
Colibri, 2011, pp. 89
15
Kane, Robert H. (ed.) Free Will. Blackwell Publishing, 2002, Massachusetts, pp. 208
16
Kane, Robert H. (ed.) The Oxford Handbook of Free Will. Oxford University Press, New York, 2002, pp.

11
incompatibilistas, que não acreditam no livre-arbítrio, exactamente porque o universo
determina tudo o que acontece.
E se assim é, não há lugar a alternativas. Tudo está pré-definido, nada há a escolher ou a
decidir. Tal ideia imprime no determinismo um foco na produtividade. A melhor
analogia que posso encontrar aqui é uma linha de montagem em que tudo já está
definido e ao trabalhador apenas cabe cumprir uma determinada tarefa. O trabalhador
não pode escolher a meio da produção de carros, produzir sapatos. Assim, o ser humano
não tem autonomia, apenas cumpre algo que já está estipulado e produz uma acção,
condicionado pelo que já se encontra determinado à partida.
No entanto, os compatibilistas acreditam, em parte, que o determinismo existe, se bem
que acreditam também que existe a certain kind of openness, ou seja, que o universo
determinista deixa em aberto algumas alternativas. Procurando manter-se neutro em
relação às ideias compatibilistas e incompatibilistas, Alfred Mele acabou por
desenvolver uma ideia de agentes autónomos, que têm auto-controlo, conceito este
relacionado com termos metafísicos de liberdade, como o livre-arbítrio, onde o agente
lida com situações em que existem múltiplos factores que contribuem para definir se a
acção é mais ou menos livre.
Esta forma de olhar para o livre-arbítrio leva à conclusão que o determinismo não é
propriamente útil à vida diária, até porque o conceito de agência assenta numa
multiplicidade de resultados possíveis. Por outras palavras, como humanos, nós agimos
depois de deliberar sobre as várias saídas que temos, as várias decisões que podemos
tomar, acabando por escolher uma, que consistirá na nossa decisão final e efectiva. Esta
ideia de que nós podemos escolher dentre várias alternativas, leva ao conceito de
autonomia responsável, o que fortalece a ideia do livre-arbítrio e enfraquece, assim, a
ideia de determinismo.
O incompatibilismo do determinismo com o livre-arbítrio é assente numa ideia que não
é possível existir livre-arbítrio num mundo determinista. No entanto, para os
compatibilistas, mesmo num mundo determinista, mesmo que exista forma de prever
tudo o que vai acontecer, o ser humano tem o livre-arbítrio de fazer algo diferente do
que já está previsto, até porque os eventos acontecem não só pela determinação à priori,
mas também como resultado dos actos do ser humano. Logo, o determinismo e o livre-
arbítrio podem co-existir.

12
A globalização é um bom exemplo dessa co-existência. O universo é um organismo
vivo maravilhoso. A organização criada entre espaços habitáveis e não habitáveis por
humanos – ou seja, terra e mar – demonstra que estava prevista uma separação física
dos diversos povos. A falta de meios para promover o contacto entre os vários povos
leva a crer que não estava determinado que o mundo fragmentado em sociedades
culturais distantes se transformasse numa aldeia global17, composta por sociedades
fragmentárias. No entanto, em virtude da vontade e da acção humana, vivemos hoje
numa aldeia global. Estava à partida determinada uma separação física dos povos e um
desconhecimento completo da existência do resto do mundo. Mesmo assim, por escolha
e acção livre do agente humano, o mundo é hoje uma estranha amálgama de culturas e
hábitos confinados ao mesmo espaço e tempo.
Isto leva à ideia de compatibilidade entre o livre-arbítrio e o determinismo, em que a
liberdade é definida através de palavras como poder e habilidade. Assim, os
compatibilistas entendem que ser livre significa ter o poder ou habilidade de fazer o que
queremos (desejamos ou escolhemos) fazer, o que aponta a ausência de impedimentos
para a acção. Assim, os compatibilistas «endorse a view of freedom of action on which
to act freely is, roughly, for one’s act to be caused in a suitable way by one’s own
reasons – whichever reasons are motivationally the strongest at the time of one acts –
and for this to occur in such a way that one is not subject to any form or external
manipulation or internal compulsion»18.
Carolina Sartorio defende a compatibilidade do determinismo e do livre-arbítrio por
pensar «that we can causally influence the future by acting in the present. So, even if the
future determines the present, this by itself isn’t a reason to think that we don’t have a
choice about our present acts. This is why, of course, van Inwagen chose the past
instead of the future to build the consequence argument for incompatibilism»19. Sartorio
vê mesmo o passado como a maior ameaça ao livre-arbítrio, pois entende que a vida é
complexa em virtude de uma conjugação de um elemento quase-determinístico e um
elemento de falta de controlo, que caracteriza os seres humanos, sendo a evolução da

17
Page, Martin A primeira aldeia global – como Portugal mudou o mundo. Casa das Letras, Alfragide,
2008
18
O’connor, Timothy & Sandin, Constantine Companion of the Philosophy of Action. Blackwell Publishing
Ltd, 2010, pp. 136
19
Mele, Alfred, Surrounding Free Will – Philosophy, Psychology, Neuroscience, Oxford University Press,
New York, 2015, pp. 257

13
vida humana e as acções e decisões passadas do ser humano um condicionamento ao
livre-arbítrio.
Compreendo a ideia de Sartorio, se bem que me pareça claro que o mais importante na
vida é o presente, pois é no presente que o agente tem a capacidade de agir conforme a
sua vontade, mesmo que o passado possa apontar um determinado futuro, tal como
acontece com as expectativas que temos dos acontecimentos da vida. Por exemplo, o
organismo humano tem a capacidade de se auto-regenerar. Aqui o passado pode
provocar uma diminuição de vitalidade, por exemplo, devido ao consumo de alimentos
ou substâncias que prejudiquem o organismo. No entanto, se o agente decidir alterar
esses hábitos nocivos, substituindo-os por hábitos saudáveis e que promovam a
recuperação do organismo, pode, assim, provocar um aumento de vitalidade. Ou seja, o
agente, de forma voluntária e livre, decide transformar aquilo que as suas acções
passadas provocaram.
Isto quase explica a visão libertária do livre-arbítrio, desenvolvida por Robert Kane, que
defende que uma pessoa tem livre-arbítrio sempre que tem um cenário alternativo
possível que possibilita uma decisão alternativa à que foi tomada. Para Kane, o mundo é
indeterminista. Defende, assim, que perante uma escolha livre, tentamos fazer o
correcto e, ao mesmo tempo, somos tentados a fazer algo diferente – competing efforts
to choose. O que leva a crer que Kane entende que o livre-arbítrio existe quando existe
uma luta interna sobre o que fazer, se bem que acredita que «we do actually possess
control over the way we act»20.
No meu entender, e mesmo acreditando que o agente humano vive conflitos internos, a
ideia de Kane parece algo rebuscada. Não me parece que seja necessário um conflito
interior para existir livre-arbítrio. Pelo contrário, parece-me que o livre-arbítrio pode
ajudar-nos a lidar com conflitos interiores, que possam dificultar as nossas escolhas, as
nossas decisões, as nossas acções. Até porque, penso que este estado mental chamado
livre-arbítrio se alimenta no que faz do agente o que ele é.
Pode parecer contraditório com algumas das ideias defendidas ao longo deste ensaio. A
verdade é que o livre-arbítrio é uma força que nos permite ver alternativas nos
problemas com que nos deparamos ao longo da vida. Quase poderia dizer que o livre-
arbítrio é a luz no fundo de um escuro e longo túnel. Parece que não temos escolha e

20
O’connor, Timothy & Sandin, Constantine Companion of the Philosophy of Action. Blackwell Publishing
Ltd, 2010, pp. 303

14
aquela crença teima em provar o contrário. No entanto, essa luz alimenta-se das nossas
crenças, dos nossos desejos, dos nossos sentimentos e emoções, pois só assim, através
da consciência deles, é que é possível ver essa luz.
Por exemplo, será que crer que o nosso sucesso depende de nós, poderá fazer com que
nos esforcemos mais para alcançar os nossos objectivos, mesmo quando parece que
estamos estagnados? E qual será o efeito de acreditar no contrário? Será que desejar
alcançar uma determinada posição na empresa onde trabalhamos, motivará um empenho
maior da nossa parte? Será que sentir que somos valorizados pelos nossos superiores,
contribuirá para arriscarmos mais?
Penso que sim. Parece lógico pensar que a nossa vontade se alimenta nos nossos
motivos, motivando-se a ser livre através das nossas crenças e das nossas emoções. E
será que só temos livre-arbítrio quando estamos auto-conscientes? Será que a
inconsciência é incompatível com o livre-arbítrio? Ou será que tudo o que escolhemos e
decidimos fazer é anterior à consciência?
Benjamin Libet conduziu experiências pensadas para determinar o timing de conscious
willings e decisões para agir em relação à actividade cerebral associada ao movimento
corporal. Libet concluiu que não iniciamos as nossas acções conscientemente, uma vez
que o cérebro sinaliza eventos mentais anteriores à tomada de consciência por parte do
agente da decisão para a acção. Benjamin Libet defende que o livre-arbítrio deve ser
consciente e, em virtude, do cérebro decidir sem que o agente tenha consciência disso,
não existe livre-arbítrio.
Alfred Mele questiona esta ideia, uma vez que entende que os eventos mentais
detectados por Libet dizem respeito a uma preparação mental para a acção e não uma
decisão. Tal ideia foi posteriormente reforçada por estudos realizados por Patrick
Haggard, entre outros, que comprovaram que existe um tempo de preparação para acção
anterior à decisão de agir de uma determinada forma – If you haven’t moved for awhile,
and you get a go signal, you’ll prepare to move. Por isto, Mele entende que o cérebro
sinaliza a preparação para mover e não a decisão de agir, contrariamente ao que Libet
defendia.
No meu entender, o livre-arbítrio é um estado mental vigilante, que nos permite
testemunhar a nossa acção, de forma a percepcionar alternativas à nossa forma habitual
de agir e escolher agir de forma alternativa. Essa escolha é que pode ser influenciada
por eventos conscientes ou inconscientes. Por exemplo, numa situação em que somos

15
provocados, temos sempre duas opções: reagir, influenciados por razões, desejos,
necessidades ou crenças inconscientes; ou agir conscientes daquilo que nos influencia a
tomar a primeira saída.
Há um provérbio português que diz que «quem não se sente não é filho de boa gente» e
isto leva muito boa gente, filhos de boa gente, a ter comportamentos incorrectos quando
provocados por alguém. Se eu tenho esta crença, há partida eu optarei por reagir a uma
provocação. No entanto, se eu tenho consciência que essa crença existe, eu passo a ter
duas alternativas: primeira, mudar a crença, para que não volte a influenciar o meu
comportamento; e segundo, agir de uma forma correcta, sem permitir que o meu
comportamento seja influenciado por emoções ou crenças que o desvirtuem.
Penso que é desta forma que se pode perceber a influência saudável que o livre-arbítrio
tem na vida humana. A verdade é que essa influência será tão mais positiva quando
maior for a nossa consciência daquilo que influencia positiva ou negativamente as
nossas intenções, acções e comportamento.
Para melhor me fazer entender, vejo o livre-arbítrio como um interruptor de pressão
com dois botões, o ON e o OFF. Só não temos livre-arbítrio se não pressionarmos
qualquer um dos botões. Ou seja, se abdicarmos de ser autonomamente responsáveis
auto-controlados. Basta pressionar qualquer um dos botões para termos livre-arbítrio,
esse estado mental que nos faz acreditar que somos responsáveis pela vida que temos.
Ao pressionar o botão OFF escolhemos, decidimos e agimos inconscientes do todo que
nos influencia num determinado momento. Se pressionarmos o botão ON escolhemos,
decidimos e agimos conscientes do todo que poderá influenciar-nos num determinado
momento. O livre-arbítrio não é consciente ou inconsciente. O livre-arbítrio é essa
escolha de estar alerta ou não quando estamos numa determinada situação em que
precisamos escolher, decidir ou agir. Todavia, «conscious thoughts cause behavior»21,
por isso a inner awareness ajuda a positivar o nosso comportamento, quando perante
situações mais difíceis de lidar.
E será que o livre-arbítrio influencia positivamente o nosso comportamento? E de que
forma?
Sim. O livre-arbítrio, ou a crença nele, influencia o nosso sentido de responsabilidade
como agente autónomo e detentor do controlo das suas escolhas, decisões e acções. Se

21
Mele, Alfred, Surrounding Free Will – Philosophy, Psychology, Neuroscience, Oxford University Press,
New York, 2015, pp. 59

16
não acreditarmos que as nossas acções são da nossa responsabilidade, o que é que nos
faria fazer o bem? O que é que nos levaria a fazer fosse o que fosse? Se tudo apenas
acontece, então só tenho que me sentar e esperar que aconteça! Vou na rua, alguém cai e
magoa-se gravemente. Não sou responsável por isso, certo? Necessita de assistência
médica e eu continuo o meu caminho. Aquela pessoa morre. O que é que isso diz de
mim? Afinal, se aquela pessoa morreu é porque estava determinado assim, logo iria
morrer a caminho do hospital, com ou sem a minha ajuda. Agora, imagine-se que eu sou
responsável pelos meus actos – sou livre, tenho livre-arbítrio. O que será que faria
naquela situação? Será que continuaria o meu caminho? E como me sentiria se aquela
pessoa morresse por eu não a ter socorrido?
A culpa e a vergonha só existem porque nós sentimo-nos responsáveis por algo que
fizemos ou por algo que não fizemos e deveríamos ter feito, mediante o nosso próprio
julgamento. Acreditar no livre-arbítrio cria em nós uma constante testemunha-juíz, que
observa, julga e sentencia todas as nossas acções. Por isso, acreditar no livre-arbítrio
cria em nós a necessidade de fazer o bem, de respeitar os outros, de ser humano, na
verdadeira acepção da palavra.
Alfred Mele defende que «if you diminish people’s confidence in free will with certain
manipulations, their behavior gets worse»22, no seguimento de alguns experimentos
realizados por Kathleen Voss e Jonathan Schooler, sobre a influência da crença no livre-
arbítrio no comportamento humano.
Num dos estudos, um grupo lê passagens sobre a inexistência do livre-arbítrio, outro
grupo lê passagens sobre a existência do livre-arbítrio e um terceiro grupo lê passagens
neutras. De seguida respondem a um questionário sobre as suas crenças no livre-
arbítrio. No final, fazem um teste matemático, mas são informados que os
programadores do teste cometeram um erro que faz com que as respostas apareçam,
caso não pressionem a tecla de espaço logo a seguir à pergunta aparecer, se bem que
ninguém saberia se tinham pressionado ou não a tecla. Esta seria uma forma de aldrabar
o teste. O grupo que copiou significativamente mais foi aquele que leu as passagens
sobre a inexistência do livre-arbítrio. Assim, não acreditar no livre-arbítrio influencia
negativamente o comportamento humano.

22
http://www.successpodcast.com/show-notes/2017/2/8/do-neuroscience-and-quantum-physics-
disprove-the-existence-of-free-will-with-dr-alfred-mele, min. 0:35:24.3

17
Também Roy F. Baumeister realizou um estudo no mesmo âmbito, se bem que utilizou
apenas dois grupos. Um leu passagens que defendia a não existência do livre-arbítrio e o
o outro grupo leu passagens neutras em relação ao livre-arbítrio. De seguida, era pedido
que servissem snacks a todas as pessoas que entrassem na sala, se bem que foram
informados que as pessoas teriam que comer tudo o que lhes servissem e que todas elas
não gostavam de comida picante. O grupo que leu as passagens que defendiam a não
existência do livre-arbítrio serviu mais comida picante do que o outro grupo. Quase
parecia que uma vez que não tinham livre-arbítrio, ninguém os poderia responsabilizar
pela comida que estavam a servir e por isso sentiram uma vontade de se comportarem
de uma forma mais agressiva. Baumeister concluiu que a descrença no livre-arbítrio
aumentava a probabilidade de existir um comportamento agressivo.
Houve outros estudos em que as pessoas eram questionadas sobre o nível da crença no
livre-arbítrio, para além de serem questionadas sobre o nível de felicidade, sucesso e
outros. Foi detectado que existia uma correlação entre as pessoas que acreditavam no
livre-arbítrio e as que tinham uma ideia mais positiva de sucesso, felicidade, relações
longas, entre outras coisas. Estes estudos, e outros estudos como estes, não provam a
existência do livre-arbítrio, se bem que provam que crer no livre-arbítrio promove a
honestidade, ajuda a promover a gratidão, a reduzir o stress, a reduzir a agressividade e
a aumentar a cooperação, aumentando a compaixão.
Para a neurociência, até onde se sabe, o livre-arbítrio é em grande parte uma ilusão e
também conhecido como um construto social. Mas crer nele ou participar do debate
sobre ele, influencia positivamente o nosso comportamento, ajudando a construir uma
sociedade mais saudável e criando uma visão mais positiva da vida.
No início deste ensaio tinha a crença que o livre-arbítrio é um ideal de perfeição que
aponta o caminho para acordar o ser humano e motivá-lo a contribuir para a
transformação desta sociedade fragmentária através de uma consciência de si e do seu
papel no futuro da Humanidade.
Agora, depois de tanto ler sobre o livre-arbítrio, de tanto escrever, reescrever, apagar e
reestruturar este ensaio, recordei Sócrates e pergunto-me se o livre-arbítrio é o caminho
para viver a meaningful life, uma vida significativa worth living e o caminho para ser a
worthy and valuable person, auto-consciente, racional e responsável pelas acções
próprias, capaz de ser pessoa!
Quem sabe!

18
Bibliografia
Kane, Robert H. (ed.) Free Will. Blackwell Publishing, 2002, Massachusetts, pp. 208

Kane, Robert H. (ed.) The Oxford Handbook of Free Will. Oxford University Press,

New York, 2002

Mauro, Carlos, Miguens, Sofia e Cadilha, Susana. (ed.) Conversations on Human

Action and Practical Rationality, Cambridge Scholars Publishing, 2013, pp. 44

Mele, Alfred R. Surrounding Free Will – Philosophy, Psichology, Neuroscience.

Oxford University Press, 2015

Miguens, Sofia & Cadilha, Susana. Acção e Ética: conversas sobre racionalidade

prática. Edições Colibri, 2011

O’connor, Timothy & Sandin, Constantine Companion of the Philosophy of Action.

Blackwell Publishing Ltd, 2010

Artigos:

Frankfurt, Harry G. “Freedom of the will and the concept of a person”. The Journal of

Philosophy, Vol. 68 nº 1 (Jan.14.1971), pp. 5-20

Mele, Alfred R. “Free will: action theory meets neuroscience”.

www.summer12.isc.uqam.ca/page/docs/.../Mele-Alfred/Mele.pdf

Mele, Alfred R. “Free Will and Neuroscience”. Philosophy Exchange, Vol. 43 nº 1

(2013), artigo 3. http://digitalcom mons.brockport.edu/phil_ex/vol43/iss1/3

Mele, Alfred R. “Intentional actions: controversies, data and core hypothesis”.

www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/09515080307770

Zimmerman, Michael J. “Springs of Action: Understanding intentional behaviour by

Alfred Mele” – Book Review. Chicago Journals, Ethics, Vol. 103, nº 4 (Jul.1993), pp.

839-841

19
Sitografia:

http://bigthink.com/experts/alfredmele

http://www.jpe.ox.ac.uk/papers/situationism-and-agency/

http://myweb.fsu.edu/amele/almele_pubs.html

http://www.successpodcast.com/show-notes/2017/2/8/do-neuroscience-and-quantum-

physics-disprove-the-existence-of-free-will-with-dr-alfred-mele

20

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