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UNIVERSIDADE CATÓLICA DOM BOSCO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE MENTAL

VINNY OLIVEIRA CARVALHO DE MELO

CONTRA O HISTORICISMO – UMA BREVE REFLEXÃO

GOVERNADOR VALADARES

2017
VINNY OLIVEIRA CARVALHO DE MELO

Orientador: Renan da Cunha Soares Júnior

Contra o Historicismo - Uma Breve Reflexão

Vinny Oliveira Carvalho De Melo

Orientador: Renan Da Cunha Soares Júnior

Resumo: o presente artigo procura fazer uma reflexão filosófica a respeito da filosofia
historicista. Nesse sentido, questiona se a história seria a principal ciência dentro das ciências
humanas, e ainda, se todos os conhecimentos seriam provisórios e mutáveis ou se deveríamos
afirmar a existência de certas verdade imutáveis ou inquestionáveis.

Palavras-chave: historicismo, filosofia, ceticismo, epistemologia.

Introdução

O artigo a seguir aborda o problema do historicismo: uma determinada corrente filosófica


que, de forma geral, postula a ideia de que a ciência histórica seria a principal ciência
responsável pela compreensão do ser humano.

Por ter certo conhecimento prévio a respeito de tal perspectiva, fui motivado a realizar
esse trabalho quando observei a presença do historicismo em alguns textos da pós-graduação em
saúde mental que estamos realizando: onde afirma-se que o ser humano é um "ser histórico", que
a ciência histórica seria "o método básico de estudo da humanidade" - e outras afirmações
semelhantes, como demonstrarei.

Além de apontar o autor específico que dá origem a essa filosofia - nomeadamente, o


filósofo alemão Wilhem Dilthey -, bem como as ressonâncias de tal concepção com outras
correntes filosóficas ao longo da história ocidental, procurei principalmente analisar os próprios
pressupostos epistemológicos das afirmações historicistas: elaborando uma série de argumentos
que refutam os seus erros e ao mesmo tempo , elaborando novas formulações a respeito de certos
princípios epistemológicos fundamentais, ou muitas vezes simplesmente reformulando e dando
maior inteligibilidade aos mesmos princípios já conhecidos pela filosofia clássica que são
negados ou desconhecidos na perspectiva historicista.

Concordo plenamente com a seguinte definição de pesquisa encontrada em um dos


últimos textos que estudamos na presente pós-graduação intitulado Metodologia do Ensino
Superior:

“A pesquisa é a atividade voltada para a solução de problemas e a busca da


verdade que, na Universidade visa investigar cientificamente a realidade criando
novos conhecimentos, desencadeando novas descobertas e tecnologias a serviço
da sociedade, e como consequência, o desenvolvimento sócio-econômico e
cultural da Região e do País. (SERRA, 2017 – p37.)”.

De fato, a atividade da pesquisa científica centra-se na busca pela verdade e na solução de


problemas. Porém, no mesmo texto encontra-se uma concepção que divide duas tendências
teóricas supostamente opostas dentro da Academia:

“As tendências consideradas mais conservadoras partem do princípio que o


conhecimento é inquestionável, duradouro e eterno. Portanto, devem ser aceitos
e acatados, de modo incontestável e sem crítica. (...) (SERRA, 2017 – p5.)”.

“As tendências consideradas mais avançadas concebem a educação na segunda


vertente, ou seja, como processo de formação e desenvolvimento das
capacidades humanas de modo a humanizar cada vez mais as pessoas. O ponto
de partida é outro e neste contexto, o conhecimento é sempre provisório,
passível de crítica e constantes modificações de modo a explicar o movimento
dialético da vida, da sociedade e do mundo. (...) (SERRA, 2017 – p5)”.

Observa-se a separação entre uma suposta tendência conservadora e o que se pode


chamar de tendência progressista. No entanto, mais do que uma simples descrição, o discurso é
retoricamente comprometido na medida em que induz o leitor a rejeitar a primeira tendência –
pois supostamente a mesma deveria ser acatada de modo “incontestável” – e aceitar a tendência
progressista – que basicamente se pretende mais "avançada" e "crítica". Porém, e se aplicarmos
um olhar mais crítico a essa própria divisão? Será mesmo que não existe nenhum conhecimento
“inquestionável, duradouro e eterno”? Ou ainda: será verdade que todo conhecimento é “sempre
provisório, passível de crítica e constantes modificações”?

A história da filosofia está repleta de exemplos que corroboram com essa última visão:
como se pode ver claramente no clássico History of Philosophy, de Paul J. Gleen.
Entre os pré-socráticos, Heráclito foi um dos primeiros a afirmar a absoluta mutabilidade
das coisas: deduzindo daí a impossibilidade do nosso conhecimento. Protágoras e Carnéades já
pregavam o relativismo, enquanto no período que se seguiu à morte de Aristóteles, a Grécia
antiga se viu dividida entre uma série de escolas filosóficas, entre elas a escola cética que
afirmava basicamente a nossa incapacidade de obter uma ciência certa e inquestionável. Já no
tempo de Santo Agostinho, os acadêmicos também afirmavam que a ciência era apenas a busca
da verdade e não sua real posse. No declínio da idade média, por sua vez, temos o caso de
Guilherme de Ockam e todo o movimento nominalista que negou a existência dos universais. E
no que se refere à modernidade, não é exagero afirmar que o período enquanto tal se caracteriza
essencialmente por uma espécie de questionamento radical do saber: vide Lutero e seu
questionamento contra a Igreja; Descartes e sua dúvida radical; Kant e a crítica da razão pura;
Nietzsche e a negação das certezas imediatas, etc.

Seja como for, a princípio basta ressaltar que a tendência de se negar ou reduzir o poder
da cognição humana, independente das formas singulares como se manifesta e se justifica em
seus diversos modos, não é nenhuma novidade e muito menos um privilégio exclusivo ao nosso
tempo: trata-se de um fenômeno praticamente universal. Ao se analisar a dinâmica das culturas,
observa-se que o ceticismo costuma surgir especialmente quando o número das filosofias e das
diferenças e oposições entre elas se multiplica: como no período pré-socrático, por conta das
diversas doutrinas heterogêneas e aparentemente inconciliáveis entre si; e nos próprios dias
atuais, com tantas religiões e ideologias diferentes. De fato, como a contradição é naturalmente
insuportável para a mente humana, o recuo no ceticismo ou no relativismo absoluto pode se
apresentar como uma saída fácil: ao invés do doloroso trabalho de pensar e solucionar as
contradições entre as diferentes filosofias, mais confortável é simplesmente não fazer nada - e ao
invés de tentar compreender, apenas decretar que não é possível compreender - e ao invés de
investigar se uma teoria é verdadeira ou falsa, apenas dar de ombros e decretar que "cada um tem
sua verdade": fim de papo.

Doravante, alego que a referida tendência progressista manifesta justamente um sintoma


típico do espírito cético ao afirmar que não existe nenhum conhecimento inquestionável ou, em
outras palavras, nenhuma verdade absoluta e eterna. Mais especificamente, trata-se de um
subjetivismo epistemológico que se justifica pelo viés historicista:

“Dentre estas tendências destacamos as chamadas progressistas ou críticas, que


também se dividem em interacionista, sócio-construtivista, histórico-crítica,
dentre outras. O que elas têm em comum é o fato de concordarem que o ser
humano é um ser histórico e socialmente situado (...) (SERRA, 2017 – p5)”.

De forma significativa, a importância atribuída à ciência histórica se manifesta no


primeiro parágrafo do primeiro texto analisado na pós-graduação:

“Possuímos um método básico para o entendimento da humanidade e de nós


mesmos, o estudo da história. Isto se demonstra nas três perguntas fundamentais
que acompanham a humanidade desde os primórdios do raciocínio: Quem
somos? De onde viemos? Para onde vamos? (...)” (JÚNIOR, 2017, p4.).

E mais ainda, em um texto intitulado Saúde mental nas diferentes fases da vida se vê
claramente o relativismo vinculado a essa concepção historicista:

“Seria neste espaço de embates, oposições, debates e relativizações que se


fundamentaria o local da cultura, para parafrasear o autor em questão. Estaria,
portanto, no reconhecimento da radicalidade histórica – entre outras coisas –
como elemento constitutivo do humano que poderíamos antever a queda da
oposição simplista que ainda se insiste dizer que há entre sujeito e objeto.”
(PELLICCIOLI, 2017 – p5.).

“Se os lugares que ocupamos e de onde enunciamos nossas proposições não são
fixos, não podemos mais situar estes mesmos posicionamentos senão em uma
perspectiva relacional e de transferência e disputa por sentido e, portanto, não
há porque negá-los radicalmente, mas, sim, trabalhá-los através de
negociações.” (PELLICCIOLI, 2017 – p5.).

“Essa condição humana apenas pode ser pensada quando integramos o sujeito
na história, ou seja, as formas de viver, mediante as quais nos objetivamos como
humanos, são forjadas por condições de possibilidades sócio-históricas nas
quais esse sujeito se encontra.” (PELLICCIOLI, 2017 – p13).

Como se vê, advoga-se que o homem é um “ser histórico”; que a “radicalidade histórica”
seria o “elemento constitutivo do humano”; que a própria ciência histórica seria o “método
básico para o entendimento da humanidade”, etc. Em todos os casos, por que essa importância
atribuída à ciência histórica?

Ao se analisar os filósofos do período moderno, observa-se que Hegel foi um dos


principais a ressaltar o elemento "histórico" dentro da filosofia – tendo ele mesmo escrito uma
Filosofia da História. Para não entrar nos detalhes do seu sistema, basta dizer que Hegel não se
limitou apenas a investigar os princípios abstratos da metafísica, mas buscou ainda compreender
a dinâmica concreta da história da humanidade. Não obstante, talvez o grande progenitor do
historicismo moderno seja o seu discípulo Marx que, além do elemento histórico, deu singular
importância principalmente ao elemento "econômico" para explicar a natureza da sociedade: e se
Hegel tentou compreender a dinâmica da história pela luta do mestre e do escravo, Marx ampliou
a tese hegeliana postulando que o motor histórico seria a luta de classes. Mas ao contrário de
Hegel, para o qual a história humana seria a dimensão onde o próprio "espírito universal"
progride no conhecimento de si mesmo – uma espécie de panteísmo que confunde a ordem
natural com a sobrenatural –, o marxismo baseia-se em uma metafísica absolutamente
materialista que nega a existência de Deus ou qualquer manifestação de Deus na história: de
forma que, enquanto Hegel considerava que cada religião representaria um aspecto do progresso
do espírito universal rumo ao autoconhecimento – e que teoricamente atingiria o seu ápice na
religião protestante –, para Marx seria a própria humanidade que, representada na classe do
proletariado, progressivamente tomaria consciência de sua real condição, desalienando-se dos
sistemas filosóficos ou religiosos que, nessa perspectiva, seriam apenas ideologias, isto é,
discursos fictícios feitos para justificar e legitimar o domínio de uma determinada classe sobre
outra. Nesse perspectiva, um exemplo clássico seria o da Igreja Católica: que prega a pobreza
justamente para legitimar a pobreza, e promete o "reino dos céus" ao mesmo em que se a declara
a única portadora das "chaves". E quanto à modernidade, a própria burguesia é o exemplo
perfeito da classe que produz a alienação ideológica na medida em insere no proletariado uma
mentalidade materialista que consequentemente alimenta o materialismo essencial ao sistema
capitalista, etc. Em qualquer caso, para Marx a ideologia é apenas a superestrutura da sociedade:
uma espécie de capa que ao mesmo tempo camufla e reflete a superfície que ela encobre, qual
seja, a verdadeira infraestrutura que seria a realidade econômica, a política, o trabalho, as
relações de poder e, em última instância, apenas a matéria.

Na obra Os Tipos de Concepções de Mundo, onde podemos ver concretamente os


pressupostos epistemológicos da perspectiva historicista, o filósofo alemão Wilhelm Dilthey –
realmente o principal formulador de tal perspectiva – evidencia a influência do marxismo e
reproduz praticamente a mesma teoria que reduz as concepções de mundo ao estatuto de
ideologias ou, no mínimo, a meras tentativas parciais e antagônicas de se obter um conhecimento
universalmente válido:

"O fundamento da cultura é constituído pelos domínios da economia, da


convivência social, do direito e do Estado. (...)" (DILTHEY, 1919 – p20.).

"A religião e a filosofia buscam firmeza, força actuante, dominação, validade


universal. Mas a humanidade não avançou um passo sequer por este caminho. O
antagonismo recíproco das concepções do mundo não chegou a uma decisão em
nenhum ponto importante." (DILTHEY, 1919 – p20).

"Neste ponto, pode agora expressar-se com claridade o pensamento


fundamental de que, em geral, partiu o meu ensaio de uma doutrina das
concepções do mundo, e que determina igualmente este trabalho. A consciência
histórica reconduz-nos mais além da direcção dos metafísicos a um sistema
unitário de validade universal, mais além das diferenças condicionadas por tal
direcção, que separam os pensadores e, por último, mais além da sinopse destas
diferenças em classificações. Tal transforma em objecto seu o conflito
realmente existente dos sistemas na sua íntegra constituição. A consciência
histórica contempla estas constituições globais em conexão com o decurso das
religiões e da poesia. Mostra como todo o trabalho conceptual metafísico não
deu um passo em frente em direcção a um sistema unitário." (DILTHEY, 1919
– p32).

Como se vê, coloca-se a economia como o "fundamento da cultura", postula-se que só


existe antagonismo entre as diferentes visões de mundo e que nenhuma delas avançou um passo
sequer na conquista da validade universal.
Ademais, em outros trechos da mesma obra observa-se os pressupostos epistemológicos
do historicismo de Wilhelm Dilthey:

"(...) A investigação deve aqui manter em aberto, em face dos seus resultados,
toda a possibilidade de uma progressão permanente. Toda fixação é apenas
provisória. É e permanece apenas um meio auxiliar para olhar com
profundidade o que é histórico. (...)" (DILTHEY, 1919 – p19).

"Por sensualismo entendo a redução do processo do conhecimento ou das suas


operações à experiência sensível externa, e das determinações de valor e de fins
ao critério axiológico contido no prazer e desprazer sensíveis." (DILTHEY,
1919 – p38).

"A primeira teoria do sensualismo foi criada por Protágoras. (...) A doutrina
relativista de Protágoras descobre que todo o conhecimento, toda a posição
axiológica ou toda a fixação de fins são determinados pelo [elemento]
puramente empírico da organização humana; exclui, portanto, toda a
comparação destas operações com os processos externos, a que se referem. Pelo
que o conhecimento, a determinação axiológica e a fixação de fins têm somente
uma validade relativa, a saber, na correlação com tal organização." (DILTHEY,
1919 – p38).

"Já a doutrina da probabilidade de Carnéades continha em si a tendência para


estabelecer uma adequação positivista entre os pressupostos sensualistas e as
ciências experimentais. No seu cepticismo, a validade do conhecimento
desloca-se das relações, tão congeniais ao espírito grego, de cópias de uma
exterioridade objectiva mediante representações para a consonância interna das
percepções entre si e com os conceitos numa conexão sem contradição. No ideal
de uma máxima probabilidade alcançável, na distinção dos seus respectivos
graus, obtivera-se um ponto de vista a partir do qual se podia combater a
metafísica e assegurar ao mesmo tempo ao saber empírico um grau, embora
modesto, de validade.". (DILTHEY, 1919 – p39)

"Foi este o grande feito de David Hume. Ele próprio considerou a sua filosofia
como a continuação do cepticismo acadêmico. E, de facto, reaparecem nele os
traços fundamentais deste cepticismo – a facticidade simplesmente empírica da
nossa organização sensível e do pensamento com ela conexo; como
consequência, a eliminação de toda a relação de cópia entre o espírito apreensor
e o mundo objectivo, por conseguinte, transferência do conhecimento do mundo
para a simples consonância interna das percepções entre si e com os conceitos.
Mas é graças à sua análise que estas proposições obtêm o desenvolvimento mais
fecundo: das regularidades do acontecer surgem habituações a determinadas
conexões e, na força associativa a estas inerente, reside o fundamento exclusivo
dos conceitos de substância e causalidade." (DILTHEY, 1919 – p39).
Sendo assim, Wilhelm Dilthey explicitamente associa sua doutrina a uma epistemologia
empirista e positivista que nos conduz a uma perspectiva relativista e cética a respeito do
conhecimento humano: baseando-se sobretudo nas antigas doutrinas de Protágoras e Carnéades,
e também no filósofo moderno David Hume - grande influenciador de Kant, diga-se de
passagem.

Com efeito, não é difícil visualizar a semelhança essencial entre dizer que "todo
conhecimento é provisório" - como vimos no início de nossa análise - e afirmar que "toda
fixação é apenas provisória". Não obstante, é óbvio que com isso não estou dizendo que o autor
do texto leu Wilhelm Dilthey e nem que compartilha conscientemente dos mesmos pressupostos
epistemológicos: por enquanto apenas procurei sondar as origens históricas de uma concepção
que coloca justamente a ciência histórica como a ciência suprema no entendimento da
humanidade.

DISCUSSÃO

Agora sim tentarei responder aos principais questionamentos levantados no início do


presente artigo.

Tomando o como referência o que vimos nos documentos da pós-graduação, pergunta-se:


existe algum conhecimento inquestionável e fixo ou será que todo conhecimento é provisório e
mutável? O homem pode ser definido como um ser histórico? A ciência histórica é o método
básico de estudo da humanidade?

Respondo:

1º - Como diz Santo Tomás de Aquino, toda ciência depende do primeiro princípio
indemonstrável e autoevidente segundo o qual "afirmações contraditórias não podem ser
simultaneamente verdadeiras". Por exemplo, se Galileu afirma que a terra gira em torno do sol e
a Igreja afirma que o sol gira em torno da terra, é impossível que ambas as teses estejam certas,
uma vez que são mutuamente opostas. Nesse sentido, o princípio lógico da não-contradição que
condiciona a dinâmica cognitiva das nossas afirmações deriva da própria realidade submetida ao
princípio de identidade segundo o qual as coisas são de uma determinada forma (o ser é, o não-
ser não é). Em outras palavras, o intelecto humano funciona de modo que toda afirmação deve
necessariamente implicar na negação da afirmação contrária considerando a lógica da própria
natureza externa onde "uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo e sob o mesmo
aspecto". Sendo assim, é evidentente que, no mínimo, pelo menos esses princípios básicos da
lógica (identidade, não-contradição, etc) são absolutamente inquestionáveis.
2º – Nem todos os saberes possuem o mesmo nível de certeza ou segurança. Com efeito, um dos
aspectos que determina a superioridade da ciência (episteme) em relação à opinião (doxa) é
justamente o elemento da certeza que, por sua vez, está implicado no ato cognitivo pelo qual as
coisas são conhecidas de forma imediata ou mediante alguma espécie de demonstração perfeita.
Nesse sentido, toda afirmação cujo conhecimento seja eminentemente certo implica na
impossibilidade da afirmação contrária e consequentemente exclui qualquer espécie de dúvida ou
temor. A opinião, por outro lado, se distingue da ciência pela privação da certeza implicada na
ausência do conhecimento imediato. Não obstante, a opinião não se identifica com a ignorância
(simples privação do conhecimento) e nem com a dúvida. Por sua vez, o estado cognitivo da
dúvida se caracteriza pelo movimento oscilatório entre ideias contraditórias, de forma que a
inteligência simplesmente não possui informações suficientes para afirmar ou negar determinada
verdade. Em contrapartida, a opinião já se fundamenta em alguma demonstração imperfeita pela
qual certa verdade se apresenta como possível em detrimento do seu oposto: de forma que a
inteligência tende para um lado e não para o outro. Porém, justamente pela imperfeição de sua
demonstração, seja pela deficiência daquele que conhece ou pela complexidade intrínseca do
próprio objeto conhecido, a opinião necessariamente comporta certa parcela de dúvida e temor
enquanto não exclui absolutamente a possibilidade de que as coisas sejam o oposto daquilo que
se afirma ou nega. Pois bem. A ideia de que o conhecimento científico é “sempre provisório” ou
absolutamente questionável, por assim dizer, em primeiro lugar acaba desconsiderando essa
hierarquia inerente à própria natureza do saber: afinal de contas, se todos os conhecimentos
fossem igualmente provisórios ou questionáveis não haveria nenhuma diferença qualitativa entre
a episteme e a doxa, o que é evidentemente falso. E pior ainda: no fundo seria como se todos os
nossos conhecimentos fossem duvidosos, o que também é absurdo. Ademais, tal posicionamento
implicitamente nega o próprio movimento no qual a inteligência adere de forma necessária a
alguma verdade evidente ou perfeitamente demonstrável.

3º – O termo "inquestionável" designa justamente algo incapaz de suscitar a dúvida: e isso se


aplica a tudo aquilo que é ou pode ser evidente à nossa cognição. Ora, nesse sentido existem
várias coisas inquestionáveis: como o fato de que dois corpos não ocupam o mesmo lugar ao
mesmo tempo; o todo é maior do que a parte; o efeito pressupõe a causa, etc. De forma geral,
todas as ciências estão repletas de princípios naturalmente evidentes ou perfeitamente
demonstráveis, seja pelo raciocínio abstrativo, seja pela investigação empírica. Assim, os
princípios e os teoremas da matemática e da geometria são absolutamente certos. E por outro
lado, as leis fundamentais das realidades físicas também são perfeitamente demonstráveis: como
as leis da mecânica, da termodinâmica, do eletromagnetismo, da química, da fisiologia animal,
do comportamento humano, etc. Além disso, também não podemos autenticamente duvidar de
certas verdades básicas da nossa própria autobiografia, do tipo: “eu existo”, “tenho essas
características físicas”, “resido em tal localidade”, e assim por diante.

4º – Na verdade, a evidência – ou a inquestionabilidade, por assim dizer – é uma propriedade


intrínseca de tudo o que é cognoscível; e uma coisa só pode ser cognoscível na medida em que
possui o ser. Pelo contrário, é impossível conhecer o que não existe de forma alguma. Nesse
sentido, tudo aquilo que existe é evidente em si mesmo, embora possa não ser evidente ao
intelecto humano que desconhece muitas coisas. Não obstante, é igualmente evidente que as
coisas não deixam de existir só porque o intelecto humano as desconhece.

5º – O questionamento é um ato do intelecto ativo – mais precisamente do raciocínio – cujo


objetivo é compreender a natureza de alguma coisa que já se conhece de certo modo: pois é
impossível questionar aquilo que se ignora de forma absoluta. Nesse sentido, deve-se entender
que o ato primário do intelecto é eminentemente passivo: pelo qual ele não questiona, mas
simplesmente apreende aquilo que se manifesta como objeto da cognição. Além disso, qualquer
questionamento ou dúvida nada mais é do que um estado transitório entre a simples apreensão
dos princípios e o conhecimento das conclusões. Com efeito, apenas os tolos questionam só por
questionar e nunca chegam a conclusão alguma; e em contrapartida, uma ciência pode ser
considerada perfeita não apenas por saber formular as perguntas, mas especialmente pela
obtenção das respostas: e quanto maior for o nível de evidência ou inquestionabilidade de seus
conhecimentos, mais perfeita é a ciência.

6º – Na verdade, toda ciência se inicia com a observação de certos fatos evidentes na


manifestação empírica que por isso mesmo não podem ser propriamente questionados pela
mesma ciência: como a física não questiona a existência do mundo físico e nem a medicina
duvida da existência do corpo humano. Com efeito, a partir da manifestação empírica a ciência
questiona e procura compreender os princípios não-evidentes ou ocultos, por assim dizer, que
regem a ordem da manifestação e que, justamente por não serem evidentes, devem ser
demonstrados ou provados: por exemplo, é inquestionável que os corpos caem, mas não é
evidente com qual aceleração; para obter essa resposta é necessário o método da ciência física. E
de forma semelhante, pode ser induvidável que esse ou aquele indivíduo está doente, mas cabe à
investigação médica demonstrar ou provar a natureza e a causa da doença. Assim, toda ciência se
inicia com a evidência direta da manifestação empírica e tende para a evidência indireta cujo
meio é justamente o procedimento do questionamento racional que, em última instância, poderá
ou não ser verificado empiricamente.

7º – A afirmação de que na ciência "toda fixação é provisória" é simplesmente absurda: e isso


fica ainda mais claro ao se tratar da própria ciência histórica. Com efeito, o objeto da história é o
passado; e o passado enquanto tal só pode ser adequadamente apreendido sob a noção da
imutabilidade: na medida em que realmente não pode ser alterado de forma alguma. Nesse
sentido, em relação às demais ciências, o objeto da ciência histórica parece ser um dos mais
fixos: pois a física e a biologia, por exemplo, tratam de coisas em movimento, enquanto qualquer
fato do passado é imutável em si mesmo. Ademais, assim como em toda ciência, a história
também deve partir de fatos considerados como evidentes: por exemplo, nenhum historiador
questiona a existência de Napoleão Bonaparte ou o acontecimento da revolução francesa, uma
vez que a diversidade de fontes históricas a esse respeito conferem um grau imenso de
evidenciabilidade aos mesmos. Em seguida, procede desses fatos evidentes para conhecer seus
princípios: quais as causas e os efeitos da revolução francesa sobre o mundo? Quais os impactos
do governo de Napoleão Bonaparte sobre a história da França? E assim por diante. Em última
instância, novamente toda ciência deve partir de princípios evidentes ou fixos; e pelo contrário,
uma ciência que questiona os seus princípios indefinidamente é simplesmente incapaz de
progredir.

8º – Ademais, quando se afirma que o conhecimento é "sempre provisório" evidentemente cai-se


em uma ideia falaciosa e autocontraditória: pois a própria tese de que o conhecimento é sempre
provisório se pretende permanente e não provisória. Além disso, como o conhecimento humano
nada mais é do que certa adequação com a realidade, o pressuposto implícito da referida ideia é
de que a própria realidade seria "sempre provisória", isto é, constituída numa espécie de
transformação ou movimento absoluto, como se nada fosse estável ou imutável: o que é
simplesmente falso.

9º – Na realidade, o próprio conceito de mudança ou movimento só pode existir ou ser


compreendido em relação a algo que seja imutável ou imóvel. Com efeito, se digo que algo é
mutável quero dizer que é não-imutável, ou seja, só posso compreender a ideia de algo que muda
se ao mesmo tempo compreender a ideia de algo que não muda. E de onde poderíamos extrair
nossas ideias senão da própria realidade? De fato, até mesmo do ponto de vista da percepção
sensível a realidade não é e nem se apresenta como uma espécie de fluxo absolutamente móvel.
Muito pelo contrário, é evidente que a realidade possui uma estrutura bastante sólida e estável: e
é justamente da solidez que primariamente abstraímos a noção da imutabilidade. Além disso,
evidentemente o próprio fluxo das mutações não ocorre de forma caótica, mas de acordo com
uma ordem que integra a estrutura do real. Aliás, todo conhecimento científico se refere
especialmente às causas imutáveis que constituem e ordenam o fluxo das mutações.

10º – Como Aristóteles indica na Metafísica, toda mudança é substancial ou acidental. Por sua
vez, a mudança substancial só pode ser de dois tipos: geração ou corrupção. Na geração a
substância do agente que realiza o ato de gerar permanece a mesma e o que muda é apenas uma
parte de sua matéria: como o homem e a mulher permanecem substancialmente os mesmos
enquanto o espermatozoide e óvulo adquirem uma nova forma, qual seja, a do embrião humano.
E ainda, na corrupção a forma substancial se perde mas a matéria continua existindo sob nova
forma: como o corpo que se decompõe depois da morte, a madeira que se transforma em fumaça
e cinzas pela ação do fogo, etc. Por outro lado, as mudanças acidentais podem ser de vários tipos,
mas em qualquer caso a substância não se altera: como um animal que muda de lugar mas não
altera a própria natureza, como o aumento de quantidade que também não afeta a essência da
substância, e assim por diante. Portanto, toda mudança no objeto pressupõe algum aspecto
imutável: seja da perspectiva da matéria que permanece apesar das múltiplas formas, seja a partir
da própria forma substancial que permanece a mesma no curso das alterações materiais. Pelo
contrário, é impossível que os objetos sejam absolutamente mutáveis em todos os seus aspectos
ao mesmo tempo.
11º – Em referência à citação que define o homem como "ser histórico", deve-se compreender
que a definição de qualquer coisa se faz pela composição do gênero próximo e da diferença
específica. Ora, o termo “ser” descreve algo comum a tudo aquilo que existe: portanto
simplesmente não pode constituir o gênero próximo de nenhum ente – sendo justamente o
gênero universal, por assim dizer. Por outro lado, a historicidade, ou seja, o fato de estar sujeito
ao movimento, à mudança, ao tempo, etc, também não pode ser a diferença específica do
homem: pois de certa forma todos os seres da natureza são históricos, isto é, constituídos na
dimensão do tempo. Consequentemente, é evidente que a expressão “ser histórico” não pode
definir o ser humano. Na verdade, o homem se inclui no gênero próximo dos animais e sua
diferença específica é a racionalidade. Com efeito, não definimos o homem como um “ser
histórico”, e sim como animal racional.

12º – Em referência à citação que coloca o estudo da história como o "método básico de
entendimento da humanidade", é preciso entender o seguinte: para que uma ciência seja colocada
nessa posição o mínimo necessário é que seu objeto material seja o próprio ser humano. Ora, o
objeto material da ciência histórica não é o ser humano, e sim os fatos do passado de forma geral,
como já afirmamos. Logo, é evidente que ela não pode ser o método básico de estudo da
humanidade.

13º – As ciências cujo objeto material é o mesmo só podem se diferenciar entre si pelo objeto
formal, isto é, o aspecto ou a parte do objeto que se contempla: assim a medicina estuda o
funcionamento do corpo humano em geral, mas o cardiologista se especializa no sistema
cardíaco enquanto o neurologista tem por objeto formal o sistema nervoso; e semelhantemente, a
ciência física se divide em diversas especialidades – mecânica, termodinâmica, etc, – conforme a
própria realidade física se divide em vários aspectos. Com efeito, entre as ciências que
compartilham o mesmo objeto material a mais perfeita será aquela cujo objeto formal for o mais
perfeito: seja porque abrange todas ou a maioria das partes que compõe o objeto, seja porque se
especializa em uma parte que predomina sobre as outras - como as leis da matemática
predominam sobre as leis da física, e a mente humana predomina sobre o corpo. Dessa forma, a
psicologia e a medicina, por exemplo, tem em comum o objeto material que é o ser humano; mas
enquanto a medicina considera o homem principalmente a partir do corpo – ou especificamente
em relação às potências vegetativas e todas as demais que a ela necessariamente se vinculam
(como as potências sensitivas e locomotoras) –, o objeto formal da psicologia é a potência
intelectual. Nesse sentido, além de evidentemente ser nossa atividade mais elevada, a
inteligência é o que especifica o homem enquanto homem: pois a corporeidade, a vida, a
sensibilidade, etc, são perfeições que nós compartilhamos com os outros animais; sendo que o
homem se define justamente como animal racional na medida em que os outros são irracionais.
Portanto, como seu objeto formal não é um aspecto qualquer, mas sim o aspecto essencial do ser
humano, a psicologia parece ser a ciência mais perfeita entre as ciências humanas, e não a
ciência histórica ou qualquer outra.
14º - O objeto formal da ciência histórica são os fatos do passado na medida em que se referem
ao homem. Mais especificamente, trata-se de compreender os nexos causais entre esses fatos
enquanto são influenciados ou relacionados ao curso das ações humanas: como no caso da
revolução francesa na idade moderna e da peste negra na idade média, por exemplo. Seja como
for, como o passado enquanto tal não pode ser o objeto direto da contemplação empírica – na
qual se fundamenta todas as ciências –, a ciência histórica só atinge o seu objeto de forma
indireta: primariamente através do testemunho das pessoas que podem comprovar os fatos do
passado e secundariamente através de outras evidências como documentos, obras de arte,
monumentos arquitetônicos e coisas desse tipo. Ora, na psicologia e na medicina o ser humano é
objeto direto da contemplação empírica. Logo, não parece nada verossímil que a ciência histórica
seja o método básico das ciências humanas e muito menos a mais perfeita entre elas: uma vez
que seu objeto material nem mesmo se restringe ao ser humano e pelo fato de seu objeto formal
não ser o homem enquanto homem.

15º - Na verdade, o primeiro aspecto que apreendemos do ser humano é a sua biologia. Sendo
assim, se for preciso falar em um "método básico" entre as ciências humanas esse deve ser o
biológico, e não o histórico.

16º - Por fim, a ideia de Wilhem Dilthey segundo a qual só existiria antagonismo entre as
diversas religiões e que as mesmas nunca chegaram a "uma decisão em nenhum ponto
importante" é no mínimo uma ignorância histórica absurda que, além disso, demonstra um
tremendo erro de avaliação filosófica. Talvez o exemplo mais claro que demonstra a semelhança
entre as concepções de mundo diz respeito ao ponto de vista moral. Com efeito, todos os grandes
sábios da humanidade sempre reconheceram aquele princípio básico segundo o qual os atos
humanos devem ser comandados pela razão e não pelas paixões: princípio do qual deriva todos
os preceitos que proibem os vícios e estimulam as virtudes humanas. Do oriente ao ocidente, do
hinduísmo ao cristianismo, homens como Sidharta Gotama - o Buda -, Confúcio e Laotsé,
Sócrates, Platão e Aristóteles, Cícero e Marco Aurélio, Santo Agostinho e Boécio, Santo Tomás
de Aquino e Avicena, etc, foram capazes de testemunhar, cada um à sua maneira, o poder da
inteligência humana, a capacidade do livre-arbítrio, a existência de Deus (ou dos deuses), a
diferença entre o bem e o mal, a virtude e o vício, e assim por diante. Não obstante, apesar das
várias divergências teológicas que realmente existem entre as religiões, do ponto de vista
filosófico também é possível observar concordâncias significativas: tanto que na idade média os
grandes mestres das religiões monoteístas - Santo Tomás de Aquino, no catolicismo,
Maimônides, no judaísmo, e Avicena, no islã - reconheceram os princípios básicos da ética e da
teologia natural de Aristóteles. No próprio século XX temos as obras de René Guenon, Frithjof
Schuon e sua filosofia perenialista que busca atingir justamente aquele núcleo de conhecimentos
metafísicos comum à todas as principais tradições religiosas. E na atualidade, por sua vez, o que
se observa é um grande movimento ecumênico mundial onde se prega a superação das diferenças
dogmáticas em prol do reconhecimento da igualdade dos princípios éticos entre as religiões. De
forma geral, desde os antigos sumérios até as tribos da américa latina afirma-se a existência de
alguma dimensão transcendente em relação a qual a humanidade está destinada. E mais ainda,
certas verdades específicas, como a existência de um Deus único, a imortalidade da alma, a ideia
de recompensa e punição conforme os méritos e deméritos (a distinção entre o céu e o inferno,
por assim dizer), são ideias praticamente universais entre todas culturas. Portanto, ao contrário
do que prega Wilhelm Dilthey, é óbvio que não existe apenas antagonismo entre as diferentes
concepções de mundo.

17º - A redução do processo do conhecimento humano à "experiência sensível externa" é um


sensualismo grosseiro que pode ser refutado de diversas formas. Em primeiro lugar, se o
conhecimento humano se reduzisse às operações da sensibilidade não haveria nenhuma diferença
essencial entre a nossa cognição e a cognição dos animais irracionais: o que é evidentemente
falso. Na verdade, alguns animais possuem a sensibilidade muito mais apurada do que a nossa e
nem por isso são capazes de realizar as virtudes atribuídas à cognição humana: como a ciência, a
sabedoria, a arte, a justiça, etc. Sendo assim, é óbvio que deve haver alguma potência distinta da
sensibilidade na qual se funda a superioridade da cognição humana: o que nós chamamos de
inteligência ou intelecto. Com efeito, a expressão intus legere - que etimologicamente está
associada à origem do termo intelectus - significa justamente "ler dentro". E nesse sentido o
intelecto funciona como que penetrando as aperências sensíveis e abstraindo a própria essência
das coisas: o que se exprime na operação cognitiva pela qual formulamos os conceitos. Não
obstante, trata-se de um assunto complexo que necessitaria de um trabalho à parte para ser
plenamente desenvolvido...

Considerações Finais

Os argumentos apresentados são suficientes para demonstrar que a ciência histórica não
pode ser o método básico no estudo do ser humano e que nem todos os conhecimentos podem ser
considerados provisórios. Mais do que isso, fornece algumas indicações pelas quais se pode
refutar o relativismo religioso e o sensualismo epistemológico de Wilhelm Dilthey: o qual
identificamos como uma das principais referências do historicismo moderno.

Na verdade, ao longo da história da filosofia pode-se observar que os grandes mestres


sempre souberam distinguir, com maior ou menor grau de assertividade, entre dois aspectos da
realidade: o sensível e o inteligível; o temporal e o eterno; o mutável e o imutável, o material e o
imaterial, e assim por diante - variados são os nomes e as formas de se diferenciar essa espécie
de dualismo inerente à estrutura do universo. Dessa forma, não apenas Platão distinguia entre o
mundo sensível e o mundo das ideias, como a própria tradição budista também distingue entre o
samuti-sacca (realidade aparente/convencional) e o paramattha-sacca (realidade
imutável/abstrata). E Aristóteles, por outro lado, talvez o mais científico de todos eles,
considerava a separação entre os objetos da física - sujeitos ao movimento - e os objetos
matemáticos - imutáveis por sua própria natureza. Santo Tomás de Aquino, na mesma esteira,
também diferenciava a ordem da necessidade da ordem da contingência, enquanto Leibniz
dividia as verdades de razão das verdades de fato. E assim por diante.

Em todo caso, a oposição radical entre a chamada tendência conservadora e a tendência


progressista, como se vê no texto Metodologia do Ensino Superior, é simplesmente errônea: pois
nenhum conservador pode considerar todos os conhecimentos como imutáveis, e nem o
progressista tem o direito de afirmar a absoluta mutabilidade das coisas. Nesse sentido, é claro
que a filosofia e a ciência constantemente progridem na aquisição e na reformulação de seus
conhecimentos; não obstante, é igualmente óbvio que essa progressão sempre pressupõe a
conservação não apenas de certos princípios imutáveis como também dos próprios
conhecimentos que vão se acumulando. Em última instância, deve-se buscar um equilíbrio entre
o conservadorismo e o progressismo na medida em que a própria realidade é composta de dois
registros, por assim dizer: um que está em constante mudança e outro que constitui a própria
ordem reguladora da natureza que constitui o objeto da ciência enquanto tal.

Por fim, gostaria de ressaltar que o presente trabalho não pretende ofender ou disputar
gratuitamente com os mestres que elaboraram os referidos documentos da pós-graduação de
saúde mental. Trata-se apenas de uma reflexão crítica sobre um assunto que considero relevante
pelos motivos já expostos. Ademais, ao afirmar a existência de certos conhecimentos
inquestionáveis não quero dizer que o meu próprio trabalho seja inquestionável. Pelo contrário,
penso que apenas através do diálogo e do confronto de ideias se poderá chegar a um maior nível
de compreensão sobre a natureza de um tema tão complexo, seja para confirmar ou negar o que
foi dito.

Na verdade, reconheço ainda que o presente trabalho é bastante limitado do ponto de


visto historiográfico: 1 - a análise da obra de Wilhelm Dilthey é superficial, uma vez que se
baseia em um único livro; 2 - Falta o exame

me antecipo à seguinte objeção: o que tudo isso tem haver com a questão da saúde mental? Qual
a relevância desse trabalho contra o historicismo no contexto da presente pós-graduação?

Pois bem. A saúde mental é uma realidade complexa que não se define apenas pela
ausência de doenças, mas sim principalmente pelo desenvolvimento das virtudes intelectuais e
morais específicas ao ser humano, entre elas a própria virtude da ciência. Com efeito, a virtude
da ciência se constitui pela aplicação do intelecto ao conhecimento de determinadas realidades:
como o biólogo estuda a vida, o matemático estuda as grandezas numéricas, o advogado estuda
as leis humanas, e assim por diante. Ora, o historicismo, como se demonstrou, é uma ideologia
que ameaça a integridade do próprio ato intelectual na medida em que nega – de forma implícita
ou explícita – a nossa capacidade atingir um conhecimento inquestionável, por assim dizer.
Consequentemente, a relevância do meu trabalho consiste em fornecer argumentos que
desconstroem a perspectiva historicista e ao mesmo tempo fundamentam os princípios
epistemológicos necessários ao progresso da ciência, contribuindo inclusive para a higienização
mental do próprio ambiente acadêmico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES - Metafísica - 2.ed - São Paulo: Edipro Edições Profissionais Ltda, 2016. 368p.

DILTHEY, Wilhelm - Os tipos de concepção de mundo (1919) - versão eletrônica disponível


em www.lusosofia.net - 59.p.

GLEEN, Paul J. - History of Philosophy - 9.ed - Nova York: B. Heder Book co, 1944 - 381p.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich - The Philosophy of History (1837) - Batoche Books - 485p.

JÙNIOR, Renan da Cunha Soares - História e legislação em saúde mental - Campo Grande:
UCDB, 2017. 58p.

MARX, Karl - A ideologia alemã (1846) - Versão eletrônica disponível em http://www.jahr.org


- 71p.

PELLICCIOLI, Eduardo Cavalheiro - Saúde mental nas diferentes fases da vida - Campo
Grande: UCDB, 2017. 59p.

SERRA, Maria Luiza Arruda de Almeida - Metodologia do ensino superior - Campo Grande:
UCDB, 2017. 68p.

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