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referência
do
capítulo
publicado:
BIZERRIL,
J.
&
NEUBERN,
M.
Experiência
Religiosa
e
Subjetividade
no
contexto
contemporâneo:
diálogo
entre
psicologia
e
antropologia.
Em:
FREITAS,
M.H.
&
PAIVA,
G.J.
(orgs.)
Religiosidade
e
Cultura
Contemporânea:
desafios
para
a
psicologia.
Brasília:
Universa:
2012,
p.
231-‐260.
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Singularidade
como
processo
único,
evento,
acontecimento
da
experiência
individual
do
sujeito
(NEUBERN,
2004).
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crenças relativas a coisas sagradas que une uma mesma comunidade moral
(DURKHEIM, 1912/1989).
Ainda que discorde de seus contemporâneos, que reduziam a experiência
religiosa a um alucinação coletiva, Durkheim busca revelá-la como uma verdade
sociológica: essencialmente, o fenômeno religioso opera uma transfiguração da
sociedade. É da força moral do social que provém a efervescência de sentimentos dos
grandes eventos religiosos coletivos, os quais reforçam a coesão social, e é no social
que se encontra a origem das categorias que servem para a constituição dos sistemas
classificatórios, seja o primeiro deles, a religião, ou um de seus descendentes mais
sofisticados, a ciência. A religião constrói uma representação ideal do social. E aqueles
anseios, aspirações e ideais mais elevados provêm do social e não do indivíduo. A
preeminência do social sobre os indivíduos é absoluta. A despeito do reducionismo
sociológico de sua teoria da religião, alguns de seus insights sobre o fenômeno
religioso marcam até hoje os estudos antropológicos, sobretudo o caráter coletivo da
religião, sua dimensão cognitiva (cosmológica) e ritual.
Mauss (1904/2003) faz um esforço análogo em seu ‘Esboço de uma teoria geral
da magia’, escrito em parceria com Henri Hubert. Apresenta a magia como um
fenômeno social, mesmo quando praticada individualmente em espaços privados.
Fundada em representações coletivas, tornada eficaz pela crença coletiva e praticada
por atores dotados de poder mágico pelo social. Cabe ressaltar, neste contexto, que a
separação clara entre religião e magia não é tão inequívoca, sendo arbitrária em muitas
sociedades. Se considerarmos, à maneira da sociologia da religião de inspiração
weberiana, que a prática da magia visaria a obtenção de resultados práticos, enquanto
a prática da religião não teria necessariamente finalidade utilitária, seria justificável
afirmar que a dimensão mágica constitui aspectos de muitos sistemas religiosos, cujos
ritos se encarregam de propiciar a ordem social e cósmica, manter as calamidades e as
forças perigosas à distância, solucionar crises de vida pessoais e coletivas.
No campo da antropologia britânica, a obra monumental de Frazer, iniciada ainda
no século XIX, que teve mais recentemente uma edição condensada (FRAZER,
1978/1982), apresenta a magia como um erro lógico, mas que expressa uma tentativa
de controle sobre os fenômenos naturais, anterior à sua compreensão científica. Na
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sentido de que o poder mágico é dado, tanto pela experiência íntima do mago, quanto
sobretudo pelo consenso coletivo.
O mesmo esquema que Lévi-Strauss propõe para explicar a cura xamânica,
aproximando-a aos princípios operativos da clínica psicanalítica, poderia também ser
aplicado aos casos de adoecimento e morte por feitiçaria, como no ensaio seminal de
Mauss (1926/2003), ‘Efeito físico no indivíduo da idéia de morte sugerida pela
coletividade’. Em larga medida, as hipóteses de Mauss e Lévi-Strauss apresentam
equivalências com a temática médica e psicológica do efeito placebo, no caso, a
redução da eficácia do símbolo religioso à autossugestão, ainda que induzida pela
crença coletiva.
Em um trabalho um pouco mais recente, dentro do quadro da reformulação do
conceito de cultura proposta pela antropologia interpretativista, Geertz (1989), em um
exercício que ressoa os insights pioneiros de Durkheim, apresenta, em dois ensaios -
‘Religião como sistema cultural’ e ‘Ethos, visão de mundo e análise dos símbolos
sagrados’ (publicados respectivamente em 1966 e 1957) -, a religião como um aspecto
da teoria geral da cultura, entendida como sistema simbólico público e compartilhado:
nela ocorre a articulação, por meio de símbolos sagrados, de uma concepção
totalizante de mundo a uma sensibilidade e um conjunto de padrões de conduta, cuja
consistência se atualizaria no contexto da experiência religiosa. Interessa-nos
particularmente, destacar, na concepção do autor, a tarefa da religião de fornecer
respostas existencialmente satisfatórias aos problemas do incompreensível, do
sofrimento e do mal. Isto se deveria a uma das propriedades dos sistemas culturais
religiosos: a religião como produtora de concepções sobre uma ordem geral da
existência, isto é, como geradora de uma representação totalizante de mundo, precisa
lidar de forma satisfatória com os paradoxos e contrassensos da existência.
Retornando aos clássicos da escola britânica, Victor Turner (1967, 1974) oferece
subsídios para pensar a articulação entre a vida ritual - marcada por ritos de passagem
de caráter sazonal e de resolução de crises de vida - e a dinâmica social - em que se
alternam dois modos de funcionamento: estrutura e anti-estrutura. Partindo da
investigação terapêutica religiosa dos Ndembu, retoma o esquema dos ritos de
passagem proposto pelo folclorista Arnold Van Gennep (1908/1960) e explora a
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3. Considerações Finais
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