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O poema foi escrito em 1800. Contudo, somente 110 anos depois se tornou
conhecido para o povo alemão. Usando rascunhos escritos à mão, Norbert Von
Hellingrath foi quem primeiramente deu ao poema uma forma, e publicou-o em 1910.
Desde então, outra geração passou. Durante estas décadas, a insurreição aberta da história
mundial moderna começou. Seu curso forçará uma decisão que concerne ao caráter futuro
da dominação absoluta do homem sobre todo o globo terrestre. O poema de Hölderlin,
contudo, ainda espera por ser interpretado. O texto que servirá aqui enquanto base para a
presente palestra, e o qual tem sido repetidamente checado com manuscritos originais,
repousa sobre a tentativa de interpretação a seguir.
O poema não tem um titulo. O todo do poema é dividido em sete estrofes. Com
exceção da quinta e sétima estrofes, cada estrofe consiste de nove linhas. Na quinta
estrofe, falta a nona linha. De acordo com a edição de von Hellingrath, a sétima estrofe
contém doze linhas. A edição de Zinkernagel acrescenta, como uma oitava estrofe, alguns
fragmentos de um rascunho anterior.
A primeira estrofe desloca para o estar de um camponês nos campos, pela manhã
de um feriado. O trabalho repousa. E mais próximo está o Deus do homem. O camponês
quer ver como sua fruta ficou depois da tempestade, que veio da quente noite, ameaçando
a colheita. Mais lembrado, o reportar-se distante do trovão é ainda uma reminiscência do
terror. Mas nenhum dilúvio põe em perigo o campo. Fresco e verde é o solo. A videira
deleita-se na benção da bebida celeste. Na luz quieta do Sol está a floresta. O camponês
sabe da constante ameaça de seus haveres através do tempo, mas encontra em toda parte
o repouso e o agradável. Confiantemente ele espera pela futura graça do campo e pelas
videiras. A fruta e o homem estão protegidos na graça que permeia Terra e Céu e que doa
algo que permanece.
Isso nomeado na primeira estrofe é quase também como se um quadro quisesse
descrever. Seu último verso termina claramente com uma vírgula. A primeira estrofe
abre-se para a segunda. O “ Como quando...” com o qual a segunda estrofe começa
corresponde ao “Então...” no princípio da terceira estrofe. O “Como quando...: Então...”
indica uma comparação que, como um gancho, mantém a estrofe inicial com a segunda,
ou mesmo com todas as seguintes em unidade.
Como um camponês em sua caminhada que, feliz na proteção de seu mundo, no
campo se demora, “Então eles erguem-se em/ Atmosfera propícia...” – os poetas. E qual
graça lhes é concedida favoravelmente para pegar a brisa? A graça de serem aqueles que
Não um mestre único; que maravilhosa,
Onipresente, a potente, a divinamente bela
Natureza em leve enlace forma e cria
O movimento interno destas três linhas se dirige para a palavra final “A Natureza”,
que oscila e pára. O que Hölderlin aqui mais nomeia de Natureza ressoa através de todo
poema até sua última palavra. A Natureza “educa” [“erziehet”] os poetas. Educar e
ensinar podem apenas “inculcar” [“beibringen”] algo. Por si próprios apenas, eles não são
capazes de nada. Um outro educar é preciso enquanto zelo humano para o fazer humano.
A Natureza “educa” “maravilhosa onipresente” [“wunderbar allgegenwärtig”]. Ela é
presente em tudo concreto. A Natureza vem à presença no trabalho humano e no destino
dos povos, nas estrelas e nos Deuses, mas também nas pedras, nas plantas e animais, e
também em córregos e tempestades. “Maravilhosa” é a Onipresença [Allgegenwart] da
Natureza. Ela nunca pode ser achada em algum lugar em meio ao real, como um algo
esporádico. A Onipresente também nunca é o resultado da combinação de coisas isoladas.
Mesmo a totalidade do concreto não é mais que a consequência da Onipresente. Esta, ela
mesma, retira-se de toda explicação do concreto. A Onipresente não pode nem nunca ser
indicada através de um concreto. Sempre presente, ela nega imperceptivelmente toda
intrusão separatista. Quando o fazer humano toma tal intrusão, ou quando um trabalho
divino é direcionado para ela, eles apenas destroem a simplicidade da maravilhosa. Esta
se retira de todo estabelecer [Herstellen] e, contudo, permeia tudo com sua presentidade
[Anwesenheit].
Isto quer dizer que a Natureza educa com um “leve abraço”. A Onipresente não
pode ter a unilateralidade da gravidade do meramente concreto, aquilo que logo se liga
ao homem, logo o repele, logo o abandona, mas a cada vez revelando-o na distorção do
aleatório. O “leve abraço” da Natureza não sugere também uma fraqueza impotente. A
“Onipresente” significa sim “a poderosa”. Mas de onde a Natureza toma seu poder
[Macht], se ela é anterior a tudo presente? A Natureza não tem que tomar emprestado seu
poder de outro lugar. Ela mesma é o poder. A essência do poder se determina pela
Onipresença da Natureza, a qual Hölderlin nomeia de “a poderosa, divinamente bela”.
Poderosa é a Natureza, porque é como um Deus em beleza. Assim a Natureza se
assemelha a um Deus ou a uma Deusa? Mas se assim o fosse, então “a Natureza” que em
todos, também nos Deuses, é presente, e ainda pelo “divino” é mensurada, deixaria de
ser “Natureza”. Esta é nomeada a “bela” porque ela é a “maravilhosamente onipresente”.
Sua totalidade presente não significa uma compreensão completa e quantitativa de todo
o concreto, mas sim a maneira de permear justamente também o concreto que, de acordo
com sua forma [Art], parece mutuamente excluir um do outro. Esta Onipresença detém
os opostos extremos, o mais alto Éter e o mais profundo Abismo, opondo-os mutuamente.
Deste modo, eles permanecem uns aos outros entretidos [Zueinander-sich-Haltende] na
sua rebeldia, separados e tensionados [auseinandergespannt]. Só assim pode a oposição
na “aguda” aparência sair diferente de sua unidade. O que neste modo aparece ao
“extremo” é a aparência. Assim o aparecer é o encantador [Berückende]. Mas ao mesmo
tempo são os opostos, através da Onipresença, arrebatados na unidade do seu pertencer-
se. Esta unidade não deixa sua rebeldia se extinguir em um fraco compromisso, mas se
retira de volta para aquele repouso enquanto o quieto brilho que brilha do fogo da luta,
no qual um empurra o outro ao aparecer. Esta unidade da Onipresença é o arrebatador. A
Natureza onipresente enreda e arrebata. Precisamene o enredamento e o arrebatamento
são, contudo, a essência do belo. A Beleza deixa os opostos na oposição; ela deixa-os
mutuamente na sua unidade e assim, da solidez, vem à presença em tudo, precisamente
onde as diferenças são mais genuínas. A Beleza é a Onipresença. E a Natureza é nomeada
“divinamente bela” porque onde um Deus ou Deuses mais facilmente brilham no
aparecer, despertam o enredamento e o arrebatamento. Mas em verdade, eles não são
capazes do puro Belo; pois suas aparições particulares permanecem brilhantes. O mero
enredamento (“epifania”) se assemelha ao arrebatamento, e o mero arrebatamento (em
uma imersão mística) se manifesta enquanto enredamento. Mas o Deus é capaz do mais
alto brilho do Belo, e assim se aproxima ao puro aparecer da Onipresença.
Poderosa, porque divinamente bela, porque maravilhosamente onipresente, a
Natureza abraça os poetas. Eles são incluídos no seu abraço. Esta inclusão desloca os
poetas para a característica fundamental de sua essência. Isto caracteriza o destino do
poeta:
Mas estes versos num rascunho subsequente a lápis, o poeta removeu, o que indica
Hellingrath (IV, p 337 ff) com a observação de que para Hölderlin de agora em diante o
nome “Natureza” não é mais suficiente. Mas o nome “Natureza”, enquanto palavra
poética fundamental é superada já no hino “Como quando em dia de feriado...”. Essa
superação é a consequência e o sinal de um dizer que principia do primordial.
Hölderlin nomeia a aurora enquanto o tornar-se luz da claridade que é em tudo
presente. O despertar da clara luz é, contudo, o mais quieto dos eventos. Mas porque é
estabelecido, mesmo que ele mesmo exija o nomear, o despertar “da Natureza” vem ao
som da palavra poética. Na palavra revela-se a essência do nomeado. Pois a palavra separa
por si só a essência nomeada, a essência da não essência. E porque a palavra as separa,
ela decide sua luta. A palavra é uma arma. Por isso, Hölderlin fala no mesmo hino “Na
Fonte do Danubio”, de “as armas da palavra” enquanto os “santuários” que preservam o
Sagrado.
Porque o amanhecer, o leve-abraçar e a maravilhosamente Onipresente, tem agora
se tornado o único tema do dizer e na palavra “agora” a Natureza “Desperta agora com o
som das armas”. Mas por que deve “o Sagrado” ser a palavra do poeta? Porque aquele
que “debaixo de tempo favorável” permanece, tem unicamente que nomear o ouvir
pressentidor: a Natureza. Por isso ela desperta, revelando-se na sua essência própria
enquanto o Sagrado.
A Natureza é mais antiga do que aquelas idades que são atribuídas ao homem, aos
povos e às coisas. Mas a Natureza é mais antiga que “o tempo” [Zeit]. Como poderia a
Natureza ser mais velha que o “tempo”? Porquanto ela permanecer “mais velha que os
tempos”, ela é, claro, também, “mais velha”, também anterior, também temporal,
justamente mais temporal que os “tempos” com os quais os filhos da Terra calculam. A
“Natureza” é mais velha que o tempo, e não é “supratemporal” na intenção metafisica, e
definitivamente não “eterna” no sentido cristão. A Natureza é mais temporal que “os
tempos”, porque enquanto a maravilhosa Onipresente, ela já sempre doou a tudo
positivado a clareira no aberto onde tudo que é, é primeiramente capaz de aparecer e de
se positivar. A Natureza é anterior a todo positivar e todo concreto, anterior também aos
Deuses. Pois ela, “que é mais velha que os tempos”, é também a “que está sobre os
Deuses/ Do ocidente e oriente”. A Natureza não é algo sobre “os” Deuses enquanto um
isolado domínio da realidade “acima” deles. A Natureza está sobre “os” Deuses. Ela, “a
poderosa”, é ainda capaz de outro que os Deuses; é nela, enquanto a claridade, que
primariamente tudo presente pode ser. A Natureza é nomeada por Hölderlin a Sagrada,
porque ela é “mais velha que os tempos/ que está sobre os Deuses/ Do ocidente e oriente”.
Também não é o “Sagrado” de forma alguma um Deus fixo a emprestar propriedade. O
Sagrado não é Sagrado porque é divino; mas o Divino é divino porque em sua essência,
é o “Sagrado”; pois “Sagrado”, nomeia Hölderlin nesta estrofe também de “Caos”. O
Sagrado é a essência da Natureza. Isto desvela-se enquanto o amanhecer de sua essência
no despertar.
Este “e” que segue para o “despertar”, não leva a algo outro ausente que, além de
desperto, acontece mesmo só enquanto uma consequência sua. O “e” inicia um
desvelamento essencial de que a Natureza é enquanto desperta. No despertar, vem ela a
ela própria. O entusiasmo [Begeisterung] sente-se novo novamente, “a toda-geradora”.
Assim nomeamos agora a toda-presente Natureza. O claro deixa tudo emergir em sua
aparência e iluminação, e cada concreto, por ele mesmo iluminado, permanece no seu
contorno e medida próprios. De tal maneira, em sua própria essência distinguido, é tudo
que pelo espirito irradiado aparece: en-tusiasmo (ardor). A Natureza en-tusiasma tudo, a
toda-presente, a toda-geradora. Ela é ela mesma “o Entusiasmo”. Entusiasmar pode ela
somente porque ela é “o Espírito”. O espírito reina enquanto a sóbria, contudo ousada
separação(-uns-dos-outros) (a luta), que estabelece tudo que vem à presença em bem
delineados limites e estruturas de sua presença. Tal separar é o pensamento essencial. O
próprio “do espírito” são os “pensamentos” através dos quais tudo, porque separado pela
lei, justamente permanece junto. O espirito é a unificadora unidade. Ele deixa a interação
de todo positivar aparecer na sua reunião. O espírito é, portanto, essencialmente no seu
“pensar” o “espírito comum”. Ele é o espírito no modo do entusiasmo, no qual tudo que
aparece na unidade da toda-presente se inclui. Este mesmo tem no entusiasmo a forma
de sua presença, o abrir e o despertar. No despertar, a Natureza vem a ela mesma, ao seu
mesmo, em verdade. Porque a Natureza é primordial e anterior a tudo, pode ela, quando
ela se sente novamente somente primordialmente, ou seja, se sentir “nova”.
O aberto, em qualquer que tem presença e enquanto, projeta previamente o âmbito
de todos os domínios. Por isso o despertar reina “do alto Éter até ao fundo abismo”.
“Éter” é o nome para o pai da luz, para o todo-animador, leve ar. “Abismo” significa o
cerrado no qual a “mãe Terra” é suportada. “Éter” e “abismo” nomeiam precisamente os
domínios mais extremos do concreto, mas também as divindades supremas. Ambos são
espiritualizados pelo entusiasmo. Este não se dispersa como uma cega intoxicação em
arbitrariedades. Ele é
A Natureza reúne todo concreto nas feições de sua essência. Os traços essenciais
do Todo se mostram neste “espirito”, que no positivar aparece, e o espiritual no espirito
reflete. Além disso, os imortais e os mortais tem que se conhecer e ambos cada qual no
seu modo, no positivar se mantém. Toda atividade espiritual em todos os reportações é
possível somente se antes de tudo a Natureza doar o aberto, no qual podem os imortais e
os mortais e cada coisa se conhecer. O aberto media os reportações entre todo concreto.
Estes se constituem somente por tal meditação, e são assim mediados. Mas o que é
indireto (mediato) somente força o imediatismo. Então o imediatismo deve em tudo ser
presente. O aberto ele mesmo, contudo, que primeiramente doa a região de tudo que se
pertence, uns aos outros, não surge de nenhuma mediação. O aberto ele mesmo é
imediato. Nenhum mediato, seja Deus ou homem, é capaz, portanto, de o imediato
diretamente alcançar.Vislumbrando os abismos essenciais de tudo, Hölderlin reconhece
por este pensamento, o sentido de alguns fragmentos de Píndaro (Shröder no. 169):
A lei
De tudo, do rei, mortais e
Imortais; que por isto mesmo
Poderosamente conduz
O mais justo, certo, com mão elevada.
Hölderlin intitula este fragmento “O mais elevado”. Da sua própria meditação, diz
ele:
Os poetas, até
O espiritual, deve ser experiência. (“O Único”, primeira versão)
Por isso podem os acenos e os fatos do mundo se tornarem uma ocasião onde a
iluminação do brilho insurgente se acende. Uma ocasião são ainda o “Mundano”,
“sensações”, “atividades” e “sucessos”, pois em nenhum tempo pode algo mundano por
si realizar o vir do Sagrado. Também capazes são apenas aqueles que já vêm observando
o vir, algo no mundo enquanto um acenar do vir, e interpretam como um fato para estimar
o vir. Sobretudo, os acenos e os fatos do mundo nunca são o que primeiramente devem
ocorrer no aberto. Na abertura, de modo que também no reino da percepção humana, vem
“só agora” “o que veio anteriormente, contudo, pouco sentido”. “Anteriormente”
significa aqui antecipadamente a tudo concreto, aquele mais antigo dos tempos que foi
antigamente percebido apenas em um primeiro brilho: o primeiro ascender primordial do
que em tudo é presente; mas desde então a “Natureza” (Physis) tem também sido invertida
e até tem caído no esquecimento. Mas como prevaleceu este primordial, que agora “novo”
começa a despertar e a se manifestar?
Os Celestes
Não são capazes de tudo. Pois
Os mortais mais cedo alcançam o abismo. (“Mnemosine”)
Porque os Deuses devem ser Deuses e homens devem ser homens, e porque um
nunca pode ser sem o outro, há amor entre eles. Através da meditação neste amor,
entretanto, eles pertencem não apenas um ao outro, mas ao Sagrado, o qual para eles é
“mediatidade estrita”, “a lei”. Agora, contudo, o raio sagrado atinge o poeta
abruptamente. Num instante feliz é ele na plenitude divina. Assim “atingido”, ele estaria
medindo, seguindo apenas sua própria sorte e se perdendo na solitária possessão do Deus.
Mas isto seria má ventura, porque significaria a perda do Ser poético; pois a condição
essencial [Wesensstand] do poeta está fundada não na recepção do Deus, mas no adotar
do Sagrado.
Mas o poeta agora fica sob tempo favorável, e assim permanece familiar
antecipadamente a tudo finito já presente, o “infinito”. E porque a Natureza toda-presente
é “mais antiga que os tempos”, pertence a ela também a afiliação “há muito familiar”.
Agora quando o raio sagrado atinge o poeta, ele não é levado no brilho do raio, mas é
totalmente voltado para o Sagrado. A alma do poeta “sacode”, para estarmos certos e
assim deixa o quieto sacudir despertar nela; mas ela sacode em recordação, e isto quer
dizer, com a espera daquilo que ocorreu antes; este é o abrimento do Sagrado. O sacudir
quebra a paz do silêncio. A palavra é. O trabalho da palavra que se origina neste modo
deixa o pertencer-se de Deuses e homem aparecer. A canção testemunha o fundamento
de seu pertencer-se mútuo, testemunha o Sagrado. “Só agora” que os pensamentos do
espirito comum estão antes aparentemente, sucede da alma do poeta a canção. Mas não
sempre, quando um trabalho sucede, há também sorte.
A avidez [Gier] de ver o Deus na forma humana fendeu Semele para o único brilho
próprio do descarregar do feixe [losegebundenen] do relâmpago. No recebido esqueceu-
se do Sagrado É verdade que o fruto nasceu, Baco, o Deus do “vinho”, a
Mas o fruto não é no nascimento, nascido dela, pois em conceber o fruto, ela foi
queimada às cinzas. O destino de Semele revela, ao contrário, apenas que a presença
[Gegenwart] do Sagrado garanta que a canção verdadeiramente suceda. A lembrança
[Erimnerung] dita por Eurípides (O Baco) e por Ovídio (Metam. III, 293), prevê que o
destino de Semele enquanto contra-tema é apenas inserido no poema. Por isto não fecha
também o começo da estrofe seguinte (sétima) com o fim da sexta estrofe, mas está
conectada com a parte do meio da estrofe:
A palavra final deste poema deve retornar ao Sagrado. Aos poetas e ao dom da
canção diz o poema também e apenas por isso, porque o Sagrado é o terror do sacudir
universal e é o imediato. Por isso os filhos da Terra precisam da mediação do Sagrado
através da doação de uma canção sem perigo. Mas precisamente isto, do Sagrado ser uma
mediação através do Deus e dos poetas, e sendo nascido na canção, ameaça inverter a
essência do Sagrado em seu oposto. O imediato então se torna algo mediato. Porque a
canção desperta somente com o despertar do Sagrado, mesmo o mediato ele mesmo surge
do imediato. A origem da canção, o “som das armas”, “com”, no qual a Natureza desperta,
é assim o sacudir o qual alcança os essenciais abismos do Sagrado. Nisto o Sagrado se
torna palavra e vindo em sua essência mais intima vacila [Wanken]. A lei é ameaçada. O
Sagrado ameaça desestabilizar. Apenas
Esta palavra “o eterno coração”, é única em toda poesia de Hölderlin. O que esta
palavra significa é também dito somente neste único poema.
Na origem, o Sagrado é a “lei firme”, aquela “mediatidade estrita” na qual todos
os reportações de tudo concreto são mediados. Tudo é somente, porque é reunido na
Onipresença do não tocado.
Tudo é fervor.
Assim começa o rascunho tardio (IV, 381). Tudo é somente pelo fervor [Innigkeit]
da Onipresença brilhante. O Sagrado é fervor ele mesmo; ele é – “o coração”.
Mas o Sagrado, “acima dos Deuses” e os homens, é “mais antigo que os tempos”.
O que é o mais antigo, antes de tudo o primeiro e a todo posterior o mais recente, é o que
vem antes de tudo e mantem tudo em si: o primordial e enquanto tal, o que permanece.
Seu permanecer é a eternidade do eterno [Ewigen]. O Sagrado é o mais antigo fervor, o
“coração eterno”. Este permanecer do Sagrado, contudo, é ameaçado através do que do
seu mesmo se origina e com seu vir necessita da mediação através da palavra da canção.
Não é apenas a palavra humana, mas o arrebatador [ReiBender] já ameaça no acender-se
[Entzündung] e na geração da palavra enviados do “raio sagrado” do Pai para arrancar o
Sagrado de sua imediatidade; mas através da transferência ao mediato se revela a
exterminação da essência [Wesensvernichtung]. Pois também no “raio do Pai”, o Sagrado
é já renunciado ao mediato, se é que mesmo os imortais são apenas mediados ao Sagrado.
Mas
O aceno que o poeta quer preservar para ele mesmo nestas palavras diz aqui: que
a esfera mais elevada, o raio sagrado, ameaça mesmo o Sagrado mais profundamente com
a perda de sua essência. Mas também esta esfera é somente “a mais alta” e não “a alta”.
Então não pode a origem nascente nada contra a origem. E por isso permanece então o
“coração eterno”, embora “profundamente sacudido”, “ainda assim permanece firme”. O
sacudir, claro, é fundado naquele abismo através do qual o Sagrado “compartilha o
sofrimento de um Deus”. Em que medida sofre o Deus que, enquanto o raio, envia o raio
sagrado? Numa explicita adição, o raio é chamado “o puro” porque ele mantém a decisão
no interior do Sagrado; pois “a bondade celeste, para seu próprio bem, deve ser sagrada”
(Notas ao fragmento pindárico “O mais elevado” V, 276). Este pertencer insistente
[inständig Zugehören] é sofrer, não mero suportar. Mas como Hölderlin pensa a essência
deste sofrer se desvela numa alteração subsequente da versão tardia constituída naquele
hino intitulado “O Único”, o hino que diz que o Deus dos cristãos precisamente não é o
único. Aqui (IV, 379) Hölderlin diz de uma
“Agora” – quando é “agora”? Será um ponto no tempo por volta de 1800 quando
o poema foi escrito? Certamente o “agora” claramente nomeia aquele ponto no tempo no
qual Hölderlin ele mesmo diz: “Mas agora o dia!” O “agora” certamente nomeia o tempo
de Hölderlin e nenhum outro. Mas o tempo de Hölderlin é aquele único através do qual
suas palavras entoam no tempo. O tempo de Hölderlin, para estarmos certos, não é
precisamente aquele meramente simultâneo ou usualmente contemporâneo.
O “agora” nomeia o vir do Sagrado. Este vir somente mostra o “tempo” que é o
“tempo” da história se colocar suas decisões essenciais. Tal “tempo” não se deixa nunca
ser especifico (“datado”) e não é mensurável pelas datas do ano e divisões de séculos.
“Datas históricas” são apenas diretrizes projetadas [herzugebrachte Leitband] nas quais
as ocorrências são trancadas pelo cálculo humano. Estas ocorrências sempre apenas
permanecem no primeiro plano da história, o qual é acessível à exploração (hístoreîn).
Mas este “historiográfico” nunca é a História ela mesma. A História é rara. A História é
apenas quando aquela essência da verdade é primordialmente decidida.
O Sagrado, “mais antigo que os tempos” e “acima dos Deuses”, funda no seu vir
outro princípio de uma outra história. O Sagrado decide primordialmente
antecipadamente sobre os homens e sobre os Deuses, se eles são, como são, quem são e
quando eles são.
O vindo é no seu vir dito através de um chamado. Principiando com este poema,
a palavra de Hölderlin é agora um chamado [Rüfen]. A palavra de Hölderlin é agora
hymnos em um novo sentido caracterizado e único. Normalmente traduzimos a palavra
grega hymneîn pelas palavras “louvar” ou “celebrar”. Facilmente nós entendemos a
palavra grega hymnein como “preces” ou “elogios” [“rühmen”]. Nós pensamos aí
facilmente uma canção de palavras ébrias a cantar. Mas agora a palavra poética é um dizer
instituidor [stiftende]. A palavra desta canção não é mais um “Hino a...” algo, nem um
“Hino aos Poetas”, e nem um hino “a” Natureza, mas é o hino “do” Sagrado. O Sagrado
doa a palavra, e ele mesmo vem nesta palavra. Esta palavra é o acontecimento [Erignis]
do Sagrado. A poesia de Hölderlin é agora um chamar primordial, o qual o vindo ele
mesmo é chamado, isto e apenas isto é dito enquanto o Sagrado. A palavra no hino é
agora “forçada pelo Sagrado”, e porque forçada pelo “sagrado”, também “sóbria pelo
Sagrado”. Assim diz, um fragmento originário do ano 1800, que é sobrescrito “A Canção
Alemã”, isto:
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