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Martin Heidegger

“Como quando em dia de feriado...”


(tradução de Manuela Santos)

O poema foi escrito em 1800. Contudo, somente 110 anos depois se tornou
conhecido para o povo alemão. Usando rascunhos escritos à mão, Norbert Von
Hellingrath foi quem primeiramente deu ao poema uma forma, e publicou-o em 1910.
Desde então, outra geração passou. Durante estas décadas, a insurreição aberta da história
mundial moderna começou. Seu curso forçará uma decisão que concerne ao caráter futuro
da dominação absoluta do homem sobre todo o globo terrestre. O poema de Hölderlin,
contudo, ainda espera por ser interpretado. O texto que servirá aqui enquanto base para a
presente palestra, e o qual tem sido repetidamente checado com manuscritos originais,
repousa sobre a tentativa de interpretação a seguir.
O poema não tem um titulo. O todo do poema é dividido em sete estrofes. Com
exceção da quinta e sétima estrofes, cada estrofe consiste de nove linhas. Na quinta
estrofe, falta a nona linha. De acordo com a edição de von Hellingrath, a sétima estrofe
contém doze linhas. A edição de Zinkernagel acrescenta, como uma oitava estrofe, alguns
fragmentos de um rascunho anterior.
A primeira estrofe desloca para o estar de um camponês nos campos, pela manhã
de um feriado. O trabalho repousa. E mais próximo está o Deus do homem. O camponês
quer ver como sua fruta ficou depois da tempestade, que veio da quente noite, ameaçando
a colheita. Mais lembrado, o reportar-se distante do trovão é ainda uma reminiscência do
terror. Mas nenhum dilúvio põe em perigo o campo. Fresco e verde é o solo. A videira
deleita-se na benção da bebida celeste. Na luz quieta do Sol está a floresta. O camponês
sabe da constante ameaça de seus haveres através do tempo, mas encontra em toda parte
o repouso e o agradável. Confiantemente ele espera pela futura graça do campo e pelas
videiras. A fruta e o homem estão protegidos na graça que permeia Terra e Céu e que doa
algo que permanece.
Isso nomeado na primeira estrofe é quase também como se um quadro quisesse
descrever. Seu último verso termina claramente com uma vírgula. A primeira estrofe
abre-se para a segunda. O “ Como quando...” com o qual a segunda estrofe começa
corresponde ao “Então...” no princípio da terceira estrofe. O “Como quando...: Então...”
indica uma comparação que, como um gancho, mantém a estrofe inicial com a segunda,
ou mesmo com todas as seguintes em unidade.
Como um camponês em sua caminhada que, feliz na proteção de seu mundo, no
campo se demora, “Então eles erguem-se em/ Atmosfera propícia...” – os poetas. E qual
graça lhes é concedida favoravelmente para pegar a brisa? A graça de serem aqueles que
Não um mestre único; que maravilhosa,
Onipresente, a potente, a divinamente bela
Natureza em leve enlace forma e cria

O movimento interno destas três linhas se dirige para a palavra final “A Natureza”,
que oscila e pára. O que Hölderlin aqui mais nomeia de Natureza ressoa através de todo
poema até sua última palavra. A Natureza “educa” [“erziehet”] os poetas. Educar e
ensinar podem apenas “inculcar” [“beibringen”] algo. Por si próprios apenas, eles não são
capazes de nada. Um outro educar é preciso enquanto zelo humano para o fazer humano.
A Natureza “educa” “maravilhosa onipresente” [“wunderbar allgegenwärtig”]. Ela é
presente em tudo concreto. A Natureza vem à presença no trabalho humano e no destino
dos povos, nas estrelas e nos Deuses, mas também nas pedras, nas plantas e animais, e
também em córregos e tempestades. “Maravilhosa” é a Onipresença [Allgegenwart] da
Natureza. Ela nunca pode ser achada em algum lugar em meio ao real, como um algo
esporádico. A Onipresente também nunca é o resultado da combinação de coisas isoladas.
Mesmo a totalidade do concreto não é mais que a consequência da Onipresente. Esta, ela
mesma, retira-se de toda explicação do concreto. A Onipresente não pode nem nunca ser
indicada através de um concreto. Sempre presente, ela nega imperceptivelmente toda
intrusão separatista. Quando o fazer humano toma tal intrusão, ou quando um trabalho
divino é direcionado para ela, eles apenas destroem a simplicidade da maravilhosa. Esta
se retira de todo estabelecer [Herstellen] e, contudo, permeia tudo com sua presentidade
[Anwesenheit].
Isto quer dizer que a Natureza educa com um “leve abraço”. A Onipresente não
pode ter a unilateralidade da gravidade do meramente concreto, aquilo que logo se liga
ao homem, logo o repele, logo o abandona, mas a cada vez revelando-o na distorção do
aleatório. O “leve abraço” da Natureza não sugere também uma fraqueza impotente. A
“Onipresente” significa sim “a poderosa”. Mas de onde a Natureza toma seu poder
[Macht], se ela é anterior a tudo presente? A Natureza não tem que tomar emprestado seu
poder de outro lugar. Ela mesma é o poder. A essência do poder se determina pela
Onipresença da Natureza, a qual Hölderlin nomeia de “a poderosa, divinamente bela”.
Poderosa é a Natureza, porque é como um Deus em beleza. Assim a Natureza se
assemelha a um Deus ou a uma Deusa? Mas se assim o fosse, então “a Natureza” que em
todos, também nos Deuses, é presente, e ainda pelo “divino” é mensurada, deixaria de
ser “Natureza”. Esta é nomeada a “bela” porque ela é a “maravilhosamente onipresente”.
Sua totalidade presente não significa uma compreensão completa e quantitativa de todo
o concreto, mas sim a maneira de permear justamente também o concreto que, de acordo
com sua forma [Art], parece mutuamente excluir um do outro. Esta Onipresença detém
os opostos extremos, o mais alto Éter e o mais profundo Abismo, opondo-os mutuamente.
Deste modo, eles permanecem uns aos outros entretidos [Zueinander-sich-Haltende] na
sua rebeldia, separados e tensionados [auseinandergespannt]. Só assim pode a oposição
na “aguda” aparência sair diferente de sua unidade. O que neste modo aparece ao
“extremo” é a aparência. Assim o aparecer é o encantador [Berückende]. Mas ao mesmo
tempo são os opostos, através da Onipresença, arrebatados na unidade do seu pertencer-
se. Esta unidade não deixa sua rebeldia se extinguir em um fraco compromisso, mas se
retira de volta para aquele repouso enquanto o quieto brilho que brilha do fogo da luta,
no qual um empurra o outro ao aparecer. Esta unidade da Onipresença é o arrebatador. A
Natureza onipresente enreda e arrebata. Precisamene o enredamento e o arrebatamento
são, contudo, a essência do belo. A Beleza deixa os opostos na oposição; ela deixa-os
mutuamente na sua unidade e assim, da solidez, vem à presença em tudo, precisamente
onde as diferenças são mais genuínas. A Beleza é a Onipresença. E a Natureza é nomeada
“divinamente bela” porque onde um Deus ou Deuses mais facilmente brilham no
aparecer, despertam o enredamento e o arrebatamento. Mas em verdade, eles não são
capazes do puro Belo; pois suas aparições particulares permanecem brilhantes. O mero
enredamento (“epifania”) se assemelha ao arrebatamento, e o mero arrebatamento (em
uma imersão mística) se manifesta enquanto enredamento. Mas o Deus é capaz do mais
alto brilho do Belo, e assim se aproxima ao puro aparecer da Onipresença.
Poderosa, porque divinamente bela, porque maravilhosamente onipresente, a
Natureza abraça os poetas. Eles são incluídos no seu abraço. Esta inclusão desloca os
poetas para a característica fundamental de sua essência. Isto caracteriza o destino do
poeta:

Eis porque quando ela parece dormir


Às estações do ano no céu ou
Sob as plantas ou povos, quando então
Também enluta a face do poeta,
Elas parecem estar sós, mas sempre palpitam

Dormir é uma forma de ser-a-caminho, de estar ausente. Mas como poderia a


“Natureza” vir no brilho da ausência se ela não veio à presença nos Celestes, na Terra e
seu crescimento, nos povos e sua história? “Às estações do ano no céu” parece a
Onipresente dormir. “Do ano” significa aqui, ao mesmo tempo, as “estações” e “os anos
dos povos”, as idades do mundo. A Natureza parece dormir; mas não está dormindo. Está
acordada, mas acordada no modo do luto. Isto se retira de tudo para a memória de uma
só coisa. O recordar do luto permanece, pois, próximo àquilo que tem sido tirado e parece
distante. O luto não é afundado em uma corrente ao meramente perdido. Ele deixa o
ausente sempre de novo voltar. Por isso também parecem os poetas enlutados no seu
isolamento restringidos e nele aprisionados. Eles não estão “sós”. Em verdade, “eles estão
sempre pressentindo”. Seu pressentir pensa para frente, para o distante que não se se
distancia, mas no vir é. Mas porque a vinda ela mesma repousa mais no primordial e
permanece aí, o pressentir do vir é precisamente um pensar para frente e para trás. Assim
pressentindo, permanecem os poetas na afiliação à “Natureza”:

pois palpitante ela mesma também repousa.

A Natureza repousa. Seu repouso não significa de forma alguma a cessação do


movimento. Repousar é o reunir-se em todo princípio do movimento presente e um vir.
Por isso, em repouso também a Natureza palpita [ahnend]. Ela é com ela mesma, por ela,
no vir à frente. O vir é o presenciar [Anwesung] da Onipresença e assim a essência da
“Onipresente”.
Apenas pelo palpitar (pressentimento) são eles também tais, que à Natureza
pertencem e a ela correspondem. Estes que à maravilhosa Onipresente, à poderosa, à
divinamente bela co-rrespondem, são “os poetas”. De quais poetas Hölderlin fala?
Daqueles que ficam abaixo do clima favorável. Somente eles persistem na
correspondência à palpitante repousante Natureza. Dessa correspondência a essência dos
poetas é novamente decidida. “Os poetas” são os futuros de quem a essência será
mensurada depois à essência da “Natureza”. E o que esta palavra “Natureza”, há muito
conhecida e, entretanto, na ambiguidade consumada, significa aqui, deve ser somente
através deste único poema determinada.
Encontramos usualmente “A Natureza” nas distinções familiares de “Natureza e
Arte”, “Natureza e Espirito”, “Natureza e História”, “Natural e Sobrenatural”, “Natural e
não natural”. Isto significa que a “Natureza” a cada um separa por âmbito do ente. Mas
se se quis nesse poema nomear “Natureza” “idêntica” posta com “espirito” no sentido da
“identidade” o que ao mesmo tempo pensou o amigo de Hölderlin, Schelling, então seria
isto também uma má interpretação. Mesmo o que Hölderlin ele mesmo, até em seu hino
Hipérion e nos primeiros rascunhos do Empédocles disse com a palavra “Natureza”,
permanece atrás do que agora enquanto “a maravilhosa Onipresente” é nomeado. Ao
mesmo tempo, é a “Natureza” agora uma palavra incongruente no aspecto do vir, o qual
deve ser nomeado. Não obstante, que esta palavra “Natureza” seja ainda empregada
enquanto palavra-chave deste poema é devido à ressonância de uma força do dizer a qual
a origem largamente remonta.
Natureza, natura é chamada em Grego φύσις. Esta palavra é a palavra
fundamental dos pensadores do princípio do pensamento ocidental. Mas a tradução de
Physis por natura (natureza) já se transpõe mais tarde imediatamente para o princípio, e
é alienada ao seu lugar, que é apenas o princípio próprio.
Φύσις, φύσειν significa crescimento [Waschtum]. Mas como os Gregos
compreendem o crescimento? Não como uma taxa quantitativa, não enquanto um
“desenvolvimento”, nem também como uma sucessão de um “devir”. Φύσις é o emergir
[Hervorgehen] e o irromper [Aufgehen], o abrir-se que, irrompendo ao mesmo tempo
volta para onde emergiu, e assim fecha-se em si, e a cada presente doa presença. Pensada
enquanto palavra fundamental, φύσις significa um irromper ao aberto; o clarear da
clareira no interior de algo aparecendo no seu contorno próprio, posto na sua “aparência”
(εἶδος, ἰδέα) se mostrando e então, enquanto isto ou aquilo, podendo ser presentificado.
Φύσις é aquele emergir que volta-para-si; ela nomeia seu presentficar que então demora-
se no princípio enquanto perdura no aberto. A clareira do aberto, contudo, é mais
puramente audível na abertura da transparência do brilho na “luz”. φύσις é o princípio da
clareira que se aclara, e assim é a lareira e o lugar da luz. A iluminação da “luz” pertence
ao fogo, é o fogo. Este é precisamente a chama [Glut]. A chama acende e doa
especialmente o aparecer do aberto, e precisamente o aparececimento da claridade. A
chama iluminadora e acendedora, no entusiasmar, tudo traz à luz para seu aparecer. Assim
o fogo, enquanto a “luz” iluminadora acendedora, o aberto, que no interior do aberto veio
para fora já antecipadamente já presentifica. A φύσις é a em tudo presente. Então não
deve a “Natureza”, se ela é φύσις, enquanto a “Onipresente”, ser ao mesmo tempo a toda-
brilhante [Allerglühende]? Por isto Höldelrin nomeia “Natureza” a “toda-geradora”, e a
“toda-vivente”.
A palavra de Hölderlin “Natureza” poeta neste poema sua essência conforme a
verdade velada da palavra primordial e fundamental φύσις. Mas Hölderlin teve o que
também ainda hoje dificilmente tem a força da palavra primordial e fundamental φύσις.
Do mesmo modo, ao nomear “Natureza”, Hölderlin não quer deixar que a experiência
dos antigos tempos Gregos seja revivida. Hölderlin poeta com a palavra “Natureza” outro
que, porém, fica em um reportação [Bezug] velado Àquilo que uma vez foi conhecido
como φύσις.
A Natureza, o “leve abraço” retém tudo no interior de sua abertura e clareira, e
parece às vezes, estar dormindo. Então a luz enlutada retornou a si. O luto que encobre a
si mesmo é impenetrável e aparece enquanto escuridão. Este luto, contudo, não é
meramente uma escuridão arbitrária, mas um repouso pressentidor. A escuridão é a noite.
A noite é o repouso pressentidor do dia.

Mas agora é dia! Eu esperava e o vi chegar


E o que eu vi,o Sagrado, seja o minha palavra.

A exclamação com a qual a terceira estrofe começa, nomeia o ascender do


resplandecente brilho [Helle]. O dia é o vir da palpitante Natureza em repouso. O
amanhecer é a Natureza ela mesma no vir. A exclamação “Mas agora o dia!” soa como
uma invocação da Natureza. Somente o chamado chama verdadeiramente aquele que
vem. A palavra do poeta é o puro chamado daqueles sempre pressentidores poetas,
esperando e desejando. O nomear poético diz o que o chamado ele mesmo, de sua
essência, compele o poeta a dizer. Assim compelido, Hölderlin nomeia a Natureza “o
Sagrado”. No seu hino “Na Fonte do Danúbio”, escrito logo após, Hölderlin diz:

Nós nomeamos você, compelidos pelo Sagrado, nomeamos você


Natureza! E nova, como que saída do banho
De ti emerge tudo que é divinamente nascido.

Mas estes versos num rascunho subsequente a lápis, o poeta removeu, o que indica
Hellingrath (IV, p 337 ff) com a observação de que para Hölderlin de agora em diante o
nome “Natureza” não é mais suficiente. Mas o nome “Natureza”, enquanto palavra
poética fundamental é superada já no hino “Como quando em dia de feriado...”. Essa
superação é a consequência e o sinal de um dizer que principia do primordial.
Hölderlin nomeia a aurora enquanto o tornar-se luz da claridade que é em tudo
presente. O despertar da clara luz é, contudo, o mais quieto dos eventos. Mas porque é
estabelecido, mesmo que ele mesmo exija o nomear, o despertar “da Natureza” vem ao
som da palavra poética. Na palavra revela-se a essência do nomeado. Pois a palavra separa
por si só a essência nomeada, a essência da não essência. E porque a palavra as separa,
ela decide sua luta. A palavra é uma arma. Por isso, Hölderlin fala no mesmo hino “Na
Fonte do Danubio”, de “as armas da palavra” enquanto os “santuários” que preservam o
Sagrado.
Porque o amanhecer, o leve-abraçar e a maravilhosamente Onipresente, tem agora
se tornado o único tema do dizer e na palavra “agora” a Natureza “Desperta agora com o
som das armas”. Mas por que deve “o Sagrado” ser a palavra do poeta? Porque aquele
que “debaixo de tempo favorável” permanece, tem unicamente que nomear o ouvir
pressentidor: a Natureza. Por isso ela desperta, revelando-se na sua essência própria
enquanto o Sagrado.

Pois ela, ela mesma, que é mais velha


Que os tempos, que está sobre os Deuses
Do ocidente e oriente, a Natureza
Desperta agora com o som das armas,

A Natureza é mais antiga do que aquelas idades que são atribuídas ao homem, aos
povos e às coisas. Mas a Natureza é mais antiga que “o tempo” [Zeit]. Como poderia a
Natureza ser mais velha que o “tempo”? Porquanto ela permanecer “mais velha que os
tempos”, ela é, claro, também, “mais velha”, também anterior, também temporal,
justamente mais temporal que os “tempos” com os quais os filhos da Terra calculam. A
“Natureza” é mais velha que o tempo, e não é “supratemporal” na intenção metafisica, e
definitivamente não “eterna” no sentido cristão. A Natureza é mais temporal que “os
tempos”, porque enquanto a maravilhosa Onipresente, ela já sempre doou a tudo
positivado a clareira no aberto onde tudo que é, é primeiramente capaz de aparecer e de
se positivar. A Natureza é anterior a todo positivar e todo concreto, anterior também aos
Deuses. Pois ela, “que é mais velha que os tempos”, é também a “que está sobre os
Deuses/ Do ocidente e oriente”. A Natureza não é algo sobre “os” Deuses enquanto um
isolado domínio da realidade “acima” deles. A Natureza está sobre “os” Deuses. Ela, “a
poderosa”, é ainda capaz de outro que os Deuses; é nela, enquanto a claridade, que
primariamente tudo presente pode ser. A Natureza é nomeada por Hölderlin a Sagrada,
porque ela é “mais velha que os tempos/ que está sobre os Deuses/ Do ocidente e oriente”.
Também não é o “Sagrado” de forma alguma um Deus fixo a emprestar propriedade. O
Sagrado não é Sagrado porque é divino; mas o Divino é divino porque em sua essência,
é o “Sagrado”; pois “Sagrado”, nomeia Hölderlin nesta estrofe também de “Caos”. O
Sagrado é a essência da Natureza. Isto desvela-se enquanto o amanhecer de sua essência
no despertar.

E do alto Éter até ao fundo abismo,


Segundo lei fixa, como outrora, saído
Do sagrado caos, sente-se mais uma vez
O encanto, que novamente tudo cria.

Este “e” que segue para o “despertar”, não leva a algo outro ausente que, além de
desperto, acontece mesmo só enquanto uma consequência sua. O “e” inicia um
desvelamento essencial de que a Natureza é enquanto desperta. No despertar, vem ela a
ela própria. O entusiasmo [Begeisterung] sente-se novo novamente, “a toda-geradora”.
Assim nomeamos agora a toda-presente Natureza. O claro deixa tudo emergir em sua
aparência e iluminação, e cada concreto, por ele mesmo iluminado, permanece no seu
contorno e medida próprios. De tal maneira, em sua própria essência distinguido, é tudo
que pelo espirito irradiado aparece: en-tusiasmo (ardor). A Natureza en-tusiasma tudo, a
toda-presente, a toda-geradora. Ela é ela mesma “o Entusiasmo”. Entusiasmar pode ela
somente porque ela é “o Espírito”. O espírito reina enquanto a sóbria, contudo ousada
separação(-uns-dos-outros) (a luta), que estabelece tudo que vem à presença em bem
delineados limites e estruturas de sua presença. Tal separar é o pensamento essencial. O
próprio “do espírito” são os “pensamentos” através dos quais tudo, porque separado pela
lei, justamente permanece junto. O espirito é a unificadora unidade. Ele deixa a interação
de todo positivar aparecer na sua reunião. O espírito é, portanto, essencialmente no seu
“pensar” o “espírito comum”. Ele é o espírito no modo do entusiasmo, no qual tudo que
aparece na unidade da toda-presente se inclui. Este mesmo tem no entusiasmo a forma
de sua presença, o abrir e o despertar. No despertar, a Natureza vem a ela mesma, ao seu
mesmo, em verdade. Porque a Natureza é primordial e anterior a tudo, pode ela, quando
ela se sente novamente somente primordialmente, ou seja, se sentir “nova”.
O aberto, em qualquer que tem presença e enquanto, projeta previamente o âmbito
de todos os domínios. Por isso o despertar reina “do alto Éter até ao fundo abismo”.
“Éter” é o nome para o pai da luz, para o todo-animador, leve ar. “Abismo” significa o
cerrado no qual a “mãe Terra” é suportada. “Éter” e “abismo” nomeiam precisamente os
domínios mais extremos do concreto, mas também as divindades supremas. Ambos são
espiritualizados pelo entusiasmo. Este não se dispersa como uma cega intoxicação em
arbitrariedades. Ele é

Segundo lei fixa, como outrora, saído


Do sagrado caos,

A Natureza reúne todo concreto nas feições de sua essência. Os traços essenciais
do Todo se mostram neste “espirito”, que no positivar aparece, e o espiritual no espirito
reflete. Além disso, os imortais e os mortais tem que se conhecer e ambos cada qual no
seu modo, no positivar se mantém. Toda atividade espiritual em todos os reportações é
possível somente se antes de tudo a Natureza doar o aberto, no qual podem os imortais e
os mortais e cada coisa se conhecer. O aberto media os reportações entre todo concreto.
Estes se constituem somente por tal meditação, e são assim mediados. Mas o que é
indireto (mediato) somente força o imediatismo. Então o imediatismo deve em tudo ser
presente. O aberto ele mesmo, contudo, que primeiramente doa a região de tudo que se
pertence, uns aos outros, não surge de nenhuma mediação. O aberto ele mesmo é
imediato. Nenhum mediato, seja Deus ou homem, é capaz, portanto, de o imediato
diretamente alcançar.Vislumbrando os abismos essenciais de tudo, Hölderlin reconhece
por este pensamento, o sentido de alguns fragmentos de Píndaro (Shröder no. 169):

Na tradução de Hölderlin (V, 276):

A lei
De tudo, do rei, mortais e
Imortais; que por isto mesmo
Poderosamente conduz
O mais justo, certo, com mão elevada.

Hölderlin intitula este fragmento “O mais elevado”. Da sua própria meditação, diz
ele:

O imediato, estritamente falando, é tão impossível para os mortais quanto para os


imortais; o deus deve distinguir mundos diferentes, de acordo com sua natureza, porque
a bondade celeste, para seu próprio bem, deve ser sagrada, pura. O homem, enquanto o
que compreende, deve também distinguir mundos diferentes, porque o saber é possível
somente através da oposição. Por isso, o imediato, estritamente falando, é tão impossível
para os mortais quanto para os imortais. A estrita mediatidade, contudo, é a lei.

O que é em tudo antecipadamente é presente reúne todo isolado a uma presença e


media à cada a aparência (tal mediação é a diké). A imediata Onipresença é o mediador
para tudo mediado, que é, para o mediato. O imediato é ele mesmo, nunca uma mediação,
porém é contra o imediato, estritamente tomado, a mediação, ou seja, a mediatidade do
mediado, porque este é em sua essência possível. A “Natureza” é a toda-mediadora
mediatidade, é “a lei”. Porque a Natureza permanece anterior à tudo, a primordial, e
originalmente inabalável, ela é a “lei firme”. Despertando para ela mesma, a Natureza se
origina, de acordo com sua essência: “segundo lei firme”.
Apenas a Natureza é, contudo, “saída/ Do sagrado caos”. Como “caos” e nomos
(“Lei”) caminham juntos? “Caos” significa, para nós, algo sem lei e confusão. Hölderlin
ele mesmo diz: “E a sagrada vastidão, muito preparando, tem raízes crescidas.” (“Os
Titas”, IV, 208); ele fala de uma “sagrada vastidão” (IV, 250, 341), e também da
“desajeitada vastidão” (IV, 216), e da “confusão primordial” (“Der Rhine”, IV, 180).
Contudo, kháos significa, antes de tudo, o bocejo, o abismo aberto, que primordialmente
abre o aberto, no qual tudo é incluído. O abismo recusa apoio para ser distinto e fundado
a qualquer coisa. E, portanto, parece o Caos, para toda experiência que pode apenas o
mediado, ser sem diferenciação e assim uma mera confusão. Neste sentido o “caótico” é,
contudo, apenas o inessencial do que “Caos” significa. Por Natureza (Physis) para trás
pensada, permanece o Caos aquele abismo desde o qual o aberto se abre, para que assim
ele doe a cada diferenciado sua delimitada presença. Portanto Hölderlin nomeia o “Caos”
e a “confusão” “sagrados”. O Caos é o Sagrado ele mesmo. Nada concreto precede este
abismo, mas apenas sempre entra nele. Tudo que aparece é já transpassado (consumado)
a cada vez por ele. A Natureza é, “como uma vez”, tudo e acima de tudo primordial. Ela
é a antiga em um duplo sentido. É mais antiga do que tudo antigo, e mais jovem que todo
tornar-se. Pela Natureza despertando, vem o vir enquanto o mais futuro, desde o mais
antigo sido, o qual nunca envelhece porque ele é a cada vez o mais jovem.
O antigo é o Sagrado [Heilige]. Então, enquanto o primordial, permanece ele em
si intacto e “total” [heil]. Essa totalidade originária, contudo longínqua, através de sua
Onipresença doa a cada positivar a totalidade de sua permanência. Mas a totalidade
primordial e o Sagrado permanente ainda se encobrem, e enquanto imediato em si, toda
sua plenitude e toda estrutura e é assim precisamente inacessível para cada singularizado,
seja ele um Deus ou ser humano. O Sagrado, enquanto inalcançável, joga cada afluência
imediata do mediato em seus projetos em vão. O Sagrado estabelece fora todo saber de
seu habitual e retira-se assim como posição. Também chocando, é o Sagrado o terrível
ele mesmo. Mas sua grandiosidade permanece velada na suavidade do seu leve abraço.
Porque este, contudo, educa os poetas futuros, e eles enquanto os iniciados, sabem o
Sagrado. Seu saber é o pressentir. O pressentir concerne ao vir e ao surgir, isto é, ao
amanhecer. “Mas agora é dia!” O que é agora, quando o Sagrado ele mesmo vem?

E como ao homem um fogo resplandece no olho


Quando projetou alto, assim,
Aos sinais do novo, se acendeu
Agora um fogo na alma do poeta
Aos feitos do mundo.

Como o elevado projeto de um pensador é refletido no seu olhar, assim brilha,


quando o Sagrado no vir se desvela, uma luz nas “almas dos poetas”. Um brilho se estende
até as almas solitárias destes poetas que pelo Sagrado são abraçados e pertencem a ele.
Porque eles carpem com a pressentidora Natureza, devem eles também, ao despertar da
Natureza, vir, e em seu brilho ser. Estes poetas ficam eles mesmos abertos no aberto que
“do alto Éter até ao fundo abismo” se aclara. A abertura do aberto conforma-se àquilo
que chamamos de “um mundo”. Só por isto ocorrem para estes poetas os acenos e as
ações do mundo em sua luz; então estes poetas não são sem um mundo. Embora os poetas
em sua essência pertençam ao Sagrado e pensem a concretude de tudo concreto, ou seja,
o “espirito”, e sendo essencialmente “espirituais”, eles devem ao mesmo tempo também
permanecer imersos e cativos no concreto.

Os poetas, até
O espiritual, deve ser experiência. (“O Único”, primeira versão)

Por isso podem os acenos e os fatos do mundo se tornarem uma ocasião onde a
iluminação do brilho insurgente se acende. Uma ocasião são ainda o “Mundano”,
“sensações”, “atividades” e “sucessos”, pois em nenhum tempo pode algo mundano por
si realizar o vir do Sagrado. Também capazes são apenas aqueles que já vêm observando
o vir, algo no mundo enquanto um acenar do vir, e interpretam como um fato para estimar
o vir. Sobretudo, os acenos e os fatos do mundo nunca são o que primeiramente devem
ocorrer no aberto. Na abertura, de modo que também no reino da percepção humana, vem
“só agora” “o que veio anteriormente, contudo, pouco sentido”. “Anteriormente”
significa aqui antecipadamente a tudo concreto, aquele mais antigo dos tempos que foi
antigamente percebido apenas em um primeiro brilho: o primeiro ascender primordial do
que em tudo é presente; mas desde então a “Natureza” (Physis) tem também sido invertida
e até tem caído no esquecimento. Mas como prevaleceu este primordial, que agora “novo”
começa a despertar e a se manifestar?

É agora manifestável, e as forças que


Sorrindo nos lavraram a terra, na forma
De escravos, são agora conhecidas,
As sempre-vivas, as forças dos Deuses

A “Onipresente” e “toda-criadora” é agora chamada de a “toda-vivente” Natureza.


Embora esta palavra seja dita aos poderes dos Deuses. E estes poderes são também por
meio dos quais os Deuses de si são capazes, onde eles mesmos são; mas os Deuses são
forças destes poderes da “toda-vivente” que tudo, também os Deuses, na “vida” mantém.
A Natureza tem construído “anteriormente” “sorrindo” os homens “ do campo”. A palavra
“campo” permanece aqui para tudo do que e sobre o que o homem vive. “Sorrindo” foi
anteriormente a cura do Sagrado em tudo presente, facilmente, amigavelmente, e por isso
imperturbável, pois que o homem “mal sentiu” o que aconteceu. O homem tem entendido
isto, doado pela divinamente bela Natureza, na precipitação para o concreto, para seu uso
e serviço, assim reduzindo a Onipresente de forma escravizadora. Mas ela o permitiu,
“sorrindo” na tranquilidade do primordial, por cima de todos os sucessos, e deixou o
homem interpretar mal o Sagrado. Em tal equívoco a “Natureza” assim “é” então apenas
o que realiza cada coisa. A verdade, contudo, em verdade, é o que realiza em cada coisa
sempre apenas aquilo que ela é. Mas qualquer coisa, também todo povo, “é” somente de
acordo com a “forma” como a qual a Natureza, vindo à essência, o Sagrado nela
permanece presente.
Mas se é apenas quando os poetas pela Onipresente Natureza são levemente
abraçados, como “o povo” ficaria na presença do Sagrado? Como poderão os “filhos da
Terra” experimentar as “forças toda-viventes”, o Sagrado, se o fogo apenas permanecer
trancado “nas almas dos poetas”? Mesmo o poeta não é nunca capaz de alcançar o
Sagrado através de sua própria meditação, ou mesmo sua essência explorando e através
de seu questionamento se exaurindo.

Queres interrogá-la? Na canção sopra ao seu espírito,

Primeiro na “canção” e apenas nela reúne-se o “espirito” com a estrutura


meditativa do Sagrado. Mas o espirito não sopra em todo “cantar”. Isto acontece apenas
numa canção,

Quando ela domina o Sol do dia e a Terra quente...


Desperta...

No original claramente aparece “desperta” [entwatch], e não “cresce”


[entwäschst] como a maioria das edições lê. A canção deve vir do despertar da Natureza
“do alto do Éter até o fundo do abismo”. Se ela compartilha deste modo com a “inspiração
que desperta”, então sopra nisso o sopro da vinda do Sagrado. O contrário é agora a
origem da canção. Seu despertar ocorre nas “tempestades” as quais “flutuam entre o Céu
e a Terra e entre os povos”. Um tumulto que venha da totalidade é necessário, no qual a
Natureza previamente parecia dormir. Este tumulto do Todo surge de um sacudir, o “mais
preparado nos abismos do tempo”. O despertar chega de volta ao mais antigo tempo, de
onde tudo que vem já é preparado. Portanto, o sacudir do Todo é também “mais cheio de
sentido.... para nós” – a saber, para os poetas que compartilham o despertar. A riqueza do
primordial (ancestral) dá à palavra deles o excesso de sentido que dificilmente pode ser
proferido. Por isso, “uma carga de toras” é colocada sobre seus ombros. Isto é porque
para eles também, há “muito a ser retido” (“maduros são...”, IV 71); “há muito a dizer”
(IV, 219, 221), pois “há ainda muito a cantar” (“Na Fonte do Danúbio”, IV, 161). Mas
porque o sacudir provém dos mais antigos abismos da Natureza que desperta, porque,
porém, os poetas são levemente abraçados, deve também sua inspiração ser mais presente
e assim ser “mais perceptível”.

Os pensamentos comuns do espírito são,


E quietamente findam na alma do poeta.

Hölderlin deliberadamente colocou uma vírgula após o “são”. Como um


imperceptível da escultura do escultor que molda nela um outro caráter, assim essa virgula
se posiciona com uma importância própria no “são”. A “Natureza que desperta”, a
“inspiração”, está presente. A forma [Art] de sua presença é o vir. O Sagrado guarda
[behält] tudo junto [zusammen] na imediatidade intacta da sua “lei firme”. Em tudo posto
à parte, separado, permanece o “espirito” unido a tudo pelo pensamento especialmente
devotado [zugelan]. Ele é enquanto “espírito” sempre o “espirito comum”. E de que
forma [Art] é a presença que em tudo prevalece e que na sua unidade guarda o entusiasmo
do espírito? “Quietamente findam na alma do poeta”. O entusiasmo não “finda” no
sentido de um desaparecer ou parar. Ao contrário: o entusiasmo é admitido [eingelassen]
e preservado, embora “quietamente”. O sacudir é aquietado e preservado na quietação. O
espantoso [Entsetzende] do Sagrado repousa na suavidade da alma “do poeta”. O Sagrado
é quietamente presente enquanto vem. É por isto que ele nunca é representado ou
compreendido enquanto um objeto. Em todo outro lugar neste poema, Hölderlin fala dos
poetas no plural (linhas 10/11, 16/17, 31, 56). Mas aqui ele fala de um poeta único, aquele
que diz “esperei e vi chegar”. Seu saber origina a certeza de suas palavras: “Os
pensamentos do espirito comum são,/ e quietamente findam na alma do poeta”.
Na quinta estrofe contando falta uma linha após um verso. Então devemos
também inserir um intromissor pensamento e assim uma clara transição ocorrerá para a
próxima estrofe.
Agora que é dia, “o” poeta, também, despertou. Penetrado pelo entusiasmo que
desperta, é agora um “homem espiritual” determinado a ser o único poeta. E primeiro
deve haver um poeta de modo que a palavra da canção possa ser. O único poeta preserva
o quieto sacudir do Sagrado na quietude do seu silêncio. E porque uma palavra soava da
palavra própria, então tudo está agora preparado:

E então rapidamente atingido, por muito tempo


Sabido ao infinito, ele sacode
Com a recordação, e acendido pelo raio divino,
Seu fruto concebido em amor, o trabalho de Deuses e homens,
A canção, pois assim carrega testemunho de ambos, sucede.
` A estrutura pindárica desses versos é gerada por um único pensamento: porque o
Sagrado é quietamente preservado na alma do poeta, a canção sucederá, ou seja, agora
apenas a palavra diz o Sagrado. O sucesso aqui não consiste apenas em que uma canção
suceda, mas que “ela”, a alma do poeta a boa sorte mantém na medida em que no
desenvolvimento do trabalho não naufrague. Essas enfáticas palavras, que a canção
sucede, querem dizer: a ameaça de uma essencial desventura resiste. Mas de onde essa
ameaça de desventura viria? Onde mais do que da possibilidade de não suportar a sorte?
A sorte, a saber, aquela felicidade [Beglückung] necessária para o nascimento da canção.
Pois também as almas dos poetas devem preservar nelas mesmas a presença do vir, o
poeta ele mesmo não é nunca capaz de nomear o sagrado imediatamente. O brilho [Glut]
da luz, quietamente preservado na acariciada alma do poeta, necessita de inflamação
[Entzündung]. Além disso, forte suficiente é somente um raio de luz que novamente do
Sagrado ele mesmo provém. Assim deve algo mais alto que está mais próximo ao Sagrado
e que ao mesmo tempo permanece abaixo dele, um Deus, lançar o raio da inflamação na
alma do poeta. De modo que o Deus toma aquilo que está “acima” dele, o Sagrado, e o
traz congregado em uma agudeza e na força de um único raio, através do qual ele é
“alocado” ao homem, afim de doá-lo.
Porque nem os homens nem os Deuses por si sós não poderiam nunca realizar o
reportação [Bezug] imediato com o Sagrado, homens necessitam de Deuses, e os Celestes
necessitam dos mortais:

Os Celestes
Não são capazes de tudo. Pois
Os mortais mais cedo alcançam o abismo. (“Mnemosine”)

Porque os Deuses devem ser Deuses e homens devem ser homens, e porque um
nunca pode ser sem o outro, há amor entre eles. Através da meditação neste amor,
entretanto, eles pertencem não apenas um ao outro, mas ao Sagrado, o qual para eles é
“mediatidade estrita”, “a lei”. Agora, contudo, o raio sagrado atinge o poeta
abruptamente. Num instante feliz é ele na plenitude divina. Assim “atingido”, ele estaria
medindo, seguindo apenas sua própria sorte e se perdendo na solitária possessão do Deus.
Mas isto seria má ventura, porque significaria a perda do Ser poético; pois a condição
essencial [Wesensstand] do poeta está fundada não na recepção do Deus, mas no adotar
do Sagrado.
Mas o poeta agora fica sob tempo favorável, e assim permanece familiar
antecipadamente a tudo finito já presente, o “infinito”. E porque a Natureza toda-presente
é “mais antiga que os tempos”, pertence a ela também a afiliação “há muito familiar”.
Agora quando o raio sagrado atinge o poeta, ele não é levado no brilho do raio, mas é
totalmente voltado para o Sagrado. A alma do poeta “sacode”, para estarmos certos e
assim deixa o quieto sacudir despertar nela; mas ela sacode em recordação, e isto quer
dizer, com a espera daquilo que ocorreu antes; este é o abrimento do Sagrado. O sacudir
quebra a paz do silêncio. A palavra é. O trabalho da palavra que se origina neste modo
deixa o pertencer-se de Deuses e homem aparecer. A canção testemunha o fundamento
de seu pertencer-se mútuo, testemunha o Sagrado. “Só agora” que os pensamentos do
espirito comum estão antes aparentemente, sucede da alma do poeta a canção. Mas não
sempre, quando um trabalho sucede, há também sorte.

Pois, como dizem os poetas, quando ela desejou ver


O deus, visível, seu raio luminoso atingiu a casa de Semele
E cinzas mortalmente atingidas dão luz ao
Fruto da tempestade, o sagrado Bacchus.

A avidez [Gier] de ver o Deus na forma humana fendeu Semele para o único brilho
próprio do descarregar do feixe [losegebundenen] do relâmpago. No recebido esqueceu-
se do Sagrado É verdade que o fruto nasceu, Baco, o Deus do “vinho”, a

Testemunha o Céu e a Terra, quando ele, encharcado


Pelo alto Sol, surge de solo escuro... (Última estrofe de Empedocles)

Mas o fruto não é no nascimento, nascido dela, pois em conceber o fruto, ela foi
queimada às cinzas. O destino de Semele revela, ao contrário, apenas que a presença
[Gegenwart] do Sagrado garanta que a canção verdadeiramente suceda. A lembrança
[Erimnerung] dita por Eurípides (O Baco) e por Ovídio (Metam. III, 293), prevê que o
destino de Semele enquanto contra-tema é apenas inserido no poema. Por isto não fecha
também o começo da estrofe seguinte (sétima) com o fim da sexta estrofe, mas está
conectada com a parte do meio da estrofe:

E por isso os filhos da Terra agora bebem


Fogo celeste sem perigo.
E a nós convém, poetas, permanecer
De cabeça descoberta abaixo das tempestades do Deus...

Embora lembre o “beber” o Deus do vinho; significa, contudo, o receber


[Aufnehmen] do outro fruto, o perceber [Vernehmen] do espírito que, na canção bem
sucedida, percebe através do homem. O que é percebido na canção é o entusiasmo que
desperta, o brilhante brilho: “o fogo celeste”. Esta palavra, a qual doravante aos hinos
retorna (“O Reno”, linha 100; “Os Titãs”, linha 271), não significa o relâmpago, mas
aquele “fogo”, o qual prévio ao nascimento da canção, “é agora acendido nas almas dos
poetas”, o Sagrado. O “Celeste” nomeia este fogo porque ele, através de um “Celestial”,
[“Himmlischen”] é mediado. “Agora” que “é dia”, “agora” que a “Natureza desperta com
o som das armas”, “agora” que “o que passou é só agora manifesto”, “agora” o Sagrado
perdeu o perigo para os filhos da Terra. O sacudir do Caos, que não oferece nenhum
apoio, o terror do imediato, que frustra qualquer intrusão, o Sagrado é transformado, e
então a quietude do poeta protegido, na brandura do mediato e da palavra mediada.
E porque a canção que veio do Sagrado é bem-sucedida, “os filhos da Terra”, e
especialmente “os poetas” são transportados para um novo modo, mas de tal forma que a
constituição essencial [Wesensstand] dos filhos da Terra e a dos poetas mais
decisivamente que antes, se separam. Enquanto agora aos filhos da Terra o sem perigo é
concedido (“e por isso... bebem...”), os futuros poetas, (“ainda...convém..”) são postos em
extremo perigo. Agora eles devem ficar onde o Sagrado se abre mais preparado e mais
primordialmente. Os poetas devem deixar o imediato a sua imediatidade, e ao mesmo
tempo tomar sua mediação enquanto a única tarefa. Por isso é seu trabalho e obrigação
permanecer em um reportação [Bezugs] àqueles mediadores mais elevados. Agora que é
dia, a “carga de toras” não é diminuída, mas aumentada [gesetergert] e dificilmente
suportável. Quando também o imediato nunca é procurado imediatamente, é, no entanto,
necessário “pegar com as próprias mãos” o raio mediador, e suportar as “tempestades”
que surgem do primordial. No saber devido, os poetas pertencem-se mutuamente. “Nós
os poetas” – eles são aqueles únicos, futuros dos quais primeiramente Hölderlin ele
mesmo pré-diz tudo que é dito. Estes poetas estão capazes e postos quando
constantemente suas mãos pegam e alcançam um “coração puro”. “Coração” significa
Aquilo onde a essência única desses poetas se reúne: a quietude do seu mútuo pertencer-
se no abraço do Sagrado. Para Hölderlin, “puro” sempre significa o mesmo que
“original”, o permanecer decisivo em uma determinação [Bestimmung] primordial. Esta
é a característica das crianças. O “coração puro” não significa aqui “moralista”. A palavra
significa a forma do reportação, uma boa maneira de corresponder à “Onipresente”
Natureza. Se os poetas permanecerem no interior da Onipresença, da poderosa e bela
“Natureza”, então é também excluída qualquer possibilidade deles apenas no seu próprio
palpitar [pochen] se medirem, o que é a lei. Suas mãos são “inocentes”. Sua suprema
decisão, o dizer poético, então aparece enquanto o “mais inocente de todos os afazeres”.
Com o verso 62 fecha-se o teor da sétima estrofe; mas também de acordo com o
número das linhas escolhidas [gewãhlten] para as estrofes. A vírgula que Hellingrath e
Zinkerangel colocaram depois da palavra “mãos”, no final do verso 62, não está no
manuscrito original. Com o verso 63 começa um pensamento que ao dizer do Sagrado
retorna [zurückkehrt] e introduz a consumação [Vollendung] do poema. Por isso no texto
apresentado, um ponto foi substituído no final do verso 62, o qual Hölderlin deixou sem
uma pontuação. A sétima estrofe trata de dois problemas: o dom [Gabe] da canção,
mediada através de um “Celestial”, que é oferecida pelos poetas aos filhos da Terra; os
poetas eles mesmos, contudo, são postos debaixo das “tempestades do Deus”. Mas este
poema com a nomeação dos filhos da Terra e do poeta, contudo, não pode de todo se
fechar. Pois o que o poema põe propriamente e, portanto, na consumação do dizer, ele
mesmo diz na terceira estrofe, que o todo sustenta:

Mas agora se ergue o dia! Eu esperei


E vi chegar e o que eu vi,
O Sagrado, seja o meu verbo.

A palavra final deste poema deve retornar ao Sagrado. Aos poetas e ao dom da
canção diz o poema também e apenas por isso, porque o Sagrado é o terror do sacudir
universal e é o imediato. Por isso os filhos da Terra precisam da mediação do Sagrado
através da doação de uma canção sem perigo. Mas precisamente isto, do Sagrado ser uma
mediação através do Deus e dos poetas, e sendo nascido na canção, ameaça inverter a
essência do Sagrado em seu oposto. O imediato então se torna algo mediato. Porque a
canção desperta somente com o despertar do Sagrado, mesmo o mediato ele mesmo surge
do imediato. A origem da canção, o “som das armas”, “com”, no qual a Natureza desperta,
é assim o sacudir o qual alcança os essenciais abismos do Sagrado. Nisto o Sagrado se
torna palavra e vindo em sua essência mais intima vacila [Wanken]. A lei é ameaçada. O
Sagrado ameaça desestabilizar. Apenas

O raio do Pai, o puro, não o queima


E profundamente sacudido, compartilhando o sofrimento do Deus
O eterno coração ainda permanece firme.

Esta palavra “o eterno coração”, é única em toda poesia de Hölderlin. O que esta
palavra significa é também dito somente neste único poema.
Na origem, o Sagrado é a “lei firme”, aquela “mediatidade estrita” na qual todos
os reportações de tudo concreto são mediados. Tudo é somente, porque é reunido na
Onipresença do não tocado.

Tudo é fervor.
Assim começa o rascunho tardio (IV, 381). Tudo é somente pelo fervor [Innigkeit]
da Onipresença brilhante. O Sagrado é fervor ele mesmo; ele é – “o coração”.
Mas o Sagrado, “acima dos Deuses” e os homens, é “mais antigo que os tempos”.
O que é o mais antigo, antes de tudo o primeiro e a todo posterior o mais recente, é o que
vem antes de tudo e mantem tudo em si: o primordial e enquanto tal, o que permanece.
Seu permanecer é a eternidade do eterno [Ewigen]. O Sagrado é o mais antigo fervor, o
“coração eterno”. Este permanecer do Sagrado, contudo, é ameaçado através do que do
seu mesmo se origina e com seu vir necessita da mediação através da palavra da canção.
Não é apenas a palavra humana, mas o arrebatador [ReiBender] já ameaça no acender-se
[Entzündung] e na geração da palavra enviados do “raio sagrado” do Pai para arrancar o
Sagrado de sua imediatidade; mas através da transferência ao mediato se revela a
exterminação da essência [Wesensvernichtung]. Pois também no “raio do Pai”, o Sagrado
é já renunciado ao mediato, se é que mesmo os imortais são apenas mediados ao Sagrado.
Mas

O raio do Pai, o puro, não o queima...

“o”, o coração eterno. “Queimar” significa, de acordo com a virada [Wendung]


sengen und brennen, o mesmo que destruir; em vez de “não o queima”, Hölderlin
escreveu anteriormente “não o mata”. Num rigoroso golpe de escrita, foi achada na borda
interior da observação final, as linhas conclusivas:

A / esfera / que é / mais alta que /


Aquela do homem / é a do Deus.

O aceno que o poeta quer preservar para ele mesmo nestas palavras diz aqui: que
a esfera mais elevada, o raio sagrado, ameaça mesmo o Sagrado mais profundamente com
a perda de sua essência. Mas também esta esfera é somente “a mais alta” e não “a alta”.
Então não pode a origem nascente nada contra a origem. E por isso permanece então o
“coração eterno”, embora “profundamente sacudido”, “ainda assim permanece firme”. O
sacudir, claro, é fundado naquele abismo através do qual o Sagrado “compartilha o
sofrimento de um Deus”. Em que medida sofre o Deus que, enquanto o raio, envia o raio
sagrado? Numa explicita adição, o raio é chamado “o puro” porque ele mantém a decisão
no interior do Sagrado; pois “a bondade celeste, para seu próprio bem, deve ser sagrada”
(Notas ao fragmento pindárico “O mais elevado” V, 276). Este pertencer insistente
[inständig Zugehören] é sofrer, não mero suportar. Mas como Hölderlin pensa a essência
deste sofrer se desvela numa alteração subsequente da versão tardia constituída naquele
hino intitulado “O Único”, o hino que diz que o Deus dos cristãos precisamente não é o
único. Aqui (IV, 379) Hölderlin diz de uma

... Terra inculta cheia de


Rostos, e para permanecer inocente
A verdade é um sofrer.

Porque é o fervor mais antigo, o permanecer no interior da “lei” intocada, é um


sofrer, por isso o coração eterno sofre por seu principio essencial. Por isso sofre ele
também “o sofrimento de um Deus”. Por o Sagrado se dar na decisão do raio, que é um
sofrer, permanece o Sagrado, não obstante, irradiando na verdade de sua essência, que
então ele sofre primordialmente. Mas porque este sofrer provém do princípio, ele não é
nenhum prêmio tolerado [preisgegebenes Dulden]; mas tudo em si reúne-se no fervor que
também não sofre com Deus de forma lamentável ou compassiva. Sofrer é permanecer
inabalável no princípio [Anfang]. Pois o princípio é um ascender e uma doação nunca
perdida ou terminada, mas é sempre somente um princípio mais magnificente, um fervor
mais primordial. O Sagrado, no seu permanecer inabalável, é para ser dito. Seu
permanecer, contudo, nunca significa o vazio durar de algo subsistente [Vohandenen],
mas é o vir do princípio. Anterior a isto, enquanto o antigo, nada mais primordial pode
ser pensado. O permanecer enquanto vir é a não passível de ser previamente pensada
primordialidade do princípio.

Mas o que permanece, fundam-no os poetas. (“Recordar”)

O poema está incompleto em muitos aspectos. Especialmente o arranjo


[Gestaltung] da conclusão, a qual Hölderlin ele mesmo deve ter decidido, permanece
indeterminado. Mas toda incompletude é aqui somente o resultado da profusão que do
mais íntimo princípio do poema flui, e demanda uma conclusão concisa [bündige
SchluBwort]. Toda tentativa de traçar a estrutura da estrofe final pode apenas buscar tal
despertar para os que podem ouvir o que a “palavra” deste poema é.

Mas agora o dia! Eu esperava


E vi chegar e o que eu vi,
O Sagrado, seja o minha palavra.

“Agora” – quando é “agora”? Será um ponto no tempo por volta de 1800 quando
o poema foi escrito? Certamente o “agora” claramente nomeia aquele ponto no tempo no
qual Hölderlin ele mesmo diz: “Mas agora o dia!” O “agora” certamente nomeia o tempo
de Hölderlin e nenhum outro. Mas o tempo de Hölderlin é aquele único através do qual
suas palavras entoam no tempo. O tempo de Hölderlin, para estarmos certos, não é
precisamente aquele meramente simultâneo ou usualmente contemporâneo.
O “agora” nomeia o vir do Sagrado. Este vir somente mostra o “tempo” que é o
“tempo” da história se colocar suas decisões essenciais. Tal “tempo” não se deixa nunca
ser especifico (“datado”) e não é mensurável pelas datas do ano e divisões de séculos.
“Datas históricas” são apenas diretrizes projetadas [herzugebrachte Leitband] nas quais
as ocorrências são trancadas pelo cálculo humano. Estas ocorrências sempre apenas
permanecem no primeiro plano da história, o qual é acessível à exploração (hístoreîn).
Mas este “historiográfico” nunca é a História ela mesma. A História é rara. A História é
apenas quando aquela essência da verdade é primordialmente decidida.
O Sagrado, “mais antigo que os tempos” e “acima dos Deuses”, funda no seu vir
outro princípio de uma outra história. O Sagrado decide primordialmente
antecipadamente sobre os homens e sobre os Deuses, se eles são, como são, quem são e
quando eles são.
O vindo é no seu vir dito através de um chamado. Principiando com este poema,
a palavra de Hölderlin é agora um chamado [Rüfen]. A palavra de Hölderlin é agora
hymnos em um novo sentido caracterizado e único. Normalmente traduzimos a palavra
grega hymneîn pelas palavras “louvar” ou “celebrar”. Facilmente nós entendemos a
palavra grega hymnein como “preces” ou “elogios” [“rühmen”]. Nós pensamos aí
facilmente uma canção de palavras ébrias a cantar. Mas agora a palavra poética é um dizer
instituidor [stiftende]. A palavra desta canção não é mais um “Hino a...” algo, nem um
“Hino aos Poetas”, e nem um hino “a” Natureza, mas é o hino “do” Sagrado. O Sagrado
doa a palavra, e ele mesmo vem nesta palavra. Esta palavra é o acontecimento [Erignis]
do Sagrado. A poesia de Hölderlin é agora um chamar primordial, o qual o vindo ele
mesmo é chamado, isto e apenas isto é dito enquanto o Sagrado. A palavra no hino é
agora “forçada pelo Sagrado”, e porque forçada pelo “sagrado”, também “sóbria pelo
Sagrado”. Assim diz, um fragmento originário do ano 1800, que é sobrescrito “A Canção
Alemã”, isto:

....então senta em sombra profunda


Quando sobre sua cabeça o elmo sussurra,
Pelo córrego que exala frescor o poeta alemão
E canta, quando da água sóbria pelo Sagrado
Bastante ele bebeu, ouvindo ao longe na quietude
Para a canção da alma.
(Fragmento 10,IV, 244)

A “sombra profunda” salva a palavra poética da grandiosidade do brilho [Helle]


do “fogo do céu”. O “córrego que exala frescor” protege a palavra poética da chama [Glut]
muito forte do “fogo do céu”. O frescor e a sombra do sóbrio correspondem ao Sagrado.
Esta sobriedade não nega o entusiasmo. A sobriedade é a sempre pronta disposição
fundamental [Grundstimmung] da prontidão para o Sagrado.
A palavra de Hölderlin diz o Sagrado e nomeia de modo que aproprie o espaço-
tempo único da decisão primordial para a estrutura essencial da futura história de Deuses
e povos.
Esta palavra, ainda não ouvida, está preservada na linguagem ocidental dos
alemães.

***

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