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ROTEIRO PARA MARX, DUZENTOS ANOS DEPOIS

No bicentenário do filósofo alemão, capitalismo parece mais brutal que nunca. Qual a
atualidade do principal crítico do sistema? Por que lê-lo no original – não em segunda mão?

Immanuel Wallerstein

Durante três décadas, a ideologia e políticas neoliberais foram praticamente incontestes em todo o
mundo. Contudo, a crise econômica de 2008, as profundas desigualdades que existem em nossa
sociedade – particularmente entre o Norte e o Sul globais – e as dramáticas questões ambientais do
nosso tempo levaram vários acadêmicos, analistas econômicos e políticos a reabrir o debate sobre o
futuro do capitalismo e a necessidade de uma alternativa. É nesse contexto que hoje, em quase todo
canto do planeta, na ocasião do bicentenário do nascimento de Marx, há um “retomada de Marx”: um
retorno a um autor erradamente associado no passado com o dogmatismo marxista-leninista e, dessa
forma, precipitadamente descartado depois da queda do Muro de Berlim. Voltar a Marx ainda é
indispensável para entender a lógica e a dinâmica do capitalismo. Seu trabalho é também uma
ferramenta muito útil que propicia uma análise rigorosa sobre a razão pela qual falharam os prévios
experimentos socioeconômicos para substituir o capitalismo por outro modo de produção. Uma
explicação dessas falhas é crítico para nossa busca contemporânea por alternativas. Immanuel
Wallerstein, pesquisador sênior na Universidade de Yale, está entre os maiores sociólogos vivos e um
dos acadêmicos mais qualificados para discutir a relevância atual de Marx. Ele é leitor de Marx há
muito tempo, e seu trabalho tem sido influenciado pelas teorias do revolucionário nascido em Trier, em
5 de maio de 1818. Wallerstein escreveu mais de 30 livros, traduzidos em várias línguas, incluindo o
muito conhecido The Modern World-System (O Moderno Sistema-Mundo), publicado em quatro
volumes entre 1974 e 2011. Na entrevista a seguir, ele fala sobre a atualidade do marxismo.

Trinta anos depois do fim do chamado “socialismo real”, continua a haver publicações,
debates e conferências em todo o globo sobre a capacidade de Marx para explicar o
presente. Isso é uma surpresa? Ou você acredita que as ideias de Marx irão continuar a
ter relevância para aqueles que buscam uma alternativa ao capitalismo?
Há uma velha história sobre Marx: você o joga fora pela porta da frente e ele entra de novo pela
janela traseira. Foi o que aconteceu mais uma vez. Marx é relevante porque temos de lidar com
questões sobre as quais ele ainda tem muito a dizer e porque o que ele disse é diferente do que
a maioria dos outros autores disseram sobre o capitalismo. Muitos colunistas e acadêmicos –
não apenas eu mesmo – achamos Marx extremamente útil e hoje ele está numa de suas novas
fases de popularidade, a despeito do que quase todos previram em 1989.

A queda do Muro de Berlim liberou Marx dos elos com uma ideologia que tinha pouco a
ver com sua concepção de sociedade. A paisagem política que se seguiu à implosão da
União Soviética ajudou a libertar Marx do papel de uma figura de proa para um aparato
estatal. O que, na interpretação do mundo de Marx, continua a merecer atenção?
Quando as pessoas pensam num conceito da interpretação do mundo de Marx, elas pensam em
“luta de classes”. Quando leio Marx à luz das questões atuais, penso que a luta de classes
significa a necessária luta do que eu chamo a Esquerda Global – que acredito tenta representar
os 80% da base salarial da população mundial – contra a Direita Global – que representa talvez


Immanuel Wallerstein é um dos intelectuais de maior projeção internacional na atualidade. Seus estudos e análises
abrangem temas sociólogicos, históricos, políticos, econômicos e das relações internacionais. É professor na
Universidade de Yale e autor de dezenas de livros. Mantém um site onde publica seus textos
(http://www.iwallerstein.com/). Entrevistado por Marcello Musto, na Truthout, tradução de Inês Castilho.
Publicado em Outras Palavras em 12/04/2018. Disponível em https://outraspalavras.net/capa/wallerstein-
roteiro-para-ler-marx-duzentos-anos-depois/
1% da população. A luta é a respeito dos outros 19%. É sobre como trazê-los para seu lado,
evitando que se associem ao outro.
Vivemos numa era de crise estrutural do sistema-mundo. O sistema capitalista existente não
pode sobreviver, mas ninguém pode saber ao certo o que irá substituí-lo. Estou convencido de
que há duas possibilidades: uma é o que chamo de “Espirito de Davos”. O objetivo do Fórum
Econômico Mundial de Davos é estabelecer um sistema que mantém as piores características
do capitalismo: hierarquia social, exploração e, sobretudo, polarização da riqueza. A alternativa
é um sistema que deve ser mais democrático e mais igualitário. A luta de classes é a tentativa
fundamental de influir sobre que futuro irá substituir o capitalismo.

Sua reflexão sobre a classe média me faz lembrar a ideia de hegemonia de Antonio
Gramsci, mas penso que a questão é também entender como motivar a massa do povo, os
80% que você mencionou, para participar da política. Isso é particularmente urgente no
chamado Sul global. Ali, a oposição à globalização neoliberal tem sido frequentemente
canalizada para o apoio aos fundamentalismos religiosos e partidos xenófobos. Estamos
vendo esse fenômeno crescer cada vez mais também na Europa. Marx nos ajuda a
entender esse novo cenário?
Em primeiro lugar, Marx nos explicou melhor que qualquer outra pessoa que o capitalismo não
é o modo natural de organizar a sociedade. Em A Miséria da Filosofia, publicado quando tinha
apenas 20 anos, ele já zombava dos economistas políticos burgueses que argumentavam que as
relações capitalistas “são leis naturais, independente da influência do tempo”. Marx escreveu
que “houve história, uma vez que nas instituições do feudalismo encontramos relações de
produção bastante diferentes daqueles da sociedade burguesa”, mas que tais analistas não
aplicam o conceito de história ao modo de produção que apoiam: eles representam o capitalismo
como “natural e eterno”. Em meu livro Historical Capitalism eu tentei afirmar que o
capitalismo é o que ocorreu historicamente, em oposição a certas ideias vagas e pouco claras,
sustentadas por vários economistas políticos do mainstream. Argumentei várias vezes que não
há capitalismo que não seja capitalismo histórico. Para mim é simples assim, e devemos muito
a Marx.
Em segundo lugar, quero ressaltar a importância do conceito de “acumulação primitiva” – ou
seja, a despossessão do campesinato de suas terras – que foi o alicerce do capitalismo. Marx
entendeu muito bem que esse foi um processo chave na constituição da dominação da
burguesia. Aconteceu no começo do capitalismo e ainda acontece hoje.
Finalmente, eu convidaria a uma maior reflexão sobre a questão “propriedade privada e
comunismo”. No sistema estabelecido na União Soviética – particularmente sob Stálin – o
estado detinha a propriedade mas isso não significava que o povo não estava sendo explorado
e oprimido. Estava. Falar sobre socialismo num só país, como fez Stalin, era também algo que
nunca entrou na cabeça de ninguém, inclusive Marx, antes daquele período. Temos de saber
quem está produzindo e quem está se beneficiando da mais valia se queremos estabelecer uma
sociedade melhor. Isso tem de ser inteiramente reorganizado, em comparação com o
capitalismo. Essa é a questão chave para mim.

O ano de 2018 marca o bicentenário do nascimento de Marx e novos livros e filmes foram
dedicados a sua vida. Há algum período de sua vida que considera mais interessante?
Marx teve uma vida muito difícil. Ele lutou com uma pobreza pessoal severa e teve a sorte de
ter um companheiro como Friedrick Engels que o ajudou a sobreviver. Marx não teve uma vida
fácil também emocionalmente, e sua persistência em tentar fazer o que considerava ser seu
trabalho de vida – a compreensão do modo como o capitalismo opera – era admirável. Isso é o
que ele se via fazendo. Marx não queria explicar o passado, nem definir como seria o socialismo
do futuro. Estas não eram as tarefas que ele se colocou. Ele queria entender o mundo capitalista
em que estava vivendo.

Marx não era meramente um acadêmico isolado entre os livros do Museu Britânico de
Londres, mas sempre um militante revolucionário envolvido nas lutas de sua época.
Devido ao seu ativismo, ele foi expulso da França, da Bélgica e da Alemanha durante a
juventude. Foi também forçado a exilar-se na Inglaterra quando as revoluções de 1848
foram derrotadas. Ele participou de jornais e revisas e sempre apoiou os movimentos
trabalhistas de todas as maneiras que podia. Mais tarde, de 1864 a 1872, tornou-se o líder
da Associação Internacional dos Trabalhadores, a primeira organização transnacional da
classe trabalhadora e, em 1871, defendeu a Comuna de Paris, primeiro experimento
socialista da história.
Sim, é verdade. É essencial lembrar a militância de Marx. Como você ressaltou recentemente
no volume Workers Unite!, ele tinha um papel extraordinário na Internacional, uma
organização de pessoas que estavam fisicamente distantes umas das outras, num tempo em que
não existiam mecanismos de comunicação fácil. A atividade política de Marx envolvia também
a atividade jornalística. Ele não tinha nenhuma intenção de ser neutro. Foi sempre um jornalista
comprometido.

Em 2017, na ocasião do 100º aniversário da Revolução Russa, alguns acadêmicos


retomaram o contraste entre Marx e alguns dos seus seguidores que estiveram no poder
durante o século 20. Qual a principal diferença entre eles e Marx?
Os textos de Marx são iluminadores e muito mais sutis e variados do que algumas interpretações
simplistas de suas ideias. É sempre bom lembrar a famosa piada em que Marx dizia: “Se isso é
marxismo, é certo que não sou um marxista”. Marx estava sempre pronto a lidar com a realidade
do mundo, não como muitos outros que impuseram dogmaticamente sua visão. Marx mudava
de ideia frequentemente. Estava constantemente buscando soluções para problemas que
percebia estarem desafiando o mundo. É por isso que ele ainda é um guia muito útil e
proveitoso.

Para concluir, o que gostaria de dizer às gerações mais jovens que ainda não descobriram
Marx?
A primeira coisa que tenho a dizer para os jovens é que eles precisam lê-lo. Não ler sobre ele,
mas ler Marx. Poucas pessoas – diante das muitas que falam sobre ele – de fato leram Marx.
Isso vale para Adam Smith. Em geral, as pessoas somente leem sobre esses clássicos. As
pessoas aprendem sobre eles através dos relatos de outras pessoas. Querem economizar tempo
mas é uma perda de tempo! As pessoas devem ler autores interessantes e Marx é o teórico mais
interessante dos séculos 19 e 20. Não há dúvidas sobre isso. Ninguém é igual a ele quanto ao
número de coisas sobre as quais escreveu, nem à qualidade de suas análises. De modo que
minha mensagem às novas gerações é de que vale tremendamente descobrir Marx. Mas você
deve ler, ler e ler os livros dele. Leia Karl Marx!

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