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TÓ, SÓ NÃO MASTIGA

A gente tinha um dinossauro de estimação. Ele se chamava Tchira. Era uma diminuição
esdrúxula para o tiranossauro Rex e já que não tínhamos gato, cachorro, tartaruga ou
peixe pra chamarmos de “nossos” ou sequer tínhamos nos constituído como família ou
mesmo casal para tê-los, decidimos ter esse dinossauro. Ou, talvez, ele tenha aparecido
do nada mesmo.
Não sei exatamente qual era a função dele em nossa relação, mas por algum motivo
indefinido ele nos fazia ter assunto quando beirávamos o abismo do silêncio sepulcral
nas telas do celular. Ele era meio um alter-ego para expressar que estávamos com
saudade, com dor, com fome ou qualquer dessas bobagens que queremos compartilhar
quando estamos apaixonados ou in love e há aquela necessidade de dizer, expor,
declarar essa sensação.
O Tchira nasceu disso. E quando estávamos distantes uma da outra. Não
geograficamente. Era culpa dele. Ou ele estava viajando, ou tinha ido cuidar dos
parentes. Ou tinha dado um refresco em nossa relação familiar. Chegamos, um dia, a
declarar que ele já estava jovenzinho e por isso tinha sumido das nossas vidas. Mas,
também, no fundo, sabíamos que quando ele desaparecia era porque algo entre nós não
estava legal.
Foi por isso que quando me atrevi a dar uma imagem pra ele, típica imagem desses
tiranossauros rex que viraram febre entre a meninada, ou tipo aquele tiranossauro
infantil do Maurício de Souza, a frase que escrevi no desenho dele te dando meu
coração era: “Tó, só não mastiga”.
A gente é ingênua com tão pouco. A gente sabe que vai dar merda. Que coração é terra
em que ninguém pisa é uma falácia. Mas a gente gosta de sofrer. A gente gosta de saber
o fim e caminhar pra ele pelo carreiro mais estreito porque sabe que é o mais curto.
Quando vi aquele grafite na parede daquela subida em Florianópolis, eu lembrei do
Tchira. Embora, não fosse ele com o coração arrancado do peito e desfeito em tripas
esverdeadas. O que me lembrou, também, Saramago explicando o ditado “fazer das
tripas coração” em algum de seus romances que, como sempre, eu não sei qual. Como
não sei se li, se reli, se alguém me contou. Mas...
Aquele grafite, naquela subida, não sei exatamente por que, me fez lembrar o Tchira. E
fiquei me perguntando onde ele estaria uma hora dessas com o meu e o seu coração
mastigados.
Era tanta fome assim que ele tinha?

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