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O PROBLEMA DAS FAVELAS costuma Ser nidade marginal" não passa de um jul-

estudado com finalidades pragmáticas gamento de valor que dá origem, por


sob dois tipos de análise: a que preten- um lado, a uma- atitude paternalista- e
de propor "soluções" para o "proble- assistencialista, e por outro fornece as
ma social das favelas" e a que pretende bases "teóripas" para tentativas de im-
•traçar linhas de ação político-ideológi- posição das formas e valores . dos gru-
cas, esta em muito menor quantidade. pos de classe média que detêm o poder
A primeira linha de análise parte ge- de escolha das "soluções" por eles (e
ralmente do pressuposto •—• explícito ou não pelos próprios favelados) conside-
não — de que é preciso "integrar" as radas as mais adequadas para o "pro-
favelas e os favelados na "comunidade . blema social das favelas". Trata-se, as-
nacional", o que implica, obviamente, em sim, de uma visão deformada .da rea-
afirmar que as favelas são autónomas, lidade da favela.
. com uma vida própria e mais ou menos O segundo tipo de análise considera
independente. Em geral a ideia de au- o favelado como um grupo específico
tonomia é expressa em termos de "mar- dentro de uma camada social, de modo
ginalidade" sócio-política-econômica .da quê a favela é encarada de um ponto de
favela e seus moradores. Não há dúvi- vista muito mais global, como parte do
• da de que, em certo sentido, a favela lum-penproletarmt.' Portanto, não há
é marginal; ela é marginal, por exem- propriamente neste caso uma análise,
plo, pela dificuldade de acesso a certos específica das condições das favelas, a
serviços urbanos, a certos tipos de hens não ser aquele mínimo necessário para
de consumo durável, a certas formas .a descoberta de palavras de ordem que
de comunicação de massa, etc. •—• em- possam atingir e polarizar toda a ca-
bora desfrute sempre, em diversos mada social (favelada e não-favelada).
• graus, de tudo isso. Mas essa aborda- Mas também essa perspectiva apresen-
gem é perigosa, em primeiro lugar por- ta sérias deformações. Primeiro, por-
que tende .a ignorar ou reduzir a impor- que, sem se constituir num sistema au-
tância das íntimas vinculações entre a tónomo, auto-suficiente e independente,
favela e o sistema global. De fato, a a favela apresenta um grau de especi-
favela não é uma comunidade isolada:- ficidade que não deve ser menospreza-
sua própria existência depende muito do; possui formas de organização que
mais de determinadas condições estru- * parecem ser exclusivas, recursos econó-
turais da sociedade global do que dos micos próprios (embora a maioria seja
mecanismos internos desenvolvidos pa- criada e mantida por f atôres externos),
ra mante-la. Em segundo lugar porque etc., que inevitavelmente afetam as ati-
a noção de que a favela é uma "comu- tudes e o comportamento político de
36 L. Á. Machado da Silva
seus moradores. Segundo, porque a fa- sempenho de papéis definidos fora das
vela não é, .de fornia alguma, um grupo favelas, não se pode ignorar que a or-
dentro de um estrato social; não obstan- ganização das favelas é de uma com-
te muitos de seus moradores poderem plexidade impressionante, proporcio-
ser incluídos, embora com certa im- nando, em consequência, as bases inter-
propriedade, no que se poderia chamar nas para uma nítida diferenciação so-
de subproletariado, não se deve ignorar cial .
o fato de existirem, também, operários Qualquer análise que pretenda, ser
qualificados em quantidade, funcioná- objetiva das atitudes e comportamentos
rios públicos, bancários, .comerciários, políticos dos favelados, e do processo
etc., além de um bom número de pro- político nas favelas, deve partir da no-
prietários — isso para só falar em ca- ção de que a favela é uma organização
racterísticas sócio-econômicas. transversal,3- isto é, tem uma base geo-
gráfica em geral bastante definida.
Esta envolve uma extensa gama de ati-
APESAR das flagrantes diferenças" en- •vidades e situações, e apresenta pro-
tre os dois tipos de análise, inclusive fundas .conexões com outras organiza-
nas suas bases ideológicas, existe um ' coes e ativídad-es, numa extensão ter-
ponto comum entre ambas, talvez .o ritorial mais ampla. É necessário enfa-
maior responsável pelas suas deficiên- tizar as bases geográficas definidas das
cias : é considerar á existência de um favelas, porque elas permitem uma or-
tipo único ãe favelado. Na medida em ganização com pequeno grau de buro-
que as. f avelas são categorizadas e de- cratização e impessoalidade.
finidas como. entidades especiais pela
sociedade global e em consequência pe-
los seus próprios moradores, essa no- ESSAS CARACTERÍSTICAS organizacionais
ção é, pelo menos paícialmente, aceitá- das favelas —••& "transversalidade" e as
vel. Se se pode falar em termos de relações pessoais — parecem fazer com
"caráter nacional brasileiro", apesar •que ela funcione como uma espécie de
das notórias diferenças entre grupos e •agente refrator de certos fatôres da so-
classes e de suas semelhanças com gru- •'eiedade global que influenciam as ativi-
;dades e comportamentos políticos de
pos e..classes de outros países, talvez
se pudesse falar também num "caráter seus moradores. Não é ocioso explici-
do favelado"; se é possível definir e tar que, quando me refiro a "atitudes
identificar um brasileiro típico, o mes- e comportamentos políticos dos favela-
mo talvez pudesse acontecer com um dos", não quero dizer que essas ativida-
favelado. 'dades e comportamentos são exclusivos
dos favelados, • mesmo porque não co-
Entretanto, mão obstante a validade nheço e s t u d o s comparativos de ne-
que essa perspectiva possa ter para cer- nhuma espécie entre favelas e outras
.tos estudo^s, no mais das vezes — e
especialmente naquelas de conteúdo po-
lítico —, ela não faz senão deformar a l Por organização transversal entenda-se
'a que envolve diversos setores; de atrrôJades
análise, uma -vez que, além da varíe- •sem. ênfase especial ern nenhum. O termo é
.dade de orientações que-provêm dos es- .utilizado era oposição às organizações com
objetivos, funções ou atividades definidos e
tímulos e influências recebidos, no der limitados. - - •'•
" A Política na Favela 37

organizações.. Refiro-me apenas a ati- internos da favela, e em consequência


tudes e comportamentos que podem ser sua própria estratificação, dependem
empiricamente identificados nos fave- em grande parte de fatôres externos,
lados, e que provavelmente são, pelo como veremos mais tarde de forma re-
menos em. parte, condicionados pela sumida. Desse modo, parece que o po-
forma de organização da favela. Não é der político da ''burguesia favelada",
de modo algum impossível,- nem mesmo no nível estadual e federal — derivadc
improvável, que atitudes e comporta- fundamentalmente da potência .eleitoral
mentos semelhantes manifestem-se fo- da favela, que aliás parece ser, de cer-
ra das favelas, provocados por outras to modo, supervalorizado —, é canali-
formas ds organização que influem da zado e restrito a meras condições 4e
mesma, maneira em seus membros. barganha de votos por1 acréscimo ou
Outro ponto a considerar em análises manutenção dos recursos internos, isto.
de conteúdo político é que a favela é, de sua posição na estratificação da
apresenta uma forma -de organização áavela. Os recursos, por sua vez, pare-
tipicamente capitalista, com tuna vita- ce que. só podem ser considerados como
lidade económica que chega a .espantar tal na medida em que a favela perma-
àqueles que com ela se defrontam. Ás' necer como uma organização com as
alternativas disponíveis na favela para características acima descritas, pois do
investimento ,e acúmulo de capital —' contrário os empreendimentos internos
numa palavra, os recursos internos — seriam esmagados pelo volume e quali-
#j3ão as mais diversas, indo desde a dade dos demais empreendimentos ur-
'criação' de~ animais até a especulação banos congéneres, ou por imposições
imobiliária e a produção de maim- de ordem jurídica .e tributária.
c~ f aturas. ' - . - •—•
Esses recursos internos são a base so-
bre a qual se cristaliza, a partir de sua DE-MANEIRA GERAL, pode-se dizer que
exploração económica, uma diferencia- apenas os favelados do' estrato, supe-
ção so.cial>t>astante definida, com uma rior — que controla os recursos • in-
"burguesia favelada" monopolizando o ternos — desenvolvem ?.iividades polí-
acesso, controle e manipulação dos re- ticas, -e mesmo assim muitos deles são-
cursos económicos e as decisões e con- inteiramente alheios a elas. Salvo raras
tatos políticos. Raciocinar, pelo menos exceções, os favelados dos estratos mais
numa análise política, .em termos de um baixos representam apenas "massa de
tipo único de favelado é, portanto, um manobra", padecendo de uma perma-
verdadeiro absurdo, da mesma forma nente exploração de intensidade im-
que o é imaginar que a favela possa pressionante, disfarçada por relações
assumir, em termos de atividades po- pessoais e mais ou menos íntimas. Tu-
líticas no âmbito estadual ou federal, do indica que os favelados dos estratos
uma linha de ação homogénea (exceto mais baixos não tenham a menor cons-
em certos casos excepcionais, em condi- ciência política, seja em termos de
ções de crise ou no que se refere a de- consciência "de classe", seja mesmo em
terminados assuntos). termos dos problemas internos de suas
Resta ainda salientar, como de suma próprias favelas. Mesmo nos raros ca
importância, o fato de que os recursos sós em que se pode constatai' uma cer
•> .-•
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o L. A. Machado da Silva '•*«£?*'
ta atitude -de inconformismo contra na), cujas diretorias em geral são elei-
determinados fatos, ela dificilmente tas ,com votações-ridículas'se compara-
chega a dar origem a uma ação oft to- das com o corpo .eleitoral potencial das
mada de posição política. Via de regra favelas. Por sua vez, a ausência de re-
não passa de uma revolta difusa, e pou- novação torna-se evidente se forem
.cas vezes chega a cristalizar-se num consideradas as eleico.es com chapa úni-
indivíduo (muito menos num grupo). ca, bastante comuns; a apresentação de
Nunca assume a forma de um projeto chapas, em que há apenas um mero ro-
que oriente a ação, caem sequer o cará- dízio de cargos, já que todos ou quase
ter de simples denúncia. O máximo a todos os candidatos exerciam mandatos
que parecem chegar os estratos inferio- no período anterior, os diversos casos
res é uma posição -de passividade de- em que o presidente é reeleito indefini-
,fensiva: um representante da "burgue- damente, etc.
sia favelada", por exemplo, queixou-se Ainda que encaremos o problema .da
de que sua ideia de criar na favela uma participação política dos favelados num
espécie de cooperativa de crédito não n í v e l supralocal2 (estadual e/ou fe-
teve a mencr repercussão, "porque sem- deral), o panorama permanece inaltera-
pre que eu falava nisso, eles pensavam do. Mesmo em épocas de eleições, em
logo que a gents ia roubá-los." O sen- que há mna verdadeira invasão de can-
timento -de estarem sendo explorados é didatos^ os .contatos e as campanhas
tão difuso que a defesa dos estratos são' feitos por intermédio da "burgue-
mais baixos não vai além da inação.. ^ sia favelada", que monopoliza quase tô-
Isso não significa, entretanto, que da,<3 as relações dos candidatos com a
nâ'o haj?m verdadeiras tempestades na população local, .através de um impres-
política interna da favela. Na verdade, sionante volume de "conchavos" entre
parecem ser raras as favelas em que seiis representantes e os candidatos.
;.não hajam sucessivas crises.políticas. Esses representantes, entretanto, não
Mas elas parecem ser sempre fomenta- atuam de uma maneira'' •homogénea e
das e resolvidas na cúpula, e dificilmen- compacta. As relações entre os candi-
te mobilizam os demais estratos. Desse datos e os favelados são em geral
modo, a- possibilidade de mudança .dos duais, sendo que às vez.es o mesmo can-
quadros políticos ê quase inexistente, didato tejn mais de um .cabo eleitoral
não obstante muitas candidaturas ou "puleiro" numa única favela. Tal
apoiarem-se em sloffans que enfatizam situação, por um lado, torna impossível
a renovação; trata-se, porém, de indi- . que as promessas do período eleitoral
víduos ou grupos que se encontram na sejam cobradas pela favela conio um
oposição, mas que também pertencem
ao próprio estrato dominante. Z Entende-se por "supralocal", neste
artíg-o, todas as atívidades, situações, ot>jeti-
A falta de participação pode ser fa- vos, interesses, etc., que excedam os limites
cilmente comprovada pela baixa per- da favela, quer sejam de âmbito nacional,
regional ou da cidade como um todo. Assim,
centagem .de sócios das Associações de por exemplo, "político de nível supralocal"
Moradores da grande maioria dag fa- é aquele cujos compromissos e interesses não
se restrinjam às favelas e aos favelados. Por-
ivelas
• -i
(que funcionam como uma espé- tanto, -são políticos de nível supralocal tanto,
cie de centro de decisões políticas, tan- dig-amos, o deputado e*5tadual quanto o pos-
tulante a um mandato federal, ou um gover-
to as de natureza interna quanto exter- nador, etc.-
A Política na Favela 39

todo aos candidatos eleitos, o que lhes a grande massa dos favelados, a situa-
facilita a saída demagógica; e, por ou- ção seria ainda pior. Isso porque os
tro, faz com que os políticos favelados acordos políticos estariam num nível
se integrem em diferentes "panelinhas" ainda mais primitivo. Muito provavel-
supràlocais — que muito pouco têm mente os candidatos de nível supra-
a ver com as favelas — uma vez que local constituiriam o respectivo eleito-
as camadas inferiores não exercem a rado por uma mera compra de votos
menor pressão contra esses acordos po- (em espécie ou por intermédio de pe-
líticos "espúrios" eu pelo menos "inau- quenos favores pessoais; é muito sig-
tênticos". Assim, a própria "tiraria" nificativo., por exemplo, que um presi-
exercida pela "biirguesia favelada" — dente de associação, com grande ex-
isto é, a ausência de feedback, .de qual- pressão política —• segundo ele próprio,
quer controle das camadas inferiores "possui" 2.000 votos —, tivesse dito,
sobre os acordos com os grupos políti- num desabafo, que só apoiaria o can-
cos supràlocais — contribuiu de ma- didato que lhe ofertasse um Impala;
neira decisiva" para a dominação da ou que outro político, .de expressão bem
própria camada social superior da menor, esteja procurando um candida-
favela pelos grupos' -e políticos suprà- to que lhe resolva um caso, de bigamia
locais. na- justiça,, para "despejar" . "seus"
Os acordos .são via de regra limitados trinta e tantos votos). Da forma .como
e/ou de caráter pessoal, e sua enorme presentemente se articula a política in-
diversidade pulveriza a capacidade dos terna com a política supralocal, os
'grupos dominantes da favela de pres- acordos, embora extremamente desvan-
sionar no sentido de fazer cumprir os tajosos para os favelados, e via de re-
compromissos assumidos pelos políticos gra rnuito limitados e personalistas, as-
supràlocais. (Compare-se estas afir- sumem um .caráter muito mais amplo e
mativas ,com as referências, feitas no permanente do que os dois exemplos
final do presente artigo, à contraposi- acima. Como será visto mais adiante,
ção dos ."políticos favelados" aos "polí- não é à toa que se multiplicam os ór-
ticos de ooível supralocal".) Fígurati- gãos "administrativos" que atuam em
vamente, poder-se-ia dizer que as rela- favelas, e que funcionam como prolon-
,gÕes de dominação-subor-dinação apre- gamentos da política partidária nas
sentam o aspecto de um verdadeiro fu- "entr,e-safras" .eleitorais.
nil, de intensidade crescente. O controle político .da "burguesia fa-
welada" sobre as camadas inferiores é
POR OUTRO LADO, não se deve ignorar .percebido de maneira mais ou menos
que, apesar de tudo, há um aspecto po- difusa pelos próprios candidatos a pos-
tivo nesse estado de coisas, pelo menos tos estaduais e federais.
nas condições atuais, É que, se os polí- Aparentemente, n ã o demonstram
ticos .da "burguesia favelada" não ti- ^Tande preocupação com o fato (aliás
vessem o controle quase total das ca- muito sintomático daquele controle) de
•madas inferiores, por intermédio do que, mesmo nos contatos mais amplos
qual funcionam como mediadores qua- com os favelados, as reuniões raramen-
se inevitáveis aias r.elações entre os gru- te apresentam mais de 50/60 morado-
pos políticos .estaduais e/ou federais e res, inclusive nas grande favelas, nume-
40 'L.' A. Maciado da Silva
ro que não é grandemente aumentado" esses pequenos favores se constituam
naquelas a que são convocados todos os num dos pilares do controle político da
moradores. Além dessa aparente des- "burguesia favelada", eles perdem o
preocupação, é visível que os comícios caráter de mera recompensa pelo voto
dentro das favelas são quase inexisten- do favorecido (como certamente acon-,
tes, como se a propaganda eleitoral teceria se os fossem prestados direta-
através de comícios fosse desnecessá- mente pelos políticos supralocais), uma
ria, improdutiva ou mesmo perigosa em vez que estão baseados ou decorrem de
se tratando de favelas. Sobre os pos- relações de amizade; sua capitalização
síveis riscos dessas reuniões públicas política é ao mesmo tempo muito mais
como veículos de propaganda eleitoral, sutil & envolvente e não caracteriza o
é sintomática a observação de um ami- provável mercenarismo dos favores
go: "Atualmente, nas reuniões .com os prestados. Em segundo lugar, não há
'candidatos, nós não ficamos mais só dúvida de que esse mesmo fato é im-
ouvindo; fazemos. eles responderem a portantíssimo fator de resistência à
uma porção de perguntas, e muitas ve- conscientização. É difícil percebermos
zes eles (os candidatos) se atrapa- que nosso vizinho, com quem tomamos
lham." É claro que, nessas condições, uma ou outra cachaça e a quem pedimos
os acordos-- de cúpula ou "conchavos" instruções e mesmo conselhos, ao mês-.
são muito mais tranquilos para o can- rno'tem;po nos explora política ,e econo-
didato..... micamente até a exaustão. E, quanto a
uma tomada de consciência mais am-
SÔ3KS ESSE ASSUNTO, é interessante no- pla, é ainda mais difícil, uma vez que
nosso vizinho e muitas vezes amigo-
tar que (3S formas de .controle político-
eleitoral vigentes fora das favelas — o ' monopoliza os contatos, informações e-
personalismo carismático, as palavras atividades cotidianas que talvez nos
de ordem demagógicas, etc. — são despertassem de nosso desinteresse e
substituídas ou pelo menos reforçadas até nos abrisse'os olhcfa.. ampliando e
internamente pela influência e pelo aprofundando nossa visão da realidade.
prestígio derivados dê relações pessoais Na camada dominante, no entanto, o
•de caráter mais ou menos íntimo (que problema da consciência e participa-
também influem fora das favelas, mas ção política apresenta-se de forma sen-
de modo muitíssimo menos intenso, ao sivelmente diversa. Em primeiro lugar,
que parece). Assim, a violenta explo- é preciso dizer que parece .existir uma
ração económica ,e política é tempera- relação muito íntima entre a posição
da por uma série de atividades e rela- do indivíduo na estratificação da fave-
ções paralelas — desde ensinar etapas la e na da sociedade global ou, .em ou-
burocráticas necessárias para conse- tras palavras, a hierarquia das posi-
guir documentos até conselhos sobre ções na sociedade global não é alterada
os mais variados" assuntos —• que re- nem interrompida pela organização da
presentam até .certo ponto uma espécie favela. Tudo indica que a "burguesia -
de recompensa ou contrapartida pela favelada" seja formada pelos indiví-
exploração sofrida. Tal fato apresenta, duos que, na estratificação da sacieda-
pelo menos duas consequências con- de global, ocupam as mais altas posi-
trastantes. Em primeiro lugar, embora • coes, considerada a população da fave-
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Ia. Ê grande, por exemplo, o número de não obstante tudo indique que a maio-
militares subalternos, funcionários pú- ria não tenha projetos definidos de
blicos, operários qualificados, etc., en- abandonar suas favelas, contentando-se
tre os diretores das Associações de Mo- apenas em considerá-las como bairros.
radoies, .e quase inexistentes os bisca-
teiros ou desempregados. Tal situação
se explica, na medida em que a base da EM SEGUNDO LUGAR, é preciso notar que
diferenciação — a .exploração dos re- grande parte.da organização s o c i a l
cursos internos •—• depende, por um la- da favela baseia-se, como foi dito, nos
do, .do poder de poupança, que por sua recursos internos de que .dispõe. Acon-
vez parte da remuneração do trabalho, tece, porém, que muitos deles existem
na maioria dos casos, e por outro dos em função de fatôrss externos, embora
.conhecimentos, discernimento, desem- qualquer generalização nesse sentido
baraço — numa palavra, do know-how tenha que ser muito cuidadosa, devido
em seu sentido mais amplo —' para a às grandes diferenças na natureza, pro-
aplicação de dinheiro acumulado; e veniência, e intensidade -de exploração
tanto a capacidade -de poupança quanto dos recursos de favela para favela. Não
o know-Jiow diminuem na medida em obstante essa resalva, alguns deles pa-
que se desce na escala social. Por sua recem, ser encontrados em quase todas
vez, a carreira política tem como pré- as favelas, ,e sua exploração económica
requisitos o acesso às fontes de infor- é altamente rentável: é o caso, por
mação, contatos, etc., que estão profun- exemplo, das redes de água e luz e do
damente vinculados à própria posição comércio interno. E esses, além de
sócío-econômica, tanto do ponto-de-vista muitos outros menos generalizados, só
interno quanto externo do indivíduo. podem funcionar, como recursos, na
Ora, nessas condições, não deve parecer medida em que se mantiver o status
estranho nem inexplicável que a "bur- quo, isto é, na medida em que a orga-
guesia favelada" adote uma série de nização da favela não sofrer mudanças
atitudes e um estilo de comportamento muito profundas, que a transformem
— não apenas nos aspectos políticos, num bairro. Caso isso acontecesse, .ces-
diga-se de passagem — bastante pró- saria a possibilidade, por exemplo, das
ximos da pequena-burguesia "comum", biroscas continuarem funcionando com
"não-favelada". Pelo menos, a "burgue- alvarás a título precário, ou mesmo sem
sia favelada" não se identifica com os alvarás; desapareceriam os proprietá-
estratos inferiores, como se depreende rios de relógios de luz (nesse sentido,
dos qualificativos e da própria manei- a atuação .da Comissão Estadual de
ra -de se referir aos moradores que não Energia, assumindo o controle da luz
pertencem ao grupo dominante. "Eles" nas favelas por intermédio das Comis-
são "apáticos", "desinteressados", "ig- sões de Luz formadas por moradores
norantes", "não querem nada", "não responsáveis perante ela, vem destru-
se esforçam", etc. Além disso, alguns , indo um dos recursos internos mais
representantes do grupo dominante rentáveis e generalizados) etc. Isso
têm planos de se mudar (geralmente para não falar nos recursos que a fa-
"porque os filhos estão em idade de se vela, nas atuais .condições, consegue'
casar", ou porque ficam com vergonha carrear dos órgãos governamentais e
de convidar os amigos para visitá-los), privados que nelas atuam, ,e das contri-
42 L. A. Machado da Silva
buieões em espécie, material ou outro de procedimentos altamente refinados/
tipo que, especialmente em época de cuja finalidade é manter a organização
eleições, provêm dos políticos de rafei da favela e/ou sua disponibilidade de
supralocal. Para resumir, pode-se afir- recursos e o prestígio político dos mo-
mar gue uma boa parte dos recursos in- radores .envolvidos.
ternos, sobre os quais se baseia a orga- Por outro lado, a citação acima indica
nização da favela, depende de fatôres que esse .comportamento é reforçado pe-
externos e da própria continuidade de la atuação dos órgãos supralocais que
certas características de sua organiza-1 desenvolvem atividades nas favelas,
cão. tanto públicos quanto privados. Não é
Os dois fatôres acima considerados preciso dizer que a influência dos ór-
— certas semelhanças de estilos de gãos públicos é muito maior, não só por
comportamento e atitudes entre a "bur- abranger quase todas as favelas como
guesia favelada" e a pequena-burguesia também por dispor de muito mais re-
não favelada, e a necessidade de preser- cursos; sua influência manifesta-se, in-
var uma organização que proteja a via- clusive, sobre as próprias instituições
bilidade da exploração económica dos privadas. Por exemplo, uma instituição
recursos internos •— indicam que a ca- religiosa que atua em determinado
mada dominante da favela está inevi- 'morro conta com serviço médico e odon-
tavelmente comprometida com o si&tu tológico mantido por um órgão gover-
quo, tanto internamence quanto do pon- namental.3 Desde a criação das Asso-
to-de-vista das próprias relações com ciações de Morador.es, o Estado procu-,
a sociedade global. Mesmo quando se rou controlá-las, limitando-as a ativida-
considera os projetos de urbanização des de natureza administrativa' e' pre-
elaborados pelos favelados essa afirma- tendendo torná-las meros colaboradores
tiva só é desmentida aparentemente: executivos dos planos ,e projetos traça-
1) Os favelados são pessoas realistas.
dos pelos órgãos que atuam &n favelas.
Eles vêem que quase todos os recursos desti- Assim, por exemplo, em -documento ela-
nados a solucionar o "problema da favela" borado pela antiga Coordenação de Ser-
estão sob a forma de empréstimos, assistência
técnica, materiais, ete. para 'executar projetos viços Sociais, lê-se:
de urbaniz-ição. Naturalmente, eles elaboram
um plano de urbanização a fim de canalizar As associações de favelas do Estado da
alguns desses recursos para sua própria fa- Guanabara não terão caráter polítieo-parti-
vela. dãrio, não admitindo manifestações idênticas
2) Os favelados querem a urbanização e ainda racial ou religiosas, considerando
especialmente quando é eoloca*da a escolha contrários aos seus interesses quaisquer com-
entre urbanização e remoção. promissos ou acordos que visem direta ou
3) As associações de' favela que desen- indiretamente, proselitismo político-eleitoral
volvem esses planos serão fortalecidas e per- ou de fundo sectário.
petuadas se executarem um plano de urba- DE SUAS FINALIDADES — quase todos
nização. Os diretores de tal plano lidarão os artigos falam de "colaborar", "contribuir",
com grandes somas de dinheiro e podem incre- "cooperar" com os poderes públicos, "quando
mentar seu prestígio político dentro e fora autorizada".
da favela. (Charles O'Neil, Some Problema
of Urbanigation a»id Removal of S,io Favelas^ DE SUA ORG-ANIZAÇÃO — (XIX) A
mimeog.) Associação fixará as contribuições dos mora-
dores, aplicando a receita, especialmente em
Assim, os próprios planos globais de
urbanização reafirmam o comprometi- 3 Por estes motivos,' e devido ao pouco
mento .do grupo dominante com o statu conhecimento que tenho dos órgãos privados,
só me referirei no presente artigo aos órgãos
quo, pois tudo indica que não passam públicos. '
A Política na Favela
melhorias para o local, responsabilizando-se nas favelas. Mas não se pode esquecer
por sua destinação e submetendo-se ao visto
ao Estado (grifo meu). que esses órgãos se vinculam de duas
SE SUA. DISSOLUÇÃO —- A Associação maneiras à política partidária. Em pri-
poderá ser dissolvida:... II) Quando deixar meiro lugar, na. medida em que estão
de cumprir determinações do Estado.
subordinados à linha de ação do Govêr-
010, que é quase sempre traçada segun-
do critérios político-partidários. Daí,
ENTRETANTO, as limitações estatutárias
por exemplo, as constantes reclamações
impostas pelo Estado, por si só seriam
contra a "descontinuidade administra-
provavelmente incapazes de limitar as
tiva". Em segundo lugar, existe essa
atividades das associações. Acontece que
vinculação na medida em que a política
os órgãos públicos possuem recursos li-
de ação governamental é utilizada — e
mitados, que e x i g e m -decisões sobre
não raras vezes distorcida — por polí-
quais as favelas que devem ser benefi-
ticos profissionais ,eom finalidade elei-
ciadas. E como tais decisões assumem
torais. E também, na medida ,ein que os
quase sempre earáter político, grande
cargos administrativos podem servir
parte do esforço, das associações é car-
.como eaxsal de penetração nas ativida-
reado para a política administrativa.
des legislativas. Por exemplo, um "can-
É muito importante notar o nível de
didato a candidato" acenou a um polí-
controle que podem ter as favelas sobre
tico favelado com a possibilidade, de
o montante e a locação dos recursos pú-
construção de uma estrada eúi sua f a-
blicos a elas destinados, para que não
. vela, em troca de apoio eleitoral, too
seja supervalorizada a influência dos'''
logo fosse nomeado certo administrador
políticos favelados. Eles não têm ne-
para a região administrativa onde se
nhum poder na .determinação do volu-
•localiza a favela; por outro lado, o ex-
me dos recursos globais destinados às
diíetor de um dos órgãos estaduais que
favelas — que variam em função ds
atuam em favelas foi "candidato a can-
acordos até de âmbito internacional,
didato" a deputado estadual nas eleições
como é o caso, por exemplo, dos convé-
do dia 15 de novembro, etc.
nios do Governo estadual com a USAID
para desenvolvimento de comunidades,
uibanização, etc. — nem nos objetivos O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES de Moradores
gerais a serem atingidos. Só depois que e das agências supralocais no processo
as verbas são encaminhadas para os ór- político ó da maior importância. É cla-
gãos que tratam diretamente com as fa- ro que elas não monopolizam completa-
velas, e dos respectivos planos básicos tamente as atividades políticas das fa-
estarem definidos, é que começa a se velas. Existe um número razoável de
manifestar a possibilidade de atuação acordos e contatos desenvolvidos dire-
dos políticos favelados. tamente entre políticos favelados e de
Assim, de certa maneira, o Estado nrvel supralocal, especialmente em pe-
viu coroada de êxito sua tentativa de ríodos pré-eleitorais e, mesmo do pontor
limitar .e canalizar as atividades das de-vista interno, esses entendimentos
Associações de Moradores para a polí- (ou desentendimentos) nem sempre gi-
tica administrativa ou, mais precisa- ram em torno das associações. Entre-
mente, para as relações com órgãos ad- tanto, parece fora de dúvida que as
ministrativas -qut<l7ià.tuam. diretamente associações são os pontos centrais do
44 L. A. Machado da Silva
processo político interno, enquanto as — as características da própria práti-
agências supralocais representam o ca política acima descritas, bem como
ponto central das relações políticas en- sua fundamentação "teórica" (favela
tre a favela e a sociedade global. como reflexo do problema habitacional,
Daí a necessidade de controlar as -ati- 'decorrente da urbanização acelerada),
vidad.es das associações e o grande in- contribuem decisivamente para cristali-
teresse dos partidos nos órgãos "admi- zar no estrato dominante uma ativida-
nistrativos". Mas já deve ter ficado cía- de política compartimentalizada e de
r:o que apenas aparentemente o Gover- estilo conservador.
no conseguiu seu intento, uma vez que, Acresce a tudo isso a distância entre
devido ao próprio caráter político de o processo político das favelas e a po-
seus órgãos administrativos, e do poder lítica sindical. -Se existem relações en-
de barganha .das favelas —• derivado tre os dois, elas não são mais do que
fundamentalmente de sua potência elei- espasmódicas, e mesmo assim se veri-
toral—as ativid-ades das Associações ficam por intermédio .de políticos fave-
de Moradores são sempre políticas. En- lados que já transcenderam o nível lo-
tretanto se bem que o Governo não te- cal, e que portanto estão mais orienta-
nha conseguido evitar que as associa- dos para a política diretamente parti-
ções se -transformassem em agências dária. Um amj_§-o, por exemplo, procu-
políticas, pelo menos parte de seus ob- rou o apoio de um. deputado estadual
jetivos foi atingida. Grande parte das. para. .anular as eleições realizadas para'
articulações políticas, tanto do ponto-de- um sindicato — que, segundo ele, fo-
vista interno -quanto externo, prende-se ram fraudadas. .Entretanto, não apenas
a melhoramentos urbanos, em gera] de esse amigo de há muito já transcendeu
pequena monta, não obstante existam o nível local, como parece que suas re-
alguns planos globais de - urbanização lações .com a chapa derrotada eram ape-
elaborados pelos próprios favelados, é nas de amizade, e os eontatos' políticos
evidente que,.para isso, muito contribui mão assumiram caráter de permanên-
o ato de que quase todas as agências su- cia.
pralocais que atuam em favelas iden-
tificam, explicitamente ou não, "fave-
las" com "problema habitacional", sen- NA KBÂÍIDADE,. as relações entre a po-
do seus recursos, portanto,, canalizados lítica das favelas e a sindical, ou pelo
nesse sentido (as demais agências, em menos as conexões permanentes e mais
geral, preocupam-se com serviços assis- ou menos formalizadas entre as Asso-
teeiais), . . . ciações de Moradores e os Sindicatos,
Ora, se já existe, por parte da "bur- são muito problemáticas, na medida em
guesia favelada", um comprometimento que aquelas são organizações horizontais
com o siatu quo — lembre-se a seme- de base'geográfica, enquanto estes são
lhança de algumas de suas atitudes e organizações verticais de base funcional.
estilos de comportamento com os da pe- De qualquer forma, não seria ligeiro e
quena-burguesia não favelada e a ne- sem base empírica afirmar que a exis-
cessidade de preservar uma organiza- tência de vinculações entre o processo
ção que proteja a exploração econômi- político nos sindicatos e nas favelas se-
,ca dos recursos internos, já referidos ria muito importante na "descomparti-
A Política'ria Favela 45
mentalizarão" da prática política da 'pessoais; mas de qualquer maneira al-
"burguesia favelada", e de que a cria- gumas vantagens pode conseguir quase
ção desses vínculos, embora complexa, .imediatamente. Em consequência, opta,
não é impossível. por uma ação política a curto prazo e
Portanto, a atividade dos políticos ímediatista.4
favelados não se orienta de acordo com Entretanto, mesmo que essa opinião
a consideração de que a favela é resul- não seja válida, 'uma coisa é certa: a
tado de certas condições estruturais do "burguesia favelada" não apresenta,
sistema global (.com reflexos profun- em absoluto, a falta de .compreensão da
dos, por exemplo, no mercado de traba- realidade que a maioria das pessoas —
lho), de que parecem ser simples con- políticos, administradores, técnicos, etc.
sequências as condições habitacionais •—• insiste "em lhe imputar. Isso não
que costumam identificar as favelas. E, passa de um estereótipo, e está profun-
como foi dito acima, seu estilo de atua- damente ligado à deformação básica a
ção se desenvolve segundo os moldes • que me referi, quando, no início do ar-
tradicionais: entendimentos "de cúpu- tigo, falei das duas abordagens corren-
la", participação em "panelinha", em. tes na análise .das favelas: a ideia de
suma, imersão plena no jogo político- que .existe' um tipo único de favelado.
partidário, ' • •^É muito significativa a referência feita
Entretanto, distinguir se isso se deve •por um político favelado sobre um cha-
a uma falta .de visão ou a uma escolha mado que recebeu do diretor de uma
consciente, é um problema de extrema agência supralocal:
complexidade. Na minha opinião —
O diretor disse que queria me avisar que
não mais do que opinião, até o pré-' eu estava sendo usado paio deputado ... Eu
sente — aos favelados dos estratos •respondi que não, que eit, é que estava usando
o deputado. Só que eu não disse que quem
inferiores falta, realmente, perspec- estava seitão usado pelo deputado era o
tiva ' para compreender que seus pro- ãiretar...
blemas não se resolverão .pela simples
melhoria das condições habitacionais, e . Outro político favelado só se refere
que a importância política das agências" .aos políticos de nível supralocal como
supraloeais está muito acima do que /'esses políticos de favela, esses vira-la-
elas realmente podem fazer — e fazem tas. .." De fato, parece-me que a per-
— pelas favelas. Quanto à "burguesia .eepção da permanente existência de in-
favelada", a situação parece-me muito teresses pessoais em jogo é muito mais
'diferente. Ela percebe muito claramen- . presente no político favelado do que
te que o píoblema das favelas tem uma nos políticos de nível supralocal. A
amplitude e profundidade muitíssimo .consciência da existência de grupos,
maiores do que o mero problema1 ha- subgrupos e "panelinhas" políticas e de
bitacional; mas também compreende suas rivalidades também é flagrante.
•que sua capacidade de influência polí- .Um amigo, por exemplo, disse-me: .
tica está longe de permitir-lhe influir
eficazmente no nível estrutural. Ela . .• 4 Se nesta opção pelo curto prazo esta
contida uma carta ingenuidade ou não, é
percebe, além disso, que os acordos po- outro problema, cujo discussão não me parece
' líticos trazem benefícios realmente •caber neste artigo. O importante no momento
é notar que é feita uma escolha pelo rurto
muito pequenos, e muitas vezes apenas ••prazo. •
46 L, Á. Machado da-Silva
Quando a gente entra lá (nas dependências Na verdade, a atuação de um político
de determinado órgão do Governo), precisa
tomar muito cuidado. Se eu apertar a mão favelado de nível supralocal pouca di-
de uma pessoa com mais força, fico logo *ferença tem da de um político (seja o
queimado com o pessoal do outro grupo. candidato ou o parlamentar) não fave-
, lado, cuja base eleitoral sejam as fave-
las.
OUTRO ASPECTO da compartimentaliza-
zação da ação política- do favelado é
sua característica local. Na verdade, PAKECE-MB que a característica funda-
até aqui •—• exceção feita à rápida men- mental do "político favelado" é sua con-
ção das relações entre a política das fa- dição de membro periférico e mais ou
velas e dos sindicatos — tenho sempre menos independente dos grupos e sub-
contraposto o "político de nível supra- grupos partidários (o que não significa,
local" ao "político favelado". Isso pode em absoluto, ausência de relações e mes-
parecer estranho, porque, de um ponto mo de vínculos ou acordos com eles, co-
de vista lógico, não ha nenhum impe- mo se verá a seguir), e a orientação lo-
dimento .de que o político favelado exer- cal de suas atividades. A necessidade de
ça suas atividades no nível supralocal, "união entre as favelas", para "discus-
. pelo menos Estadual, e mais. ainda se. são e resolução de problemas comuns",
for considerada a existência de um ór- é .eonstantemente salientada pela "bur-
gão de cúpula como a FAFEG (Fede- guesia favelada", e pode-se mesmo di-
ração -das Associações de Favelas do zer que tem uma base concreta bastan-
Estado da Guanabara). te sólida (o sentimento de que a favela
De fato, além de alguns políticos fa- não se define apenas pelas condições lo-
velados conseguirem atuar acima do ní- cais de habitação, mas também pelos
vel meramente local (embora poucos), laços de amizade e parentesco entre
a atividade cotidiana do político ten- uma imensa quantidade de moradores
do sempre a ampliar-lhe a rede de ré-' de favelas diversas, a aquisição regular
lações e influências, fazendo-o trans- de mercadorias numa favela para se-
cender o nível anterior de atuação. rem revendidas em outras, etc.). Mas
Nesse sentido, todo e qualquer político daí para a elaboração de um projeto
favelado — tanto como o não favelado concreto e viável do união política exis-
— teria potencialmente condições de te uma distância muito grande que pa-
superar sua referência local, o que real- rece não ter sido transposta. Para isso
mente acontece com alguns. Entretan- muito contribui a potência eleitoral das
to, na medida em que se amplia sua favelas, pois, se por um lado é um
área de atuação, maior a vinculaçao do dos pilares de sua força política, por1
político com grupos partidários, e maior outro implica no interesse.de um gran-
a dependência deles. Desse modo, quan- de número de grupos políticos externos,
to mais transcende o nível local, cada cuja ação na favela se reflete na divi-
vez mais amplos e profundos os com- são interna dos políticos favelados, que
promissos com as "panelinhas" político- procuram benefieiar-.se daquele inte-
partidárias supralocais, de modo que resse, já que não existe pressão de mas-
as agões são cada vez menos orientadas' sa —• ou seja, dos estratos inferiores
e referidas especificamente às favelas. da favela — sobre os acordos realiza-
A Política na Favela
dos. Isso dificulta não apenas uma adote, tem necessariamente que levar
ação homogénea de cada favela indivi- na devida conta a .diferenciação inter-
dualmente como também a unificação na e as relações pessoais e mais ou me-
política de todas as favelas. Raras .são nos íntimas como pontos fundamentais.
as situações em que as favelas assu-
mem uma posição unívoca, e tudo indi- ' 2) O político favelado (de nível lo.cal
ca que, mesmo nessas exceções, não ou supralocal) não é absolutamente in-
existe propriamente uma união, mas génuo nem inábil •—• pelo .contrário, é
um compromisso transitório, devido à extremamente perspicaz — e aclota uma
convergência de interesses .específicos. atitude que poderia ser qualificada de
Assim, por exemplo, em determinada "realista", cuja principal característica
favela, onde surgiu uma ameaça bas- é orientar-se para os resultados a curto
tante concreta de remoção, .devido a prazo. Qualquer tentativa de ampliar
problemas sobre a propriedade do ter- sua percepção- tem que partir da am-
reno, a diretoria da Associação consti- pliação das perspectivas da prática po-
tuiu uma "Comissão de Entendimen- lítica cotidiana (.como, por -exemplo, a
tos", que incluía representantes de to- introdução de relações políticas perma-
dos os grupos políticos da favela, para nentes entre as favelas e destas com os
manter eontatos com .as autoridades a sindicatos).
fim de evitar a remoção; porém, mes-
mo -durante a criae, houve muitas recla- 3) Qualquer tentativa da ação políti-
mações de que a oposição estava se uti- ca nas favelas, para ser eficaz, tem ne-
lizando da "Comissão de Entendimen- cessàriamnnte que abordar as múltiplas
tos" para projetar-se politicamente, in- vinculações entre a política interna, as
terna e externamente. atividades partidárias e a política ad-
Embora o presente artigo pretenda ministrativa.
apenas descrever alguns aspectos do
problema do processo político nas fave- 4) Qualquer tentativa de proposição
las e seus reflexos nas atitudes, no com- de soluções "técnicas" para os proble-
portamento e na visão política do fa- mas das favelas — seja em que nível
velado, sem defender propriamente uma for — tem necessariamente de levar
tese, algumas conclusões gerais podem em consideração que sua execução fi-
ser tiradas: cará, direta ou indiretamente, a .cargo
das agências supralocais, sobre as
1) Qualquer raciocínio sobre favelas, quais é profunda a influência político-
7lão importa quais as premissas que partidária. •

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