Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
todo aos candidatos eleitos, o que lhes a grande massa dos favelados, a situa-
facilita a saída demagógica; e, por ou- ção seria ainda pior. Isso porque os
tro, faz com que os políticos favelados acordos políticos estariam num nível
se integrem em diferentes "panelinhas" ainda mais primitivo. Muito provavel-
supràlocais — que muito pouco têm mente os candidatos de nível supra-
a ver com as favelas — uma vez que local constituiriam o respectivo eleito-
as camadas inferiores não exercem a rado por uma mera compra de votos
menor pressão contra esses acordos po- (em espécie ou por intermédio de pe-
líticos "espúrios" eu pelo menos "inau- quenos favores pessoais; é muito sig-
tênticos". Assim, a própria "tiraria" nificativo., por exemplo, que um presi-
exercida pela "biirguesia favelada" — dente de associação, com grande ex-
isto é, a ausência de feedback, .de qual- pressão política —• segundo ele próprio,
quer controle das camadas inferiores "possui" 2.000 votos —, tivesse dito,
sobre os acordos com os grupos políti- num desabafo, que só apoiaria o can-
cos supràlocais — contribuiu de ma- didato que lhe ofertasse um Impala;
neira decisiva" para a dominação da ou que outro político, .de expressão bem
própria camada social superior da menor, esteja procurando um candida-
favela pelos grupos' -e políticos suprà- to que lhe resolva um caso, de bigamia
locais. na- justiça,, para "despejar" . "seus"
Os acordos .são via de regra limitados trinta e tantos votos). Da forma .como
e/ou de caráter pessoal, e sua enorme presentemente se articula a política in-
diversidade pulveriza a capacidade dos terna com a política supralocal, os
'grupos dominantes da favela de pres- acordos, embora extremamente desvan-
sionar no sentido de fazer cumprir os tajosos para os favelados, e via de re-
compromissos assumidos pelos políticos gra rnuito limitados e personalistas, as-
supràlocais. (Compare-se estas afir- sumem um .caráter muito mais amplo e
mativas ,com as referências, feitas no permanente do que os dois exemplos
final do presente artigo, à contraposi- acima. Como será visto mais adiante,
ção dos ."políticos favelados" aos "polí- não é à toa que se multiplicam os ór-
ticos de ooível supralocal".) Fígurati- gãos "administrativos" que atuam em
vamente, poder-se-ia dizer que as rela- favelas, e que funcionam como prolon-
,gÕes de dominação-subor-dinação apre- gamentos da política partidária nas
sentam o aspecto de um verdadeiro fu- "entr,e-safras" .eleitorais.
nil, de intensidade crescente. O controle político .da "burguesia fa-
welada" sobre as camadas inferiores é
POR OUTRO LADO, não se deve ignorar .percebido de maneira mais ou menos
que, apesar de tudo, há um aspecto po- difusa pelos próprios candidatos a pos-
tivo nesse estado de coisas, pelo menos tos estaduais e federais.
nas condições atuais, É que, se os polí- Aparentemente, n ã o demonstram
ticos .da "burguesia favelada" não ti- ^Tande preocupação com o fato (aliás
vessem o controle quase total das ca- muito sintomático daquele controle) de
•madas inferiores, por intermédio do que, mesmo nos contatos mais amplos
qual funcionam como mediadores qua- com os favelados, as reuniões raramen-
se inevitáveis aias r.elações entre os gru- te apresentam mais de 50/60 morado-
pos políticos .estaduais e/ou federais e res, inclusive nas grande favelas, nume-
40 'L.' A. Maciado da Silva
ro que não é grandemente aumentado" esses pequenos favores se constituam
naquelas a que são convocados todos os num dos pilares do controle político da
moradores. Além dessa aparente des- "burguesia favelada", eles perdem o
preocupação, é visível que os comícios caráter de mera recompensa pelo voto
dentro das favelas são quase inexisten- do favorecido (como certamente acon-,
tes, como se a propaganda eleitoral teceria se os fossem prestados direta-
através de comícios fosse desnecessá- mente pelos políticos supralocais), uma
ria, improdutiva ou mesmo perigosa em vez que estão baseados ou decorrem de
se tratando de favelas. Sobre os pos- relações de amizade; sua capitalização
síveis riscos dessas reuniões públicas política é ao mesmo tempo muito mais
como veículos de propaganda eleitoral, sutil & envolvente e não caracteriza o
é sintomática a observação de um ami- provável mercenarismo dos favores
go: "Atualmente, nas reuniões .com os prestados. Em segundo lugar, não há
'candidatos, nós não ficamos mais só dúvida de que esse mesmo fato é im-
ouvindo; fazemos. eles responderem a portantíssimo fator de resistência à
uma porção de perguntas, e muitas ve- conscientização. É difícil percebermos
zes eles (os candidatos) se atrapa- que nosso vizinho, com quem tomamos
lham." É claro que, nessas condições, uma ou outra cachaça e a quem pedimos
os acordos-- de cúpula ou "conchavos" instruções e mesmo conselhos, ao mês-.
são muito mais tranquilos para o can- rno'tem;po nos explora política ,e econo-
didato..... micamente até a exaustão. E, quanto a
uma tomada de consciência mais am-
SÔ3KS ESSE ASSUNTO, é interessante no- pla, é ainda mais difícil, uma vez que
nosso vizinho e muitas vezes amigo-
tar que (3S formas de .controle político-
eleitoral vigentes fora das favelas — o ' monopoliza os contatos, informações e-
personalismo carismático, as palavras atividades cotidianas que talvez nos
de ordem demagógicas, etc. — são despertassem de nosso desinteresse e
substituídas ou pelo menos reforçadas até nos abrisse'os olhcfa.. ampliando e
internamente pela influência e pelo aprofundando nossa visão da realidade.
prestígio derivados dê relações pessoais Na camada dominante, no entanto, o
•de caráter mais ou menos íntimo (que problema da consciência e participa-
também influem fora das favelas, mas ção política apresenta-se de forma sen-
de modo muitíssimo menos intenso, ao sivelmente diversa. Em primeiro lugar,
que parece). Assim, a violenta explo- é preciso dizer que parece .existir uma
ração económica ,e política é tempera- relação muito íntima entre a posição
da por uma série de atividades e rela- do indivíduo na estratificação da fave-
ções paralelas — desde ensinar etapas la e na da sociedade global ou, .em ou-
burocráticas necessárias para conse- tras palavras, a hierarquia das posi-
guir documentos até conselhos sobre ções na sociedade global não é alterada
os mais variados" assuntos —• que re- nem interrompida pela organização da
presentam até .certo ponto uma espécie favela. Tudo indica que a "burguesia -
de recompensa ou contrapartida pela favelada" seja formada pelos indiví-
exploração sofrida. Tal fato apresenta, duos que, na estratificação da sacieda-
pelo menos duas consequências con- de global, ocupam as mais altas posi-
trastantes. Em primeiro lugar, embora • coes, considerada a população da fave-
A Política na Favela 41'
Ia. Ê grande, por exemplo, o número de não obstante tudo indique que a maio-
militares subalternos, funcionários pú- ria não tenha projetos definidos de
blicos, operários qualificados, etc., en- abandonar suas favelas, contentando-se
tre os diretores das Associações de Mo- apenas em considerá-las como bairros.
radoies, .e quase inexistentes os bisca-
teiros ou desempregados. Tal situação
se explica, na medida em que a base da EM SEGUNDO LUGAR, é preciso notar que
diferenciação — a .exploração dos re- grande parte.da organização s o c i a l
cursos internos •—• depende, por um la- da favela baseia-se, como foi dito, nos
do, .do poder de poupança, que por sua recursos internos de que .dispõe. Acon-
vez parte da remuneração do trabalho, tece, porém, que muitos deles existem
na maioria dos casos, e por outro dos em função de fatôrss externos, embora
.conhecimentos, discernimento, desem- qualquer generalização nesse sentido
baraço — numa palavra, do know-how tenha que ser muito cuidadosa, devido
em seu sentido mais amplo —' para a às grandes diferenças na natureza, pro-
aplicação de dinheiro acumulado; e veniência, e intensidade -de exploração
tanto a capacidade -de poupança quanto dos recursos de favela para favela. Não
o know-Jiow diminuem na medida em obstante essa resalva, alguns deles pa-
que se desce na escala social. Por sua recem, ser encontrados em quase todas
vez, a carreira política tem como pré- as favelas, ,e sua exploração económica
requisitos o acesso às fontes de infor- é altamente rentável: é o caso, por
mação, contatos, etc., que estão profun- exemplo, das redes de água e luz e do
damente vinculados à própria posição comércio interno. E esses, além de
sócío-econômica, tanto do ponto-de-vista muitos outros menos generalizados, só
interno quanto externo do indivíduo. podem funcionar, como recursos, na
Ora, nessas condições, não deve parecer medida em que se mantiver o status
estranho nem inexplicável que a "bur- quo, isto é, na medida em que a orga-
guesia favelada" adote uma série de nização da favela não sofrer mudanças
atitudes e um estilo de comportamento muito profundas, que a transformem
— não apenas nos aspectos políticos, num bairro. Caso isso acontecesse, .ces-
diga-se de passagem — bastante pró- saria a possibilidade, por exemplo, das
ximos da pequena-burguesia "comum", biroscas continuarem funcionando com
"não-favelada". Pelo menos, a "burgue- alvarás a título precário, ou mesmo sem
sia favelada" não se identifica com os alvarás; desapareceriam os proprietá-
estratos inferiores, como se depreende rios de relógios de luz (nesse sentido,
dos qualificativos e da própria manei- a atuação .da Comissão Estadual de
ra -de se referir aos moradores que não Energia, assumindo o controle da luz
pertencem ao grupo dominante. "Eles" nas favelas por intermédio das Comis-
são "apáticos", "desinteressados", "ig- sões de Luz formadas por moradores
norantes", "não querem nada", "não responsáveis perante ela, vem destru-
se esforçam", etc. Além disso, alguns , indo um dos recursos internos mais
representantes do grupo dominante rentáveis e generalizados) etc. Isso
têm planos de se mudar (geralmente para não falar nos recursos que a fa-
"porque os filhos estão em idade de se vela, nas atuais .condições, consegue'
casar", ou porque ficam com vergonha carrear dos órgãos governamentais e
de convidar os amigos para visitá-los), privados que nelas atuam, ,e das contri-
42 L. A. Machado da Silva
buieões em espécie, material ou outro de procedimentos altamente refinados/
tipo que, especialmente em época de cuja finalidade é manter a organização
eleições, provêm dos políticos de rafei da favela e/ou sua disponibilidade de
supralocal. Para resumir, pode-se afir- recursos e o prestígio político dos mo-
mar gue uma boa parte dos recursos in- radores .envolvidos.
ternos, sobre os quais se baseia a orga- Por outro lado, a citação acima indica
nização da favela, depende de fatôres que esse .comportamento é reforçado pe-
externos e da própria continuidade de la atuação dos órgãos supralocais que
certas características de sua organiza-1 desenvolvem atividades nas favelas,
cão. tanto públicos quanto privados. Não é
Os dois fatôres acima considerados preciso dizer que a influência dos ór-
— certas semelhanças de estilos de gãos públicos é muito maior, não só por
comportamento e atitudes entre a "bur- abranger quase todas as favelas como
guesia favelada" e a pequena-burguesia também por dispor de muito mais re-
não favelada, e a necessidade de preser- cursos; sua influência manifesta-se, in-
var uma organização que proteja a via- clusive, sobre as próprias instituições
bilidade da exploração económica dos privadas. Por exemplo, uma instituição
recursos internos •— indicam que a ca- religiosa que atua em determinado
mada dominante da favela está inevi- 'morro conta com serviço médico e odon-
tavelmente comprometida com o si&tu tológico mantido por um órgão gover-
quo, tanto internamence quanto do pon- namental.3 Desde a criação das Asso-
to-de-vista das próprias relações com ciações de Morador.es, o Estado procu-,
a sociedade global. Mesmo quando se rou controlá-las, limitando-as a ativida-
considera os projetos de urbanização des de natureza administrativa' e' pre-
elaborados pelos favelados essa afirma- tendendo torná-las meros colaboradores
tiva só é desmentida aparentemente: executivos dos planos ,e projetos traça-
1) Os favelados são pessoas realistas.
dos pelos órgãos que atuam &n favelas.
Eles vêem que quase todos os recursos desti- Assim, por exemplo, em -documento ela-
nados a solucionar o "problema da favela" borado pela antiga Coordenação de Ser-
estão sob a forma de empréstimos, assistência
técnica, materiais, ete. para 'executar projetos viços Sociais, lê-se:
de urbaniz-ição. Naturalmente, eles elaboram
um plano de urbanização a fim de canalizar As associações de favelas do Estado da
alguns desses recursos para sua própria fa- Guanabara não terão caráter polítieo-parti-
vela. dãrio, não admitindo manifestações idênticas
2) Os favelados querem a urbanização e ainda racial ou religiosas, considerando
especialmente quando é eoloca*da a escolha contrários aos seus interesses quaisquer com-
entre urbanização e remoção. promissos ou acordos que visem direta ou
3) As associações de' favela que desen- indiretamente, proselitismo político-eleitoral
volvem esses planos serão fortalecidas e per- ou de fundo sectário.
petuadas se executarem um plano de urba- DE SUAS FINALIDADES — quase todos
nização. Os diretores de tal plano lidarão os artigos falam de "colaborar", "contribuir",
com grandes somas de dinheiro e podem incre- "cooperar" com os poderes públicos, "quando
mentar seu prestígio político dentro e fora autorizada".
da favela. (Charles O'Neil, Some Problema
of Urbanigation a»id Removal of S,io Favelas^ DE SUA ORG-ANIZAÇÃO — (XIX) A
mimeog.) Associação fixará as contribuições dos mora-
dores, aplicando a receita, especialmente em
Assim, os próprios planos globais de
urbanização reafirmam o comprometi- 3 Por estes motivos,' e devido ao pouco
mento .do grupo dominante com o statu conhecimento que tenho dos órgãos privados,
só me referirei no presente artigo aos órgãos
quo, pois tudo indica que não passam públicos. '
A Política na Favela
melhorias para o local, responsabilizando-se nas favelas. Mas não se pode esquecer
por sua destinação e submetendo-se ao visto
ao Estado (grifo meu). que esses órgãos se vinculam de duas
SE SUA. DISSOLUÇÃO —- A Associação maneiras à política partidária. Em pri-
poderá ser dissolvida:... II) Quando deixar meiro lugar, na. medida em que estão
de cumprir determinações do Estado.
subordinados à linha de ação do Govêr-
010, que é quase sempre traçada segun-
do critérios político-partidários. Daí,
ENTRETANTO, as limitações estatutárias
por exemplo, as constantes reclamações
impostas pelo Estado, por si só seriam
contra a "descontinuidade administra-
provavelmente incapazes de limitar as
tiva". Em segundo lugar, existe essa
atividades das associações. Acontece que
vinculação na medida em que a política
os órgãos públicos possuem recursos li-
de ação governamental é utilizada — e
mitados, que e x i g e m -decisões sobre
não raras vezes distorcida — por polí-
quais as favelas que devem ser benefi-
ticos profissionais ,eom finalidade elei-
ciadas. E como tais decisões assumem
torais. E também, na medida ,ein que os
quase sempre earáter político, grande
cargos administrativos podem servir
parte do esforço, das associações é car-
.como eaxsal de penetração nas ativida-
reado para a política administrativa.
des legislativas. Por exemplo, um "can-
É muito importante notar o nível de
didato a candidato" acenou a um polí-
controle que podem ter as favelas sobre
tico favelado com a possibilidade, de
o montante e a locação dos recursos pú-
construção de uma estrada eúi sua f a-
blicos a elas destinados, para que não
. vela, em troca de apoio eleitoral, too
seja supervalorizada a influência dos'''
logo fosse nomeado certo administrador
políticos favelados. Eles não têm ne-
para a região administrativa onde se
nhum poder na .determinação do volu-
•localiza a favela; por outro lado, o ex-
me dos recursos globais destinados às
diíetor de um dos órgãos estaduais que
favelas — que variam em função ds
atuam em favelas foi "candidato a can-
acordos até de âmbito internacional,
didato" a deputado estadual nas eleições
como é o caso, por exemplo, dos convé-
do dia 15 de novembro, etc.
nios do Governo estadual com a USAID
para desenvolvimento de comunidades,
uibanização, etc. — nem nos objetivos O PAPEL DAS ASSOCIAÇÕES de Moradores
gerais a serem atingidos. Só depois que e das agências supralocais no processo
as verbas são encaminhadas para os ór- político ó da maior importância. É cla-
gãos que tratam diretamente com as fa- ro que elas não monopolizam completa-
velas, e dos respectivos planos básicos tamente as atividades políticas das fa-
estarem definidos, é que começa a se velas. Existe um número razoável de
manifestar a possibilidade de atuação acordos e contatos desenvolvidos dire-
dos políticos favelados. tamente entre políticos favelados e de
Assim, de certa maneira, o Estado nrvel supralocal, especialmente em pe-
viu coroada de êxito sua tentativa de ríodos pré-eleitorais e, mesmo do pontor
limitar .e canalizar as atividades das de-vista interno, esses entendimentos
Associações de Moradores para a polí- (ou desentendimentos) nem sempre gi-
tica administrativa ou, mais precisa- ram em torno das associações. Entre-
mente, para as relações com órgãos ad- tanto, parece fora de dúvida que as
ministrativas -qut<l7ià.tuam. diretamente associações são os pontos centrais do
44 L. A. Machado da Silva
processo político interno, enquanto as — as características da própria práti-
agências supralocais representam o ca política acima descritas, bem como
ponto central das relações políticas en- sua fundamentação "teórica" (favela
tre a favela e a sociedade global. como reflexo do problema habitacional,
Daí a necessidade de controlar as -ati- 'decorrente da urbanização acelerada),
vidad.es das associações e o grande in- contribuem decisivamente para cristali-
teresse dos partidos nos órgãos "admi- zar no estrato dominante uma ativida-
nistrativos". Mas já deve ter ficado cía- de política compartimentalizada e de
r:o que apenas aparentemente o Gover- estilo conservador.
no conseguiu seu intento, uma vez que, Acresce a tudo isso a distância entre
devido ao próprio caráter político de o processo político das favelas e a po-
seus órgãos administrativos, e do poder lítica sindical. -Se existem relações en-
de barganha .das favelas —• derivado tre os dois, elas não são mais do que
fundamentalmente de sua potência elei- espasmódicas, e mesmo assim se veri-
toral—as ativid-ades das Associações ficam por intermédio .de políticos fave-
de Moradores são sempre políticas. En- lados que já transcenderam o nível lo-
tretanto se bem que o Governo não te- cal, e que portanto estão mais orienta-
nha conseguido evitar que as associa- dos para a política diretamente parti-
ções se -transformassem em agências dária. Um amj_§-o, por exemplo, procu-
políticas, pelo menos parte de seus ob- rou o apoio de um. deputado estadual
jetivos foi atingida. Grande parte das. para. .anular as eleições realizadas para'
articulações políticas, tanto do ponto-de- um sindicato — que, segundo ele, fo-
vista interno -quanto externo, prende-se ram fraudadas. .Entretanto, não apenas
a melhoramentos urbanos, em gera] de esse amigo de há muito já transcendeu
pequena monta, não obstante existam o nível local, como parece que suas re-
alguns planos globais de - urbanização lações .com a chapa derrotada eram ape-
elaborados pelos próprios favelados, é nas de amizade, e os eontatos' políticos
evidente que,.para isso, muito contribui mão assumiram caráter de permanên-
o ato de que quase todas as agências su- cia.
pralocais que atuam em favelas iden-
tificam, explicitamente ou não, "fave-
las" com "problema habitacional", sen- NA KBÂÍIDADE,. as relações entre a po-
do seus recursos, portanto,, canalizados lítica das favelas e a sindical, ou pelo
nesse sentido (as demais agências, em menos as conexões permanentes e mais
geral, preocupam-se com serviços assis- ou menos formalizadas entre as Asso-
teeiais), . . . ciações de Moradores e os Sindicatos,
Ora, se já existe, por parte da "bur- são muito problemáticas, na medida em
guesia favelada", um comprometimento que aquelas são organizações horizontais
com o siatu quo — lembre-se a seme- de base'geográfica, enquanto estes são
lhança de algumas de suas atitudes e organizações verticais de base funcional.
estilos de comportamento com os da pe- De qualquer forma, não seria ligeiro e
quena-burguesia não favelada e a ne- sem base empírica afirmar que a exis-
cessidade de preservar uma organiza- tência de vinculações entre o processo
ção que proteja a exploração econômi- político nos sindicatos e nas favelas se-
,ca dos recursos internos, já referidos ria muito importante na "descomparti-
A Política'ria Favela 45
mentalizarão" da prática política da 'pessoais; mas de qualquer maneira al-
"burguesia favelada", e de que a cria- gumas vantagens pode conseguir quase
ção desses vínculos, embora complexa, .imediatamente. Em consequência, opta,
não é impossível. por uma ação política a curto prazo e
Portanto, a atividade dos políticos ímediatista.4
favelados não se orienta de acordo com Entretanto, mesmo que essa opinião
a consideração de que a favela é resul- não seja válida, 'uma coisa é certa: a
tado de certas condições estruturais do "burguesia favelada" não apresenta,
sistema global (.com reflexos profun- em absoluto, a falta de .compreensão da
dos, por exemplo, no mercado de traba- realidade que a maioria das pessoas —
lho), de que parecem ser simples con- políticos, administradores, técnicos, etc.
sequências as condições habitacionais •—• insiste "em lhe imputar. Isso não
que costumam identificar as favelas. E, passa de um estereótipo, e está profun-
como foi dito acima, seu estilo de atua- damente ligado à deformação básica a
ção se desenvolve segundo os moldes • que me referi, quando, no início do ar-
tradicionais: entendimentos "de cúpu- tigo, falei das duas abordagens corren-
la", participação em "panelinha", em. tes na análise .das favelas: a ideia de
suma, imersão plena no jogo político- que .existe' um tipo único de favelado.
partidário, ' • •^É muito significativa a referência feita
Entretanto, distinguir se isso se deve •por um político favelado sobre um cha-
a uma falta .de visão ou a uma escolha mado que recebeu do diretor de uma
consciente, é um problema de extrema agência supralocal:
complexidade. Na minha opinião —
O diretor disse que queria me avisar que
não mais do que opinião, até o pré-' eu estava sendo usado paio deputado ... Eu
sente — aos favelados dos estratos •respondi que não, que eit, é que estava usando
o deputado. Só que eu não disse que quem
inferiores falta, realmente, perspec- estava seitão usado pelo deputado era o
tiva ' para compreender que seus pro- ãiretar...
blemas não se resolverão .pela simples
melhoria das condições habitacionais, e . Outro político favelado só se refere
que a importância política das agências" .aos políticos de nível supralocal como
supraloeais está muito acima do que /'esses políticos de favela, esses vira-la-
elas realmente podem fazer — e fazem tas. .." De fato, parece-me que a per-
— pelas favelas. Quanto à "burguesia .eepção da permanente existência de in-
favelada", a situação parece-me muito teresses pessoais em jogo é muito mais
'diferente. Ela percebe muito claramen- . presente no político favelado do que
te que o píoblema das favelas tem uma nos políticos de nível supralocal. A
amplitude e profundidade muitíssimo .consciência da existência de grupos,
maiores do que o mero problema1 ha- subgrupos e "panelinhas" políticas e de
bitacional; mas também compreende suas rivalidades também é flagrante.
•que sua capacidade de influência polí- .Um amigo, por exemplo, disse-me: .
tica está longe de permitir-lhe influir
eficazmente no nível estrutural. Ela . .• 4 Se nesta opção pelo curto prazo esta
contida uma carta ingenuidade ou não, é
percebe, além disso, que os acordos po- outro problema, cujo discussão não me parece
' líticos trazem benefícios realmente •caber neste artigo. O importante no momento
é notar que é feita uma escolha pelo rurto
muito pequenos, e muitas vezes apenas ••prazo. •
46 L, Á. Machado da-Silva
Quando a gente entra lá (nas dependências Na verdade, a atuação de um político
de determinado órgão do Governo), precisa
tomar muito cuidado. Se eu apertar a mão favelado de nível supralocal pouca di-
de uma pessoa com mais força, fico logo *ferença tem da de um político (seja o
queimado com o pessoal do outro grupo. candidato ou o parlamentar) não fave-
, lado, cuja base eleitoral sejam as fave-
las.
OUTRO ASPECTO da compartimentaliza-
zação da ação política- do favelado é
sua característica local. Na verdade, PAKECE-MB que a característica funda-
até aqui •—• exceção feita à rápida men- mental do "político favelado" é sua con-
ção das relações entre a política das fa- dição de membro periférico e mais ou
velas e dos sindicatos — tenho sempre menos independente dos grupos e sub-
contraposto o "político de nível supra- grupos partidários (o que não significa,
local" ao "político favelado". Isso pode em absoluto, ausência de relações e mes-
parecer estranho, porque, de um ponto mo de vínculos ou acordos com eles, co-
de vista lógico, não ha nenhum impe- mo se verá a seguir), e a orientação lo-
dimento .de que o político favelado exer- cal de suas atividades. A necessidade de
ça suas atividades no nível supralocal, "união entre as favelas", para "discus-
. pelo menos Estadual, e mais. ainda se. são e resolução de problemas comuns",
for considerada a existência de um ór- é .eonstantemente salientada pela "bur-
gão de cúpula como a FAFEG (Fede- guesia favelada", e pode-se mesmo di-
ração -das Associações de Favelas do zer que tem uma base concreta bastan-
Estado da Guanabara). te sólida (o sentimento de que a favela
De fato, além de alguns políticos fa- não se define apenas pelas condições lo-
velados conseguirem atuar acima do ní- cais de habitação, mas também pelos
vel meramente local (embora poucos), laços de amizade e parentesco entre
a atividade cotidiana do político ten- uma imensa quantidade de moradores
do sempre a ampliar-lhe a rede de ré-' de favelas diversas, a aquisição regular
lações e influências, fazendo-o trans- de mercadorias numa favela para se-
cender o nível anterior de atuação. rem revendidas em outras, etc.). Mas
Nesse sentido, todo e qualquer político daí para a elaboração de um projeto
favelado — tanto como o não favelado concreto e viável do união política exis-
— teria potencialmente condições de te uma distância muito grande que pa-
superar sua referência local, o que real- rece não ter sido transposta. Para isso
mente acontece com alguns. Entretan- muito contribui a potência eleitoral das
to, na medida em que se amplia sua favelas, pois, se por um lado é um
área de atuação, maior a vinculaçao do dos pilares de sua força política, por1
político com grupos partidários, e maior outro implica no interesse.de um gran-
a dependência deles. Desse modo, quan- de número de grupos políticos externos,
to mais transcende o nível local, cada cuja ação na favela se reflete na divi-
vez mais amplos e profundos os com- são interna dos políticos favelados, que
promissos com as "panelinhas" político- procuram benefieiar-.se daquele inte-
partidárias supralocais, de modo que resse, já que não existe pressão de mas-
as agões são cada vez menos orientadas' sa —• ou seja, dos estratos inferiores
e referidas especificamente às favelas. da favela — sobre os acordos realiza-
A Política na Favela
dos. Isso dificulta não apenas uma adote, tem necessariamente que levar
ação homogénea de cada favela indivi- na devida conta a .diferenciação inter-
dualmente como também a unificação na e as relações pessoais e mais ou me-
política de todas as favelas. Raras .são nos íntimas como pontos fundamentais.
as situações em que as favelas assu-
mem uma posição unívoca, e tudo indi- ' 2) O político favelado (de nível lo.cal
ca que, mesmo nessas exceções, não ou supralocal) não é absolutamente in-
existe propriamente uma união, mas génuo nem inábil •—• pelo .contrário, é
um compromisso transitório, devido à extremamente perspicaz — e aclota uma
convergência de interesses .específicos. atitude que poderia ser qualificada de
Assim, por exemplo, em determinada "realista", cuja principal característica
favela, onde surgiu uma ameaça bas- é orientar-se para os resultados a curto
tante concreta de remoção, .devido a prazo. Qualquer tentativa de ampliar
problemas sobre a propriedade do ter- sua percepção- tem que partir da am-
reno, a diretoria da Associação consti- pliação das perspectivas da prática po-
tuiu uma "Comissão de Entendimen- lítica cotidiana (.como, por -exemplo, a
tos", que incluía representantes de to- introdução de relações políticas perma-
dos os grupos políticos da favela, para nentes entre as favelas e destas com os
manter eontatos com .as autoridades a sindicatos).
fim de evitar a remoção; porém, mes-
mo -durante a criae, houve muitas recla- 3) Qualquer tentativa da ação políti-
mações de que a oposição estava se uti- ca nas favelas, para ser eficaz, tem ne-
lizando da "Comissão de Entendimen- cessàriamnnte que abordar as múltiplas
tos" para projetar-se politicamente, in- vinculações entre a política interna, as
terna e externamente. atividades partidárias e a política ad-
Embora o presente artigo pretenda ministrativa.
apenas descrever alguns aspectos do
problema do processo político nas fave- 4) Qualquer tentativa de proposição
las e seus reflexos nas atitudes, no com- de soluções "técnicas" para os proble-
portamento e na visão política do fa- mas das favelas — seja em que nível
velado, sem defender propriamente uma for — tem necessariamente de levar
tese, algumas conclusões gerais podem em consideração que sua execução fi-
ser tiradas: cará, direta ou indiretamente, a .cargo
das agências supralocais, sobre as
1) Qualquer raciocínio sobre favelas, quais é profunda a influência político-
7lão importa quais as premissas que partidária. •