Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Vilmar Martins1
Não resta dúvida que o trabalho com as cartas é bastante proveitoso para
que possamos refinar nossas interpretações e leituras da filosofia
nietzschiana. Ou seja, seus registros epistolares não são desprezíveis, pois
contêm diversas informações e ideias que possuem inegável valor filosófico.
(p. 146, 2016)
2Salvo indicação contrária, a responsabilidade pela tradução das citações e referências, são de
minha responsabilidade.
3
fazer algo para o próprio bem, está sempre pensando no bem de seus alunos, e cada
conhecimento só o alegra na medida em que pode ensiná-lo” (2005, p. 127).
Em 12 de maio de 1878, na carta 720, endereçada a Paul Rée, Nietzsche
lamenta irritações cotidianas, mas argumenta: “Eu me sinto rejuvenescido, como um
pássaro de montanha empoleirado em cima do todo, ao lado do gelo, contemplando o
mundo lá embaixo” (p. 283). Na mesma carta, logo adiante, também diz: "Estou em
plena atividade acadêmica” (p. 283). Nesta carta é possível observar a docência
enquanto terapêutica espiritual; as aulas se assemelham a um tênue suporte para um
frágil professor Nietzsche.
Começando o semestre letivo no inverno de 1878, a partir de outubro se inicia
uma intensa correspondência com sua mãe e irmã - denominada de “informe
semanal”-, na qual Nietzsche basicamente relata quantas aulas conseguiu lecionar,
quantos dias passou doente, quantos ataques teve, o que mais lhe dói, como estava o
tempo, lamentos pelo frio, pelo preço da lenha, pela falta de comidas específicas etc.
É importante observar a aparente contradição do autor quando se refere a sua
doença nas cartas e na sua obra filosófica. Certamente que a diferença de abordagem
- em que lamenta a doença nas cartas e a aceita nas obras – se dá principalmente
devido à distinção entre os interlocutores, e não por uma suposta contradição.
Nas cartas, o filósofo não tem a necessidade de afirmar sua doutrina a amigos
e família, tratando assim de assuntos triviais e oferecendo um diagnóstico da sua
saúde. Já nos escritos filosóficos, fica evidente o pensamento permeado por suas
vivências, onde o que importa é a explanação da sua teoria, e não a descrição de seus
pormenores existenciais.
A carta 766 de 28 de outubro de 1878 parece desafiar o pressuposto inicial de
atividade docente como terapêutica, pois Nietzsche confessa o esforço que lecionar
lhe exigia: “Eu superei valentemente a primeira semana de aulas” (p. 311). Nessa
mesma missiva, a descrição do clima na Basileia deixa claro o porquê deste esforço:
“O tempo até agora é muito desfavorável, sempre vento cálido ou chuva, ultimamente
choveu cerca de 40 horas seguidas”.
Alguém sensível ao clima, como era Nietzsche, sente duramente essa
adversidade. O ambiente almejado pelo filósofo está explícito em suas obras e
confessado na carta 727 de 16 de junho de 1878, endereçada a Rohde: “Eu erigi meu
ideal de vida – o ar fresco e puro dos cumes, o aprazível cálido que me rodeia” (p.
289).
4
cada uma delas me destrói.” (p. 340). O diagnóstico não melhora na carta 823: “Outro
ataque terrível (o segundo do inverno com vômitos), que me deixou em frangalhos:
precisei suspender as aulas por completo.” (p. 342).
O lamento a Paul Rée, explicitado na carta 842 de 15 de abril de 1879, sela o
destino do professor Nietzsche: “Talvez eu tenha que deixar a universidade,
fundamentalmente por causa dos olhos e da cabeça” (p. 352). A carta 845 para sua
mãe e irmã não deixa dúvida, Nietzsche vai abandonar a Basileia: “Ataque atrás de
ataque, aqui e ali, incapaz até agora de lecionar” (p. 353). Fica explícito que, no auge
da sua doença, Nietzsche especula causas da piora: ora o clima não lhe é benéfico,
ora as classes lhe exigiam muito.
Por fim, a fatídica carta 846, endereçada a Carl Burckhardt, solicitando seu
afastamento:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIAS, Rosa Maria. Nietzsche Educador. 2 ed. São Paulo: Editora Scipione. 1993.
3Uma pequena sociedade lítero-musical que Nietzsche organizou com mais dois colegas de colégio:
Gustav Krug e Wilhelm Pinder.
10