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CARTAS DE 1878 E 1879: A DESPEDIDA DO PROFESSOR NIETZSCHE

Vilmar Martins1

A proposta do presente texto é analisar como Nietzsche dialoga com seus


interlocutores sobre os últimos anos de sua experiência docente, ou seja, seus
dilemas pedagógicos, existenciais e de saúde que culminaram no pedido de
afastamento da função de professor na Universidade da Basileia.
Seguindo a organização das cartas nietzschianas realizada por Luis Enrique
de Santiago Guervós para o Editorial Trotta, a análise se limitará ao volume 3 da
coleção “correspondências completas”, especificamente da carta 675 datada de 01 de
janeiro de 1878 até a carta 846 de 02 de maio de 1879, esta em que Nietzsche solicita
seu afastamento.
A hipótese que gostaria de sustentar é que nessas cartas é possível observar
uma certa gênese das percepções pedagógicas e filosóficas de Nietzsche que serão
exploradas nas obras que surgem principalmente a partir de 1880.
Para esta análise, arregimento como cúmplice teórico o professor Fernando
de Sá Moreira e seu artigo "Contribuições ao estudo das cartas de Nietzsche: Análise
e levantamento de possibilidades a partir do caso Schopenhauer ":

Não resta dúvida que o trabalho com as cartas é bastante proveitoso para
que possamos refinar nossas interpretações e leituras da filosofia
nietzschiana. Ou seja, seus registros epistolares não são desprezíveis, pois
contêm diversas informações e ideias que possuem inegável valor filosófico.
(p. 146, 2016)

Moreira (2016), propõe 3 formas de abordagens das cartas de Nietzsche: A


primeira: uma análise estatística, verificando e comparando a frequência, presença
ou ausência de certos conteúdos nas cartas de Nietzsche. No artigo em questão, o
autor verifica quantitativamente quantas vezes Nietzsche se refere a Schopenhauer e
compara com as menções a outros pensadores como Platão, Kant etc.
Não é de meu intento realizar esse tipo de análise, pois ela pouco contribui
para minha proposta. Quantitativamente é possível observar que, no seu último ano
letivo, até maio de 1879, Nietzsche escreve 171 cartas, e se refere a sua atividade
docente em apenas 23 missivas, sendo que 14 destas cartas são endereçadas a sua
família (mãe e irmã, conjuntamente). Elas constituem, desta forma, sua maior
1 Doutorando no PPGE/UFSC – E-mail: vilmarmartins@hotmail.com
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interlocução em questões docentes nesse período.


A segunda análise proposta por Moreira é: observar a recepção de
Nietzsche a certas ideias, conceitos e pensamentos a partir das leituras e diálogos
que realiza no período determinado. Esta é uma análise muito utilizada por
comentadores de Nietzsche e bastante frutífera na produção acadêmica, porém se
demonstra descabida para minha proposta de observar como Nietzsche se despede
da Basileia e de especular as consequências desse ato.
Por fim, a terceira proposta se apresenta como uma análise de caráter
genético sobre as percepções de Nietzsche. Esta considero uma proposta que vai ao
encontro dos objetivos deste artigo, pois penso ser possível observar nas cartas de
Nietzsche princípios de ideias que serão desenvolvidas posteriormente em suas
obras.
O ano de 1878 não começa bem no que se refere às questões docentes. A
primeira carta a se referir ao tema, datada de 11 de fevereiro, endereçada a Carl
Buckhardt - administrador da universidade da Basileia -, Nietzsche lhe solicita o
afastamento do Pädagogium argumentando que:

Em vista do estado permanentemente convulsivo da minha saúde,


recentemente tive novamente a intenção de apresentar-lhe uma
petição para a demissão do meu cargo docente em todas as
instituições de ensino superior nesta cidade. Mas, a opinião e o
conselho do meu médico é que eu não perca a esperança de uma
recuperação, que me deixe em condições de enfrentar pelo menos a
minhas atividades na universidade, desta forma neste momento eu
limito o meu pedido à liberação definitiva das minhas obrigações no
Pädagogium local. (2012, p. 264)2

Observamos nesta carta um professor mais preocupado com seu


desempenho docente do que com sua própria saúde. A intenção inicial é a de abrir
mão do cargo, mas seguindo conselhos médicos e, na esperança de melhora, opta
por se concentrar na universidade, solicitando a dispensa apenas do curso
preparatório para a universidade.
É inegável a paixão docente de Nietzsche, a tal ponto de, na carta 778 de 07
de dezembro de 1878, declarar que: “...as aulas são, como sempre, o meu remédio
espiritual.” (2012, p. 318). Os seus escritos filosóficos espelham essa paixão pela
universidade e pelos estudantes: “Quem é professor geralmente é incapaz de ainda

2Salvo indicação contrária, a responsabilidade pela tradução das citações e referências, são de
minha responsabilidade.
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fazer algo para o próprio bem, está sempre pensando no bem de seus alunos, e cada
conhecimento só o alegra na medida em que pode ensiná-lo” (2005, p. 127).
Em 12 de maio de 1878, na carta 720, endereçada a Paul Rée, Nietzsche
lamenta irritações cotidianas, mas argumenta: “Eu me sinto rejuvenescido, como um
pássaro de montanha empoleirado em cima do todo, ao lado do gelo, contemplando o
mundo lá embaixo” (p. 283). Na mesma carta, logo adiante, também diz: "Estou em
plena atividade acadêmica” (p. 283). Nesta carta é possível observar a docência
enquanto terapêutica espiritual; as aulas se assemelham a um tênue suporte para um
frágil professor Nietzsche.
Começando o semestre letivo no inverno de 1878, a partir de outubro se inicia
uma intensa correspondência com sua mãe e irmã - denominada de “informe
semanal”-, na qual Nietzsche basicamente relata quantas aulas conseguiu lecionar,
quantos dias passou doente, quantos ataques teve, o que mais lhe dói, como estava o
tempo, lamentos pelo frio, pelo preço da lenha, pela falta de comidas específicas etc.
É importante observar a aparente contradição do autor quando se refere a sua
doença nas cartas e na sua obra filosófica. Certamente que a diferença de abordagem
- em que lamenta a doença nas cartas e a aceita nas obras – se dá principalmente
devido à distinção entre os interlocutores, e não por uma suposta contradição.
Nas cartas, o filósofo não tem a necessidade de afirmar sua doutrina a amigos
e família, tratando assim de assuntos triviais e oferecendo um diagnóstico da sua
saúde. Já nos escritos filosóficos, fica evidente o pensamento permeado por suas
vivências, onde o que importa é a explanação da sua teoria, e não a descrição de seus
pormenores existenciais.
A carta 766 de 28 de outubro de 1878 parece desafiar o pressuposto inicial de
atividade docente como terapêutica, pois Nietzsche confessa o esforço que lecionar
lhe exigia: “Eu superei valentemente a primeira semana de aulas” (p. 311). Nessa
mesma missiva, a descrição do clima na Basileia deixa claro o porquê deste esforço:
“O tempo até agora é muito desfavorável, sempre vento cálido ou chuva, ultimamente
choveu cerca de 40 horas seguidas”.
Alguém sensível ao clima, como era Nietzsche, sente duramente essa
adversidade. O ambiente almejado pelo filósofo está explícito em suas obras e
confessado na carta 727 de 16 de junho de 1878, endereçada a Rohde: “Eu erigi meu
ideal de vida – o ar fresco e puro dos cumes, o aprazível cálido que me rodeia” (p.
289).
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Em 3 de novembro de 1878, na carta 767, ao realizar o reporte semanal a sua


irmã e sua mãe. Nietzsche lamenta o primeiro cancelamento de uma aula no semestre
devido a sua condição de saúde. Mesmo que nos últimos anos Nietzsche tenha
intercalado parcos períodos de docência e longos períodos de afastamento, o primeiro
cancelamento de aulas é sempre lamentado: “Com grande amargura, ontem tive que
cancelar a aula pela primeira vez, já que me sentia mal desde a noite de quinta-feira.
Apenas hoje (sábado) eu consegui ler novamente. Está frio, abaixo de zero (p. 311)”.
Mais uma vez o clima é apresentado como o grande vilão, enquanto elemento que
agrava sua já fragilizada saúde.
Na carta 768 de 09 de novembro de 1878, o sentimentalismo perante a
atividade docente parece ter se dissipado, pois Nietzsche se limita a dizer: “Acabo de
dar as aulas, a semana está superada (p. 312)”. Começa a evidenciar-se uma certa
repulsa pela atividade acadêmica, pois essa apenas faz piorar sua saúde: as aulas
passam a serem encaradas cada vez mais como um fardo; o alento da docência se
dissolve pouco a pouco.
Em diálogo com Marie Baumgarter na carta 775 de 26 de novembro de 1878,
é apontado um elemento até então ausente, a pressão familiar pela renúncia da
atividade acadêmica:

Na quinta pela noite não consegui voltar para te cumprimentar – tive


um violento ataque que me castigou também na sexta. Permaneço
doente desde então e tenho lecionado minhas aulas a duras penas.
Meus familiares me pedem: Desista! Renuncie! (p. 317)

Segundo as notas do editor das correspondências nietzschianas, não se


conservaram as cartas onde Elizabeth e Franziska solicitam que o filósofo renuncie,
porém a pressão familiar pelo abandono das aulas auxilia a compreender como
alguém apaixonado pela docência - que, mesmo diante de crises que se agravam dia
a dia, não desiste das classes, permanecendo resoluto em sua convicção professoral,
até que em maio de 1879 - é levado a renunciar.
As cartas 777, 778 e 780 são puro lamento e reclamações das dores, do clima,
das condições adversas de vida, da opressão que cada aula lecionada suscita, do
peso que aos poucos a Basileia passa a representar.
Na carta 784, um alento: “Tenho a impressão de estar são: a semana sem
ataques, lecionei todas as aulas... (p. 322)”; junto a essas boas notícias, segue um
elogio ao clima: “É pleno inverno ao meu redor, tudo está nevado: como eu nunca
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havia vivido na Basileia. Magnífica a paisagem de Santa Margarita. As árvores quase


se quebram debaixo do peso da neve (p. 322) ”. Mais uma vez fica evidente a
correlação entre clima e saúde em Nietzsche. Ao que tudo indica, o filósofo gosta dos
extremos, pois se antes lamentava o frio, agora o louva quando extremo.
Na primeira carta de 1879, onde se refere a questões docentes, Nietzsche
afirma ter lecionado todas as classes, mas sua saúde tem piorado de tal forma que ele
já espera o pior. A carta 796 de meados de janeiro, composta de duas linhas
endereçadas a Overback, deixa evidente “Uma fortíssima dor ininterrupta desde
ontem à noite. Como acabará? Impedido de dar aulas” (p. 328). É visível o esforço do
professor Nietzsche para prosseguir.
A carta 801 de 03 de fevereiro, endereçada a sua irmã, evidencia o papel de
Overback nos cuidados a Nietzsche: "Overbeck me convenceu a suspender todas as
aulas na próxima semana. Caso contrário, eu realmente me acabaria. Ultimamente
está sendo terrível. Mesmo nos dias bons, muitas vezes perco algumas horas por
moléstias de todos os tipos” (p. 330). Sua enfermidade piora, porém os cuidados e o
carinho dos amigos e da família levam Nietzsche a continuar.
A carta 797 de 18 de janeiro de 1879 reafirma a falta que as aulas fazem e o
quanto Nietzsche lamenta estar impedido de lecionar: “Mas a interrupção das aulas
me causa muito desgosto.” (p. 329). Neste período o filósofo intercala amor e ódio à
Basileia e à universidade.
Novamente as aulas cobram seu preço e Nietzsche lamenta a sua irmã e sua
mãe na carta 802 de 09 de fevereiro de 1979: “As aulas, no entanto, me obrigam a
pensar muito, não faço outra coisa, jamais vivi um inverno tão em função da tarefa de
retomar minha saúde; por isso está sendo muito instrutivo para mim. ” (p. 331). O
desfecho da tragédia começa a se desenhar: “Estar só é o mais precioso no meu
método de cura, não se preocupem com isso. Se não melhorar no verão, abandonarei
a universidade” (p. 332).
A partir de fevereiro de 1879, Nietzsche escreve uma série de cartas
lamentando a doença e seus efeitos nas aulas. Carta 804: “Enxergo o suficiente, mas
já não para as aulas, da cabeça não quero nem falar, tive dores de cabeça por 6 dias,
exceto quando eu dormia. ” (p. 332). Carta 805: “Me atrevi a lecionar uma única aula –
agora por uma semana será impossível. ” (p. 333).
Conforme explicitado na carta 818, o amor às aulas se converte em ódio:
“Acabo de ter um ataque de três dias, hoje estou um pouco melhor. Malditas aulas,
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cada uma delas me destrói.” (p. 340). O diagnóstico não melhora na carta 823: “Outro
ataque terrível (o segundo do inverno com vômitos), que me deixou em frangalhos:
precisei suspender as aulas por completo.” (p. 342).
O lamento a Paul Rée, explicitado na carta 842 de 15 de abril de 1879, sela o
destino do professor Nietzsche: “Talvez eu tenha que deixar a universidade,
fundamentalmente por causa dos olhos e da cabeça” (p. 352). A carta 845 para sua
mãe e irmã não deixa dúvida, Nietzsche vai abandonar a Basileia: “Ataque atrás de
ataque, aqui e ali, incapaz até agora de lecionar” (p. 353). Fica explícito que, no auge
da sua doença, Nietzsche especula causas da piora: ora o clima não lhe é benéfico,
ora as classes lhe exigiam muito.
Por fim, a fatídica carta 846, endereçada a Carl Burckhardt, solicitando seu
afastamento:

Basileia, 2 de maio de 1879


Ilustríssimo senhor presidente:
O estado de minha saúde, por cuja causa eu tenho que me dirigir a você com
o mesmo pedido em mais de uma ocasião, me faz dar hoje o último passo e
expressar o rogo de que permita-me retirar-me do meu cargo de professor na
Universidade. As dores de cabeça que aumentaram pouco a pouco até
tornarem-se extremas, as cada vez maiores perdas de tempo que sofro por
ataques que perduram de 2 até 6 dias, a considerável diminuição da minha
capacidade de ver que foi constatada recentemente (pelo professor Schiess)
e que apenas me permite ler e escrever sem dor no máximo 20 minutos –
tudo isso em conjunto me obriga a admitir que já não posso cumprir com
minhas obrigações acadêmicas e que a partir de agora já não posso
desempenhá-las em absoluto, depois de haver incorrido - com sua permissão
nos últimos anos em diversas irregularidade no cumprimento desses deveres,
com grande pesar em cada ocasião. Seria em detrimento de nossa
Universidade e dos estudos de filologia a ela adjuntos que eu continuaria a
desempenhar um posto para o qual eu já não estou mais à altura, tampouco
posso contar em breve com uma melhora do estado da minha dor de cabeça,
dado que desde muitos anos tenho feito tratamentos atrás de tratamentos
para acabar com essa dor, também disciplinei a minha de forma muito estrita
com renúncias de todo tipo – em vão, como hoje quando eu já não tenho
nenhuma fé em poder suportar minha afeição por mais tempo, devo
confessar a mim mesmo. Desta forma só me resta expressar, com profundo
pesar, o desejo de que me dispende do cargo em conformidade com o artigo
20877 dos estatutos da universidade, junto com o agradecimento pelas
numerosas mostras de benévola indulgência com as quais fui agraciado pela
diretoria desde o dia da minha nomeação até hoje.
Entretanto te rogo, ilustre senhor presidente, que interceda em favor da
minha petição, eu sou e serei com particular deferência seu atentíssimo
Dr. Friedrich Nietzsche,
professor ordinário.
(carta ditada)

Nietzsche deixa a Basileia. Ao todo 10 anos da sua vida foram dedicados à


docência. Conforme Dias, 1993: a atuação de Nietzsche na universidade foi marcada
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por um grande amor acadêmico, pesquisa e dedicação aos estudantes. “Poucos


professores foram tão estimados pelos alunos quanto Nietzsche. Seu temperamento,
suas maneiras, o charme de sua personalidade afável fascinava-os”. (Dias, 1993, p.
51). A experiência da Basileia marcou profundamente o filósofo, especialmente as
relações ali criadas que o acompanharam pelo resto da vida.
Mesmo com todo seu amor à universidade e à docência, Nietzsche também
foi um grande crítico da instituição universitária. Ao falar sobre o pensamento
acadêmico a partir da ótica de Schopenhauer, o filósofo afirmar na carta 113 de 15 de
dezembro de 1870: “Aqui não é possível construir uma essência da verdade
completamente radical. Sobretudo não poderá sair daqui nada verdadeiramente
revolucionário” (Nietzsche, 2012b, p. 174).
Até mesmo quando fala das possibilidades de educação para um caráter forte,
as opções institucionais são sempre limitadas: “O ambiente em que é educada tende a
tornar cada pessoa cativa, ao lhe pôr diante dos olhos um número mínimo de
possibilidades. O indivíduo é tratado por seus educadores como sendo algo novo,
mas que deve se tornar uma repetição” (2005, p. 146).
Este pensamento perpassa uma anotação de 1876: “Todas as escolas
públicas são adaptadas para as naturezas medíocres, quer dizer, para aquelas cujos
frutos não são levados em conta quando amadurecem” (2008, p. 257).
A partir dos dados apresentados, uma questão se mostra relevante: até onde
reportar-se à piora de sua saúde, à Basileia e à universidade não alimentou em
Nietzsche seu pensamento anti-institucional? O outrora apaixonado professor
Nietzsche não se dedica a pensar as instituições de ensino em obra posterior à
docência. A formação institucional parece relegada a segundo plano, o filósofo passa
a ocupar-se da formação do humano, e não de sua educação.
Certamente as análises nietzschianas sobre a moral são aplicáveis à
educação. Porém, o filósofo não aplicou suas hipóteses à universidade da mesma
forma como aplicou à igreja, por exemplo.
Provavelmente estaria a compreensão da Basileia, enquanto catalisadora de
sua doença, na esteira de compreensões posteriores, tais como a da anotação de
1888? “A educação é um sistema de meios que visam arruinar a exceção em proveito
da regra. A instrução um sistema de meios que visam ensinar o gosto contra a
exceção, em proveito dos medíocres” (2012c, p. 434).
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Da mesma forma também é válida a questão: acaso a recusa pela instituição


também não poderia ser pensada como motivadora dos elogios nietzschianos à
solidão e à autoformação? “Paulatinamente esclareceu-se, para mim, a mais comum
deficiência de nosso tipo de formação e educação: ninguém aprende, ninguém aspira,
ninguém ensina – a suportar a solidão” (2016, p. 205).
Estaria Nietzsche defendendo uma “contraeducação”? Ou ainda visando
possibilitar ao estudante insurgir-se contra a formação recebida, no caminho de
tornar-se o que se é, observando esta resistência como necessária, pois, “Conforme
nos educam hoje, adquirimos primeiro uma segunda natureza, e a possuímos quando
o mundo diz que chegamos à maturidade, emancipados, tornados úteis” (2016, p.
208).
Nos poucos escritos sobre educação institucional em período posterior à
Basileia, Nietzsche realizará uma análise crítica, argumentando o desperdício dos
anos dedicados a um arremedo de imitação clássica, incapaz de reproduzir um só
valor ou comportamento antigo, não passando de uma “(...) dissipação da nossa
juventude quando nossos educadores não empregam estes anos ardentes e ávidos
de saber para conduzir-nos ante o conhecimento das coisas, mas o empregam na
“educação clássica” (2016, p. 130).
Esses pressupostos também aparecem como exigência: “No caso do
indivíduo, a tarefa da educação de um povo forte é a seguinte: torná-lo tão firme e
seguro que, como um todo ele já não possa ser desviado da sua rota” (2005, p. 143).
Quanto às instituições, Nietzsche gostaria que elas “(...) ensinassem o
pensamento rigoroso, o julgamento prudente, o raciocínio coerente; por isso ela deve
prescindir de todas as coisas que não são úteis a estas operações, por exemplo, da
religião” (p.167).
Os mestres se tornam presa fácil das críticas nietzschianas e de seu afã
anti-institucional, pois os professores não conseguem dar conta das forças culturais
às quais tem acesso, de tal forma que, no final de um processo educativo, os
estudantes acreditam até mesmo que quem os formou foi o acaso, pois seus mestres:
“Eles mesmos não são educados: como poderiam educar? Eles mesmos não são
troncos que cresceram retos, vigorosos e plenos de seiva: quem a eles se ligar, terá
de se torcer e se curvar, e afinal se mostrar contorcido e deformado” (2017, p. 72).
A crítica leva Nietzsche a visitar ideias da juventude e a proposta da
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Germânia 3 , onde grupos de amigos que acaso quisessem desfrutar de um


conhecimento a partir dos livros acessariam o conhecimento de forma mais curta e
natural do que se sujeitando à escola e mestres: “Como o autodidatismo e a educação
em grupo se generalizam, o mestre, em sua forma costumeira, deve se tornar
praticamente supérfluo” (2017, p.198).
Pensando o papel da educação institucional em contraponto a uma educação
mais livre a partir de um pensador, Nietzsche (2017) argumenta que um pensador só
pode falar de autoformação, pois a educação da juventude, quando realizada por
outrem, não passa de um nivelamento, uma adequação: tudo para dar conta dos
hábitos vigentes, esta seria uma tarefa indigna de um pensador. Um pensador apenas
adentraria em um processo formativo quando: “Um dia, quando há muito tempo
estamos educados, segundo a opinião do mundo, descobrimos nós mesmos: começa
então a tarefa do pensador, é tempo de solicitar-lhe ajuda – não como um educador,
mas como um autoeducado que tem experiência” (2017, p. 226).
O outrora apaixonado professor Nietzsche se torna um arauto da
autoformação e ferrenho opositor das instituições, suas percepções sobre a formação
humana até hoje ressoam em nossas tentativas de fazer frente às instituições e nas
críticas necessárias a todos os processos niveladores do humano.
Certamente que concluir apressadamente e tentar reduzir absolutamente as
posições de Nietzsche às cartas seria simplista, descabido e reducionista. Dadas as
questões levantadas, permaneço com a dúvida e convido novamente a pensar: teria a
Basileia cobrado tão alto preço?

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DIAS, Rosa Maria. Nietzsche Educador. 2 ed. São Paulo: Editora Scipione. 1993.

MOREIRA, Fernando de Sá. Contribuições ao estudo das cartas de Nietzsche:


Análise e levantamento de possibilidades a partir do caso Schopenhauer. Estudos
Nietzsche, Espírito Santo, v. 7, n. 1, p. 125-149, jan./jun. 2016.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais.

3Uma pequena sociedade lítero-musical que Nietzsche organizou com mais dois colegas de colégio:
Gustav Krug e Wilhelm Pinder.
10

Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo-SP: Companhia de bolso. 2016.

___________, Friedrich Wilhelm. Correspôndencia III - Enero de 1875 a Diciembre


de 1879. Tradução e notas de Andrés Rubio. Organização Luis Enrique de Santiago
Guervós. Editorial Trotta. Madrid. 2012.

___________, Friedrich Wilhelm. Correspôndencia II - Abril 1869 a Diciembre de


1874. Tradução e notas de Andrés Rubio. Organização Luis Enrique de Santiago
Guervós. Editorial Trotta. Madrid. 2012b.

__________, Friedrich Wilhelm. Fragmentos póstumos 1875 – 1882: Volume II.


Tradução de Manuel Barrios e Jaime Aspiunza. Madrid: Espanha. Editora Tecnos,
2008.

__________, Friedrich Wilhelm. Fragmentos póstumos 1887 – 1889: Volume VII.


Tradução de Marco Antônio Casanova. Rio de Janeiro-RJ. Forense Universitária,
2012c.

__________, Friedrich Wilhelm. Humano, demasiado Humano: um livro para


espíritos livres. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia de bolso.
2005.

__________, Friedrich Wilhelm. Humano, demasiado Humano: um livro para


espíritos livres, volume II. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia de
bolso. 2017.

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