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Revista

do professor de educação infantil

Educação
da Criança de
Programa apóia a construção
0 a 3 anos em
de creches e pré-escolas e dá
espaço coletivo
assessoria a municípios
entrevista: matéria especial: artigo:

Maria do Pilar Programa apóia a construção Pelo direito à educação infantil:


Lacerda Almeida de creches e pré-escolas Movimento Interfóruns de
e Silva Educação Infantil do Brasil
expediente

Presidência

Ministério da Educação

Secretaria Executiva

Secretaria de Educação Básica

Diretoria de Concepções e Orientações Curri-


culares para a Educação Básica

Coordenação Geral de Educação Infantil

Jornalista Responsável
César Augusto Pinheiro de Oliveira

Editor
Alex Criado

Reportagem
Adriana Maricato e Heloisa d`Arcanchy.

Colaboradores
Adrianne Ogêda Guedes, Ângela Maria F. Rabe-
lo Barreto, Magda P. Muller Lopes, Maria Carmem
Silveira Barbosa, Maria Clotilde Rossetti Ferreira e
Rodrigo Faleiro.

Direção de Arte e Produção


Tech Gráfica

Criação e Projeto Gráfico


Daniel Ribeiro

Diagramação e Editoração
Daniel Ribeiro

Fotografias
André Dusek, Júlio Cesar Paes de Oliveira, Edu-
cadoras do Berçário/Maternal da Creche Carochi-
nha/Coseas/USP

Revisão
Margaret de Palermo Silva

Foto Capa
Educadoras do Berçário/Maternal da Creche Ca-
rochinha/Coseas/USP

Envie cartas para o endereço:


Ministério da Educação/SEB/DCOCEB –
Coordenação Geral de Educação Infantil
Esplanada dos Ministérios, Bloco L – Edifício Sede,
6º andar – Sala 623
70047-900 Brasília – DF. Tel: (61) 21048645
E-mail: revistacrianca@mec.gov.br
Tiragem dessa edição: 268.470 exemplares
Dezembro de 2008

2 • revista criança
sumário

5 9 24

4 carta ao professor

5 entrevista
Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva

9 caleidoscópio
Educação da Criança de 0 a 3 anos em espaço coletivo

20
matéria especial
Programa apóia a construção de creches e pré-escolas e dá as-
sessoria a municípios

24 artigo
Pelo direito à educação infantil: Movimento Interfóruns de
Educação Infantil do Brasil

27 professor faz literatura


Afinal, o que é ser professor?

28 relato
Professores premiados do Brasil

34 reportagem
Bebês vão ao teatro

39 resenha

41 cartas

42 notas

43
arte
A Última Ceia

revista criança • 3
carta ao professor

Prezada professora, prezado professor:

E
ste número da Revista Criança apresenta uma entrevista com a secretária de
educação básica do MEC, professora Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva,
na qual são discutidos os desafios atuais da educação infantil brasileira e as
propostas do governo federal.
A Matéria Especial aborda o Programa Nacional de Reestruturação e Apa-
relhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil – Proinfância, uma das
ações que compõem o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). O Proinfância
visa a contribuir com os municípios para garantir o direito das crianças de até 5 anos e
11 meses de idade à educação infantil de qualidade. Em 2008, o Fundo Nacional de De-
senvolvimento da Educação (FNDE) firma acordo com 955 municípios conveniados com
este objetivo.
Dentre os inúmeros desafios da educação infantil no país, destaca-se o atendimento
da faixa etária de 0 a 3 anos. Quais princípios devem orientar a educação de crianças tão
pequenas em espaços coletivos? Qual o papel da professora? Discutir diretrizes políticas,
orientações curriculares, práticas pedagógicas, entre outros, para a criança desta faixa
etária é um caminho na perspectiva de reafirmar o atendimento em creches como parte
da educação básica.
A seção Caleidoscópio apresenta a visão de conhecidos pesquisadores em relação
à educação da criança de 0 a 3 anos, a fim de contribuir com o professor, sobre as pos-
sibilidades de trabalho, a partir das características e especificidades desse período da
infância. A professora Maria Clotilde Rossetti Ferreira destaca a indissociabilidade entre
cuidar e educar na educação da criança pequena. A professora Maria Carmem Silveira
Barbosa incita à construção de projetos educacionais voltados para esta faixa etária. E a
professora Adrianne Ogêda Guedes ressalta a importância da comunicação com bebês
e com crianças pequenas na educação infantil.
A reportagem Bebês vão ao teatro relata o trabalho desenvolvido por uma companhia
de teatro da Espanha, denominada La Casa Incierta, que propõe a aproximação entre a
arte e a primeira infância, por meio da criação de um universo poético conjunto. A experi-
ência teatral evidencia a competência social dos bebês e abre possibilidades de trabalho
com teatro desde os primeiros meses de vida.
O artigo de Ângela Maria F. Rabelo Barreto mostra a importância dos movimentos so-
ciais na luta para garantir educação infantil de qualidade a todas as crianças de até 5 anos
e 11 meses de idade ao descrever o surgimento e atuação do Movimento Interfóruns de
Educação Infantil no Brasil (Mieib).
O relato dos trabalhos vencedores do último Prêmio Professores do Brasil evidencia
a importância de observar e estar conectado com a criança para o sucesso da ação pe-
dagógica na educação infantil. Já a seção Cartas procura esclarecer algumas dúvidas
acerca da Lei 11.274, que amplia o ensino fundamental para nove anos
Envie artigo, pergunta, relato de experiência, criação literária para a Coordenação Ge-
ral de Educação Infantil (Coedi). Não se esqueça de autorizar a publicação na Revista
Criança, caso sua contribuição seja selecionada. Nossa equipe está interessada no diá-
logo com as professoras e os professores.
Desejamos que este número contribua de forma efetiva com sua reflexão sobre o de-
senvolvimento e a educação da criança de até 5 anos e 11 meses de idade.

Boa leitura!

4 • revista criança
entrevista

Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva

As duas demandas
da educação infantil:
quantidade e
qualidade
Adriana Maricato / Brasília/DF

N
os últimos meses, a educação brasileira ganhou um reno-
vado alento. Programas, projetos e um novo modelo de
financiamento levam o país a encarar outras perspectivas
no que diz respeito à qualidade do ensino público.
Como secretária de educação de Belo
Horizonte e presidente da União Nacional
dos Dirigentes Municipais de Educação
(Undime), Maria do Pilar Lacerda Almeida
e Silva participou de todo o processo de
discussão e aprovação do Fundeb. Ago-
ra, como secretária de educação básica
do Ministério de Educação, sua tarefa
é implantar o novo fundo e levar a cabo
programas que induzam mudanças qua-
litativas, sobretudo na educação infantil,
como o Proinfância.
Nesta entrevista, Maria do Pilar fala so-
bre o significado dessas inovações para a
qualidade da educação em nosso país.

Qual é o quadro atual da


educação básica no Brasil?

Maria do Pilar - O quadro


é positivo, os índices dão si-
nal de melhora. Aumentamos
a inclusão das crianças, pra-
ticamente universalizando o

revista criança • 5
entrevista
ensino fundamental. Entretan- ciamento da educação infan-
to, ainda hoje, existem cerca til, inclusive o da creche. O
de 650 mil crianças entre 6 e mais importante e inovador
14 anos fora da escola, o que é que está financiando tam-
para o Brasil como um todo é bém a rede conveniada. O
muito pouco, mas para cada Proinfância, programa do go-
uma dessas crianças é muito verno federal, vai investir R$ 1
grave. Estamos aumentando bilhão entre 2007 e 2008 na
o atendimento da educação construção de mil escolas de
infantil e fazendo uma abran- educação infantil em 950 mu-
gente e profunda discussão nicípios, além do esforço que
sobre o ensino médio. os próprios municípios fazem
As perspectivas são boas, na construção de creches.
com a aprovação do piso na- Vamos repetir esse número
cional salarial para os profes- entre 2009 e 2010.
sores, o fim da Desvinculação
de Recursos da União (DRU) Como a senhora avalia as
para a educação e o Índice de demandas da educação in-
Desenvolvimento da Educa- fantil?
ção Básica (IDEB), mostran-
do que as séries iniciais co- Maria do Pilar - Existem
meçam a reagir. Esperamos duas grandes demandas:
que, nos próximos anos, isso quantidade e qualidade. Ain-
se reflita nas séries finais e no da não há prédios suficientes
ensino médio. para atender todas as crian-
ças, que é uma demanda
Quais são os principais de- primária. Depois há necessi-
safios da educação infantil dade de definir e aprofundar
atualmente? melhor o nosso projeto peda-
gógico para a infância e pen-
Maria do Pilar - Preci- sar em como realizar esse
Precisamos samos aumentar expressi- atendimento, fazer com que
aumentar vamente o atendimento às ele seja coerente com as ne-
crianças de 0 a 3 anos, pois cessidades das famílias, com
expressivamente somente 15% delas estão em os orçamentos municipais
o atendimento creches. Nós já dispomos de e que inove ao reconhecer
um atendimento maior para esse sujeito, que é a criança
às crianças de as de 4 e 5 anos, mas temos de 0 a 5 anos de idade. Ele
0 a 3 anos, pois também de aumentar a cons- demanda projeto pedagógi-
trução de prédios escolares co diferenciado, espaço físi-
somente 15% e discutirmos mais o projeto co adequado e profissionais
delas estão em pedagógico da pré-escola. O com formação muito especí-
primeiro ponto para viabilizar fica. Temos clareza da prio-
creches. isso é o financiamento para a ridade e da importância da
educação infantil. educação infantil, mas ain-
O Fundeb incluiu o finan- da há muito trabalho a ser

6 • revista criança
entrevista
feito, tanto na questão do contação de histórias, das ro-
financiamento quanto das tinas. Tudo isso é fundamental
concepções. para que a construção tenha
sentido. Não é suficiente um
Quais as perspectivas para prédio ser bonito, mas vazio
educação infantil com a im- em termos de conteúdo. Deve
plantação do Fundeb? ter um objetivo educacional
a partir do entendimento de
Maria do Pilar - De cres- quem é essa criança. Por isso
cimento! Mas é importante o equipamento da educação
destacar que o Fundeb remu- infantil é estratégico. Uma
nera apenas a matrícula das escola de educação infantil
crianças. Para a prefeitura que seja tratada igual a uma
receber recursos do Fundeb, escola de séries finais do en-
ela deve construir as escolas sino fundamental torna-se um
e matricular as crianças. Por desastre. As cadeiras devem
isso o Proinfância destina re- ser adequadas, as cores di-
cursos para os municípios. ferentes, os brinquedos muito
Portanto, a perspectiva é que bem especificados para não
haja um crescimento grande haver peças pequenas, por
da educação infantil. exemplo. É uma fase que exi-
ge muito detalhamento, muito
O Proinfância revelou enor- critério e muita clareza da fun-
me demanda dos municí- ção daquele espaço, que não
pios em relação a investi- é um depósito de crianças.
mentos do governo federal.
A senhora considera que Qual é o papel da educa-
a construção já assegura ção infantil na formação do
uma educação infantil de leitor?
qualidade?
...quanto mais Maria do Pilar - Trata-se
Maria do Pilar - A cons- de um equívoco achar que a
cedo histórias trução da obra é parte do pro- educação infantil não pode
orais e escritas cesso, mas ela isoladamente
garante pouca coisa além da
trabalhar com leitura, pois
quanto mais cedo histórias
entrarem na vida vaga. O prédio só vai asse- orais e escritas entrarem na
gurar uma educação de qua- vida das crianças, maiores
das crianças, lidade se vier acompanhado as chances de elas gostarem
maiores as de um projeto pedagógico de ler. Primeiro, as crianças
consistente e um grupo de escutam histórias lidas pelos
chances de elas profissionais com formação adultos, depois conhecem o
gostarem de ler. muito sólida. Eles têm que livro como um objeto. Mesmo
saber quem é aquela crian- antes da alfabetização, folhe-
ça, a diferença entre ela e a ando e olhando figuras, as
criança mais velha, a impor- crianças estão lendo, do jeito
tância das brincadeiras, da delas. Elas também apren-

revista criança • 7
entrevista
dem observando o gesto de a inovação do Proinfância ao
leitura dos outros, as chama- debater com equipes técni-
das “práticas de leitura e de cas das secretarias munici-
escrita”. Além de ter acesso pais. A contribuição do arqui-
aos materiais de leitura, como teto, por exemplo, tem a ver
livros e revistas, as crianças com o projeto pedagógico,
devem aprender a usá-los. pois disso depende a pró-
Por isso se recomendam as pria concepção de sala. As
práticas de roda de leitura, escolas infantis tendem a ter
contação de histórias, leitura salas maiores divididas em
de livros, sistema de malas vários ambientes; elas não
de leitura, de cantinhos, brin- trabalham com a concepção
cadeiras com livros. Então, de sala de aula. Na educação
os professores também pre- infantil, a sala pode ter qua-
cisam se tornar leitores para tro cantos: um de brinquedo,
que sintam prazer no convívio um de descanso, um de ativi-
com o material escrito e pas- dades pedagógicas e um de
sem isso para as crianças. leitura. Assim, a Secretaria de
Educação Básica tem desen-
O MEC tem programas mui- volvido programas para que
to importantes, como o livro as escolas tenham acesso a
didático e bibliotecas nas essas possibilidades.
escolas. Como a senhora
entende a possibilidade de Quais as perspectivas para
um programa específico de que todos os municípios
distribuição de brinquedos? brasileiros sejam contem-
plados pelo Proinfância?
Maria do Pilar - Nós já dis-
pomos de algo semelhante, o Maria do Pilar - À medi-
Os professores Programa de Equipamentos da que o orçamento do MEC
também para a Educação Infantil, que
inclui distribuição de brinque-
possibilite, vamos atender
cada vez mais municípios.
precisam se dos e de livros. Nós fizemos Muitos já fazem o atendimen-
tornar leitores uma cesta de livros para a to da educação infantil com
educação infantil e também recursos próprios. Vamos
para que sintam uma cesta de material espe- priorizar cidades grandes
prazer no cífico para esta faixa etária. A com orçamento pequeno,
escola de educação infantil como algumas capitais do
convívio com o não pode ser vista como um Nordeste, que têm grande
material escrito e lugar de guardar crianças, população, onde a demanda
somente do “cuidar” e, nesse é grande, mas o orçamento
passem isso para sentido, o MEC tem ampliado insuficiente. E também, aque-
as crianças. sua forma de trabalhar. Pen- las cidades que ainda não re-
sar no projeto pedagógico, alizam atendimento.
no equipamento, na forma-
ção de professores, essa é

8 • revista criança
caleidoscópio
caleidoscópio

Foto: Arquivo/divulgação
caleidoscópio

Educação da Criança
de 0 a 3 anos em
espaço coletivo

O
estabelecimento educacional que atende crianças de até 3 anos
de idade enfrenta uma complexidade de demandas basicamen-
te vinculadas a três segmentos: as crianças, seus pais ou famí-
lia, professores e funcionários.
Entretanto, a instituição, embora responda à necessidade de
mães e pais trabalhadores urbanos e rurais e se configure como uma
área de trabalho e emprego, tem como objetivo principal assegurar o
direito da criança à educação.
Desta forma, o grande desafio é construir uma prática pedagógica
de qualidade e fundamentada em uma visão ampla de educação que
afirme a infância como um ciclo de vida pleno de possibilidade.
Isto implica em considerar educação e cuidado como indissociáveis e
a criança como ser ativo, competente e produtor de cultura.
Para participar deste Caleidoscópio convidamos Adrianne Ogêda
Guedes, professora do curso de especialização em educação infantil
da PUC-RJ, Maria Clotilde Rossetti Ferreira, professora da USP (Ribeirão
Preto) e Coordenadora de Investigações sobre o desenvolvimento Hu-
mano e Educação Infantil (CINDEDI) e Maria Carmen Silveira Barbosa,
professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

revista criança • 9
caleidoscópio

A comunicação com bebês


e com crianças pequenas:
a imitação como forma de
conhecer o mundo

G
Adrianne Ogêda Guedes estos, olhares, balbu- infantil e de suas formas de
Doutora em Educação pela Universi- cios, contato, imitação. comunicação com o mundo.
dade Federal Fluminense (UFF/RJ),
A comunicação com Portanto, conhecer os signifi-
professora do curso de especializa-
ção em educação infantil da PUC-RJ. bebês e crianças pequenas cados das ações e interações
Atua também em cursos de forma- nos convida a observar com infantis é fundamental para
ção continuada promovidos pela atenção as diferentes formas nossa atuação nas creches e
Secretaria Municipal de Educação
do Rio de Janeiro e foi consultora do
de expressão que têm curso pré-escolas. Só assim é pos-
Proinfantil. nesse especial momento, os sível apoiar de fato a criança
primeiros anos da vida huma- quando necessário, incenti-
na. Dialogar com os bebês vando-a em suas conquistas
requer interagir com suas e aquisições.
manifestações e com eles Desde muito pequenas,
construir sentidos, apoiando as crianças já possuem mo-
a estruturação da linguagem dos de se aproximarem umas
das outras, que variam indivi-
dualmente e de grupo para
grupo. Podemos ver crian-
ças bem pequenas, com até
1 ano de idade, que mesmo
sem articular a fala encon-
tram formas de estabelecer
parcerias pelo movimento,
pelos gestos, pela imitação
etc. Tomemos essas cenas

ão como exemplos:
lg
vu
vo
/ di No pátio de um espaço de
ui
: Ar
q
educação infantil, algumas
to
Fo
crianças com idade de até 2
anos estão juntas. Uma delas
resolve correr de uma ponta a
outra do pátio. Em seguida to-
das as outras correm, em meio
a gostosas gargalhadas.
Na sala de atividades des-

10 • revista criança
caleidoscópio
se mesmo grupo, a profes- menino, é preciso levar em As experiências partilha-
sora traz uma novidade: uma conta outras informações das entre as crianças vão
sacola cheia de bolsinhas e que possuímos sobre ele e constituindo a história, a cul-
bonés. Assim que apresenta o o grupo. Caso contrário, po- tura do grupo. Essas experi-
material para as crianças, elas deríamos atribuir outros sen- ências permitem que as crian-
se põem a manipulá-los. Uma tidos ao seu movimento (ele ças estabeleçam relações de
das crianças pega uma bolsa, poderia estar querendo colo, confiança, de intimidade, de
põe um boné e acena, como ou mostrando algo em suas pertencimento. Nesse senti-
que se despedindo. Na mes- mãos, ou pedindo para ir ao do a imitação tem papel im-
ma hora a professora pergun- banheiro). portante, o de integrar, criar
ta: “Aonde você vai?”. A crian- Quem já não viu cenas identificações, significados
ça sorri e responde: “Paia” como essas? Tais exemplos partilhados coletivamente.
(praia). A partir daí, o grupo se nos mostram que, a partir A imitação faz parte do de-
contagia com o movimento do do movimento vivido coleti- senvolvimento cognitivo e cul-
amigo e o professor vai insti- vamente, o grupo criou um tural da criança. É pela imita-
gando a brincadeira: “Vocês modo próprio de relação, uma ção que ela vai experimentar
vão de carro? Quem vai diri- brincadeira cujo disparador foi comportamentos e ações
gir? Não corre muito viu? Vão o corpo e o movimento na ob- que talvez ainda não fizes-
tomar sorvete na praia? Etc”. servação do outro (e também se por conta própria. Nesse
Os comentários da professora o objeto, no caso do passeio). sentido ela se coloca em si-
vão provocando novas ações, Mesmo bem pequenas, as tuação de aprendizagem, de
e em pouco tempo todos es- crianças se afetam umas as ampliação de seus recursos
tão dando tchau, agrupando- outras e criam formas próprias de ação. Impulsionada pelos
se como se estivessem em de brincarem juntas. modelos que a cercam, vai
um carro. Nasceu uma nova criando e incorporando no-
brincadeira! O aprendizado pela vas formas de ação.
Todos os dias, em um gru- imitação
po com idade de até 1 ano, As trocas com
as crianças se reúnem numa Relacionar-se com o outro o adulto
sala para brincar. A porta da se dá de muitas e diversas
sala só é fechada na parte in- formas. Uma criança que co- Com Vigotski (1987), com-
ferior. Sendo assim, todos os meçou a freqüentar a creche preendemos que a criança,
que chegam por lá, seja para pode passar alguns dias ou quando imita, apreende a
dar um recado, seja para visi- meses mais observadora. atividade do outro e realiza
tar, são vistos pelas crianças. Aparentemente poderíamos aprendizagem. Não se trata
Esse grupo já conhece bem dizer que ela não está se re- de mera cópia, uma vez que
os espaços da creche e em lacionando, pois não faz ne- para imitar alguém ela preci-
muitos momentos passeia nhum movimento em direção a sa compreender o comporta-
por eles. Um dos meninos do outras crianças. No entanto, se mento do outro, envolver-se
grupo, bastante ativo e de- observarmos o interesse com intelectualmente na atividade,
senvolto em sua caminhada, que ela acompanha as ações o que implica representá-lo e
olha para os visitantes que do grupo, os movimentos e avaliar a adequação de sua
passam por ali e levanta os brincadeiras que passa a fazer imitação. É também desse
braços em direção a eles. a partir dessa observação, po- autor o conceito de Zona de
Ele quer passear! Para en- deremos perceber claramente Desenvolvimento Proximal,
tendermos o significado do o quanto a presença do outro que se refere à diferença en-
movimento de braços deste influencia suas ações. tre o desenvolvimento atual

revista criança • 11
caleidoscópio
da criança e aquilo que ela tuações exteriores, principal-
consegue fazer com o auxílio mente aos parceiros diversos
de outras pessoas. A presen- que formam nosso meio hu-

Foto: Arquivo/divulgação
ça e ajuda do outro permite mano. É na relação com os
que a criança faça mais do outros que vamos compreen-
que conseguiria fazer sozi- dendo o mundo, dando signi-
nha, atingindo novos níveis ficado para as ações, domi-
de desenvolvimento. Aqui- nando formas de agir, pensar
lo que a criança realiza hoje e sentir presentes em nosso
com ajuda poderá amanhã meio cultural, desenvolvendo
realizar sozinha. a capacidade de expressão e
Podemos assim, colocar de linguagem.
em destaque a importância Tomemos como exemplo
das interações das crianças o comportamento do bebê
entre si e com os adultos no em seus primeiros meses de
cotidiano da educação infantil. vida. Inicialmente ele chora
Partimos do princípio de que em reação a diferentes incô-
o desenvolvimento humano modos e ajustes orgânicos:
se dá por meio das interações cólicas, sono, fome, neces-
estabelecidas com outros se- sidades de higiene etc. Os
res humanos, em ambientes adultos responsáveis pelos
físicos e sociais culturalmen- cuidados com o bebê reagem
te estruturados. Portanto, são ao choro e tomam atitudes
essas trocas que se consti- para ampará-lo, oferecendo-
tuem nas oportunidades de lhe alimento, colo, trocando
crescimento e construção de suas fraldas etc.
conhecimentos. Pouco a pouco, o bebê
percebe que sempre que
A linguagem chora obtém a atenção de
do choro seus objetos de afeição. Co-
meça então a chorar não mais
É nos primeiros anos de como ação reflexa: agora seu
vida que muitas crianças choro se torna intencional, isto
freqüentam as creches e é, ele chora para obter a aten-
pré-escolas. Nesse período ção desejada e a resolução
nossa dependência do outro de seus desconfortos. Depois
constitui uma peculiaridade de algum tempo, podemos
especial do desenvolvimen- até diferenciar quando o cho-
to (Wallon, 2007). Ela vai se ro indica fome, ou sono, ou
transformando gradualmen- apenas necessidade de proxi-
te, à medida que a criança midade física. Não apenas o
vai conquistando novas for- bebê vai controlando seu cho- expressão e construindo jun-
mas de ação. ro (mais intenso, mais alto), to com ele novos e diferentes
Desde bebês possuímos como também os adultos que significados, tanto para o cho-
certa organização comporta- se relacionam com ele vão ro quanto para os demais ges-
mental e algumas condições aprendendo, na interação, a tos expressivos que a criança
para perceber e reagir às si- diferenciar suas formas de vai desenvolvendo.

12 • revista criança
caleidoscópio
às suas sensações. Para ela, os diferentes desafios que a
embora reconheça o descon- convivência põe em cena.
forto físico, a discriminação Vimos então que a imita-
entre o que exatamente “está ção é uma forma de conhe-
lhe incomodando” não é cla- cer o outro, de compreender
ra. Se por acaso o adulto rea- formas de se relacionar e
ge ao choro do bebê, achan- expressar a partir da vivên-
do que sempre que ele chora cia com os parceiros, sejam
é porque está com fome e crianças ou adultos. Será a
o alimenta, é provável que partir da interação que as
o bebê comece a associar crianças descobrirão formas
suas sensações desconfortá- socialmente construídas de
veis àquela forma de conforto estar juntas, comunicar-se,
apresentada pelo adulto (ao elaborarem regras coletivas.
alimento, nesse caso). É o encontro com o outro
Por isso é importante inves- que dispara nosso desen-
tigarmos as expressões infan- volvimento.
tis, tentando compreender os
diferentes significados que se
expressam em seus compor-
tamentos. Será por meio de Referências:
nossa ajuda que, desde muito GUEDES, Adrianne Ogêda. A
cedo, o bebê irá compreender comunicação com bebês e com
e dar sentido ao que sente e crianças pequenas (Unid. 5 – OTP
vive. Podemos mesmo dizer mód II). Programa de Formação
que nascemos disponíveis Inicial do Professor da Educação
para o contato com o outro e Infantil em Exercício – PROINFAN-
dependemos dele para nosso TIL. Brasília: MEC/DPEIEF, 2004.
desenvolvimento.
_____________. O corpo nosso de
O aprendizado da convi-
cada dia. Programa Salto para o
vência é potencializado nos
futuro. TVE: abril de 2008. (dispo-
espaços de educação infan-
nível no site do programa).
til. É nesses locais que pri-
vilegiadamente poderemos OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotski -
aprender a negociar com o Aprendizado e desenvolvimento.
outro, reconhecer os dife- Um processo sócio-histórico. São
rentes pontos de vista, lidar Paulo: Scipione, 1993.
com conflitos de interesse,
VYGOTSKI, L. S.. Pensamento e
promover situações coope-
linguagem. São Paulo: Martins
O espaço de rativas, internalizar regras,
Fontes, 1987.
trocar afeto etc. No ambien-
educação infantil te das creches e pré-escolas ____________. A construção do
as crianças poderão ter múl- pensamento e da linguagem. São
Vale destacar que a forma
tiplas oportunidades de se Paulo: Martins Fontes, 2001.
como o adulto vai compre-
ender esse choro será fun- relacionarem, desenvolvendo WALLON, Henri. A evolução psi-
damental para que a criança formas de comunicação va- cológica da criança. São Paulo:
vá também atribuindo sentido riadas. E também de vivenciar Martins Fontes, 2007

revista criança • 13
caleidoscópio

A educação coletiva
do pequeno cidadão
de 0 a 3 anos*

A
Maria Clotilde Rossetti Ferreira inserção das crianças ram que o bebê humano tem
Doutora em Psicologia pela Univer- de 0 a 3 anos de idade uma série de competências
sity of London e professora da USP no sistema de ensino auditivas, visuais e olfativas.
(Ribeirão Preto), onde coordena o
impõe-nos um grande de- Ele também possui maior ex-
Centro de Investigações sobre o
Desenvolvimento Humano e
safio. Como garantir tanto o pressividade do que qualquer
Educação Infantil cuidado quanto a educação outro animal; não apenas ex-
nessa faixa etária? Embora a pressividade facial, mas tam-
relação entre cuidar e educar bém vocalizações, gestos e
seja necessária e indissociá- posturas que favorecem muito
vel em todo e qualquer pro- sua interação e comunicação
cesso educativo, na educa- com outras pessoas.
ção da criança pequena ela Na realidade, o bebê apre-
se torna imprescindível. senta essa interessante con-
Para sobreviver, o filhote tradição: grande imaturidade
humano necessita mais de motora, mas competência
cuidados de um adulto do social única. Essa capacida-
que qualquer outro animal. de é que vai lhe possibilitar
Ao nascer, ele enfrenta uma interagir com outras pessoas,
imaturidade motora muito que irão introduzi-lo na cultura
grande, que o faz depender e interpretarão o mundo para
por longos anos dos outros ele e ele para o mundo. Nas
que dele cuidam. Mas essa condições materiais e sociais
longa dependência também em que os adultos vivem e de
torna o ser humano capaz de acordo com sua cultura, seus
aprender com os outros e de costumes e crenças, eles or-
se adaptar aos mais variados ganizam o ambiente, permi-
ambientes e situações. tindo às crianças pequenas
Inicialmente se achava que, agir nele e sobre ele. Possi-
ao nascer, o bebê era imatu- bilitam, assim, que as coisas
ro e dependente em todos desse mundo façam sentido
os sentidos. Nas últimas dé- para a criança.
cadas, foram desenvolvidos Essa realidade humana
vários estudos que mostra- bastante complexa encon-

*
Este artigo constitui versão modificada de outro publicado anteriormente na revista Pátio Educação Infantil,
Ano I, nº 1 (abril/julho 2003), pág. 10:12, ArtMed Editora, Porto Alegre/RS, com o título: A necessária asso-
ciação entre EDUCAR e CUIDAR. (Cindedi). A autora agradece auxílios da Fapesp e CNPq a suas pesquisas.

14 • revista criança
caleidoscópio
tra-se bem retratada em uma lie Chaplin no filme Tempos lhes era propiciada para exer-
expressão no ditado do povo Modernos. Duas educadoras cer alguma autonomia na situ-
Xhosa, de Nelson Mandela: compunham a situação, com ação, curtir o prazer da água
Pessoas são pessoas através um grupo de 15 crianças de 2 no corpo, aprender, interagir e
de outras pessoas. Tal dita- a 3 anos. O ritmo de umas e de brincar umas com as outras.
do contrapõe-se fortemente outras era bem diferenciado. A organização dessa rotina
à dissociação entre cuidar e Enquanto as educadoras, de cuidados estava claramen-
educar, tão freqüente em es- automática e rapidamente, te prepando as crianças para
colas, pré-escolas e creches. desempenhavam as tarefas serem submissas e passivas,
Esquecemos que, ao cui- de despir, lavar, secar e ves- sem iniciativa e autonomia.
dar ou descuidar da criança, tir uma criança após a outra, A mesma situação do banho
estamos colocando-a em as crianças eram submetidas pode ser trabalhada de for-
certa posição, dando-lhe cer- a um contínuo e longo tempo ma completamente diversa.
tos sentidos, os quais contri- de espera. De início, permane- O ambiente e a rotina podem
buem para constituí-la como ciam em pinicos, encostadas ser organizados de maneira
pessoa. Certas experiências à parede. Quando chegava a oferecer ocasião para as
observadas em algumas cre- sua vez, eram pegas, esfrega- crianças desenvolverem com
ches e pré-escolas podem das, enxaguadas e deixadas, autonomia uma série de ha-
ajudar a evidenciar isso. As ainda pingando, no estrado bilidades, como despir, lavar,
situações de higiene são as para esperar o momento de secar, vestir e calçar a si pró-
mais típicas. serem vestidas e penteadas prias e às outros. Podem ter
pela outra educadora. oportunidade de experimen-
O banho passivo Terminado esse procedi- tar a temperatura e outras
mento, ficavam à espera da qualidades da água, a textu-
A rotina de banho observa- rotina seguinte, sendo re- ra do sabão e das esponjas.
da em uma creche lembrava preendidas se não ficassem Podem ensinar a cuidar dos
as linhas de montagem das quietas e silenciosas. Pouca outros, ou serem cuidadas
fábricas, ironizadas por Char- ou nenhuma oportunidade por eles. Com isso, estare-
mos exercendo um cuida-
do/educação que as coloca
Foto: carochinha/Coseas/USP

em uma posição mais ativa,


de alguém competente para
interagir, aprender e exercer
uma série de funções.

Discriminação cruel
A injusta estrutura social
brasileira se espelha sobre-
maneira nas instituições edu-
cacionais, onde as atividades
de cuidado são com freqüên-
cia empurradas para os de
menor salário e status. Isso
ocorre porque a essas ativi-
dades é atribuído um menor
valor simbólico que àquelas

revista criança • 15
caleidoscópio
denominadas educativas. elas, esse tipo de função não lhe dando oportunidade de
Nas creches, nota-se fre- lhes cabia, e sim às serventes, construir uma identidade po-
qüente discriminação entre que não estavam disponíveis sitiva a respeito de si mesma,
“as professoras”, entendidas em vários momentos. de pessoa capaz de se cui-
como responsáveis pela par- Na realidade, nossa inves- dar e ser cuidada, de interagir
te mais nobre da educação, tigação pôs em evidência o com outros e dominar diferen-
e “as auxiliares, atendentes, fato de que todas as crian- tes habilidades e conteúdos.
serventes ou pajens”, res- ças precisam, em vários mo- A identidade da criança
ponsáveis pela parte menos mentos, de algum cuidado também está sendo formada
nobre, de cuidado das crian- especial, adequado a suas durante atividades de vida
ças e do ambiente. Suposta- necessidades individuais. diária, como a alimentação,
mente, as primeiras formam a As professoras, porém, não por exemplo. Muito da cultura
cabeça da criança, responsa- estão preparadas para isso, e dos saberes de um povo é
bilizando-se pelas atividades pois acham que sua função transmitido nessa prática so-
ditas de aprendizagem cog- é apenas ensinar saberes es- cial. Que o digam os italianos,
nitiva, definidas no currículo pecificados em um currículo árabes, franceses e os brasi-
escolar. Já as outras cuidam escolar predefinido. Quando leiros do Norte ao Sul! O pre-
das atividades de alimenta- obrigadas a exercer ativida- paro da comida e o momento
ção, higiene, limpeza, des- des de cuidado, geralmente o da refeição constituem ocasi-
canso e recreação, as quais, fazem à revelia das crianças. ões extremamente ricas para
supostamente, requerem me- a aprendizagem e desenvol-
nor qualificação. Como a dis- O ritual da vimento de hábitos e costu-
criminação é grande, quem alimentação mes individuais e culturais.
educa não se propõe a cuidar No entanto, essa situação é
e quem cuida não se consi- Porém, tanto o processo freqüentemente tratada na
dera apto para educar, como de cuidado quanto o de ensi- instituição como uma rotina
se essa cisão fosse possível. no-aprendizagem tornam-se cansativa, da qual os adultos
Em estudo sobre a inclu- muito mais efetivos e praze- desejam desvencilhar-se o
são/exclusão de crianças rosos quando há real sintonia mais rapidamente possível.
com paralisia cerebral na pré- entre quem cuida e quem é As atividades de cuidado/
escola (Yazzle, Amorim & Ros- cuidado, entre quem ensina e educação de crianças cujos
setti-Ferreira, 2004), pudemos quem aprende. Um processo direitos são reconhecidos e
observar os efeitos perversos no qual a educadora é capaz respeitados pela instituição e
dessa dissociação. A pessoa de perceber o momento da por seus educadores devem
portadora de necessidades criança, de proporcionar con- envolver o cultivo da identida-
especiais usualmente requer dições que a acolham e moti- de familiar, de gênero e raça.
maior cuidado, seja no que se vem, envolvendo-a e compar- Para isto, podem ser progra-
refere a apoio ambiental (ram- tilhando com ela atividades madas situações nas crianças
pas, cadeiras adequadas etc), variadas, as quais podem ter possam explorar sua história
seja no sentido de um auxílio partido da iniciativa seja da individual e familiar, descobrir
mais direto e efetivo em ativi- criança, seja do adulto. e ser acolhidas em sua indi-
dades nas quais não tem au- Ao colocar a criança em vidualidade, aprendendo a
tonomia, como ir ao banheiro, uma posição mais ativa, de reconhecer e respeitar as di-
por exemplo. As professoras parceria e co-autoria do que ferenças próprias e alheias.
da pré-escola mostraram- ocorre e de seu próprio pro- Propiciar oportunidades
se despreparadas e atônitas cesso de cuidado e aprendi- para as crianças aprende-
diante dessa situação. Para zagem, a professora estará rem a gostar de si próprias,

16 • revista criança
caleidoscópio
desenvolvendo um autocon- buscam compartilhar com então a pergunta: será que
ceito positivo e aprendendo os educadores o cuidado e estaremos preparando um
a reconhecer e respeitar as a educação de seus filhos. futuro melhor para nossas
características pessoais de Esperam que suas crianças crianças, se deixarmos de
cada um constitui tarefa edu- sejam acolhidas em sua indi- fora o cuidado das tarefas
cativa das mais importantes, vidualidade, o que comporta educativas em nossas cre-
tanto na infância quanto na necessidades variadas. ches e pré-escolas?
adolescência. Para finalizar, gostaria de
propor uma reflexão interes-
Educar e cuidar: sante. Na época atual, em Referências:
inseparáveis que a maior ou menor oportu-
nidade de acesso ao conhe- YAZZLE, C.H.D.; AMORIM,
cimento define muitas vezes K.S.; ROSSETTI-FERREIRA,
A indissociabilidade en- M. C. A rede de significações
tre cuidado e educação pre- o futuro de uma pessoa, as
atividades de cuidado as- na investigação do processo
cisa permear todo projeto de inclusão de crianças por-
pedagógico de uma creche sumem cada vez mais uma
posição de destaque. As tadoras de paralisia cerebral
ou pré-escola. Trata-se, de em pré-escolas. In: Maria Clo-
certa forma, de uma filosofia máquinas e os robôs estão
substituindo o ser humano tilde Rossetti-Ferreira; Kátia
de atuação que prevalece, de Souza Amorim; Ana Paula
ou não, em todo o planeja- em várias tarefas, mas não
Soares da Silva; Ana Maria
mento. As famílias não pro- nas de cuidado!
de Almeida Carvalho (Orgs.).
curam a instituição apenas O setor de empregos que
Rede de significações e o es-
para que proporcione a seus mais cresce é o de serviços.
tudo do desenvolvimento hu-
filhos os aprendizados defini- E a competência neles exigi-
mano, Porto Alegre: Artmed
dos no currículo escolar. Elas da envolve também delicade-
Editora, 2004, p. 189-206.
za e cuidado no trato. Outros
segmentos que apresentam
acentuado crescimento di-
zem respeito diretamente ao
cuidado das pessoas e do
ambiente ecológico. Cabe

revista criança • 17
Foto: Carochinha/Coseas/USP
caleidoscópio

Pensar a educação das crianças


de 0 a 3 anos em ambientes de
educação coletiva

U
Maria Carmem Silveira Barbosa m dos grandes desafios para o campo da educação
Doutora em Ciências Sociais aplica- infantil, neste início de século XXI, tem sido o de cons-
da à Educação pela Universidade de truir propostas pedagógicas para atender os bebês e as
Campinas (Unicamp) e professora da
Universidade Federal do Rio Grande crianças pequeninhas em instituições educacionais.
do Sul (UFRGS) Educadores, professores, pais, crianças, gestores e
políticos necessitam participar da formulação de proje-
tos político-pedagógicos que ultrapassem a assistência
às necessidades biológicas e o adestramento das crian-
ças em hábitos e costumes. É preciso construir projetos
educacionais que possibilitem às crianças ampliar suas
potencialidades e suas capacidades, desenvolvendo
suas singularidades e constituindo-se pela participação
na vida coletiva.
Para educar crianças, necessitamos objetivos claros e
precisos que direcionem para a construção de seres hu-
manos capazes de viver na sociedade contemporânea.
Segundo Odena (1999), o objetivo geral para a escola de
0 a 3 anos deve ser o de “formar pessoas para a auto-
nomia pessoal e a solidariedade, capazes de experimen-
tar, expressar-se, comunicar-se, sentir segurança, amar,
ser feliz, ter autodomínio e compreender seu contexto”.
Para as crianças, ir para a escola de educação infantil é
uma oportunidade de viver com um grupo ampliado de
pessoas – adultos e crianças – num contexto pensado
especialmente para a sua educação.
A creche se caracteriza por ser um ambiente social de
aceitação, de confiança, de contato corporal, brincadei-
ras, conversas. Isto é, um lugar rico em possibili-
dades para adquirir novas e posi-
tivas experiências e linguagens:
corporais, cognitivas, afetivas
e emocionais. Talvez a carac-
terística mais importante da
creche seja o convívio, a cons-
trução de relacionamentos. Enfim,

18 • revista criança
caleidoscópio
a participação em um grupo
social e a busca de sentido
de pertencimento a um comu-
nidade. Afinal, nós humanos
somos seres sociais.
Na escola infantil as crian-
ças aprendem as combina-
ções para o convívio social,
aprendem a integrar-se com
outras crianças, a trabalhar
em grupos, a dividir os brin-
quedos e também a atenção
da professora, a cuidar das
suas coisas (organizar, em-
prestar e guardar) e das dos adequadas? Existem discipli- mas representa uma institui-
demais. Também ali desen- nas curriculares específicas? ção com múltiplos participan-
volvem o senso de respeito Necessitamos acolher os tes, como os pais e a equipe
público e de coletividade. bebês e oferecer a eles tan- de trabalho. É um local onde
Como afirma Tonnucci (1999), to as tradições culturais do todos se educam de modo
nos constituímos a partir das seu grupo de pertença, como colaborativo.
“pequenas atividades cotidia- abrir seus olhinhos para a Por isso, para organizar
nas”, pois estas, ao tornarem- novidade do mundo, enrique- uma proposta pedagógica
se hábitos, fundamentam a cendo a vida cotidiana, dan- para a educação infantil, é
autonomia das crianças. do atenção aos detalhes, aos preciso conhecer as caracte-
Assim, trabalhar com be- sentimentos, sensações, ale- rísticas gerais do meio social
bês (0 a 3 anos) não é fazer grias que muitas vezes nos e cultural em que a escola se
uma creche ou jardim de in- passam despercebidos. situa e interagir com os pais.
fância simplificado, adaptado Na creche se educa não É necessário saber que fins
e, muitas vezes, de baixa qua- apenas pelo que se fala, mas perseguimos, como quere-
lidade. Ao contrário, trabalhar por toda uma postura corpo- mos que nossas crianças se
com bebês vai exigir a cons- ral, cultural, relacional, de va- desenvolvam, como quere-
trução de novas respostas, lores. Viver com intensidade mos que seja nossa escola
de outras formas de exercitar as experiências que se consti- e qual seu papel na comuni-
e pensar a pedagogia. tuem diariamente nas escolas dade. E assim, formular uma
Educar bebês em espa- infantis e estar atento ao que identidade para a escola.
ços de educação coletiva é acontece, realizando interven-
pensar em um desafio à edu- ções adequadas é base da
cação escolar como ela tem pedagogia com as crianças Referências:
sido realizada até hoje. Os be- bem pequeninas. É preciso
bês causam-nos indagações, educar os sentidos, os movi- ODENA, Pepa. Infancia y
como: o que deve constar em mentos, as linguagens, o pen- escuela de 0 a 3 años. Barce-
um currículo para crianças de samento, a autonomia pesso- lona: Associacion de Maes-
1 e 2 anos? Qual o papel da al e a sociabilidade. tros Rosa Sensat/MEC, 1995.
avaliação pedagógica numa A escola não apenas sig- TONUCCI, Francesco.
turma de 3 anos? Quais as nifica um espaço educador Com olhos de criança. Porto
metodologias de trabalho para meninos e meninas, Alegre: Artes medicas, 1999.

revista criança • 19
matéria
matéria
de capa
especial

i a
n c
f â
n
i Programa apóia a construção
ro
P de creches e pré-escolas e dá
assessoria a municípios

A
educação de crianças pequenas em instituições de edu-
cação infantil é reconhecida como um investimento ne-
cessário para o seu desenvolvimento integral desde os
primeiros meses. Não há o que discutir, todos têm direito
à educação de qualidade. O acesso à creche e à pré-escola é
um direito constitucional de toda criança.
Entretanto, não é bem isso o que acontece. No Brasil, 67%
das crianças de 4 até 5 anos estão matriculadas em institui-
ções de educação infantil e na faixa etária de 0 até 3 anos o
atendimento é de apenas 15%. Estes dados comprovam que
a meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de ampliar o
atendimento das crianças de 0 a 3 anos para 50% e das crian-
ças de 4 a 5 anos e 11 meses para 80%, até 2011, está muito
longe de ser alcançada. Portanto, um dos desafios da polí-

20 • revista criança
matéria especial
atender com qualidade esta

Foto: Arquivo FNDE


primeira etapa da educação
básica, o governo federal
criou o Programa Nacional
de Reestruturação e Apa-
relhagem da Rede Escolar
Pública de Educação Infantil
(Proinfância), com o objetivo
de possibilitar a construção,
a reestruturação e a aquisição
de equipamentos para a rede
física da educação infantil.
O programa, criado em
2007, é uma das ações do
Plano de Desenvolvimento da
Foto: Arquivo FNDE

Educação (PDE), que busca


garantir o direito das crianças
de até 5 anos e 11 meses à
educação infantil de qualida-
de na rede pública de ensino.
A elaboração do projeto
arquitetônico do Proinfância
considerou as orientações dos
tica educacional é ampliar a pois o espaço físico é um dos Parâmetros Básicos de Infra-
oferta da educação infantil componentes educativos, e estrutura para Instituições de
pública para receber todas este ambiente deve incenti- Educação Infantil (MEC/SEB/
as crianças que demandam var o desenvolvimento inte- COEDI, 2006) e a legislação
atendimento. gral das crianças. Tendo em correlata, garantindo a aces-
Este atendimento deve vista que muitos municípios sibilidade, a segurança, a hi-
ser oferecido em ambientes brasileiros apresentam ne- giene, além de espaços para
adequados, preferencialmen- cessidades técnicas e finan- brincar e interagir com adultos
te planejados para este fim, ceiras para ampliar a oferta e e outras crianças.
Foto: Arquivo FNDE

revista criança • 21
matéria especial
Construção Área de Alimentação: Creche II - 1 ano a 2 anos
adequada Refeitório Acesso/escaninhos
Cozinha Sala de atividades
O prédio financiado pelo
Preparo Sala de repouso
Proinfância poderá atender,
em período integral, até 112 Cocção Banho/banheiro
crianças e contará com os se- Distribuição
Solário/varanda
guintes ambientes: Lactário
Lavagem de utensílios Creche III – 2 anos a 3 anos
Área administrativa: Lavagem de panelas Acesso/escaninhos
Recepção Recepção e Estocagem Sala de atividades
Secretaria
Alimentos não perecíveis (despensa) Sala de repouso
Almoxarifado
Alimentos perecíveis
Sala de professores/reunião Solário/varanda
(freezer/geladeira)
Sala da diretoria/coordenação
Sanitários Pré-Escola - 4 anos a 5 anos
Área de circulação Área Pedagógica: Sala de atividades
Creche I – 0 a 11 meses Solário/varanda
Área de Serviços:
Acesso/escaninhos Sala Multiuso (TV, DVD, biblioteca)
Lavanderia
Sala de atividades Informática
Rouparia
Sala de repouso
Serviços gerais (área descoberta/
GLP/Lixo) Brinquedos/alimentação O Proinfância irá atender
Depósito de material de limpeza Banho/fraldário municípios avaliados por um
Sanitários/vestiário para Solário/varanda conjunto de indicadores sociais,
funcionários demográficos populacionais e
Circulação educacionais com maior núme-
ro de crianças com idade até 5

22 • revista criança
matéria especial
os dirigentes municipais de

Foto: Arquivo FNDE


educação receberão assistên-
cia técnica pedagógica sobre
autorização de funcionamento,
critério de matrícula, quadro de
recursos humanos, rotinas de
atendimento, projeto arquitetô-
nico e relação com as famílias.
Para as professoras Sílvia
Degaraes e Adriana Librelot-
to, da Secretaria de Educação
de Campo Verde (MT), essas
anos e 11 meses, com índice de Para iniciar o trabalho de reuniões promoveram o forta-
vulnerabilidade social mais alto e assessoramento técnico-peda- lecimento dos municípios, pois
que disponham de educadores gógico, os municípios contem- trouxeram subsídios para a
com formação adequada para plados com o programa foram construção de uma política de
atuar na educação infantil. divididos em pólos. Nos meses educação infantil.
No dia 19 de maio de 2008, de abril e maio, foram realiza- O Proinfância, portanto, não
para marcar o primeiro ano do das reuniões em cada pólo se restringe à construção de
PDE, houve em Brasília um en- com representantes da área novas instalações, mas é um
contro com prefeitos de todo o pedagógica das secretarias programa de apoio e fortaleci-
país. No evento, o MEC liberou municipais de Educação bem mento à política de educação
o pagamento dos 496 primei- como representantes do setor infantil. Para a coordenadora-
ros convênios celebrados com de obras destes municípios. geral de educação infantil da
municípios para construção de Além dos dirigentes e téc- Secretaria de Educação Bá-
515 instituições de educação nicos municipais, participaram sica do MEC, Rita Coelho, os
infantil. Posteriormente, foram destes encontros representan- encontros foram importantes
conveniados mais 500 muni- tes de conselhos municipais e para orientar os representan-
cípios. Estão previstas cerca estaduais de Educação, fóruns tes municipais de que a cons-
de 1.000 novos convênios até de educação infantil, universi- trução que estamos realizando
o fim de 2009. No encontro dades, da União Nacional dos precisa estar a serviço de uma
com os prefeitos, o ministro da Dirigentes Municipais de Edu- proposta pedagógica consis-
Educação, Fernando Haddad, cação (Undime) e outros parcei- tente, a fim de assegurar edu-
destacou que é preciso eqüa- ros. Com isso, foi articulada uma cação infantil de qualidade.
lizar as oportunidades educa- rede de colaboração à política Para Cássia Vilanova, as-
cionais: “Não importa onde a de educação infantil, de modo sessora da Secretaria de
criança nasça, seu direito de que os municípios e entidades Educação de Itabuna (BA), o
aprender deve ser garantido”. possam se apoiar mutuamente ProInfância contribui para que
na elaboração e implantação os municípios ofereçam edu-
Apoio técnico das ações necessárias. cação de qualidade. Segun-
Nas reuniões, surgiram as do a professora, “a educação
Para garantir a qualidade e mais diversas demandas, a das nossas crianças também
assessorar os municípios na for- partir das quais o Ministério da passa pelo ambiente onde
mulação da política de educa- Educação, por meio da Coor- elas participam e interagem. E
ção infantil, o MEC disponibiliza, denação-Geral de Educação interagir em um ambiente pen-
além do apoio técnico e finan- Infantil (Coedi), irá definir uma sado, construído e organizado
ceiro para a realização da obra, agenda de assessoramento para a infância, juntamente
assessoramento pedagógico técnico aos municípios con- com profissionais comprome-
para os municípios organizarem templados com o Programa. tidos com a qualidade social
o funcionamento das instituições Ou seja, ao mesmo tempo em da educação, é um direito de
de educação infantil. que as obras serão realizadas, nossas crianças”.

revista criança • 23
artigo

Foto
: Arq
uivo
Coe
di

Pelo direito à
educação infantil:
Movimento Interfóruns de
Educação Infantil do Brasil
Ângela Maria F. Rabelo Barreto Um pouco de história
Doutora em psicologia pela
Universidade de Brasília (UnB) A educação das crianças em creches e pré-escolas no Bra-
e membro do Comitê Diretivo sil, direito reconhecido na Constituição de 1988, tem sua história
do Movimento Interfóruns de marcada por mobilizações sociais. Na década de 1970, foram os
Educação Infantil do Brasil (Mieib).
movimentos de mulheres e os de luta por creche seus maiores pro-
tagonistas. Nos anos que precederam a Constituição, a defesa do
direito foi ampliada com o movimento Criança e Constituinte, que
incorporou diferentes segmentos da sociedade.
Garantiu-se, assim, na Carta Magna e, posteriormente, no Es-
tatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o reconhecimento da
condição de sujeitos de direitos às crianças e adolescentes, atri-
buindo-lhes prioridade nas várias políticas públicas. Entre esses
direitos estava o de atendimento em creches e pré-escolas para as
crianças até 6 anos de idade.
O início dos anos 1990 caracteriza-se pela discussão das le-

24 • revista criança
artigo
gislações que irão tados foram criadas comissões organizam de forma autônoma
regulamentar vários estaduais com formato e objeti- em cada local e se integram na-
temas constitucio- vos semelhantes. cionalmente por uma pauta de
nais. Promulgam- O ano de 1994 representou luta comum, o Mieib é um espa-
se o ECA (1990) e momento de significado espe- ço de discussão e articulação
a Lei Orgânica da cial para a educação básica suprapartidário, comprometido
Assistência Social com a realização da Conferên- com a expansão e melhoria da
(1993), ambos de cia Nacional de Educação para qualidade da educação infantil
fundamental im- Todos. Um dos eventos pre- no Brasil.
portância para a paratórios à Conferência foi o I O Mieib é aberto à participa-
infância e a adoles- Simpósio Nacional de Educa- ção de todos os interessados
cência. A área edu- ção Infantil, no qual se discutiu na educação infantil. De modo
cacional vive um e aprovou a Política Nacional de geral, participam dos fóruns e
debate mais longo Educação Infantil, com o apoio do Mieib órgãos governamen-
e difícil em torno da CNEI. tais na área da educação, as-
da Lei de Diretrizes Em 1996, no bojo da pre- sistência social, saúde, justiça
e Bases da Educa- paração do II Simpósio Nacio- e outros; organizações não-go-
ção Nacional (LDB), nal de Educação Infantil e IV vernamentais; instituições de
que transcorre mais Simpósio Latino-Americano de ensino superior, ensino médio
da metade da dé- Atenção à Criança, reuniões e outras que atuam com a for-
cada sem ser apro- estaduais e seminários regio- mação de professores; con-
vada pelo Congres- nais estimularam a criação de selhos estaduais e conselhos
so Nacional, o que comissões ou fóruns de edu- municipais de educação, con-
ocorreria somente cação infantil em estados que selhos de direito da criança e
em dezembro de ainda não os possuíam. do adolescente, conselhos de
1995. Em 1999, percebendo a ne- assistência social e outros; re-
Nesse período, no vazio de- cessidade de articulação na- presentantes de creches e pré-
corrente da inexistência da lei cional em torno da defesa do escolas públicas e privadas,
maior da educação, o Ministério direito à educação infantil, in- famílias, comunidades e sindi-
da Educação toma a iniciativa tegrantes dos fóruns de Minas catos; instituições de pesquisa;
de definir, com os outros seg- Gerais, Rio de Janeiro e São professores e pesquisadores.
mentos educacionais, uma po- Paulo convidaram outros fóruns O Movimento possui um comitê
lítica nacional para a educação para discutir como fazê-la. Em diretivo, eleito a cada dois anos
infantil, consoante com os pro- reuniões entre representantes em encontros nacionais.
jetos de LDB que tramitavam desses três estados e do Ce- A atuação do Mieib é orien-
no Congresso Nacional. Os ará, Mato Grosso do Sul e de tada por princípios básicos,
representantes de instituições Santa Catarina, constituiu-se o como garantia do direito cons-
convidados a discutir a propos- Movimento Nacional de Edu- titucional das crianças de até
ta de política do Ministério, mui- cação Infantil do Brasil, com a 6 anos à educação infantil, in-
tos deles participantes do mo- sigla Mieib. dependentemente de raça, gê-
vimento Criança e Constituinte, nero, etnia, credo e condições
propõem a criação de uma Co- O que é e pelo que socioeconômicas; concepção
missão Nacional de Educação luta o Mieib de criança como sujeito de di-
Infantil (CNEI), com o objetivo reitos, ativo e participativo no
de formular e implementar po- Constituído por fóruns esta- seu contexto histórico-cultural;
líticas na área. A CNEI atuou de duais, regionais e municipais indissociabilidade do cuidar e
1993 a 1996, e em alguns es- de educação infantil, que se do educar; respeito ao direito

revista criança • 25
artigo
da família de optar pelo aten- Desenvolvimento da Educação Executiva, atualmente sediada
dimento na educação infantil; Básica e de Valorização dos no Centro de Cultura Luiz Frei-
reconhecimento da educação Profissionais da Educação). re, em Pernambuco, e com o
infantil como primeira etapa da No caso do Fundeb, deve site www.mieib.org.br.
educação básica; garantia de ser lembrado o papel que teve O Mieib também participa de
inclusão das crianças com defi- o Mieib na luta vitoriosa pela in- diferentes instâncias e redes de
ciência nas classes comuns de clusão das creches nesse im- defesa dos direitos da criança
educação infantil. portante mecanismo de finan- e da educação, para as quais
Sendo sua finalidade defen- ciamento da educação básica contribui com seus posiciona-
der coletivamente a garantia do no Brasil. As carrinhatas e o mo- mentos e mobilizações. Desta-
direito das crianças de até 6 vimento “Fraldas Pintadas”, que cam-se entre elas a Campanha
anos ao atendimento na educa- contaram com a mobilização Nacional pelo Direito à Educa-
ção infantil, o Mieib tem como e participação das instituições ção, que coordenou o “Fundeb
bandeiras de luta a ampliação comunitárias, engrossaram a pra Valer!”, a Rede de Monito-
de vagas em creches e pré-es- iniciativa “Fundeb pra Valer!”, ramento Presidente Amigo da
colas; a destinação de recur- que tinha entre seus principais Criança e a Rede Nacional Pri-
sos públicos adequados para pontos a inclusão da creche no meira Infância. Tem represen-
a educação infantil; a melhoria Fundo. Com essa vitória, muitas tação no Comitê Nacional de
da qualidade do atendimento; crianças excluídas do atendi- Políticas de Educação Básica
a formação e valorização dos mento em creches e pré-esco- do MEC, o que lhe possibilita
profissionais da educação in- las poderão ter a oportunidade intervir nas discussões das po-
fantil; a implementação da pro- de freqüentá-las e se beneficia- líticas e ações do Ministério na
posta pedagógica elaborada rem efetivamente da primeira área da educação infantil.
de forma democrática e par- etapa da educação básica. Em abril de 2008, o Mieib
ticipativa pelas instituições de Nos últimos anos, o Mieib participou da Conferência Na-
educação infantil. participou de pesquisas e pu- cional de Educação Básica,
Além dessas, que podem blicações sobre a qualidade da contribuindo para assegurar
ser consideradas de caráter educação infantil, o custo-alu- lugar de destaque à educação
permanente, outras são de na- no, entre outras. Para sua atua- das crianças até 6 anos na pau-
tureza conjuntural e respondem ção, conta com uma Secretaria ta das políticas de educação.
a problemas decorrentes de
Foto: Arquivo Coedi
momentos históricos vi-
vidos pela educação in-
fantil no país. Assim, são
pontos fundamentais da
luta do Mieib a integra-
ção das instituições de
educação infantil públi-
cas e privadas, aos sis-
temas de ensino; o esta-
belecimento de normas
para o funcionamento e
regularização das institui-
ções de educação infan-
til; e o controle social da
implantação do Fundeb
(Fundo de Manutenção e

26 • revista criança
P
professor faz literatura
ara ser professor,
fizeram-me acreditar
que precisaria de muito pouco,
talvez quase nada.
Ser alguém esperto,
ter imaginação,
usar da criatividade,
ler alguns livros,
responder o que for preciso,
saber utilizar a palavra,
ouvir quando necessário,
calar em momentos determinados,
cantar só quando for convidado,
não sorrir de coisas bobas,
chamar a atenção para manter a
disciplina,
cumprir o conteúdo,
planejar o trivial.
Com o passar do tempo,
descobri que fui enganado pelo didático.
Na caminhada da profissão,
tudo o que pensei ter aprendido
não passou de ilusão.

Afinal, Lidar com gente


não é fácil não.

o que Além de teorias e métodos revolucionários,


é preciso mais do que saber.

é ser Ensinar não é passar instrução


para a criança aprender.

professor? Professor tem que ser


ator, cantor, mágico,
palhaço, artista, malabarista,
um pouco de mãe
Alessandra Regina Braga Veloso e às vezes ter jeito pai.
Pedagoga, atuando como Tem que expor emoção,
professora de educação
infantil no Distrito Federal.
pôr sentimento no que faz,
mexer com o coração,
ter paciência e compreensão.
Pois ser professor, na verdade,
é ser gente que constrói
não só personalidade.
Contribui na formação do caráter,
guia nos caminhos da aprendizagem,
auxilia na formação do cidadão.
Ser professor
é mais que uma profissão.
revista criança • 27
relato

Professores premiados do Brasil


Prêmio Professores do Brasil reconhece profissionais que
constroem o conhecimento a partir da realidade das crianças

O
Heloisa d’Arcanchy bservar o aluno em sala tubro, em Brasília. O prêmio
Brasília/DF de aula é o primeiro é oferecido pelo Ministério da
passo para o sucesso Educação em parceria com
do professor e o desenvolvi- a Fundação Bunge, Funda-
mento da criança. Foi o que ção Orsa, Conselho Nacional
demonstraram os projetos se- de Secretários de Educação
lecionados pelo Prêmio Pro- (Consed) e União Nacional
fessores do Brasil – 2ª edição. dos Dirigentes Municipais de
Dez professores da educação Educação (Undime).
infantil e nove das séries ini- No dia seguinte à premia-
ciais (1ª a 4ª) do ensino fun- ção, os 19 educadores que
damental da rede pública re- se destacaram entre os 1.564
ceberam, cada um, R$ 5 mil, inscritos no ano de 2007, par-
troféu e diploma, em cerimô- ticiparam de um seminário,
nia realizada no dia 15 de ou- no qual puderam apresen-

28 • revista criança
relato

tar e discutir suas experiên- registra a sua prática, ele faz zados nas escolas brasileiras
cias. Para quem assistiu, fi- uma reflexão sobre o próprio e que podem servir de mode-
cou claro que professores e trabalho e também constrói lo para outros educadores,
professoras deixaram de ser saberes pedagógicos”. evidentemente com as devi-
meros repassadores de co- As experiências premiadas das adaptações às diferentes
nhecimento. Eles constroem serão reunidas em uma pu- realidades”, observa Jeanete.
esse conhecimento com os blicação e distribuídas para Para Giovana Barbosa,
alunos, a partir da realidade as secretarias de Educação coordenadora de projetos da
deles, do que eles gostam e de todo o país. “Mais do que Fundação Orsa, que investe
do que precisam trabalhar. O estabelecer uma competição, há mais de 13 anos em pro-
resultado são crianças moti- pretendemos divulgar os tra- jetos e programas voltados
vadas com a escola. E tam- balhos que vêm sendo reali- para a infância, o prêmio re-
bém familiares e comunidade vela o desenvolvimento da
envolvidos com a educação prática do professor e reforça
de suas crianças. a importância das parcerias
“O mérito principal do prê- “Quando o profes- entre Estado e sociedade. “O
mio é incentivar o registro das prêmio nos permite conhecer
sor registra a sua
práticas realizadas em sala o que está acontecendo em
de aula”, salienta a diretora de prática, ele faz uma cada cantinho deste Brasil,
Políticas de Formação, Mate- reflexão sobre o como esse profissional se
riais Didáticos e Tecnologias próprio trabalho e destaca hoje, qual conheci-
para a Educação Básica do mento teórico ele tem, como
Ministério da Educação, Jea- constrói saberes”. ele une essa teoria à prática
nete Beauchamp. “Entende- olhando para as coisas espe-
mos que, quando o professor cíficas de suas regiões”.

revista criança • 29
relato
vitalizaram o espaço do refeitório, aprenden-
Cultura do a gostar mais da escola e a respeitar os
colegas.
A professora Maria Aparecida Rodrigues
da Costa queria trabalhar a questão da vio-
lência em sala de aula, por causa da atitu-
de dos alunos diante de determinadas situ- Negros
ações. Mas os caminhos que ela escolhia
não eram bem aceitos pelos estudantes de O projeto começou quando os alunos de
6 anos. Quando percebeu o interesse deles 3 anos da professora Geanne Duarte Polini
pelo caranguejo, muito comum na Ilha das excluíram uma coleguinha negra das brinca-
Caieiras, em Vitória (ES), onde fica o Centro deiras. A professora procurou a pedagoga
Municipal de Educação Infantil (CMEI) Padre do CMEI Jacynta Ferreira de Souza Simões,
Giovanni Bartesaghi, decidiu aprofundar o em Vitória (ES) e, juntas, trabalharam o tema
conhecimento da meninada sobre o ambien- das diferenças a partir da literatura infantil. O
te em que viviam e realizou o projeto “A Cul- livro Menina Bonita do Laço de Fita, da es-
tura de uma ilha no coração capixaba”. critora Ana Maria Machado, caiu como uma
Os alunos refletiram sobre a poluição do luva: conta a história de uma linda menina
meio ambiente, envolveram-se rapidamente negra, que engana o coelho sobre o segredo
em atividades, conheceram como se fabrica de ser tão pretinha: - “é só tomar café”, diz
a panela de barro usada para fazer a mo- a menina.
queca de caranguejo e visitaram um restau- A partir do interesse pela história, a profes-
rante típico da região. Além da parceria com sora desenvolveu o projeto “Somos diferen-
empresários locais, a escola contou com a tes. Ninguém é igual a ninguém” e montou
participação de estudantes da Universidade estratégias de trabalho para que as crianças
Federal do Espírito Santo, que ensinaram percebessem que no mundo há diferenças
técnicas de grafismo, cerâmica e pintura em e existe beleza nisso. “Nós fizemos a receita
negativos. Durante o processo, os alunos re- do café na sala para que os alunos percebes-
sem que não adianta tomar café, cada um
nasce de um jeito; fize-
mos passeios pela ci-
dade para observar as
diferentes flores, cada
uma com sua beleza;
Índios comparamos animais
e visitamos um viveiro
A cultura indígena foi trabalhada pela professora Fran- de coelhos de diversas
cimaura Miranda de Souza, no projeto “Conhecer para cores, todos belos”,
Respeitar”, da EMEI Balão Mágico, em Rolim de Moura conta a professora.
(RO). A professora usou material de leitura e fotografias Oficinas de trança afro,
que tirou durante uma visita a duas aldeias para mostrar teatro e compras no
que os indígenas são muito parecidos com os brancos. supermercado para o
“Antes eles eram vistos como seres mitológicos da flo- aniversário da boneca
resta”, explica. ajudaram as crianças
a respeitar as diferen-
ças e ainda trabalhar a
matemática.

30 • revista criança
relato

Meio ambiente para despertar o gosto pela aprendizagem.


Depois da libélula, encontraram abe-
lhas, joaninhas, grilos... “Os alunos ficaram
Na Escola Municipal de Educação Infantil fascinados com os tamanhos, as cores, as
Maria Rosa do Prado, em Montividiu (GO), a diferenças entre os insetos. Foi possível de-
professora Rosemeire Freitas Carvalho se in- senvolver e articular a curiosidade com as
comodava com o desmatamento acelerado outras áreas do conhecimento”. As crianças
da pequena cidade. Sentia falta da sombra registraram as descobertas com desenhos
das árvores, dos animais, do canto dos pás- e textos coletivos, experimentaram pintura
saros. Mais do que falar sobre o meio am- com tinta feita de terra, tinta guache, recorte
biente, ela queria que os próprios alunos – de e colagem. Também houve um trabalho de
4 a 6 anos – percebessem a importância da conscientização sobre a dengue. “Se nós
preservação da natureza. perguntarmos para elas sobre a dengue,
Uma solução foi levar fotografias antigas elas sabem os cuidados que devemos to-
da cidade e perceber como esses lugares mar”, observou Rosimere.
estão atualmente. Com jornais e revistas,
observaram também paisagens de outros
municípios. Durante o projeto “Não quere-
mos ‘meio ambiente’, queremos o ‘ambiente Figurinhas
inteiro’”, a turma fez passeios para conhecer
os novos bairros que surgiam e observaram Quem não gosta de montar um álbum e
o rio tomado pelo lixo das construções. “Foi trocar figurinhas? Melhor ainda se elas for-
nesse momento que eles se integraram ao marem a sua própria história! Foi o que pen-
trabalho. Não pudemos fazer o piquenique. sou a professora Luciene Silva de Sousa, da
Não havia uma árvore para dar sombra”, re- Escola Estadual de Ensino Fundamental Re-
lata a educadora. pública, no Rio de Janeiro, quando um aluno
A professora Rosemeire conta que as crian- levou um álbum desses para a aula. Surgiu o
ças passaram a cobrar ações nesse sentido. projeto “Figurinhas da Infância”.
“Um dos alunos não tinha árvore perto de casa Os alunos entre 5 e 6 anos se divertiram
e o pai precisou arrumar um lugar pra plantá- e aprenderam enquanto completavam o
la. E quando eu falava em construir uma casa, álbum em que eles mesmos eram os per-
eles perguntavam: - “tem como plantar uma sonagens. Fotos de família e ilustrações
árvore perto dessa casa?” foram multiplicadas e ganharam números.
Até uma banca foi improvisada para simu-
lar a venda. Para completar o álbum, as
Cientistas mirins crianças trocavam as figurinhas repetidas
e conheciam a vida dos colegas.
Era uma vez uma libélula no pátio da esco- A história da professora Luciene Sousa,
la. E a professora atenta transformou o caso recém-chegada à Escola República, também
em pesquisa científica. “Pequenos Pesquisa- está no álbum. Isso permitiu que os alunos
dores, Grandes Descobertas” é o projeto de a conhecessem melhor e facilitou o trabalho
Rosimere Dobrowolski Oteka, que leciona no em sala. “No fim do ano, eles levaram para
CMEI Santa Isabel, em Ponta Grossa (PR). Ela casa um álbum completo, com a história de
desenvolveu o que se chama “escuta sensí- todos. E, durante a montagem, trabalhamos
vel”. Quando o professor está atento àquilo a matemática, a linguagem, as diferenças, a
que os alunos falam ou fazem, ele consegue cooperação”, relata a professora, que pro-
perceber qual é realmente a necessidade meteu dividir o prêmio com os alunos, co-au-
das crianças. E aproveita o interesse delas tores da produção.

revista criança • 31
relato

Dentes
Uma reportagem num jornal local chamou a atenção das irmãs Luísa e Luciana Rita Bellin-
canta Salvi, professoras da Escola Básica Municipal Santa Cruz, em Concórdia (SC). A ma-
téria falava de problemas do município com a saúde bucal infantil. As professoras levaram o
jornal e outros textos sobre o assunto para a aula de leitura. Rapidamente, os alunos de 4 a
6 anos se identificaram com as fotos, apontando semelhanças em suas bocas.
A necessidade de promover ações educativas ficou clara. Luciana e Luísa pesquisaram
em livros, revistas, internet, usaram poesias que orientavam as crianças para os cuidados
com os dentes. O trabalho levou transformações para a escola. Não havia espelhos em
frente às pias, mas logo foram providenciados. “Não adiantava ensinar a escovar os den-
tes se a criança não pudesse visualizar a prática”, explica Luciana.
Mas era preciso conscientizar também a família. A Secretaria Municipal de Saúde man-
dou, então, uma dentista até a escola para orientar pais e filhos. “A criança passou a cobrar
dos pais que escovassem os dentes e ainda orientavam o modo correto. Cobravam o fio
dental e quiseram até ir à dentista. Perderam o medo”, conta a professora, feliz com os
resultados. O projeto “Mostrando os Dentes” trabalhou diversas áreas do conhecimento e
possibilitou mudanças na vida das crianças.

Princesas diferentes nação das crianças, que começaram a criar


as próprias versões para as histórias.

Final feliz
Três projetos trabalharam a literatura no
Prêmio Professores do Brasil. Um tapete má-
gico na sala de aula do Centro Educacional
Infantil Padre Réus, em Palhoça (SC), levou Os alunos de 5 e 6 anos da professora
os alunos de 3 e 4 anos da professora Mari Thelma Lílian Bighetti Sória, da EMEI 1, 2...
Stela Boschetto da Silva Silveira a muitas via- Feijão com Arroz, em Marília (SP), não mos-
gens. As crianças percorreram histórias nas travam interesse pelas histórias. Quando ela
quais as bruxas e os lobos podiam ser bons levava os livros para a sala de aula, eles pe-
e príncipes e princesas tinham as mais va- gavam vários ao mesmo tempo, mas logo os
riadas aparências. A intenção da professora largavam.
Mari Silveira foi trabalhar com as crianças os Motivada pela idéia de que a leitura é fun-
estereótipos, tais como “o feio é mau” ou “as damental para a formação de um indivíduo,
princesas são brancas e lindas”. a professora montou uma pequena bibliote-
Para realizar o projeto “Reconstruindo His- ca na sala. Bastaram um tapete e uma cai-
tórias”, a professora e os alunos construíram xa de livros. Quando o aluno terminava uma
grandes cenários com material reciclado, atividade, podia folhear os livros, e quando
como a baleia da história do Pinóquio e um todos terminavam, a professora contava his-
castelo em que as crianças podiam entrar e tórias. “Fizemos com que eles entendessem
brincar. Com o cenário pronto, eles recebe- que toda história tem início, meio e fim, e que
ram a visita de príncipes africanos e outros esse final nem sempre é o que eles queriam”,
personagens. O trabalho despertou a imagi- conta Thelma.

32 • revista criança
relato
Depois da leitura, a professora discutia Uma das técnicas utilizadas para desen-
com os alunos: “vocês gostaram? Porque volver a leitura a partir dos quadrinhos foi
será que ele quis fazer isso? Será que não montar um cartaz com vários quadros e co-
tinha outro jeito de ele conseguir o que que- brir as figuras uma a uma. Então, o professor
ria?” Assim, as crianças passaram a se inte- Marcelo mostrava uma por vez. “A criança
ressar mais pela leitura e começaram a levar analisa as expressões dos personagens e
livros para casa e recontar as histórias para fica mais fácil identificar as situações. Com
as mães e os pais. E estes foram convidados isso trabalhamos três coisas: a inferência,
a contar histórias na escola. pela qual a criança pode inventar uma histó-
ria em cima daquele quadrinho; a questão da

Gibiteca antecipação: você pergunta o que vai acon-


tecer com o outro quadrinho coberto e ela
vai ter que criar também; e a conferência: ela
Único homem entre os professores pre- verifica se aquilo que ela criou realmente faz
miados, Marcelo Campos Pereira, da Escola parte da história.”
Municipal de Ensino Infantil Sonho de Crian- Com a ajuda da prefeitura, o projeto con-
ça, de Pompéia (SP), apresentou o projeto seguiu um trenzinho, onde os alunos do pro-
“Semeando o prazer de ler com as histórias fessor Marcelo, vestidos como os persona-
em quadrinhos”. O professor iniciou com os gens dos gibis, levam para outras escolas os
alunos uma campanha para montar a gibite- gibis e o gosto pela leitura. “Hoje eles têm
ca da escola. Além da leitura, eles aprende- facilidade de ler a seqüência, a localização
ram sobre solidariedade. Com a ajuda dos (esquerda, direita) e desenvolveram também
pais, foram à rádio, ao jornal local, montaram a escrita, porque as crianças se interessam
cartazes e caixas de coleta e recolheram 300 em saber o que está dentro do balãozinho”,
revistinhas. diz o professor, emocionado.

O registro da prática
Ótimas experiências podem se perder porque não foram registradas. Adotar um ca-
derno de anotações é uma boa sugestão. Quando o professor escreve a sua prática
diariamente e depois lê o que fez durante o ano, é capaz de perceber melhor o desen-
volvimento dos alunos, onde errou, onde acertou, e redirecionar o trabalho.
“Eu pego o caderno de planejamento e um outro caderno onde colocamos os pontos
trabalhados no dia, que depois vão servir de reflexão. Isso me dá uma visão clara da
prática e até daquilo que foi possível ou não foi possível executar”, ensina a professora
Maria Aparecida Santos.
Fotografias, ilustrações, tudo que puder contribuir para o registro é importante. Todos
os dias, ao final das atividades, a professora Geanne Polini e os alunos registram o que
fizeram naquele período. Ela escreve, eles desenham. A esse caderno ela dá o nome de
“Livro Vida”.

revista criança • 33
reportagem

Bebês
vão
ao
teatro
Espetáculos criados a partir do olhar das crianças
pequenas ajudam bebês a superar seus medos e angústias

Adriana Maricato │ Brasília/DF

34 • revista criança
P
Pais e mães com filhos até 3 anos aguardam no sa-
guão do teatro, onde são recebidos por Carlos Lare-
da, diretor da companhia La Casa Incierta. Ele expli-
ca as regras do jogo: crianças autônomas sentam na
frente do palco e os bebês de colo ficam na segunda fileira,
com os adultos responsáveis. O ambiente é pequeno e inti-
mista, portanto requer silêncio – outra regra do jogo – e por

revista criança • 35
reportagem
isso os adultos não devem normal. O teatro os ajuda a De um emaranhado de
explicar os acontecimentos vivenciar esse tipo de senti- fios coloridos puxados de um
para as crianças. “Elas nas- mento e a superá-lo. “Pode lado para outro sai um úni-
cem poetas, são capazes de ser o medo de perder o pai co fio, que é, então, cortado
compreender a peça”, afirma ou a mãe, uma experiência por uma tesoura. Uma pedra
o diretor. associada à morte”, explica amarrada a uma corda re-
No ambiente escuro, elas Lareda. “A criança pequena é presenta o bebê com cordão
são conduzidas e acomoda- muito corajosa, pois é capaz umbilical. Um objeto dourado
das próximo ao palco, em de enfrentar suas emoções”. em formato de meia esfera
uma área iluminada. O que oca colocado sobre a barriga
se vê pela próxima meia hora Sons, luzes, de uma atriz significa a barri-
é fascinante: bebês em silên- objetos, ruídos e ga de uma mulher grávida.
cio, atentos ao que se passa Segundo Lareda, as per-
música
no palco, eventualmente dan- guntas mais profundas sobre
do gritinhos, falando, baten- existência e identidade são
O diretor conta que os
do palmas, pulando no colo feitas pelos seres humanos
espetáculos de La Casa In-
dos pais, imitando os gestos nos seus primeiros anos. É
cierta nascem da observa-
e movimentos das atrizes. assim que o nascimento, fato
ção, durante seis meses, de
Também olham curiosos uns mais importante da vida e
crianças em creches. O con-
para os outros. Alguns deles próximo da experiência dos
texto familiar também é uma
tentam alcançar o palco, mas pequenos, torna-se o tema
forte referência, já que Lare-
são impedidos de avançar – das peças. Tudo o que se
da é pai de dois filhos com a
permanecer na platéia é uma relaciona a isso – gravidez,
atriz Clarice Cardell, também
das regras. Crianças que já aconchego, embalo, pre-
da companhia. Eles constro-
falam repetem os nomes dos sença (ou ausência) da mãe
em as peças a partir do olhar
objetos em cena e palavras – acaba sendo representado.
de seus bebês.
ditas pelas atrizes: pé, sapa- O espetáculo baseia-se
Durante os espetáculos,
to, água, pedra, voar, peixe, numa estrutura de pensa-
as atrizes desenvolvem jogos
mamãe. mento complexo, no qual vá-
de colocar-tirar, esconder-re-
Para os adultos, o espe- rias camadas são exploradas
velar, puxar-soltar, experimen-
táculo parece non-sense. simultaneamente: os planos
tos com sons e luzes. Na trilha
Estímulos visuais, sonoros e conceitual, emocional, narra-
sonora, reprodução de vozes
verbais são simultaneamente tivo, sensitivo e perceptivo.
de outras crianças e música.
explorados, intercalados por “O bebê tem uma percepção
“Existe uma idéia de que as
frases poéticas, gestos e mo- cinestésica do acontecimen-
crianças pequenas desenvol-
vimentos corporais das atri- to”, explica o diretor. Em ou-
vem a compreensão pelo veí-
zes, compondo uma narrativa tras palavras, as crianças pe-
culo sensorial”, afirma o diretor.
não-linear. Se não faz muito quenas percebem o ambiente
Ou seja, bebês viveriam num
sentido para os pais e edu- a partir de várias sensações e
mundo sem sentido porque
cadores presentes, a peça sentimentos simultâneos, e
ainda não desenvolveram a lin-
atende à capacidade percep- reagem a todos eles.
guagem verbal, compreensão
tiva dos bebês na platéia. Durante a peça, as crian-
que Lareda rejeita. Para ele,
A iluminação, de várias ças viram a cabeça em dire-
o sentido pode ser construí-
cores, é alternada com o es- ção à origem de cada som
do também a partir de outras
curo ao longo do espetáculo. ouvido por elas – toque de
linguagens, que os pequenos
No início, os bebês sentem objeto metálico ou sino com
percebem: musical, oral, plás-
medo do escuro, o que é vareta, batimento de pedra
tica, cênica e gestual.

36 • revista criança
reportagem
ou sapato no chão, fala das
atrizes, música, gritos de be-
bês gravados, despejo de O mundo dos bebês
grãos, água escorrendo.
A pesquisadora canaden- João Corbert, 2 anos e 2 meses, ao assistir “Pu-
se Sandra Trehub, da Univer- pila D’Água” em companhia da mãe e da tia, saiu
sidade de Toronto , descobriu do espetáculo perguntando “cadê o teatro?”. Nos
que os bebês têm percepção dias seguintes, pediu várias vezes para voltar lá e
musical muito desenvolvida, apontava a foto da peça no “livro do teatro” (pro-
comparável à de músicos gramação do festival Cena Contemporânea), onde
profissionais. Eles reconhe- tinha “a moça”.
cem tons, melodias, tonali- Uma semana após sua primeira experiência,
dades e ritmos, memorizam João largou o brinquedo favorito ao ser convidado
seqüências musicais e perce- para ver fotos do “teatro”, disponíveis na internet.
bem padrões em canções de Ele apontava cada imagem e, do seu jeito, descrevia
diferentes culturas. Segundo sensações e sentimentos: identificou o escuro e a
tais pesquisas, o ser humano cena em que sentiu medo, descreveu objetos. Esti-
nasce com essa habilidade e mulado a falar, disse “eu vi o peixinho”; sobre a atriz,
a perde durante o processo afirmou que “fez água”, “fez sapato”, “fez barulho”,
de crescimento, pois a expo- “coitado do sapato”. Lembrou-se de que o sapato
sição a um único padrão limi- era colocado na árvore. Depois de cinco minutos, já
ta a percepção musical. cansado, disse “eu vou desligar” (o computador).
Os bebês são muito sensí- “O bebê não é uma página em branco”, afirma
veis e abertos não somente à Clarice Cardell; “ele tem abertura total para a mú-
música, mas também às de- sica, os gestos”. Atriz da companhia, Clarice acha
mais linguagens. As peças de que cada espetáculo é uma oportunidade de ser
La Casa Incierta favorecem a transparente: “trata-se de um mundo muito profun-
contemplação ativa, pois for- do e intenso, é difícil fazer caras e bocas para os
necem elementos para a in- bebês, você se sente na corda bamba”.
terpretação dos pequeninos Em determinado momento da apresentação de
da platéia. A essa experiên- “Pupila D’Água”, as atrizes batem os sapatos ver-
cia, Lareda contrapõe a con- melhos no chão, produzindo seqüências de som e
templação passiva, “propor- silêncio. Em Brasília, um menino com uma chupeta
cionada pela televisão e por na boca e uma fralda na mão, em pé, sapateou no
determinada literatura, que mesmo ritmo das batidas, levantou os braços e gi-
não colocam perguntas para rou, imitando os gestos das atrizes em cena.
as crianças”. Para manter a relação com a platéia, que é muito
frágil, as atrizes enfocam o bebê, que também está
Reações das em cena. No espaço pequeno, as crianças ficam
platéias muito próximas ao palco. Eventualmente, Clarice
olha para os olhos de um dos bebês e se aproxima;
O teatro para bebês foi de- ele corresponde ao olhar e se mantém atento. “Eu
senvolvido na França, entre me permito me perder nesses olhares, eles me ali-
as décadas de 1980 e 1990. mentam”, diz a atriz.
A companhia La Casa Incierta
começou a produzir esse gê-
nero teatral a partir de 2002,

revista criança • 37
reportagem

na Espanha. Até setembro tor notou que o público adulto acolhidas pelos adultos. Uma
de 2007, o grupo havia feito não faz diferença entre os es- dessas apresentações come-
mais de 400 apresentações paços do palco e da platéia, çou com uma choradeira co-
de “Pupila D’Água” e mais de “o oposto do que acontece letiva; depois, as crianças se
800 de “A Geometria dos So- na Rússia, onde o palco é um acalmaram.
nhos”, na Europa e no Brasil. espaço sagrado”. Nas apre- Num dos espetáculos
La Casa Incierta apresentou sentações em São Paulo, ele apresentados para creches,
as duas peças, entre agosto observou a existência de uma em São Paulo, havia uma
e setembro de 2007, em Bra- unidade física muito grande criança que se manteve mui-
sília (DF), Rio de Janeiro (RJ) entre pais e filhos, “provavel- to contida, relata Lareda. Tra-
e São Paulo (SP). mente porque passam pouco tava-se de “A Geometria dos
As platéias reagem de tempo juntos”; os bebês não Sonhos”, em cujo encerra-
acordo com o local, a cultura se aventuram sozinhos. mento a atriz repete a palavra
e a situação em que os be- Em apresentações para “mamãe” várias vezes, em
bês assistem ao espetáculo, creches em Brasília, Lareda tom de angústia, como um
se acompanhados dos pais percebeu certa teimosia da bebê à procura de sua mãe.
ou com a creche. Por exem- platéia no início do espetá- Depois da peça, a atriz foi
plo, “quando o adulto sente culo, que ele atribui a rela- conversar com esta criança e
medo de que o bebê tenha ções familiares não conhe- a abraçou. A criança chorou
medo, o bebê fica apreensi- cidas – como muita pobreza e contou que não tinha mãe.
vo”, relata Lareda. e carência – à ausência das “Chorar é bom para a saúde”,
No Rio de Janeiro, o dire- mães, ou por não se sentirem sentencia o diretor.

38 • revista criança
resenha
irmãozinho, horas antes de ela ser entregue
aos pais adotivos.
Foi o primeiro de uma série de livros rou-
bados nos quatro anos seguintes. O gosto
por roubá-los tornou-se, então, uma ocupa-
ção para Liesel. As histórias dos livros rouba-
dos e de outros que ganhou de aniversário
passam a nortear e dar certo sentido à sua
existência, em meio à miséria, à morte e à
destruição provocadas pela guerra.
Além do encontro e das vivências pro-
porcionados pela leitura dos livros, outros
encontros foram fundamentais na história
da menina. Primeiro com Hans, seu amoro-
so pai adotivo, que a ensinou a ler. Depois,
com Rudy, companheiro de aventura. Com
a mulher do prefeito, com quem desenvolve
certa cumplicidade. E, finalmente, com Max,
o judeu escondido no porão, sobre o qual ju-
A menina que roubava livros rou nunca falar. Personagens que marcaram
sua vida para sempre, nesta época sombria,
Autor: Markus Zusak mas também rica de aventuras infantis e sen-
Tradutora: Vera Ribeiro timentos nobres.
Editora: Intrínseca Toda a narrativa é intercalada por comen-
tários geniais e reflexões inusitadas da nar-
Magda P. Muller Lopes radora Morte sobre o ser humano. Segundo
ela, por exemplo, a humanidade pode ser
“tão medonha e tão gloriosa, e ter palavras e
A Menina que roubava livros é uma obra histórias tão amaldiçoadas e tão brilhantes”.
poética, inusitada, arrebatadora, que emo-
ciona, desperta alegria, mas também tristeza
e revolta. Entre 1939 e 1943, na Alemanha Os corvos de Pearblossom
nazista, a menina Liesel Meminger sobrevive
a três encontros com a Morte, o que impres- Autor: Aldous Huxley
siona a ”ceifadora de vidas”, que decide en- Ilustradora: Beatrice Alemangna
tão contar a história. Tradutor: Luiz Antonio Aguiar
Desde que foi deixada na rua Himmel, Editora: Record
aos cuidados de Hans Hubermann, um
amável pintor desempregado, e sua espo- Nada como ler uma história com perso-
sa Rosa, uma dona de casa ranzinza, Lie- nagens que parecem velhos conhecidos
sel busca o sentido de sua vida. Ao chegar nossos. Quem nunca soube de uma cobra
à casa dos Hubermann, a menina trazia egoísta e gulosa? De uma coruja sábia que
consigo O Manual do Coveiro, seu primei- sempre tem solução para tudo? De um casal
ro livro, furtado do rapaz que enterrou seu de corvos formado por uma mulher faladei-

revista criança • 39
resenha
com sua linha curva, pode virar um quadra-
do com lados e ângulos iguais? A pergunta
é danada. Pense. Pode? Ah, não pode. Será?
São formas tão diferentes uma da outra. Uma
coisa pode se transformar em outra? Posso
me transformar naquilo que não sou? Mas
preste atenção, mágica aqui não vale. Ah,
não! É preciso encontrar outro modo de re-
solver essa questão.
Primeiro, um passeio por formas bem re-
dondas como a bola, o pneu, o queijo, a lua
em certas noites. Depois, você vai descobrir
que o redondo faz também galinha, porco,
gato, em imprevistas aventuras da forma.
Mas como o redondo vai conseguir fazer o
quadrado? Vendo uma fila de redondos a
gente pode ter uma idéia. A solução? Sem
ra e um marido que nem lhe dá bola? Essa truque nem mágica? Só na página 22.
história de Aldous Huxley, famoso escritor in- Percorrendo as páginas deste livro, perce-
glês, tem todos esses personagens juntos e be-se que muita coisa que parece impossível
um final muito engraçado. no primeiro momento na realidade não é. A
Imagine o que o casal de corvos, com a questão é pôr a cabeça para funcionar. Aí,
ajuda da coruja, fez para se livrar da cobra até o redondo pode ficar quadrado.
que come os ovos do ninho deles. Nem pen- O título faz parte do Acervo 1 – Literatura
se em ações violentas. A solução está em na infância: imagens e palavras – PNBE/2008
um plano bem bolado. Pare a leitura antes para a Educação Infantil.
do final e tente descobrir o resultado. Depois,
vá até a última página e descubra sorrindo
como uma cobra pode ser útil para um casal
de corvos com muitos filhos.
O título faz parte do Acervo 2 – Literatura
na infância: imagens e palavras – PNBE/2008
para a Educação Infantil.

Um redondo pode ser


quadrado?
Autor e ilustrador: Canini
Editora: Saraiva

O título faz uma pergunta para a gente


pensar. A forma circular, como a da roda,

40 • revista criança
cartas

mental significa a garantia de Tal medida busca regula-


um ano a mais de educação rizar uma ambigüidade his-
básica para as crianças. tórica do sistema educacio-
Os municípios possuem nal brasileiro: crianças de 6
prazo até 2010 para implantar anos já eram matriculadas

Diálogo com o ensino fundamental obriga-


tório de 9 anos. Nos municí-
no ensino fundamental há
muitos anos, mas na medi-

as cartas pios que já criaram as condi-


ções para o cumprimento da
da da disponibilidade de va-
gas da rede de ensino local.

recebidas lei, todas as crianças que já


possuem 6 anos ou irão com-
A novidade da Lei 11.274 é
colocar como central o direi-
pletá-los ainda no início do to da criança e não subor-
ano letivo devem ser matricu- dinar esse direito à ”capaci-
ladas no ensino fundamental. dade física e financeira das
A Coordenação Geral de Mas, atenção! Para as redes de ensino”.
Educação Infantil (Coedi) tem crianças que já freqüentam a Nesse contexto, é impor-
recebido inúmeras consultas educação infantil, essa medi- tante não permitir a matrícula
sobre a Lei nº 11.274, de 6 de da não eliminou a pré-escola, de crianças com menos de
fevereiro de 2006, que esta- apenas diminuiu a duração do 5 anos e 10 meses no en-
belece a ampliação do ensino chamado período pré-escolar sino fundamental. Quando
fundamental para 9 anos exi- para um grupo de crianças: isto ocorre, fica caracteriza-
gindo que as crianças sejam aquelas que têm 6 anos com- do o desrespeito ao direito
matriculadas nessa etapa da pletos no início do ano. da criança de 0 a 6 anos à
educação básica a partir dos É fundamental explicar educação infantil. Além disto,
6 anos completos. A maior aos pais e familiares que esta desconsideram-se as carac-
parte delas levanta dúvidas criança não está pulando ou terísticas desta etapa da vida
sobre a faixa etária a ser aten- perdendo um ano. Ela apenas e fragiliza-se a concepção de
dida pela educação infantil. vai freqüentar este ano no en- educação infantil.
É importante que todos os sino fundamental e não mais Não respeitar o corte etá-
profissionais das creches e na educação infantil. rio de 6 anos completos para
das pré-escolas estejam bem Vale destacar que a educa- matrícula no ensino funda-
informados sobre o assunto e ção infantil continua atendendo mental significa manter crité-
tenham condições de ajudar as crianças que completam 6 anos rios distintos e duplicidade no
famílias a respeito do tema. Por no decorrer do ano letivo. Trata- sistema. Na educação escolar
isso, buscamos nesta seção se de uma alteração na forma brasileira, a flexibilidade está
Cartas esclarecer a questão. de organizar a distribuição das sempre admitida e garantida,
A Lei 11.274 se baseia no crianças no percurso escolar. pois ela é um dos pilares da
princípio de que, para uma par- Essa alteração exige das insti- organização e funcionamento
cela da população brasileira tuições de educação infantil e dos sistemas de ensino. Mas
que não tem acesso à educa- das escolas de ensino funda- a flexibilidade deve servir para
ção infantil, antecipar a idade mental uma revisão ou ajuste lidar com as exceções, e não
de ingresso no ensino funda- na proposta pedagógica. tornar-se a regra.

revista criança • 41
notas

Novas matrículas no ção ao ar livre, área verde e estacionamento.


Cada projeto recebe cerca de R$ 707 mil.
Proinfantil
Em 2008, 4,7 mil professores de creches
Creches conveniadas
e pré-escolas públicas, comunitárias ou con- Com o objetivo de orientar os municípios
fessionais, iniciaram o curso de magistério, para melhorar a política de conveniamento,
nível médio, do Programa de Formação Ini- o MEC elaborou o documento “Orientações
cial dos Professores em Exercício na Edu- sobre convênios entre secretarias municipais
cação Infantil (Proinfantil). Nesta nova etapa de educação e instituições comunitárias,
participam do programa as universidades confessionais ou filantrópicas sem fins lucra-
federais de Goiás, Mato Grosso do Sul, Rio tivos, para a oferta da Educação Infantil”.
Grande do Norte e Pará. O documento foi construído em um pro-
O curso tem duração de 2 anos e é uma cesso coletivo, coordenado pelo MECa partir
parceria entre o MEC e as secretarias esta- de GT composto de representantes da União
duais de educação. Até 2007, cerca de 3 mil Nacional dos Dirigentes Municipais de Edu-
professores já tinham sido habilitados nos cação (Undime), União Nacional dos Conse-
estados de Alagoas, Amazonas, Bahia, Cea- lhos Municipais de Educação (Uncme), Mo-
rá, Goiás, Piauí, Rondônia e Sergipe. vimento Interfóruns de Educação Infantil do
Brasil (Mieib), Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Estabelecimentos de En-
Proinfância sino (Contee), Organização das Nações Uni-
das para a Educação, a Ciência e a Cultura
O MEC, comprometido com a expansão e (Unesco) e Associação Nacional de Pós-gra-
melhoria da qualidade da educação infantil,
vem implementando um conjunto de ações duação e Pesquisa em Educação (Anped).
de apoio e assessoramento técnico aos mu-
nicípios. Dentre elas destaca-se o Programa
Nacional de Reestruturação e Aparelhagem
Conferência Nacional de
da Rede Escolar Pública de Educação Infantil Educação Básica
(Proinfância).
Mais de 4,3 mil municípios manifestaram Em abril de 2008, aconteceu em Brasília a
interesse no Proinfância. Até 2008, o Fundo Conferência Nacional da Educação. Realiza-
Nacional de Desenvolvimento da Educação da após as 27 conferências estaduais, a Con-
(FNDE) estabeleceu convênio com 955 muni- ferência Nacional teve cinco eixos temáticos:
cípios para construção de escolas de educa- 1) os desafios da construção de um sistema
ção infantil. nacional articulado de educação; 2) demo-
Simultaneamente ao processo de constru- cratização da gestão e qualidade social da
ção, o MEC executará o acompanhamento educação básica; 3) construção do regime de
técnico. Este trabalho abrange o monitora- colaboração entre os sistemas de ensino, ten-
mento das obras e o assessoramento técnico do como um dos instrumentos o financiamen-
pedagógico e será feito por meio da Secreta- to da educação; 4) inclusão e diversidade na
ria de Educação Básica (SEB) e do FNDE. educação básica; 5) formação e valorização
O modelo padrão, oferecido pelo MEC, é profissional. Além disso, a Conferência teve
de uma escola com 1.100 m2 equipada e com em sua programação o colóquio “Educação
laboratório de informática, em área mínima de Infantil em novas perspectivas, como primeira
2.800 m2, com horta escolar, área de recrea- etapa da educação básica”.

42 • revista criança
arte

A Última Ceia
Rodrigo Faleiro
nascimento. Existem
O ser humano é rico na olhares que seduzem
e olhares de fé. Este é
sua diversidade cultural.
o princípio básico do
Vemos aqui três obras
Barroco: a dualidade
de arte retratando o mesmo (céu e terra).
tema, com cenas semelhan- As cores utilizadas
tes, magnificamente elabora- são típicas do barroco
das por grandes mestres da mineiro: o vermelho
pintura e, ao mesmo tempo, A Última Ceia (1828) (quente) e o azul (fria). Existem
bastante distintas de acordo Mestre Athayde – Refeitório do Colé- apóstolos colocados de costas
gio do Caraça Minas Gerais – Brasil
com os aspectos culturais e outros de pé. A sensação é
dos séculos em que foram de espontaneidade, como se
criadas. Na obra de Manoel da Costa chegássemos naquele instante
Athayde (1762-1830), podemos àquele lugar. Não existe uma
ver a cena da Última Ceia como saída. As janelas ou portas re-
se fosse uma festa. Tudo pare- tratadas não levam a lugar al-
ce meio desorganizado, obs- gum. A perspectiva é pequena
curo, sem o equilíbrio do Re- para todos.

la sextavada. Uma
alusão à Ressurrei-
ção. A cena do fun-
do se funde com o
A Última Ceia (1495-1497) primeiro plano entre
Leonardo da Vinci – Refeitório do água e céu, corpo e
Convento de Santa Maria delle Grazie
Milão – Itália paisagem. Através
do corpo de cristo
Leonardo da Vinci (1452- flui um barco que se
1519), em sua época, retrata ancora nesta mesa.
A Última Ceia (1955)
a Última Ceia com todos os Salvador Dali – Galeria Nacional de A toalha branca ainda mantém
apóstolos sentados e posicio- Arte ashington DC – EUA os vincos de bem guardada.
nados como para uma seção Todos os apóstolos estão po-
de fotos. Podemos perceber a sicionados de cabeça baixa,
Na obra moderna do Surre- reconhecendo a autoridade de
existência de uma perspectiva,
alismo, de Salvador Dali (1904- Cristo, o único a se posicionar
no quadro, que aprofunda a
1989), temos a sensação do com altivez. Duas metades de
cena no seu ambiente e abre
espiritualismo da cena. Algo um pão e meio copo de vinho
janelas que nos possibilitam
sobrenatural se rompe, um tron- se encontram sobre a mesa.
ver além da cena principal. To-
co sem cabeça e com braços Uma luz horizontal rasga a tela
das as linhas da perspectiva
abertos em uma grande jane- ao meio.
se encontram na cabeça de
Cristo. Esses são alguns có-
digos do Renascimento. O ser Rodrigo Faleiro é artista e educador com especialização em arte e cultura e
mestre em Artes Visuais pela UFMG. É professor do ensino médio e da pós-
humano, nesse período, nutria- graduação em diversas escolas de Belo Horizonte e coordena o Espaço Loyola
se de grandes esperanças. – Casa de Memória e Cultura.
Ministério
da Educação

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