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Sumário
1. A função do constitucionalismo. 2. A fun-
ção do controle de constitucionalidade das leis.
3. A democracia, o Poder Judiciário e o contro-
le de constitucionalidade das leis. 4. A filosofia
de controle concentrado de constitucionalida-
de das leis. 5. A filosofia do controle concentra-
do de constitucionalidade das leis na ordem
jurídica brasileira pós-88.
1. A função do constitucionalismo
Em Considerações sobre o Governo da Polô-
nia, afirmou Rousseau que é contra a natu-
reza dos corpos sociais se impor leis que
não possam revogar; mas não é nem contra
a natureza nem contra a razão que não pos-
sam revogar as leis por meio de solenidades
estabelecidas por eles próprios1.
Sem grande esforço, a partir dessa geni-
al colocação de Rousseau, percebe-se que a
idéia de uma superlegalidade constitucio-
nal nasceu da síntese do enfrentamento di-
alético entre os supostos conceitos do racio-
nalismo de constituição e o fato da mutabi-
lidade da vida histórica. Se não é possível
subtrair à constituição a mutabilidade his-
tórica, esta só penetrará na constituição por
meio dos mecanismos nela própria previs-
Paulo Roberto Barbosa Ramos é Promotor tos, quer dizer, por meio dos métodos espe-
de Justiça Titular da Promotoria de Justiça Espe-
ciais de reforma. É o abandono da tese da
cializada dos Direitos dos Cidadãos Portadores
de Deficiência e Idosos de São Luís/MA, Profes-
imutabilidade do conteúdo para assegurar
sor Assistente do Departamento de Direito da a sua permanência como forma2.
UFMA, Mestre em Direito pela UFSC, Douto- Isso não significa, entretanto, que o cons-
rando em Direito Constitucional pela PUC/SP. titucionalismo seja algo destituído de qual-
Brasília a. 36 n. 143 jul./set. 1999 313
quer sentido, de qualquer finalidade, legiti- al, porquanto os direitos fundamentais, pre-
mador de todo e qualquer poder; significa cisamente porque garantidos a todos e sub-
tão-somente que as relações de poder, vi- traídos à disponibilidade do mercado e da
venciadas em cada momento histórico, im- política, formam a esfera do indecidível que e
põem aos homens novas formas de organi- do indecidível que não e operam como fatores
zação, de articulação do poder, daí a não só de legitimação, mas também, e sobre-
necessidade de previsão de mecanismos tudo, de deslegitimação das decisões ou das
capazes de absorver essas alterações, com não-decisões5.
a intenção de manter os princípios informa- Não faz sentido, então, a observação de
dores do próprio constitucionalismo, os Sartori6, segundo a qual as constituições são
quais podem ser sintetizados no respeito aos apenas formas que estruturam e disciplinam
direitos dos indivíduos mediante a previsão de os processos decisórios do Estado, estabele-
mecanismos de limitação do poder. Essa é a sua cendo apenas como as normas devem ser
natureza e, como disse Agostinho Ramalho, criadas, não decidindo o que será estabele-
lembrando Aristóteles, a natureza de cada coi- cido pelas normas, porquanto o abandono
sa é o seu fim3. da imutabilidade do conteúdo para assegu-
Se a finalidade do constitucionalismo é rar a permanência como forma, destacado
garantir a existência dos direitos fundamen- por Garcia-Pelayo7, serve apenas para de-
tais por meio da limitação do poder, sem, no monstrar que o constitucionalismo moder-
entanto, representar um entrave às transfor- no precisou dessa relativização de conteú-
mações sociais, que constituem um fato, que do para encontrar a sua própria identida-
nada pode impedir, nem mesmo o constitu- de, e sua identidade se encontra numa alte-
cionalismo, tem este, para lograr cumprir ração de conteúdo voltado para, por meio
sua natureza, a função de indicar os meca- da forma, garantir os direitos fundamentais,
nismos por meio dos quais a ordem será al- já que a forma escrita da constituição é ca-
terada, para se adaptar ao novo momento racterística de um constitucionalismo com-
histórico e o novo momento histórico a ela, prometido com os direitos fundamentais do
sem que sejam feridas aquelas conquistas homem.
que representam um grande avanço no pro-
cesso civilizatório, quais sejam: o reconheci- 2. A função do controle de
mento do homem enquanto ser de direitos; o re- constitucionalidade das leis
conhecimento de que cada povo tem o direito de
O controle de constitucionalidade das
dar a si mesmo uma constituição que julga boa;
leis só tem sentido se analisado a partir de
que os que obedecem à lei devem, também, reuni-
uma legítima idéia de constitucionalismo, e
dos legislar4, a partir das quais o próprio cons-
titucionalismo é identificado. a legítima idéia de constitucionalismo está
Então, a manutenção dessas conquistas comprometida visceralmente com a digni-
é a função do constitucionalismo, que en- dade do homem, pelo motivo de almejar o re-
controu no controle de constitucionalidade conhecimento do homem enquanto ser de di-
das leis o mecanismo para a fiscalização dos reitos a partir da idéia de limitação do poder.
limites das transformações sociais, tendo Se as experiências do constitucionalis-
em vista, em última análise, o resguardo mo não conseguiram realizar tal intento, tra-
dos direitos humanos fundamentais. Assim ta-se de uma outra questão, mas o fato é que
sendo, parece correta a observação de Fer- o legítimo constitucionalismo almejou o bem
rajoli de que nenhuma maioria, nem sequer comum, na medida em que teve origem
a unanimidade, pode legitimamente deci- numa disposição moral da sociedade, pro-
dir a violação de um direito de liberdade ou vocada pela consciência do estado de sofri-
não decidir a satisfação de um direito soci- mento, miséria, penúria e infelicidade em