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1

V A Economia Industrial estuda


o comportamento das empresas
/ em mercados imperfeitos: situações de
"5 monopólio e, principalmente, situações
v de concorrência estratégica entre
empresas. Neste livro, são tratados
) conceitos-chave como: concentração,
. oligopólio, liderança, conluio, barreiras à
entrada, fusões e aquisição,
) discriminação dè preços, diferenciação
do produto, publicidade, investigação
e desenvolvimento.

Luís Cabral obteve o seu doutoramento


em Economia (Ph.D.) pela Universidade
de Stanford, em 1989. Foi investigador
visitante do Santa Fe institute,
do Institui d'Analisi Econômica,
e das Universidades de Boston
e Stanford.
É actualmente Professor Associado da
Faculdade de Economia da Universidade
Nova de Lisboa. É também Research
Fellow do Centre for Economic Policy
Research e membro dos conselhos
editoriais das revistas Investigaciones
Económicas e International Journal of
Industrial Organisation.
Economia
Industrial
LIVRARIA CIENTÍFICA__
NESTG REICHMANN LTDA.
ua O. J w i d » B irro », 1SB - G* andar
'ata: aSS-1342/2SS-7SD1f214-3167
: 2SS-7ífl1-01030-000 - 81o Paulo •S P

iftolalo da Barroa, «39 •Eaq. B. Lagoa


UC: S75-9O37-04O24-M 2 -Slo P»ulo-3 P
>Mtat: 393541060-970 •Slo Paido-SP
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Economia
Industrial
Luís Cabral
Faculdade de Economia
Universidade Nova de Lisboa

McGRAW-HILL
LISBOA • SÃO PAULO • BOGOTÁ • BUENOS AIRES • GUATEMALA
MADRID • MÉXICO - NOVA IORQUE ■ PANAMÁ * SAN JÜAN • SANTIAGO

AUCKLAND * HAMBURG • KUALA LUMPUR • LONDON


MILAN • MONTREAL • NEW DELHI • PARIS • SINGAPURE • SYDNEY
TOKYO * TORONTO
ECONOMÍA INDUSTRIAL
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ISBN: 972-9241-57-0

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IE2P04041M52T5
1E3P0I071M03T5

Impressão: Tipografia Lousanense. Ld< - Lousã

Impresso em Portugal — Printed in Portugal


índice

Prefácio v

1 Introdução 1
1.1 Dois exemplos...................................................................... ... . . . 2
1.2 TVês questões c e n tr a is ................................................................... 6
1.3 Duas posições ra d ic a is ................................................................... 12
1.4 Um p a ra d ig m a ................................................................................ 13
1.5 Plano do liv ro .................................................................................. 15

2 Estrutura de mercado 17
2.1 Introdução......................................................................................... 17
2.2 Definição de mercado...................................................................... 17
2.3 Medidas de concentração................................................................ 22
2.4 Medidas de v o latilid a d e................................................................ 25
2.5 E xercícios......................................................................................... 26

3 Modelos de oligopólio 29
3.1 Introdução. . . . ' ........................ 29
3.1.1 O modelo da empresa dominante.............................. - . . 30
3.1.2 O modelo da concorrência monopolística......................... 31
3.1.3 Teoria dos Jogos: breve introdução............................ 33
3.2 O modelo de C o u r n o t ................................................................... 35
3.2.1 Derivação geométrica ....................................................... 36
3.2.2 Derivação algébrica............................................................. 40
3.2.3 Propriedades do equilíbrio................................................. 42
3.2.4 Oligopólio assim étrico ....................................................... 43
3.2.5 Relação entre estrutura e resultados . . . . ' ................... 45
3.3 O modelo de B e rtra n d ................................................................... 47
3.4 O dilema C ournot-B ertrand................................. 49
3.5 O modelo de Stackelberg................................................... 52
3.6 Modelos dinâmicos: um exemplo*................................................. 55
3.7 E xercícios........................................................................................ 59

v
vi índice

4 Poder de mercado 65
7*'v 4.1 Introdução......................................................................................... 65
4.2 Análise d in âm ica............................................................................. 67
4.3 Estrutura de mercado e conluio.................................................... 69
4.4 Factores institucionais e conluio.................................................... 72
4.5 Estimação do poder de mercado.................................................... 76
4.6 Exercícios......................................................................................... 81
o
r-^ 5 Barreiras à entrada 87
s/
5.1 Introdução......................................................................................... 87
5.2 Tecnologia......................................................................................... 90
5.2.1 Definição de economias de e s c a la ..................................... 90
5.2.2 Economias de escala e estrutura de m ercado.................. 93
5.2.3 Economias de escala e re n ta b ilid ad e............................... 96
5.2.4 Custos fixos e custos irreversíveis.................................... 98
5.3 Comportamento estratég ico ............................................................. 101
"^ 5.3.1 Preço lim ite........................................... ^ .......................... 101
5.3.2 Proliferação de produtos....................................................... 105
5.3.3 Entrada em pequena e s c a la ................................................. 107
5.4 Entrada e bem-estar*......................................................................... 109
5.5 Evidência em p írica.............................................................................112
v: \ 5.6 Entrada e saída em mercados concorrenciais..................................114
5.7 E xercícios............................................................................................119

6 Fusões e aquisições 129


6.1 Introdução............................................................................................129
6.2 Fusões horizontais*.............................................................................131
6.3 Integração v e r tic a l.............................................................................133
6.4 A hipótese de maximização do l u c r o ..............................................141
6.5 Exercícios.................. • ................................................................... 147

7 Discriminação de preços 151


7.1 Introdução............................................................................................151
7.2 Taxinomia da discriminação de p r e ç o s ........................................... 151
7.3 Exemplos*............................................................................................155
7.3.1 Tarifas de duas p a r t e s .......................................................155
7.3.2 Discriminação temporal com bens d u rá v e is ...................... 158
7.3.3 Saldos ...................................................................................... 164
7.4 Exercícios............................................................................................166
índice vii

8 Diferenciação do produto 171


8.1 Introdução.......................................... 171
8.2 Informação im p e rfe ita ............................................................ 173
8.3 Custos de m udança............................................................................ 176
8.4 Diferenciação do p r o d u t o ................................................................ 178
8.4.1 Diferenciação horizontal è diferenciação vertical............... 178
8.4.2 O modelo de H otelling.......................................................... 179
8.5 P u b licidade.........................................................................................182
8.5.1 Nível óptimo de publicidade................................................. 182
8.5.2 Estrutura de mercado e publicidade .................................. 185
8.5.3 Publicidade e b em -estar....................................................... 187
8.6 E xercícios................................................................... 187

9 Investigação e Desenvolvimento 195


9.1 Introdução............................................................................................195
9.2 Estrutura de mercado e incentivos para I& D ..................................195
9.3 Dinâmica concorrencial*................................................ 198
9.4 Incentivos privados e bem-estar s o c i a l ...........................................202
9.5 E xercícios............................................................................................205

10 Política industrial, política deconcorrência e regulação 207


10.1 Introdução............................................................................................207
10.2 Política industrial............................................................................... 208
10.2.1 Política comercial: O Estado como agente estratégico . 208
10.2.2 Sectores estratégicos ou prioritários.....................................212
10.3 Política de concorrência................................................................... 217
10.3.1 Acordos h o riz o n ta is............................................................. 218
10.3.2 Relações verticais................................................................... 219
10.3.3 Abuso de posição d o m in a n te ..............................................220
10.3.4 Política de fusões................................................................... 221
10.4 Regulação de mercados...................................................................... 223
10.4.1 Regulação de p re ç o s ............................................................. 223
10.4.2 Regulação da e n t r a d a .......................................................... 224
10.4.3 Informação im p erfe ita.......................................................... 225
10.5 Regulação de em presas.................................................’................ 226
10.6 E p ílo g o .............................................................................................. 230

índice remissivo 232


Prefácio

e s t e l iv r o baseiarse em notas de aula da disciplina de Economia Industrial,


leccionada pelo autor nas Universidades de Stanford e Nova de Lisboa. Ao
procurar uma justificação para o trabalho de escrever um livro de texto, não
consigo melhor que o lugar comum de não ter encontrado nenhum texto satis­
fatório. Parece-me que os textos existentes ou são demasiado avançados para
uma disciplina de licenciatura (v.g., o livro de Jean Tiroíe); ou demasiado
voltados para exemplos e aplicações específicos dos Estados Unidos (v.g., os
livros de Frederic Scherer e Thomas Ross, Stephen Martin, Dennis Carlton e
Jeffrey Perloff); ou demasiado “secos” de exemplos e aplicações (v.g., o livro
de Michael Waterson).

Acresce ainda o facto^de que —com a excepção do algo desactualizado


manual de Alexis Jacquemin— não existe nenhum manual de estudo escrito
em português. Embora seja partidário da opinião de que o uso de línguas
estrangeiras é muito útil na formação do universitário (em particular, do eco­
nomista), também reconheço que o aproveitamento médio dos estudantes é
significativamente inferior quando estudam com textos em inglês ou francês.
Espero assim que a elaboração de um livro de texto dirigido ao aluno de li­
cenciatura e escrito em português venha preencher uma lacuna que me parece
relevante.

Gs destinatários principais deste livro são os alunos de Economia Indus­


trial, dos dois últimos anos da Licenciatura de Economia. No entanto, parece-
-me que este texto poderá também ser útil em cadeiras de Economia (nomea­
damente Microeconomia e Marketing) de outros cursos que não Economia; e
noutras disciplinas da Licenciatura em Economia que não Economia Indus­
trial.
'"1

z Prefácio

Metodologia
Comparando a filosofia Pragmatista com a filosofia Tomista, Chesterton es­
creveu

the Pragmatist sets out to be practical, but his practicality turns


out to be entirely theoretical. The Thomist begins by being theo­
retical, but his theory turns out to be entirely practical.1
h

Este livro não trata de Filosofia. No entanto, parte também do princípio


o de que “a melhor ajuda para a vida prática é uma boa teoria” (teoria no
sentido correcto da palavra, não no sentido —infelizmente comum— de um
“conjunto de ideias totalmente irrelevantes”). Além de ser baseado em ideias,
o livro segue uma análise formal, baseada em modelos simplificados. Tal como
argumenta H. Varian, um bom modelo é tão útil como um bom mapa. Um bom
mapa não é “realista” no sentido em que não descreve todos os pormenores
do espaço que retrata; pelo contrário, um bom mapa é um retrato simples e
simplista da realidade. Mas é justamente por esse motivo que é útil: apenas
o retrato estilizado permite evidenciar os aspectos essenciais. Para que fosse
; inteiramente realista, um mapa teria de ser desenhado à escala 1:1—o que o
tornaria totalmente inútil.
Em paralelo com a análise teórica, procurei acompanhar o texto com exem­
] plos práticos e referências à bibliografia empírica relevante. O espaço dedicado
à análise empírica é, contudo, relativamente reduzido. No entanto, a forma
)
como as referências bibliográficas se encontram distribuídas ao longo do texto
) permite, assim se espera, que cada docente (e cada leitor, em geral) adapte o
grau de profundidade na análise empírica aos seus próprios interesses e dispo­
nibilidade de tempo.
Relativamente aos modelos teóricos utilizados, procurei seguir a estratégia
i que Eric Rasmusen descreve como “evitar gorduras desnecessárias”. A análise
é apenas levada até ao nível de generalidade estritamente necessário para de­
rivar as ideias e as intuições relevantes. No entanto, com vista a facilitar o
aprofundamento em cada assunto, são feitas ao longo do texto referências às
contribuições fundamentais —no juízo do autor— para a Teoria da Economia
)
Industrial (especialmente as mais recentes).*
)
*G. K. Chesterton, St. Thomas Aquinas, New York: Image Books, p. 158.
í
I
Prefácio XI

Requisitos
Apesar da estratégia indicada no parágrafo anterior, é importante notar que o
livro pressupõe do leitor uma boa preparação em Microeconomia — correspon­
dente ao nível do Intermediate Microeconomics de Hal Varian, por exemplo
—, e uma familiariedade mínima com Álgebra Linear e Cálculo. Na Uni­
versidade Nova, por exemplo, a disciplina de Economia Industrial I tem como
pré-requisito o aproveitamento em Microeconomia I, que por sua vez tem corno
pré-requisito o aproveitamento em Introdução à Microeconomia (tudo disci­
plinas semestrais).
Algumas secções do livro, assinaladas com um *, são relativamente mais
exigentes de um ponto de vista matemático e analítico. A continuidade do
texto não é, no entanto, seriamente afectada pela omissão destas secções.
Critério semelhante é também aplicável aos exercícios incluídos no final de
cada capítulo. Aliás, alguns destes exercícios têm como função o aprofundar
mento de temas referidos de passagem no texto principal.

Estrutura
A organização do texto segue, em grandes linhas, o paradigma da estrutura-
-conduta-resultados de Mason-Bain-Scherer. Assim, depois de um capítulo de
introdução e um outro sobre problemas de definição e medição (“Estrutura de
mercado”), encontram-se quatro capítulos que constituem o núcleo da análise:
os dois primeiros (“Modelos de oligopólio”, “Poder de mercado”) descrevem
o sentido de causalidade “directo” dentro do esquema do paradigma; os dois
últimos (“Barreiras à entrada”, “Fusões e aquisições”) debruçam-se sobre os
chamados efeitos retroactivos dentro do mesmo esquema.
Os Capítulos 7 a 9 podem ser interpretados como refinamentos da análise
dos Capítulos 3 a 6. São considerados tópicos sobre discriminação de preços
(7), diferenciação do produto (8), e investigação e desenvolvimento (9). Final­
mente, o Capítulo 10 debruça-se sobre o papel da intervenção do Estado no
contexto da Economia Industrial.
O aspecto mais inovador do livro consiste na incorporação, em quase to­
dos os capítulos, de material de investigação relativamente recente e como tal
ausente de muitos outros livros de texto. Concretamente, são analisados os mo­
delos de Kreps e Sheinkman (duopólio com restrições de capacidade); Gelrnan
e Salop (entrada em pequena escala); Jovanovic (entrada e saída em mercados
concorrenciais); Grossman e Hart (integração vertical); GUbert e Newbery
XU Prefácio

(dinâmica concorrencial com investigação e desenvolvimento); e vários ou­


tros. Estes trabalhos representam marcos importantes no entendimento de
fenómenos centrais da Economia Industrial; e a forma complicada como foram
originalmente apresentados não deve ser óbice a que sejam incorporados num
livro de texto — desde que devidamente adaptados e simplificados.

Agradecimentos
Antes de mais, devo agradecer ao Conselho Científico da Faculdade de Econo­
mia da Universidade Nova de Lisboa todo o apoio prestado, sem o qual este
livro não teria sido escrito (pelo menos não em tão pouco tempo).
A Donald E. Knuth e Leslie Lamport agradeço o tra­
balho de elaboração dos programas MTjjjX,
programas utilizados na composição deste livro.
Como o presente parágrafo dem onstra, trata-se
de program as com um a qualidade e versatilidade
notáveis, o que me facilitou muito a tarefa de orga­
nização e design gráfico. O meu obrigado também
à pequena Alice, inspiradora das obras Alice's Ad-
ventures in Wondertnnd e Tkrovgh the
I&oking Gloss] & In tro d u ç ão

d en te liv ro c ita frequen­

tem e n te m t u obra»

d e Lewle C ar-

roll.

Num nível mais sério e profundo, gostaria de agradecer aos vários profes­
sores que despertaram o meu interesse pela Economia Industrial: na Universi­
dade Católica, os Professores Amado da Silva e Aníbal Santos; na Universidade
de Stanford, os Professores Timothy Bresnahan, Paul Milgrom, Roger Noll,
William Novshek e Robert Wilson. Um agradecimento especial é devido a Mi-
chael Riordan, que, não tendo sido meu professor no sentido formal da palavra,
me ensinou muito do que hoje sei sobre Economia Industrial.
Na elaboração do texto do livro, foram vários os colegas que me ajudaram
com comentários e sugestões úteis: Fernando Branco (U Católica), António
Brandão (U Porto), J. Pedro Pontes (ISEG) e J. Miguel Villas-Boas (Ber-
keley). Um agradecimento especial é devido a Pedro P. Barros (UNL), José
M ata (Banco de P ortu g al e UNL) e Vasco Santos (UNL) que leram, releram e
comentaram várias versões anteriores do livro. Algumas partes do texto bene-
Prefácio xiii

ficiaram, directa ou indirectamente, de conversas com António Leite e Diogo


Lucena (UNL). Agradeço ainda a todos os alunos de Economia Industrial na
UNL que, com dúvidas e sugestões diversas, contribuíram para a melhoria da
apresentação. Obviamente, nenhum dos aqui mencionados pode ser tomado
como responsável quer pelas opiniões quer pelas deficiências do livro.
Finalmente, agradeço a todos os meus professores no ensino pré-univer­
sitário. Embora o seu contributo não seja evidente das páginas deste texto,
creio que merecem um crédito que vai muito para além do que normalmente
recebem. A todos eles, como forma de agradecimento justo se bem que tardio,
é dedicado este livro.
J
i
1

')

;
Capítulo 1

Introdução
‘There’s glory for you!’ ‘I don’t know what you mean by “glory”,'Alice
said. ‘I meant, “there’s a nice knock-down argument for you!” ’ ‘But
“glory” doesn’t mean “a nice knock-down argument”,’ Alice objected.
‘When / use a word,’ Humpty Dumpty said in a rather scornful tone, ‘it
means just what I choose it to mean—neither more nor less.’ -
Lewis Carroll, Through the Looking Glass.

CORRENDO O r is c o de cair em preciosismos linguísticos, começamos este texto


com um esclarecimento sobre o significado da expressão “economia industrial”.
Embora o nome desta área da economia seja aparentemente auto-esclarecedor,
a verdade é que leva facilmente à confusão.
A expressão “economia industrial”, pelo menos quando associada ao ramo
da economia de que este livro trata, deriva de uma tradução mais ou menos
directa do inglês industrial economics ou industrial organization. Ora o termo
industry tem em inglês dois sentidos distintos. Segundo ò. Websterfs New
World Dictionary, industry define-se como qualquer actividade económica,
especialmente de manufacturação (v.g., the paper industry); neste sentido,
falamos de industry por oposição a services ou agriculture. Em sentido mais
lato, industry significa também qualquer actividade económica de grande es­
cala (v.g., the tourism industry).
Em português, no entanto, apenas encontramos o primeiro sentido para
a palavra “indústria”. Segundo o dicionário da Porto Editora, indústria é a
“actividade económica que se utiliza de uma técnica, dominada, em geral, pela
presença de máquinas ou maquinismos, para transformar matérias-primas em
artefactos acabados”. Daí que o termo “economia industrial” esteja normal­
mente associado à ideia da “economia da ferrugem”.

1
2 Capítulo 1. Introdução

A noção do “iiiíllist,ria” subjacente a este texto corresponde ao segundo


sentido da palavra industry acima referido; isto c, consideramos economia
industrial o estudo de aetividades económicas de escala considerável (mais
concretamentc, mercados), independente de se tratarem de aetividades indus­
triais, agrícolas, ou de serviços. Neste sentido, a designação mais correcta para
a disciplina de economia industrial seria “Economia dos Mercados” , ou, dada a
abordagem específica da disciplina, E conom ia dos M ercados Im perfeitos.
Mas o estudo do comportamento dos mercados é, afinal, o objecto da
Microeconomia. Por este motivo, G. Stigler defende que “there is no such
subject as industrial organization”!1 Em defesa da independência da disci­
plina de Economia Industrial, devemos invocar que a análise microeconómica
tradicional trata principalmente das estruturas de mercado simples e extremas
(monopólio “puro” e concorrência perfeita), enquanto que a Economia Indus­
trial se preocupa principalmente com todas as estruturas de mercado que se
encontram entre estes dois extremos. Além disso, o estudo das políticas gover­
namentais no sentido de melhorar a eficiência do funcionamento dos mercados,
um tópico pouco aprofundado em Microeconomia, assume um papel central
em Economia Industrial.

1.1 Dois exemplos


‘What is the use of a book’, thought Alice, ‘without pictures or conver­
sations?1
Lewis Carroll, Through the Looking Glass.

Neste momento, alguns exemplos serão porventura mais úteis que definições
adicionais. Por este motivo, antes de discutir em pormenor algumas das
questões centrais da Economia Industrial (Secção 1.2), apresentamos agora
alguns casos concretos em que questões de Economia Industrial assumem um
papel principal.

■ In d ú s tria farm acêutica. Um dos primeiros problemas que se põem ao


procurar analisar a indústria farmacêutica é o da definição de m ercado.
Considerar toda a indústria como um mercado único é certamentc pouco rea­
lista, pois incluir-se-iam no mesmo “saco" produtos que têm muito pouco a
ver uns com os outros. Por outro lado, uma definição demasiado restrita (v.g,,*

'George J. Sligler, The Organization of Industry, Homewood, Illinois: R.D. Irwin, 11)68,
f

\ (
f
1.1. Dois exemplos 3
\ t

por sub-sub-aplicação terapêutica) também tem os seus problemas: concre- *


tamente, é frequente a situação em que um mesmo medicamento tem várias (
aplicações terapêuticas.
Se adoptarmos uma definição lata de mercado, então a concentração ^
das empresasparecer-nos-á muito baixa:mundialmenté, existem bastantes (
grandes empresas, de dimensão relativamente semelhante. Se, pelo contrário,
adoptarmos uma visão mais restrita, então o sector farmacêutico parecer-nos-á ^
como uma série demonopólios e duopólios. (
Seja como for, o sector farmacêutico tem sido um alvo preferencial de
acusações de p o d e r de m ercado exagerado. De facto, os preços dos medi- ^
camentos são tipicamente fixados em valores bastante superiores ao custo de (
produção. As m argens, medidas como (P —C ^ jP , onde P representa o preço
e C* o custo marginal, são frequentemente próximas de 100%.2
Em sua defesa, as empresas farmacêuticas apresentam vários tipos de ar- t
gumentos. Em primeiro lugar, é preciso notar que as empresas gastam um
montante bastante elevado em investigação e desenvolvim ento (I&D).
Ora estes custos têm de ser recuperados de alguma forma; daí, as margens (
elevadas que se praticam na venda de medicamentos. Em segundo lugar, a ' ^
afirmação de que as empresas detêm posições d o m inantes (por vezes são o
único produtor) em determinadas aplicações terapêuticas deve ser vista numa f
perspectiva dinâmica, pois a posição dominante é, em geral, meramente tem- f-
porária: o aparecimento de um novo medicamento de qualidade superior, des­
coberto e patenteado por outra empresa, destrói parcial oü totalmente o poder r
de mercado detido pela primeira empresa. Finalmente —e este é porventura o ^
argumento mais forte—, as empresas farmacêuticas argumentam que o ênfase
nas acusações de poder de mercado constitui um forte erivresamento a favor
da eficiência e stá tic a e em desfavor da eficiência dinâm ica, entendendo-se
esta última como o ritmo de aparecimento de novos medicamentos e melhora­
mento dos já existentes. „ "
O governo dispõe de diversos instrumentos para balancear a eficiência
estática com a eficiência dinâmica. O d ireito de p a te n te é porventura o
mais importante. Trata-se de uma forma directa de atribuir poder de mer­
cado à empresa inventora. No caso específico do sector farjrtacêutico, também r-
assumem grande importância o processo de aprovação de Povos medicamentos

é superior à dos restantes sectores. Note que se trata de uma afirmação idiferente da anterior
(a diferença está no valor dos custos fixos). A identificação destas duas afirmações tem sido
um dos principais factores de confusão —não apenas neste sector— sobre a natureza do
poder de mercado.

5
4 Capítulo 1. Introdução

(por vezes mais importante que o próprio direito de patente) e o tratamento


legal dado aos genéricos, medicamentos química e/ou terapeuticamente equi­
valentes aos medicamentos patenteados e vendidos a preços substancialmente
inferiores (os produtores de genéricos nao têm de incorrer nos elevados custos
de investigação das grandes empresas).
Apesar da insistência nos seus orçamentos de I&D, a verdade é que as
empresas farmacêuticas gastam mais em publicidade, promoção e propaganda
médica (ou simplesmente “publicidade”) do que em investigação (por vezes
mais que o dobro). Não é raro que o ra tio p u b licid ad e/re ceitas exceda os
20%. Colocarse aqui o problema que se põe em muitos outros sectores: será
que as despesas de publicidade têm um carácter inform ativo (logo útil), ou
serão estas apenas um meio de p ersu asão do cliente, seja ele o médico ou o
paciente?
A resposta mais correcta parece ser “um pouco dos dois”. Por um lado,
é evidente que há um mínimo de propaganda médica que é estritamente ne­
cessário. Por outro lado, encontram-se exemplos de medicamentos que devem
o seu sucesso não tanto ás suas qualidades terapêuticas, mas principalmente
a engenhosas campanhas publicitárias. Vejâ-se, por exemplo, a quota de mer­
cado conquistada pelo Zantac da Giaxo à custa do Tagamet da Smith-Kline
(ambos são medicamentos contra úlceras).

■ T ra n sp o rte aéreo. Desde o acordo das Bermudas (1946), e com a ex-


cepção dos Estados Unidos desde 1979, o mercado do transporte aéreo in­
ternacional tem sido organizado segundo um modelo de acordos bilaterais.
Dados quaisquer dois países, apenas as companhias nacionais de cada país têm
autorização, em princípio, para estabelecer as ligações aéreas respectivas. Por
exemplo, em princípio, apenas a TAP e a íberia estão autorizadas a voar entre
Lisboa e Barcelona. Além disso, os acordos tipicamente prevêm a repartição
equitativa das q u o tas d e m ercado (número de voos) e a fixação de tarifas
comuns.
Descontentes com as ineficiências provocadas por esta situação de poder
de mercado, os Estados Unidos decidiram em 1979 liberalizar a entrada no
mercado interno de transporte aéreo, seguindo aquilo que se veio a designar por
open skies policy. Tal como o nome indica, a ideia principal da nova política
consiste em permitir a qualquer companhia americana o estabelecimento de
qualquer ligação aérea dentro dos Estados Unidos.
Durante os primeiros anos após 1979, verificou-se um acréscimo muito
significativo no número de companhias de aviação, nomeadamente através da
e n tra d a de muitas pequenas empresas regionais. Por outro lado, as grandes
1.1. Dois exemplos 5

companhias aumentaram o número de ligações oferecidas. Como resultado,


o n ú m ero d e concorrentes em cada mercado aumentou muito, o que se
reftectiu num acréscimo de concorrência e decréscimo de preços.
Se o primeiro choque no processo de liberalização norte-americana foi a
entrada em massa, o segundo choque, sentido a partir de meados dos anos
80, foi de certa forma inverso. Com o acréscimo de concorrência, muitas
empresas foram levadas a situações financeiras precárias que acabaram na
falência e/ou aquisição por outras empresas. Como resultado deste processo
de consolidação, o número de empresas tem diminuído progressivamente,
sendo actualmente já inferior ao de 1979!
A comparação entre os Estados Unidos (pós-liberalização) e á Europa per­
mite ter uma ideia sobre os custos de um mercado demasiado regulamentado.
As tarifas europeias são tipicamente 50 a 100% mais elevadas que as ame­
ricanas, o que naturalmente se reflecte em ineficiência n a afectação dos
recu rso s nos mercados europeus. No que respeita à eficiência p ro d u tiv a, é
mais difícil obter estimativas exactas, mas as diferenças parecem significativas.
Em 1986, a produtividade das seis maiores companhias europeias encontrava-
-se entre 20% (A/ita/ía) e 70% (British Airways) da produtividade das oito
maiores empresas americanas.3
O estudo do caso americano é importante na medida em que nos encontra­
mos no começo do processo de liberalização do transporte aéreo europeu. Não
querendo repetir alguns dos erros do processo americano — nomeadamente a
enorme tu rb u lê n c ia decorrente de uma liberalização radical quase imediata
—, optou-se na Europa pela remoção progressiva das medidas restritivas de­
correntes do acordo das Bermudas. Por exemplo, as quotas de mercado das
duas transportadoras nacionais entre dois países já não têm de ser 50%, sendo
tolerada uma margem de variação; já se permite actualmente que uma compa­
nhia do país A faça a ligação entre as cidades x e y do país B (nalguns casos,
actualmente; em todos os casos, dentro de algum tempo); etc.
Espera-se que o impacte da liberalização seja bastante Significativo, devido
ao facto de a elasticidade preço da procura ser muito elevado. Por exem­
plo, em Maio de 1986, o Departamento de Turismo Irlandês designou uma
nova companhia privada para estabelecer o serviço Dublin/Londres. A nova
companhia estabeleceu uma tarifa bastante mais baixa que a praticada pela
empresa instalada, tendo a última respondido com um decréscimo da tarifa.

3Cfr. David H. Good, M. Ishaq Nadiri, Lars-Hendrik Roller e Robin C. Sickles, “Efficiency
and Productivity Growth Comparisons of European and U.S. Air Carriers: A First Look at
the Data", Universidades de Indiana, Rice e Nova Iorque, e INSEAD, 1992.
6 Capítulo 1. Introdução

Como resultado, o tráfego aumentou cerca de 30% entre Maio e Dezembro de


1986.'1

1.2 Três questões centrais


‘I have answered three questions, and that is enough,’ said his father;
Lewis Carrol, ./Mice's Adventures in Wonderland.

Os exemplos acima discutidos são sugestivos no que respeita às questões cen­


trais da Economia Industrial. Várias sistematizações são possíveis, tendo-se
aqui optado por considerar as seguintes três questões: (i) Existe poder de
mercado? (H) Quais as consequências do poder de mercado? (iii) Que pode o
Estado fazer para evitar as consequências negativas do poder de mercado?

Existe poder de mercado?


Esta 6, compreensivelmente, uma questão importante. Pelo P rim e iro Teo­
re m a F u n d am en tal d a E conom ia do B em -E star sabemos que, não exis­
tindo poder de mercado (e verificando-se outras condições), a solução de equi­
líbrio é eficiente, não havendo lugar, por conseguinte, a qualquer tipo de in­
tervenção estatal (para além da distribuição do rendimento e outras medidas
de melhoria da equidade).
Muitos estudas têm sido elaborados com o objectivo de medir o grau de
poder de~mercado na economia em geral e nalguns mercados em particular.
Citaremas aqui dois que são particularmente significativos, quer pelos resul­
tados algo extremos a que chegaram, quer pela simplicidade da metodologia
utilizada.
Uma aproximação de primeira ordem à perda de eficiência devida aojpoder
de mercado "consiste em assumir que o custo marginal é constante e medir a
área do triân g u lo de ineficiência, isto é, a área compreendida entre a curva
de custo marginal e a curva da procura, e entre a quantidade de equilíbrio e
a quantidade de concorrência perfeita.**5 Mostra-se que esta área é aproxima­
damente dada por A = i r2PQe, onde r ~ P<^p q ^ é a taxa de rentabilidade e
e= ^ a elasticidade procura preço.

’ Cfr. Michael Emerson (Ed.), The Economics of 199S, Oxford: Oxford University Press,
1988.
5Este cálculo permite responder à primeira questão (Existe poder de mercado?), bem
como, em parte, à segunda questão (Quais as consequências do poder de mercado?).
î .2. Tirés questões centrais 7

Baseado em dados sobre r e PQ, e fazendo hipóteses sobre o valor de c, A.


Harberger estimou que o valor de A, para a economia americana e em 1924-28,
era de apenas 0.1% do PNB.6
Uma vez qne o poder de mercado se manifesta numa diferença entre preço
e custo marginal, uma alternativa à metodologia de Harherger c o n siste em
estimar directamente o valor do custo marginal. R. Hall seguiu este caminho,
baseando as suas estimativas na relação C' « (Ct+i —C t)/(Q t +1 —Qt), em que
Ct é o custo no período t e Qt a quantidade no mesmo período. Hall concluiu
que, na maioria dos sectores industriais, o preco s e encontra cerca de 50%
acima do custo marginal. Nalguns sectores, o ratio P fC é mesmo superior a
3, o que denota um poder de mercado significativo.7
Existem razões para suspeitar que as estimativas de Harberger erram por
defeito e as de Hall por excesso.8 Por outro lado, é nattirai que a extensão
do poder de mercado varie bastante de sector para sector, não fazendo muito
sentido falar da média da economia. E justo dizer que o consenso actual da
maioria dos economistas aceita a existência de mercados para os quais o modelo
de concorrência perfeita constitui uma boa aproximação; mas simultaneamente
afirma que, para a maioria dos restantes mercados, as divergências entre preço
e custo marginal são muito significativas.
Finalmente, deve notar-se que uma questão complementar à da existência
de poder de mercado é a questão da permanência do poder de mercado. Como
veremos mais à frente, um dos argumentos a favor de Jaissez faire baseiarse na
ideia de que, existindo poder de mercado, este é eminentemente temporário,
pelo que a questão do poder de mercado seria relativamente secundária.

Quais as consequências do poder de mercado?


A análise convencional das consequências do poder de mercado consiste na
medição do denominado triân g u lo de ineficiência.9 A Figura 1.1 compara
o equilíbrio concorrencial ( Ec ) com o equilíbrio numa situação de poder de
mercado (EM). Aq passar de E c para E M, yerifica-se uma transferência de
recursos para outros sectores da economia fárea^Al: uma transferência dos
cArnold C. Harberger, “Monopoly and Resollfàfe' Allocation", American Economic Reviev)
44 (1954), 77-87.
7Itobert E. Hall, “The Relationship Between Price and Marginal Cost in U.S. Industry”,
Journal of Political Economy 96 (1988), 921-47.
^Uma estimativa intermédia é obtida por Keith Cowling e Dennis Mueller, “The Social
Costs of Monopoly Power”, Economic Journal 88 (1978), 727-748.
’’Tamlrém conhecido como “triângulo de Harberger”. Este triângulo é essencíalmente
equivalente ao “excesso de carga" decorrente da tributação distorcionária.
-• Figura 1.1: Poder de mercado e ineficiência.

consumidores para as empresas (área B); e um decréscimo do excedente do


consumidor que não é compensado por qualquer ganho de outros agentes (área
£7), constituindo assim a perda de eficiência decorrente do poder de mercado.
Este é o esquema que serve de base à estimativa de Harberger referida na
secção anterior. No entanto, trata-se de uma análise limitada por diversas
razoes que se referem de seguida.

■ T ransferência e n tre consum idores e em presas. Uma transferência


fixa (Jump sum) entre agentes da economia não implica em princípio qual­
quer variação da eficiência na afectação dos recursos. No entanto, esta é uma
das situações em que a análise p arcial (de um mercado apenas) enferma de
limitações sérias. Tipicamente, o capital das empresas encontra-se concen­
trado numa faixa muito restrita da população (os 4 ou 5% mais ricos). Por
conseguinte, a transferência entre consumidores e produtores corresponde, em
geral, a uma transferência de consumidores mais pobres para consumidores
mais ricos, o que implica, coeteris paribus, uma perda de bem estar.10

I0Uma forma de medir esta perda consiste em notar que, para repor o nível de equidade
inicial, seria necessário aumentar a progressividade do sistema fiscal, o que implicaria custos
de eficiência significativos. Estimativas para a economia americana apontam que a obtenção
de um dólar adicional de receita fiscal implica um custo de eficiência da ordem dos 40
cêntimos.
1.2. Três questões centrais 9

■ C u sto s de m onopolização. Sendo a situação de monopolista uma si­


tuação lucrativa, é natural que os potenciais monopolistas tudo façam para
conseguir esse privilégio, incluindo o dispêndio de recursos que não são direc-
tamente produtivos e têm como única função aumentar a probabilidade de
conseguir a situação privilegiada: subornos a governantes, despesas de publi­
cidade exageradas e de carácter principalmente “persuasivo” , etc. Em última
análise, os potenciais monopolistas estarão dispostos a dispender recursos até
ao montante dos lucros de monopólio, pelo que o limite superior dos custos de
eficiência é dado não pela área C mas sim pela soma das áreas B e C . n
Uma situação “clássica” em que se verificam custos de monopolização é
a de limitações quantitativas à importação (quotas). Outro exemplo, muito
importante no caso português, é o de licenças d e e n tra d a em determinados
sectores produtivos. Uma das principais críticas apontadas à Lei do C ondi­
cio n am en to In d u stria l (que consistia basicamente num sistema de licenças
de entrada e expansão de capacidade) prende-se justamente com os custos de
monopolização que esta implicava.

■ Eficiência p ro d u tiv a. A área C na Figura 1.1 corresponde a ineficiência


na afectação dos recursos. No entanto, a passagem de uma situação concor-
renciãTpãra umã"siUiaçao de poder de mercado implica nãQ~ap£Il&S um deslo­
camento ao longo Tias curvas da procura e custos, m a s t.amhém uma variação
dá própria função custos. Esta variação corresponde ao conceito de eficiência
produtiva.1112 A ideia é que os gestores de uma empresa monopolista, ou de uma
empresa num oligopólio pouco competitivo, estão sujeitos a menores pressões
para a minimização dos, custos. Este facto parece especiaímente marcante ao
comparar empresas públicas com empresas privadas (cfr. Capítulo 6). No en­
tanto, encontra-se também evidência empírica de uma relação positiva entre
a pressão competitiva e a produtividade das empresas, considerando apenas
empresas privadas. Veja-se, por exemplo, a comparação entre as companhias
de transporte aéreo europeias e americanas (Secção 1.1). Citando J. Hicks,
“the best of all monopoly profits is the quiet life.” 13

■ M onopólio n a tu ra l. Muitos sectores são caracterizados por tecnologias

11Cfr. Richard A. Posner, “The Social Costs of Monopoly and Regulation”, Journal of
Political Economy 83 (1975), 807-827.
12Conceito semelhante é o conceito de eficiência-X. Cfr. Harvey Leibenstein “Allocative
Efficiency and X-Eíficiency”, The American Economíc Review 56 (1966), 392-415.
13John Hicks, “Annual Survey of Economíc Theory: The Theory of Monopoly” , Econo­
métrica 3 (1935), 1-20.
10 Capítulo 1. Introdução

do produção com fortes econom ias de escala. Fala-se de economias de escala


quando o custo médio dc produção é decrescente com a quantidade produzida.
Um caso paradigmático — de que as telecomunicações são um bom exemplo —
consiste num custo fixo elevado e um custo marginal constante. Nestes casos,
o poder de mercado inerente à estrutura monopolista deve ser considerado um
mal menor relativamente à ineficiência produtiva que resulta da multiplicidade
de empresas.
A comparação entre os prós e os contras da monopolização de mercados
onde a tecnologia se encontra sujeita a economias de escala é por vezes conhe­
cida como o balanço d e W illiam son (WUHamson’s trade-ofí).14 Voltemos
a considerar a Figura 1.1, onde se comparam os equilíbrios de concorrência
perfeita e com poder de mercado. Suponhamos que inicialmente existe apenas
uma empresa e que o seu óptimo se encontra no ponto E M. O excedente total
é neste caso dado pelo excedente do consumidor (a área do triângulo acima
do rectângulo D) mais o lucro variável do produtor (a área do rectângulo B)
menos o custo fixo, que designamos por F.
Suponhamos agora que uma segunda empresa entra no mercado e que a
concorrência entre as empresas é de modo a que o novo preço de equilíbrio seja
igual ao custo marginal. O excedente total é agora dado pelo excedente do
consumidor (o valor anterior mais as áreas B eC ) menos duas vezes o valor do
custo fixo F. Qual a variação do excedente total em relação à situação inicial?
Por um lado, o excedente aumenta no valor da área C (ineficiência que deixa
de se verificar); mas, por outro, diminui no montante do custo fixo F da nova
empresa entrante. O argumento de Williamson é justamente que, em sectores
com fortes economias de escala (neste caso, F maior que a área (7), então,
mesmo na melhor das hipóteses no que respeita ao efeito concorrencial da
entrada de uma nova empresa (preço igual ao custo marginal), esta entrada
provoca um decréscimo do bem-estar. Por outras palavras, a poupança de
custos fixos mais que compensa o poder de mercado inerente à situação de
monopólio.
Em Portugal, discutiu-se recentemente esta questão a propósito da estru­
tura do sector cimenteiro. Apesar dos argumentos dos empresários de que
a dimensão é um factor muito importante (também para a concorrência in­
ternacional), decidiu o Governo que os benefícios da concorrência entre duas
empresas serão maiores que os custos do não aproveitamento de economias de
escala.

'"'Oliver E. W illiam son, “Econom ies as an A n titru s t Defense", A m erica n E conom ic Review
58 (1968), 18-31.
1.2. Três questões centrais 11

■ Eficiência dinâm ica. Já referimos o enviezamento, comum era Econo­


mia Industrial, de considerar uma análise simplesmente parcial. Um segundo
enviezamento, porventura mais grave, consiste em ignorar, ou pelo menos dar
menor importância, a aspectos dinâmicos. Ora os aspectos dinâmicos são
essenciais, nomeadamente em sectores intensivos em investigação e desenvol­
vimento (veja-se o exemplo da indústria farmacêutica apresentado na secção
anterior). O motivo por que as empresas dispendem recursos próprios na pes­
quisa de novos produtos e/ou processos de fabrico é justamente a expectativa
de vir a auferir lucros futuros, lucros esses que estão norraalmente associados
a certo grau de poder de mercado. Neste sentido, pode argumentar-se que o
poder de mercado é não só um mal necessário (caso das economias de escala),
mas até um mal desejável. Em geral, assim como se verifica um balanço entre
eficiência estática na afectação dos recursos e eficiência produtiva (cfr. Wil-
liamson), verifica-se também um balanço entre eficiência estática e eficiência
dinâmica.
Não é fácil definir rigorosamente eficiência dinâmica, sabendo-se apenas
que corresponde ao ritmo de introdução de novos produtos, melhoramento de
processos de fabrico, etc. Aliás, um dos motivos por que se tem prestado tão
pouca atenção a estes aspectos prende-se justamente com o facto de ser muito
difícil definir, e ainda mais medir, a eficiência dinâmica.

Que pode fazer o Estado para remediar situações de ineficiência?


Tal como noutras áreas da Economia, questões de carácter positivo dão na­
turalmente origem a questões de carácter normativo. E opinião comum da
maioria dos economistas que existem mercados em que o poder de mercado
é uma realidade, e que esta realidade tem consequências negativas para a
eficiência económica. Nestes casos, o Estado pode ter um papel importante a
desempenhar.
A maioria dos instrumentos de intervenção podem classificar-se como po­
lítica de con co rrência ou como p olítica in d u strial. No primeiro grupo
incluem-se a proibição do abuso de poder de mercado por parte de empresas
monopolistas ou dominantes,, a apreciação de pedidos de fusão/aquisição, a
fiscalização de acordos entre empresas, etc. O segundo grupo, por seu turno,
inclui o apoio governamental a empresas (nomeadamente através-de subsídios),
os esquemas de incentivos ao investimento em determinados sectores e tecno­
logias, o controlo da entrada e expansão de capacidade, etc.
O controlo de propriedade de grandes empresas (nacionalização, privatiza­
ção, controlo via acções preferenciais de empresas mistas) e a regulamentação
12 Capítulo. 1. Introdução

(também dita regulação) de empresas privadas, outros instrumentos impor­


tantes de economia industrial, incluem elementos de política de concorrência
e de política industrial. E sta s e o u tra s form as d e po lítica governam ental serão
discutidas no último capítulo deste texto.

1.3 Duas posições radicais


The Queen was in a furious passion, and went stamping about, and
shouting, ‘Off with his head!’ or ‘Off with her head!’ about once in a
minute.
Lewis Carroll, Alice’s Adventures in Wonderland.

Como é natural, as posições radicais relativaraente às questões centrais discu­


tidas acima não são posições generalizadas. No entanto, constituem pontos de
referência úteis. E este o motivo por que faremos aqui referência às denomi­
nadas Escolas de Chicago e Austríaca.

■ A E scola d e C hicago. A tradição liberal da Universidade de Chicago tem


tido um impacte significativo no pensamento económico. No caso específico da
Economia Industrial, haveria que referir os nomes de George Stigler, Richard
Posner e Sam Peltzman. Tal como noutras áreas, a sua influência extende-se
bem além dos confins da respectiva universidade, devendo também incluir-se
nomes como o de Harold Demsetz de U.C.L.A.
A ideia básica presente no pensamento de Chicago é que o modelo de con-
corrência perfeita constitui uma boa aproximação tfe forma cnrpn os mercados
funcionam ou. (nos casos em que o Estado intervém), funcionariam não se
verificando intervenção estatal. O poder de mercado, a existir, é normal mente
t.pmpn^rin- a ameaça da entrada de fiõvos concorrentes constitui uma pressão
lora suficiente.15
As únicas situações em que se encontra poder de mercado^ permanente,
ainda na perspectiva da Escola de Chicago, são justamente aquelas em que se
verifica interygnção do EstadoLnomeadamente através de restrições à entrada.
Além disso, como vimos anteriormente, estas são situações que dão natural­
mente origem a custos de monopolização. Logo, o Estado deve evitar, tanto
quanto possível, a regulamentação dos mercados. Neste sentido, os estudos de
1SA análise formal do efeito da concorrência potencial foi substancialmente melhorada
com a recente T eoria dos M ercados C o n testáv eis de Baumol-Panzar-Willig: William J.
Baumol, John C. Panzar e Ftobert D. Willig, Contestable Markets and the Theory of Industry
Structure, New York: Harcourt Brace Jovanovích, 1982.
1.4. Um paradigma 13

Chicago têm tido um papel muito importante ao mostrar que a intervenção go­
vernamental pode em muitas situações levar a um “terceiro óptimo” em lugar
de um “segundo óptimo” , isto é, a intervenção governamental pode implicar
um perda líquida de bem estar.

■ A E scola A u stríaca. Seguindo a tradição de J. Schumpeter, a Escola


Austríaca põejjm especial ênfase nos aspectos dinâmicos da economia: a eco-
nomia é um processo, não um, estado; as variáveis relevantes não são preços
e quantidades, mas sim a taxa de introdução de nqyqs produtos, ínelhoria de
processos, etc; as medidas de eficiência estática são de importância secundária
reíativamente às medidas de eficiência dinâmica.
A escola austríaca não nega que o poder de mercado exista. No entanto,
numa economia em constante progresso, o poder de mercado é necessariamente
temporário. Nas palavras de J. Schumpeter, a economia é um processo de
d estru içã o criativa: novas empresas, com liovos produtos ou novos processos
de fabrico, suplantam e levam à falência as anteriores empresas, ganhando
assim uma posição dominante no mercado; aliás, é jusfcamente a expectativa
desta posição dominante que serve de incentivo para que as empresas procurem
novos produtos e novos processos de fabrico.16

1.4 Um paradigma
It’s as large as life and twice as natural!
Lewis Carroll, Through the Looking Gloss.
Hoje em dia fala-se menos de escolas radicais e mais naquilo que se veio a
designar como a N ova Econom ia In d u strial. Em certa medida, trata-se da
confluência na corrente central da Economia Industrial de algumas das ideias
das Escolas de Chicago e Austríaca (especialmente o valor da concorrência po­
tencial e a importância dos aspectos dinâmicos). No entanto, a Nova Economia
Industrial representa principalmente uma evolução da metodologia: por um
lado, a aplicação exaustiva da T eoria dos Jogos ao estudo da concorrência
entre empresas; por outro, a introdução de técnicas econom étricas sofis­
ticad a s no estudo da concorrência em mercados individuais.
Apesar desta evolução recente, o instrumento fundamental da metodologia
da Economia Industrial continua sendo o chamado P ara d ig m a E stru tu ra -
- C o n d u ta-R esu ltad o s (E-C-R). O paradigma não é mais do que um esquema
ieJoseph A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy, New York: Harper Si
Brothers, 1942.
14 Capítulo Î. Introdução

Figura 1.2: Paradigma Estrut ura-conduta-resultados.

de análise de mercados, permitindo uma sistematização e articulação dos di­


versas aspectos relevantes para as questões referidas na Secção 1.2. A ideia é
que cada sector seja caracterizado pela sua estrutura, pela conduta (ou com­
portamento) das empresas que o oonstituem, e por uma série de indicadores
que medem os resultados ou a prestação, ou o desempenho (performance)
— do mercado. Todos estes aspectos estão ligados entre si, e, por sua vez,
são função de um certo número de condições exógenas ao funcionamento do
mercado, como sejam a tecnologia ou a intervenção governamental.

A Figura 1.2 representa o esquema do paradigma. No conceito de “estru­


tura” encontram-se elementos como o número e dimensão relativa das empre­
sas, o grau de diferenciação do produto e as condições de entrada; no conceito
de “conduta”, podem considerar-se a concorrência em preços, publicidade,
etc., bem como as despesas em investigação e desenvolvimento; como medidas
de resultados, temos o grau de eficiência estática, a forma como o excedente
total é dividido entre consumidores e produtores e a taxa de introdução de
novos produtos. Finalmente, no conjunto de condições exógenas incluem-se
os determinantes da procura (v.g., elasticidade da procura), tecnologia (v.g..
1.5. .Plano do livro 15

grau de economias de escala), e as políticas de regulamentação.


Como ilustração do funcionamento do mecanismo, consideremos o caso de
um monopólio. A caracterização da estrutura é neste caso muito simples, pois
existe apenas uma empresa. Supostamente, as barreiras à entrada (legais ou
tecnológicas) são suficientes para que não se dê a entrada de mais nenhuma
empresa. No que respeita à conduta, é natural supor que a empresa monopo­
lista pretenda maximizar o lucro. E um resultado conhecido que a condição
necessária para a maximização do lucro é dada por Rf = C \ onde R ’ é a receita
marginal e C* o custo marginal, ou simplesmente P( 1 —1/c) = C \ onde P é o
preço e e a elasticidade procura-preço. Note-se aqui a influência das condições
exógenas de tecnologia (Cf) e procura (e). Finalmente, a equação anterior
pode ser reescrita como (P —Cr) / P = 1/e, ou simplesmente C — 1/e, onde
£ = (P —C ")/P, o índice de L erner, é um índice de prestação comummente
utilizado (quanto maior for o valor de £ maior é o grau de poder de mercado).
Um exemplo mais concreto do funcionamento do mecanismo é dado pela
evolução recente das sociedades de corretagem em Portugal. O Governo de­
terminou que as corretoras tenham uma dimensão mínima como condição ne­
cessária para a passagem a sociedades financeiras de corretagem; temos aqui a
variação de uma condição exógena. Como resultado desta alteração legislativa,
tem-se verificado uma autêntica guerra de preços entre as corretoras com vista
à obtenção de quota de mercado, chegando mesmo a praticar-se taxas zero de
corretagem. Esta mudança de conduta tem naturalmente um efeito negativo
na rentabilidade das empresas (efeito nos resultados). “E neste quadro que
se encara já como inevitável a ruptura financeira de algumas das 18 socieda­
des que act tiam no mercado, naturalmente selectivo. ( . . . ) A grande solução
apontada para as corretoras será a sua fusão (efeito retroactivo na estrutura),
como única forma de conseguirem sobreviver.” (Diário de Notícias, 10 Agosto
1992.)

1.5 ’ Plano do livro


•‘Where shall I begin, please your Majesty?* he asked. ‘Begin at the
beginning,’ the King said, gravely, ‘and go on till you come to the end:
then stop.1
Lewis Carroll, Alice’s Adventures in Wonderland.

Os restantes capítulos deste livro constituem, de alguma forma, o desenvolvi­


mento de diversos aspectos do paradigma E-C-R. Começamos com um capítulo
preliriiinar sobre problemas de definição e medição (“Estrutura de mercado").
16 Capítulo 1. Introdução

Um mercado com duas empresas de igual dimensão é diferente de um outro


mercado em que as quotas de cada empresa são 80 e 20%. Como medir a
diferença entre estes dois mercados? Esta é uma das questões abordadas neste
capítulo.
Seguidamente, encontram-se quatro capítulos que constituem o núcleo da
análise: os dois primeiros ( “Modelos de oligopólio” , “Poder de mercado”) des­
crevem o sentido de causalidade “directo” dentro do esquema do paradigma;
os dois últimos (“Barreiras à entrada”, “F\isões e aquisições”) debruçam-se
sobre os efeitos retroactivos dentro do mesmo esquema.
Concretamente, o Capítulo 3 introduz os modelos clássicos de oligopólio.
Estes modelos procuram explicar a concorrência entre as empresas dada uma
determinada estrutura de mercado. Esta análise é continuada no Capítulo 4,
onde se considera a possibilidade de comportamento não concorrencial (con­
luio) entre as empresas. Este capítulo inclui também um resumo da evidência
empírica sobre o grau de poder de mercado (ou sobre a concorrencialidade)
dos mercados oligopolistas.
No Capítulo 5 são estudados diversos efeitos que determinam a estrutura
de mercado, nomeadamente as condições tecnológicas'exógenas (economias de
escala) e o comportamento estratégico das empresas. Esta análise é conti­
nuada no Capítulo 6 , onde se considera um aspecto específico da conduta das
empresas: as operações de aquisição de empresas.
Os Capítulos 7 a 9 podem ser interpretados como refinamentos da análise
dos Capítulos 3 a 6 . São considerados tópicos sobre discriminação de preços
(7), diferenciação do produto (8 ), investigação e desenvolvimento (9). Final-
mente, o Capítulo 10 debruça-se sobre a intervenção do Estado no contexto
da Economia Industrial.
Capítulo 2

Estrutura de mercado

2.1 Introdução
A ABORDAGEM deste capítulo é principalmente descritiva: como caracterizar
um mercado e/ou sector industrial? Um mercado é composto por um conjunto
de empresas que produzem um mesmo produto ou um conjunto de produtos
relacionados entre si. Por conseguinte, um primeiro passo consiste justamente
em definir este conjunto de produtos (Secção 2 .2 ).
Uma vez definido o mercado, estaremos normalmente interessados èm obter
medidas que, de uma forma sumária, descrevam o número e dimènsão relativa
das empresas que o constituem, as chamadas m edidas d e concentração
(Secção 2.3). Por outro lado, estaremos também interessados era caracterizar a
evolução da concentração, o que é feito com base em índices de v olatilidade
(Secção 2.4).

2.2 Definição de mercado


A situação ideal para a definição de um mercado é a de um conjunto de
produtos com elasticidades preço cruzadas muito elevadas entre si e muito
baixas relativamente a outros produtos; e um conjunto de produtores tal que
nenhum outro produtor tenha capacidade tecnológica semelhante. Esta ideia
pode ser sintetizada na seguinte re g ra das elasticidades: dois produtos com
elasticidades preço cruzadas muito elevadas (em valor absoluto) devem fazer
parte do mesmo mercado. A regra refere-se principalmente a elasticidades da
procura, mas também, secundariamente, a elasticidades da oferta.
Vejamos alguns exemplos de aplicação da regra: (i) A elasticidade cru-

17
18 Capítulo 2. Estrutura de mercado

zada entre as águas Luso e Fastio é muito elevada; trata-se de dois substitutos
próximos; logo, devem fazer parte do mesmo mercado, (ii) A elasticidade
cruzada entre bolachas Triunfo e pneus Firestone é muito baixa; trata-se de
dois produtos independentes; logo, não devem fazer parte do mesmo mer­
cado. (ui) A elasticidade cruzada entre sapatos do pé esquerdo e sapatos do
pé direito é muito elevada (em valor absoluto); trata-se de dois produtos (per­
feitamente) complementares; logo, devem fazer parte do mesmo “mercado”;
concretamente, neste caso o mercado deve ser definido em termos de pares de
sapatos.

■ D ificuldades na definição de m ercado. Infelizmente, nem sempre é


fácil aplicar a regra das elasticidades. Em primeiro lugar, quando a diferen­
ciação do produto se dá de uma forma gradual, não é fácil decidir qual o valor
crítico relevante. Por exemplo, dever-se-á definir o mercado de colas de baixo
teor calórico (diefc), o mercado de colas, ou, de uma forma ainda mais lata, o
mercado de refrigerantes?
Um segundo problema resulta da substituibilidade em cadeia, fenómeno
muito frequente, por exemplo, com produtos farmacêuticos: o Produto 1 é
útil para os usos terapêuticos A e B\ o Produto 2, para os usos terapêuticos
B e C; e o Produto 3, para os usos terapêuticos A e C. Quer a definição
do mercado ao nível da aplicação terapêutica mais elementar (A,B,C), quer a
definição mais lata (A + B + C) é inconsistente com a regra das elasticidades.
Finalmente, a definição geográfica de um mercado levanta os mesmos pro­
blemas que a definição do valor crítico da elasticidade de substituição. Por
exemplo, qual o mercado de cimento relevante: o mundo, a Europa, Portugal,
a zona sul, o Algarve, ou o concelho de Faro?

■ Classificações estatístic as. Tendo em vista a elaboração de q u ad ro s


entrad as-saíd as, ou com outros objectivos estatísticos, o I.N.E., bem como
outras instituições, procede à classificação das actividades económicas segundo
sectores de actividade. Assim, temos a Nomenclatura de Produtos das Con­
tas Nacionais Portuguesas (NCN), a Classificação das Actividades Económicas
(CAE), etc. O Quadro 2.1 apresenta o primeiro nível de classificação da CAE . 1
Cada Divisão encontra-se dividida e subdividida. Concretamente, como exem­
plo, o Quadro 2 .2 mostra a partição da Divisão 15 (Indústrias alimentares e*

'Trata-se da nova CAE, adoptada em 1992, que vem substituir a anterior classificação de
lí)73. A nova CAE é muito semelhante à classificação adoptada pelo Eurostat (NACE). Nos
EUA, a classificação correspondente à CAE é a SIC.
2.2. Defínição de mercado 19

Quadro 2.1: Classificação das Actividades Económicas Portuguesas (extracto).

Divisão Designação
01 Agricultura, produção animal, caça e actividades dos
serviços relacionados
02 Silvicultura, exploração florestal e actividades dos
serviços relacionados
05 Pesca, aquacultura e actividades dos
serviços relacionados
10 Extracção de hulha, linhite e turfa
11 Extracção de petróleo bruto, gás natural e actividades dos
serviços relacionados, excepto a prospecção
12 Extracção de minérios de urânio e de tório
13 Extracção e preparação de minérios metálicos
14 Outras indústrias extractivas
15 Indústrias alimentares e das bebidas
16 Indústria do tabaco
17 Fabricação de têxteis
18 Indústria do vestuário; preparação, tingimento e
fabricação de artigos e peles com pelo

90 Saneamento, higiene pública e actividades similares


91 Actividades associativas diversas, n.e.
92 Actividades recreativas, culturais e desportivas
93 Outras actividades de serviços
95 Famílias com empregados domestice®
99 Organismos internacionais e outras instituições
extra-territoriais

das bebidas) em grupos; e o Quadro 2.3 a partição do grupo 159 (Indústrias


das bebidas) em classes. Finalmente, a Classe 1598, por exemplo, divide-se
nas sub-classes seguintes:

15981 Engarrafamento de águas minerais naturais e de nascente


15982 Fabr. de refrigerantes e de outras bebidas não alcoólicas, n.e.

Assim, é costume falar de classificação a três dígitos, quatro dígitos ou


cinco dígitos.
Embora as classificações em sectores de actividade sejam frequentemente
20 Capítulo 2. Estrutura de mercado

Quadro 2.2: Divisão 15 da Nova C.A.E. (Indústrias alimentares e das bebidas).

Grupo Designação
151 Abate de animais, preparação e conservação
de carne e de produtos à base de carne
152 Indústria transformadora da pesca e da aquacultura
153 Indústria de conservação de frutos e de produtos hortícolas
154 Produção de óleos e gorduras animais e vegetais
155 Indústria de laticínios
156 Transformação de cereais e leguminosas; fabricação de
amidos, féculas e produtos afins
157 Fabricação de alimentos compostos para animais
158 Fabricação de outros produtos alimentares
159 Indústria das bebidas

Quadro 2.3: Grupo 159 da Nova C.A.E. (Indústrias das bebidas).

Classe Designação
1591 Fabricação de bebidas alcoólicas destiladas
1592 Fabricação de álcool etílico e fermentação
1593 Indústria do vinho
1594 Fabricação de cidra e de outras bebidas
fermentadas de frutos
1595 Fabricação de vermutes e de outras bebidas
fermentadas não destiladas
1596 Fabricação de cerveja
1597 Fabricação de malte
1598 Produção de águas minerais e de bebidas
refrescantes nao alcoólicas
2.2. Definição de mercado 21

tomadas como definições aproximadas de mercados, deve referir-se que o crité­


rio utilizado no agrupamento de empresas em sectores reflecte principalmente
aspectos relacionados com a oferta (semelhança entre a tecnologia das empre­
sas), enquanto que a definição de mercado põe maior ênfase em aspectos da
procura. Por exemplo, o açúcar de beterraba e o açúcar de cana são classifica­
dos em sectores diferentes (tecnologia diferente), embora, atendendo à elevada
substituibilidade da procura, devam ser considerados como parte do mesmo
mercado.
Um problema adicional com as classificações sectoriais relaciona-se com
as empresas multiproduto (v.g., Unilever). Normalmente, estas empresas são
classificadas no sector da sua actividade principal, ficando os valores totais
da empresa incluídos nesse sector, mesmo as parcelas que não se referem a
esse sector. Por exemplo, se uma empresa vende principalmente bebidas, mas
também filmes (caso da Coca-coia até há pouco tempo), então as receitas da
actividade cinematográfica são contabilizadas no sector “alimentação, bebidas,
etc .” 2
O enviesamento a favor de critérios de tecnologia também tem as suas
vantagens do ponto de vista da Economia Industrial. Por exemplo, em 1964,
a Força Aérea norte-americana abriu concurso para o fornecimento de um
determinado tipo de radar. O concurso foi ganho pela Bendix, empresa que
se manteve na posição de fornecedor único (monopolista) durante vários anos.
Esta situação levou uma segunda empresa, a Wilcox, a colocar um processo
em tribunal contra a Bendix. A decisão foi favorável à Bendix. De facto, se
definirmos mercado com base na elasticidade da procura, então a Bendix pode
ser considerada como monopolista. No entanto, atendendo à classificação das
actividades industriais, concluímos que existe um número elevado de empresas
(cerca de 20) com capacidade tecnológica semelhante à da Bendix, e que a
poderiam substituir em qualquer momento em que se verificasse novo concurso
público. De facto, assim aconteceu em 1969, tendo a Honeywell ganho o novo
concurso.3

2Este problema é obviado, ou pelo menos atenuado, se as estatísticas forem recolhidas ao


nível do estabelecimento e não ao nível da empresa. Em Portugal e até 1989, as Estatísticas
Industriais apenas recolhiam informação ao nível do estabelecimento. Actualmente, parte
da informação continua sendo recolhida a este nível.
3Cfr. James W. McKie, “Market Definition and the SIC Approach”, in F. Fisher (Ed.),
Antitrust and Regulation, Boston, Mass.: MIT Press, 1985.
22 Capítulo 2. Estrutura de mercado

2.3 Medidas de concentração


A grande maioria dos mercados encontra-se entre os extremos de concorrência
perfeita e monopólio. Como dizer se estão mais próximos de um extremo ou
de outro? Se as empresas fossem todas da mesma dimensão, a resposta seria
fácil: bastaria considerar o número de empresas. No entanto, encontram-se
empresas de dimensão muito variada. As medidas de concentração têm então
o objectivo de medir, de uma forma sumária, a proximidade da estrutura de
mercado relativamente à situação de monopólio ou concorrência perfeita.
A ideia-base subjacente a este exercício é que, quanto mais próxima for a
estrutura (concentração) de um mercado relativamente à situação extrema de
monopólio (ou concorrência perfeita), mais próximos serão também o compor­
tamento e os resultados desse mercado relativamente ao extremo considerado.
Nos próximos dois capítulos veremos em que situações, e em que medida, uma
relação deste tipo se verifica.

■ Dois índices d e concentração. Encontram-se na literatura índices de


concentração muito variados. Apresentamos aqui os que são mais frequente­
mente utilizados (vd. também o Exercício 2.4). Em primeiro lugar, temos o
índice de concen tração Cjt, ou melhor, a família de índices C*, definidos
como

k
(2.1)
Í=1
onde Si é a quota de mercado da empresa i, sendo as empresas numeradas por
ordem decrescente de quota de mercado. Assim, C4 , por exemplo, representa
a quota de mercado das quatro maiores empresas.
O valor de Ck varia entre k(n , onde n ê o número total de empresas (con­
centração mínima) e 1 (concentração máxima). A situação de concentração
mínima verifica-se quando todas as empresas têm a mesma quota de mercado.
Uma segunda medida frequentemente utilizada é o índice d e H erfíndahl
(ou Herfindahl-Hirshman), definido como
n
( 2.2)

onde Si ê a quota de mercado da empresa i e n o número total de empresas. O


valor de H varia entre 1jn (concentração mínima) e 1 (concentração máxima).
2.3. Medidas de concentração 23

A comparação entre os índices C* e H revela que ambos têm vantagens e


desvantagens em relação ao outro. Por um lado, mostra-se que o índice de Her-
findahl verifica uma série de requisitos de consistência que gostaríamos fossem
verificados por um “bom” índice de concentração (cfr. Exercício 2.3). Além
disso, mostra-se que o índice H pode ser derivado de uma forma axiomática
(cfr. Capítulo 3) como medida proporcional do poder de mercado, o que não
acontece com C k 4
Mesmo assim, o índice Ck é muito frequentemente utilizado, o que deriva
do facto de ser fácil de calcular (e interpretar) e exigir informação apenas sobre
as n maiores empresas e o mercado total (vd. no entanto Exercício 2.2). Além
disso, encontra-se na prática uma elevada correlação entre os valores de Ck e
//, o que Índica que a perda de informação do primeiro em relação ao segundo
é pouco significativa.

■ P ro b lem as com m edidas d e concentração. A medição da concen­


tração não se limita, no entanto, à escolha de um bom índice. Chamamos
aqui a atenção para dois problemas comuns com medidas de concentração.
O primeiro problema prende-se com a existência de holdings de empresas.
Pretendendo-se obter com os índices de concentração uma medida do poder
de mercado, deve contabilizar-se não a quota de cada empresa mas sim a quota
de cada agente decisor (eventualmente detentor do controlo de mais do que
uma empresa). Por exemplo, o mercado inglês do cimento, era composto em
1978 pelas seguintes empresas e respectivas quotas de mercado:5
APCM 58.0
' RFC 16.5
Tunnel 10.0
Ribbíesdale 5.0
Aberthaw 5.0
Ketton 5.0
No entanto, a APCM detinha 26% da Aberthaw; a. Ward detinha 100%
da Ketton e 90% da Tbnnel, que por sua vez detinham conjuntamente a Rib-
bícsdale. Se considerarmos estas quotas como representando controlo efectivo,
então a “verdadeira” distribuição de quotas de mercado, no que respeita ao
controlo efectivo do mercado, seria
1Veja-se, no entanto, Thomas R. Saving, "Concentration Ratios and the Degree of Mo-
nopoly", International Economic Remew 11 (1970), 139-146.
5Cfr. H. W. de Joug, The. StrucUtre of European Industry, The Hague: Martimis Nijhoff,
1!>81, pp. 110-111.
í

24 Capítulo 2. Estrutura de mercado


“'■'I

APCM 63.0
Ward 20.5
UPC 16.5

Como ê evidente, os valores dos índices de concentração seriam muito di­


o ferentes consoante aplicados ao primeiro ou ao segundo conjunto de quotas de
mercado.
O segundo problema prende-se com a escolha do nível de agregação e cor­
responde essencialmente à questão da definição de mercado discutida ante­
riormente. Muitos dos processos contra empresas dominantes (cfr. Capítulo
10) resumem-se em grande medida a discussões sobre a definição relevante de
mercado (e quota de mercado). Por exemplo, no caso United States v. IBM, o
Governo americano acusou a IBM de posição dominante no mercado de com­
putadores mainframe (e de abuso desta posição dominante).6 Em 1983, as
quotas deste mercado eram dadas por

IBM 64
Burroughs 11
Honeywell 6
NCR 6
Outros 13

No entanto, a IBM argumentou, com sucesso, que a definição relevante


deve ser a do “sector de processamento de dados”, que inclui, entre outros, os
mini e os microcomputadores. Neste mercado mais alargado, as quotas eram,
em 1983,

IBM 39
Digital 5
Burroughs 4
Control Data 4
Outros 48

o que indica uma posição muito menos preponderante por parte da IBM.
O Quadro 2.4 apresenta os valores correspondentes a outros três casos
anti-trust semelhantes ao da IBM. Como se pode verificar, as medidas de
concentração são efectivamente muito sensíveis ao nível de agregação de que
se parte.
6Cfr. Walter Adama (Ed.)t The Structure of American Industry, Sétima edição, New
York: McMillan, 1986, p. 244.
2.4. Medidas de volatilidade 25

Quadro 2.4: Definição de mercado e quota de mercado.

Mercado Mercado
E m presa alargado % restrito %
Materiais
Du Pont (1956) embalagem <20 Celofane >75
Philadelphia
Natl Bank (1963) E.U. <4 Philadelphia 36
Copiadoras
Xerox (1975) Copiadoras 65 papel comum >90
Fonte: William G, Shepherd, The Economics of Industrial Organization, London:
Prentice-Hall, 1985, p, 49.

A terceira limitação dos índices de concentração deriva do facto de se


tratarem de medidas estáticas, não fornecendo qualquer informação sobre a
evolução no tempo das quotas de cada empresa. Por este motivo, é útil con­
siderar também medidas de volatilidade. .>

2.4 Medidas de volatilidade


O grau de concorrência de um mercado está relacionado hão só com a con­
centração das quotas de mercado, mas também com a forma como a posição
relativa das empresas evolui ao longo do tempo. Suponhamos que determinado
mercado é composto, em qualquer momento do tempo, por uma empresa do­
minante; mas que a empresa que é dominante varia com frequência ao longo do
tempo. E bem possível que este mercado tenha uma priestação mais próxima
de um mercado concorrencial que outro mercado com mentir concentração mas
posições estáveis ao longo do tempo. -
Com o objectivo de medir a intensidade da concorrência ao longo do tempo,
foram propostas diversas medidas de volatilidade, ou instabilidade, das quo­
tas de mercado. Uma das mais conhecidas é o índice de in stab ilid ad e I ,
definido como

' = (2-3)
* i=l :
onde Si2 e sü são as quotas de mercado da empresa i no péríodo 2 e 1, respec­
tivamente, e n é o número total de empresas em qualquer período (isto é, o
26 Capítulo 2. Estrutura de mercado

número rle empresas activas em pelo menos um período). É fácil verificar que
o valor de I varia entre 0 (instabilidade mínima) e 1 (instabilidade máxima).
O valor de 0 corresponde à situação em que todas as quotas de mercado se
mantêm constantes. 0 valor de 1, pelo contrário, corresponde à situação em
que todas as empresas presentes no mercado no período inicial têm quota de
mercado nula no segundo período (naturalmente, por terem saído do mercado).
Tal como as medidas de concentração, o índice de instabilidade tem alguns
problemas de medição e interpretação. Um valor elevado de I pode ser mais o
reflexo de um artefacto dos números que de um elevado grau de concorrência
no mercado em questão. Tal pode resultar de uma definição incorrecta do
mercado (v.g., automóveis de cilindrada entre 1,300 e 1,350 cm3) ou de um
intervalo de tempo demasiado curto entre períodos (v.g., um ano no mercado
de construcção naval, em que as encomendas são tipicamente plurianuais).
Como utilizar as medidas de instabilidade em conjunção com as medidas de
concentração? Vários autores defendem que as medidas de concentração são
uma e sta tístic a suficiente, pois os mercados em que a concentração é maior
são normalmente os mesmos em que as quotas de mercado são mais estáveis.*7
De facto, a correlação entre H e / é tipicamente negativa. Para o Canadá, por
exemplo, estimou-se uma correlação p(H, I) = —.3. No entanto, embora este
valor seja significativamente diferente de zero, é também significativamente
diferente de 1, pelo que parece haver algum valor acrescentado na utilização de
I. Por exemplo, J. Baldwin e P. Gorecki seleccionaram o grupo dos 35 sectores
canadianos com mais elevado índice de concentração. Deste grupo, apenas 12
sectores se encontram entre os 35 com menor índice de instabilidade. Logo,
a selee ção dos sectores potencialmente problemáticos seria muito diferente
consoante se tomassem medidas de concentração ou medidas de instabilidade.8

2.5 Exercícios

■ 2.1 Considere os seguintes produtos: cimento, cortiça, águas minerais,


automóveis, serviços bancários para pequenos depositantes. Em cada caso,
determine o âmbito do mercado respectivo e apresente uma estimativa do
grau de concentração.

TCfr. FYederic M. Scherer, Industrial Market Structure and Economic Performance, Bos­
ton: Houghton Mifflin, 1980, p. 74.
8John R. Baldwin e Paul K. Gorecki, “Measuring the Dynamics of Market Structure” ,
Annales d ’économie et de Statistique, No. 15/16 (1989).'
2.5. Exercícios 27

Quadro 2.5: Empresas seguradoras com quota de mercado-superior a 2% em


1987. Notas: P = empresa pública; SA —sociedade anónima.

Empresa Quota
1 Império (P) 14.19
2 Mundial Confiança (P) 12.71
3 Fidelidade (P) 11.02-
4 TVanquilidade (P) 10.56
5 Bonança (P) 9.50
6 Aliança Seguradora (P) 7.92
7 Portugal Previdente (SA) 3.00
8 Metrópole (SA) 2.60
9 Europeia (SA) 2.54'
10 Trabalho (SA) 2.50.
11 Social (SA) 2.14,
12 Soc.Port.Seguros (SA) 2.10
13 Garantia (SA) 2.03

■ 2.2 Com base nos valores do Quadro 2.5, calcule o intervalo de valores do
índice de Herfindahl parado sector dos seguros em Portugal em 1991.
■ 2.3* A. Jacquemin propôs os seguintes requisitos para uma boa medida de
concentração:9
1. Carácter não ambíguo. Dados dois mercados, deve. ser possível dizer
inequivocamente qual deles se encontra mais concentrado.
2. Invariância à escala. A medida deve depender apenas da dimensão rela­
tiva de cada empresa.
3. Transferências. A medida deve aumentar quando se djminui a quota de
mercado de uma pequena empresa à custa de uma grande empresa.
4. Monotonicidade no número de empresas. Se as n empresas tiverem quo­
tas de mercado idênticas, então a medida deve ser decrescente em n.
5. Cardinalidade. Dividindo cada empresa em k emprésáâ iguais, a medida
deve decrescer na mesma proporção.
9Alexis Jacquemin, Economia Industrial Europeia, Lisboa: Edições 70, 1979.
28 Capítulo 2. Estrutura de mercado

Verifique se os índices Ck, H e ainda o índice “desvio padrão das quotas


de mercado” (cr,} verificam estas condições.
H 2.4* Mostre que H = 1/n + n V (sj), onde H é o índice de Herfindahl,
n o número de empresas e V( sí ) a variância das quotas de mercado. Com
base nesta equação, interprete o sentido da medida “número equivalente” de
A delm an, definido como N E ~ Í / H .

1-1 - 2 . < L t ã < k

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A\

A\ \M»/ V ) r I C^ . 2 VS V

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Capítulo 3

Modelos de oligopólio

3.1 Introdução
n o s c u r s o s introdutórios de Microeconomia, ao falar sobre estrutura de mer­
cado, é costume estudar os casos extreme® de m onopólio e concorrência
p erfeita. Exemplos práticos de monopólios (em Portugal) são a produção e
distribuição de energia eléctrica e os transportes públicos urbanos; exemplos
práticos de mercados que se aproximam do modelo de concorrência perfeita
são a generalidade dos mercados agrícolas — por exemplo, o mercado do trigo
— bem como diversos mercados financeiros e de câmbios.
Apesar destes exemplos, constata-se que a grande maipria dos mercados se
encontra numa situação intermédia entre monopólio e concorrência perfeita.
De facto, mesmo que se encontre apenas um fabricante dê determinado pro­
duto, para que se trate de um monopólio é necessário adicionalmente que não
exista nenhum fabricante de um produto razoavelmente substituto.1 Por ou­
tro lado, em muitos mercados que se aproximam do modelo de concorrência
perfeita quanto ao número de empresas, nota-se a existência dé uma certa
diferenciação entre os produtos das diferentes empresas.
Uma primeira solução para este desfasamento entre a teoria e a prática
consiste em generalizar os modelos de monopólio e de concorrência perfeita;
surgem assim os modelos da em p re sa d o m in an te e de concorrência mo-
nopolística, a que faremos de seguida uma breve referência. Uma segunda

1Vários produtores de vinho franceses puseram recentemente a hipótese de substituir a


cortiça peio plástico no engarrafamento do vinho. Queixam-se os franceses dos preços ele­
vados praticados pelos exportadores portugueses de cortiça, que detêm no mercado mundial
uma posição de quase monopólio.

29
30 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

solução, aquela que adoptaremos na maior parte deste capítulo, consiste em


“atacar” directamente o problema da interdependência (ou comportamento
estratégico) entre as empresas. Neste sentido, o final desta secção é dedicado
a uma breve introdução à Teoria dos Jogos, o método de análise formal do
comportamento estratégico.

3.1.1 O modelo da empresa dominante.


Não é raro encontrar mercados em que uma das empresas detém uma quota
superior a 50%, por vezes superior a 75%, e um conjunto de pequenas em­
presas (não necessariamente numeroso) que repartem entre si o restante do
mercado. Exemplos são o mercado de grandes computadores (mainframes)
durante os anos 60 e 70, sendo a IBM a empresa dominante; e, durante vários
anos, o mercado de filme fotográfico, sendo a Kodak a empresa dominante.
Normalmente, a empresa dominante detém uma vantagem competitiva rela­
tivamente aos rivais, que pode advir de menores custos ou de uma qualidade
(ou reputação) superior.23
O modelo da empresa dominante é especialmente apto para analisar este
tipo de situações. O modelo baseia-s_e_nas_geguintes hipóteses: (i) as empre­
sas da chamada faixa concorren cial fas pequenas empresas) comportam-se
como price takers, produzindo a quantidade que iguala o preço ao seu custo
marginal; (ii) a empresa dominante comporta-se como um price malcer, to-
mando a estratégia da faixa concorrencial como um dado. Concretamente,
dado qualquer preço fixado pela empresa dominante, a quantidade vendida
por esta empresa igualaja_diferença entre ,a^procura de mercado e^a_quanjd-
dade oferecida pela faixa concorrencial.?
Seja D(p) a procura total e F(p) a função oferta da faixa concorrencial
(isto é, a soma horizontal das curvas de custo marginal). Então, a empresa
dominante procura maximizar (assumindo, para simplificar, que a função custo
é linear e o custo marginal dado por c)

n = (p-c)(D(p)~F(p)), (3.1)
2Frequentemente, este domínio tende a diminuir ao longo do tempo; cfr. Exercício 3.2.
Vd., no entanto, Paul Geroski, "Do Dominant Firms Decline?”, in D. Hay e J. Vickers
(Eds.), The Economics of Market Dominance, Oxford: Basil Blackwell, 1987. Este autor de­
fende que as empresas dominantes são mais persistentes do que muitos autores argumentam,
apresentando dados empíricos neste sentido.
3Um modelo alternativo da empresa dominante, desenvolvido na Secção 3.5 e devido a
Stackelberg, considera a hipótese alternativa de que a empresa dominante fixa a quantidade
inicialmente, seguindo-se a(s) restante(s) empresa(s) que fixa(m) também quantidades.
3.1. Introdução 31

sendo a condição de primeira ordem dada por

D -F
p C— “ dD _ dF 1 (3.2)
dp Fp
Esta equação pode ser sucessivamente simplificada, obtendo-se

D ~F

p~c _ 1 - F /D
P €D + t p F / D
p —c 1 —Sp
(3.3)
P + SFiF ’

onde e j ) 5 —(d D/ dp)( p/D) é a elasticidade da procura, ep = {dF f dp) {pf F)


a elasticidade da oferta da faixa concorrencial e sp = F / jD a respectiva quota
de mercado.
Recordemos que, em situação de monopólio, temos (p—c)/p = 1fep. Logo,
o equilíbrio da empresa dominante corresponde a uma situação de m onopólio
aten u a d o (pela existência de uma faixa concorrencial). Note-se que, em (3.3),
tanto o numerador é inferior como o denominador é superior relativamente à
situação de monopólio. Assim, a faixa concorrencial acLim rnmo travão ao
poder de monopólio da empresa dominante: quanto m aior fnr ;1 qun^a de
mercado da faixa concorrencial, s f , e/ou a elasticidade, da_.suaoferta, çf ,
t anto menor será o poder de mercado da empresa-dominante.
Para finalizar, notemos que o^conceito — e a realidade — de uma “faixa
concorrenciaE—á. também comum em mercados com várias empresas domi­
nantes. Nestes casos, é costume falar de gr upos estratég ico s: um grupo
de empresas líderes e um grupode empresas marginais.4 Um exemplo deste
tipo de estrutura é o sector segurador português, com cerca de 6 empresas
dominantes e algumas dezenas de empresas mais pequenas.

3.1.2 O modelo da concorrência monopolística


Uma das críticas frequentemente apontadas ao modelo de concorrência per­
feita consiste na hipótese (demasiado extrema) da homogeneidade do produto.

4Cfr. Richard Caves e Michael Porter, “FVom Entry Barrière to Mobility Barrière” , Quar-
terly Journal of Economies 91 (1987), 241-267-
32 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

De facto, encontramos muitos mercados em que o número de empresas é bas­


tante grande mas o produto vendido não é exactamente homogéneo. Exemplos
incluem os mercados de shampôs ou de pequenos restaurantes. Com vista a
considerar este tipo de casos, Chamberlin propôs como ponto de referência
alternativo à concorrência perfeita o modelo da concorrência monopolística.5
Neste modelo, o número de empresas é muito grande, pelo que a estratégia
de cada empresa tem um impacte negligenciável nas restantes empresas.. No
entanto, devido à diferenciação do produto, a curva de procura enfrentada
por cada empresa não é horizontal, isto é, cada empresa é um price maker.
Um dos resultados da teoria de Chamberlin é que o abandono da hipótese de
homogeneidade do produto não implica necessariamente o abandono de um dos
resultados fundamentais do modelo de concorrência perfeita, nomeadamente
que a livre entrada implica lucros nulos no longo prazo. Implica, sim, que este
equilíbrio deixe de ser eficiente.
Estas ideias são ilustradas pela Figura 3.1, que representa o problema de
uma empresa-tipo no modelo de Chamberlin. Porque existe diferenciação do
produto, a curva de procura enfrentada por cada empresa, d, é negativamente

5Richard Chamberlin, The Theory of Monopolistic Competition, Cambridge: Harv&rd


University Press, 1933. Deve também referir-se o contributo anterior de Joan Robinson para
o estudo da concorrência imperfeita.
3.1 Introdução 33

inclinada. No entanto, porque a entrada é livre, no longo prazo verifica-se


entrada até que a curva de procura enfrentada por cada empresa seja tangente
à curva de custos médios totais. Neste ponto, o lucro de cada empresa activa
é máximo e nulo, atingindo-se por conseguinte o equilíbrio.6
A Figura 3.1 ilustra também o segundo ponto referido acima: ao contrário
do que acontece em concorrência perfeita, o equilíbrio de concorrência mono-
polística é ineficiente quanto ao custo de produção. De facto, cada empresa
produz uma quantidade menor que a que minimiza os custos médios, e tanto
menor quanto maior for o grau de diferenciação do produto (isto é, quanto
maior for a inclinação de d). Por outro lado, em equilíbrio, o preço fixado por
cada empresa é superior ao custo marginal (cfr. Exercício 3.3).7
No entanto, isto não implica necessariamente que o equilíbrio seja, social-
mente ineficiente; isto porque, para além dos custos de produção e quantidades
totais, há também que ter em conta os benefícios inerentes à v ariedade, que
dependem do numero de empresas e não somente das quantidades totais. Este
é um ponto controverso, não sendo possível de momento apresentar resultados
gerais satisfatórios, isto é, resultados que indiquem qual dos efeitos — mini-
mização dos custos ou criação de variedade — é dominante do ponto de vista
do bem-estar social.

3.1.3 Teoria dos Jogos: breve introdução


Uma característica comum dos modelos acima apresentados é a ausência de
comportamento estratégico. A empresa dominante do primeiro modelo com­
porta-se efectivamente como monopolista, com a única nuance de que a curva
de procura efectiva é função da oferta da faixa concorrencial. No segundo
modelo, cada empresa é suficientemente pequena para que possa ignorar o
impacte da sua estratégia na estratégia dos rivais.
O oligopólio, objecto central da Economia Industrial, caso intermédio en­
tre monopólio e concorrência perfeita, distingue-se justamente pela in te rd e ­
p en d ê n cia entre as acções das diferentes empresas. Por este motivo, a Teoria
dos Jogos, entendida como o estudo formal do relacionamento estratégico entre
eO método de análise utilizado por Chamberlin é algo informal; a existência de um
equilíbrio com as características propostas por este autor continua sendo um ponto contro­
verso. O leitor interessado e com facilidade matemática deverá consultar Oliver Hart, "Mo-
nopolistic Competition in the Spirit of Chamberlin: À General Model”, Review of Economic
Studies 52 (1985), 529-546, e Mário Páscoa, “Noncooperative Equilibrium and Chamberli-
nian Monopolistic Competition”, Journal of Ecorwmic Theory 60 (1993), 335-353.
7Recorde-se que a curva de custo marginal intersecta a curva de custo médio no seu
mínimo, sendo inferior à curva do custo médio quando esta é decrescente.
34 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

agentes (exércitos, países, empresas, etc.), assume um papei muito importante


em Economia Industrial.8
A análise formal de uma situação de comportamento estratégico começa
pela formulação de um jogo. Um jogo é constituído por um conjunto de
jogadores, um conjunto de estratégias possíveis para cada jogador, um con­
junto de funções utilidade também para cada jogador, e um conjunto de regras
(quem pode fazer o quê e quando). Por exemplo, o Quadro 3.1 representa um
jogo com dois jogadores (1: linha e 2: coluna), cada um com duas estratégias
possíveis (a e b para o primeiro jogador, c e d para o segundo). Os valores em
cada cela correspondem às utilidades dos jogadores 1 e 2, respectivamente, em
função das estratégias escolhidas. Assim, se por exemplo o Jogador 1 escolher
a estratégia b e o Jogador 2 a estratégia c, então as utilidades recebidas são 4
e 2, respectivamente. As regras do jogo são muito simples: cada jogador es­
colhe, independentemente do outro, a sua estratégia. Note-se que a utilidade
do Jogador 1, por exemplo, é função da sua escolha e também da escolha da
escolha do “rival” — encontramos aqui a interdependência de estratégias que
é característica fundamental da Teoria dos Jogos.
O objectivo da Teoria dos Jogos é principalmente de carácter positivo (por
oposição a normativo): dado um conjunto de agentes racionais que interagem
entre si, que tipo de comportamento devemos esperar de cada um? A resposta
a esta questão é dada pelo conceito de solução, um método de, partindo
da formulação de um jogo, chegar a um perfil de estratégias, uma para cada
jogador, correspondentes à “previsão” do que cada agente racional escolheria.
O conceito de solução de mais .vasta aplicação é indubitavelmente o equi-
líbrio d e ^ a s h ,( o u Nash-Cournot ou equilíbrio estratégico): um vector de
estratégias (uma estratégia por cada jogador) constitui um equilíbrio de Nash
se nenhum jogador puder melhorar (estritamente) a sua utilidade através de
uma mudança unilateral da sua estratégia. No jogo considerado no Quadro 3.1,
apenas o vector de estratégias (6, c) constitui tim equilíbrio de Nash. De facto,
se o primeiro jogador escolhesse a sua estratégia alternativa, a, então a sua
utilidade seria 3 em lugar de 4; por outro lado, se o segundo jogador escolher

80 desenvolvimento inicial da Teoria dos Jogos, no sentido aqui apontado, é atribuído


a John von Neumann e Oskar Morgenstern, Theory of Games and Economia Behamor,
Princeton: Prínceton University Press, 1944. Por vezes, o termo “teoria dos jogos" é também
utilizado com referência à teoria combinatória de certos “jogos de mesa", como o Xadrez,
Othello, etc. Dois bons textos introdutórios de Teoria dos Jogos são Eric Rasmusen, Games
ímd ín/ormation, Oxford: Basil Blackwell, 1989; e Robert Gibbons, Game Theory for Applied
Economiits, Princeton: Princeton University Press, 1992. Para um estudo mais aprofundado,
Drew Pudenberg e Jean Tirole, Game Theory, Cambridge, Mass,: M1T Press, 1991.
3.2. O m odeb de Cournot 35

Quadro 3.1: Jogo com dois jogadores.


Jogador 2
c d
0 -1
Jogador a 3 1
1 2 1
b 4 . -2

a sua estratégia alternativa, d, então a sua utilidade seria 1 em lugar de 2.


(Verifique que nenhum outro perfil de estratégias constitui um equilíbrio de
Nash.)
Boa parte da teoria do oligopólio, de que este capítulo constitui uma in­
trodução, baseia-se na aplicação da Teoria dos Jogos e do conceito de equilíbrio
de Nash a modelos que procuram aproximar a realidade de um mercado oli-
gopolista. Neste caso, os jogadores são empresas; as utilidades, lucros (nor­
malmente). O conjunto de estratégias pode ser muito variado; .neste capítulo,
consideramos principalmente a quantidade produzida, mas também o preço e
a capacidade produtiva. Finalmente, as regras de jogo normalmente conside­
radas são simplesmente “todas as empresas escolhem simultaneamente a sua
estratégia” , embora outras variantes sejam também admitidas.

3.2 O modelo de Cournot


O primeiro modelo formal de oligopólio a considerar é o modelo de Cournot.9
Começaremos com o caso de um duopólio, generalizando depois para o caso
de n > 2 empresas.
As hipóteses fundamentais subjacentes ao modelo básico de Cournot são
que (i) o produto das empresas é homogéneo, (ii) o preço (único) dejnercado
resulta da oferta agregada das empresas, e (iii) as empresas determinam si­
multaneamente a quantidade oferecida.. De um ponto de vista da Teoria dos
Jogos, temos a seguinte estrutura: a variáveljestratégica_mnnipulada_por cada
empresa é a quantidade produzida; as quantidades são escolhidas simultanea­
mente; o lucro de cada empresa (a utilidade da cada jogador) é função da
quantidade p rodu zida p o r essa em presa e do preço de m ercado, que p o r su a

9Agustin Cournot, Reckerehes sur les Príncipes Mathématiques de la Thêorie des Rickes-
ses (1838). Tradução inglesa editada por N. Bacon, New York: Macmillan, 1897.
36 Capít ulo 3. Modelos de oligopólio

Figura 3.2: Óptimo da Empresa 1.

vez é função da quantidade produzida por ambas as empresas; finalmente,


o ecmilíbiio de mercado é dado pelo equilíbrio de Nash deste jogo, também
conhecido por equilíbrio de Nash-Cournot.

3.2.1 Derivação geométrica


Comecemos por derivar o equilíbrio de uma forma geométrica, considerando
isoladamente o problema de maximização de uma dada empresa, seja a Em­
presa 1. Suponhamos que esta empresa tem a expectativa de que a Empresa 2
produzirá ao nível <j2 - Então, o problema de maximização da E m presai é se-
melhante ao de um monopolista que enfrenta a procura resfdual d i (<72) = D —92
(cfr. Figura 3.2). Dada uma certa curva de custo marginal (para simplificar,
constante), basta derivar a curva de receita marginal e resolver R ' = C para
determinar o óptimo da Empresa 1, 9 ^(92)*
Note-se que este óptimo é condicional num determinado valor de 92» isto
é, para cada diferente expectativa que a Empresa 1 possa ter relativamente à
produção da Empresa 2, a Empresa 1 fará uma escolha óptima diferente. A
função <7*(92)1 que relaciona estas escolhas óptimas com as diferentes expec­
tativas relativamente à quantidade da empresa rival, designa-se por função
m elhor resp o sta ou função reacção da Empresa 1 relathamente à Em-
3.2. O modelo de Cournot 37

Figura 3.3: Dois casos extremos.

presa 2.
Para derivar a função reacção da Empresa 1, é útií considerar dois casos
extremos relativamente a q2, ambos retratados na Figura 3.3. Suponhamos
que 09 = 0- Então' a procura residual enfrentada pela Empresa 1 coincide mm
a procura de mercado. A reacção óptima desta empresa corisiste em produzir
a quantidade de monopólio, isto é, çf(0) = QM. Suponhamos aeora que a
Empresa 2 produz ao nível de um mercado concorrencial, istoé. q2 = QC, onde
Qc é tal que D~1(QC) = C' = c. Neste caso, a procura residual (e respectiva
receita marginal) são sempre inferiores ao valor do custo marginal, c. Logo, o
óptimo da Empresa 1 consiste numa produção nula, isto é, q\{Qc ) ~ 0.
Mostra-se que se as curvas de procura e custos forem lineares, então tam­
bém o é a função reacção. Sendo assim, com base nestes pontos agora deter­
minados, podemos deduzir a função reacção da Empresa 1, o que é feito na
Figura 3.4.
Admitindo que a Empresa 2 dispõe de uma tecnologia idêntica à da Em­
presa 1, isto é, a mesma função custos, então tudo o que se disse a respeito
da Empresa 1 é também aplicável à Empresa 2. Assim, temos uma função
reacção 1) que é simétrica de ç* (92) relativamente à diagonal principal
(cftv Figura 3.5). O equilíbrio de Nash-Cournot é então dado pelo ponto de
intersecção entre as duas funções reacção, o ponto E. Este é o único ponto
38 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

Figura 3.4: Função reacção da Empresa 1.

Figura 3.5: Equilíbrio de Cournot.

tal que ambas as empresas escolhem uma quantidade que é óptima dada a
quantidade da empresa rival.

■ In te rp re ta ç ã o d in âm ica do m odelo de C o u rn o t. Embora o modelo


de Cournot seja um modelo estático, o equilíbrio derivado pode ser interpre­
tado como o resultado de um processo de ajustamento dinâmico. Suponhamos
3.2. O modelo de Cournot 39

Figura 3.6: Convergência para o equilíbrio de Cournot.

que em cada período ímpar a Empresa 1 escolhe a quantidade q[ — q* (q^- 1),


isto é, a reacção óptima relativamente à quantidade produzida pelo rival no
período anterior. Suponhamos ainda que o mesmo se passa nos períodos pares
com a Empresa 2. A Figura 3.6 mostra alguns passos deste processo de ajus­
tamento. E fácil verificar que, qualquer que seja o ponto de partida (ç2 = q§,
na Figura 3.6), as quantidades convergem para o equilíbrio de Nash-Cournot.

■ Comparação entre Cournot, monopólio e concorrência perfeita.


Muitas das propriedades do equilíbrio de Nash-Cournot são mais facilmente
deriváveis da forma algébrica do modelo. No entanto, a comparação da quan-
tidíide total com os equilíbrios de monopólio e concorrência perfeita pode
também ser feita com base no gráfico das funções reacção. Como vimos an­
teriormente, as funções reacção (no modelo linear) intersectam os eixos nos
valores QM e Qc . Assim, na Figura 3.7, podemos facilmente marcar os luga­
res geométricos dos pontos (q\ , 92) tais que qi + </2 = e Çi 4- <72 = Qc . Por
comparação com o equilíbrio de Nash, concluímos que a quantidade total no
equilíbrio de Nash-Cournot, QN = + q ^ , e" intermédia entre a quantidade
de monopólio e a quantidade de concorrência perfeita, o que aliás não é in-
teiramente surpreendente, pois a estrutura de mercado é também intermédia
entre os dois casos extremos considerados.
40 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

Figura 3.7: Comparação do equilíbrio de Cournot com as soluções de mo­


nopólio e concorrência perfeita. s

3.2.2 Derivação algébrica


Passemos agora à derivação algébrica do equilíbrio de Cournot. Seja P =
a —bQ a inversa da função procura, onde Q — Qi+ Ç2 - Suponhamos ainda que
o custo marginal de cada empresa é constante e igual a c.
O lucro da Empresa 1 é dado por

n ifo ,® ) (P - c)çi
(a - bqi - bq2 - c)qi (3.4)

A condição necessária para max IIi é então dada por

a —bqi - bq2 — c —bqi = 0, (3.5)

ou

2bqi = a —bq2 —c, (3.6)

ou ainda
3.2. O modelo de Cournot 41

qi = _b 2 =q*1^ (3-7)
0 equilíbrio de N ash-C ournot é dado, em geral, pelo sistem a Qí — q * { q j ) .

Neste caso, temos

í 9l = ~ \<&
(3.8)
1 92 - ^ ~ è9i
Ora sistemas lineares simétricos admitem apenas soluções simétricas. Temos
portanto

a —c 1
91 ( 3 .9)
26 - 2 91
donde sai

„N v o —c
9i —92 — ( 3.10)
36
e ainda

= 2a
qn í " + Q2
~ 3 ( 3.11)
pW 1
a - bQN = —
3a ( 3.12)

Recordemos que o preço de equilíbrio em situação de monopólio e con­


corrência perfeita é dado respectivamente por P M — ^a + ~ ce P ° = c. Dado
que P N, P M e Pc são combinações convexas de a e c e dado que a > c,
confirma-se que

pM > p N > p C ^ ( 3 13
, )

o mesmo se verificando com a derivada do preço em relação ao custo marginal.

■ C aso d e n > 2. A generalização para o caso de um oligopólio simétrico


com n empresas é relativamente simples. Neste caso, temos

~ ( a ~ b q i - . . . ~ b q n ~c)qi (3.14)
sendo a função reacção dada por
42 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

<7*072, ■. . , ?*) = ~ + ••■ + 9«)• (315)


Resolvendo para a solução simétrica = <7^ , e simplificando, obtém-se

-
a —c
1 iN (3.16)
b(n + 1)
n a~ c
<f (3.17)
„c n+ 1 b
pN 1 n
= ------ -a-\-------- -e (3.18)
> n+ 1 n+ 1
3.2.3 Propriedades do equilíbrio
Com base na Equação (3.18) podemos formular a seguinte importante pro­
posição a respeito do equilíbrio de Cournot: 10 à medida que o número de
empresas aumenta, o preço de equilíbrio aproxima-se do preço de equilíbrio de
concorrência perfeita, isto é

lim P N(n) = P c . (3.19)


Este resultado é importante porque formaliza a ideia de que o modelo de
concorrência perfeita deve ser entendido como um ponto de referência que
aproxima melhor 011 pior os mercados reais. De facto, uma forma de ler a
Equação (3.19) consiste em afirmar que mercados com estrutura (número de
empresas) próxima da de concorrência perfeita_fnúmero infinito dê empresas)
têm um preço de equilíbrio ta mbém próximo do de concorrência perfeita.
Algo de semelhante se verifica também em relação à eficiência do equilíbrio
de Cournot, como veremos de seguida. A Figura 3.8 representa a perda de
eficiência (PE) do equilíbrio de Cournot relativamente ao.óptimo social, a área
A. Algebricamente, temos

PE \ ( PK - P C ) ( Q C - Q N)
1 /1 n \ ( a —c n a —c \
(3.20)
2 \ n + l tt^ n + l C / \ b n + 1 b / ’5
50Embora o resultado seja aqui derivado com base num modelo linear, a sua validade é
bem mais geral. O leitor interessado e com facilidade matemática deverá consultar William
Novshek e Hugo Sonnenshein, “Cournot and Walras Equilibrium”, Journal of Economic
Theory 19 (1978), 223-266.
3.2. O modelo de Cournot 43

Figura 3.8: Perda de eficiência da solução de Cournot relativamente a con­


corrência perfeita.

ou, simplificando,

1
(3.21)
2b
É interessante verificar que, tal como o preço, a perda de eficiência converge
para o valor de concorrência perfeita (zero) àjrnedida que n —* oo. No entanto,
enquanto queJãutaxa dêjmnvergência do preço é a mesma que q perda de
eficiência converge para zero à taxo de n2; isto é, a perda de eficiência con­
verge “rapidamente’’ para zero. O Quadro 3.2 representa a perda de eficiência
num oligopólio com n empresas como percentagem da perda de eficiência em
monopólio. (Para obter a perda de eficiência em monopólio, basta substituir n
por 1 em (3.20); logo, o rácio vem igual a 4 /( n + l) 2.) Verifica-se, por exemplo,
que bastam 7 empresas (de igual dimensão) para que a perda de eficiência seja
de apenas 6%.

3.2.4 Oligopólio assimétrico


Come vimos anteriormente, no caso de procura e custos lineares, a função
reacção da empresa i é dada por
44 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

Quadro 3.2: Perda de eficiência no equilíbrio de Cournot como percentagem


da perda de eficiência de monopólio.
n PE
1 1
2 4/9
3 1/4
4 4/25

7 4/64« 6%

15 4/256«1.5%

a — Ci 1
QiiQj) (3.22)
2b ~ 2®*

Até aqui, tratámos do caso simétrico, isto é, c* — cj = c. Sjj ponhamos


agora que uma das empresas, seja a Empresa 1, consegue uma descoberta tec­
nológica que lhe permite reduzir o custo de produção de c para é , enquanto que
a Empresa 2 se mantém com c% = c. Que acontece aos valores de equilíbrio?
Como se pode verificar pela Equação (3.22), um decréscimo de c\ implica um
afastamento da função reacção (cfr. Figura 3.9). Consequentemente, o
ponto de equilíbrio desloca-se para Noroeste em relação ao equilíbrio simétrico;
isto é, a Empresa 1 aumenta a quantidade enquanto que a Empresa 2 diminui
a quantidade p roduzida.
Este resultado é importante porquanto permite complementar o que já se
disse em relação à eficiência do equilíbrio de Nash-Cournot. Por um lado,
como já vimos, a perda de eficiência num oligopólio simétrico tende para zero,
rapidamente, à medida que o número de empresas aumenta. Por outro lado,
no caso de um oligopólio assimétrico, o equilíbrio reafecta as quantidades pro­
duzidas por cada empresa no sentido eficiente, isto é, aumento da quantidade
produzida nela empresa com menor custo e vice-versa. No entanto, esta rea-
fectação é apenas parcial em relação ao óptimo, que seria a especialização da
produção na empresa com custo marginal inferior.
3.2. O modelo de Cournot 45

3.2.5 Relação entre estrutura e resultados


Como é sabido, numa situação de monopólio, o índice de Lerner, medida de
prestação de um mercado, é dado por
p _ r*t i
= (3.23)

onde e é a elasticidade da procura. Esta fórmula pode ser generalizada para o


caso de um oligopólio.11
A função lucro da empresa i é dada por

n i(qu . . . >qn) = Pqi - C i , (3.24)


onde P é a inversa da função procura, e C* a função custo da empresa i. A
condição de primeira ordem para max 11* é por sua vez dada por

P '* + P - Cí = 0, (3.25)
ou simplesmente
11A análise que se segue é adaptada de Keith Cowling e Michael Waterson, “Price-cost
Margins and Market Structure” , Economica 43 (1976), 267-274.
46 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

p - c l = - p ' gi. (3.26)


onde P r = dP/dQ. Definindo o índice de Lerner da empresa i como

r _ p - cï
*■** — p ’ (3.27)

temos, a partir de (3.26),

Ci = -F v/P

- f f 2) (!)
_ Si
) (3.28)
e
onde

dQP
(3.29)
6_ dPQ’

(3.30)
1~ Q ‘
Definamos agora o índice de Lerner do mercado como a média ponderada

£==£*£*■ (3.31)
Então, a partir de (3.28), temos

£ = £»<* = f , (3.32)

onde H = ^2 sf ê o índice de Herfindahl, apresentado anteriormente. Este


resultado é importante pois formaliza a ideia, central para a Escola do para­
digma “estrutura-conduta-resuítados”, de uma relação entre a estrutura (aqui
medida pelo índice de Herfindahl) e os resultados (aqui medidos, pelo índice de
Lerner), dado um certo padrão de com portam ento (neste caso, concorrência à
Ja Cournot). Uma versão ligeiramente mais geral desta equação é conhecida
como a fórm ula de C ow ling-W aterson.
3.3. O modelo de Bertrand 47

3.3 O modelo de Bertrand


O modelo de Cournot pode ser criticado com base na constatação de que,
na realidade, a variável estratégica normalmente escolhida pelas empresas é o
preço e não a quantidade. Como alternativa, J. Bertrand propôs um modelo
com as mesmas hipóteses que as do modelo de Cournot mas substituindo a
quantidade^ pelo preço como variável estratégica.,12
Mais uma vez, o objectivo está em derivar as funções reacção, e, a partir
destas, determinar o equilíbrio de Nash, neste caso o equilíbrio Nash-Bertrand,
ou simplesmente Bertrand. AFigura 3.10 indica a procura residual enfrentada
pela Empresa1 dado um determinado preço, p 2 , fixado pela empresa rival. Se
jpi for superior a o?, então a procura dirigida à Empresa 1 é pula, isto supondo
que cada empresa (nomeadamente a Empresa 2) satisfaz toda a procura que
lhe é dirigida. Se pi e P2 forem iguais, então a procura é dividida entre as duas
empresas. Finalmente, se pi for inferior a p2 , então toda á procura é dirigida
à Empresa 1.
Suponhamos que c < p 2 < pM• Qual a resposta óptima da Empresa 1? Se
Pi > P2 i então Iíi = 0. Se p\ = p 2 , então IXi = (p\ —c)D{pi)/2. Finalmente,

I2J. Bertrand, “Théorie Mathématique de la Richesse Sociale” , Journal de Savants (1883),


499-508.
48 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

se pi < p 2 , então ITi = (pi - c)D(pi).


Neste último caso, como pi < P2 < PM, é de esperar que 111 seja crescente
em p i . 13 Logo, a fixar pi < P2 , a Empresa 1 prefere fazê-lo ao mais alto valor
de pi possível, isto é, p\ = P2 - e, com e arbitrariamente pequeno. Neste caso,
o lucro é dado por IIi ss (p2 —c)í)(p 2 ), valor superior ao lucro decorrente de
pi = P2 ou pi > P2 -
Se P2 for superior ao preço de monopólio, então a solução óptima da Em­
presa 1 consiste em fixar o preço de monopólio, assim recebendo o lucro de
monopólio. Finalmente, se P2 for inferior a c, o custo marginal (e médio) da
Empresa 1 , então o melhor que a Empresa 1 pode fazer é fixar pi = c, sendo
o lucro igual a zero .14
Resumindo, a função reacção da Empresa 1 é dada por

' pM se ,P2 > PM

PÍÍPa) = \ P 2 ~ t se C < P 2 < p M (3.33)


•K

, c se P 2 < C

Esta função vem assinalada na Figura 3.11. Assumindo que a Empresa 2


tem a mesma tecnologia que a Empresa 1 , a função reacção da Empresa 2
será, tal como anteriormente, simétrica relativamente à bissectriz do primeiro
quadrante.
Como se pode verificar, o equilíbrio de Nash-Bertrand, dado pela inter-
secçâo das funções reacção, corresponde a p f = p f = c, isto é, 0 preço e a
quantidade de equilíbrio no modelo de Bertrand (com empresas idênticas) são
iguais aos valores de concorrência perfeita.15
Ao falar do modelo de Cournot, vimos como a convergência para os va­
lores de concorrência perfeita se verifica de forma relativamente rápida (no­
meadamente no que se refere à perda de eficiência relativamente à situação de
monopólio). No caso da concorrência em preços esta convergência verifica-se
de uma forma ainda mais rápida: basta que haja duas empresas para que se
atinjam os resultados do modelo de concorrência perfeita!

13Isto é verdade sob hipóteses muito gerais, incluindo a hipótese de procura e custos
lineares.
“ Aliás, qualquer preço pi superior a P2 implica lucro nulo para a Empresa 1. Por este
motivo, a função reacção é neste caso uma correspondência. Para simplificar, consideraremos
pi = c como a melhor resposta.
15Para o caso em que as empresas não são idênticas, vd. Exercício 3.17.
3.4. O dilema Cournot-Bertrand 49

Figura 3.11: Equilíbrio de Bertrand.

3.4 O dilema Cournot-Bertrand


Reiativamente ao modelo de Cournot, o modelo de Bertrand tem o atrac-
tivo de partir da hipótese, aparentemente mais realista, de que as empresas
fixam preços e não quantidades. No entanto, o resultado desta hipótese é
algo j 3urpreendente, mesmo paradoxal: se os custos marginais forem constan-
tes e iguais entre empresas, então bastam duas empresas para que q preço
de equilíbrio iguale o preço de concorrência perfeita e, consequentemente, a
perda de eficiência em equilíbrio seja nula. Ora este é um .resultado de certo
modo paradoxal, contrário à ideia convencional de que a,eficiência de mer­
cado aumenta gradualmente com q número de emprejàs, tendendo para o
máximo (concorrência perfeita) quando o número de empresas tende para in­
finito. Neste sentido, o modelo de Cournot parece mais satisfatório.
A confrontação entre os modelos de Cournot e Bertrand tem sido um ponto
central da teoria do oligopólio. Conhecem-se, pelo menos,„três fôrmas de re­
solver o dilema da escolha entre os dois modelos. Uma primeira forma consiste
em abandonar a hipótese dfi. Dro.duto homogéneo, supondo antes qüe se veri­
fica diferenciação do produto; como veremos no Capítulo. 8 , concorrência em
preços com produto diferenciado não implica que o preçò seja igual ao custo
marginal, resolvendo-se assim o “paradoxo de Bertrand”. Uma segunda via

'd'
50 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

consiste em seguir uma análise explicitamente dinâmica da concorrência oligo-


polística; esta alternativa será tomada no capítulo seguinte e, tal como no caso
do produto diferenciado, levará à. conclusão deque aconcorrência em preços
é consistente com poder de_mercado em oligopólio. Finalmente, a terceira via
consiste em abandonar a hipótese^ dg^custgs marginais, constantes. O extremo
oposto a esta hipótese é o de restrições de capacidade, caso em que os cus­
tos marginais tendem para infinito quando a quantidade excede certo valor (a
capacidade); consideramos de seguida este caso.
Independentemente das diversas extensões que se possam considerar, deve
notar-se que a confrontacão-entre os modelos de Cournot e Bertrand (e, em
geral, entre modelos de oligopólio) é frequentemente posta nos termos errados.
Os oligopóliosjiiferem muito entre si, quer no que respeita às tecnologias de
produção, quer no que respeita à estrutura da procura, quer ainda no que
respeita a diversos aspectos institucionais. Logo^nao deve surpreender que
o modelo.de Bertrand seja melhor ajustado^a alguns mercados (v.g., certos
mercados financeiros) e o modelo de Cournot a outros (v.g., certos mercados
agrícolas). A análise que se segue pode ser útil nesta análise.

■ C o n co rrên cia em preços com restriçõ es d e capacidade. Até aqui,


temos considerado apenas o caso em que os custos marginais das empresas são
constantes. Esta hipótese pode frequentemente ser válida localmente, isto é,
para pequenas variações da quantidade produzida. No entanto, a capacidade
de produção de qualquer empresa é limitada. Se o nível de produção aumentar
muito, então a empresa tem de recorrer a horas extraordinárias, aumento do
número de turnos, etc., o que leya a um acréscimo dos custos marginais. Para
além de certo nível, torna-se impossível, no curto prazo, aumentar ainda mais
a produção.
Uma forma estilizada de representar o fenómeno de custos marginais cres­
centes (aliás, uma que não está longe da realidade de muitos sectores) consiste
em assumir custos marginais constantes até certo nível de produção (fc) e in­
finitos a partir desse nível de produção (cfr. Figura 3.12). Concretamente,
vamos considerar o seguinte modelo de duopólio com dois estádios. Num pri­
meiro estádio, as duas empresas escolhem as suas capacidades, fc*, i = 1 , 2 .
Num segundo estádio, ambas escolhem preços. Para simplificar, vamos assu-
mir que existe um certo custo de .instalar capacidade, Ci(fcj), e que o custo de
produção e nulo, desde que, claro está, ç» < fe*-
A ideia do modelo, que assim é mais realista que os modelos de Cournot e
Bertrand, é que as empresas tomem decisões de longo prazo (v.g., capacidade
de produção) bem como decisões de curto prazo (v.g., preço de venda).
3.4. O dilema Cournot-Dertrand 51

Figura 3.12: Função custo marginal com restrições de capacidade.

0 produto é homogéneo, ta! como nos casos anteriores. Logo, a empresa


que fixar um preço inferior pode satisfazer toda a procura. No entanto, dado
que as empresas têm restrições de capacidade, isto ê, não podem vender mais
que fcj, o procura dirigida à empresa com preço superior, digamos a empresa
i, não é necessariamente nula, antes será dada por rnaxfO, D ( p í ) —kj}. Isto
é, se a empresa j , que fixa um preço inferior, puder satisfazer toda a procura
(D(pi) < kj)y então a procura dirigida à empresa i é nula, Se, pelo contrário,
a empresa j não puder satisfazer toda a procura (D(pi) > fcj), então a procura
dirigida à empresa * é dada pela procura de mercado menos o valor de kj.
O resultado da análise deste modelo, incluída em apêndice, é que os preços
fixados no segundo período são iguais e t ais que a capacidade de produção de
ambas as empresas é totalmente utilizada, isto é, pt — pj ~ P (k\ + fo), onde
P ( ) é a inversa da função procura. Logo, o equilíbrio do jogo considerando
os dois estádios, é equivalente ao de um jogo em que as empresas fixam capar
cidades fcj e vendem qi — ki a um preço dado por P{ki ■$- A^) = P(gi + 92)-
Isto é, o equilíbrio do jogo de dois estádios é como o equilíbrio de Cournot,
reinterpretando as quantidades fixarias pelas empresas como correspondendo
a capacidades de produção.
Que aconteceria se a ordem de fixação das variáveis .(uma das regras do
jogo) fosse alterada, isto é. se as empresas fixassem nriméiro preços e depois
capacidades de produção? Suponhamos que Ct (k{) = ck{. É lógico que, sendo
Pi > c, a empresa i instale a capacidade necessária para satisfazer (exac-
52 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

tamente) a procura que lhe é dirigida. Então o resultado deste modelo seria
equivalente ao do modelo de Bertrand, reinterpretando as quantidades vendi­
d a s p elas em presas como correspondendo a capacidades de produção instaladas
no segundo estádio.
Como se vê, a ordem de movimentos não c indiferente. Para que o modelo
(necessariamente estilizado) possa fazer sentido, há que considerar como pri­
meira decisão a decisão de iongqj»&zo, aquela que as empresas mudam com
reduzida frequência. A segunrfc decisão, pelo contrário, deve ser a decisão
de curto prazo, aquela que as empresas mudam com frequência. Porouê? A
decisão de curto prazo tem como um dado a decisão de longo prazo: aliás, é
isto que distingue o curto do longo prazo. Ora, para que tal seja verdade no
modelo, um jogo de dois estádios, é necessário que a decisão de curto prazo
venha depois da decisão de longo prazo.
Sendo assim, a discussão acima apresentada leva-nos ao seguinte sumário
da comparação entre os modelos de Cournot e Bertrand: mercados em que os
yrecos se ajustam mais rapidamente aue as quantidades aproximam-se mais
do modelo de Cournot; pelo contrário, mercados en\ que as quantidades se
ajustam mais rapidamente que os preços aproximam-se mais do modelo de
Bertrand. Dito de outra forma, a variável estratéeica relevante é aquela que
se ajuste mais~Ientãmente.

3.5 O modelo de Stackelberg


Uma das hipóteses do modelo de Cournot é a da simultaneidade das escolhas
de capacidade por todas as empresas. Esta hipótese corresponde a uma boa
aproximação da realidade em muitas situações. Note-se, em particular, que a
hipótese não significa que as decisões das empresas se dêem simultaneamente
no tempo; o que é relevante é que cada empresa desconheça a decisão das
empresas rivais no momento em que toma a sua própria decisão.
Mesmo assim, encontramos muitas situações em que a hipótese de sequen-
cialidade na tomada de decisões é a mais realista. Isto pode resultar de que
uma das empresas se destaque como “líder” natural do mercado, ou simples­
mente do facto de uma das empresas se instalar no mercado suficientemente
antes da(s) outra(s) (cfr. Capítulo 5).
O modelo de Stackelberg corresponde, nas suas hipóteses, ao modelo de
Cournot, com a diferença d e que as escqlhasde quantidade são sequenciais e
não simultâneas. Nesta secção consideramos a versão mais simples do modelo
de Stackelberg: duas empresas, procura linear e custos lineares.
3.5. O modelo de Stackelberg 53

rí 1* -'-i

Sendo as empresas jogadores racionais, a Empresa 1 (a empresa líder)


escolherá a sua quantidade tendo em conta a escolha da Empresa 2 , que por
sua vez é uma função da quantidade escolhida pela Empresa 1 . Concretamente,
a escolha óptima da Empresa 2, no segundo estádio, é dada pela função reacçao
dèssa mesma empresa, 42 (4 1 ), onde 41 é a quantidade escolhida pela Empresa
1 no primeiro estádio.
Assim sendo, a escolha óptima da Empresa 1 consiste no ponto da curva
<?2 (*7i ) a que corresponda o maior lucro para a Empresa X. A determinação
geométrica desse ponto é facilitada pela utilização das curvas de isolucro da
Empresa 1. As curvas de isolucro da Empresa 1, tal como o nome sugere,
são o lugar geométrico dos pontos que, no mapa das quantidades (4 1 , 92),
correspondem ao mesmo nível de lucro da Empresa 1 . Por outras palavras,
são as curvas de nível da função lucro da Empresa 1.
Comecemos por considerar o caso ern^que 42 = 0. Neste caso, o lucro
máximo da Empresa 1 é obtido com 41 = qM, sendo o lucro correspondente
dado por (cfr. Figura 3.13). Como 11^, o lucro de monopólio, é o máximo
que a Empresa 1 pode obter, e apenas quando 41 = qM, 42 = 0 , temos
assim uma primeira “curva” de isolucro, correspondente ao ponto (aM. 0 ).
Consideremos agora um nível inferior do lucro da Empresa 1 , seja IF. Como
a função lucro de um monqpolistaé côncava, existirão pontos (4Í»0 ), (4^ , 0)
tais que IIi = IT. Estes pontos fazem parte de uma segunda curva de isolucro.
Suponhamos agora que 42 > 0. Como o lucro da Empresa 1 é decrescente
ern ^ (um acréscimo de 42 implica um decréscimo do preço), para que se
mantenha o lucro da Empresa 1 a partir de (q\ , 0) ou ((//, 0) é necessário que
54 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

se verifique uma aproximação de q\ em relação a que compense o acráscimo


de q2 - Porjoutras palavras,, a curvade isolucro Ui = II' deve ser negativamente
inclinada emjg}', 0) e positivamente inclinada em (q{, 0).
O mesmo raciocínio se aplicaria a valores diferentes de Üj, dando-se assim
origem ao mapa de curvas de isolucro representado na Figura 3-13. Note-se
que quantojmaisjgróximaj^tiYgLa curva de isolucro do ponto (çM, 0), maior
o lucro correspondente. Logo, o óptimoja_empresa líder serádado pelo_ponto
de tangência de uma curva de isolucroxom a função reacção da Empresa 1, o
ponto ff_na Fjgura 3J4.
Quais_as_diferenças entre_os^equi 1íbrios_de_Courno^ejle Stackelberg? A
Figura 3.15 representa as quantidades produzidas por cada empresa em cada
um dos equilíbrios. Tal como verificámos anteriormente, o equilíbrio de Cour-
not corresponde à intersecção das funções de reacção. As funções de reacção,
por seu turno, dão os valores ç* que maximizam o lucro da empresa i dado o
valor de qj. Concretamente, o valor qi(q'2) corresponde à tangência da recta
Q2 = <?2 com uma curva de isolucro da Empresa 1.
Assim, no equilíbrio de Cournot a Empresa 1 escolhe a quantidadejSptima
dada a quantidade escolhida pela Empresa 2, enquanto que no equilíbrio de
Stackelberg a Empresa 1 escolhe a quantidade óptima dada a função reacção
da Empresa 2. Isto resulta em que, no equilíbrio de Stackelberg, a quantidade
escolhida pela Empresa 1 seja superior ao valor óptimo dada a quantidade
escolhida pela Empresa 2 (isto é, o ponto S encontrarse à direita de çj (ç^)).
A ideia é que a Empresa 1, aproveitando a vantagem da liderança, escolhe uma
quantidade propositadamente elevada com o intuito de induzir a Empresa 2 a
3.6. Modelos dinâmicos: um exemplo1 55

escolher uma quantidade inferior (o que de facto acontece, em equilíbrio).


Uma segunda conclusão que se pode tirar da Figura 3.15 é que a quanti­
dade total é superior n o equi 1fcriojde Stackelberg em rclação-ao equilíbrio de
Cournot. De facto, uma recta de declive - 1 passando por S deixaria o ponto
C a Sudeste (recorde-se que o declive da função reacção é igual a —1/2). No
equilíbrio de Stackelberg, a Empresa 1 produz mais e a Empresa 2 produz
menos do que no equilíbrio de Coumot, mas o acréscimo de produção da Em­
presa 1 mais que compensa o decréscimo por parte da Empresa 2.

3.6 Modelos dinâmicos: um exemplo*


Os modelos apresentados nas últimas duas secções podem ser vistos como
casos particulares de um modelo mais geral em que a concorrência se verifica
em dois estádios. A forma do modelo geral é a seguinte: no primeiro estádio,
ambas as empresas procedem a urn investimento Kj. Este investimento pode
corresponder a capacidade, publicidade, investigação e desenvolvimento, etc.
0 importante é que se trata de um investimento que afecta não só os lucros
no primeiro período como também os “dados” para a concorrência no segundo
período. Concretamente, no segundo período, as empresas concorrem entre si
tomando como dados os investimentos do primeiro período.
Neste contexto, tem interesse a análÍ3e_dos._efei_t_os da concorrência inter­
tem poral n a determ inação do investim ento óptim o de cada em presa. A co n d i-
Ção de primeira oTdem para a maximização do lucro intertemporal d a empresa
1 ê dã3a por (assumindo uma taxa de desconto nula)*

TTc = TTCTIl ( k ^ . T T ^ C K . ^ U c . . - ' ) -l)

<*ttf = d l t + itlo V 0 ^ à*i UO VÍ Vr


A vi , w .. A-T* rll/,' T7, .
56 Capítulo 3. Modelos de oligopólio

<m\ an? dtíf dxf an? dx]


dKi + dK i + ò x\ dK i + dx| dK i ~ ü'

x\ é a variável estratégica (preço, quantidade) escolhida pela empresa i no


p eríodo t (para.alfiPl-dO-inyestimento Kj). O primeiro termo do lado esquerdo
corresponde ao efeito total do investimento nos lucros da empresa no primeiro
período; não se tratando de um investimento intertemporal, este seria o único
efeito a considerar. Q segundo termo corresponde ao efeito directojio inves­
timento sobre os lucros nd segundo período; este efeito verifica-se mesmo que
não exista concorrência entre empresas. O terceiro termo tem o valor zero
em equilíbrio, pelo Teorema da Função Envolvente (isto é, porque, no óptimo,
d líf/d x ] = 0). Finalmente, o último termo representa o efeito estratégico:
umjnvestlmento pela empresa i hoje (if*) afecta as expectativas da empresa
j quanto ao comportamento da empresa i no segundo período, o que por sua
vez afecta a escolha da empresa j no segundo período (x^), o que por sua vez
afecta o lucro deequilíbrio da çmpresa ( np^mesmo perjodo.
Como exemplo, consideremos um modelo simples da curva de ex p e riên ­
cia.16 Designa-se por curva de experiência a relação negativa entre o custo e a
produção passada acumulada. A evidência empírica deste fenómeno encontra-
-se em muitos sectores produtivos, como sejam a construção aeronáutica e
os semicondutores. Neste caso, o investimento K consiste na produção do
primeiro período; o efeito do investimento nos lucros verifica-se através da
variação do custo no segundo período, isto é, o custo da empresa i no segundo
período é uma função decrescente da sua produção no primeiro período.
O sinal^do^ efeito estratégico (o último termo na Equação 3.34) é, neste
caso particular, dado pelo sinal de

dll? dq] dcf


(3.35)
dq? dcf dqf ’

onde c\ e q\ são, respectivamente, o custo marginal e a quantidade da empresa


i no período t.
Ora, (i) o lucro da empresa i é uma função decrescente da quantidade
produzida pela empresa j\ (ii) a quantidade produzida pela empresa j é, em
equilíbrio, função crescente do custo da empresa i (cfr. Exercício 3.14); fi­
nalmente, pela hipótese da curva de experiência, (iii) o custo da empresa i

16Para uma análise mais completa, vd. Drew Fudenberg e Jean Tirole, “Learning by Doing
and Market Performance", Bell Journo/ of Economics 14 (1983), 522-530.
3.6. Modelos dinâmicos: um exemplo* 57

no segundo período é uma função decrescente da quantidade produzida pela


mesma empresa no primeiro período.
Concluímos assim que efeito ^atratégica.Á, J 1 Q. £aso„„da _çurya. de^ex-
periência, positivo. Isto significa que a empresa escolhe um nível de “investi­
mento” (neste caso, a quantidade do primeiro período) superior ao que decor­
reria de uma situação sem comportamento estratégico. De facto, as notícias
sobre os sectores em que a curva de experiência é importante (os semicondu­
tores, por exemplo) incluem frequentemente a referência a níveis de produção
e de capacidade exagerados, cujo principal objectivo é a obtenção de uma
vantagem estratégica através da curva de experiência.17

1TEm 1990, na altura em que as memórias de 4 Megabits se preparavam para substituir


as de 1 Megabit, a estratégia dos fabricantes japoneses era descrita com a frase “Japan’s
giant chip makers are rushing into what looks like a suicidal expansion of 4-megabit chip
production” ( The Economist, 13 Outubro 1990). Os benefícios estratégicos da curva de
experiência eram apontados como o motivo para a expansão de capacidade. Cff. Exercício
3.19.
58 Apêndice

Figura 3.16: Equilíbrio de Cournot.

Apêndice*
Neste apêndice, apresentamos um esquema de demonstração formal do resul­
tado do modelo de dois estádios considerado na Secção 3.4.18 Suponhamos
que o custo de capacidade é dado por c (valor “elevado”) por unidade de
capacidade e que o custo de produção é nulo.
Por momentos, consideremos o caso em que as capacidades instaladas são
muito elevadas (não restritivas) e as empresas fixam quantidades a vender,
não preços (isto é, o modelo de Cournot). Esta situação vem descrita na Fi­
gura 3.16, onde se representam, para além das funções reacção, as curvas de
isolucro da Empresa 1 e os valores de equilíbrio (ç^, ç^).

Facto: Se c for suficientemente elevado, então a capacidade de produção fi­


xada por cada empresa é inferior a qN, isto é, (fci,^) encontra-se em A.

D em onstração: Vejarse a Figura 3.17, onde se representa o lucro bruto de


um monopolista em função da quantidade vendida, R bem como o custo da

18Para uma demonstração completa, vd. David Kreps e José Sheinlunan, “Capacity Pre­
commitment and Price Competition Yield Cournot Outcomes”, Bell Journal of Economics
14 (1983), 326-337.
3.7. Exercícios 59

capacidade instalada, C(k). É fácil verificar que o monopolista nunca escolhe


k > k. Logo, se c for suficientemente elevado, çntão k < qN, istò é, pode
encontrar-se c suficientemente elevado tal que isto aconteça. Mas se k < q1^
para um monopolista, então a íortiori k < qN para um duopolista (pois a
curva de lucro é limitada superiormente pela do monopolista). ■

Com base neste facto, podemos agora passar para o nosso resultado prin­
cipal.

T eorem a: Se o custo de capacidade c for suficientemente elevado, então, no


segundo estádio, ambas as as empresas fixam p x —P2 = P{k\ + fo).

D em o nstração: Consideremos o equilíbrio designado pelo teorema, isto é,


Pi = V2 — P{ki 4- fc2). Se a empresa fixar um preço inferior, então o seu
lucro é seguramente inferior, pois vende a mesma quantidade (ki) a um preço
inferior. Se, peio contrário, fixar um preço superior, então a procura será dada
por D(pi) —kj, pois a empresa rival produzirá até ao máximo da capacidade.
Neste caso, o problema de maximização da empresa i é análogo ao de um
duopolista de Cournot: a quantidade óptima é dada por Ç*(kj), sendo o preço
óptimo P (kj + q*{kj)). Mas, com base na Figura 3.16, concluímos que, dado
que (çí, qj) G A, a quantidade óptima escolhida pela empresa i (num duopólio
de Cournot) é a máxima possível, isto é, qi = ki, o que mostra que pt = p 2 —
P(k\ -f fo) constitui efectivamente um equilíbrio de Nash. Por um raciocínio
análogo, pode também concluir-se que este é o único equilíbrio possível. ■

3.7 Exercícios
■ 3.1 Considere um mercado com função procura q = 200 —2p onde operam
uma empresa dominante e uma “faixa concorrencial” composta por pequenas
empresas. As pequenas empresas tomam o preço da empresa dominante como
dado e oferecem uma quantidade agregada dada por S — p - 7 0 (p > 70), onde
p é o preço fixado pela empresa dominante, sendo a restante procura satisfeita
pela empresa dominante. Determine a solução óptima da empresa dominante
quando o seu custo marginal é constante e dado por (i) c = 70, (ii) c = 45 e
(iii) c = 20.
■ 3.2* Considere um mercado constituído por uma empresa dominante e 10
outras empresas que constituem uma faixa concorrencial. A empresa domi-
60 Apêndice

Ry Gy II

Figura 3.17: Lucro em função da capacidade instalada.

nante tem um custo marginal constante e igual a a. A função custo marginal de


cada empresa da faixa concorrencial é por seu turnckdada por C'(q) = + 7 q,
onde todos os parâmetros são positivos e a < /?.
a) Determine a solução de equilíbrio segundo as hipóteses do modelo da
empresa dominante.
b) Considere as duas hipóteses seguintes sobre a evolução futura deste
mercado:
(Í) Anualmente, uma nova empresa entra para a faixa concorrencial,
sendo a sua função custos idêntica à das restantes empresas.
(ii) Anualmente, o custo de cada empresa da faixa concorrencial de­
cresce 10%. —
Qual das hipóteses lhe parece mais consistente com o facto estilizado do
declínio das empresas dominantes? Comente. Como alteraria a resposta se
a > /3?
■ 3.3 Muitos livros são frequentemente vendidos a um preço igual ao custo
médio mais uma taxa normal de lucro. No entanto, a tecnologia de publicação
de um livro é caracterizada por um custo fixo elevado e um custo marginal
bastante baixo e constante. Como conciliar estes factos com o comportamento
racional dos editores? Que tipo de modelo se adapta melhor a estes mercados?
Ilustre graficamente.
■ 3.4 Três críticas frequentemente apontadas ao modelo de Cournot são que,
na realidade, as empresas (i) não utilizam como variável estratégica a quan­
3.7. Exercícios 61

tidade produzida, mas sim o preço; (U) não tomam as suas decisões simulta­
neamente; (iiij desconhecem a função custos das empresas rivais e, mais do
que isso, desconhecem a noção de equilíbrio de Nash (isto é, as empresas não
determinam o equilíbrio de Nash para escolher a sua estratégia).
Apresente argumentos que defendam o modelo de Cournot e o equilíbrio de
Nash-Cournot como forma de estudar o comportamento de certos oligopólios.
Qual o tipo de situações em que estes argumentos se aplicam?
■ 3.5 Considere o mercado de um determinado produto homogéneo com pro­
cura dada por P — 150 —4Q. Existem duas empresas, ambas com custo
marginal constante e igual a 40.
a) Determine os valores da situação de equilíbrio de Cournot (preço, quan­
tidades, lucros).
b) Calcule a perda de eficiência como percentagem da perda de eficiência
em situação de monopólio.
■ 3.6 Refaça o exercício anterior assumindo que existem oito empresas em
lugar de duas.
■ 3.7 Considere um duopólio com procura dada por Q = 10 - 1/2P. A
função custo total de cada empresa é dada por C — 10 + q(q + 1). Determine
os valores de equilíbrio de Cournot.
■ 3.8 Refaça o exercício anterior assumindo que as funções custo são dadas
por Ci = 10 + 2qi e C 2 = 10 + 1.5ç2-
■ 3.9* Considere um duopólio de Cournot com procura dada pot Q = 500 —
50P. A primeira empresa tem um custo marginal constante e igual a 8. A
segunda empresa tem um custo marginal igual a 6 e capacidade limitada a
25 unidades. Calcule os valores de equilíbrio. (Exercício elaborado por T.
Bresnahan)
■ 3.10 A indústria de calçado em determinado país é constituída por oito
empresas. Cinco destas oito empresas utilizam uma tecnologia antiga com
produtividade de 0.25 unidades por hora de trabalho. As restantes empresas
utilizam uma tecnologia moderna com produtividade de 0.45 unidades por
hora de trabalho. A procura de mercado é dada por Q — 500 000 —10P e o
salário horário é w = 500 (preço e salário em escudos).
à) Determine o equilíbrio de Cournot neste mercado,
b) Qual o impacte nas quotas de mercado de uma subida de 50% no salário
horário?
ç) Calcule o valor máximo que uma empresa estaria disposta a pagar pela
62 Apêndice

Quadro 3.3: Empresas de vidro de embalagem

Vol.Neg.
Firma 1987 1986 VAB A.L. S.L. N.T. R.L. P.
B. & Almeida 4329 3641 2304 3691 2789 557 850464 7.8
Santos Barosa 3563 3174 1739 2431 1299 630 137246 5.7
Sotancro 2943 2696 1341 1936 526 600 51571 4.9
Ricardo Gallo 2900 2526 1426 4494 919 473 42181 6.1
CIVE 2792 1839 1569 4077 (1147) 474 14575 5.9

Notas: Volume de negócios (VoLNeg.), VAB, Activo líquido (A.L.) e Situação


Líquida (S.L.) em milhões de conte«; Resultados líquidos (R.L.) em milhares de
contos. N.T.: Número de trabalhadores. P.: Produtividade.
Fonte: Indústria, Novembro 1988.

nova tecnologia, assumindo que as restantes empresas continuariam a utilizar


a mesma tecnologia. Repita o cálculo, considerando uma subida salarial de
50%. Comente.
■ 3.11* Verifique a fórmula de Cowling-Waterson nos equilíbrios dos exercí-
cios anteriores.
■ 3.12 Comente a seguinte afirmação: “A relação típica entre preços e cus­
tos sob condições de oligopólio não é muito diferente da que prevaleceria sob
condições de monopólio”. (J. Duesenberry, Business Cycles and Economic
Growth, 1958, p. 113)
■ 3.13* Considere os dados respeitantes a empresas de vidro de embalagem,
em 1987, constantes no Quadro 3.3. Fazendo as hipóteses que achar conve­
nientes, determine o índice de Lerner desta indústria.
■ 3.14 Mostre que, num duopólio de Cournot, a quantidade e o lucro de
equilíbrio da empresa i são funções decrescentes do custo marginal (constante,
por hipótese) da empresa i e crescentes do custo marginal da empresa j .
■ 3.15 A procura de automóveis em FVança é dada por Q — 2000000 —17P
(preço em FVancos). O custo marginal de produção é 59000. Suponha que os
produtores franceses se comportam como um cartel, o mesmo acontecendo com
os alemães (o único exportador para FVança, por hipótese). O custo marginal
dos alemães (incluindo custos de transporte) é 70000 FF, à taxa de câmbio
3.7. Exercícios 63

actual.
a) Determine a solução de equilíbrio de Coumot no mercado Francês.
b) Qual o montante de desvalorização cambial do FF que levará os alemães
a exportar zero para França.
c) Qual o montante de desvalorização cambial do DM que levará os alemães
a deter uma quota de 100% no mercado francês? (Exercício elaborado por T.
Bresnahan)
■ 3.16* Nos modelos apresentados neste capítulo foi sempre posta a hipótese
^ de que as empresas procuram maximizar o lucro. Considere agora um duopólio
de Cournot em que um dos concorrentes é uma empresa pública cujo objectivo
é a maximização do excedente total. Considere também o caso em que ambos
os concorrentes são empresas públicas.19 Como variam o preço, a quantidade,
as quotas de mercado, os lucros e o excedente do consumidor com a introdução
desta alteração? Com base nos resultados obtidos, comente a ideia de que a
análise dos lucros não é suficiente para comparar a prestação das empresas
públicas com a das empresas privadas.
. k ■ 3.17* Considere um oligopólio de Bertrand em que cada empresa tem um
custo marginal constante c*, não necessariamente igual para todas as empresas.
A procura dirigida à empresa i é dada por D(pi)/rii, se pi for o preço mais baixo
e onde n é o número de empresa com preço igual ao da empresa i. Determine
os preços e quantidades desequilíbrio. Sugestão: suponha que o preço tem de
ser determinado como um valor inteiro (em escudos, por exemplo).
■ 3.18* O sector português da pasta de papel é constituído por quatro em­
presas: Portucel, Soporcel, Celbi e Companhia de Celulose do Caima. A quota
de mercado da primeira destas empresas é aproximadamente o dobro da média
das restantes. Deduza valores numéricos para os parâmetros dos modelos de
Cournot e Stackelberg consistentes com esta distribuição de quotas de mercado
(naturalmente, no caso do modelo de Stackelberg a Portucel seria a empresa
líder).
“A Portucel destaca-se ( . .. ) pela forte integração que lhe possibilita o apro­
veitamento de economias de gama.”20 Em que medida é que esta observação
influencia a escolha entre o modelo de Cournot e o modelo de Stackelberg?
19Dnrante algum tempo, este foi o caso do sector cervejeiro português. Cfr. José M. Amado
da Silva e Aníbal Santos, “Modelling a Duopoly of Public Firms: Conduct, Differentiation
and Price Regulation”, 10* Conferência da EARIE, Bergen, 1983.
“ António Brandão e José Escaleira, “Oligopólio de Colusão e Comércio Internacional: O
Caso da Indústria Portuguesa de Pasta de Papel”, apresentado no Io Encontro Nacional de
Economia Industrial, Braga, Outubro de 1992.
64 Apêndice

■ 3.19 O Relatório sobre “A Competitividade de Portugal: Desenvolver a


Auto-Confiança”, mais conhecido como o “relatório Porter”, critica o postu­
lado de que “Portugal necessita de desenvolver indústrias de alta tecnologia”
(p. 4). Um dos argumentos apresentados contra este postulado é que “essas
indústrias — especialmente a robótica — são notoriamente não rentáveis” (p.
23). Como justifica este facto, atendendo a que as indústrias de alta tecnologia
se caracterizam frequentemente por fortes economias de experiência?
Capítulo 4

Poder de mercado

4.1 Introdução
EM QUALQUER das situações de oligopólio até aqui consideradas, os lucros to­
tais das empresas, em equilíbrio, são inferiores aos lucros de um monopolista.
Este decréscimo dos lucros totais decorre da e x te rn a lid a d e inerente ao pro­
cesso de concorrência: ao escolher a quantidade num oligopólio de Cournot,
por exemplo, cada empresa maximiza o seu lucro, não levando em conta o
facto de que parte do acréscimo de lucros é conseguido à custa dos lucros das
empresas rivais.1
Reconhecendo a inferioridade da solução de equilíbrio relativamente ao
óptimo conjunto, é natural que as empresas procurem estabelecer entre si
acordos com o objectivo de aumentar o seu p o d e r de m ercado. Embora,
em ultima análise, cada empresa procure maximizar os seus lucros, partindo
de uma situação de concorrência é em geral fácil encontrar uma nova solução
tal que todas as empresas melhorem a sua situação (normalmente à custa do
consumidor). O comportamento das empresas no sentido de aumentar o seu
poder de mercado, diminuindo o efeito da concorrência, recebe a designação
genérica de conluio.
O acordo de cartel, em particular, é uma forma institucional de conluio.
A subida do preço do petróleo em Outubro de 1973, decretada pelo cartel
dos países produtores de petróleo, é um exemplo clássico. No entanto, as
situações de conluio não têm de se basear em acordos públicos e institucionais.

lUm factor adicional que pode implicar a diminuição dos lucros totais quando o número
de empresas aumenta é a existência de economias de escala. Esta questão será discutida no
Capítulo 5.

65
66 Capítulo 4. Poder de mercado

Frequentemente, trata-se de acordos secretos, até por que são normalmente


proibidas (na Europa pelo art° 85° do TVatado de Roma, nos Estados Unidos
pelo Sherman Act). Neste campo, um exemplo clássico é o do acordo entre a
General Electric, a Westinghouse e outras empresas na venda de equipamento
eléctrico por concurso público. Como resultado de uma investigação criminal,
vieram a conhecer-se inúmeros pormenores do acordo: como determinar qual
a empresa designada para vencer cada concurso, os valores das propostas a
apresentar por cada concorrente, etc.2 Finalmente, outras situações há ainda
em que o acordo entre as empresas é apenas tácito. Por alguma razão histórica,
chega-se a uma situação que, sendo diferente do equilíbrio estático, é respeitada
pelas empresas de uma forma implícita.

Na maior parte deste capítulo, consideramos apenas acordos com vista


à redução da oferta/subida de preço. No entanto, o conluio pode assumir
muitas outras formas: contenção do volume de despesas publicitárias, fixação
do nível da qualidade de serviço, delimitação de territórios para cada empresa,
etc. Um bom exemplo deste último tipo de acordo é o cartel das grandes
empresas químicas. Até aos anos 30, altura em que o acordo foi declarado
ilegal, as grandes empresas químicas mundiais mantinham entre si um acordo
de divisão do mercado mundial: A 1CI mantinha-se na GrãrBretanha e nos
países da Commonwealth, as empresas alemãs vendiam no continente europeu,
e à Du Pont eram atribuídos os mercados americanos.3

Por outro lado, mantemos neste capítulo a hipótese de que cada empresa
controla apenas uma variável estratégica. Esta é obviamente uma hipótese
simplista. Em geral, cada empresa tem de escolher, para além do preço e/ou
quantidade, variáveis tão diversas como as despesas em publicidade, inves­
tigação e desenvolvimento, etc. Nestes casos, pode dar-se o caso de con­
luio parcial, isto é, acordos limitados a um pequeno número de variáveis
estratégicas. Por exemplo, é comum encontrar casos de empresas que esta­
belecem acordos de investigação mas concorrem (não cooperativamente) no
mercado do produto; ou de empresas que estabelecem acordos tácitos quanto
ao preço mas não quanto aos níveis de publicidade.

2Cft. John Puller, T/te G entlem en C onspirators: The S to ry o f the P rice-F ixers tn the
Electrical Industry, New York: Grove Press, 1962,
3Sobre conluio na indústria química, veja-se o Exercício 4.6.
4.2. Análise dinâmica 67

Quadro 4.1: Instabilidade de um acordo de cartel.

Empresa 2
R E
90 100
Empresa R 90 -1 0
1 -1 0 70
E 100 70

4.2 A estabilidade dos acordos: análise dinâmica


Quando em 1973 os membros da OPEP decretaram uma dramática subida
do preço do petróleo, muitos economistas profetizaram a quebra iminente do
acordo de redução dera níveis de produção.4 O argumento é que os acordos de
cartel são naturalmente instáveis. De facto, é fácil verificar que, sob condições
muito gerais, os acordos de cartel têm a natureza de um d ilem a dos pri­
sioneiros. O Quadro 4.1 descreve esta situação, assumindo que o acordo é
formado apenas por duas empresas. Cada empresa pode escolher um nível de
produção elevado (E) ou reduzido (R). Conjuntamente, as empresas preferem
a situação em que ambas-produzem níveis reduzidos relativamente à situação
em que ambas produzem níveis elevados. Suponhamos então que as empresas
estabelecem um acordo no sentido de produzir níveis de produção reduzidos.
O problema é que, unilateralmente, cada empresa tem o incentivo para au­
mentar o seu nível de produção, isto é, a solução (B , B) não constitui um
equilíbrio de Nash. Aliás, escolher E constitui uma estra té g ia dom inan te
para cada empresa, isto é, cada empresa prefere escolher E qualquer que seja
a escolha da empresa rival.
A sÍtuação_alteiçarse1_no entanto, quando entramos em consideração com
aspectos dinâmicos. O Quadro 4.1 somente indica os lucros de curto prazo
para cada empresa. No curto prazo, é sempre vantajoso “furar” um acordo
de cartel. No entanto, a possibilidade de retaliação por parte da empresa
rival poderá ser suficiente para deter uma empresa da estratégia de aumentar
o nível de produção. De facto, a hipótese de que se verifica um movimento
unilateral por parte de uma das empresas é, nüma perspectiva de longo prazo,
pouco realista.

4Sobre a OPEP, veja-se o Exercício 4.5.


68 Capítulo 4. Poder de mercado

Consideremos então um modelo dinâmico que descreva formalmente a pos­


sibilidade de retaliação. Em cada período, as empresas fixam simultaneamente
o seu preço.® 0 produto é homogéneo e o custo marginal de cada empresa é
constante e igual a c. 0 acordo de conluio entre as duas empresas consiste em
fixar p = pM em cada período. Como resultado, o lucro de cada empresa é
igual a 11^/2. Numa perspectiva, estática, este acordo é claramente instável:
reduzindo o preço para pM —e, uma das empresas conseguiria duplicar os
lucros (veja-se a análise do modelo de Bertrand no capítulo anterior). Supo­
nhamos, no entanto, que é tacitamente acordado entre as empresas que, caso
se verifique um desvio relativamente a p = pM em qualquer período t, então
o acordo é dissolvido, e, a partir de t + 1, as empresas entram numa fase não
cooperativa, escolhendo os valores de p correspondentes ao equilíbrio estático
(Bertrand), isto ê, p — c.
Uma empresa racional fará então o seguinte cálculo: escolhendo p = pM —
e, é possível duplicar os lucros no curto prazo. No entanto, tal acção irá
desencadear uma guerra de preços que implica lucros nulos no futuro. De
contrário, escolhendo o preço ditado pelo acordo, o lucro obtido é 11^/2. A
condição para que p — pM seja a melhor resposta, e por conseguinte o acordo
seja estável, é então dada por

1 I1M ___i nM
+ + + . . . > n M+ o + o + (4.1)
2 1+ r 2 (1+ 7-)2 2

onde r é a taxa de desconto. O lado esquerdo de (4.1) indica o lucro descontado


assumindo que o acordo é respeitado, enquanto que o lado direito Índica o lucro
em caso de desrespeito do acordo. Simplificando, temos

1_ -> 2
1 l+ r
1-1- r
>2
1 -f- r —1
r < 1. (4.2)

Isto é: Se o futuro for suficientemente importante (valor baixo de r) então o


acordo é estável, embora, numa perspectiva de curto prazo, seja instável.
50 caso em que as empresas utilizam o preço como variável estratégica é bastante mais
simples do que o caso em que as quantidades são a variável estratégica. As conclusões de
ambos os casos são, no entanto, qualitativamente equivalentes.
4.3. Estrutura de mercado e conluio 69

A taxa de desconto íntertemporal é, por conseguinte, um factor importante


na determinação da estabilidade de um acordo. Outros elementos importantes,
implícitos no cálculo anterior, são:

• O período de tempo antes da retaliação: quanto mais rápida for a reta­


liação, menor o valor de r para uma dada taxa de desconto Íntertemporal
(tal como uma taxa de juro mensal é inferior à taxa anual equivalente);
• A probabilidade de detecção. No modelo anterior, assumimos que cada
empresa consegue observar sem erro a estratégia do rival. Em muitas
situações, isto é pouco realista. Na prática, quanto maior for a probabi­
lidade de erro, menores as possibilidades de estabilidade de um acordo.6
Sobre esta questão, vd. Exercício 4.3.

• Severidade da retaliação. Um dos paradoxos da teoria dos jogos repeti­


dos, da qual o exemplo acima constitui um caso particular, é que quanto
menor for a utilidade do jogador punido por “furar” um acordo, isto
é, quanto maior for a punição, maior a utilidade que se consegue num
acordo estável. A força do resultado acima resulta da severidade da
ameaça de entrar numa guerra de preços para sempre. No entanto, não
é claro que esta seja uma ameaça credível (passados vários períodos de
guerra de preços, é natural que as empresas decidam que mais vale voltar
ao acordo de conluio).

4.3 Estrutura de mercado e conluio


Qual a relação entre a estrutura de mercado e a possibilidade de conluio? A
primeira ideia, e certamente a mais óbvia, é que quanto mais concentrado for
um mercado, maiores as possibilidades de conluio. Os motivos são vários.
Tratando-se de acordos explícitos, é evidente que os custos de estabelecer o
acordo são tanto menores quanto menor for o número de empresas intervenien­
tes. Por outro lado, numa situação de informação imperfeita, a “fiscalização”
do acordo é também mais fácil com um número reduzido de empresas.7 A
evidência empírica parece confirmar esta ideia. Procedendo a uma regressão
com dados seccionais entre o índice de Lerner e o grau de concentração, nota-
-se, em geral, uma relação crescente. Aliás, isto seria de esperar, com base na
6Cfr. George J. Stigler, “A Theory of Oligopoly", Journal o f Political Economy 72 (1964), ^
44-61.
7George J. Stigler, op.dt., apresenta um modelo de conluio segundo o qual a estabilidade
(em probabilidade) é uma função crescente do índice de Herfindahl.
70 Capítulo 4. Poder de mercado

Figura 4.1: Cartel eficiente e cartel equitativo: Duopólio simétrico.

análise do capítulo anterior. No entanto, verifica-se tipicamente uma desconti-


nuidade (aumento do índice de Lerner) para valores do índice de concentração
na ordem de Cg = 70% ou Ci — 30%, o que parece denotar a existência de
acordos de conluio em mercados muito concentrados.8
Um segundo elemento da estrutura de mercado que assume grande im­
portância, este porventura menos óbvio, é a assimetria entre empresas. Quan­
do, por exemplo, o nível de produtividade de uma das empresas for muito
superior ao doutra, o estabelecimento de um acordo de conluio envolve um
compromisso entre eficiência e equidade: a maximização da eficiência do “car­
tel” dita que a empresa mais produtiva detenha uma quota de mercado supe­
rior, possivelmente 100%. Contudo, motivos de equidade ditam que ambas as
empresas tenham quotas de mercado comparáveis. Isto é particularmente im­
portante nas situações em que pagamentos compensatórios não são possíveis,
nomeadamente porque proibidos.

8Vd. por exemplo John E. Kwoka, J r , "The Effect of Market Share Distribution on
Market Performance”, Review of Economies and Statistics 61 (1979), 101-109. Vd. também
George A. Hay e Daniel Kelley, “An Experimental Survey of Price-Fîxing Conspiracies",
Journal of Law and Economies 17 (1974), 13-38.
4.3. Estrutura de mercado e conluio 71

Como ilustração, consideremos o exemplo de um duopólio em que as em­


presas fixam quantidades. As Figuras 4.1 e 4.2 representam os casos em que
as empresas têm o mesmo custo marginal (Figura 4.1), bem como o caso em
que a Empresa 2 tem um custo marginal superior (Figura 4.2), pelo que a sua
curva de reacção se encontra mais próxima da origem. Ambos os gráficos re­
presentam as curvas de isolucro de cada empresa correspondentes ao equilíbrio
de Cournot.
Consideremos primeiro o caso simétrico (Figura 4:1).- (i) 0 equilíbrio de
Cournot é dado pelo ponto C. Neste ponto, cada empresa recebe lucros no
valor de I l f = (ii) Um ca rte l eficiente é um cartelerri que se maximizam
os lucros conjuntos das empresas. Dada a simetria considerada na Figura 4.1
e o facto de os custos marginais serem constantes, qualquer ponto tal que q\ +
?2 = QM corresponde a um cartel eficiente; o ponto E representa uma dessas
soluções (concretamente aquela em que as quotas de mercado são iguais).
Finaímente, (iii) um ca rte l eq u itativ o é definido pela condição q\ = <72• O
cartel equitativo diz-se óptimo quando maximiza 0 lucro total das empresas
dada a restrição de ser equitativo. Visto existir um cartel eficiente tal que
<71 = <72, o cartel equitativo óptimo, Q, coincide com,E. ■Nesta situação, o
72 Capítulo 4. Poder de mercado

lucro de cada empresa é superior ao lucro na situação de equilíbrio. De facto,


o ponto Q encontra-se a Oeste de nf e a Sul de Ilf .
Suponhamos agora que a Empresa 2 tem um custo marginal superior ao
da Empresa 1 (Figura 4.2), (i) 0 equilíbrio de Cournot é, mais uma vez, dado
pela intersecção das curvas de reacção (ponto C ), sendo os lucros das empresas
Ilf e II^7. (ii) Como a Empresa 1 tem um custo marginal inferior, o cartel
eficiente corresponde à produção exclusiva por parte da Empresa 1, sendo qi
igual à quantidade de monopólio (ponto E). Os lucros das empresas são dados
por IIi = nf* > nf e II2 = 0 < n f . Logo, o lucro da empresa menos eficiente
é menor no cartel eficiente do que na situação de equilíbrio não cooperativo.
(iii) O cartel equitativo óptimo é agora dado pelo ponto Q ^ E, sendo os
lucros das empresas dados por nf < nf e nf > nf. De facto, o ponto
Q encontra-se a Este de nf e a Sul de nf. Logo, o lucro da empresa mais
eficiente ê menor no cartel equitativo do que na situação de equilíbrio não
cooperativo.
Concluindo, num duopólio suficientemente assimétrico, nem o cartel efi­
ciente nem o cartel equitativo constituem acordos possíveis, pois em cada caso
uma das empresas prefere o equilíbrio não cooperativo à situação de cartel.
Um exemplo deste tipo de situação é o transporte aéreo internacional. O
acordo das Bermudas, de 1946, estabeleceu uma série de acordos bilaterais en­
tre empresas transportadoras nacionais. Na maioria dos casos, trata-se de um
cartel equitativo: os voos entre cada par de países são igualmente repartidos
pelas respectivas companhias nacionais. Recentemente, constatando o sucesso
da política americana de open skies, e na expectativa do mercado único euro­
peu, tem-se verificado um movimento no sentido da liberalização do transporte
aéreo. Nas conversações sobre a revisão dos acordos é notória a divergência de
pontos de vista entre as companhias relativamente mais eficientes (v.g., British
Airways), partidárias de um processo rápido e radical de liberalização, e as
companhias relativamente menos eficientes (v.g., Alitalia), que tendem a favo­
recer o status quo. Esta divergência de pontos de vista corresponde, em boa
medida, ao conflito entre eficiência e equidade a que fazemos aqui referência.

4.4 Factores institucionais e conluio


Além dos elementos estruturais referidos anteriormente, há ainda uma série
de características institucionais específicas de cada mercado que tendem a fa­
cilitar situações de conluio. Èm muitos casos, trata-se de regras que, embora
aparentemente favoreçam o consumidor, acabam por ser criadas em seu detri-
4.4. Factores institucionais e conluio 73

Quadro 4.2: Instabilidade de um acordo de cartel sem a cláusula do consumi­


dor mais favorecido.

Empresa 2
E R
90 100
Empresa E 90 -1 0
1 -1 0 70
R 100 70

mento, na medida em que aumentam as possibilidades de conluio.9

■ C láu su la do consum idor m ais favorécido. Segundo esta cláusula, o


vendedor promete a cada comprador que, se numa futura venda um preço mais
reduzido vier a ser praticado, então o primeiro comprador tem direito a receber
uma compensação no valor da diferença entre preços. Isto é, o comprador tem
a garantia de pagar sempre o preço mais baixo entre todos os preços fixados
pela empresa (normalmente ao longo de um certo intervalo de tempo).
Suponhamos que, na primeira parte de um determinado período, as duas
empresas de um duopólio fixaram um preço elevado. Ao fixar o preço durante
a segunda parte do período, as empresas têm duas hipóteses: fixar um preço
elevado ou fixar um preço reduzido. Não se verificando qualquer cláusula con­
tratual, as utilidades das empresas seriam dadas pelos valqres do Quadro 4.2.
Esta é uma situação de “dilema dos prisioneiros" (cfr. Secção 4.2). Tal como
vimos anteríormente, o único equilíbrio de Nash consiste,, nesta situação (e ig­
norando futuros períodos), em que ambas as empresas fixem o preço reduzido.
No entanto, se uma empresa fixar um preço reduzido, êntão ver-se-á obri­
gada a compensar os compradores durante a primeira parte do período, pois
estes pagaram, por hipótese, um preço elevado. Suponhamos que isto corres­
ponde a um valor de 20. Então, o lucro de cada empresa na segunda parte
do período, incluindo eventuais compensações a consumidores na primeira
parte, formam a matriz indicada no Quadro 4.3. Como se pode verificar, em­
bora (/i, R) seja ainda um equilíbrio de Nash, (E, E) constitui também um
equilíbrio.
Finalmente, suponhamos que as empresas efectivameüte jogam este equi-

9Além dos casos aqui considerados, vd. Exercício 4.9.


74 Capítulo 4. Poder de mercado

Quadro 4.3: Estabilidade de um acordo de cartel com a cláusula do consumidor


mais favorecido.

Empresa 2
E R
90 100 - 20
Empresa E 90 -1 0
1 -1 0 70-20
R 1 0 0 -2 0 70-20

líbrio durante a segunda parte do período. Então, passando a análise para


o início do período, verifica-se que (E, E) também constitui um equilíbrio de
Nash neste estádio do jogo. De facto, se a empresa escolher R na primeira parte
do período, recebe 100; mas na segunda parte receberá apenas 70, perfazendo
um total de 170;10*enquanto que, escolhendo E em ambos os estádios, o lucro
total é 180.
Resultado: o preço mantém-se sempre ao nível mais elevado, pelo que a
cláusula do consumidor mais favorecido nunca é invocada. O único resultado
da cláusula é tornar estável um acordo que de outra forma seria instável.11

■ D ireito s an ti-d u m p in g . A prática de du m p in g — vender no mercado


externo a preço inferior ao custo marginal — é considerada uma forma de
concorrência desleal. Por conseguinte, uma empresa do país importador tem
o direito de exigir a cobrança de direitos alfandegários anti-dumping desde
que consiga provar a ocorrência daquele tipo de estratégia. Na prática, é
difícil obter estimativas do custo marginal da empresa exportadora, pelo que
se utiliza o preço interno como termo de comparação. Assim, se o preço
do bem importado for significativamente inferior ao preço do bem produzido
infcemamente, então existem razoes para suspeitar da prática de dumping.
Em muitas situações, a possibilidade de invocar a lei anti-dumping não
tem outro efeito senão facilitar o conluio entre as empresas de dois países.

10O motivo por que recebe 70 na segunda parte é o seguinte: ao escolher R na pri­
meira parte, R torna-se uma estratégia dominante na segunda parte; consciente deste facto,
também a empresa rival prefere escolher R na segunda parte do período.
n Cfr. Steven Salop, “Practices T hat (Credibly) Facilitate Oligopoly Coordination” , em J.
Stigiitz e F. Mathewson, New Developments in the Analysv) of Market Stmcture, Cambridge,
Mass.: The MIT Press, 1986.
4.4. Factores institucionais e conluio 75

Suponhamos, para simplificar, que existe uma empresa em cada país. As


empresas fixam os preços sequencialmente, começando pelo do país importador
(p e p*). Seguidamente, a empresa do país importador decide invocar ou não
invocar a lei anti-dumping. Se o fizer, então o governo aplica uma tarifa
alfandegária ao bem importado no montante da diferença'entre os preços (p —
p*). O bem é homogéneo e os custos marginais constantes e iguais para ambas
as empresas (c).
Na ausência de uma lei anti-dumping, o equilíbrio consiste em p — p* —
c.12 No entanto, se existir uma lei anti-dumping, o equilíbrio consiste em
p = p* r= pM. De facto, a estratégia da empresa exportadora será sempre fixar
um preço igual ao da empresa rival: qualquer valor inferior será compensado
com um direito alfandegário, ficando como efeito líquido um decréscimo da
procura. Conhecendo esta estratégia, a empresa do país importador tem como
estratégia óptima fixar o preço de monopólio.
Resultado: a criação da regra anti-dumping resulta numa subida do preço
de c para pM. Em equilíbrio, a regra nunca é invocada.13 >

■ P rém io s de tran sferên cia. Recentemente, a Liga dos Clubes de Fute­


bol apresentou uma proposta de revisão do regulamento de transferência de
jogadores. Essencialmente, a proposta prevê o pagamento de compensações
entre os clubes envolvidos em cada transferência. Se o C:'F. Belenenses, por
exemplo, pretender transfèrir um jogador do Setúbal, então terá de pagar ao
Setúbal uma compensação que poderá ascender a dezenas de milhar de con­
tos, mesmo que não exista já qualquer contrato entre o Setúbal e o jogador
em questão.
A justificação apresentada pela Liga para os pagamentos entre clubes é
a necessidade de compensar a formação do jogador. No entanto, o principal
efeito da nova lei é o aumento do poder de negociação (ou' poder de mercado)
dos clubes sobre os jogadores. Consideremos um exemplo simples: o jogador
A encontra-se actualmente no Sporting e recebe p. E do conhecimento comum
que o valor do jogador, quer para o Sporting quer para o F,C. Porto, é v >
p. Suponhamos que os clubes apresentam as suas ofertas ‘simultaneamente

12ExÍ8tem outros equilíbrios (quais?), mas este faz mais sentido pdr diversas razões que
não serão aqui discutidas.
13Na prática, a regra é de facto invocada com alguma frequência. .Nó entanto, em muitos
dos casos (40% nos Estados Unidos) o direito alfandegário não chega a ser aplicado porque
a empresa exportadora “voluntariamente” sobe o preço para níveis semelhantes aos das em­
presas rivais. Cfr. Thomas J. Prusa, “Why Are So Many Antidumping Cases Withdrawn?",
Joumaí of International Economies 33 (1992), 1-20.
76 Capítulo 4. Poder de mercado

ao jogador. Na ausência de prémios de transferência, o equilíbrio de Nash


corresponde a p\ = p 2 — v (concorrência à la Bertrand). Mas suponhamos
que, devido ao novo regulamento, o P.C. Porto se vê obrigado ao pagamento
de í ao Sporting. Então, o máximo que o F.C.Porto estará disposto a pagar
ao jogador é apenas v — t Bastará ao Sporting pagar v - t + e (e pequeno)
para garantir o concurso do jogador.
Resultado: em equilíbrio, não se verificam transferências e o jogador recebe
apenas v — t + e em lugar de v. Os prémios de transferência constituem
um travão à concorrência entre os clubes, pelo que p seu poder de mercado
aumenta.

4.5 Estimação do poder de mercado


Da análise deste capítulo e do anterior, pode concluir-se que a solução de
equilíbrio em oligopólio pode, em princípio, variar desde a solução mais concor­
rencial (Bertrand) até à solução mais monopolística (conluio perfeito). Como
identificar a solução de cada mercado em'concreto? No que respeita à metodo­
logia utilizada, é possível distinguir duas abordagens diferentes a esta questão:
o estudo de casos e a estimação economética.

■ A b o rd ag em q u a lita tiv a /e stu d o de casos. O estudo de casos consiste


numa análise essencialmente qualitativa do mercado e das empresas que o
constituem. Especial importância é dada a aspectos institucionais específicos
de cada sector. Entrevistas a executivos, especialistas, etc., constituem a
principal (ou uma das principais) fontes de informação.
Dentro desta primeira abordagem, o esquem a d e P o r te r merece especial
destaque, quanto mais não seja devido à sua popularidade.14 Em certo sen­
tido, o clássico Competitive Strategy não é mais do que a tradução qualitativa
dos modelos formais discutidos em Economia Industrial — o que tem grande
mérito, diga-se.15 Por outro lado, em certos aspectos, o esquema de Porter
vai mais longe do que a abordagem típica em Economia Industrial. Porter
classifica os factores que influenciam o grau de concorrencialidade em cinco
grupos: a concorrência entre as empresas no mercado (a questão central dos
Capítulos 3 e 4 do presente texto); a ameaça dos concorrentes potenciais; a

14Michael E. Porter, Competitive Strategy: Techniques for Analysing Industries and Com-
petitors, New York: Free Press, 1980.
150 esquema de Porter deve muito à análise pioneira de Joe Bain, Industriai Organizationt
New York: John Wiley, 1959 (2a Ed., 1968).
4.5. Estimação do poder de mercado 77

ameaça dos produtos e serviços substitutos; o poder de negociação dos for­


necedores; o poder de negociação dos clientes. Alguns destes aspectos serão
abordados noutros capítulos do presente texto, mas certamente não com a
mesma profundidade que no esquema de Porter.

■ E stu d o s econom étricos in ter-sectoriais. Um dos temas “clássicos” da


análise empírica em Economia Industrial é o da relação entre concentração
e rentabilidade. Como vimos na Introdução, o ponto central da escola do
paradigma estrutura-comportamento-resultados é a hipótese de uma relação
de causalidade entre os elementos de estrutura, comportamento e resultados.
Concretamente, dado um certo padrão de comportamento, seria de esperar
uma relação positiva entre a concentração (medida de estrutura) e a rentabi­
lidade (medida de resultados).
Muitos autores, começando por Joe Bain, procuraram estimar equações
relacionando índices de rentabilidade com índices de concentração, utilizando
para este efeito amostras seccionais e cronológicas.16 O resultado destes estu­
dos — várias décadas de trabalho intenso — é pouco animador. Em primeiro
lugar, encontraram-se problemas de medição estatística de difícil resolução.
Em particular, os dados contabilísticos não reflectem correctamente a rentabi­
lidade económica das empresas, quer porque não controlam o risco específico
de cada sector e de cada empresa, quer porque a depreciação contabilística dos
activos não corresponde à depreciação económica, quer porque muitas empre­
sas pertencem efectivamente a vários sectores, sendo difícil dividir os lucros
totais por cada negócio, quer ainda por outros motivos. Em segundo lugar
— e em boa parte como resultado do primeiro —, os resultados obtidos são,
no seu conjunto, pouco conclusivos: por vezes a relação entre concentração
e rentabilidade é positiva, mas por vezes é insignificativamente diferente de
zero, e algumas vezes ainda é negativa.
Mesmo que se concorde em que se verifica uma relação positiva entre con­
centração e rentabilidade, surgem problemas de identificação que dificultam a
interpretação dos resultados. Bain e outros autores da sua escola defendem
que o poder de mercado é tanto maior quanto maior for a concentração; veja-
se, por exemplo, a análise do princípio da Secção 4.3. No entanto, Demsetz —
bem como outros autores normalmente associados com a escola de Chicago —
apresentam de uma forma convincente uma explicação alternativa: nos sec­
tores onde existam algumas empresas muito eficientes, as quotas de mercado

16Joe Bain, “Relation of Profit Rate to Industry Concentration: American Manufacturing,


1936-1940", Quarterly Journal of Economics 65 (1951), 293-324.
78 Capítulo 4. Poder de mercado

estarão mais concentradas, independentemente de a solução de mercado nes­


ses sectores apontar para um grau superior ou inferior de conluio; o que se
passa é simplesmente que as empresas mais eficientes detêm quotas de mer­
cado superiores, o que aliás até é benéfico de um ponto de vista de bem-estar
social — veja-se a análise de um duopólio de Cournot assimétrico no capítulo
anterior.17 Aliás, a interpretação de Demsetz mostra que o índice de Lerner,
medida do grau de poder de mercado, não é em geral um bom índice do grau
de conluio; frequentemente, os conceitos de conluio e de poder de mercado são
(erradamente) identificados.
Em princípio, uma forma de testar a hipótese do conluio (Bain e ou­
tros) contra a h ip ó tese d a eficiência (Demsetz e outros) seria estimar uma
equação para a rentabilidade de cada empresa (não do sector) em função da
concentração do mercado bem como da quota de mercado da empresa. A
hipótese do conluio levaria a que o primeiro coeficiente fosse positivo, enquanto
que a hipótese da eficiência levaria a que o segundo coeficiente fosse positivo.
Infelizmente, os resultados desta estimação são também pouco conclusivos.18
Uma explicação para a dificuldade de identificação destes estudos economé­
tricos é o problema da simultaneidade. A relação entre estrutura, comporta^,
mento e resultados não se verifica apenas num sentido, como foi originalmente
proposto por Bain; comportamento e resultados influenciam por sua vez a es­
trutura de mercado, quer através da entrada/saída de empresas, quer através
da expansão/contracção de empresas instaladas.
Para ilustrar este problema, consideremos duas possibilidades extremas.
Suponhamos primeiro que a estrutura é realmente uma variável exógena e
que quer a elasticidade da procura quer a solução de mercado são iguais em
todos os sectores industriais (por solução de mercado entendemos o modelo
explicativo, Cournot, por exemplo). Então, a equação a estimar é algo se­
melhante à fórmula de Cowling-Waterson, apresentada no capítulo anterior.
Ora, como então foi dito, verifica-se efectivamente uma relação positiva entre
concentração (medida pelo índice de Herfindahl) e rentabilidade (medida pelo
índice de Lerner).
Consideremos agora outra possibilidade extrema. Suponhamos que a va­
riável exógena é agora o índice de Lerner, o que pode resultar, por exemplo,
da fixação administrativa de preços por parte do governo. Suponhamos ainda *16
17Cfr. Harold Demsetz, “Industry Structure, Market Rivalry, and Public Policy”, Journal
of Law and Economics 10 (1973), 1-9.
16Para uma recensão destes estudos, vd. Richard Schmalensee, “Inter-Industry Studies
of Structure and Performance” , Capítulo 16 de R. Schmalensee e R. WilUg, Handbook of
Industrial Organization, Amsterdão: North-Holland, 1989.
4.5. Estimação do poder de mercado 79

que se verifica livre entrada, de forma que os lucros das empresas activas são
próximos de zero. Finalmente, suponhamos que a tecnologia de cada empresa
é dada por um custo fixo, F , e um custo marginal igual a zero; o índice de
Lerner é, portanto, dado por C = p .
Verificando-se livre entrada, o número de empresas, n, será tal que pD (p)/n
— F = 0. Sendo o oligopólio simétrico, o índice de Herfindahl é dado por
H = 1/n. Logo, temos

pD (p)/n —F 0
F 1
£ (4.3)
D{ p) H'

isto é, uma relação negativa entre concentração e rentabilidade (quando esta


é medida pelo índice de Lerner; se considerarmos lucros totais; a relação é
inexistente, pois os lucros são sempre próximos de zero).
Para que se possa resolver o problema da simultaneidade, é necessário uti­
lizar variáveis verdadeiramente exógenas, como sejam as condições básicas da
tecnologia e procura do sector. No entanto, estas variáveis não são normal­
mente em número e qualidade suficientes para tornar a análise inter-sectorial
da relação entre concentração e rentabilidade suficientemente conclusiva.

■ E stim ação eco nom étrica. Nos últimos anos, e como resultado de uma
década de desenvolvimento formal da teoria do oligopólio (grosso modo, 1975-
1985), tem-se verificado um crescente interesse pela análise econométrica do
poder de mercado. Tipicamente, o modelo utilizado consiste numa genera­
lização dos modelos estáticos até aqui considerados. Suponhamos que o índice
de Lerner é dado por

_ P - C _ Ha
(4.4)
~ P ~ e ’
onde H é o índice de Herfindahl, e a elasticidade da procura e a um parâmetro
que indica a solução do mercado. Note-se que a = 0 implica £ = 0, o que
corresponde à solução de Bertrand; a = 1 implica.£ — H/e, a solução de
Cournot; a ~ n implica, num oligopólio simétrico (em que H = 1/n), £ = 1/e,
a solução de conluio perfeito (ou monopólio). Valores intermédios de a indicam
maior proximidade de uma ou doutra das soluções acima indicadas.
Como estimar o valor de a? Muitas vezes, é difícil estimar directamente
(4.4), pois não se conhecem os valores de Cr e/ou e. No entanto, conhecendo
80 Capítulo 4. Poder de mercado

Quadro 4.4: Derivada do preço em relação ao custo marginal para três soluções
de oligopólio.

Equilíbrio Preço de eq. 8

Monopólio 1/2

Cournot n
n+Ta + n-hl
Bertrand 0a + lc 1

variáveis correlacionadas com o valor de C \ é possível obter uma estimativa do


valor de 0 = d P f d C E sabido que quanta mais concorrencial for o equilíbrio
de mercado mais sensível é o preço a variações do custo marginal, isto é, maior
é 8. Em particular, no caso em que a procura é linear (P = a —bQ) e o custo
marginal constante (c) obtêm-se os valores do Quadro 4.4.
Uma vez estimado o valor de 8, é possível obter o valor de a. No caso
linear, temos
1 _Q
a = n -^ -. (4.5)

Variantes desta metodologia têm sido aplicadas a diversos mercados de


diversos países. Por exemplo, no mercado japonês do vidro foi estimado, para
um tipo de vidro, um valor de a entre 1 e n, e, para outro tipo de vidro,
um valor ligeiramente inferior a 1. No mercado americano de café torrado,
o modelo com maior aderência consiste numa empresa dominante e um se­
gundo grupo que se comporta à la Cournot (a = 1). Na generalidade dos ca­
sos, o equilíbrio de mercado corresponde a uma mistura das diversas soluções
acima apresentadas.19 Relativamente ao caso do sector bancário português,
vd. Exercício 4.11.

Até aqui, considerámos apenas modelos estáticos que supostamente “re­


sumem” os aspectos dinâmicos da concorrência de mercado. No entanto, há
casos em que é preferível estimar um modelo que considere explicitamente os

lüPara uma recensão destes estudos, vd. Timothy F. Bresnahan, “Empirical Studies of
Industries With Market Power”, in R. Schmalensee e R. Willig (Eds.), Hanãbook of Industrial
Organization, Amsterdam: North-Holland, 1989.
4.6. Exercícios 81

aspectos dinâmicos da concorrência, nomeadamente guerras de preços. Infeliz-


mente, isto requer a utilização de técnicas econométricas bastante sofisticadas
(v.g., m odelos com m u dança de regim e), pelo que faremos apenas uma
breve referência a duas aplicações. Ambas se referem a modelos de conluio
entre um número reduzido de empresas. O acordo entre as empresas consiste
em fixar um preço superior ao nível de concorrência e, caso haja suspeita de
desvio por parte de uma das empresas, entrar numa guerra de preços durante
um certo período. Falamos aqui de “suspeita” porque ambas as aplicações se
referem a situações de informação imperfeita em que as empresas formam as
suas conjecturas acerca dos preços dos rivais com base na procura que lhes é
dirigida.
A primeira aplicação refere-se ao mercado americano de transporte fer­
roviário no final do século XIX. O modelo estimado manifesta uma aderência
estatística notável e indica que as empresas fixam um preço a um nível se­
melhante ao do equilíbrio de Cournot (fase cooperativa) ou ao do equilíbrio
de Bertrand (guerra de preços).20 A segunda aplicação baseia-se no mercado
automóvel americano, década de 50. Neste caso, a evidência empírica aponta
para uma guerra de preços durante o ano de 1955 (neste ano, a produção
automóvel foi 45% superior à de 1954 e 1956).21

4.6 Exercícios
■ 4.1 Procure uma notícia de jornal sobre uma indústria à sua escolha. Com
base na informação disponível, caracterize as condições para a formação e
manutenção de um acordo de cartel. Qual a evidência empírica de acordos
entre empresas na indústria que escolheu?
■ 4.2* Considere um mercado com procura dada por Q — 40 - P. Existem
duas empresas, com custos marginais constantes ci = 10 e c<i = 11. Determine
a solução de Cournot e as seguintes soluções de cartel: (i) cartel eficiente sem
pagamentos laterais; (ii) cartel eficiente com partilha equitativa de lucros; (iii)
cartel com quotas de mercado idênticas. Qual (is) das soluções de cartel lhe
parece(m) factível(is)? Justifique.
■ 4.3 Considere um duopólio em que a procura é dada por P = 58 —Q/100.
2<,Cfr. Robert H. Porter, “A Study of Cartel Stability: The Joint Executive Committee,
1880-188«” , Bell Journal oj Economicss 14 (19B3), 301-314.
21Cfr. Timothy F. Bresnahan, “Competition and Cdllusion in the American Automobile
Industry: The 1955 Price War", Journal of Industrial Economics 35 (1987), 457-482.
82 C npílub 4. Poder dc merendo

A função custos de cada empresa é C = l()ç. Considera-se a possibilidade da


formação de um cartel. Sabe-se que, no caso de uma empresa desrespeitar o
acordo, tal actuação será detectada imediatamente com probabilidade 10% ou
nunca com probabilidade 90%. E também sabido que, se a quebra fio acordo
for detectada, as empresas começarão uma guerra de preços que levará a uma
situação de preço igual ao custo marginal. As tres propostas para a fixação
da quantidade a produzir pelo cartel são Q = 2400, Q —2600, e Q = 3000.
a) Determine o lucro de cada empresa correspondente a cada proposta,
supondo que as quotas são igualmcnte distribuídas.
b) Determine o montante máximo que uma empresa poderia ganhar por
desrespeitar o acordo sem que a outra empresa o saiba. (Assuma que cada
empresa fixa a quantidade a produzir e que o preço de mercado é determinado
pela oferta total.)
c) Qual a sua recomendação para este cartel? (Exercício elaborado por T.
Bresnahan.)
■ 4.4* A elasticidade da procura de viagens ao estrangeiro por residentes
americanos durante as anos 60 foi estimada em aproximadamente —4. Supo­
nhamos para já que esta é também a elasticidade da procura de viagens aéreas
entre Nova Iorque e Londres. Durante os anos 60, as tarifas nesta rota eram
fixadas pelo cartel da IATA. A IATA inclui todas as companhias que operam
no Atlânticí) Norte excepto a Icelnndic. A tarifa de economia, a meio dos anos
60, era de US$500 (ida e volta).
a) Determine a receita marginal na rota Nova Iorque-Londres.
b) Theodore Keeler estimou que o custo marginal de transportar um pas­
sageiro na rota Nova Iorque - São FVancisco (5/6 da distância Nova Iorque
- Londres) é de $85 (ida). Indique se esta informação é consistente com a
hipótese de que a IATA maximiza os lucros dos seus membros. Justifique,
indicando também possíveis explicações para a disparidade dos resultados.
c) Suponha que a IATA de facto fixa tarifas que maximizam os lucros
das suas associadas. Suponha também que dez companhias partilham com
quotas iguais o mercado Nova Iorque - Londres. Qual a receita marginal para
uma das companhias tomada individualmente? Como explica o problema da
instabilidade das cartéis? (Exercício adaptado de um exercício elaborado por
Jeremy Bulow.)
■ 4.5 Segundo Carlton e Perloff, podem considerar-se quatro teorias sobre o
comportamento da OPEP: (i) A OPEP é um cartel que maximiza o lucro; (ii)
A Arábia Saudita é uma empresa dominante; (iii) A OPEP procura objectivos
diferentes da maximização do lucro; (iv) O mercado do petróleo é competitivo.
4.6. Exercícios 83

Apresente argumentos em defesa de uma destas teorias.22


■ 4.6 Comente o seguinte texto, adaptado de The Economista IX Novembro
1989.
A indústria química tem uma longa história de comportamento não com­
petitivo. Nos anos 20, as grandes empresas formaram um acordo de divisão
de mercados: a Imperial Chemical Industries (ICI) ficou com a Grã-Bretanha
e o resto do império Inglês, as companhias alemãs com o mercado da Europa
central, c a Du Pont com os EUA e o resto do mundo. Estes acordos deveriam
ter acabado há muitos anos, quando passaram a ser considerados ilegais. No
entanto, velhos hábitos custam a desaparecer...
A reputação de comportamento anti-concorrencial nesta indústria é re­
forçada pela existência de três encontros anuais entre representantes das em­
presas (um para dirigentes, um para vendedores, e um para estrategas de
marketing).
Actualmente, fala-se de que a Comissão Europeia irá abrir um processo
contra a ICI, a Solvay e outros “gigantes” do sector europeu das químicas,
alegando que as empresas estariam a cartelizar o mercado de um determinado
produto químico utilizado no fabrico de vidro.
Em sua defesa, os industriais chamam a atenção para o facto de cada
produto ser vendido por um número muito grande de empresas e de os seis
maiores produtores nunca deterem mais de 45% do mercado. Os membros da
Comissão respondem que este facto não exclui necessariamente a possibilidade
dc conluio. Por outro lado, os industriais afirmam que mudanças na economia
são transmitidas através de mudanças nos preços, o que implica que os preços
não foram artificiaímente subidos.
■ 4.7* Num mundo em que proliferam sistemas operativos incompatíveis, o
aparecimento da Open Software Foundation (OSF), cujo objectivo principal é
o estabelecimento de uma versão estandardizada do sistema operativo Unix,
foi aplaudido por muitos. No entanto, não falta quem veja nesta associação
(que inclui a IBM, a Digital e a Hewlett-Packardf entre outras empresas),
uma ameaça à competitividade do mercado de software (The Economista 5
Maio 1990). Como regulamentador da indústria, preocupado com a eficiência
económica do sector, quais lhe parecem ser os principais conflitos existentes?
■ 4.8 Quando o mercado único se tornar um facto, todos os cidadãos da
CEE terão o direito de trabalhar em qualquer País da Comunidade. Isto
22Cfr. Dennis W. Carlton e Jeffrey M. Perloff, M o d e m In d ustrial Organization, Londres:
Scott, Foresman, 1990, (Apêndice 9B).
84 Capítulo 4. Poder de mercado

tem preocupado muito os clubes cie futebol que pensam que os clubes ricos
em Itália e Espanha irão comprar os melhores jogadores. A Juventus, por
exemplo, pagou três milhões de libras pelo galês Ian Rush, em 1986.
Numa tentativa de satisfazer aqueles que não gostariam que isto aconte­
cesse, a UEFA decidiu que nenhum clube que jogue em competições europeias
poderá alinhar com mais de quatro jogadores estrangeiros, (cfr. The Econo-
mist, 7 Maio 1988).
a) Quem são os principais beneficiados com a decisão da UEFA, e porquê?
Concretamente, qual pensa seja a posição dos grandes clubes italianos com
respeito a esta medida?
b) Como Comissário da CEE, qual seria a sua reacção à medida proposta?
E como presidente de um grande clube italiano? Justifique.
■ 4.9 Determinações do Banco de Portugal ( ...) obrigam a que em cada
agência estejam afixadas as condições que cada instituição bancária pratica nas
operações e serviços prestados aos clientes" (Diário Económico, 1 Setembro
1992). Comente, indicando, nomeadamente, o impacte desta medida no bem-
-estar dos consumidores. s
■ 4.10 Os sectores portugueses de têxteis, vestuário e calçado caracterizam-
se por (i) concentração relativamente baixa (o valor de C4 encontra-se entre
10 e 20%); (ii) elevadas taxas de exportação (cerca de metade da produção é
exportada); (iii) poder de mercado significativo por parte da procura (grandes
distribuidores internacionais).
Com base numa estimação econométrica com dados seccionais de 380 em­
presas (um número que representa metade das vendas totais dos referidos
sectores), estima-se que empresas com 1% mais de quota de mercado prati­
cam uma margem 0.7% superior (aproximadamente).23 Como explica estes
resultados, em geral e tendo em conta as especificidades deste sector?
■ 4.11 Com base em dados mensais do sector bancário português, foi esti­
mada a seguinte relação econométrica:24

Ct = 0.098 + 0.814AÍÍ,

onde Ct é a taxa de juro da Carteira Comercial para o conjunto do sistema


23Alberto Castro e António Brandão, “Does Firm Market Share Matter in Open Compe­
titivo Industries? The Case of the Portuguese Textile, Clothing and Footwear Industries”,
apresentado na 17“ Conferência Anual da E.A.R.I.E., Lisboa, Setembro 1990.
24Margarida Catalão Lopes, “Poder de Mercado, com uma Aplicação ao Mercado de
Crédito Português”, Tese de Mestrado, Universidade Nova de Lisboa, J 993.
4.6. Exercícios 85

bancário eM [ a taxa de juro do Mercado Monetário Interbancário. O rácio t


correspondente à estimativa do segundo coeficiente é de 9.272. Sabendo que a
taxa de juro do Mercado Monetário Interbancário se encontra correlacionada
com o custo m arginal de fornecer fundos, que pode dizer sobre o grau de poder
de mercado neste sector?
Capítulo 5

Barreiras à entrada

5.1 Introdução
ao tema deste capítulo, consideremos o problema de in-
c o m o in t r o d u ç ã o
determinação que se verifica na solução do modelo de concorrência perfeita.
O problema c fácil de enunciar: suponhamos que se verifica livre entrada e
ren d im en tos co n stan tes à escala (RCE); qual o número e a dimensão de
cada empresa no equilíbrio de longo prazo? Desde que o número de empresas
seja suficientemente grande, e a dimensão de cada empresa suficientemente
pequena, para que a hipótese de atomicirlade se verifique, estamos perante um
problema fundamental de indeterminaçao: qualquer número e distribuição de
dimensões c consistente com as propriedades do equilíbrio de concorrência per-
feita, nomeadamente a propriedade de que todas as empresas recebam lucros
nulos.1
Para que a. t eoria-OPSSa ter algum poder explicativo, é necessário alterar
algumas das hipóteses do modelo fie concorrência perfeita. Neste capítulo,
centrar-nos-emos em três aspectos: a tecnologia, o comportamento estratégico
e a informação. O primeiro corresponde ao abandono da hipótese de rendi­
mentos constantes à escala- o segundo, à negação da hipótese de atomicidade;
o terceiro, à alteração das hipóteses sobre informação perfeita e livre acesso às
diferentes tecnologias produtivas..
Devemos realçar, no entanto, que a tecnologia, o comportamento estraté­
gico e a informação são apenas alguns dos factores determinantes da estrutura
de mercado. Em particular, cabe referir todo um conjunto de factores a que
1Cfr. Robert E. Lucas, “Adjustment Costs and the Theory of Supply", Journal of Political
Economy 75 (1967). 321-334.

87
88 Capítulo 5. Barreiras à entrada

podemos atribuir a designação genérica de factores legais e políticos, e que


se apresentam normalmente sob a forma de barreiras legais à entrada. Por
exemplo, a C o n stituição d e 1976, ao definir sectores vedados à iniciativa
privada, constituiu durante muitos anos um dos factores mais determinantes
da estrutura de variados sectores. Antes disso, já a Lei do C ondiciona­
m en to In d u strial fora uni factor da maior importância, ao definir condições
para a criação de novas empresas e ampliação de empresas já existentes.2 A
situação de m onopólio n a tu ra l, a que nos referimos no capítulo inicial, é
um caso concreto em que o Estado pode ter um papel a desempenhar (vejam-
se os casos dos correios e telecomunicações, electricidade, água, alguns siste­
mas de transportes). Mais recentemente, a intervenção governamental neste
âmbito tem-se relacionado principalmente com a promoção da investigação e
desenvolvimento (I&D). Exemplos disto são o sistema de patentes, os grandes
programas de subsídios à investigação (nomeadamente na CE), as cláusulas de
excepção ao regime antí-trust para acordos de investigação (caso dos EUA),
etc., tudo medidas com um efeito directo sobre a estrutura de mercado.
A exclusão de todos estes factores do presente estudo não significa do forma
alguma que se tratem de factores secundários; em certos casos, são mesmo os
factores mais importantes. No entanto, o estudo do papel do Estado eiicontra-
-se para além do âmbito deste capítulo, sendo retomado no último capítulo do
livro.

■ B a rre ira s à e n tra d a , b a rre ira s à saíd a e b a rre ira s à m obilidade.


O estudo dos factores determinantes da estrutura de mercado encontra-se fre­
quentemente associado ao conceito de barreireis à en tra d a. Infelizmente,
não é possível encontrar uma definição de barreiras à entrada com que todos
os autores concordem. Para Bain, verificam-se barreiras à entrada na medida
em que, no longo prazo, as empresas instaladas possam fixar preços acima do
custo medio mínimo, sem com isso induzir a entrada de novas empresas no
mercado.34 Stigler. por outro lado, defende que as barreiras à entrada podem
ser definidas como custos que têm de ser incorridos por empresas que desejem
entrar no mercado mas não pelas empresas que já se encontram no mercado/1
Tanto a definição de Bain como a definição de Stigler têm os seus pro-

2Cfr. João Confraria, Contribuições para o Estudo dos Mercados Industriais em Portugal
— Uma Análise Económica do Condicionamento das Indústrias, Tese de Doutoramento,
Universidade Católica Portuguesa, 1990.
3Joe Bain, Industrial Organization, New York: Wiley, 1968.
4George Stigler, The Organization of Industry, Chicago: University of Chicago Press,
1983.
5.1. Introdução 89

blemas. Consideremos, por exemplo, o caso de um “monopólio natural” , en­


tendido aqui como um mercado em que uma empresa pode ser rentável se for
monopolista mas não se tiver a concorrência de uma segunda empresa (note-se,
no entanto, que esta não é a definição mais comum de monopólio natural). No
equilíbrio de longo prazo deste mercado, apenas uma empresa estará activa; e
esta, supostamente, fixará urn preço superior ao mínimo do custo médio. Por
conseguinte, verificam-se barreiras à entrada segundo a definição de Bain. No
entanto, este equilíbrio é compatível com a hipótese de que a empresa insta­
lada e os potenciais entrantes tenham a mesma tecnologia, não se verificando,
por conseguinte, barreiras à entrada segundo a definição de Stigler. Qual a
definição correcta?
Problemas de definição semelhantes encontram-se também quanto aos con­
ceitos de barreiras à saída e barreiras à mobilidade. Diz-se que se verificam
b arreira s à saíd a quando uma empresa instalada tem de incorrer, directa
ou indirectamente, num custo para sair do mercado. Por exemplo, a cessação
de uma exploração mineira implica custos com o fecho da mina; este é um
custo directo. Uma empresa proprietária de capital físico não amortizado —
e específico do negócio — que queira sair do mercado, incorre num custo de
oportunidade por não ser possível vender esse capital ou aplicá-lo em activí-
dades alternativas; este é um custo indirecto.
- O conceito de b a rre ira s à m obilidade, finahnente, procura generalizar
os conceitos de barreiras à entrada e barreiras à saída. A entrada num deter­
minado segmento de um determinado mercado dá-se não somente por entrada
de empresas completamente novas mas também por empresas já instaladas
noutros segmentos. Segundo R. Caves e M. Porter, o que impede as empresas
de livremente escolherem um segmento ou outro é o facto de possuírem activos
cuja utilidade é específica do segmento em que se encontram. E justamente a
existência destes activos específicos que constitui as chamadas barreiras à mo­
bilidade (assim, o conceito de barreiras à mobilidade aproxima-se da definição
de Stigler de barreiras à entrada).5
Ao longo deste capítulo, a questão da definição formal do conceito de
barreiras à entrada é relegada para um plano secundário. Assim, e apesar
da escolha do título do capítulo, o objectivo consiste no estudo dos factores
que determinam a estrutura de mercado, sejam eles tecnológicos, sejam eles
estratégicos, sem grande preocupação pela designação genérica que possam ter

5Richard E. Caves e Michael E. Porter, “Prom Entry Barriers to Mobility Barriers: Con­
jectural Decisions and Contrived Deterrence to New Competition’’, Quarterly Journal of
Economics 91 (1977), 241-2(i7.
90 Capítnk) 5. Barreiras à entrada

(para alem, claro está, da designação de “faetores determinantes da estrntnra


de mercado”).

5.2 Tecnologia
Os faetores tecnológicos relevantes para a determinação da estrutura de mer­
cado podem relacionar-se com o conceito de econom ias d e escala. A ideia
subjacente ao conceito de economias de escala é que a eficiência produtiva c
maior quando as empresas são maiores. Começaremos esta secção com uma
definição do conceito de economias de escala em sentido estrito, fazendo ainda
referência a outros conceitos relacionados, também estes consistentes com a
ideia de que “quanto maior melhor”.

5.2.1 Definição de economias de escala


Suponhamos que a função produção de cada empresa é homogénea de grau 0:

9 = /(A.-C) = A"/(*), (5.1)


onde x é a quantidade de factor produtivo e A > 0 é um factor multiplica­
tivo qualquer.6 Para que se verifiquem rendimentos constantes à escala, é
necessário que 0 = 1 : duplicando (A = 2) a quantidade do factor produtivo, a
produção vem também duplicada. No entanto, verifica-se em muitas situações
que o valor de 0 é superior a 1. Estamos então perante uma situação de ren ­
d im entos crescentes à escala: duplicando (A = 2) a quantidade do factor
produtivo, a produção vem mais que duplicada, concretamente multiplicada
por 26 > 2. Esta situação é também designada por econom ias de escala. O
valor de 0, por seu turno, é designado por g ra u de econom ias de escala.
Frequentemente, a situação de economias de escala é investigada em relação
à função custo da empresa. Verificando-se economias de escala, o custo de
duplicar a produção é menos que duplicado, isto é, a elasticidade do custo em
relação ao nível da produção é inferior a 1. De facto, escolhendo A = x e x = 1
em (5.1), temos

? = *7 (1 ), (5-2)
donde
GA. hipótese de homogeneidade simplifica a análise consideravelmente; note-se no entanto
que a função do produção não tem de ser homogénea para os efeitos considerados nesta
secção.
5.2.; Tecnologia, 91

Inq — G lnx + l n f ( l ) , (5.3)


e
_ d ln x _ 1
(5.4)
xq d Inq 0
Se o custo do factor produtivo, w, for constante, então a elasticidade do custo
total C — wx em ordem ao nível da produção será também dada por i/0:

_ d ln (w x) _ 1
(5.5) *
eGlí Õ Inq 6
Assim, concluímos que se verificam rendimentos crescentes à escala se e só se
a elasticidade do custo em relação ao nível da produção for inferior a 1. Logo,
as duas noções de economias de escala são idênticas.
Para finalizar, recordemos que a elasticidade da função custo pode ser
interpretada como a razão entre o custo marginal e o custo médio:

= ?Çl ± - Ç l (5.6)
iCq~ dq c ~ c r
Desta forma, encontramos as seguintes proposições equivalentes:

• Verificam-se rendimèntos crescentes à escala;

• Verificam-se custos decrescentes à escala;

• O grau de homogeneidade da função produção é superior a 1;

• A elasticidade da função custo em relação à produção é inferior a 1;

• A função custo médio é decrescente;

• O custo marginal é inferior ao custo médio.

Por outro lado, as proposições acima não são equivalentes às seguintes


proposições (embora se encontrem proximamente relacionadas):

• A função custo marginal é decrescente;

• A função custo é s u b - a d itiv a , propriedade que se verifica quando o


custo de produzir a quantidade q com uma empresa apenas é inferior ao
custo de produzir a mesma quantidade com duas ou mais empresas.
o
* Ò (L c - ç fL. t - 0^ ^ 10 d a'*c- - v
c ou- a t- dl f- <m -
r
A
92 Capítulo 5. Barreiras à entrada

Tal como referimos na introdução desta secção, a ideia de que “quanto


maior melhor’* é caracterizada por outros conceitos que não as economias de
escala em sentido estrito. E este o caso da sub-aditividade, propriedade muito
importante para a definição de um monopólio natural. Concretamente, a sn h -
aditividade da função custos é condição necessária e suficiente para que um
sector seja considerado monopólio natural.7
Na literatura empírica, é muito comum caracterizar as economias de es­
cala com base no conceito de escala m ínim a eficiente. A escala mínima
eficiente (EME) é atingida quando o custo médio se aproxima do mínimo do
custo médio. Como se pode ver, trata-se de um conceito pouco preciso de
um ponto de vista teórico. A popularidade do conceito para efeitos de análise
empírica deriva, entre outros factores, do facto de as curvas de custo médio
terem frequentemente a forma de um U achatado, isto é, decrescentes até um
certo valor (a EME), aproximadamente constantes até um segundo valor, e
crescentes a partir daí.
As formas de determinar o valor da EME são diversas. Uma possibilidade
consiste em estimar econometricamente a função custos. Alternativamente,
a função custos pode ser derivada directamente a partir de estudos de enge­
nharia e contabilidade.8 G. Stigler sugeriu o denominado te s te de sobre­
vivência: num mercado relativamente concorrencial, o preço será fixado num
nível próximo do mínimo do custo médio. As empresas com custo médio su­
perior ao preço não conseguirão sobreviver em tal mercado. A EME é então
um limite inferior da dimensão das empresas que sobrevivem.9
Outros dois conceitos muito importantes são as economias de gama e as
economias de experiência. Diz-se que se verificam econom ias de gam a i 1'-l‘Vn<
quando o custo de produzir as quantidades qi e 92 de dois produtos deter­
minados é inferior ao custo de produzir essas quantidades separadamente, isto
é,

C{qu q2) < C (qu 0) + C(0,q2). (5.7)


Um exemplo trivial de economias de gama é dado pelos serviços de transporte:
7Cfr. William J. Baumol, “On the Proper Tests for Natural Monopoly in a Multiproduct
Industry", American Economic Review 67 (1977), 43-57.
“Isto é, estudos em que se determinam os factores produtivos necessários para a produção
de uma certa quantidade, sendo posteriormente adicionados os custos com cada um «lesses
factores produtivos,
9Cfr. George Stigler, “Economies of Scale", Journal of Law and Economics 1 (1958),
54-71. Reimpresso em The Organization of Industry, Chicago: University of Chicago Press,
1983.
5.2. Tecnologia 93

o custo de transportar passageiros entre Lisboa e o Porto (de autocarro, por


exemplo) é inferior ao custo de os transportar de Lisboa para o Porto (num
autocarro) mais o custo de os transportar do Porto para Lisboa (mim outro au­
tocarro). Um exemplo mais importante, em que a existência de economias de
gama é menos evidente, corresponde à oferta de serviços de telecomunicações
locais e interurbanas. Esta questão teve um papel central na discussão e na
decisão sobre a manutenção do monopólio da AT& T no mercado americano
das telecomunicações; aliás, o conceito de economias de gama foi desenvolvido
em grande medida motivado por esta discussão.10*12
As econom ias de experiência, último conceito referido nesta secção,
correspondem à situação em que o custo médio de produção é decrescente com
a experiência da empresa. Os índices de experiência podem ser vários, como
por exemplo a idade da empresa. O mais comum é, sem dúvida, a quantidade
produzida ao longo do tempo. Por este motivo, muitos autores referem-se às
economias de experiência como econom ias de escala d in âm icas.11 São
muitos os sectores em que a evidência empírica aponta para fortes economias
de experiência. Dois sectores que merecem especial realce são a. construção
aeronáutica e os semicondutores.

5.2.2 Economias de escala e estrutura de mercado


Suponhamos que a função custo total é dada por C = F + cqi, onde F é o
custo fixo, c o custo marginal, e qi a quantidade produzida. Esta é porventura
a forma funcional mais simples evidenciando economias de escala. De facto,
o custo médio é dado por C — F/qi + c, valor decrescente com q^ A curva
de procura é dada por Q = S(a —P) (ou P = a —Q fS ), onde Q s £ Qi é a
quantidade total. S ê uma medida da dimensão do mercado: quanto maior
for o valor de S maior é a procura; duplicando o valor de S, a procura de
mercado, para cada preço, duplica também.
Relativamente ao comportamento das empresas, vamos supor que se veri­
fica livre entrada no mercado e que as empresas activas (isto é, as empresas
que entram no mercado) se comportam como oligopolistas de Cournot.
O lucro total de cada empresa é dado por

n —(a —Q /S —c)qi —F. (5.8)


10Cfr. John Panzar e Robert Willig, “Economies of Scope”, American Economic Review
71 (1975), 268-272.
n Cfr. Michael Spence, “The Learning Curve and Competition” , Bell Journal of Economics
12 (1981), 49-70.
94 Capítulo 5. Barreiras à entrada

Por seu turno, a condição de primeira ordem para a maximização do lucro é


dada por

a - Q fS —c - qi/S = 0. (5.9)
Num equilíbrio simétrico (g* = q),

(5.10)
Substituindo em (5.8), temos

n(n) = (a - Q / S - c ) S ~ - F
n +1

(5.11)

Enquanto o lucro de equilíbrio para uma empresa activa for positivo, mais
empresas entrarão no mercado. O equilíbrio de longo prazo será atingido
quando o número de empresas activas, n, for tal que

n(n) > 0 e n(ft + 1) < 0. (5.12)


Igualando o lado direito de (5.11) a zero e resolvendo em ordem a n, con­
cluímos que n(ra) = 0 implica

(5.13)

Logo, o valor de n será dado por

(5.14)

onde [a;] significa o maior inteiro menor que x (função característica).


Com base em (5.14), concluímos que n é crescente em S e a, e decrescente
em c e F: quanto maior for o mercado (a, 5), ou quanto menores forem os
custos (c, F), maior é o número de empresas activas que é possível “acomodar"
em equilíbrio. Nada disto é surpreendente. Deve notar-se, no entanto, que a
relação entre n e S não é proporcional. De facto, para valores elevados de
t qi ■= S ( ^ - 0

V - s U “°
5.2. Tecnologia 95

n, a relação entre S e n é quadrática: para duplicar o número de empresas


em equilíbrio, é necessário quadnLplicar a dimensão do mercado; ou, visto de
outra forma: se a dimensão do mercado duplicar, o número de empresas em
equilíbrio apenas aumenta em cerca de 40% (\/2 —1, mais especificamente).
Porque esta relação não proporcional? Se o preço de mercado fosse cons-
tante (em relação ao número de empresas), então a relação entre dimensão do
mercado e número de empresas seria homotctica, No entanto, ao aumentar o
número de empresas, o mercado torna-se mais competitivo, isto é, a margem
p —c decresce. Sendo assim, o lucro variável por unidade de dimensão do
mercado decresce também, o que limita o número de empresas que o mercado
pode sustentar.
Um segundo aspecto derivado deste modelo é a ideia de que os custos fixos
(as economias de escala, em geral) funcionam como urna barreira à entrada.
Esta ideia não é, no entanto, inteiramente óbvia: se é verdade que o número de
empresas decresce com um aumento de F (aumento a que está associado um
maior grau de economias de escala), não é menos verdade que um aumento
de c (a que está associado um menor grau de economias de escala) implica
também um decréscimo do número de empresas. O que é importante é que
o número de empresas diminui quando se aumenta o grau de economias de
escala, controlando o valor do custo total
Para verificar este facto, consideremos primeiro o caso em que F « 0, isto
é, as economias de escala'são praticamente inexistentes. Sejam p, q e n o
preço, a quantidade e o número de empresas de equilíbrio neste caso. Dado
F ss 0, e verificando-se livre entrada, temos p « c (caso contrário, o lucro de
cada empresa seria positivo). Consideremos agora o extremo oposto, c = 0 e
F > 0, caso em que o grau de economias de escala é máximo. Concretamente,
suponhamos que o valor de F é tal que o custo total é o mesmo, dado o número
de empresas e quantidade de equilíbrio do caso inicial: n F = qc, ou

F = qcfn. (5.15)

Será esta uma situação sustentável, isto é, poderá o mesmo mercado com
a nova tecnologia suportar n empresas? A resposta é negativa. Como se pode
verificar em (5.10), o preço de equilíbrio não depende dó custo fixo, apenas
depende do custo variável (e de outras variáveis e parâmetros não relacionados
com a função custo). Ora, na nova situação o custo marginal é inferior. Logo,
dado o mesmo número de empresas, o preço de equilíbrio, p', seria inferior a
p. Mas então o lucro de cada empresa seria dado por
96 Capítulo 5. Barreiras à entrada

p'(q/n) - F ~ p’{qfn) ~qc/n = {p - c){qjn) <{p~ c){qjn) « 0, {5.16}


onde a primeira igualdade é implicada por (5.15). Isto é, o lucro de cada
empresa seria negativo, o que contradiz a hipótese de que o mercado sustenta
n empresas.
A intuição para este resultado é a seguinte: quanto maior o grau de eco­
nomias de escala, menor o valor do custo marginal. Quanto menor o custo
marginal, menor o preço de equilíbrio. Quanto menor o preço de equilíbrio,
menor a receita total do mercado (para a mesma quantidade). Finalmente,
quanto menor a receita total, menor o número de empresas que o mercado
pode suportar, para uma dada tecnologia.
Para considerar um caso ainda mais extremo, suponhamos que a variável
estratégica escolhida pelas empresas activas é o preço e não a quantidade; e
mantenhamos a hipótese de que a função custo tem a forma C — F + cq.
Como vimos no Capítulo 3, o equilíbrio de mercado é tal que, existindo mais
do que uma empresa activa, p = c. Logo, se mais do que uma empresa entrar
no mercado, U = (p — c)q — F = —F, valor negativo se F > 0. Logo, basta
F > 0 para que em equilíbrio apenas uma empresa entre no mercado!

5.2.3 Economias de escala e rentabilidade


Uma das ideias principais da análise “estrutura-comportamento-resultados” é
a da relação positiva entre as barreiras à entrada (nomeadamente economias
de escala) e a rentabilidade das empresas. No entanto, se admitirmos que a
entrada é livre, torna-se difícil justificar esta relação. Para qualquer valor de
F (ou para qualquer grau de economias de escala), o lucro de cada empresa,
em equilíbrio com livre entrada, ê aproximadamente igual a zero. E claro que,
quanto maior for o custo fixo de entrada, maior será o lucro variável; mas, se
incluirmos os custos fixos de entrada no cômputo da rentabilidade da empresa
— e outra coisa não faria sentido —, então o lucro total será aproximadamente
nulo devido à livre entrada.
A Figura 5.1 oferece uma primeira explicação para este “paradoxo” . Nesta
figura encontram-se representados o lucro de monopólio e o lucro de duopólio
(à Cournot) em função do custo marginal, constante por hipótese. (Tal como
vimos no Capítulo 3, o lucro de equilíbrio é dado por (a —c)2/(b(n + l ) 2).) A
questão a que se pretende responder com esta figura é a seguinte: qual o lucro
máximo que uma empresa pode obter numa situação de livre entrada, e como
5.2. Tecnoiogiã 97

i^n^na

Figura 5.1: Economias de escala, livre entrada, e lucros.

varia este valor em função do grau de economias de escala? É fácil verificar


que as situações de lucro máximo correspondem ao caso de monopólio. Ora,
para que exista um monopólio numa situação de livre entrada, é necessário
que o custo fixo seja pelo menos igual ao lucro variável de um duopolista, Ife.
Assim, se marcarmos o valor de F no eixo vertical da Figüra 5.1, temos que
todos os pontos ao longo da curva II2 correspondem a um lucro líquido nulo
em situação de duopólio; ou seja, as combinações de F e c dadas pela curva
II 2 correspondem a situações em que a estrutura de monopólio é consistente
com a livre entrada. Ao longo desta curva, à medida que nos aproximamos do
eixo vertical (v.g., o ponto B relativarnente ao ponto A), o grau de economias
de escala aumenta (note-se que tanto F aumenta como c diminui). Por outro
lado, o lucro da empresa monopolista (a diferença IIi —F, que por construção
é igual a IIi —II2 ) aumenta também (6 > a). Assim, conclui-se que quanto
maior for o grau de economias de escala, maior é o lucro qíáximo possível
numa situação de livre entrada.
Encontramos assim uma primeira justificação para a ideiàde que as econo­
mias de escala constituem uma barreira à entrada, barreira essa que permite
sustentar lucros superiores mesmo numa situação de livre efitrada. Esta jus­
tificação não explica, no entanto, a vasta e significativa evidência empírica do
efeito das economias de escala sobre a rentabilidade das empresas; explicações
98 Capítulo 5. Barreiras à entrada

ai ter nativas são portanto requeridas.


Um segundo argumento aponta para o facto de as condições do mercado
(procura, número de empresas concorrentes, etc.) serem frequentemente des­
conhecidas peias empresas entrantes. Sendo assim, a decisão de entrar é tão
mais arriscada quanto maiores forem as custos de entraria (e quanto menos re­
versível for a decisão de entrar, cfr. Secção 5.2,4). Por outro lado, um aspecto
associado ao risco de entrada é o custo (e a probabilidade) de financiamento.
Quanto maiores forem as economias de escala, maiores são os custos de en­
trada, e maior é a dificuldade de obter o financiamento necessário. Em ambos
os casos, o “prémio” do risco da decisão de entrar corresponde justamente a
uma maior rentabilidade esperada das empresas que efectivamente entram.
Finalmente, uma terceira explicação é que as empresas já instaladas empre­
gam estratégias especialmente destinadas a evitar a entrada de novas empresas
no mercado. Esta possibilidade será considerada mais à frente neste capítulo.
Aí veremos que a estratégia de criar barreiras à entrada é mais fácil (piando
as economias de escala forem superiores.

5.2.4 Custos fixos e custos irreversíveis


Uma forma semelhante de barreira tecnológica à entrada é dada pelos chama­
dos “custos irreversíveis” ou “custos irrecuperáveis” (ou “custos afundados",
traduzindo literalmente sunk casts).
Um exemplo clássico de custos irreversíveis são os carris utilizados no trans­
porte ferroviário. Depois de colocados no chão, o valor deste investimento em
qualquer aplicação diferente do>transporte ferroviário para que foi destinado é
essencialmente nulo: o custo de extracção dos carris é provavelmente superior
ao valor de sucata do metal. Por outro lado, o custo de instalação dos carris
é independente quer do número de anos que venham a ser utilizados quer do
volume de tráfego durante esse período.
Em contraste, um exemplo clássico de custo fixos mas não irreversíveis é
o equipamento de transporte aéreo. O caso em que que as companhias obtêm
os seus aviões por leasing' é especialmente elucidativo. Por cada período de
operação, a companhia tem de pagar um valor equivalente à amortização do
avião durante esse período. O contrato de leasing pode ser terminado ao fim de
qualquer ano. Logo, o custo de equipamento não é irreversível; antes, é (apro­
ximadamente) proporcional ao período de duração do “projecto”. Trata-se, no
entanto, de um custo fixo, pois, em cada período, o custo de equipamento não
depende do número de passageiros transportados (ou do índice da produção,
seja ele qual for). (Esta análise é obviamente algo simplista. A amortização
5.2. Tecnologia 99

de um avião depende do volume de tráfego, nomeadamente horas de voo, pelo


que o custo de equipamento não é exactamente um custo fixo.)
Qual a diferença entre custos fixos e custos irreversíveis? Em ambos os
casos, trata-se de custos que não dependem do volume de produção. Mas
no caso dos custos irreversíveis trata-se de custos que também não dependem
da duração do período de produção (a vida útil de um produto ou de uma
empresa).
Deve dizer-se, no entanto, que a diferença entre custos fixos e custos irre­
versíveis é apenas uma diferença de grau. Os custos fixoS são independentes
do volume de produção em cada período. Mas então, se adoptarmos um
“período” suficientemente longo, os custos irreversíveis passam também a cus­
tos fixos. Questão semelhante se põe, aliás, com a definição de curto prazo.
E costume considerar os custos de capital como custos fixos no curto prazo; e
os custos com trabalho e outros factores de produção como custos variáveis,
também no curto prazo. Mas, se considerarmos um período suficientemente
curto {um mês, por exemplo), então os custos de trabalho devem também
considerar-se como custos fixos. Uma vez pagos os salários do mês, o volume
total de salários não depende do volume de produção desse mês (contando que
o volume de produção não seja muito elevado).
Em última análise, é tudo uma questão de bom senso. Normalmente,
considera-se como período o ano. Os custos que se podem variar ao longo do
ano são tomados como custos variáveis. Os custos que se podem variar de ano
para ano mas, dentro de cada ano, não variam com a quantidade produzida,
são tomados como custos fixos. Finalmente, os custos que são fixos por um
período de vários anos são tomados como custos irreversíveis.
Qual a importância da distinção entre custos fixos, è custos irreversíveis.
do ponto de vista da determinação da estrutura de mercado? Consideremos o
caso de um mercado em que o lucro de equilíbrio com ,uína e duas empresas
é dado por U M e , respectivamente, sendo por hipótese H M > XlD > 0.
Suponhamos que o custo fixo de entrada, F , é tal que IIM > F > 11°, não
se verificando quaisquer custos variáveis; isto é, o mercado é suficientemente
lucrativo para uma empresa mas não para duas empresas (oú mais). Ora, dada
a falta de coordenação entre as decisões de entrada das empresas — o mundo
“real” encontra-se muito longe da hipótese de informação perfeita idealizada
pela teoria —, é de esperar que, com alguma probabilidade, mais do que uma
empresa decida entrar no mercado em determinado período. No entanto, uma
situação de lucros negativos seria neste caso necessariam ente tem porária: m ais
tarde ou mais cedo, uma das empresas sairia do mercado, deixando a outra
numa situação de monopólio.
100 Capítulo 5. Barreiras à entrada

Suponhamos agora que o custo de entrada é um custo irreversível: ao


entrar no mercado, cada empresa tem de pagar o montante S ~ F /r (onde
7* é a taxa de juro); isto é, cada empresa tem de pagar o valor actualizado
do pagamento de F por cada período futuro. Dada a equivalência entre S e
F, o número de empresas que o mercado pode suportar, ex ante, é ainda o
mesmo: um. De facto, o fluxo de lucros em situação de monopólio e duopólio
seria dado por IIMf r e IID/ r , pelo que IIM(r > S > IID/r. A diferença
crucial entre esta situação e a situação de custos fixos é que, se por “engano”
mais do que uma empresa decidir investir e pagar o custo irreversível, então
esta situação torna-se um fait acompli: dado que as duas empresas pagaram
o custo irreversível S, o melhor que têm a fazer é manter-se no mercado, pois,
a posteriori, apenas o lucro variável é relevante, e esse é positivo (11° > 0).
Uma segunda implicação da irreversibilidade dos custos de entrada é dada
pelo chamado fenómeno de h isterese {ou, inércia) das quotas de mercado
em relação a variações da taxa de câmbio.12 Durante a primeira metade dos
anos 80, o valor do dólar americano subiu muito acima do valor de longo-
-prazo. Como resultado desta sobrevalorização, muitas empresas europeias e
japonesas aumentaram as suas exportações para os Estados Unidos, e o défice
comercial americano subiu até níveis nunca antes vistos.
A tendência altista do dólar inverteu-se a partir de 1985. No entanto, o
défice americano não baixou tanto como muitos esperavam. Uma explicação
para este “paradoxo” reside no facto de a actividade de exportação implicar o
investimento de custos irreversíveis destinados à entrada em mercados exter­
nos. Assim sendo, para que a decisão de exportar seja tomada, é necessário
que a taxa de câmbio se encontre a um nível muito favorável, por forma a que
os lucros futuros compensem o custo irreversível de entrada. Pelo contrário,
após a decisão de entrar no mercado externo ter sido tomada, é necessário
que o nível da taxa de câmbio baixe bastante para que a empresa decida sair
do dito mercado; neste caso, o que interessa é apenas que os lucros esperados
sejam positivos, não que compensem o valor dos custe® de entrada.13
Situação semelhante à da histerese na decisão de exportar é a da decisão
de abrir (e fechar) uma mina. Neste caso, a variável aleatória correspondente
à taxa de câmbio é a cotação internacional do metal extraído da mina (cfr.
Exercício 5.20).
12Segundo o Dicionário da Porto Editora, “histerese” é o “fenómeno físico que consiste em
os pares de valores correspondentes de duas grandezas, que são função uma da outra, não se
repetirem do mesmo modo quando variam no mesmo sentido ou em sentido contrário.”
l3Para uma análise formal, vd. Richard Baldwin, “Hysterisis in Trade” , mimeo, M.I.T.,
1986.
5.3. Comportamento estratégico 101

Figura 5.2: Equilíbrio sem custos de entrada: entrada não bloqueada

5.3 Comportamento estratégico


Nas secções anteriores, considerámos casos em que as empresas decidem simul­
taneamente a entrada no mercado, isto é, considerámos modelos simétricos.
No entanto, é bem mais comum a situação em que algumas das empresas se
encontram já instaladas, enquanto que outras contemplam a' possibilidade de
entrar. Esta assimetria, aliada à hipótese de que o número de intervenientes é
pequeno, permite a introdução do comportamento estratégico como barreira
à entrada.

5.3.1 Preço limite


Começamos por analisar o problema de uma empresa instalada (Empresa 1)
que escolhe a capacidade de produção. Esta empresa, inicialmente na situação
de monopolista, toma a decisão de capacidade tendo em vista a possibilidade
da entrada de uma segunda empresa (Empresa 2). Na análise que se segue,
é feita a hipótese de que, qualquer que seja a capacidade fixada pela empresa
instalada, a empresa entrante tem como expectativa qué, verificando-se a en­
trada, a empresa instalada utilizará toda a sua capacidade.' Isto corresponde
aproximadamente ao p o stu lad o d e Sylos.14 Mais tarde discutir-se-á a ra-
zoabilidade desta hipótese.
Suponhamos inicialmente que o custo de entrada é nulo. Então, a decisão
óptima por parte da empresa entrante deverá ser entrar e escolher uma capaci-

14Cfr. Paolo Sylos-Labini, Oligopoly and Technical Progress, Cambridge: Harvard Univer­
sity Press, 1962.
102 Capítulo 5. Barreiras à entrada

dade/quantidade produzida dada por uma curva de reacção como no modelo


de Cournot. Esta curva vem descrita na Figura 5.2. Tendo conhecimento
desta estratégia, a capacidade óptima a escolher pela empresa instalada será
dada pelo ponto de tangêncía entre a curva de reacção da empresa entrante
e as curvas de isolucro da empresa instalada. Este é o ponto pertencente à.
curva de reacção da empresa entrante a que corresponde um maior lucro da
empresa instalada. (Recorde-se que o lucro da empresa instalada aumenta na
direcção Sul, isto é, ITJ < ITj*, sendo o máximo obtido no ponto {QM, 0).)
Assim, concluímos que a capacidade óptima para a empresa instalada é dada
por qf, sendo o lucro correspondente dado por IIÍ. (Esta solução corresponde
ao equilíbrio de Stackelberg derivado no Capítulo 3, com a diferença de as
estratégias consideradas serem capacidades de produção e não quantidades.)
Suponhamos agora que a empresa entrante terá de suportar um custo de
entrada F. Ora, como é sabido do estudo do modelo de Cournot, as pontos
ao longo da curva de reacção da empresa entrante correspondem a um lucro
decrescente à medida que se caminha para Sudeste, sendo o máximo dado
por (OjQ^) (lucro de monopólio) e o mínimo (Qc , 0) (lucro variável nulo).
Logo, existirá um ponto ao longo da curva de reacção tal que o lucro variável
é exactamentc igual ao custo de entrada F. Então, a nova curva de reacção
da empresa entrante inclui agora uma descontinuidade neste ponto (cfr. Fi­
gura 5.3): à direita, isto é, para valores de qi superiores, a estratégia óptima
da empresa entrante é não entrar, isto é, fixar ~ Í 2 ~ 0*
Esta descontinuidade da curva de reacção é crucial para a determinação
da estratégia óptima da empresa instalada. Como se pode verificar pela Fi­
gura 5.4, a curva de isolucro da empresa instalada que intersecta (^((/í} ma's
5.3. Comportamento estratégico 103

a Sul é agora I I I n s t a l a n d o uma capacidade correspondente a qv a em­


presa instalada leva a que a estratégia óptima da Empresa 2 seja não entrar.
Estamos por conseguinte numa situação em que a entrada é bloqueada.
Esta estratégia é frequentemente designada por e stra té g ia de preço li­
m ite, querendo com isto dizer-se que a empresa instalada fixa, ou ameaça
fixar, um preço tão baixo que a segunda empresa não consegue cobrir os cus­
tas de entrada. Esta situação vem descrita na Figura 5.5. Partindo da curva da
procura e conhecendo a capacidade fixada pela empresa instalada, çf', obtém-
-se a procura residual da empresa entrante, )■ O valor de q[' é escolhido
de tal forma que a curva de procura residual seja tangente à curva de custo
médio da empresa entrante, C2 . O valor do preço resultante desta estratégia,
pL, é então designado por preço limite.
Exemplos em que empresas monopolistas ou dominantes mantêm um ex­
cesso de capacidade são relativamente abundantes. No entanto, é difícil atri­
buir esse excesso de capacidade ao objectivo estratégico de bloquear a entrada.
Por um lado, o excesso de capacidade pode resultar do desejo de cobrir a pro­
cura mesmo nos períodos em que esta é anormalmente elevada. Assim, na
maioria das voos da TAP encontram-se lugares vazios, não se podendo no en­
tanto falar de excesso de capacidade no sentido estratégico. Por outro lado, o
excesso de capacidade pode simplesmente resultar de um erro de planeamento,
do que o projecto de Sines é exemplo eloquente.15
Um caso muito discutido em que o excesso de capacidade parece ter se­
guido o objectivo estratégico de evitar a entrada de novos concorrentes é o da

15Cfr. J. M. Amado da Silva, Economia Industrial e Excesso de Capacidade, Lisboa: Ins­


tituto de Novas Profissões, 1991.
104 Capítulo 5. Barreiras à entrada

expansão da empresa química Dupont durante os anos 70;16 mas mesmo neste
caso podem apresentar-se argumentos diferentes do modelo apresentado nesta
secção.17

■ C redibilidade. No modelo do preço limite é feita a hipótese de que,


verificando-se entrada, a empresa instalada utiliza toda a sua capacidade, isto
é, q\ — K \. Com base nesta hipótese, deriva-se uma solução que corresponde
a um equilíbrio de Nash: dada a estratégia da empresa instalada, incluindo
a ameaça de que fixará q\ = K\> a estratégia óptima da empresa entrante
consiste em não entrar. Mas, será esta uma estratégia credível? Não necessa­
riamente. Suponhamos que a entrada da Empresa 2 se verifica efectivamente
(talvez por engano). Dado este fait acompli, e supondo que as empresas con­
correm agora como oligopolistas de Cournot, a quantidade óptima da empresa
instalada corresponde à quantidade de equilíbrio de Cournot, quantidade essa
que não corresponde necessariamente a q\ ~ K \.
Para que se obtenham soluções do modelo (mais geralmente, equilíbrios

1GCfr. Elisabeth Hall, “An Analysis of Preemptive Behavior in the Titanium Dioxide
industry” , International Journal of Industrial Organization 8 (1990), 469-484.
t7Cfr. Pankaj Ghemawatt, “Capacity Expansion in the Titanium Dioxide Industry”, Jour­
nal of Industrial Economics 32 (1984), 145-163.
5.3. Comportamento estratégico 105

de Nash) que não enfermem deste vício — o vício de estarem baseadas em


am eaças não credíveis — devem escolher-se apenas estratégias que sejam
óptimas “aconteça o que acontecer”. Formalmente, isto corresponde ao con­
ceito de equilíbrio de Nash perfeito na forma extensiva (tradução do inglês
subgam e perfect), cujo estudo está para além do âmbito deste texto.
Deve notar-se no entanto que, embora o equilíbrio encontrado acima não
seja necessariamente perfeito, é possível encontrar equilíbrios perfeitos em que
se verifica excesso de capacidade.18 Além disso, a credibilidade de uma es­
tratégia de preço limite, ou da ameaça de expandir a capacidade como reta­
liação da entrada, pode ser recuperada no contexto de modelos com informação
assimétrica. Por um lado, se a Empresa 2 desconhecer o custo de produção da
Empresa 1, então a Empresa 1 pode ter interesse em fixar preços baixos com o
objectivo de revelar, ou sinalizar, que o seu custo de produção é baixo, desta
forma desencorajando a entrada.19 Por outro lado, situações em que uma em­
presa instalada seja ameaçada de uma forma repetida, podem tornar credível
uma ameaça aparentemente não credível, como seja uma guerra de preços ou
outra prática predatória em que todos perdem. A ideia é que, desta forma,
a empresa instalada ganha a reputação de empresa “má” e/ou “irracional”,
isto é, empresa que sempre retalia a entrada. Esta reputação, por seu turno,
permite evitar a entrada em períodos futuros.20

5.3.2 Proliferação de produtos


O preço, a quantidade e a capacidade de produção não são as únicas variáveis
estratégicas relevantes; aliás, como veremos no Capítulo 8, nem são neces­
sariamente as mais importantes. Nesta secção, consideramos a escolha das
características do produto como forma de barreira à entrada de novos concor­
rentes. O modelo aqui apresentado é um caso particular (e muito simplificado)
do modelo de Hotelling, cuja formulação geral será introduzida no Capítulo 8.
Seja um mercado composto por consumidores dispostos uniformemente
ao longo de um segmento de recta. Suponhamos que o preço fixado por cada
empresa é o mesmo (por exemplo, porque se trata de um preço regulamentado):
ltíCfr. Avínash Dixit, “The Role of Investment in Entry Deterrence” , Economic Journal
90 (1981), 95-106.
1JCfr. Paul MUgrom e John Roberts, “Límit Pricing and Entry Under Incomplete Infor­
mation: An Equilibriuni Analysis” , Econométrica 50 (1982), 443-459. Sobre a noção de
“sinalização”, vd. Exercício 8.12.
2üCfr. David Kreps e Robert Wilson, “Reputation and bnperfect Information” , Journal of
Ecoriomic Theory 27 (1982), 253-279. Paul Milgroin e John Roberts, “Predation, Reputation
and Entry Deterrence”, Journal of Economic Tkeory 27 (1982), 280-312.
106 Capítulo 5. Barreiras à entrada

Pi — Pj = P- A escolha dos consumidores é então ditada pela localização das


empresas — cada consumidor escolhe o vendedor mais próximo. (Se dois
vendedores se localizarem no mesmo ponto, então a escolha entre estes dois
é tal que cada vendedor recebe metade da procura que lhes é dirigida.) Por
outro lado, a variável estratégica de cada empresa resume-se à localização dos
postos de venda.21
Suponhamos que a escolha da localização se dá de uma forma sequencial:
inicialmente, a primeira empresa (a empresa instalada) escolhe a sua loca­
lização, i; de seguida, a segunda empresa (entrante), tendo conhecimento de
i, escolhe a localização j. E possível concluir que o único equilíbrio de Nash
consiste em escolher i — 1/2 e j — 1/2. De facto, se a primeira empresa es­
colher i ^ 1/2, a sua quota de mercado será inferior a 1/2 (o valor obtido cm
equilíbrio), pois a segunda empresa escolherá uma localização imediatamente
à esquerda (caso i > 1/2) ou imediatamente à direita (caso * < 1/2).
Suponhamos, no entanto, que a primeira empresa tem a possibilidade de
escolher mais do que uma variedade antes de que a segunda empresa tome
qualquer decisão. Para que o modelo faça sentido, teremos também de assumir
um custo fixo de criar novas variedades do produto. Designemos este custo por
F e suponhamos que p/4 < F < p/2. Se a primeira empresa escolher apenas
uma variedade, então a sua escolha óptima é z = 1/2 (tal como anteriormente).
O lucro em equilíbrio é dado por p/ 2—F > 0 para ambas as empresas (supondo
que os custos variáveis são nulos).
A primeira empresa dispõe, no entanto, de uma estratégia melhor: escolher
duas variedades, localizadas em u = 1/4 e *2 = 3/4. Neste caso, a segunda
empresa decidirá não escolher nenhuma terceira variedade, pois o melhor que
poderia obter seria 1/4 da quota de mercado, o que implicaria um lucro de
p/4 —F < O.22 A primeira empresa, entretanto, aufere um lucro de p - 2F,
valor este superior ao lucro quando escolhe uma variedade apenas (p/2 —F ).23

21Ant.es de continuar, deve dizer-se que o fenómeno de localização aqui considerado pode
ser entendido em dois sentidos: por um lado, como localização no sentido geográfico; e, por
outro, como localização num espaço de possíveis variedades do produto (por exemplo, doçura
de um chocolate). Assim a escolha de uma localização pode também ser entendida como a
escolha de uma variedade.
22O melhor que a Empresa 2 pode fazer é localizar-se imediatamente à esquerda da va­
riedade da esquerda, ou imediatamente à direita da variedade da direita, oit no centro do
espaço de variedades. Todas estas estratégias implicam uma quota de mercado de 1/4.
23É interessante verificar que quando o custo fixo passa de 1/4 - e para 1/4 + 6, o lucro
, da primeira empresa, em equilíbrio, aumenta. Cfr. Edward C. Prescott, e Michael Visscher,
“Sequential Location Among Firms with Foresight” , Bell Journal of Economia 8 (1977),
378-393.
5.3. Comportamento estratégico 107

Esta é, por conseguinte, uma situação em que a proliferação de variedades


é prosseguida como forma de estabelecer uma barreira à entrada.
Um presumível exemplo da estratégia aqui descrita é dado pelo mercado
de cereais para pequeno almoço {ready-to-eat breakfast cereais) dos Estados
Unidos.24 Trata-se de um sector em que as economias de escala são pouco sig­
nificativas e a tecnologia de produção facilmente acessível. Entre 1950 e 1972,
embora as taxas de rentabilidade' se tenham mantido consistentemente eleva­
das, não se verificou praticamente nenhuma entrada no sector. No entanto, o
número de marcas comercializadas pelas principais empresas aumentou de 25
para cerca de 80. Este e outros factos levaram a Federal TYade Comission a
acusar as quatro maiores empresas — Kellogg, General Mills, General Foods
e Quaker Oats — de seguir uma estratégia de criação de barreiras à entrada
de novos concorrentes.

5.3.3 Entrada em pequena escala


A entrada em pequena escala pode, em certos casos, aproveitar beneficamente
a escala elevada da empresa instalada. Considerando que um dos pontos
centrais da filosofia do Judo consiste justamente em aproveitar a força do
adversário, esta estratégia é por vezes denominada “estratégia judo-económi­
ca” ,25
Consideremos um mercado com procura D (cfr. Figura 5.6). Inicialmente,
existe apenas uma empresa no mercado (Empresa 1). A capacidade instalada
é elevada; concretamente, é suficiente para satisfazer toda a procura. O custo
marginal é dado por c i.
Suponhamos agora que uma segunda empresa (Empresa 2) decide entrar no
mercado. Por hipótese, esta segunda empresa tem um custo marginal superior
ao da empresa instalada: C2 > c*. Logo, qualquer que seja a capacidade
instalada, a segunda empresa estará sempre em desvantagem relativamente à
empresa instalada.
Suponhamos inicialmente que a Empresa 2 instala uma capacidade ele­
vada (suficiente para satisfazer toda a procura). Suponhamos ainda que a
concorrência entre empresas, uma vez tomadas as decisões de capacidade ins­
talada, se dá nos preços fixados por cada empresa. Neste caso, concluímos que
24Cfr. Richard Schmalensee, "Entry Deterrence in the Ready-to-Eat Breakfast Cereal In-
dtistry", Bell Journal of Economics 9 (1978), 305-327.
250 modelo apresentado nesta secção, bem como o primeiro exemplo referido no final
da secção, são adaptados de Judith Gelman e Steven Salop, “Judo Economics: Capacity
Limitation and Coupon Competition", Bell Journal of Economics 14 (1983), 315-325.
108 Capítulo 5. Barreiras à entrada

K2

Figura 5.6: Entrada em pequena escala.

o equilíbrio pós-entrada consiste em que a empresa instalada fixe um preço


ligeiramente inferior a c2, desta forma capturando toda a procura. Logo, ao
entrar com capacidade elevada, a Empresa 2 recebe um lucro nulo, isto porque
induz a empresa instalada a reduzir o preço como reacçao à entrada.
Suponhamos agora que a estratégia da Empresa 2 consiste em entrar, mas
com uma capacidade K 2 baixa. A empresa instalada tem agora duas es­
tratégias em vista. Tal como anteriormente, poderá fixar p\ = p[ , isto é, um
preço ligeiramente inferior ao custo marginal da empresa rival. Neste caso, re­
cebe toda a procura de mercado e um lucro que é dado pelas áreas C + D + E.
Surge, no entanto, uma segunda estratégia, que consiste em tomar a capa­
cidade da Empresa 2 como um dado e comportar-se como monopolista (ou
melhor, empresa dominante) face à procura residual di ( K2). A receita mar­
ginal correspondente a esta procura residual corresponde a pelo que
o preço óptimo é dado por p'{. O lucro da Empresa 1 é então dado pela área
A + B + C + D.26
Note-se que se o valor de K 2 for próximo de zero, então o lucro A + B+ C + D
é próximo do lucro de monopólio, e por conseguinte maior que C + D + E (por­

2GQuando dizemos “tomar a capacidade da Empresa 2 como dada” , queremos dizer que a
Empresa 1 fixa p" > cj sabendo que a Empresa 2 escolherá p? ligeiramente inferior, vendendo
assim uma quanLidade correspondente à sua capacidade máxima.
5.4. Entrada e bem-estar* 109

que o lucro de monopólio é máximo). Logo, concluímos que se a capacidade


instalada pela Empresa 2 for suficientemente baixa, então a resposta óptima da
empresa instalada consiste em escolher a estratégia “acomodaticia” em lugar
da estratégia “agressiva”. Logo, entrar com uma capacidade baixa é preferível
para a Empresa 2 pois assim consegue um lucro positivo, quando de contrário
receberia um lucro nulo (ou negativo, se contarmos o custo de capacidade):
small is beautiful.
Segundo vários autores, uma estratégia do tipo aqui apresentado foi se­
guida pela Eastern Airlines no mercado de transporte aéreo transatlântico
(cfr. Gelman e Salop, op. cit.). No caso português, é interessante considerar
a estratégia seguida no lançamento da cerveja San Miguel. Em linhas muitos
gerais, a estratégia denota pouca agressividade em relação às cervejas já exis­
tentes, aparentemente com o objectivo de evitar a retaliação e concorrência
destas. Ao entrar em pequena escala, a San Miguel aumentou a probabilidade
de que a melhor resposta por parte das empresas instaladas fosse “acomodar”
a entrada.27

5.4 Entrada e bem-estar*


Um dos vícios de raciocínio decorrentes do estudo da concorrência perfeita é a
ideia de que a livre entrada implica por si só a eficiência económica; ou, visto
de outra forma, que a passagem de uma situação de entrada regulada para
uma situação de livre entrada implica uma melhoria do bem-estar. Como
a T eoria do Segundo Ó ptim o mostra, quando não se verifica uma das
condições do óptimo global, não é necessariamente verdade que a verificação
das outras condições conduza a uma aproximação do óptimo.28 Como veremos
nesta secção, é justaniente isto o que se passa quando abandonamos a hipótese
de comportamento concorrencial por parte das empresas: a aproximação da
situação de livre entrada (outra das hipóteses do modelo de concorrência per­
feita) já não nos aproxima necessariamente do óptimo concorrencial.29
Consideremos um mercado com procura dada por P(Q ). Suponhamos que
todas as empresas utilizam a mesma tecnologia, dada por um custo fixo F e
27Segundo declarações de Aurélio da Costa, director comercial da ítefrige, no Espresso de 8
Novembro 1986, os volumes de vendas da San Migue/ “são tão baixos que quase não merecem
comentário”; o objectivo é “competir com as importadas e não com as outras cervejas”.
28Cfr. R. G. Lipsey e Kelvin Lancaster, “The General Theory of the Second Best", Review ^
of Economic Studies 24 (1956-57), 11-32.
2<JÁ análise desta secção é adaptada de Gregory Mankiw e Michael Whinston, “Free Entry
and Social Inefficiency’*, Rand Journal of Economics 17 (1986), 48-58.
110 Capitulo 5. Barreiras à entrada

um custo variável C{q). Neste caso, o excedente total será dado por
fKQn
W{n) = j ^ P{x)dx ~ nC{qn) - nF, (5.17)

onde Tiéo número de empresas e qn a quantidade produzida por cada empresa


quando o número de empresas é n.
Abstraindo do problema de o valor de n ter de ser inteiro, o número óptimo
de empresas será dado pela condição W ’{n) —0 (isto supondo que a solução
é interior, o que é verdade em geral). Seja n* o valor de n que satisfaz esta
condição.
A questão que se põe agora é a. seguinte: supondo que se verifica livre
entrada, qual a relação entre o número de empresas em equilíbrio, â, e o
número socialmente óptimo de empresas, n*? Calculando a derivada de W
em ordem a n obtemos

W '(n) = P{nqn) ( n ^ + ,„ ) - C(q„) - n C (q n - F. (5.18)

Numa situação de equilíbrio temos que o lucro de cada empresa é nulo


(novamente ignoramos o problema de n ser ou não inteiro), isto é,
■ ' - íl(v - - v * (,lV d ^ r.. f 1* ^ 1
r ^ P{nqn)qn ~ C f a ) ~ F = 0, (5.19)
onde n indica o valor de equilíbrio. Substituindo esta igualdade em (5.18), e
simplificando, obtemos o valor da derivada W '(n) na situação de equilíbrio,
isto é, para n = n:

W (n) = n{P(nqq) - C (q A) ) ^ . (5.20)


Ora, em geraULde esperar que o preço seja superior ao custo marginal. Por
outro lado, a derÍvada dqnId n deye^emjrrincípio, ser negativa: quanto maior
o número de empresas no mercado, menor a quantidade produzida por cada
uma das empresas. Conjuntamente, estes factos implicam que_Mf,(n) < 0,
isto é, a derivada do bem-estar em relação ao número de empresas é negativa
na situação de equilíbrio com livre entrada. Por outras palavras, a partir
da situação de equilíbrio com livre entrada, um decréscimo do número de
empresas aumenta o nível de bem-estar. Logo, a livre entrada está associada
a entrada em excesso.
Qual a explicação para este resultado aparentemente paradoxal? A hipó­
tese de que dqn/d n < 0, que poderemos designar como efeito tran sferê n cia
5.4. Entrada e bem-estar* 111

de lucros, é a chave da questão. A entrada de uma nova empresa no mercado


vai em parte aumentar a quantidade total e em parte diminuir a quantidade
produzida pelas empresas rivais. Vista de outro modo, a entrada implica
lucros para a nova empresa que correspondem enuJREte a uma transferência
de lucros de outras empresas já instaladas. Ora, de um ponto de vista do
bem-estar social, esta transferência é irrelevante; mas não do ponto de vista da
empresa que decide entrar. Logo, a empresa entrante sobreavalia os benefícios
da entrada. O resultado desta ex tern aíid ad e e~que se verifica excesso de
entrada de um ponto de vista social.
Um exemplo relevante para aplicação destas ideias é dado pelo sector
bancário português. A partir de 1984, o sector tem sido progressivamente
aberto à iniciativa privada. No entanto, continua sendo um sector altamente
regulado pelo Governo e pelo Banco de Portugal. Uma das consequências das
medidas de regulação, incluindo os limites de crédito, foi {ou tem sido) a alta
margem de intermediação do sector. Na notação do modelo que temos vindo
a considerar, isto significa um valor elevado de P —C '. Ora, de acordo com
(5.20), quanto maior for P —C \ mais negativa é a derivada W l(h), isto é, mais
marcado é o fenómeno de excesso de entrada: excesso de bancos e excesso de
dependências bancárias. De facto, segundo muitas autores, encontramo-nos
numa situação de overbanking e overbranching. Vários outros autores
contra-argumentam que o número de habitantes por dependência bancária em
Portugal é superior ao dajnaioria dos países europeus; mas este não é um argu­
mento relevante, a não ser que se assuma que os restantes países se encontram
no óptimo social. Pelo contrário, os dados conhecidos sobre o sector bancário,
juntamente com a análise desenvolvida nesta secção, atribuem alguma razão
de ser à política de dificultar (e, em certo sentido, tributar) a entrada no sec­
tor. De facto, consequência imediata do resultado obtido a partir de (5.20) é
que as barreiras à entrada podem em certas situações implicar uma melhoria
de hem-estar?0
Esta ideia pode, no entanto, ser muito perigosa, pelo que convém qualificá-
-la. Em primeiro lugar, note-se que a análise foi feita nahipótese de que o
valor de h é contínuo, quando na realidade tem de ser discreto. Suponhamos,
por exemplo, que a concorrência entre as empresas é próxima de Bertrand,
pelo que P w C". Suponhamos ainda que o custo de entrada é positivo mas
pequeno. Então, o valor de n será igual a 1, pois o lucro variável é próximo
de zero (caso entre mais que uma empresa) enquanto que o custo de entrada

3DCfr. Carl-Christian von Weiszacker, “The Welfare Analysis of Entry Barriers", Bell
Journal of Economics 11 (1980), 399-420.
112 Capítulo 5. Barreiras â entradr

é positivo. No entanto, dado que o custo de entrada é pequeno, o bem-estar


social aumentaria com a entrada de uma segunda empresa.
Em segundo lugar, convém notar que a hipótese de que dqn/d n < 0 não é
totalmente inócua. Muitas vezes, o benefício social da entrada de novos con­
correntes é devido à quebra de acordos de conluio implícitos ou explícitos entre
as empresas já instaladas. Nestes casos, o acréscimo da concorrência devido
a um novo concorrente é tal que também as empresas instaladas aumentam a
quantidade produzida, isto é, dqnfd n > 0 .
Finalmente, a análise é limitada pela hipótese de homogeneidade do pro­
duto. Na extensão para o caso de produto diferenciado, há que comptirar
os custos de um número excessivo de empresas com os benefícios da maior
variedade de produtos; o resultado líquido destes dois efeitos não é óbvio,
dependendo bastante do modelo considerado.

5,5 Evidência empírica


No Capítulo 4 foram apresentadas várias razões para o cepticismo relativa-
mente à análise empírica inter-sectorial, especialmente quando se trata de
relacionar a concentração com a rentabilidade. Deve no entanto dizer-se que
este pessimismo é muitas vezes injustificadamente exagerado. E inegável que a
análise inter-sectorial tem sido muito útil para o entendimento dos fenómenos
da Economia Industrial. São muitas as regularidades empíricas que a com­
paração entre diferentes sectores permite caracterizar, bem como a comparação
entre sectores semelhantes de países diferentes. Isto é especialmente verdade
no que respeita aos factores exógenos que influem na estrutura de mercado. Em
particular, constata-se que os sectores mais concentrados são tipicamente os
mesmos em todos os países, o que sugere que os factores tecnológicos exógenos
têm uma grande importância .31
No seguimento do trabalho pioneiro de Bain, vários autores têm estimado
a influência de factores diversos, especialmente factores tecnológicos, como
determinantes da estrutura de mercado. Bain classificou os sectores indus­
triais segundo o grau de barreiras à entrada e verificou que a concentração
e a rentabilidade média são superiores nos sectores com barreiras à entrada
superiores.32 Em trabalho mais recente, as barreiras à entrada são classificadas

31Cfr. Louis Phlips, Effects of Industrial Concentration: A Cross-Section Analysis for the
Common Market, Amesterdao: North-Holland, 1971.
32Joe Bain, Barriers to New Competition, Cambridge, Mass.: Harvard University Press,
195ti.
5.5. Evidência empírica 113

em factores tecnológicos (escala mínima eficiente, grau de irreversibilidade dos


custos de entrada), medidas da importância da publicidade e da diferenciação
do produto, despesas em investigação e desenvolvimento, etc. Por exemplo,
verifica-se uma relação positiva entre a intensidade das despesas publicitárias
(o ratio publicidade/vendas) e a concentração.33
Entre o trabalho empírico recente nesta linha, deve realçar-se o estudo de
J. Sutton sobre custos de entrada e estrutura de mercado.34 Sutton parte
de uma regularidade empírica já conhecida na literatura: a relação negativa
entre dimensão e concentração sectoriais. Comparando sectores idênticos de
países diferentes, verifica-se frequentemente que a concentração é inferior nos
países de maior dimensão. A explicação desta relação é aliás simples, bastando
para isso considerar a Equação (5.14): quanto maior for o valor de S (medida
da dimensão do mercado), maior o valor de ri, e por conseguinte menor a
concentração.
Esta equação não se aplica, no entanto, a todos os sectores. Concreta-
mente, Sutton distingue entre mercados com custos de entrada exógenos e mer-
cados com custos de entrada endógenos. O modelo apresentado na Secção 5.2.2
refere-se ao caso em 7rue~õs~custoíPdêent rad a são exógenos; este é o caso das
barreiras tecnológicas à entrada (a escala mínima eficiente, por exemplo). Há
no entanto muitos mercados^ em ^ u e as principais barreiras à entrada são as
despesas em publicidade e em investigação e desenvolvimento. Neste&çasos o
modelo é diferente, pois a própria barreira à entradfTe dada endogenamente
pelo jogo estratégico entre as empresas instaladas e entrantes._Ora Sutton
mostra que, quanto maior for a dimensão do mercado, maiores são as despesas
em publicidade e em investigação e desenvolvimento. Esta relação positiva en­
tre dimensão do mercado e barreiras à entrada é suficiente para compensar a
relação negativa entre dimensão do mercado e concentração. De facto, Sutton
mostra que, nos sectores intensivos em despesas de publicidade e investigação
e desenvolvimento, a relação negativa entre dimensão e concentração deixa de
se verificar.
A hipótese de Sutton é testada por este com base em dados de diver­
sos sectores industriais em 6 países diferentes. O gráfico das observações no
espaço concentração (C 4) versus ratio dimensão/custos de entrada mostra uma
relação negativa e estatisticamente significativa quando se considera a sub-
amostra dos sectores de bens homogéneos. No entanto, quando se consideram
3aCfr. William Comanor e Thomas Wilson, “Advertising, Market Structure and Perfor­
mance", Review of Economics and Statistics 49 (1967), 423 -440.
34John Sutton, Sunk Costs and Market Structure, Cambridge, Mass.: The MIT Press,
1991.
114 Capítulo 5. Barreiras à entrada

sectores intensivos em despesas de publicidade, o gráfico não passa de uma


nuvem de pontos— o que é consistente com a hipótese proposta por Suttou
(cfr. Figura 5.4 na obra citada).

& 5.6 Entrada e saída em mercados concorrenciais


Nas secções anteriores temos vindo a considerar mercados em que cada em­
presa tem uma dimensão não negligenciável. No entanto, grande parte dos
mercados, se não mesmo a maioria, corresponde, pelo menos aproximada­
mente, ao paradigma do mercado concorrencial em que cada empresa se com­
porta como príce-taker.

■ D a co n corrência p e rfe ita à concorrência real. Nas apresentações


clássicas do modelo de concorrência perfeita, o equilíbrio de longo prazo é des­
crito como um ponto limite para o qual se converge progressivamente através
de um processo de entrada e saída: se as empresas activas recebem lucros,
então verifica-se entrada de novas empresas; caso contrário, se as empresas
activas incorrem em prejuízos, então verifica-se a saída de algumas empresas.
Finalmente, no equilíbrio de longo prazo, cada empresa recebe lucros anormais
nulos, sendo o preço igual ao mínimo do custo médio de longo prazo (custo
médio que inclui a remuneração normal dos factores produtivos, incluindo o
factor capital). O custo médio, no equilíbrio de longo prazo, é o mesmo para
todas as empresas, pois todas adoptam a mesma tecnologia — a tecnologia
óptima.
A evidência empírica de mercados concorrenciais não é inteiramente con­
sistente com esta descrição do processo de entrada, saída, e convergência para
o equilíbrio de longo prazo. Em primeiro lugar, mesmo no longo prazo se en­
contram diferenças significativas entre o custo médio das empresas; o mesmo
é dizer que, mesmo no longo prazo, as empresas recebem lucros anormais (ou
rendas), isto é, lucros que vão para além da remuneração normal dos facto­
res produtivos.35 Em segundo lugar, o processo de variação do número de
empresas é caracterizado por uma enorme volatilidade: tipicamente, em cada
período, verifica-se a entrada de um grande número de empresas e simulta­
neamente a saída também de um grande número de empresas.
Este segundo ponto é ilustrado pelos dados do Quadro 5.1, referente à

35Cfr. Dennis Mueller, Profils in the Long-run, Catnbridge: Cambridge University Press,
1986.
5.6. Entrada e saída em mercados concorrenciais 115

Quadro 5.1: Mobilidade laborai na indústria transformadora portuguesa. Per­


centagens relativas ao número de trabalhadores em 1982.

Conceito %
1 Entrada 21.9
2 Saída 18.9
3 Expansão 10 .2
4 Contracção 9.7
5 1+2+3+4 60.7
6 1-2+ 3-4 3.5
7 Entrada nova 14.7
Fonte: José Mata, “Concentration and Competitive Dynamics”, in J. Amaral, D.
Lucena e A. Mello (Eds.), The Portuguese Economy Towards 1992, Boston: Kluwer
Academic Publishers, 1992.

mobilidade na indústria transformadora portuguesa.36 Embora a capacidade


total, aqui medida em número de trabalhadores, tenha aumentado apenas
3.5% entre 1982 e 1986, a movimentação laborai atingiu um nível equiva­
lente a 60.7% dos trabalhadores em 1982; dos trabalhadores em 1982, apenas
71.4%=100—18.9—9.7% mantinham o mesmo emprego em 1986. Efectuando
cálculos semelhantes para o número de empresas, conclui-se que menos de 70%
das empresas existentes em 1982 existiam ainda em 1986.

■ Um modelo de informação imperfeita, aprendizagem e selecção.


Estas observações sugerem um modelo ligeiramente diferente do modelo clássico
de concorrência perfeita .37 Suponhamos que cada empresa é caracterizada
por um parâmetro, 9, negativamente relacionado com a sua eficiência na mi-
nimização dos custos: quanto maior for 9, maiores os custos das empresa,
coeteris paribus. Concretamente, suponhamos qúe o lucro de uma empresa do
tipo 9 no período t ê dado por

I I - p tqt -C {g t){9 + € t)' (5.21)

360 s dados reportam-se a uma amostra de 65 sectores, correspondendo aproximadamente


a 50% do número tota! das empresas com mais de 4 pcí-soas ao seu serviço. Consulte-se a
fonte para mais pormenores.
A análise que se segue adapta ideias do modelo de Bovan Jovanovic, “Selection and the
Evolution oflndustry”, Econométrica 50 (1982), 649-670.
116 Capítulo 5. Barreiras à entrada

onde et ê um choque estocástico na produtividade da empresa. Por hipótese, o


valor de e* tem média nula e é independente entre empresas e entre períodos.
A característica fundamental deste modelo é a hipótese de que cada em­
presa desconhece o valor exacto do parâmetro de eficiência 9. Conhecem-se
apenas as distribuições de 6 e de Em cada período, cada empresa observa
o valor óer}t = 9 + C(, o que lhe permite obter uma melhor estimativa sobre o
valor de 9.
O mecanismo do modelo é então o seguinte. No-princípio de cada período,
cada empresa decide entrar, manter-se inactiva, sair ou manter-se activa, con­
soante o caso. Seguidamente, as empresas activas escolhem a quantidade a
produzir. Supondo que 9t é a estimativa da empresa quanto ao valor do seu
0 , o valor óptimo de q t satisfaz

max p t q t - Ç { q t ) Ô t - (5.22)
<a
Para ser consistente com a hipótese de concorrencialidade do mercado, supo­
mos que o valor de pt é tomado como constante. Assim, a condição de primeira
ordem é dada por

Pt - C'(qt )9t, (5.23)


ou

qt = r (pt/9ty (5.24)
Mais uma vez, para ser consistente com a hipótese de concorrencialidade do
mercado, supomos que Cr(-) é uma função crescente, pelo que T(-) é também
uma função crescente. Concluímos assim que qt é uma função decrescente da
estimativa de 9, isto é, $t-
Este modelo é consistente com o facto estilizado de que se verificam di­
ferenças persistentes entre a rentabilidade das empresas. Estas diferenças de
rentabilidade provêm dás diferenças de eficiência entre cada empresa, eficiência
essa parameterizada por 9. A Equação (5.24), por seu turno, sugere que a he­
terogeneidade dos valores de Ôt, implicada pela heterogeneidade dos valores
de 9ít implica por sua vez a heterogeneidade dos valores de qt. A evidência
empírica aponta justamente para uma dispersão significativa dos valores de qt-
Tipicamente, encontra-se uma distribuição altamente enviesada: um elevado
número de pequenas empresas e um pequeno número de empresas muito gran­
des. E interessante verificar que, embora a noção de “pequeno” e “grande”
varie de sector para sector, o padrão da distribuição de qt é muito semelhante
5.6. Entrada e saída em mercados concorrenciais 117

entre sectores. Infelizmente, nenhuma das distribuições estatísticas conhecidas


parece ajustar-se a este padrão.
Outro facto estilizado que o modelo explica razoavelmente é a volatilidade
no processo de entrada e saída (cfr. Quadro 5.1). Consideremos o processo de
decisão de uma empresa activa. A empresa deve manter-se activa enquanto o
valor esperado futuro for positivo. Mostra-se que, em condições relativamente
gerais, entre o conjunto de empresas de idade n, o valor esperado futuro é uma
função decrescente do valor esperado de 9. Logo, existe um valor crítico de
&t, denotado 9fn t, acima do qual a empresa activa de idade n sai do mercado.
Algo de semelhante se verifica com as empresas inactivas, com a diferença de
que, devido a custos irreversíveis de entrada, o valor crítico de &t, denotado
é inferior (cfr. Secção 5.2.4). Assim, para que num determinado período se
verifique simultaneamente entrada e saída de empresas basta que Ôt > 9'nt para
algumas das empresas activas e Ôt < para algumas das empresas inactivas.

■ Im plicações em píricas do m odelo. As observações do parágrafo


anterior sugerem implicações adicionais do modelo com respeito aos dados
estatísticos. Salvo indicação em contrário, as propriedades que se seguem
referem-se a empresas de uma mesma geração, isto é, empresas nascidas no
mesmo período. A decisão de sair baseia-se na condição &t > Onf Ora, tal
como vimos acima, o valor de qt ê uma função decrescente de Ôt. Supondo que
não se verificam grandes variações em 9%de período em período (o que poderá
acontecer com as empresas mais novas), então, as empresas que saem devem
ser as de menor dimensão. Consequência imediata é que as empresas sobre­
viventes são as de maior dimensão, pelo que, a dimensão média das empresas
sobreviventes deve aumentar com a idade (isto supondo que os valores de
e 9’*lt não variam muito de período em período).
Quando uma empresa nasce, a informação acerca do valor de 0 ê muito
escassa; o valor de Ô é próximo ou igual a 9, a média da distribuição de 9. À
medida que o tempo passa, cada empresa vai-se aproximando do conhecimento
da sua eficiência. Ora isto tem duas implicações: primeiro, a dispersão das
dimensões das empresas deve aumentar com a idade-, segundo, as taxas de
variação (çt+i —q t ) / q t devem convergir para zero.
Todas as quatro implicações acima referidas são consistentes com os dados
empíricos de vários países e ao longo de vários períodos.
Consideremos agora outro aspecto importante, concretamente as tax as de
contingência, isto é, a probabilidade de uma empresa sair do mercado após
n períodos,, dado que se manteve activa até aí. Segundo o modelo teórico,
as taxas de contingência devem ser decrescentes, pelo menos a partir de um
118 Capítulo 5. Barreiras à entrada

certo n. A ideia é que, à medida que o tempo passa, o valor médio de $t dos
sobreviventes diminui; logo, a probabilidade de que > diminui também,
No entanto, para valores baixos de n, um efeito contrário é também possível.
Suponhamos que no primeiro período de vida a empresa recebe um sinal muito
negativo sobre a sua eficiência, de tal forma que 0\ é muito alto. Deverá a
empresa sair? Um raciocínio possível é que, dados os custos irreversíveis de
entrada, e dada a grande variância da estimativa f?i, o melhor será esperar
mais um ou alguns períodos. À medida que os primeiros períodos passam, a
persistência do valor baixo de 9 levaria, agora sim, à decisão de sair. Por este
motivo, ê admissível que as taxas de contingência sejam crescentes durante os
primeiros períodos de uma dada geração. A experiência da indústria transfor­
madora portuguesa aponta para taxas de contingência anuais decrescentes ao
longo de todos os períodos da amostra, isto é, dominância do primeiro efeito
sobre o segundo.38 Possivelmente, se dados mensais ou trimestrais fossem
utilizados, o segundo efeito tornar-se-ia também patente.

■ A p rendizagem passiva e ap ren d izag em activa. O modelo teórico


implícito na análise até aqui considerada é um modelo de aprendizagem
passiva: cada empresa é dotada de um parâmetro de eficiência 0 ; a estratégia
da empresa consiste em aperfeiçoar, com a experiência, a estimativa 0 ; e em
tomar as decisões de entrada, saída e quantidade com base nessa estimativa.
Como vimos, o modelo é notavelmente consistente com a evidência empírica.
No entanto, existem vários outros modelos que são também consistentes com
os factos. Em particular, pode também pensar-se num modelo em que a
eficiência é endógena à actívidade da empresa (investimentos produtivos, ou
investigação e desenvolvimento). Temos então um modelo de aprendizagem
ac tiv a .39 A questão não é agora verificar a consistência dos modelas com
os dados, mas antes encontrar testes que permitam a escolha de um modelo
contra o outro.
Um teste possível do modelo de aprendizagem activa contra o modelo de
aprendizagem passiva consiste em correlacionar a dimensão das empresas so­
breviventes com idade n com a dimensão que essas mesmas empresas tinham
à nascença. Segundo o modelo de aprendizagem passiva, embora 9\ inclua
pouca informação sobre o verdadeiro 9 de cada empresa, sempre inclui alguma
informação. Logo, a correlação deve ser positiva. Pelo contrário, segundo a
3BCfr. José Mata e Pedro Portugal, “Life Duration of New Firms", a sair no Journal of
industrial Economics,
3nCfr. R. Ericson e Ariel Pakes, “An Alternative Theory of Firm and Industry Dynamics”,
Universidades de Columbia e Yale, 1989.
5.7. Exercícios 119

hipótese da aprendizagem activa, quaisquer diferenças iniciais entre as empre­


sas tornar-se-ão irrelevantes com o passar do tempo; logo, para.n suficiente­
mente elevado, a correlação será essencialmente nula. Com base em dados re­
ferentes ao Estado de Wisconsin, este teste escolhe o modelo de aprendizagem
passiva para os sectores de comércio a retalho, mas o modelo de aprendizagem
activa para os sectores industriais, o que aliás é consistente com a ideia que
temos das actividades de investimento num e noutro caso.40

5.7 Exercícios
■ 5.1 Considere os seguintes custos:

• Campanha publicitária de lançamento de um novo chocolate.

• Instalações de uma dependência bancária.

• Iluminação de uma fábrica de cimento.

• Energia eléctrica utilizada por uma máquina.

• Petróleo bruto utilizado numa refinaria.

Classifique-os em custos irreversíveis, custos fixos, e custos variáveis.


■ 5.2 No Semanário de 24 Fevereiro 1990 apresentavam-se os dados relati­
vos às vinte maiores empresas de construção civil em Portugal em 1988 (cfr.
Quadro 5.2). Pensa que se verificam economias de escala no sector? Justifique.
■ 5.3 Considere os dados sobre o sector de vidro de embalagem apresentados
no Exercício 3.13. Sobre este sector, afirmou-se recentemente que “a neces­
sidade de reestruturação do sector não oferece dúvidas. Há cinco empresas
a fazer a mesma coisa, mas de costas viradas umas para ás outras. Bastava
um acordo de planificação para ir buscar economias de escala.” (Semanário
económico, 22 Janeiro 1993). Comente.
■ 5.4 Tendo em atenção as capacidades de produção de vidro plano na Eu­
ropa constantes no Quadro 5.3:
a) Que pode dizer sobre a evolução da concentração, neste mercado, na
Europa?
40Cfr. Ariel Pakes e R. Ericson, “Empirical Implications of Alternative Models of Firm
Dynamics", Universidades de Yale e Columbia, 1990.
Capítulo 5. Barreiras à entrada

Quadro 5,2: Construção civil em Portugal em 1988.

Empresa Vol. Neg. Res. Líq.


1 Soares da Costa 27308 702
2 Teixeira Duarte 15871 2478
3 Construções Técnicas 13024 204
4 Mota k C 9617 1323
5 Engil 8153 207
6 Somague 7349 353
7 A. Silva k Silva 7215 169
8 Edifer 7088 106
9 Amadeu Gaudêncio 7088 106
10 Constr. do Tâmega 6966 568
11 Somec 5390 141
12 Severo Carvalho 5384 56
13 Constr. Abrantina 5241 30
14 Constr. ERG 4712 32
15 H. Hagen 4441 (81)
16 Alves Ribeiro (1987) 3526 968
17 Moniz Maia-Emp. 3251 31
18 Carlos E. Rodr. 2785 (30)
19 OPCA 2577 78
20 Turcopol 2320 5
5.7. Exercícios 121

Quadro 5.3: Capacidades de produção de vidro piano (ton/dia).

1979 1980 '


Empresa quota Empresa quota
PPG 3 Turkey Size 4
SIV 5 Guardian 6
Pilkington 16 Asahi .. 10
BSN 33 PPG . 12
St. Gobain 43 SIVB 4
T otal 12600 Pilkington 27
St. Gobain . 37
T otal 15300

b) Que pensa sobre o peso das economias de escala iieste ramo? (Exercício
elaborado por J. M. Amado da Silva.)
■ 5.5 Com base num estudo da Ludwigsen Associates Limited, encomendado
pela Comissão das Comunidades Europeias, obtiveram-sé os valores relativos
aos custos típicos de produção automóvel (unitários, etti ECU) constantes no
Quadro 5.4.
a) Supondo que a função custos é do tipo C — F + cq, determine o grau
de economias de escala (0) em cada segmento.
b) Prevê-se que, como resultado do processo de intègração das economias
europeias, o nível de produção médio de cada linha de montagem aumente
significativamente. Concretamente, o Quadro 5.5 apresenta as estimativas
dos valores do volume de produção típico, por linha de ipontagem, para cada
segmento (milhares unidades/ano).
Calcule a redução no custo unitário entre 1985 e 1992, em cada segmento.
Comente. «
c) Mostre que a elasticidade do custo médio em relação à escala de produção
é dada por tj = 1 /0 -1 , em que 0 é a elasticidade de escala. Recalcule os valores
da alínea b) com base na fórmula (q'/q —1 )77, em que q e q' são dados pelo
quadro anterior. Comente.
■ 5.6 Num trabalho sobre a indústria das cervejas em Portugal afirmava-se
que a escala mínima eficiente era de 100000 hl/ano. Afirmava-se, ainda, que
uma empresa com um terço desta escala veria os seus custos agravados em
15%.
122 Capítulo 5. Barreiras à entrada

Quadro 5.4: Custos de produção.

Segmento Exemplo C.Fixo C.Var


Pequeno R5 1170 2080
Médio/grande Peugeot 405 1960 5215
Grande R 25 2370 7730

Quadro 5.5: Volume de produção.

Segmento 1985 1992


Pequeno 110 160
Médio/grande 315 380
Grande 140 220

a) Sabendo que o consumo de cerveja per capita, em Portugal, em 1985, an­


dou pelos 38 litros, acha que, em princípio, a escala mínima eficiente funciona
como uma barreira à entrada?
b) Nesse mesmo estudo, também se afirmava que o custo do investimento
numa unidade de produção de cerveja de 15 milhões de litros/ano é de 1,1
milhões de contos/ano. Uma unidade com o dobro da produção exigirá 400
a 500 mil contos de investimentos adicionais. Está esta afirmação em con­
sonância com a que introduz e$te problema? (Exercício elaborado por J. M.
Amado da Silva.)
■ 5,7 São conhecidos alguns pontos da curva de custos totais médios de longo
prazo para uma indústria e são eles:

quantidade (ton) 100 150 200 300 400 500


CTM (contos/ton) 300 250 220 200 190 188

A curva de procura anual é dada por p — 300 - 0 .2*7 com P em contos e q em


toneladas/ano.
a) Que tem a dizer sobre a escala óptima mínima nesta indústria e neste
mercado?
b) A empresa tem hipótese de se opor à entrada de um candidato a vender
nesse mercado? (Exercício elaborado por J. M. Amado da Silva.)
5.7. Exercícios 123

■ 5 . 8 * Considere a seguinte função produção: C = F + ç 2, onde q ê a quanti­


dade produzida. Determine o intervalo de valores de q pará os quais se verifi­
cam economias de escala e o intervalo de valores para os quais a função custos
é subaditiva. Confirme que as economias de escala são condição necessária
mas não suficiente para que a função custos seja sub-aditiva.
■ 5.9* A função custos de certa empresa de telecomunicações é dada por

C { q u 92) - «191 + «292 + /*(9i + 92)2 “ T9Í92,


onde 91 e 92 são os índices de tráfico local e interurbano, respectivamente.
Derive as condições necessárias e suficientes para que se verifiquem economias
de gama.
■ 5.10 Designasse por brand stretching ou umbrella branding a estratégia de
utilizar a reputação da marca de um determinado produto como “garantia”
da qualidade de um novo produto lançado pela mesma empresa. Por exemplo,
a Bic, inicialmente apenas uma marca de canetas esferográficas, foi utilizada
como marca para o lançamento de uma nova linha de lâminas de barbear.
Muitos outros exemplos de brand stretching encontram-sé quando grandes
figuras de vestuário de moda lançam no mercado novos perfumes com o seu
nome.
O Economist de 5 Maio 1990 descreve as vantagens e,desvantagens da es­
tratégia de brand stretching. Embora se encontrem muitos casos de sucesso,
é também um facto que “a partir de certo ponto o elástico se parte.” Por
exemplo, diz-se que a introdução da nova cerveja MiíJerXite destruiu a re­
putação do produto inicial da mesma marca, a cerveja (simplesmente) Miller.
Como caracterizaria formalmente estas considerações? Especificamente: quais
as características da função custos destas empresas?
■ 5.11* Determinada empresa aeronáutica desenvolveu um novo avião de
transporte de passageiros, preparando-se agora para a sifa construção. Su­
ponha que o horizonte temporal se divide em dois períodos. A empresa terá
de produzir n aviões durante os dois períodos; a produção em cada período é
dada por rii (i = 1,2), pelo que n\ + = n. Suponha ainda que podem ser
utilizados um ou mais de m processos de montagem (m > n), embora apenas
um por avião. O custo de cada processo de montagem pode ser elevado (c)
ou reduzido (ç). O custo inerente a cada processo é desconhecido, sabendo-se
apenas que a probabilidade de ser reduzido é dada por ir. :
Procure modelizar a cu rv a d e experiência desta empresa, isto é, o custo
esperado no segundo período em função da quantidade produzida durante o
124 Capítulo 5. Barreiras à entrada

primeiro período. Sugestão: suponha que durante o primeiro período serão


experimentados tantos processos de montagem quantos os aviões produzidos.

■ 5.12* O consumo per capita de automóveis importados na Califórnia é


quatro vezes superior ao do estado do Montana. Na Califórnia, a maioria das
pessoas vive em grandes centros urbanos, enquanto que Montana é um estado
de população predominantemente rural (pequenas cidades). Como explica a
diferença no consumo de automóveis com base nas diferenças demográficas
entre os dois estados? (Exercício elaborado por T. Bresnahan.)

■ 5.13 Que diz o modelo da Concorrência Monopolística a respeito da dife­


renciação do produto como factor determinante da estrutura de mercado?

■ 5.14 A maioria dos produtores de memófia para computadores (DRAM)


encontra-se nos Estados Unidos e no Japão. Durante os anos oitenta verificou-
-se uma crise na indústria e a maioria dos produtores americanos saíram do
mercado. Mais tarde, à medida que a procura de 'memória voltou a cres­
cer, quer os preços quer as vendas dos Japoneses voltaram a crescer também.
Apresente duas teorias que expliquem esta evolução, utilizando os seus conhe­
cimentos do sector na medida que achar conveniente. Uma das teorias deve ver
os acontecimentos como positivos do ponto de vista da eficiência económica,
a outra como negativos. (Exercício elaborado por T. Bresnahan.)

■ 5.15 Na Suíça, os serviços de distribuição de bens são dominados por cartéis


altamente lucrativos. As autoridades Suíças prevêm o colapso espontâneo da
maioria dos cartéis à medida que os mercados nacionais forem sendo expostos
à concorrência de importações, não havendo, por conseguinte, motivos para
grandes preocupações. A OCDE, por seu turno, tem uma visão mais céptica:
“O colapso de cartéis não leva necessariamente a mercados mais concorren­
ciais. De facto, um aumento da concentração é frequentemente observado
como resultado do colapso de cartéis.” Qual das duas posições lhe parece mais
correcta? Justifique adequadamente a sua resposta, identificando claramente
todos os elementos relevantes para a análise.

■ 5.16 A produção de semicondutores é caracterizada por significativas eco­


nomias de experiência na produção. Suponha qtie o custo marginal de cada
empresa é dado pela seguinte tabela:
5.7. Exercícios 125

Anos de
experiência Custo
0 10
1 8
2+ 6

0 custo fixo de produção é de 45 por período. A função procura é Q —


135 —9P. Sabe-se que a empresa A entrou no mercado em 1980.
Com base neste modelo, indique em que medida é que a curva de ex­
p eriên cia (a função dada pelo quadro) pode constituir uma barreira à en­
trada. Sugestão: Determine se é rentável para a empresa B entrar no mercado
a partir do ano t, t = 1980,1981, etc. Suponha que, a haver duas empresas no
mercado, o modelo de Cournot é aplicável, e que a taxa de desconto é 50%.
Note que num duopólio de Cournot, o lucro variável da empresa i é dado por

1 / a —2 cí + Cj \ 2
------ 3 ~/ ’
onde as variáveis e os parâmetros têm o significado habitual.
■ 5.17 Suponha que a procura por determinado produto homogéneo é dada
por P = 100—2Q. A função custo variável de produção é C — 10 Q. Verifica-se
ainda um custo irrecuperável de entrada S — 10 0 . Actualmente, o mercado é
servido por uma empresa, existindo ainda um concorrente potencial.
a) Qual a quantidade produzida pela primeira empresa em situação de
monopólio efectivo (isto é, sem concorrência potencial)?
b) Supondo que o concorrente potencial toma a quantidade produzida pela
primeira empresa como dada, qual o lucro de cada empresa caso a entrada se
verifique?
c) Qual a quantidade que a primeira empresa terá de produzir com vista
a evitar a entrada do concorrente potencial (ou: qual o preço limite)?
d) Supondo que a primeira empresa adopta uma estratégia de preço limite,
determine o índice de Lerner como função do valor de S. Comente.
e) Qual o valor de S abaixo do qual a primeira empresa prefere não adoptar
uma estratégia de preço limite?
■ 5.18 Nos sectores de bens de consumo, o lançamento de um novo produto
implica normalmente uma dispendiosa campanha publicitária. O Economist
(24 Dezembro 1988) estima que uma destas campanhas custará, nos Estados
Unidos, cerca de 60 milhões de dólares, sendo os valores para o Japão e Reino
Unido 30 e 20 milhões, respectivamente.
12G Capítulo 5. Barreiras à entrada

a) Constituem estas despesas de publicidade um custo fixo ou um custo


irreversível?
b) Considerando a campanha de publicidade como custo de entrada (e,
eventualmcnte, barreira à entrada), encontra alguma diferença entre este custo
e o custo do investimento em capital físico?"11
c) Constituem estas despesas da campanha publicitária uma barreira à
entrada segundo a definição de Bain? E segundo a definição de Stígler?
■ 5.19 Durante mais de quarenta anos, a Lei do Condicionamento Industrial
regulamentou a possibilidade de entrada de novas empresas em diversos secto­
res de actividade, bem como o acréscimo de capacidade por parte de empresas
já existentes. Essencialmente, a Lei obrigava à obtenção de uma licença para
cada projecto de investimento, sendo o objectivo evitar excessos de capaci­
dade bem como excessos de poder de mercado. Apresente dois conjuntos de
argumentos sobre o impacte da Lei na eficiência e no bem-estar, um positivo
e outro negativo.
■ 5.20* O Governo português tem dado apoio, de diversas formas, a empresas
dos subsectores mineiros do estanho e do volfrâmio. Trata-se de uma política
que se prende com o “carácter transitório de uma crise grave no subsector,
resultante das baixas cotações internacionais para estes metais”. Com o apoio
governamental às empresas mineiras “pretende-se resguardar de uma perda
definitiva as minas com potencialidades evidentes, já que ‘uma mina fechada
é uma mina perdida’”, (cfr. Expresso, 14.10.89)
a) Comente a política governamental bem como a argumentação apresen­
tada.
b) Suponha que o horizonte temporal se divide em dois períodos, hoje e
amanhã. A cotação do volfrâmio é actualmente 60 dólares. Amanhã, este
valor manter-se-á com probabilidade 40% e subirá para 150 dólares com pro­
babilidade 60%. Sabendo que a capacidade das empresas mineiras é K = 1 ,
o custo marginal de extracção c = 10 dólares, o custo fixo de manter a mina
aberta F = 60 e o custo de reabrir uma mina fechada S — 100, determine se
é rentável manter a mina aberta. Sugestão: calcule o valor esperado total dos
dois períodos em função da decisão tomada no primeiro período.
* 5.21 Considere um mercado com procura dada por Q = 105 —F/IO. A
função custo de cada uma das três empresas é dada por C = 50(ft -I- 200 .*

Parte da resposta encontra-se na secção sobre evidência empírica; ontra parte encontra-
-se em Richard Sdimalensce, “Prodnct Dífferentiation Advantages of Pioneering Brands”,
■American Economic Remem 72 (1982), 349-365.
5.7. Exercícios 127

a) Determine a quantidade produzida caso as empresas se comportem como


príce takers.
b) Determine a solução de equilíbrio de Cournot.
c) Admitindo que se verifica livre entrada no mercado, determine o número
de empresas em equilíbrio.
d) Comparando os resultados das alíneas anteriores, comente a seguinte
afirmação: “Quando se verifica livre entrada, os lucros das empresas são nulos,
e por conseguinte a solução de equilíbrio é eficiente”. Ilustre graficamente.
■ 5.22* T. Bresnahan e P. Reiss obtiveram dados sobre a dimensão de pe­
quenas vilas americanas, geograficamente isoladas, bem como o número de
médicos, dentistas, canalizadores, etc., em cada uma dessas vilas.42 Com base
nesses dados, estimaram que a dimensão mínima de uma vila com dois médicos
é aproximadamente 3.96 vezes superior à dimensão mínima de uma vila com
um médico; por outro lado, a dimensão mínima de uma vila com dois cana­
lizadores é aproximadamente 2 .1 2 vezes superior à dimensão mínima de uma
vila com um canalizador. Que conclusões pode tirar destes resultados no que
respeita à existência de barreiras à entrada?
■ 5.23* A análise dos efeitos da entrada no bem-estar foi feita neste capítulo
com base no paradigma de uma economia fechada. Como seriam os resultados
alterados se a entrada fosse originária cm empresas estrangeiras e a função
objectivo fosse o bem-estar nacional? Sugestão: suponha que as empresas
activas concorrem à la Cournot e que existem n\ empresas nacionais e n,2
empresas estrangeiras. Determine o bem-estar nacional, VF, como a soma
do excedente do consumidor e os lucros das empresas nacionais. Finalmente,
calcule a derivada de W em ordem a ri2 -
<fl ■ 5.24 Num estudo sobre o impacte da criação do mercado único europeu,
A. Smith e A. Venables preveem, para o sector automóvel, uma redução de
2.67% do custo médio e um aumento de 4.5% do bem-estar (percentagem do
valor do consumo). Num extremo oposto, para o sector do calçado, a redução
do custo médio seria apenas de .42%, enquanto que o bem-estar aumentaria
apenas .5% . 43 Como se justificam estas previsões?
■ 5.25* Suponha que dois países, inicialmente em situação de autarcia, de­
cidem formar um mercado único. Para simplificar, suponha também que
42Timothy Bresnahan e Peter Reiss, “Entry and Competitkm in Concentrated Markets” ,
Journal of PoliUcal Economy 99 (1991), 977-1009.
43AlÍsdair Smith e Anthony Venables, “Completing the Internal Market in the European
Community”, European Economic Review 32 (1988), 1501-1525.
128 Capítulo 5. Barreiras à entrada

existe apenas um produto. A procura por este produto é dada por D, =


Si(a —Pi), (i = 1 , 2 ), onde St é um indicador da dimensão do país e Pi o
preço. Após a criação do mercado único, a procura é dada pela agregação das
procuras de cada país.
Supondo que se verifica livre entrada e concorrência à la Cournot, deter­
mine o número de empresas em equilíbrio antes e depois da criação do mercado
único. Comente.
Capítulo 6

Fusões e aquisições

6.1 Introdução
NO C A P ÍT U L O a n t e r i o r , vimos como as características da tecnologia (v.g.,
economias de escala) e o comportamento das empresas (estratégias de entrada
e estratégias de bloqueamento da entrada) determinam a estrutura de mer­
cado. O presente capítulo continua esta análise ao considerar as operações de
fusão e aquisição de empresas. A análise é restrita a aspectos das fusões e
aquisições relevantes de um ponto de vista da Economia Industrial. Concreta-
mente, as operações de compra de empresas (ou de participações em empresas)
que se processam como operações financeiras (nomeadamente como forma de
diversificação do risco) não serão aqui consideradas.
Embora a maior parte da operações de compra e venda de participações
em empresas tenha justamente um objectivo financeiro, encontram-se também
bastantes situações de compras com objectivo estratégico. Este é normalmente
o caso quando a compra é feita por outra empresa do mesmo mercado ou de
mercados relacionados. Por exemplo, ao comprar a Columbia Pictures, a Sony
teve como objectivo aumentar 0 seu poder de mercado na oferta de sistemas
de gravação vídeo. De facto, a Columbia ê possuidora de uma vasta colecção
de filmes de qualidade ( “Lawrence da Arábia”, “Kramer vs Kramer” , etc.),
o que permite à Sony garantir uma colecção mínima de filmes disponíveis ao
lançar um novo formato de cassettes de gravação.
Um segundo exemplo é dado pela fusão entre a Philip Morris e a Kraft.
Ambas as empresas vendem uma vasta gama de produtos alimentares através
de supermercados. Ao criar uma empresa de maior dimensão, nomeadarnente
com uma gama de produtos mais vasta, a Philip Morris e a Kraft vêem o

129
KW Capítulo 6. Fusões e aquisições

seu poder de mercado junto dos retalhistas significativamente acrescido. Por


exemplo, a possibilidade de conseguir “espaço de prateleira” para um novo
produto torna-se muito mais fácil, pois a ameaça de retirar outros produtos
da mesma empresa é agora mais severa.
No caso da compra da Rownfcree por parte da Nestlé, o objectivo preten­
dido foi a entrada no mercado inglês de chocolates. A Rownfcree é possui­
dora de uma vasta gama de conhecidos produtos (Smarties, After Eight, Kit
Kat, etc.); a sua aquisição permitiu assim à Nestlé poupar elevados custos de
lançamento de novos produtos. Aliás, a aquisição de empresas é frequente­
mente uma estratégia de entrada era novos mercados; veja-se a este propósito
o Exercício 6.9.
Um outro caso envolvendo também a Nestlé, a joint venture com a General
Mills para produção e distribuição de cereais prontos na Europa, teve como
objectivo o aproveitamento de sinergias entre as duas empresas: a Nestlé pos­
sui o know~how da distribuição de produtos alimentares na Europa, enquanto
que a General Mills ê um dos maiores especialistas na produção de cereais
prontos (não tendo, no entanto, nenhuma experiência de venda na Europa).
Como esta lista de exemplos sugere, são muitos e variados os aspectos es­
tratégicos relacionados com fusões e aquisições. Neste capítulo, consideramos
três aspectos específicos mas centrais. Começamos com o caso das fusões
horizontais, isto é, aquisição de uma empresa por uma outra do mesmo mer­
cado, com o objectivo de melhorar a eficiência e/ou aumentar o poder de
mercado. A questão principal que se coloca aqui é justamente o balanço entre
os efeitos de melhoria da eficiência e aumento do poder de mercado, efeitos de
sinal contrário do ponto de vista do bem-estar social.
Seguidamente, analisaremos a questão da integração vertical, isto é,
a compra de uma empresa a montante ou a jusante no processo produtivo.
Exemplos de integração vertical são a compra do retalhista pelo distribuidor,
ou a compra do fornecedor de peças pelo fabricante de automóveis. Quais os
factores que determinam a integração vertical de dois estádios consecutivos do
processo produtivo? Para além dos factores tecnológicos {relativamente mais
óbvios), a Secção 6.3 centrar-se-á no problema do relacionamento estratégico
entre vendedor e comprador.
A última secção do capítulo trata do papel da compra de empresas na
verificação da hipótese de que cada empresa {e cada gestor em cada empresa)
procura o objectivo de maximização do lucro. Esta hipótese é, como se sabe,
central em quase toda á análise da Economia Industrial (e da Microeconomia,
em geral). Assim, embora não seja propriamente uma questão de Economia
Industrial, justifica-se a incursão na Teoria da Empresa. Como veremos, a
6.2. Fusões horizontais* 131

existência de um mercado de compra e venda de empresas é um dos argumentos


mais sólidos a favor da hipótese de maximização do lucro, embora se trate de
um argumento criticável em vários aspectos.

6.2 Fusões horizontais*


Como foi referido na introdução, um dos problemas mais interessantes na
análise das fusões horizontais é o balanço entre ganhos de eficiência e au­
mento de poder de mercado. Quando duas empresas de um mesmo mercado
procedem a uma bisão, geram-se certos,ganhos de eficiência, quanto mais não
seja devido à poupança de custos comuns. No entanto, a fusão leva também
a uni aumento da concentração do mercado. Normalmente, este aumento de
concentração implica uma subida do preço: e esta subida de preço tem con­
sequências negativas sobre o bem estar social, em particular sobre o excedente
do consumidor.
Na tradição da Escola de Chicago, G. Stigler argumentou que as empresas
que mais ganham com uma fusão, no que respeita ao aumento da quota de
mercado, são justamente aquelas que não participam na fusão. Pelo contrário,
as empresas que participam na fusão vêem normalmente a sua quota de mer­
cado reduzida. 1 Ora este facto indica que os ganhos de eficiência decorrentes
da fusão devem ser muito elevados. De facto, sendo o contrato de fusão um
contrato voluntário, a suã realização indica que os ganhos de eficiência se so­
brepõem à perda de quota de mercado por parte das empresas participantes;
inclusivamente, é possível que os ganhos de eficiência mais do que compensem
as perdas para a sociedade devidãs a um maior poder de mercado que resulta
da fusão.
Na prática, é muito difícil medir os ganhos de eficiência resultantes de
uma fusão horizontal. Além disso, verifica-se normalmente um problema de
incentivos e assimetria de informação: os agentes que melhor conhecimento
têm sobre os ganhos de eficiência são justamente as empresas participantes na
fusão; e estas terão interesse em exagerar a avaliação destes ganhos, com vista
à aprovação da fusão pelas autoridades competentes. No entanto, a ideia de
Stigler sugere que, em certas situações, o simples facto de as empresassestarem
*0 argumento de Stigler foi formalizado por Stephen Salant, Sheldon Switzer e Robert
Reynolds, “Losses Due to Merger: The Effects of an Exogenous Cbange in Industry Structure
on Cournot-Nash Equilibrium”, Quarterly Journal of Economics 98 (1983), 185-199. Veja-
-se no entanto o Exercício 5.2, baseado na análise de Martin K. Perry e Robert H. Porter,
“Oligopoly and the Incentive for Horizontal Merger”, American Economic Review 75 (1985),
132 Capítulo 6. F.nsÕes e aquisições

interessadas em proceder à fusão pode ser tomado como prova suficiente de


que os ganhos mais que compensam as perdas de bem estar social.
Especificamente, consideremos um oligopólio de Cournot com simetria de
custos. Do Capítulo 3, sabemos que os valores de equilíbrio são dados por

-s \
\ a —c
qnN -— (6.1)
b(n + 1)
n a —c
•; X ï (6.2)
li
— — — -X ' n +1 b
'S (LI* 1 n
----- - a _j------- —c. (6.3)
n+ 1 n+1
Suponhamos, para simplificar, que a = b — 1 e c = 0. Nesta situação, o
excedente do consumidor é igual a
V
C = i(.-W = ! ( ^ ) 2. ,6 ,)
V

Estaremos interessados em considerar uma fusão entre duas das n empresas.


Neste sentido, convém determinar os lucros das restantes n empresas não
participantes na fusão. O total destes lucros é dado por

n 0 = (n - 2 ) { P n - c) Q n = (n - 2) )" . (6.5)

Assim, o excedente total correspondente aos agentes não participantes na fusão


(consumidores e empresas não participantes na fusão) é dado por

w0 sc+n 0 = ( ^ tí ) 2 ( y +n_2) ’ <«•«>


onde se assume n > 2.
A questão está agora em saber quais os valores de n para os quais uma fusão
entre duas empresas implica uma variação positiva do valor de W o. De facto,
uma variação positiva de Wo é condição suficiente para que a fusão implique
um acréscimo no excedente total: por um lado, o excedente correspondente
aos agentes não participantes na fusão varia positivamente; por outro lado,
o excedente correspondente aos agentes participantes na fusão varia também
positivamente, ou não estariam eles interessados em proceder à fusão.
Verificando-se uma fusão entre duas empresas, o novo valor de Wo é dado
por
6.3. integração vertical 133

^G)2( ^ +I1-2)- M
Para obter este valor, substituímos n por n - 1 na Equação 6.6, excepto na
última parcela, onde o valor de n —2, o número de empresas não participantes
na fusão, se mantém constante.
Depois de algumas manipulações algébricas, mostra-se que W0 > Wo se
e só se n for superior ou igual a 4 (supondo que n é inteiro). Isto é, se a
quota de mercado das empresas participantes na fusão for inferior a 50%,
então o impacte de uma fusão voluntária no bem estar social é positivo. O
valor “mágico" aqui obtido, 50%, depende crucialmente da hipótese de lineari­
dade. No entanto, mostra-se que, em geral, existe um valor crítico da quota de
mercado das empresas participantes na fusão tal que o impacte de uma fusão
voluntái ia no bem estar social é positivo se a* quota de mercado das empresas
participantes for inferior a esse valor crítico?
Esta análise parece dar razão às directivas de política de concorrência que
determinam níveis críticos de quota de mercado a partir dos quais uma fusão
deve ser proibida ou, pelo menos, investigada pelas autoridades de defesa da
concorrência, antes de que a respectiva autorização seja dada. No capítulo
final deste livro veremos em que medida a política de concorrência europeia
reflecte este tipo de considerações.

6.3 Integração vertical


O fabrico de qualquer produto ou a oferta de qualquer serviço são compostos
por diversos estádios, desde as matérias-primas até ao produto ou serviço fi­
nal, passando pelos produtos ou serviços intermédios. Aos diversos estádios
de produção corresponde uma série de empresas que se encontram vertical­
mente relacionadas, isto é, uma sendo fornecedora da seguinte. Na medida
em que este número de empresas for mais ou menos reduzido, dizemos que
se verifica um maior ou menor grau de integração v ertical das actividades.
Caso contrário, fala-se de desintegração vertical, ou, mais correctamente, se­
paração vertical. Por exemplo, é comum que as fábricas de cimento sejam
proprietárias de pedreiras (integração a montante) e também de empresas de
betão (integração a jusante). Trata-se, por conseguinte, de um sector com

2Gfí. Joseph Farrell e Cari Sliapiro, “Horizontal Mergers: An Equílibrium Analysia”,


American Economic Review 80 (1990), 107-120.
; U jp t r f V r tsn A ~ f V im
134 Capitulo 6. Fusões e aquisições

elevado grau de integração vertical. O grau de integração será ainda supe­


rior se as empresas de cimento forem proprietárias de empresas de construção
civil (ou vice-versa) e, finalmente, de empresas imobiliárias (considerando a
habitação como o produto final).
Quais são os factores que determinam o grau de integração vertical? Nal-
guns casos, trata-se de factores tecnológicos. Consideremos, por exemplo, o
fabrico de folhas de aço. Se a empresa que fabricar as folhas de aço for diferente
da empresa que fabricar o aço, então a empresa a jusante terá de incorrer o
custo de reaquecer o aço. Pelo contrário, caso se verifique integração vertical,
este custo pode ser evitado, fabricando o aço e as folhas de aço na mesma
fábrica. Como o custo de reaquecer o aço é bastante elevado, temos aqui um
bom motivo para que se verifique integração vertical.
No entanto, a evidência empírica mostra que, salvo poucas excepções (como
seja o fabrico de folhas de aço), os factores tecnológicos são relativamente
pouco importantes. Por conseguinte, poder-se-ia esperar que o grau de inte-
graçâo vertical fosse tipicamente muito pequeno, sendo as transacções entre
cada estádio de produção efectuadas através do mercado. De facto, é sabido
que, numa situação de informação perfeita, os mercados concorrenciais são
a forma mais eficiente de afectar recursos. Mas então o argumento pode ser
levado até ao extremo: por que é que existem empresas?! Um motivo óbvio é
a existência de economias de escala, e a consequente necessidade de associação
de um certo número de trabalhadores numa determinada actividade. Ponha­
mos então a questão nos seguintes termos: por que é que existem empresas
englobando diversos estádios de produção? Porque é que não se verifica esne-
cializaçao total das actividades produtivas ao nível de cada empresa, deixando
o resto para o mercado?
A moderna T eoria d a E m p resa, desenvolvida justamente a partir destas
questÕei,~"poe o ênfase das suas respostas nos custos de transacção e orga­
nização.3 Segundo R. Coasc, o problema com o argumento de que o mercado
<Ta forma mais eficiente de organização ê que as transacções envolvem um
dispêndio de recursos bastante significativo. De facto, um dispêndio de re­
cursos que pode superar em muito a suposta poupança devida à afectação
eficiente dos recursos produtivos. A integração vertical permite justamente
poupar estes custos de transaccão.
Um dos desenvolvimentos recentes mais importantes da Teoria da Em­
presa, devido a O. Williamson, relacionados custos de transacção e os in-

3Cfr. Ronald Coase, “The Nature of the Firm", Economica 4 (1937), 386-405. Herbert
A. Simon, Modeli of Man, New York: Wiley, 1957.
/
é
6.3. integração vertical 135
(
centívos para a integração vertical mm « possibilidade de co m p o rtam ento t
o p o rtu n ístic o em situações de investim R ^Q ^ p eçífico-4 Diz-se que deter-
minado investimento produtivo é específico quando apenas pode ser utilizado
para o fim a que foi inicialmente destinado. Por exemplo, uma máquina de t
fabricar garrafas de Coca-Cola corresponde a um investimento específico, na ^
medida em que o c/esign da garrafa em questão apenas pode ser utilizado pela
empresa Coca-Cola, empresa que detém a patente da dita garrafa. Claro que *
é sempre possível alterar a máquina de modo a produzir uma garrafa dife- (
rente, por exemplo, uma garrafa de Pepsi. Neste sentido, faz mais sentido
falar em g ra u d e especificidade do que propriamente em investimento es- *
pecífico por oposição a investimento não específico. Concretamente, quanto f
maior for o custo de adaptação da máquina, maior é o grau de especificidade
do investimento inicial.
Antes de proceder à análise formal do problema do comportamento opor- t
tunístico, começamos com a apresentação de um caso clássico de integração
vertical, relacionado com a produção de chassis de automóvel.5 No princípio do i
século, isto é, nos primórdios da indústria automóvel, a tecnologia de produção /
de cliassis implicava relativamente pouco investimento específico (os chassis
eram normalmente fabricados em madeira). As relações entre os fabrican- i
tes de chassis e os fabricantes de automóveis eram normalmente regidas por t
contratos de curto prazo, renegociados anualmente.
À medida que se foi substituindo a madeira pelo metal,-foram-se introdu­
zindo novas tecnologias requerendo investimentos cada vez mais específicos, ?■
nomeadamente máquinas que moldam o aço com a forma de um determinado
chassis. Como resultado desta mudança tecnológica a General Motors, um dos
maiores fabricantes, resolveu assinar um contrato de longo prazo com o seu ?-
principal fornecedor de chassis, a Fisher Body.
Durante a vigência deste contrato, ocorreram alguns factos inesperados,
em particular factos não previstos no contrato. Em primeiro lugar, a procura f
de automóveis foi bastante superior ao previsto. Como resultado, a GM pediu f
a revisão do contrato no que respeita à quantidade a fornecer, o que impli­
cou também a renegociação do preço a pagar por chassis. Em segundo lugar, L
verificou-se que os custos de transporte de chassis eram superiores relativa-
mente às estimativas iniciais. Como resultado, a GM pediu à FB a mudança
;______________________ A
4Cfr. O li ver Williamson, Markets and Hierarchies, New York: FYee Press, 1975; The
Economic Institutions of Capitalism, New York: Free Press, 1985. ■'
5Para um relato mais pormenorizado, vd. Benjamin Klein, Robert Crawford e Armen Al-
chiah, “Vertical Integration, Appropriable Rents, and the Competitive Contracting Process”, f
Journal of Law and Economics 21 (1978), 297-326.
136 Capítulo 6. IhsÔes e aquisições

da fábrica para junto da fábrica da GM.


A Fisher Body resistiu bastante às propostas da Générai Motors, especial­
mente à proposta de mudança do local da fábrica. De facto, uma fábrica junto
das instalações da GM tornaria qualquer investimento futuro ainda mais es­
pecífico, devido ao acréscimo dos custos de transporte até às instalações doutro
fabricante de automóveis.
O processo de negociação entre a GM e a FB prolongou-se, sem resultados,
durante bastante tempo. Em 1922, a General Motors comprou a Fisher Body.
O exemplo da General Motors e da Fisher Body ilustra alguns dos proble­
mas das relações verticais em situações de investimento específico. Teorica­
mente, seria possível estabelecer contratos de longo prazo que dessem a cada
parte a segurança necessária para um investimento específico (por exemplo,
uma fábrica próxima do cliente). No entanto, a realidade é mais complexa
do que as cláusulas contratuais podem prever, o que implica que seja normal­
mente necessário renegociar o contrato com base em informação futura (por
exemplo, as condições da procura). Por outras palavras, não é normalmente
possível estabelecer contratos de longo prazo **à pçova de tudo”. Isto implica
que, se o investimento em questão for de facto muito específico, então ámnica
forma de internalizar todos estes efeitos^seja a integração vertical.
Para analisar estes aspectos numa perspectiva mais formal, consideramos
agora um modelo simples de uma relação vertical com investimento específico e
contratos incompletos.0 Suponhamos que existe um comprador (por exemplo,
General Motors] e um vendedor (por exemplo, Fisher fíocM. Para que se
estabeleça uma relação entre os dois, é necessário que o comprador e o vendedor
procedam a investimentos específicos nos montantes x e y, respectivamente.
Em lugar de supor que os valores de x e y são exogenamente determinados,
vamos considerar um contínuo de possibilidades. O investimento x determina o
valor do produto final, de acordo com a função b(x), com b'(x) = db{x)/dx > 0.
O investimento y, por seu turno, determina cunisto de produção do produto
intermédio, de acordo com a função cfid. com d (v ) < 0. Por exemplo, x
poderá corresponder a um investimento no design do modelo para o qual os
chassis são fabricados. Por seu turno, um exemplo de y será o investimento da
Fisher Body numa ligação por caminho de ferro entre a sua fábrica e a fábrica
daGM.
As hipóteses fundamentais sobre este modelo são que:1

11Este modelo é adaptado de £anford G rosam an e Oliver Hart, “The Costa and Benefits.
of Ownershíp; A Theory of Vertical and Lateral Intégration” , Journal of Politiml Ecünomy
94 (1980), 091-719.
6,3. Integração vertical 137

1. Os investimentos x e y são específicos, isto é, x apenas vale quando


associado a y e vice-versa.

2. Os investim entos x e y tê m produtividade m arginal decrescente, isto é,


&(■) é uma função côncava e c( ) uma função convexa.

3. Não é possível escrever um contrato completo contingente nos valores de


x e y (our b e c).

A sequência de movimentos ê a seguinte: primeiro, as empresas escolhem


simultaneamente os investimentos x e y. Por hipótese, x e y são medidos em
escudos, pelo que o custo do investimento é simplesmente dado por x e y. Num
segundo estádio, as empresas negoceiam o valor do preco de venda dos chassis.
(Para simplificar, assumimos que o número de unidades a transaccionar é
estabelecido à partida; sem perda de generalidade, assumimos também que
este valor é igual a um — 1 milhão, por exemplo.)
A forma mais correcta de cesoLver um iogo deste tipo consiste em primeiro
analisar o segundo estádio em função do resultado do primeiro; e depois o
primeiro, dados os resultados previstos para o segundo. O segundo estádio
consiste na negociação do preço de venda do chassis. Diz-nos a Teoria da
Negociação que o resultado de um processo de negociação deste tipo deverá
levar à divisão equitativa do excedente da transacçao.7 Ora o excedente da ^ ^ y
transacção é dado pela diferença entre o benefício que o comprador tem, Ò(x),
e o custo que o-vendedor suporta, c(y). Note-se que estes são benefícios e v -c
custos de produção; excluem-se portanto os custos de investimento, que por ^ t
altura do segundo estádio são já custos irreversíveis. A divisão equitativa do
excedente significa que o preço por chassis será dado por „

f .- V v t
P = c(y) + ^{b{x) - c(y)). ( 6 .8 )

Consideremos agora o__prjmeiro estádio, tendo em conta o resultado pre­


visto para o segundo estádio. O lucro total do vendedor (isto é, incluindo
custos de investimento e custos de produção) é dado por
fl'/ = r - - y
Uv = p - c(y) - y -J - V -i f H . / y
"i *
= c{y) + - (6(x) - c(y)) - c(y) - y f '' * * n

/ - e - 5
x
7Isto supondo que se verificam uma série de hipóteses; cfr. Ariel Rubinstein, “Perfect
Equilibrium in a Bargaining Model", Econométrica 50 (1982), 97-109. ^ £
:
- v ... o -

A>
138 Capítulo 6. Fusões e aquisições

= í( 6 ( s ) - c ( y ) ) - y , (6.9)

enquanto que o lucro do comprador é dado por (verifique)

n c = ^ (Hz) - c(y)) - x. (6.10)


A solução de equilíbrio ê dada por max Ilc em ordem a x e max ÍIWem
ordem a y. Como as funções &(•) e c(*) são respectivamente côncava e convexa,
as condições de primeira ordem são suficientes para os máximos considerados.
Assim, temos

Í 6 '( x ) - 1 = 0

= 0. ( 6 . 11)

ou simplesmente

b'(x) = 2
-c'(y) = 2. ( 6 . 12)

Consideremos agora a solução eficiente. Esta corresponde ao óptimo de


um planeador central aue maximize os lucros conjuntos das duas empresas.
Como p corresponde a uma transferência entre as empresas, o lucro total será
dado por

^ n t = 6(z) - c(y) - x - y . (6.13)


As condições de primeira ordem implicam que
*P
6'(z) —1 = 0
~ c(y) - 1 = 0, (6.14)

ou simplesmente

b’(x) = 1
-c '(y ) = 1. (6.15)
6.3. Integração vertical ■■< • ., 139
Jy.-Z. ^ Y- t
Comparando (6.12) e (6.15), e tendo em conta que &(•) e —c(-) são funções
côncavas, concluímos que os valores de equilíbrio de x e y são inferiores aos
valores eficientes. (Recorde-se que as funções côncavas têm primeira derivada
decrescente. Logo, quanto maior for f/fx), menor tem de ser o valor de x, o
mesmo se verificando em relação a —c(y).)
A intuição destes resultados é que a especificidade do investimento, junta-
mente com o facto de os contratos serem incompletos, leva a um problema de
oportunismo. Não é possível escrever um contrato de longo prazo que deter­
mine, à partida, o preço de transferência entre vendedor e comprador. Pelo
contrário, o preço de transferência resulta de um processo de negociação. Ao
longo deste processo, cada empresa sabe que o investimento da outra empresa
tem validade nula se não for associado com o seu investimento; e procura ex­
plorar oportunisticamente esta vantagem estratégica. A solução do estádio de
negociação resulta então do equilíbrio entre os poderes de negociação das duas
empresas.
Antevendo o processo de negociação, ambas as empresas sabem que o
preço resultará da divisão equitativa do excedente de benefícios. Mas então,
o benefício de ümã unidade marginal de investimento, seja investimento para
aumentar o benefício da produção, seja investimento para reduzir o custo de
produção, será dividido entre a empresa que paga esse investimento e a outra
empresa. Esta divergência entre quem paga o investimento marginal (uma
das empresas) e quem recebe o benefício daí resultante (as duas empresas, em
partes iguais) é o motivo por que se vennca a cnvêrgência entre a solução de
equilíbrio e a solução eficiente.
Deve notar-se, no entanto, que« integração vertical não resolve necessaria­
mente estes problemas. Antes de mais, é necessário precisar o que se entende
por integração vertical. Suponhamos que a General Motors compra a Fisher
Body (integração a montante). A nossa hipótese é que, após este processo de
integração vertical, t odos os custos e _benefícios (x, y, b(x),c(y)) são directa-
mente suportados_j).ela_ GM. No entanto, os dedsores que originam os valores
x e u são ainda os. mesmos. Isto é, supomos que a integração vertical cor­
responde a uma transferência da propriedade dos meios de produção (e dos
lucros) mas não a uma transferência total do poder decisório.8
A transferência dos direitos de propriedade decorrente da integração ver­
tical leva a uma nova estrutura de incentivos. Do ponto de vista da General
Motors, o lucro total é agora dado por

8Esta hipótese não está isenta de crítica. A noção de integração vertical é justamente um
dos pontos centrais de discussão da actual Teoria da Empresa.
140 Capítulo 6. Fusões e aquisições

Ilc = b{x) - c(y) - x - y - w (6.16)

onde w ê o salário (constante) pago ao gestor da Fisher Body.


Dado que IIC é igual ao lucro total acima considerado menos uma cons­
tante w, o valor de x. escolhido pelo gestor da GM. será agora eficiente. Peio
contrário, nada garante que q valor de y seja eficiente. O gestor da Fisher
Body recebe um salário fixo, independente da prestação da nova FB-GM. Do
seu ponto de vista, qualquer valor de y implica a mesma utilidade. Aliás, se
maiores valores de y implicarem menor utilidade (devido, nomeádamente, à
desutilidade de um maior esforço por parte do gestor), então o valor de v esco­
lhido será igual a,zero, isto é, um valor ainda mais baixo do que sem integração
vertical.
Este exercício, embora bastante estilizado, permite compreender um dos
balanços fundamentais no processo de integração vertical. Pnr um ladn,_a
integração tende a melhorar o problema tios incentivos do decisor da empresa
adquirente; de facto, a escolha de x passou a ser eficiente. Mas, por outro lado,
a integração tende a piorar o problema de incentivos do JecisoF da eínprèsa
adquirida; no caso considerado, a escolha de y passou a ser ainda menos efi­
ciente. Note-se que, implicitamente, foi assumido que não é possível contratar
com um gestor um valor determinado de y. Mais uma vez, a hipótese de que
os contratos são incompletos assume um papel crucial.
A evidência empírica mostra que o modelo e as hipóteses aqui considera­
dos são razoavelmente realistas. Um exemplo concreto é dado mais uma vez
pela General Motors, neste caso a propósito de uma joint venture estabelecida
com a Toyota para a construção de automóveis numa fábrica na Califórnia
(NUMMÍ). Nesta fábrica, existem três tipos de fornecedores: empresas ja­
ponesas, empresas americanas independentes, e empresas do grupo GM. O
controlo de qualidade das peças adquiridas segue aproximadamente o seguinte
critério: quando se trata de fornecedores japoneses, não se procede a qualquer
controlo; tratando-se de fornecedores americanos independentes, segue-se um
sistema de controlo por amostragem; finalmente, as peças dos fornecedores do
grupo GM são sujeitas a um controlo muito exaustivo.9
Refira-se a propósito que o balanço não se limita necessariamente ao bi­
nómio integração/separação vertical. A experiência do Japão nas últimas
décadas é disto um óptimo exemplo. O sistema japonês de grupos de empresas
(keiretsu) consegue um balanço favorável entre os benefícios da integração, e

9Esta informação foi obtida de diversos quadros da empresa.


6.4. A hipótese de maximização do lucro 141

os benefícios da separação. Por um lado, o facto de as empresas serem fi-


nanceiramente independentes leva a que os incentivos gara a jdiciência sejam
grandes. Por outro lado, o facto de pertencerem ao mesmo grupo dipiinui
muito a tendência para o comportamento oportunístico. Isto é especialmente
verdade na medida em quedada keiretsu é norm alm ente“cKêfiado” por um
dos grandes bancos que, sendo parcialmente proprietário das várias empresas
do grupo, actua como “árbitro” em situações de disputa.10
Desta forma, os fabricantes podem associar-se estavelmente a um número
reduzido de fornecedores (do mesmo grupo), sem com isso incorrer num risco
muito elevado. A relação entre fabricante e fornecedor baseia-se num contrato
de longo prazo mais ou menos implícito pelo qual o fornecedor se compro­
mete a cumprir as exigências “razoáveis” do fabricante, incluindo metas de
produtividade, enquanto que o fabricante se compromete a manter o mesmo
fornecedor caso as metas sejam cumpridas.
O sistema japonês contrasta com o sistema tradicional americano (e, em
certa medida, europeu), segundo o qual os contratos são estabelecidos em
prazos relativamente curtos (tipicamente 2 anos). No final de cada período
contratual, todos os fornecedores têm possibilidade de ganhar o novo con­
trato, desde que submetam uma proposta suficientemente atractiva. Como
se pode calcular, este sistema tem a vantagem de conseguir preços mais bai­
xos (porque incentiva a concorrência entre fornecedores); mas, ao dar poucas
garantias de permanência a cada fornecedor, traduz-se em fracos incentivos
para investimentos de longo prazo. Recentemente, os construtores ocidentais,
especialmente os americanos, têm procurado imitar os japoneses neste aspecto
(bem como noutros), sendo os resultados ainda difíceis de avaliar. A grande
questão, aliás, continua a ser a distinção entre a parte do sucesso japonês
que se deve à optimalidade do sistema organizativo, quer ao nível empresarial
quer ao nível sectorial, e a parte que se deve simplesmente à mentalidade do
trabalhador e do gestor japoneses.

6.4 A hipótese de maximização do lucro


Uma das características mais marcantes das economias ocidentais modernas é
a separação entre propriedade e gestão. Esta separação resultou da necessidade

10Este foi o caso, por exemplo, da intervenção do Sunítomo Bank na disputa entre a Su­
rii torno Metal Industries e a Matsushita Electric. Cfr, Michael Gerlach, “Business Alliances
and the Stragegy of the Japanese Firin’*, California Management Review, Outono de 1987,
126-142.
142 Capítulo 6. Fusões e aquisições

tio partilha do risco em vista da dimensão crescente das empresas, e, por outro
lado, do desenvolvimento das “ciências empresariais”, com a concomitante es­
pecialização da activídade de gestão de empresas. Nalguns países mais do que
noutros, o predomínio das sociedades anónimas é hoje um fenómeno marcante.
Os accionistas, proprietários das sociedades anónimas, são normalmente em
grande mimero, centenas ou mesmo milhares. O controlo da empresa, no
entanto, encontra-se nas mãos dos gestores designados pelos accionistas.
Embora os proprietários controlom indirectamente os destinos da empresa,
na medida em que podem escolher e substituir os gestores, põe-se aqui o pro­
blema da divergência de objectivos entre accionistas e gestores. Os accionistas
estão naturalmente interessados na maximização do lucro, no sentido lato de
maximização do valor actualizado da empresa. Os gestores, pelo contrário,
podem ter — e frequentemente têm — outros interesses. Concretamente, os
gestores preocupam-se mais frequentemente com a sua própria carreira do que
com o sucesso da empresa; e nem sempre estas preocupações coincidem. Como
as decisões são tomadas pelos gestores e não pelos accionistas, põe-se a questão:
será a maximização do lucro uma hipótese razoável sobre o comportamento
das empresas?

■ A rg u m en to s favoráveis e arg u m en to s co n trário s. A realidade da se­


paração entre propriedade e gestão levou vários autores a desenvolver teorias
alternativas sobre os objectivos dos gestores (alternativas à teoria da maxi­
mização do lucro). Por exemplo, W. Baumol argumenta que o objectivo dos
gestores deve ser o da maximização da dimensão da empresa, em particular
maximização das. vendas.11 De facto, é notório que as regalias dos gestores
— desde o salário até ao automóvel que lhes é atribuído — se encontram po­
sitivamente relacionadas com a dimensão da empresa. O argumento é então
que, ao aumentar a dimensão da empresa, o gestor melhora as suas próprias
condições — mesmo que à custa dos lucros da empresa. O problema com este
argumento, em particular com a “evidência empírica” apresentada, é que a
simples correlação não implica a causalidade. O facto de os gestores das maio­
res empresas receberem maiores salários não implica que se consiga aumentar
o salário aumentando a dimensão da empresa.
Uma primeira defesa da hipótese de maximização do lucro consiste no argu-
mento de que, em líltima análise, quem controla a empresa é quem controla os
11William Baumol, Business Behavior, Value and Growth, New York: McMillan, 1959.
Teorias semelhantes a de Baumol encontram-se em Oliver Williamson, “Managerial Discre­
tion and Business Behavior” , American Economic Review 53 (1963), 1032-1057; R. Marris,
The, Economic Theory of ‘Managerial’ Capitalism, London: McMillan, 1964.
6.4. A hipótese de maximização do lucro 143

gestores — os accionistas. Suponhamos que x representa o vector de variáveis


que o gestor tem de escolher, e que x* são os valores óptimos que maximi­
zam o valor da empresa (um dos componentes de x poderá ser, por exemplo,
a quantidade a produzir). Então, bastará que os accionistas proponhaip ao
gestor um contrato que especifique “ou você escolhe x* ou é despedido” para
que o óptimo dos accionistas seja realizado pelos gestores.
Este tipo de contrato teria na prática dois tipos de problemas, ambos re­
sultantes de assimetrias de informação. Em primeiro lugar, nem sempre é
possível observar as acções dos gestores, pelo que não faz sentido estabelecer
cláusulas contratuais do tipo acima descrito. Normalmente, as variáveis obser­
vadas pelos accionistas são uma função x ~ x(a, 0i) quer das acções escolhidas
pelos gestores e não observáveis directamente (a), quer de um certo número
de variáveis aleatórias (0i). Em segundo lugar, a própria escolha óptima x ê
frequentemente desconhecida pelos accionistas. Quando muito, eles conhecem
o valor óptimo x($ 2 ) como função de uma variável 02 que apenas o gestor
conhece (por exemplo, parâmetros da tecnologia da empresa que afectam a
função custo).
Este tipo de situações, isto é, situações de assimetria de informação em que
um dos agentes não conhece a acção ou o tipo do outro agente, são o obiecto
da denominada T eoria do P rin cip al e do A g en te.12 Q objectivo desta
teoria consiste em encontrar mecanismos de compensação que facam coincidir
os incentivos do principaL(os accionistas, no nosso caso) com os do agente (o
gestor, no nosso caso).
Suponhamos, para começar por um caso extremo, que o agente é neutro
em relação ao risco e não enfrenta quaisquer restricões_financeiras. Então,
mostra-se que a solução óptima consiste em o principal vender a empresa, ao
agente (um m an ag em ent buy-out, no nosso caso). Desta forma se garante
que ã escolha feita pelo agente é óptima (porque não se verifica já divergência
entre gestão e propriedade), recebendo os accionistas o valor correspondente à
maximização do lucro (o valor que o gestor está disposto a pagar pela empresa).
A solução é, por conseguinte, eficiente: os lucros são maximizados.
12Um exemplo de assimetria qtianto ao conhecimento da acção é o esforço dispendido
pelo gestor. Normalmente, os accionistas não têm conhecimento dp tempo que o gestor
permanece na empresa, nem sabem se o gestor reaimente se dedica aos problemas da empresa
ou se simplesmente joga mini-golfe no gabinete. Este tipo de problema designa-se por risco
m orai, tradução do inglês moral hazard.
Um exemplo de assimetria quanto ao tipo do agente é a informação sobre a tecnologia.
Normalmente, o gestor conhece melhor a função custos do que os accionistas; e as decisões
óptimas, nomeadamente a quantidade a produzir, dependem dessa função custos. Este tipo
de problema designa-se por selecção ad v ersa, tradução do inglês adverse seíection.
144 Capítulo 6. Fusões e aquisições

Claramente, este argumento não é, em geral, válido: em primeiro lucrar,


porque os gestores não são neutros em relação ao risco; em segundo lugar, por-
que as restrições de financiamento os impedem de concretizar todas as compras
que desejariam . C aso contrário, a figura do gestor-proprietário deveria pre­
dominar. Mas, apesar da vaga de management buy-outs a que se assistiu na
última década, a separação entre gestão e propriedade continua sendo a regra.
Dado que os gestores são avessos em relação ao risco, a solução óptima do
problema do principal-agente corresponde a um compromisso entre eficiência
e partilha de risco entre proprietário e gestor .13 De facto, a evidência empírica
parece consistente com este tipo de solução intermédia: tipicamente, a forma
de compensação dos gestores combina um salário fixo com bónus e opções de
compra de acções da empresa em função do sucesso da mesma, nomeadamente
em função dos lucros da empresa.14 Estas soluções intermédias, embora ate­
nuem o efeito da separação entre gestão e propriedade, não o resolvem —
verifica-se ainda divergência em relação à solução que maximiza o lucro; quão
importante é esta divergência?
Há pelo menos três tipos de argumentos no sentido de a divergência ser
pouco significativa: pressões do mercado de t rabalho, pressões do mercado do
produto e pressões do mercado de capitais. Começamos por nos referir às duas
primeiras, deixando a terceira para uma secção separada.
Vários autores argumentam que, havendo um mercado de gestores de em­
presa, ou mesmo um mercado de gestores de empresa de determinado ramo,
os incentivos para os gestores maximizarem o lucro devem ser muito fortes. A
ideia é que um gestor que não maximize o valor actualizado da empresa acaba
por ser substituído por outro que se encontre desempregado (ou que seja trans­
ferido de outra empresa para auferir um salário superior) .15 O problema com
este argumento, claro está, encontra-se na questão de incerteza e assimetria
de informação já referido acima. No entanto, é indiscutível que o argumento

13Uma outra situação de compromisso entre eficiência e partilha de risco é o contrato


entre agricultor e proprietário da terra. É muito comum encontrar situações que combinam
o arrendamento com a partilha de colheitas.
14A evidência empírica índica também que o problema de assimetria no conhecimento do
tipo (02 no exemplo acima) é mais importante que o problema da assimetria no conhecimento
das acções do gestor (0i no exemplo acima); cfr. Kevin J. Murphy, “Incentives, Learning, and
Compensation: A Theoretical and Empirical Investigation of Managerial Labor Contracts”,
Rand Journal of Bconomics 17 (1986), 59-76.
15Eugene Fama, “Agency Problems and The Theory of the Firm” , Journal of Political
Economy 88 (1980), 288-307, Evidência empírica pode encontrar-se em Michael Jensen e R.
Riiback, “The Market for Corporate Control: The Scientific Evidence", Journal of Financial
Economics 11 (1983), 5-50.
6.4. Á hipótese de maximização do lucro 145

tem em si algum valor. Por exemplo, uma das razões para a relativa ine­
ficiência das empresas públicas em relação às empresas privadas encontra-se
ju stam en te n a segurança de em prego dos gestores públicos, segurança essa que
reduz significativam ente os incentivos p ara a eficiência.16
Isto leva-nos à questão do mercado do produto. Mesmo que os accionistas
não consigam avaliar em absoluto a prestação dos seus gestores, a tarefa será
bastante facilitada quando houver outras empresas semelhantes com quem se
possam comparar. Aliás, uma das causas da ineficiência-X .em monopólios
tem a sua origem justamente na dificuldade de proceder a comparações entre
gestores.17 No entanto, embora sejam muito frequentes as situações em que
uma empresa está sujeita à concorrência de outras empresas, são bem mais
raras as situações em que as empresas são suficientemente semelhantes para
que possam servir de termo de comparação ao avaliar a eficiência do trabalho
dos gestores.

■ A quisições e m axim ização do lucro. Os anos 80 foram anos de grande


actividade nos mercados de capitais: o movimento de fusões è aquisições atin­
giu, quer na Europa quer principalmente nos Estados UnidõS, níveis sem pre­
cedentes até então. Concomitantemente, ressurgiu entre os economistas o
interesse pelo efeito das compras de empresas na eficiência da gestão, nomear
damente eficiência na maximização do valor da empresa. O argumento a favor
das compras de empresas é que, num mercado de capitais bem desenvolvido, a
compra de empresas constitui um dos factores mais fortes a obrigar os gestores
a maximizar o valor gerado pela empresa (isto é, a maxiípizar o lucro). De
facto, uma empresa que não maximize o lucro constitui um alvo preferencial
de compra, pelo que o mercado de capitais constitui uma ameaça constante
para o gestor ineficiente.18
Suponhamos que o lucro máximo da empresa corresponde a tt*. Suponha­
mos também que as decisões do gestor aetual são tais que o- lucro é dado por
7T° < tt*. Se os investidores na bolsa tiverem a expectativa de que a gestão

16Em Portugal e até há pouco tempo, os gestores públicos eram empregados da holding In­
vestimentos e Participações do Estado e tinham uma carreira própria como gestores públicos.
I7Cfr. Harvey Leibenstein, "Allocative Efficiency and X-Efftciency", American Economic
Review 56 (1966), 392-415. Em sentido contrário, vd. Michael Jensen e W. Meckling,
“Theory of the Firm: Managerial Behavior, Agency Costs, and Capitel Structure” , Journal
oj Financial Economics 3 (1976), 305-360. 1
180 argumento contra a compra de empresas ê que estas correspondem unicamente a uma
actividade especulativa sem qualquer benefício real para a economia.. Aliás, mais do que um
argumento, esta é uma posição ideológica que se estende a outros aspectos da economia de
mercado moderna.
146 Capítulo 6. Fusões e aquisições

actual se manterá no futuro, então a capitalização da empresa é igual a tt° /r


(isto é, os lucros futuros esperados descontados), onde r é a taxa de juro. Mas
então, o que um raider pode fazer nesta situação é comprar as acções da em­
presa (ou o montante necessário para conseguir o controlo), despedir a actual
gestão, e contratar um gestor que tome as decisões correspondentes a 7r*. O
ganho do raider é dado por a(w* —7r°)/r, onde a é a fracção do capital adqui­
rido. Logo, enquanto ir* - n° for muito diferente de zero, os incentivas para
a compra da empresa são muito elevados. Em equilíbrio, deverá verificar-se a
maximização do lucro, pelo menos aproximadamente.
Este argumento tem, no entanto, várias limitações. Em primeiro lugar,
deve notar-se que o processo de aquisição de uma empresa envolve elevados
custos (para além de implicar uma mobilização significativa de meios finan­
ceiros). Isto é, a condição relevante para que se verifique uma compra é dada
por a{-K* —7T°)fr > C, onde C representa os custos de aquisição. Ora, se o
valor de C for elevado, então as divergências em relação à solução de maxi­
mização do lucro poderão ser significativas.19 O valor de C resulta em geral de
vários factores. Em particular, convém referir o que se designa genericamente
por p rá tic a s defensivas por parte dos gestores instalados: pára-quedas
d o u rad o s, pílulas venenosas, etc. Por exemplo, o estatuto da empresa
pode determinar um valor muito elevado de compensação por despedimento
do gestor.
Um problema mais subtil, mas porventura mais radical, é o chamado p ro ­
b lem a d a b o leia .20 Suponhamos que um raider se propõe conseguir o con­
trolo da empresa através da aquisição de M < N acções, onde N é o número
total de acções. O preço oferecidô pelas acções é (7r° f r ) / N por acção (a cotação
actual). No entanto, um accionista racional que conheça a intenção do raider
não estaria interessado em vender as suas acções por menos de (ít*( r ) / N , pois
este será o valor das acções após a reestruturação da empresa. Mas, tendo
de pagar (ir* f r )/ N por acção, o raider não está interessado em adquirir a
empresa!
O problema está aqui posto de uma forma algo radical. Na realidade, nem
todos os accionistas têm as mesmas expectativas relativamente às potenciali­
dades da empresa, o que permite a realização de transacçÕes vantajosas para
ambas as partes. Por outro lado, mesmo que não se verifiquem divergências
quanto às expectativas, podem ainda verificar-se divergências quanto à valo-
l9Cfr. Frederic Scherer, Industrial Market Structure and Economic Performance, 2a Ed.,
Boston: Houghton Mifllin, 1980.
2QCfr. Sanford Grossman e Oliver Hart, “Takeover Bids, the Pree-Rider Problem and the
Theory of Compctítion”, Bell Journal of Economics 11 (1980), 42 -64.
6.5. Exercícios 147

rização intrínseca das acções de cada empresa, por razões, sentimentais, pelo
desejo de controlo (que vai para além da rentabilidade tout courfc), etc. Algu­
mas das recentes reprivatizações constituem disto um bom exemplo.
Apesar de todas estas dificuldades e limitações, é justo afirmar que as com­
pras de empresas têm desempenhado um papel importante na “fiscalização”
dos gestores das empresas, especialmente nos Estados Unidos e na Inglaterra.
O que se põe em questão, no entanto, é o argumento de que a ameaça de com­
pra da empresa implica a convergência efectiva para a solução de maximização
dos lucros descontados. A experiência de uma década muito activa em fusões e
aquisições, nomeadamente management buy-outs, mostra que estas são formas
efectivas de aumentar o valor da empresa; mas que este aumento corresponde
frequentemente a um aumento de curto prazo.
A ideia é simples: o clima de ameaça constante de compra da empresa
leva os gestores a comportar-se como maximizadores do lucro. No entanto,
há muitas decisões de longo prazo que os gestores deixam de tomar devido à
elevada probabilidade de que venham a ser substituídos. Èste é, aliás, um dos
argumentos mais fortes a favor das tácticas defensivas a que fizemos referência
acima. Isto é, pode ser do interesse dos accionistas que a substituição do gestor
seja muito custosa para um potencial raider. Embora isto aumente a margem
de manobra do gestor (no mau sentido), também permite que ele tome decisões
com uma perspectiva de longo-prazo que não existiria num clima de elevada
rotatividade dos gestores*21

6.5 Exercícios
■ 6 . 1 * Cournot argumentou que, numa situação de monopólio em cada
estádio da produção, a integração vertical tem um efeitb positivo sobre a
eficiência do mercado do produto, na medida em que evita o problema da
d u p la m arginalização.
Suponha que existem dois estádios de produção. Um produto primário
x é utilizado na produção do produto intermédio y à tâxà 1 :1 . O produto
intermédio y, por sua vez, é utilizado na produção do produto final z, também
à taxa 1 :1 . Inicialmente, quer a produção de y quer a produção de x são efec-
tuadas em situação de monopólio, sendo os monopólios independentes entre
si. A oferta de x é perfeitamente elástica, sendo o custo unitário dado por c.*19
21Cfr. Jean-Jacques Laffont e Jean Tirole, “Repeated Auctions of Incentive Contracts, In-
vestment, and Bidding Parity wifch an Application to Takeovers”, Rand Journal of Economics
19 (1988), 557-567.
148 Capítulo 6. Fusões e aquisições

a) Sabendo que a procura pelo produto final é dada por pz = o —bz,


determine a solução óptima do monopolista a jusante dado o preço py.
b) D e te rm in e a p ro c u r a d e riv a d a d o p ro d u to in te rm é d io y (em fu n ção de
Py)-
c) Determine a solução óptima do monopolista a montante, e, com base
na solução derivada em a), o preço do produto final.
d) Suponha que se procede à integração vertical entre os dois monopolistas.
Determine o óptimo do novo monopolista. Mostre que o novo valor de pz é
inferior ao valor determinado em c). Interprete.
■ 6.2 Considere um mercado com três empresas e procura dada por P ~
24 - Q. Os custos fixos e variáveis são iguais a zero. Suponha que cada
empresa tem uma capacidade produtiva máxima igual a 6 unidades.
a) Determine o equilíbrio de Cournot,
b) Suponha que duas das empresas procedem a uma fusão. Determine o
novo equilíbrio.
c) Mostre que a fusão aumenta os lucros das empresas participantes na
fusão, mesmo não se verificando quaisquer ganhos^de eficiência. Comente.
■ 6.3 Procure uma notícia de jornal sobre uma fusão e/ou aquisição de
empresas.
a) Discuta os motivos principais que, na sua opinião, levaram a essa opera­
ção.
b) Qual o impacte da fusão/aquisição no poder de mercado da empresa
em questão, bem como no nível de eficiência económica? Justifique.
c) Pensa ser desejável a intervenção do Estado no caso considerado, e, se
sim, em que sentido? Justifique.
■ 6.4 Considere um triopólio de Cournot com procura P = 500 —Q e custos
marginais constantes ci = 100 e c<i — C3 = 200 .
a) Determine as quotas de mercado de cada empresa.
b) Suponha que se verifica uma fusão entre (i) empresa 1 e empresa 2 ou
(ii) empresa 2 e empresa 3. Calcule as quotas de mercado da nova situação de
equilíbrio em cada um dos casos.
c) Compare o valor do índice de Herfindhal calculado com base nas quotas
de mercado da alínea anterior com o valor obtido supondo que as quotas de
mercado iniciais se mantêm constantes. Comente.
■ 6.5 Considere um oligopólio com n empresas de custos marginais iguais
e constantes. O produto é homogéneo e a elasticidade procura-preço é cons­
tante e igual a um (em módulo). Supondo que se verifica concorrência (i) em
6.5. Exercícios 149

preços ou (ii) em quantidades, determine o acréscimo percentual do preço de


equilíbrio caso se verifique uma fusão entre k empresas.
■ 6 .6 “As companhias aéreas suíça e escandinava, Swissair e SAS, estabele­
ceram um acordo que prevê participações recíprocas de cinco a dez por cento
e uma cooperação em seis sectores-chave, anunciou o presidente do conselho
de administração da Swissair. (...) A cooperação incidirá sobre seis sectores:
o sistema de tráfego (cada vez que não exista ligação directa entre os aero­
portos nacionais e algum destino, recorrer-se-á ao parceiro para suprir essa
dificuldade); a preparação de produtos conjuntos; a organização de vendas e
de escalas (guicheís comuns em países terceiros); a implementação de redes de
dados comuns e de telecomunicações; a cooperação técnica; os serviços hotelei­
ros e restaurantes, incluindo sobretudo o catering.” (cfr. Diário de Notícias,
2 Outubro 1989.) Discuta os aspectos positivos e negativos deste acordo,
contrastando os pontos de vista (i) das empresas e dos consumidores, (ii).da
Suiça/Suécia e dos restantes países europeus.
■ 6.7 Considere um duopólio com procura dada por P = a — Q. O custo
marginal de cada empresa é constante e igual a c.
a) Determine a solução de equilíbrio, supondo que as empresas fixam quan­
tidades simultaneamente.
b) Suponha que as empresas procedem a uma troca de participações no ca­
pital (equity swap) de 7 . Determine a nova situação de equilíbrio em função de
7. Qual o valor de 7 que implica um preço de equilíbrio igual ao de monopólio?
Justifique.
■ 6 .8 A percentagem do custo de um automóvel que corresponde a peças ou
partes compradas a empresas fornecedoras independentes é de 70% no Japão,
50% em França e 30% na General Motors.
a) Quais os factores que influenciam o grau de integração vertical, em geral
e no caso da indústria automóvel?
b) Verifica-se actualmente uma tendência para a concentração das em­
presas fornecedoras em poucas empresas de grande dimensão. Qual o efeito
previsível desta tendência no tipo de relacionamenento entre os produtores de
automóveis e os seus fornecedores?
■ 6.9* Uma grande parte das operações de entrada da-se por aquisição de
empresas já existentes. M. Porter, por exemplo, estima que, para uma deter­
minada amostra de 3 788 operações de entrada, cerca de 70% corresponderam
a operações de aquisição.
R. Caves e S. Mehra, com base numa análise de regressão, concluem que a
150 Capítulo 6. Fusões e aquisições

entrada por aquisição é mais provável em sectores mais concentrados. Apre­


sente um argumento formal que justifique esta observação. Sugestão: con­
sidere um oligopólio de Cournot com n empresas simétricas. Determine o
máximo que um entrante estaria disposto a pagar por uma das empresas exis­
tentes, sabendo que a alternativa consistiria em entrar com uma nova empresa.
Determine também o mínimo que uma das empresas instaladas exigiria pela
empresa, sabendo que a alternativa seria acomodar a entrada de uma nova
empresa. Mostre que a diferença entre estes dois valores é maior quando a
concentração é maior.22
Que outros factores esperaria que influíssem na decisão de comprar por
oposição a construir?

22Este exercício é adaptado da análise de Richard J. Gilbert e David M. Newbery, “Alter­


native Entry Paths: The Build or Buy Decision”, Journal o/ Economies and Management
Slmtegy 1 (1992), 129-150. Aí se encontram também as referências bibliográficas acima
indicadas.
Capítulo 7

Discriminação de preços

7.1 Introdução
NOS CAPÍTULOS anteriores, temos vindo a considerar situações em que as em­
presas fixam o mesmo preço para todos os consumidores e para qualquer quan­
tidade comprada. No entanto, encontram-se múltiplos casos em que tal não se
verifica, quer em situação de monopólio quer em situação de oligopólio: o preço
de uma revista, de um bilhete de avião ou de um kw-hora de electricidade,
etc., variam consideravelmente de comprador para comprador. A prática de
fixar preços diferentes em função do consumidor ou da quantidade comprada
designa-se genericamente por discrim inação de preços.

7.2 Taxinomia da discriminação de preços


Como as situações de discriminação de preços são múltiplas, é útil classificá-
-las de alguma forma. Uma primeira classificação baseia-se no modo como
se procede à discriminação. Nalguns casos, as empresas possuem informação
sobre os clientes, informação essa que se encontra correlacionada com a sua
procura (nomeadamente a disposição a pagar). Se esta informação for publi­
camente verificável, então pode ser utilizada para o estabelecimento de preços
diferentes. Estas políticas, de que os preços especiais para estudantes são um
exemplo, têm a designação de selecção p o r indicadores.
Noutros casos, o vendedor conhece a heterogeneidade de preferências entre
consumidores mas não consegue identificar o tipo de cada consumidor. Mesmo
assim, é possível proceder à discriminação entre compradores através do es­

151
152 Capítulo 7. Discriminação de preços

tabelecimento de ofertas conjuntas que incluam outros elementos para além


do preço. Um exemplo é o das tarifas de avião Pex ou Apex. Estas tarifas
reduzidas exigem, entre outros requisitos, que o passageiro pernoite no local
de destino pelo menos um sábado. Como as viagens de negócios se realizam ti­
picamente durante a semana, esta política permite implicitamente discriminar
entre viagens de negócio e viagens de turismo. Fala-se então de auto-selecção.
Um segundo exemplo é o da publicação de livros. Frequentemente, o editor
lança inicialmente uma edição encadernada a preço elevado, reeditando o li­
vro algum tempo depois brochado e com um preço mais baixo. Desta forma,
consegue-se segmentar o mercado, separando os consumidores com elevada
disposição a pagar, que estão dispostos a pagar o preço de lançamento mais
elevado, dos consumidores com menor disposição a pagar, que estão dispostos
a esperar até à aparição da segunda edição.

Uma segunda classificação baseia-se na natureza do processo de discri­


minação de preços. Esta classificação, devida a A. Pigou, é ainda hoje a mais
comum.1 Distinguem-se três graus de discriminação de preços, que veremos
de seguida.

■ D iscrim inação do prim eiro grau. Esta é a situação em que o vendedor


fixa preços diferentes para cada consumidor e para cada unidade comprada por
cada consumidor; de forma a extrair todo o excedente do consumidor. Um
exemplo clássico é o de um médico de aldeia que conhece todos os habitantes.
Antes de cada consulta, o médico avalia a capacidade de pagar do paciente,
e em função disto determina o preço (eventualmente, também a quantidade e
qualidade) dos serviços a oferecer.
A situação de discriminação do primeiro grau, também conhecida como
discrim inação perfeita, é relativamente pouco frequente na realidade. No
entanto, trata-se de um ponto de referência importante para a análise de outras
situações, nomeadamente no que respeita à análise de bem-estar. A Figura 7.1
representa as situações de monopólio sem discriminação de preços e com dis­
criminação perfeita. O preço de monopólio (sem discriminação) é dado por
B, sendo G a quantidade vendida. O lucro do monopolista é dado pela área
[BCED] e o excedente do consumidor é dado por [ABC]. Consideremos agora
um monopolista com discriminação perfeita. Neste caso, o preço cobrado é
dado pela disposição a pagar de cada consumidor entre A e F. O lucro do
monopolista é, por conseguinte, dado pela área \ADF\, sendo o excedente do*

*A. Pigou, The Economics of Welfare, New York: MacMillan, 1932.


7.2. Taxinomia da discriminação de preços 153

O G

Figura 7.1: Discriminação perfeita e bem-estar.

consumidor nulo.
Comparando as duas soluções, é fácil verificar que o excedente total é
maior na situação de discriminação perfeita (área [ADF]) do que na situação
de monopólio sem discriminação (área [ADEC]). Logo, a possibilidade de dis­
criminação resulta num aumento de eficiência. No entanto, implica também
uma transferência dos consumidores para o monopolista. Este é o balanço que
se verifica tipicamente em situações de discriminação de preços.
Outro aspecto importante é o dos custos d e discrim inação. Suponha­
mos que custa ao monopolista X proceder à discriminação perfeita referida
nos parágrafos anteriores. Suponhamos que [CEF] < X < [C E F ] + [ABC].
Então, embora o processo de discriminação seja vantajoso para o monopolista
(porque X < [CEF] + [ABC]), este resulta numa perda líquida de bem-estar
total (porque [CEF] < X).

■ D iscrim inação do segundo grau. Trata-se da situação em que o


preço unitário varia com a quantidade adquirida mas não com a identidade do
consumidor. Os exemplos típicos desta classe de discriminação são a tarifação
da água, electricidade e telefones. Por exemplo, uma conta de telefone é
composta principalmente pela assinatura mensal (tarifa fixa) e pelo custo das
chamadas (mais especificamente, o custo dos impulsos ao longo das chamadas).
154 Capítulo 7. Discriminação de preços

Devido à existência de uma tarifa fixa, o preço médio por impulso (ou por
chamada local) depende do número de chamadas (quantidade). Esta forma
de discriminação é também conhecida por tarifação não lin e a r .2

■ D iscrim inação do te rc e iro g rau. Esta é a forma mais comum de


discriminação de preços. Corresponde à situação em que o vendedor distingue,
os consumidores em grupos diferentes, fixando um preço diferente para cada
grupo. Os exemplos são abundantes: distinção entre preços de exportação
e preços para o mercado interno (discrim inação espacial); descontos para
possuidores do cartão jovem; etc.
O modelo mais simples de discriminação do terceiro grau consiste num
monopolista com uma fábrica e dois mercados. A função lucro é neste caso
dada por

n (p i,p 2 ) = p iD i( p i) + p 2 D 2(p2) - c [ d \{p i ) + D 2(p2)), (7.1)

onde pi é o preço no mercado i. A condição de primeira ordem consiste em


R\ — J?2 = C", sendo R r a receita marginal e C1 o custo marginal, o que
implica a conhecida re g ra das elasticidades

P1( l - I ) = P2( 1 - I ) = C ' , (7.2)

onde €( = — é a elasticidade procura-preço. Um modelo deste tipo pode


justificar, entre outras coisas, que o preço de exportação seja inferior ao preço
no mercado interno (caso em que a elasticidade procura-preço no mercado
de exportação é suficientemente superior à elasticidade no mercado interno
ao ponto de compensar o acrescido custo de transporte para o mercado de
exportação).
Um caso particular, e extremo, deste modelo, corresponde à situação em
que o vendedor tem uma capacidade limitada e um custo marginal nulo até ao
nível de capacidade (caso de uma empresa de transporte aéreo com dois tipos
de consumidores num voo determinado ou de um estádio de futebol com dois
tipos de espectadores, sócios e não sócios). As condições de optimização são
agora

, 2Esta terminologia è algo confusa. Note-se que, no exemplo acima referido, a tarifa total
paga é uma função linear. A não-linearidade refere-se, no entanto, ao preço médio, não à
tarifa total.
7.3. Exemplos* 155

P, ( l - i ) = 4 - 1 ) (7.3)
91+92 = K,

onde K é a capacidade total.


Em princípio, seria possível distinguir subgrupos dentro de cada grupo
e assim sucessivamente (por exemplo, a zona Norte e a zona Sul dentro do
mercado interno). De facto, mostra-se que os lucros variáveis do vendedor
aumentam com cada subdivisão adicional. 0 que é que detém as empresas
de proceder a uma discriminação cada vez mais minuciosa? Por um lado, o
facto de a discriminação implicar custos, nomeadamente custos administrati­
vos. Por outro lado, a possibilidade de revenda (ou arbitragem), possibilidade
esta que impõe limites à capacidade de o vendedor discriminar (por exemplo,
se os custos de transporte entre o Norte e o Sul não forem muito elevados,
então o vendedor não poderá fixar preços muito diferentes nos dois mercados).
A possibilidade de revenda é, aliás, um dos motivos por que a discriminação
de preços é mais difícil quando se trata de produtos do que quando se trata
de serviços.

No resto deste capítulo, serão considerados alguns casos especiais de discri­


minação de preços. Em primeiro lugar, desenvolvemos um modelo de tarifação
de duas partes (discriminação do segundo grau). Seguidamente, consideramos
o caso da discriminação temporal em bens duráveis (discriminação do ter­
ceiro grau). Finalmente, apresentámos um modelo simples de saldos (também
discriminação do terceiro grau).

7.3 Exemplos*
7.3.1 Tarifas de duas partes
Num sistema de tarifação uniforme, o mesmo preço é pago por cada consu­
midor, qualquer que seja a quantidade consumida. No entanto, em muitas
e variadas situações, empresas monopolistas têm a possibilidade de estabele­
cer sistemas de tarifação não uniforme. Um exemplo muito frequente é o da
tarifação em duas partes: uma parte fixa paga por cada consumidor, inde­
pendentemente da quantidade consumida, e uma parte variável, proporcional
à quantidade consumida. Este tipo de tarifas é normalmente utilizado por
^ 156 Capítulo 7. Discriminação de preços

^ companhias de telefones, companhias de electricidade e parques de diversões,


entre outros.
^ Nesta secção, derivam-se os valores óptimos de uma tarifa de duas partes
em função das elasticidades da procura.3 Sejam4
A — tarifa de acesso
U = tarifa de uso
a = custo marginal de acesso
u custo marginal de uso
N = quantidade total de acesso (número de subscritores)
Q = quantidade total de uso (número de “chamadas”)
4 = consumo (uso) de um subscritor “marginal”
■■) = consumo (uso) médio
Q

;1 O lucro da empresa é dado por

n = N {A - a) + Q(U - u). (7 .4 )

A solução óptima é derivada das condições de primeira ordem com respeito


à tarifa de duas partes (A,U). Comecemos pela determinação da tarifa fixa,
) A:

m dN,A V X .
ÕQ
( U - u ) = 0. (7-5)
dA M i A ~ a ) + N + dA
)
Dado que para consumidores “infra-marginais” uma variação de A corres­
ponde somente a um efeito rendimento, que assumimos nulo, a variação de
Q resulta apenas da variação do número de subscritores, isto é,
Logo, temos

t 8N
-Õ I ( A - a + < K U - u ) ) = - N , (7.6)

ou simplesmente

3Para uma análise mais rigorosa, vd. Walter Y. Oí, “A Disneyland Dilemma: Two-Part
j Tarifls for a Mickey Mouse Monopoly," Quarterly Journal of Economics 85 (1971), 77-96.
O objectivo considerado, em ambos os casos, ê o da maximização do lucro. A estrutura da
tarifa óptima seria, no entanto, semelhante caso se considerasse a maximização do excedente
total em lugar da maximização do lucro.
4A terminologia utilizada na definição das variáveis corresponde a um sistema de teleco­
municações.
7.3. Exemplos* 157

A + q'(U —u) —a 1
(7.7)
A =
ondè

dN A
~~ d A N
é a elasticidade de acesso em ordem à tarifa de acesso.
Recorde-se que a condição de optimização no caso de uma tarifa uniforme
P é dada por p ~^f' ~ onde C1 é o custo marginal e e a elasticidade da
procura. A expressão (7.7) mostra que, no caso da parte fixa de uma tarifa de
duas partes, há que introduzir uma modificação no lado esquerdo da condição.
De facto, a receita adicional decorrente de um decréscimo da tarifa de acesso
consiste não só no aumento do número de subscritores que pagam a tarifa A
mas também no aumento das receitas de uso’ devido justamente ao acréscimo
do número de subscritores; daí que o valor de A seja substituído por A +
q'(U —u) no lado esquerdo de (7.7). Uma implicação imediata de (7.7) é que
a margem A —a será menor do que seria no caso “normal” . Inclusivamente, é
possível que a margem óptima seja negativa.5
Passemos agora à determinação da tarifa marginal U:

an
(7.9)
du = ^ - o) + 5 § ( c ,- u) + f ‘',(£ /- u) + Q = 0’
ou simplesmente

i j j í ( l 7 - t .) + Q + g í 7 ( i l - a + < |'(C 7-u))= 0. (7.10)


A condição (7.9) merece um comentário especial. Ao contrário do que
acontece com a parte fixa, uma variação da parte variável tem um efeito quer
sobre a intensidade de uso quer sobre o número de subscritores. Por conse­
guinte, ao determinar o efeito de U sobre Q, devemos considerar não só o efeito
directo (§^) como também o efeito indirecto através da variação do número
de subscritores ( |^ ç ') .
Para simplificar a equação (7.10), notemos que, na margem (isto é, do
ponto de vista do subscritor marginal), aumentar um escudo a tarifa mar­
ginal é equivalente a aumentar q' escudos a tarifa fixa. Logo, jjjj = ^ qf.
Substituindo (7.6) em (7.10) temos
S;Este problema é semelhante ao caso de um monopolista que estabelece o preço de dois
bens complementares.
158 Capítulo 7. Discriminação cie preços

dQ
(U ~ u ) + Q ~ Nq' - 0. (7.11)
dU
Simplificando, obtém-se

° - u - w - « ® "

Finalmente,
=(é-mr (7.12)

(7.13)
onde

dQU , ,
eu ~ d U Q (7‘14)
é a elasticidade uso-preço para os subscritores existentes. Mais uma vez, tem
interesse contrastar (7.13) com a condição de optimização de uma tarifa uni­
forme. Neste caso, a modificação verifica-se no lado direito da equação, com
a introdução do factor de correcção (1 - q'/q). Suponha-se que q' = 0 . Uma
pequena variação em U não teria então qualquer efeito sobre a utilidade do
subscritor “marginal”. Por conseguinte, o número de subscritores manter-se-
ia inalterado apesar da alteração de Í7. Nesta situação, a condição de opti­
mização de U seria idêntica à demma tarifa uniforme. Pelo contrário, no caso
mais geral em que 0 < tf < q, acréscimos da tarifa marginal implicam não
só um decréscimo do consumo como também um decréscimo do número de
subscritores. O factor de correcção (1 ~<f /q) reflecte justamente este segundo
efeito.

7.3.2 Discriminação temporal com bens duráveis


O aspecto da durabilidade de um bem relevante para a análise de discriminação
de preços é que um bem durável pode ser adquirido num de vários períodos
possíveis: a compra de um computador, de um automóvel ou de um electrodo-
méstico, por exemplo, não têm de se dar num determinado momento; podem,
em geral, ser adiadas. Os bens não duráveis, pelo contrário, são aqueles para
os quais o ritmo de compra tem de acompanhar o ritmo de consumo.®6
6As excepções correspondem aos casos em que é possível armazenar o bem.
7.3. Exemplos* 159

Para analizar formalmente o problema de um monopolista de bens duráveis,


consideremos o seguinte modelo simples, Existe.um milhar de consumidores
potenciais com valorizações distribuídas uniformemente no intervalo [0 , 1000 ]
(valores em contos). Assim, se o preço fixado for 600 contos, por exemplo,
apenas 400 compradores estarão interessados; ou seja, a procura é dada por
d — 1 - p, onde d é expresso em milhares de unidades e p em milhões de
escudos.
Vamos supor que, embora se trate de um bem durável, o seu período de
vida útil é de apenas dois anos. Um exemplo ilustrativo será a versão 1.0 de
um novo programa de computador, que ao fim de dois anos se torna obsoleto
devido ao aparecimento de uma nova versão (ou, melhor ainda, devido à in­
trodução de um novo sistema operativo com o qual a versão 1.0 não funciona).
As valorizações consideradas acima correspondem à utilização do programa
por um período de dois anos. Assim, se a compra for feita apenas no início do
segundo período, a disposição máxima a pagar é apenas metade da valorização.

Consideremos inicialmente a situação em que o mesmo preço é fixado ao


longo dos dois períodos. É fácil concluir que, a verificar-se uma compra, esta
efectuar-se-á no princípio do primeiro período. A curva de procura enfrentada
pelo monopolista é a indicada acima, d — 1 —p. Temos portanto um problema
simples de maximização do lucro por um monopolista. A solução óptima é
dada por p — 1/2, d = 1/2, a que corresponde um lucro de II = 1/4 = 250
mil contos (para simplificar, faremos a hipótese de que o custo de produção é
nulo).
Suponhamos que o preço de .500 contos (= 1 / 2 ) é efectivamente fixado e
que meio milhar de vendas são efectuadas no primeiro período. Encontramo-
-nos agora no fim do primeiro período e o monopolista tem a oportunidade
de fixar um novo preço para o segundo período. Terá interesse em fazê-lo? A
resposta é claramente sim. No fim do primeiro período, existem quinhentos
consumidores que ainda não compraram o bem. A disposição a pagar destes
consumidores encontra-se uniformemente distribuída no intervalo [0,500/2],
pois apenas os consumidores com valorizações superiores a 500 adquiriram
o bem no primeiro período. Note-se que os valores da disposição a pagar
são divididos por 2 , relativamente ao primeiro período, pois o bem apenas
poderá ser utilizado durante um período. Temos, portanto, que o número de
compradores potenciais é 500, e que, se o preço for igual a 250 contos, então a
procura será nula; ou seja, a procura residual para o segundo período é dada
por d2 = \ — 2p2. Qualquer preço inferior a 250 contos trará ao monopolista
lucros adicionais. Concretamente, a escolha óptima do monopolista é dada por
160 Capítulo 7. DiscrhiAnação de preços

P2 = 125 contos, a que corresponde um lucro adicional de 125 x 250 —31250


contos (o que perfaz um total de 281250 contos).
O raciocínio do parágrafo anterior pode ser levado um passo mais à frente.
Suponhamos que os consumidores são “míopes”, no sentido em que compram
na primeira ocasião em que o preço for inferior à sua valorização pessoal. Quais
os preços óptimos para o monopolista? Note-se que, embora o preço de 125
contos determinado no parágrafo anterior seja óptimo, o preço de 500 contos
fixado no primeiro período apenas é óptimo na hipótese de que tal preço não
seja alterado no segundo período.
Qual o preço óptimo no primeiro período sabendo a priorí que um preço
inferior será fixado no segundo período? Suponhamos que o preço p\ é fixado
no primeiro período. A procura inicial (por consumidores míopes) será dada
por d\ = 1 —pi. Por conseguinte, a procura residual para o segundo período
será

d2 = (1 —di) —2p2
= 1 - ( 1 - p i ) - 2 p2 '
= P i~ 2 p 2 . (7.15)

O lucro total (incluindo as vendas nos dois períodos) é dado porI

II = p\d\ + J M 2
= P i(l - p i ) + P 2 ÍP1 - 2p2). (7.16)

Maximizando em ordem a p\ e p 2 , obtém-se pi = 4/7 e p 2 = 1/7. O lucro


total é dado por 285714 contos.
A hipótese de que os consumidores são míopes é, no entanto, extrema.
Suponhamos que, embora o monopolista estabeleça os preços baseado na hi­
pótese de que os consumidores são míopes, os consumidores são na realidade
racionais. Qual a procura e o lucro do monopolista? Um consumidor que de­
cida comprar o bem escolherá o momento da compra com base na comparação
das valorizações deduzidas do preço. Concretamente, comprar no primeiro
período é preferível para um consumidor de valorização v se

v-pi> v/2~ p2. (T.17)


Designemos por consumidor indiferente o consumidor com valorização v' tal
que
7.3. Exemplos1 161

v ' ~ p i = v ' l 2 - P 2- . (7.18)


C laram ente, com prarão no prim eiro período os consum idores com valorização
v > v1. De entre os restantes, comprarão no segundo período aqueles para
quem a valorização líquida no segundo período for positiva; isto é, aqueles
cuja valorização for superior à do consumidor indiferente entre comprar e não
comprar, cuja valorização v" é tal que

v"/2 —pa = 0. (7.19)


Resumindo: a procura no primeiro período é dada por l - ^ e a procura no
segundo período é dada por v* - v" (em milhares de unidades). Substituindo
os valores de p\ e p% pelos valores obtidos acima, obtém-se d\ = 1 / 7 , d,2 = 4 / 7 ,
donde resulta um lucro total de apenas 163 265 contos.
Finalmente, consideremos a situação em que os consumidores são racionais
e o monopolista estabelece os preços baseado na hipótese de que os consumi­
dores são racionais. O primeiro passo consiste em determinar o preço para o
segundo período racionalmente esperado pelos consumidores depois de obser­
var o preço no primeiro período. Os consumidores sabem que o monopolista
escolherá p 2 Por forma a maximizar o lucro no segundo período: •.

p | = argnmx p 2 ( l - d f - 2 p 2 ), (7.20)
onde o índice superior “e” significa ‘Valor esperado pelos consumidores”.
A procura esperada d\ , por seu turno, corresponde a todos os consumidores
cuja valorização é superior à do consumidor indiferente, cuja valorização ve
(também um valor esperado) é dada por

ve ~ p i = ve/2 —p f, (7.21)
donde resulta

ve = 2 (p i~ p |). (7.22)
Substituindo 1 —df em (7.20) por ve (note-se que df = 1 —ve), temos

p% = argmax p2{2{px - p |) - 2p2). . (7.23)

A condição de primeira ordem para este problema é dada por

Pi - p | ~ 2p2 = 0. (7.24)
162 Capítulo 7. Discriminação de preços

Quadro 7.1: Lucros do monopolista sob várias hipóteses.

Hipótese Pi dl P2 <fa Lucro


Preço constante 500 500 0 0 250000
11 11 125 250
Alteração no segundo período 281250
Consumidores míopes 571 429 143 286 285,714
11 >1
Cons. rac. tomados como míopes 143 571 163265
Cons. rac. tomados como tal 450 400 150 203 225000

Em equilíbrio, a expectativa dos consumidores é correcta, pelo qvie p | = P2 -


Assim, obtém-se p 2 = p i/3 e ve = ^p\. E fácil verificar que a procura no
segundo período é dada por ue/ 2 , enquanto que a procura no primeiro período
é dada por 1 —ve. Assim, o lucro total do monopolista é igual a

n = (i - ve)pi + i v ep2

= ( l - u c)pi + ^ueip i. (7.25)

Maximizando em ordem a pi, obtém-se pi = 9/20, donde resulta p 2 = 3/20 e


II = 225 000 contos.

Os valores obtidos nos parágrafos anteriores, segundo cada uma das hipóte­
ses possíveis, encontram-se no Quadro 7.1. Um monopolista com a reputação
de não variar os preços conseguirá um lucro de 250 000 contos. Estabelecendo
preços diferentes em cada um dos períodos, e assumindo que os consumido­
res se comportam de uma forma míope, é possível aumentar os lucros, até
um máximo de 285 714 contos. No entanto, a proceder desta forma, muitos
dos consumidores acabariam por esperar um decréscimo de preço no segundo
período e (racionalmente) adiar a decisão de compra. Neste caso, os lucros
do monopolista podem ser tão baixos quanto 163265 contos. Finalmente, na
situação em que todos os agentes são racionais e o monopolista não tem a pos­
sibilidade de credivelmente anunciar um preço constante para os dois períodos,
o lucro máximo possível é 225 000 contos, menor do que no caso em que o preço
é constante. A credibilidade na manutenção do preço vale, portanto, 25000
contos.
7.3. Exemplos* 163

■ A c o iy e c tu ra de Coase. O exemplo do monopolista de um bem durável


mostra que a possibilidade de alterar o preço no futuro, aparentemente benéfica
para o monopolista, acaba por prejudicá-lo. Na expectativa de um preço mais
baixo no segundo período, muitos consumidores racionalmente adiam a sua
decisão de comprar o bem .7 O poder do monopolista sobre os potenciais
consumidores no primeiro período diminui drasticamente com a possibilidade
de variar o preço no futuro: a sua flexibilidade é a sua maldição!
Concretamente, o exemplo mostra que, num horizonte de dois anos, a pos­
sibilidade de fixação de um novo preço para o segundo período implica uma
perda de 25000 contos. E se o monopolista puder fixar preços diferentes cada
trimestre? E cada mês? E cada semana? R. Coase formulou a conjectura de
que quanto menor o período em que o monopolista mantêm (pu temcredibi-
lidadê para manter) o preço constante, pior a sua rentabilidade. No limite, se
este período for infinitesimal, então o lucro do monopolista é nulo!8
A conjectura de Coase é hoje um teorema cuja demonstração formal ultra­
passa o âmbito deste estudo. No entanto, o argumento principal pode ser ex­
plicado do seguinte modo: em equilíbrio, as vendas do monopolista distribuir-
-se-ão ao longo do período de vida útil do bem durável. Como o período de
variação dos preços é muito curto, os preços entre dois períodos consecutivos
deverão ser essencialmente iguais. Consideremos agora a situação do monopo­
lista nos dois últimos períodos (as duas últimas semanas, por exemplo). Ora
esta situação é análoga ao exemplo considerado na secção anterior, com sema­
nas em vez de anos, e um menor número de consumidores potenciais. Como
vimos na secção anterior, p% — pi/3, o que agora significa p r = p r - i/3 . Mas
como pt e pí_i são essencialmente iguais, p r = p r - i / 3 só é possível se p r e
P T - 1 forem essencialmente iguais a zero, o valor do custo marginal.

A “maldição de Coase” tem, no entanto, várias soluções. A Xerox, en­


quanto foi monopolista no mercado de fotocopiadoras de papel comum (essen­
cialmente, durante a década de 60), adoptou preferencialmente uma política de
aluguer apenas (embora se pudesse escolher compra em vez de aluguer, o preço
de venda era tao alto que raramente esta opção foi escolhida). Desta forma,
os consumidores não tinham qualquer incentivo para adiar a sua compra. Fi­
xando o preço de aluguer em cada período, a Xerox transformou um monopólio

7Sobre o mercado dos computadores, o Wol£ Street Journal argumenta que “the industry
has set a trap for itself. ‘Everybody folds their arms and says, ‘i ’ll just wait for the next
price cut,” ’ says one consultant." (5 Setembro 1985).
sRonald Coase, “Durability and Monopoly,” Journal of Law and Economics 15 (1972),
143-149.
164 Capítulo 7. Discriminação de preços

de bens duráveis numa sequência de monopólios de bens não-duráveis (o alu­


guer por um período).9
Outro exemplo de solução da “maldição de Coase” é o de estratégias do
tipo “consumidor mais favorecido”. Ao anunciar os preços dos novos modelos
de automóveis, a Chrysler comprometeu-se a pagar aos primeiros compradores
a diferença entre o preço inicial e preços futuros mais baixos. Deste modo,
a Chrysler consegue reforçar a credibilidade da política de manutenção do
preço. Embora com a aparência de protecção dos interesses dos consumidores,
a política da Chrysler acaba por redundar em seu próprio proveito—aliás,
como seria de esperar.
Resumindo, embora a “maldição de Coase” implique problemas que, em
teoria, podem chegar à perda completa do poder de mercado, um monopólio
é sempre um monopólio!

7 .3 .3 S ald o s
Analisou-se na secção anterior a estratégia óptima de um monopolista produ­
tor de um bem durável numa situação em que a população de consumidores
potenciais se mantém ao longo do tempo (e, consequentemente, a procura re­
sidual vai diminuindo ao longo do tempo). Nesta secção, considerasse uma
situação semelhante: um monopolista produtor de um bem durável e uma po­
pulação de consumidores potenciais que se vai regenerando em cada período.10
A resolução deste problema de optimização dará lugar a uma teoria econó­
mica dos saldos. Entende-se por saldo a estratégia de, com certa periodicidade
e durante um curto período de tempo, fixar um preço significativamente abaixo
do preço “normal”. Deve notar-se que esta será apenas uma das explicações
possíveis para a ocorrência de saldos. Além de que existem outras teorias
económicas possíveis, os saldos são principalmente um fenómeno de marke­
ting, envolvendo considerações de psicologia do consumidor que vão muito
além do objecto deste estudo.

Consideremos o seguinte modelo: em cada período, “nascem” dois novos


consumidores, um do tipo 1 e um do tipo 2. Cada consumidor está disposto
9Esta é a interpretação de Jeremy Bulow, “An Economic Theory of Planned Obsples-
cence," Quarteríy Journal of Economics 51 (1986), 729-750. Michael Porter propõe uma
interpretação diferente para a estratégia da Xerox: a opção por aluguer constitui uma bar­
reira à entrada de potenciais concorrentes, pois as necessidades de investimento são muito
superiores ao que seriam caso se verificasse venda.
10A análise é adaptada de John Conlisk, E. Gerstner e Joel Sobel, “Cyclic Pricing by a
Durable Goods Monopolist,” Quarteríy Journal of Economics 99 (1984), 489-505.
7.3. Exemplosi 165

a pagar até um máximo de V{ por uma unidade do bem durável vendido pelo
monopolista e tem uma taxa de desconto de <k, i = 1 , 2 . O facto de o bem
ser durável manifesta-se em que a decisão do consumidor pode ser adiada.
Concretamente, e assumindo que o produto dura para sempre, o consumidor
i prefere esperar um período se

Vi - p{t) < d{ (u( - p(t + 1)). (7.26)


A taxa de desconto do monopolista é do e o custo de produção nulo.

Vamos resolver o problema por partes. Suponhamos inicialmente que a


estratégia óptima do monopolista consiste num ciclo de X períodos. Mais à
frente trataremos da determinação do valor óptimo de X . 11 E intuitivo que a
estratégia óptima seja (i) fixar o mesmo preço em cada período ou (ii) fixar uma
sequência de preços tal que alguns dos consumidores compram no período em
que “nascem” e outros esperam por um período em que o preço seja bastante
mais baixo (saldo).
No primeiro caso, a determinação do preço óptimo é um problema trivial
de monopólio. Suponhamos que vi > 2i >2 - Então, o preço óptimo é p{t) = v\.
No segundo caso, há que considerar as decisões dos consumidores com maior
cuidado. Suponhamos que os consumidores que mais valorizam o bem são
também os mais impacientes, isto é, di < d,2 . Então, a haver “diferenciação”
entre as decisões dos consumidores, esta consiste em que os consumidores do
tipo 1 compram no período em que “nascem” enquanto que os consumidores
do tipo 2 esperam por um período em que os preços sejam mais baixos.
Sabendo que os consumidores do tipo 2 esperam pelo último período para
comprar a um preço mais baixo (hipótese de que o ciclo é de X períodos),
temos

p(X) = t* f (7.27)
o valor máximo que o monopolista pode cobrar. Nos períodos anteriores, o
preço deve ser tal que os consumidores do tipo 1 prefiram comprar imediata­
mente a esperar por um futuro preço, em particular pelo preço de saldo. Isto
implica uma série de restrições do tipo

vi ~ P ( 0 > di(vi — + &))) Vt = 1 , . . . , X — 1, Vfc = l , . . . , X - f . (7.28) *


n O facto de a estratégia óptima ser um ciclo de preços resulta de a população de consu­
midores potenciais variar de uma forma estável.
166 Capítulo 7. Discriminação de preços

Concretamente, a estratégia óptima consiste em fixar os preços máximos tais


que estas restrições se verifiquem. Partindo de p(T) = V2 e resolvendo para
trás, chega-se a

(7.29)
. Em particular, se os consumidores do tipo 1 forem muito “impacientes”
(di = 0), então temos

p(t) = vi, t < T


p(T) = t>2- (7.30)

Neste caso, o lucro (não descontado) do monopolista é dado por II — (T —


l)vi + ( T + 1 )1 *2 , enquanto que a estratégia de preço constante leva a II = 7\>i.
é fácil verificar que, se (T + l)i >2 > i*i, então a estratégia de saldos é preferível.

A escolha do período óptimo T é álgo mais complicada. No entanto, a


intuição dos principais efeitos subjacentes é simples. Consideremos a decisão
entre um ciclo T e um ciclo 2T. Continuando a assumir que d\ = 0, as únicas
diferenças entre os lucros das duas estratégias encontram-se nos períodos T e
2T (os períodos de saldo). A estratégia do longo ciclo leva a um lucro superior
no período 2T (um saldo maior). A receita nesse período é dada por (2T +l)i2,
enquanto que a estratégia do ciclo curto leva apenas a (T + l)u 2 . A diferença
de lucro entre as duas estratégias, neste período, é dada por T v 2 . A estratégia
do ciclo curto leva a um lucro superior no período T: (T + I)i *2 contra os tq da
estratégia do ciclo longo. A diferença entre os lucros neste período é dada por
( T + l ) ^ —vi —T v 2 ~{v\ —V2 ). Note-se que este valor é inferior à diferença de
lucros no período 2T. No entanto, aplica-se-lhe uma taxa de desconto inferior,
pelo que não é evidente qual das estratégias seja preferível.
Por palavras, com saldos muito frequentes, muitos compradores de valo­
rização alta compram ao preço baixo; mas, com saldos pouco frequentes, a re­
ceita adicional durante o período de saldo “demora mais a chegar”. A escolha
da frequência óptima de saldos deve levar ambos os factores em consideração.

7.4 Exercícios
■ 7.1* O custo de assinatura da revista Econométrica para o ano de 1989 era
o seguinte:
7.4. Exercícios 167

• Subscritores individuais nos EUA, Canadá, Europa, Japão, Austrália,


e Nova Zelândia: US$52;
• subscritores individuais em países com rendimento per capita inferior
a US$500: US$22;
• subcritores de outros países: US$70;
• Instituições nos EUA, Canadá, Europa, Japão, Austrália, e Nova
Zelândia: US$102;
• Instituições noutros países: US$70;
• Estudantes: US$22.
a) Determine o valor relativo da elasticidade-preço de cada segmento da
procura, supondo que a Sociedade Econométrica procura maximizar o lucro.
b) Entre 1974 e 1987, o custo de assinatura variou aproximadamente a par
do índice geral de preços. No entanto, o custo médio de cada número da revista
baixou drasticamente em termos reais. Segundo o tesoureiro da Sociedade
Econométrica, o custo nominal de composição e impressão de uma página da
revista evoluiu da seguinte forma: 1975, $47.50; 1981, $55.73; 1987, $50.23
(vd. Econométrica 57 (1989), p. 212). Neste período, o deflactor do PNB
americano subiu 98.1%. Parece-lhe que estes valores contradizem a hipótese
de maximização do lucro? Porquê? Como altera a sua resposta, sabendo que
o número total de subcritores não variou substancialmente entre 1974 e 1987?
c) Sabe-se que o preço de assinatura dos estudantes é aproximadamente
igual ao custo marginal, embora a elasticidade procura-preço não seja muito
elevada. Como se justifica esta política, supondo que se pretende maximizar
o lucro?
d) Na realidade, os objectivos da Sociedade Econométrica são “promover
o avanço da Teoria Económica em aspectos relacionados com a Estatística e a
Matemática.” Indique qual a política de preços que melhor se ajusta a estes
objectivos.
■ 7.2 No ano 2018, depois de várias épocas lutando pela permanência na
Primeira Divisão, o Belenenses voltou aos velhos tempos de glória. Estando
próximo o jogo da meia-final da Taça dos Campeões Europeus, o director de
marketing do Clube procedeu a um estudo que indica uma procura de bilhe­
tes dada por Q = 200 — 10P, onde Q é a quantidade procurada (milhares
de bilhetes) e P o preço de cada bilhete (milhares de escudos de 1990). De­
pois da recente remodelação em 2016, o famoso estádio do Restelo tem agora
capacidade para 150 mil espectadores.
a) Determine o preço do bilhete que maximiza o lucro do Clube.
b) O CanaJ 5/Desporto propôs ao Belenenses a compra dos direitos de
168 Capítulo 7, Discriminação de preços

transmissão em directo do jogo. Estima-se que tal implique um decréscimo


para metade dos espectadores no estádio. Calcule a nova solução óptima.
Justifique. Qual o valor mínimo que o Clube deverá exigir pela transmissão
do jogo?
c) Um desastre ocorrido duas semanas antes do jogo (a queda da cobertura
da bancada norte) implica que a capacidade do estádio seja temporariamente
de apenas 50 mil lugares. Determine a nova solução óptima, sabendo que não
se chegou a um acordo entre o Clube e o Canaí 5/Desporto.
■ 7.3 Os passageiros do Metropolitano de determinada cidade dividem-se
em dois grupos: passageiros muito frequentes e passageiros pouco frequentes.
A curva de procura individual de cada passageiro pouco frequente é dada
por Di = 5 i(a —P ), onde Di é o número de viagens por ano e P o preço
de cada bilhete; a curva de procura de um passageiro frequente é dada por
D 2 = 52(a - P ), onde S 2 > 5j. Sejam ainda-n\ e 712 o número de passageiros
pouco e muito frequentes, respectivamente. Suponha que o custo de transporte
de um passageiro adicional é nulo (a capacidade dos comboios é superior ao
número total de passageiros). *
a) Determine o preço único óptimo de um bilhete.
b) Mostre que a criação de um “passe” pode aumentar o lucro da empresa
do Metropolitano.
■ 7.4 Foram apurados na companhia de aviação X dados respeitantes à pro­
cura de bilhetes, constantes no Quadro 7.2, onde:
d: Variável “dummy”: d = 0 em dias de semana, d — 1 nos fins-de-semana;
p i: Tarifa 1;
P21 Tarifa 2;
d\: Número de passageiros na Classe 1;
c/2 - Número de passageiros na Classe 2.
O transporte na ligação aérea a que respeitam estes dados tem sido asse­
gurado por um Boeing 747 com capacidade para 450 passageiros. SupÕe-se
que as procuras segundo cada uma das tarifas são independentes e que o custo
marginal de transportar um passageiro adicional é nulo (desde que o avião não
esteja completo, evidentemente).
a) Estime a função procura de cada um dos segmentos de mercado.
b) Determine os preços óptimos a fixar em cada um dos segmentos, quer
em dias de semana quer nos fins-de-semana.
c) Suponha que a companhia passa a utilizar um Airbus 320-200, com
capacidade para apenas 150 passageiros. Como alteraria a resposta da alínea
anterior?
7.4. Exercícios 169

Quadro 7.2: Procura de bilhetes de transporte 'aereo.

d PI P2 dl d2 d PI P2 dx d2
1 100 100 112 37 0 90 90 190 7
1 80 80 122 69 1 90 90 98 69
0 90 80 197 15 1 100 100 102 39
0 95 85 215 5 1 90 90 119, 68
0 80 80 212 35 1 80 80 120 72
0 65 65 225 55 0 150 70 188 42
1 160 60 78 90 1 100 70 117 93
0 110 70 199 49 0 150 80 182 29
0 140 70 192 51 1 140 70 95 89
1 120 80 102 86 0 120 70 192 38
1 120 85 101 37 1 100 55 119 112
1 90 55 117 85 0 85 50 202. 83
0 95 50 212 59 1 90 40 124 138
0 100 45 203 82 1 120 80 104 67
0 130 85 190 14 1 140 90 83 48

■ 7.5* A colecção de arte do Barão Thyssen-Bornemisza é considerada uma


das mais valiosas do mundo, talvez apenas inferior em relação à da Rainha
Isabel de Inglaterra. Segundo vários informadores, está iminente a compra
desta colecção por parte do Estado espanhol. Segundo rumores, o preço a
pagar seria de 400 milhões de dólares. Este valor representa uma fracção
muito baixa dos valores a que já foi avaliada a colecção (entre 2 e 5 biliões). No
entanto, segundo Rodrigo Uria, o advogado do Governo espanhol encarregado
das negociações, “a colecção não tem valor de mercado, porque se fosse lançada
no mercado levaria ao colapso deste.” (International Herald Tribune, 1 Março
1993)
a) Explique a diferença entre valor social e valor de mercado, nomeada­
mente no caso considerado acima.
b) Em que condições, ou sob que hipóteses, faz sentido o comentário de
Rodrigo Uria? Ou, por outras palavras: será a venda por 400 milhões um mau
negócio para o Barão Thyssen-Bornemisza?

■ 7.6* Considere um monopolista que vende determinado'bem durável por


um período de tempo indefinido. Em cada período, surgem dois novos consu-
170 Capítulo 7. Discriminação de preços

midores, um do tipo 1 e um do tipo 2. As valorizações máximas e os factores dc


desconto de cada tipo de consumidores são dados por vi = 3, i >2 = 1, d\ = 0,
e efc = 1. O custo de produção é nulo e o factor de desconto do monopolista
ê do ~ 0.5.
a) Determine a estratégia de preços óptima dado que se pretende fixar um
ciclo de T períodos. Determine o lucro do monopolista dada esta estratégia.
b) Determine o valor óptimo de T. (Nota: a solução analítica deste pro­
blema não é possível; utilize métodos numéricos.)
c) Suponha que o factor de desconto do monopolista é dado por do = 0.75.
Qual a nova solução óptima? Comente.
d) Suponha que em cada período surgem três consumidores, um do tipo 1
e dois do tipo 2. Qual a nova solução óptima? Comente.
Capítulo 8

Diferenciação do produto

8.1 Introdução
o MERCADO norte-americano de cartões de crédito inclui cerca de 4000 em­
presas (tipicamente, bancos que emitem cartões de crédito). O produto em
questão é, pelo menos aparentemente, homogéneo e o número de consumidores
elevado (75 milhões). As dez maiores empresas detêm uma quota de mercado
de apenas 20%. Não existem barreiras à entrada significativas e um número
razoável de empresas operam a nível nacional, pelo que a definição geográfica
dos Estados Unidos como mercado faz sentido. Não se verifica qualquer sinal
de acordos entre empresas (respeitantes à fixação de preços ou outros ).1
Dado este conjunto ^de condições, qualquer economista se veria tentado
a afirmar que se trata de um mercado próximo do modèlo de concorrência
perfeita. No entanto, a evidência do desempenho do mercado de cartões de
crédito é bem diferente do que seria de esperar: em primeiro lugar, as taxas de
juro são muito rígidas relativamente aos custos de obtenção de fundos, o que
é contrário ao comportamento de um mercado concorrencial. Por outro lado,
durante ò período 1983-1988, as empresas auferiram taxas de rentabilidade
três a cinco vezes superiores às taxas normais noutros negócios bancários.
Uma primeira explicação para os lucros anormais no negócio de cartões
de crédito é que existem cu sto s de m udança e custos de pesquisa sig­
nificativos. Quando um consumidor decide obter um cartão de crédito, fá-lo
normalmente a partir do banco em que tem conta abertat. A mudança para
outro banco implica normalmente certos custos, por exémplo, abrir conta no
'Cfr. Lawrence M. Ausiibel, “The Faihire of Competítion in the Credit Card Market” ,
American Economic Review 81 (1991), 59-81.

171
172 Capítulo 8. Diferenciação do produto

novo banco. Além disso, se o consumidor decidir mudar de banco, terá de se


informar sobre as condições oferecidas pelos outros bancos, o que normalmente
implica também custos (quanto mais não seja, o tempo perdido).2
Uma segunda explicação é que o produto “cartões de crédito” não é de
facto um produto homogéneo, isto é, verifica-se diferenciação do produto. Por
questões de qualidade de serviço, ou simplesmente por questões de status, os
consumidores atribuem valor diferente a um cartão American Express e a um
cartão Visa. Além disso, verifica-se também diferenciação entre um cartão
Visa do banco A e um cartão Visa do banco B (para além, claro está, das
diferenças de taxa anual e taxa de juro ).3
Neste capítulo, consideramos justamente modelos de oligopólio em que
não se verificam as hipóteses de informação perfeita e/ou homogeneidade
do produto. Na secção seguinte, consideramos um modelo simples em que
os consumidores têm de incorrer num custo por forma a informar-se sobre
as condições de venda de cada empresa. Como veremos, este facto implica
que, em equilíbrio, possam existir empresas cobrando preços diferentes, al­
guns muito elevados, apesar de o produto ser homogéneo. Uma variante deste
modelo, apresentada na Secção 8.3, substitui custos de pesquisa por custos de
mudança.
Seguidamente, consideramos modelos em que o produto não é homogéneo.
Aqui encontram-se dois tipos de questões importantes: como varia o preço de
equilíbrio em função do grau de diferenciação do produto? Podendo as empre­
sas escolher as características do seu produto, quais os elementos estratégicos
a tomar em conta nesta decisão?
Finalmente, na Secção 8.5, analisam-se modelos em que as empresas dis­
põem de uma dimensão adicional nas suas estratégias: publicitar os seus pro­
dutos. A relação entre publicidade e os temas do resto do capítulo é dupla:
por um lado, a publicidade é uma forma de resolver situações de informação
imperfeita (nomeadamente quando as empresas anunciam as suas condições
de venda); por outro lado, a publicidade é frequentemente uma das causas da
diferenciação do produto (por vezes a única causa, aliás).

2No sector bancário português, verifica-se uma distinção importante entre os bancos an­
tigos e os bancos novos (isto é, os bancos criados a partir de 1984). Uma das vantagens de
ser pioneiro (antigo) no sector consiste justamente na massa de depositantes “leais” devido
a custos de mudança significativos. (Também há desvantagens de ser pioneiro, como sejam
um maior volume de crédito mal-parado e uma estrutura de pessoal mais pesada.)
3L. Ausubel, op. cit., bem como outros autores, apresentam outras explicações adicionais
possíveis.
8.2. Informação imperfeita 173

8.2 Informação imperfeita


A hipótese de que todos os consumidores conhecem as condições de venda
de todas as empresas é frequentemente irrealista. Nesta secção, faremos uma
análise simples de um oligopóÜo com informação imperfeita, adaptada do mo­
delo de Salop-Stiglitz.4
Consideremos um mercado com n empresas e um número elevado de con­
sumidores, L. Cada consumidor deseja comprar uma unidade do bem em
questão e está disposto a pagar até u. Embora os consumidores conheçam a
distribuição dos preços fixados pelas empresas, não sabem que empresa fixou
que preço. Esta é uma hipótese um pouco extrema, embora não totalmente
irrealista: quem vai comprar sapatos, por exemplo, numa determinada área
comercial, tem uma ideia dos preços que irá encontrar (média, intervalo de
variação), mas desconhece a sapataria que vende pelo preço mais baixo.
Cada consumidor tem duas opções possíveis: (i) comprar na primeira loja
em que entrar (desde que o preço seja inferior a u) ou (ii) informar-se sobre
os preços das n lojas e comprar naquela que exigir um preço mais baixo.
Supondo que os consumidores são neutros em relação ao risco e que custa v
obter informação sobre os preços, obter informação é preferível se e só se

P m in+ V< pt (8.1)


onde pm in é o preço mínimo e p o preço médio. O lado esquerdo representa
a utilidade caso se obtenha informação sobre o preço, enquanto que o lado
direito representa a utilidade esperada no caso contrário.
Suponhamos que o equilíbrio de mercado consiste em todas as empresas
fixarem o mesmo preço p e suponhamos ainda que o custo de produção é nulo.
Qual ou quais os valores de p que constituem um equilíbrio de Nash? Note-se
desde já que, se todas as empresas fixarem o mesmo preço ém equilíbrio, então
nenhum consumidor tem interesse em pesquisar o preço mais baixo.
Consideremos primeiro p < u. Para que se trate de um equilíbrio de Nash,
é necessário que nenhuma empresa possa aumentar o seu lucro alterando o
preço unilateralmente. Mas se uma das empresas aumentar o seu preço apenas
um pouco (concretamente, menos de nv), então o preço médio não se altera o
suficiente para induzir os consumidores a pesquisar o preço mais baixo. Assim,
a empresa consegue subir o preço sem diminuir a procura, pelo que concluímos
que p < u não pode ser um equilíbrio.
4Steven Salop e Joseph Stiglitss, “Bargains and Ripoffs” , Review of Economic Studies 44
(1976), 493-510.
174 Capítulo 8. Diferenciação do produto

Suponhamos agora que p = u. Obviamente, nenhuma das empreas tem


incentivo para subir o preço, pois a sua procura passaria para zero. E baixar
o preço? Baixar um pouco apenas não compensa, pois a perspectiva de um
preço um pouco mais baixo não é suficiente para induzir os consumidores a
pesquisar o preço mais baixo. O preço terá de baixar pelo menos até jf, valor
este que é dado por ,,1 , , ^p ,

p' + (n - l)u
p' + v = (8.2)
n
donde se obtém
nv
p —u — (8.3)
n —1
Note-se que o lado direito de (8 .2 ) corresponde ao preço médio na hipótese de
que uma das empresas baixa o preço para p'.
Para que p\ = P2 = . .. = pn — u constitua um equilíbrio de Nash, é
necessário que nenhuma empresa tenha o incentivo de fixar pr (ou um preço
mais baixo). Ora, se p = u, o lucro de cada empresa é dado por L u/n. Se,
pelo contrário, uma das empresas fixar p = p', então o seu lucro é dado por
Lp'. A condição de equilíbrio é então

L u /n > Lpf
Lu/n > L^u- (8.4)

donde se obtém

Assim, se v > u, o ■único equilíbrio de Nash corresponde a que todas as


empresas fixem o preço de monopólio (u). Isto é: apesar de (i) se tratar de um
oligopólio em que as empresas fixam o preço (à Ia Bertrand); (ii) o produto ser
homogéneo; e (ui) o número de empresas ser eventualmente elevado, o facto
de os_consumidoregjestarem imperfeitamente informados acerca dos preços
constituLuma importante fonte de poder de mercada
Como exemplo prático deste modelo, consideremos o caso da venda de
combustíveis em Portugal. Actualmente, a venda de gasolina encontra-se re­
gulamentada através de um preço máximo de venda ao público. Na prática,
8.2. Informação imperfeita 175

todos os vendedores fixam os preços iguais a este máximo. Pensa-se que,


num futuro próximo, os postos de venda comecem a utilizar, à semelhança de
outros países, indicadores de preços de venda. Estes indicadores, de grande
dimensão e colocados fora (mas próximo) dos postos de venda, permitirão aos
automobilistas conhecer mais facilmente os preços de venda de cada posto an­
tes de escolher um posto de venda para abastecimento. Do ponto de vista do
modelo, isto significa um decréscimo do valor de v. Se o valor de v se tornar
suficientemente baixo a ponto de que a condição (8.5) não se verifique, então
é previsível que o actual equilíbrio seja alterado.

■ D isp ersão de preços. Já vimos que a introdução de informação imper­


feita pode perturbar radicalmente a solução de equilíbrio: de um equilíbrio de
Bertrand passa-se a um equilíbrio em que todas as empresas fixam o preço de
monopólio. Uma pequena extensão do modelo acima apresentado revela uma
segunda consequência, porventura mais radical, da informação imperfeita: a
possibilidade de co-existirem múltiplos preços em equilíbrio, propriedade co­
nhecida como dispersão de preços.
Suponhamos que alguns dos consumidores, uma percentagem a do to­
tal L, não têm quaisquer custos de obter informação sobre os preços, pelo
que compram sempre na loja que oferece um preço mais baixo. Suponhamos
ainda que cada loja tem uma capacidade máxima dada por K . Mostra-se que,
verificando-se algumas cqndições adicionais, é possível encontrar um equilíbrio
em que m empresas fixam um preço baixo p, enquanto que as restantes n —m
fixam o preço máximo, u.
As condições necessárias e suficientes para que isto seja um equilíbrio (cfr.
Exercício 8.2) são dadas por

aL (1 —a)L
----- 1------------- = K, (8.6)
m n

aL (1 —a)L ^ (1 —a)Lu ^ a L ^ (1 —a)L


(8.7)
m-l-1 n ~ np ~m n

v > —— —(u —p). ■ (8.8)


n
A primeira condição garante que as empresas que fixam o preço baixo esgotam
a sua capacidade, pelo que não têm incentivo em fixar um preço mais baixo. O
grupo das segundas condições, por sua vez, garante que as empresas que fixam
o preço alto não têm incentivo em fixar o preço baixo e vice-versa. Finalmente,
176 Capítulo 8. Diferenciação do produto

a terceira condição significa que a melhor estratégia para os consumidores com


custo de pesquisa consiste em não pesquisar.
A intuição deste equilíbrio é que, sendo a curva da procura muito “con­
vexa” , é possível co-existirem , em equilíbrio, em presas que fixam um preço
alto mas vendem pequenas quantidades {apenas servem os consumidores com
elevado custo de pesquisa que entram na loja) e empresas que fixam um preço
baixo mas vendem grandes quantidades (não só consumidores que não pesqui­
sam, mas também uma parte dos consumidores que pesquisam o preço mais
baixo).
A evidência empírica indica que se verifica uma dispersão de preços sig­
nificativa numa grande variedade de produtos aparentemente homogéneos.
Por exemplo, uma pesquisa efectuada pela revista ProTeste, publicada no seu
n° 123 (Fevereiro 1993), indicava preços do disco compacto “Human Touch”
(Bruce Springsteen) entre 2490 e 3720 Esc., um intervalo de variação de cerca
de 50%. O intervalo de variação dos índices' de preços (incluindo um cabaz de
discos compactos) era inferior a 50% (variando entre 100 = Jumbo do Porto
e 136.2 = Sinfonia, em Lisboa), mas mesmo assim significativo.5

8.3 Custos de mudança


Uma variante do modelo apresentado na secção anterior permite analisar o
problema dos custos de mudança. Suponhamos que cada consumidor se en­
contra inicialmente “ligado” a um dos vendedores (por exemplo, o banco em
que sempre teve conta aberta). Cada consumidor tem informação perfeita
sobre as condições de venda de todos os vendedores. No entanto, mudar de
vendedor implica um custo de mudança t; (por exemplo, fechar uma conta
e abri-la de novo num banco diferente). Assim, um consumidor “ligado” ao
vendedor j prefere mudar se e só se

Pmin + v < p j (8.9)


Qual o equilíbrio de Nash neste caso? Mais uma .vez, p\ = . .. = pn < u
não pode constituir ura equilíbrio de Nash: um pequeno acréscimo no preço
(menos que v) não implica a perda de qualquer cliente. Em que condições
pode pi ~ — pn = u constituir um equilíbrio? Para que uma baixa de
5A diferenciação do produto, que estudaremos na Secção 8.4, fornece uma explicação
adicional para a dispersão de prçços. Não é o mesmo comprar um determinado CD numa
grande área comercial ou numa pequena loja de um centro comercial; nem é o mesmo comprar
numa loja da própria cidade ou numa loja de uma cidade distante.
8.3. Custos de mudança 177

preço tenha qualquer efeito sobre a procura, é necessário que p seja inferior a
p \ valor este dado por

p '+ v - u . (8 .10 )
O lucro obtido neste caso é dado por Lp' = L(u - v), pelo que a condição de
equilíbrio vem neste caso

L u fn > L(u —v)y ( 8. 11)


donde se obtém

n- 1
v > ------ u. (8. 12)
n
Assim, se o custo de mudança, v, for suficientemente grande relativamente à
disposição a pagar, u, encontramos um equilíbrio de Nash em que todas as
empresas fixam o preço de monopólio, isto apesar de o produto ser homogéneo
e o número de empresas eventualmente elevado.
Esta conclusão requer, no entanto, alguma qualificação. Como é que se
chegou à situação em que os consumidores se encontram “ligados” às em­
presas? Uma primeira possibilidade é que exista inicialmente uma empresa
monopolista, a que todos os consumidores se encontrem “ligados”, e, num se­
gundo estádio, uma nova empresa que compete com a primeira pela mudança
dos consumidores. Neste caso, os custos de mudança parecem efectivamente
implicar um aumento do poder de mercado.
No entanto, consideremos antes o caso em que n empresas entram simul­
taneamente no mercado. Sabendo as empresas que as quotas de mercado no
primeiro período terão um grande valor em lucros futuros, é de esperar que a
concorrência pelos consumidores durante o primeiro período seja particular-
mente feroz. Qual será então o efeito líquido sobre o poder de mercado? 6
À evidência empírica sugere que a “guerra” pela obtenção de quota de mer­
cado pode efectivamente ser muito “feroz” quando os custos de mudança são
significativos. Um exemplo são os preços especiais para instituições de ensino
na compra de microcomputadores. Esta prática, iniciada pela Apple e hoje
seguida por vários vendedores, tem como objectivo principal “ligar” novos con­
sumidores a um determinado “ambiente” de utilização de microcomputadores
(por exemplo, o “ambiente” Macintosh), para depois, no futuro, explorar o

6Para uma resposta rigorosa, vd. Paul Klemperer, “The Competitiveness of Markets with
Switching Costs”, Rand Journal of Economics 18 (1987), 138-150.
178 Capítulo 8. Diferenciação do produto

poder de mercado que advém do custo de mudar de “ambiente” de utilização


(custos de aprendizagem e aquisição de programas).
Um segundo exemplo é dado pela estratégia das cadeias de televisão (espe­
cialmente as americanas) no que respeita à publicidade durante a transmissão
de filmes. Tipicamente, a frequência dos anúncios vai aumentando ao longo da
transmissão. No princípio, quando os tele-espectadores ainda não estão “liga­
dos” a nenhum dos filmes concorrentes, a frequência dos anúncios (o “preço”
a pagar) é muito baixa. No final do filme, quando já nenhum espectador se­
quer contempla a possibilidade de mudar de canal, a frequência dos intervalos
publicitários pode chegar a 1 / 2 min.
Para finalizar, refira-se que os custos de mudança podem, por vezes, ser
criados pelas próprias empresas. Os p ro g ram as de passageiro frequente
(frequent ffyer programs) são disso exemplo. Tratam-se de esquemas criados
pelas empresas de transporte aéreo que atribuem bilhetes grátis e outros be­
nefícios a passageiros que tenham acumulado certo número de quilómetros de
voo com a companhia. Estes programas funcionam como custo de mudança
porque, depois de voar com determinada companhia durante algum tempo, e
quando faltam apenas alguns quilómetros para atingir o limite correspondente
a um bilhete grátis (por exemplo), o passageiro tem de incorrer num elevado
custo de oportunidade (o bilhete grátis) se pretender mudar de companhia.

8.4 Diferenciação do produto


Como verificámos na introdução do capítulo, mesmo tratando-se de produtos
aparentemente estandardizados como cartões de crédito, encontramos sempre
alguma diferenciação. Nesta secção, consideramos modelos que formalizam a
ideia de um oligopólio com produto diferenciado.

8.4.1 Diferenciação horizontal e diferenciação vertical


Em geral, é útil distinguir dois tipos de diferenciação: horizontal e vertical.
A diferenciação h o rizo n tal corresponde à situação em que dois (ou mais)
produtos são tomados como diferentes, não se verificando, no entanto, una­
nimidade entre os consumidores quanto à ordenação da disposição a pagar.
Por exemplo, um Opel Corsa e um Fiat Uno são tomados como produtos di­
ferentes. No entanto, as características que os diferenciam (nom eadam ente o
design) são ta is que uns consum idores preferem o Corsa enq u an to que outros
preferem o Uno.
8.4. Diferenciação do produto 179

Na situação de diferenciação vertical, pelo contrário, verifica-se unani­


midade entre os consumidores quanto à ordenação das disposições a pagar. Por
exemplo, todos os consumidores preferem um Opel Corsa com equipamento
stereo instalado relativamente a um Opel Corsa sem equipamento stereo ins­
talado.
Na realidade da maioria dos mercados, encontra-se um misto de diferen­
ciação horizontal e diferenciação vertical (também conhecidas como diferen­
ciação de v aried ade e diferenciação de qualidade). Por uma questão de
simplicidade, os modelos que apresentaremos respeitam apenas ao caso de di­
ferenciação horizontal. A maioria das conclusões aqui obtidas são, no entanto,
extensíveis ao caso de diferenciação vertical (cfr. Exercício 8 .6).

8.4.2 O modelo de Hotelling


O modelo mais clássico de um oligopólio com produto diferenciado é o mo­
delo da “cidade linear” de Hotelling.7 Suponhamos que um numero elevado
de consumidores se distribuem uniformemente ao longo da rua principal de
uma certa cidade. Formalmente, representamos a rua como sendo o segmento
[0. !]• Todos os consumidores da cidade frequentam um dos dois cafés existen­
tes, cujas localizações são equidistantes dos extremos da rua: um encontra-se
localizado no ponto a e o outro no ponto 1 —a, 0 < a < 1 .
A utilidade de um'consumidor localizado no ponto x por frequentar o
café localizado em i é dada por U{x, i,pi) - v - (pi + 1 \ x - i |), onde t é o
“custo de transporte”. Esta expressão aparece entre aspas porque, embora a
interpretação escolhida para o modelo seja a de diferenciação na localização,
o model de Hotelling_é, em princípio, aplicável a qualquer outra situação de
diferenciação horizontal (por exemplo, a doçura de um chocolate ou a dureza
de uma escova de dentes).
A procura dirigida à empresa a (o café da esquerda)__ consiste-em_todos
os consumidores localizados à esquerda de certo ponto x' (cfr. Figura 8.1).
Supondo que os preços das empresas são relativamente próximos, este ponto é
definido pela condição de indiferença entre visitar o café da esquerda e visitar
o café da direita:

v ~ (pa + í í x' - a I) = v - (pi_a -I- 1 1x f - (1 - o) I)


2 tx f = p i-a + <(1 —a) + t a —pa

7Harold Hotelling, "Stability in Competition", Economic Journal 39 (1929), 41-57.

v 1A „ oA \ _ p ^ a + j V t - f 1-JL.u I

v# rVfA
^ 4 <T ... + - P, , _ v/ a j.
180 Capítulo 8. Diferenciação do produto

pa + 1 1x - o [ Pi-« + 1 1x - (1 - a) I

Figura 8 . 1 : A “cidade linear” de Hotelling.

x > = 1 + P1- P a (8.13)


2 2i '
Logo, supondo que o número total de consumidores é igual a 1 (um milhar,
por exemplo), a procura da empresa da esquerda é dada por

(fU4)
Note-se que nesta curva de procura não se verifica a descontinuidade encon­
trada no modelo de Bertrand (com a hipótese de homogeneidade do produto).
De facto, não basta que o preço de uma empresa seja ligeiramente mais baixo
do que o da outra para obter toda a procura.
O lucro da empresa localizada em a é então dado por

n . = ( P .- c ) ( i + ? í = ^ ) . (8.15)

A condição de primeira ordem para um ponto interior de max ü(a) é dada


por8

1 _i_ Pl~° ~ P a - ( p a ~ c) = 0 (8.16)


2 21 21
Num equilíbrio simétrico, temos p 0 = p i _ 0 —P» donde resulta
8Se o valor de a for suficienteniente pequeno, como assumimos aqui, esta condição é
também suficiente.
8.4 Diferenciação do produto 181

p - c + t. (8.17)

A interpretação d esta equação é simples: quanto m aior for a im portância


atribuída pelos consumidores à diferenciação entre produtos (quanto maior for
í), maiores são as margens, em equilíbrio. No limite em que t —>0, obtemos a
solução de Bertrand, como aliás seria de esperar.

■ E scolha de localização. No modelo de Hotelling, a diferenciação do


produto resulta das preferências dos consumidores, através do valor de t, e
das decisões dos produtores, através das escolhas de localização. Até aqui,
considerámos as localizações das empresas como dados exógenos (além disso,
assumimos localizações simétricas em relação ao centro do segmento). No
entanto, é natural que as localizações resultem de uma decisão estratégica por
parte das empresas.
Consideremos então um modelo com dois estádios de concorrêilcia. Ini­
cialmente, ambas as empresas decidem simultaneamente a sua localização no
segmento.9 Numa segunda fase, concorrem na fixação de preços (também
simultânea), dadas as localizações obtidas no primeiro estádio.
Este modelo é um pouco mais difícil de resolver, pois, para cada par de
localizações possíveis, teríamos de determinar o equilíbrio do segundo estádio
(fixação de preços). Podemos, no entanto, tentar compreender os principais
efeitos estratégicos que as empresas consideram na escolha da localização.
Suponhamos inicialmente que, por algum motivo, o preço no segundo períoilo
é dado, independentemente das escolhas de localização, e é igual em ambos os
cafés: pi = Pj = p (regulamentação governamental seria um bom exemplo).
Neste caso, o consumidor indiferente é dado por x f = (i+ j)/2, sendo o lucro da
empresa da esquerda (p—c)(i+ j}/2. Qual o equilíbrio de Nash nesta situação?
Se j > 1/2, a melhor resposta da empresa i será localizar-se imediatamente
à esquerda de j. Mas a melhor resposta da empresa j seria então localizar-
se imediatamente à esquerda de i, e assim sucessivamente. Ora isto implica
que o único equilíbrio de Nash seja i ~ j = 1 / 2 . 10 Logo, não se verificando
concorrência em preços, as empresas tendem a localizar-se no centro do espaço
dê variedades, sendo a diferenciação entre produtos mínima.
; Suponhamos agora que se verifica concorrência em preços e consideremos
9Mais uma vez, lembramos que a interpretação espacial não é exclusiva. O primeiro
estádio pode corresponder, por exemplo, à estratégia de design do produto.
10Aqui, temos de fazer a hipótese de que, mesmo quando i ~ j, uma das empresas se
entíontra à esquerda e a outra à direita. O caso em que j < 1/2 tem tratamento semelhante.
182 Capítulo 8. Diferenciação do produto

o caso i — j = 1/2. Ora, nesta situação, a empresa que fixar um preço mais
baixo recebe a totalidade da procura, auferindo um lucro de p —c. Mas esta si­
tuação é análoga à de concorrência à la Berlrand (mesmo que t > 0), pelo que
os lucros em equilíbrio são nulos. Pelo contrário, se as empresas se localizarem
nas extremos do segmento (o caso oposto, correspondente a a = 0 no modelo
inicial), então os lucros no segundo estádio são positivos. Logo, o expectativa
de concorrência em preços leva as empresas a diferenciarem os seus produtos.
De facto, mostra-se que, na generalidade dos casos, o único equilíbrio de Nash
do jogo em dois estádios consiste na diferenciação máxima.11

8.5 Publicidade
A interminável polémica gerada em torno do problema da publicidade, espe­
cialmente quando se trata de questões normativas, resulta de considerar todo
o tipo de publicidade de uma forma uniforme. No entanto, podem distinguir-
-se dois tipos de publicidade diametralmente opostos quanto à sua natureza e
quanto aos seus objectivos. Por um lado, temos a publicidade com o objec-
tivo de inform ação: informação sobre a existência do produto e/ou local de
compra, o preço e outras condições de venda, etc. Por outro lado, temos a
publicidade com o objectivo de persuasão, isto é, a tentativa de “convencer”
o consumidor de que determinado produto é melhor, diferente, etc.
Porque a discussão de questões normativas sobre publicidade em geral faz
pouco sentido, nomeadamente quando se trata do valor social da publicidade,
a maior parte desta secção limita-se a questões positivas ou a questões norma­
tivas do ponto de vista da empresa.

8.5.1 Nível óptimo de publicidade


Independentemente da ideia que se tenha sobre o valor da publicidade, é de
aceitação geral que as despesas de publicidade produzem um efeito positivo
na curva de procura. Isto é, sendo a curva de procura da empresa i dada por
qi = qi(pi,p-i, A {,A -i) em que p representa preço e A despesas em publicidade
(e o índice —i os valores das outras empresas que não a empresa í), temos
l l O caso que temos vindo a considerar, em que os custos de transporte são lineares na
distância, envolve problemas técnicos complicados. O leitor interessado deverá consultar
Claude d’Aspremont, Jean Gabszewicz e Jacques-Prançois Thisse, “On Hotelling’s Stability
in Competition”, Econométrica 47 (1979), 1045-1050.
8.5. Publicidade 183

diiifdAi > 0. Nestas circunstâncias, qual o nível óptimo de publicidade da


empresa r?
A função lucro da empresa i, supondo que o custo marginal é constante, é
dada por

n* = {pi - Ci ) q i ( p i , p - i , A i , A -*) - A i. (8. 18)


As condições de primeira ordem para maximização do lucro em ordem a pi e
Ai são dadas por

(8.19)
? i + ( p i - ci)t l = 0

(8 .20 )
( p i_ c i)f ! = 1

donde se obtém

Pi - C i _ 1
(8 .2 1 )
Pi U
Ai _ p i - <H
(8 .2 2 )
piqt Pi Vtr

onde ei = e Tfc = Juntando as duas equações obtém-se a conhecida


condição d e D o rfm an -S tein er :12

A _ rji
(8.23)
Ri c í’

onde Ri é o volume de vendas: quanto mais sensível for a procura ao volume


de publicidade e quanto menos sensível for a procura a variações do preço,
maior é o ratio entre despesas de publicidade e volume de vendas. Atendendo
à Equação (8.22), podemos também dizer que quanto maior for a margem,
niaior o ratio entre despesos de publicidade e volume de vendas.
As estatísticas sobre publicidade (cfr. Quadro 8 . 1 ) parecem consistentes
com as ideias subjacentes à condição de Dorfman-Steiner: automóveis, pro­
dutos de higiene e produtos alimentares são casos típicos de margens elevadas
e/ou elevada sensibilidade a despesas de publicidade.
12R. Dorfman e Peter O. Steiner, “Optimal Advertising and Optimal Quality”, American
Economic Remew 44 (1954), 82(MS36.
184 Capítulo 8. Diferenciação do produto

Quadro 8.1: Maiores anunciantes em Portugal, 1989.

E m p re s a V alor (106 E sc)


Unilever (Grupo) 2 354
.Renault 927
Nestlé 807
Fiat 667
Mocar 634
S. C. Misericórdia 480
Knorr 461
M. Finanças 427
Citroën 429
Colgate 397

Fonte: Diário de Notícias, 22 Março 1990.

No entanto, um teste rigoroso da Condição (8.23) deve ser feito produto


a produto, estimando as elasticidades em questão, calculando o rafc/o entre
elasticidades e comparando-o com o valor observado do ratio entre despesas
de publicidade e vendas. O resultado deste processo, aplicado a uma série de
produtos em mercados australianos, encontra-se no Quadro 8.2. Os valores
indicam que a condição se verifica nos casos do café instantâneo, cerveja,
sabonetes e combustíveis, mas não nos restantes.
Várias explicações podem ser adiantadas para a divergência de valores nos
casos dos cigarros, detergentes, pasta de dentes e tintas. Uma explicação
possível, que tomaremos de seguida, é que a análise de Dorfman-Steiner não
caracteriza efeitos dinâmicos, nomeadamente a durabilidade dos investimentos
em publicidade.

■ A nálise dinâm ica. Uma limitação importante da análise anterior re­


sulta de a publicidade (o marketing em geral) ser um fenómeno essencialmente
dinâmico. A forma mais correcta de analisar o problema consiste em tomar
a publicidade como um fluxo de investimento que forma o stock de um factor
produtivo intangível — o valor da marca .13 Assim, teríamos algo como

13Cfr. Marc Nerlove e Kenneth J. Arrow, "Optimal Advertising Policy Under Dynamic
Conditions", Economica 29 (1962), 129-142.
8.5. Publiàdade 185

Quadro 8.2: Publicidade: valores óptimos e valores observados.

Mercado VÍ* A /R
Café instantâneo .019 .020
Cerveja engarrafada .008 .0 11
Cigarros .019 .046
Sabonetes .013 .0 12
Detergentes .019 .030
Pastas de dentes .024 .059
Tintas .009 .019
Combustíveis .017 .016
Fonte: M. M. Metwally, “Advertising and Competitive Behavior of Selected
Australian Firms”, Review of Economics and Statistics 47 (1975), 417-427.

— = A t ~ 6MU (8.24)

onde M é o valor da marca, 6 a taxa de depreciação e A o valor das despesas


publicitárias.
Embora seja muito difícil medir o valor de M, a evidência de que se trata
de um valor importante é significativa. Por exemplo, quando em Outubro de
1988 a Philip Morris comprou a Kraft, empresa possuidora de várias marcas
de queijos, gelados, etc., pagou por esta 12.9 biliões de dólares, cerca de quatro
vezes o valor dos activos físicos da íCraft. A Nestlé, por seu turno, comprou a
Jtowntree (Kit Kat, After Eight, Polo, etc.) por 2.55 biliões de Libras, valor
este mais do que cinco vezes superior ao valor contabilístico da empresa.

8.5.2 Estrutura de mercado e publicidade


Como varia a intensidade das despesas de publicidade quando varia a estrutura
de mercado? A resposta a esta questão passa por saber como varia tjí em
função da estrutura de mercado. 14 Em primeiro lugar, note-se que ç* = S{Q,
onde Sj é a quota de mercado da empresa i. Logo,

14A análise dos próximos parágrafos é adaptada de Michael Waterson, Economic Theory
of the Industry, Cambridge: Cambridge University Press, 1984, Cap. 7.
186 Capítulo & Diferenciação do produto

_ dqi Ai
Vt ~ dAi qi
_ d{sjQ) Aj
dAi (SiQ)
_ ÕSi Ai ÕQ Ai
dAi $i dAi Q
dQ A Ai
U i+ d A Q A
= Vi + diT}, (8.25)

onde Vi ~ (a elasticidade da quota de mercado), af = ^ (a quota de


publicidade) e = (a elasticidade da procura de mercado em ordem ao
valor global de publicidade). Agora podemos reescrever (8.22) como

- Eí— (Vi + diT]). (8.26)


. Pi
Esta equação mostra quais os principais efeitos a ter em conta ao consi­
derar variações da estrutura de mercado. Por um lado, quando o número de
empresas aumenta, a margem de cada empresa tende a diminuir, o que por
sua vez implica um decréscimo da intensidade das despesas de publicidade.
Esta variação é reforçada, por seu turno, pelo decréscimo de aip . A intuição
é que, sendo as despesas de publicidade em parte um “bem público” (v.g.,
publicidade a um produto genérico como o leite), a externalidade inerente a
um aumento de Ai é tanto maior quanto menor for a importância relativa da
empresa i (medida por a*). Finalmente, temos um terceiro efeito, associado
a v í , que pode ter sinal contrário aos anteriores. Em particular, o valor de Vi
é igual a zero em situação de monopólio e positivo em oligopólio. Logo, ao
passar de n = 1 para n — 2 , este efeito é positivo.
O resultado líquido dos três efeitos pode, em princípio, ser positivo ou,
negativo. A observação comum indica que o rafcío de intensidade publicitária
tende a aumentar quando se passa de monopólio para duopólio e tende a
diminuir quando se aumenta o número de empresas num oligopólio (pelo menos
para valores elevados de n). A evidência econométrica parece confirmar esta
hipótese, mas de forma pouco convincente.15

15As estimativas indicam que o valor máximo do ratio A jR corresponde a um valor de Ct


entre 50 e 60%. Cfr. Stephen Martin, “Advertising, Concentration, and Profitability: The
8.6. Exercícios 187

8.5.3 Publicidade e bem-estar


Qualquer juízo sobre o efeito da publicidade no bem-estar depende, como é
óbvio, da concepção básica que se tenha sobre a natureza e o objectivo das
despesas em publicidade. No entanto, é evidente que, por um lado, existem
campanhas publicitárias cujo fim principal é a persuasão do cliente: criação
artificial de necessidades, etc. Por exemplo, um dos grandes contributos de
Alfred Sloan para o sucesso da General Motors foi a política de, anualmente,
introduzir pequenas alterações nos “novos” modelos, que, juntamente com
uma intensa campanha publicitária, tornavam os anteriores modelos obsoletos
aos olhos do consumidor. Por outro lado, é inegável que algumas despesas de
publicidade e propaganda, por exemplo a propaganda médica, cumprem um
papel importante, necessário e positivo. Em última análise, trata-se de uma
questão de bom senso.
Uma questão menos ambiciosa é a do efeito da publicidade na intensidade
da concorrência. Mais uma vez, a resposta depende do tipo de publicidade
que se considere. A publicidade informativa tende a aumentar o grau de con­
corrência. Como ilustração, recorde-se o modelo de oligopólio com informação
imperfeita (Secção 8.2): se as despesas publicitárias eliminarem a imperfeição
da informação, então o preço de equilíbrio passa de pM para pc .16 A publi­
cidade persuasiva, pelo contrário, tende a diminuir a elasticidade da procura
enfrentada por cada empresa, o que por sua vez implica um aumento do poder
de mercado: o que efá uma situação de concorrência perfeita passa a ser uma
situação de concorrência monopolística; o que era um oligopólio com produto
homogéneo passa a ser um oligopólio com produto diferenciado. Na prática,
todas as situações envolvem úm misto de informação e persuasão, o que torna
difícil um juízo inequívoco.

8.6 Exercícios
■ 8.1 Vinte e cinco lojas vendem determinado produto homogéneo na mesma
área comercial. Dos mil consumidores potenciais, quinhentos compram o pro-
Simultaneity Problem”, Bell Journal of Economics 10 (1979), 639-647, bem como os trabar-
Ihos aí citados. Um dos problemas com vários dos estudos ê o problema da simultaneidade:
não só a estrututura de mercado afecta os níveis de publicidade, como também os níveis de
publicidade afectam a estrutura de mercado (cfr. Capítulo 5).
16Por exemplo, Lee Benham, “The Effects of Advertising on the Price of Eyeglasses”,
Journal of Law and Economics 15 (1972), 337-352, mostra que os óculos são, em geral, mais
caros nos estados americanos em que a publicidade {essencialmente informativa) é proibida.
188 Capítulo 8, Diferenciação do produto

Quadro 8.3: Águas minerais portuguesas.

Vendas
Empresa (106i) (106$)
Luso 105.5 752
Carvalhelhos 20.8 612
Pedras Salgadas 16.2 467
Fastio 14.7 322
Vimeiro 9.4 263
Pizões 8.8 244
Vidago Salus 7.8 135
Monchique 7.0 100
Mealhada 6.1 97
Vitalis 3.3 93
Campilho 2.5 59

duto na primeira loja que encontram, até um preço máximo de 7000$. Os


restantes informam-se sobre os preços em todas as lojas e escolhem depois
o preço mais baixo. Todas as lojas têm igual probabilidade de receber cada
um dos clientes. O custo de produção é de 2500$ e a capacidade de cada
loja 45 unidades. (Suponha que clientes não satisfeitos ao preço mais baixo
encontrado não realizam qualquer compra.)
a) Mostre que, em equilíbrio, existem no máximo dois preços diferentes.
b) Mostre que, a existirem dois preços de equilíbrio, o maior é 7 000$.
c) Mostre que constitui um equilíbrio de Nash cinco empresas fixarem um
preço igual a 7 000$ e as restantes vinte um preço igual a 4 500$.
■ 8 . 2 * Derive as Condições (8 .6 - 8 .8 ). Mostre que estas são as condições
necessárias e suficientes para o equilíbrio em questão.
■ 8.3 Num trabalho sobre águas minerais portuguesas, apresentam-se as em­
presas que constituem o ramo (cfr. Tabela 8.3). Os valores relativos a Melgaço
e Cambres são irrelevantes. Acha que o produto é homogéneo? Justifique a
resposta. (Exercício elaborado por J. M. Amado da Silva.)
■ 8.4 Considere o modelo de produto diferenciado de Hotelling. Uma po­
pulação de L consumidores potenciais distribui-se uniformemente ao longo de
um segmento de comprimento 1 (MM) m. Um vendedor encontra-se a 250 m de
8.6. Exercícios 189

ura extremo do segmento e o outro a 250 m do outro extremo. O custo de


transporte de cada consumidor é de t Esc/m.
a) Determine a procura residual do vendedor 1 dado o preço fixado pelo
vendedor 2 .
b) Calcule a elasticidade procura-preço ao longo desta procura.
c) Como varia a elasticidade em função do custo de transporte? Interprete
o resultado.
■ 8.5 Suponha que o mercado de microcomputadores é um duopólio. O
computador de cada empresa tem essencialmente as mesmas capacidades que
o da outra. No entanto, alguns consumidores estão melhor habituados a um
dos sistemas operativos, de tal forma que cada empresa disfruta de um certo
poder de mercado. A procura dirigida à empresa i é ç* = 200-4/15p* + l/15pj,
= O custo marginal é constante e igual a 2 .
a) Calcule os lucros em situação de equilíbrio, assumindo que casa empresa
fixa o seu preço.
b) Suponha que foi inventado um interface entre os dois computadores
que essencialmente os torna melhores substitutos. Repita o cálculo da alínea
anterior considerando as novas funções procura qi = 200 —3 / 5p* + 2 / 5 pj. O
que esperaria da estratégia das empresas nesta situação? (Exercício elaborado
por T. Bresnahan.)
■ 8 .6 * Considere o seguinte modelo de diferenciação vertical. Duas empresas
vendem produtos de qualidade diferente, w e u , onde ü > u. A disposição a
pagar de um consumidor do tipo v por cada um dos bens é dada por w + ü v
e w + uv, respectivamente. Cada consumidor compra exactamente uma uni­
dade de um dos dois produtos (supondo, por exemplo, que o valor de w é
muito elevado). O valor de v de cada consumidor distribui-se uniformemente
no intervalo [0,1]. As empresas têm um custo de produção nulo e fixam si­
multaneamente os preços.
a) Mostre que as funções reacção das empresas são dadas por

P=

e
P
V
2’
onde p e p são os preços fixados pelas empresas de qualidade u e u, respecti­
vamente.
190 Capítulo 8. Diferenciação do produto

b) Determine os hicros de equilíbrio em função da diferença de qualidade


entre as empresas. Qual esperaria que fosse o equilíbrio dum jogo com dois
estádios em que o primeiro estádio correspondesse à escolha da qualidade?
■ 8.7 Procure vários anuncias publicitários em meios de comunicação diver­
sos. Qual o conteúdo informativo ou “persuasivo” de cada um deles? Relacione
estes dados com as características do produto e do meio de comunicação em
questão.
■ 8 .8 O efeito das despesas publicitárias na procura pode ser decomposto
em aumento da procura total e transferência de quotas de mercado. Segundo
esta classificação, podem considerar-se os seguintes casos extremos, onde qi é
a procura da empresa i e a* o respectivo montante de despesas publicitárias: 17

1. A publicidade diz-se p re d a tó ria quando

dqj dqj
(8.27)
ddi ddi

2 . A publicidade diz-se co o p e rativ a quando

dqj
> 0; (8.28)
ddi

3. Finalmente, a publicidade diz-se p e rfe ita m e n te co o p erativ a quando

dqj = dqj
(8.29)
d(£| dd\

Num estudo referente à procura de bolachas salgadas em pequenas cidades


americanas foi obtida a seguinte estimativa :18

qi = 0 X + 1.85o* - .84oj. (8.30)

a) Com base na classificação apresentada acima, como caracteriza as des­


pesas publicitárias em bolachas salgadas?
17Cfr. James Friedman, “Advertising and Oligopolistic Equilibrium” , Bell Journal of Eco­
nomics U (1983), 464-373.
18Margaret E. Slade, “Product Rivalry with Multiple Strategic Weapons”, mimeo, Uni­
versity of British Columbia (1990).
8.6. Exercícios 191

Quadro 8.4: Transporte rodoviário. Preços de alguns percursos nacionais em


Julho de 1993 (escudos).*1

Percurso Num. Tarifas normais Tarifas por km


emp.b min max min max
Braga-Guimarãesc 3 320 320 .16 16
Lisboa- Coimbra** 4 770 1300 3.85 6.5
Lisboa-Benedita 1 850 850 9.5 9.5
Lisboa-Tondelae 3 1150 1200 4.33 5.52
a Fonte*. J. Miguel Gaspar, “Análise de Casos Exemplares de Discriminação
de Preços”, Lisboa, 1993.
b Número de empresas que oferecem o serviço.
c A Universidade do Minho oferece um serviço de transporte para estudantes
pelo preço de 100 Esc.
d O transporte ferroviário custa 1350 Esc. (Inter-Cidades, 2a. classe),
e O transporte ferroviário custa 1380 Esc.

b) Outros estudos mostram que as despesas publicitárias são de natureza


cooperativa (cigarros) e predatória (refrigerantes) .19 Como explica estes re­
sultados, tendo em conta a natureza dos produtos em questão?
■ 8.9 De um trabalho sobre preços de transporte rodoviário obtiveram-se os
valores constantes no Quadro 8.4. Procure explicar estes dados com referência
à análise deste e dos capítulos anteriores.
■ 8 .1 0 Ph. Nelson classifica a qualidade em duas categorias: qualidade
testáv e l e q u alid ad e ex p erim en táv el .20 No primeiro caso, a qualidade
pode ser aferida antes da compra, eventualmente com um custo de teste. No
segundo caso, a qualidade apenas pode ser aferida após,a compra e experi­
mentação reiterada do produto.
a) Em que caso lhe parece seja mais rentável um investimento em publici­
dade televisiva? (Sugestão: consulte os dados do Quadro 8.5.)

19Cfr. Mark J. Roberts e Larry Sarmielson, "An Empirical Analysis of Dynamic, Nonprice
Competition in an Oligopolistic Industry", Rand Journal of Economics 19 (1988), 200-
220; F, Gasmi, Jean-.Jacqties Laffont e Quang Vuong, “Econometric Analysis of Collusive
Behavior in a Soft-Drink Market", Journal o f Econom ics, M anagem ent a n d Strategy X, 277—
312, respectivamente.
^Phillip Nelson, “Information and Consumer Behavior", Journal of Political Economy 78
(1970), 311-329.
192 Capítulo 8. Diferenciação do produto

Quadro 8.5: Publicidade no Canal 1 por tipo de produto (horas em 1988;


valores principais apenas).

Tipo horas
Produtos alimentares 40
Prod. higiene e beleza 22
Máquinas, veículos e acessórios 20
Vinhos 12
Detergentes 9
Fonte: Anuário RTP, 1989.

b) Qual espera seja a natureza das despesas publicitárias em cada caso


(mais informativa ou mais persuasiva)?
■ 8.11 Considere um monopolista que escolhe o valor óptimo de despesas de
publicidade. Suponha que a publicidade implica um deslocamento da curva
de procura para Nordeste. Suponha ainda que o índice de bem estar é dado
pela soma do excedente do produtor com o excedente do consumidor medido
com a curva de procura deslocada pelas despesas de publicidade.
a) É esta a medida adequada do bem-estar social?
b) * Mostre que o valor óptimo de publicidade é excessivo de um ponto de
vista social. (Sugestão: o óptimo do monopolista é determinado pela igualdade
entre receita marginal e custo marginal da publicidade; mostre que neste ponto
a variação marginal do excedente total é inferior ao custo marginal.21)
■ 8.12* Ph. Nelson sugere que as despesas de publicidade podem funcionar
como sinal da qualidade de um produto .22 Considere o seguinte modelo sim­
ples: a qualidade do produto vendido por um monopolista pode ser alta ou
baixa. Apenas o monopolista conhece o real valor do seu produto. O custo de
produção de uma unidade é dado por c e ç , consoante a qualidade seja alta
ou baixa. Os consumidores estão dispostos a comprar uma unidade ate um
21Para uma análise rigorosa, vd. Avinash Dixit and Victor Nortnan, “Advertising and
Welfare”, Bell Journal of Econômica 9 (1978), 1-17.
22PhÍllip Nelson, “Advertising as Information”, Journal of Political Economy 81 (1974),
729-754. Para uma análise formal, vd. Richard E. Khílstrom e Michael H. Riordan, “Adver­
tising as a Signal”, Journal of Political Economy 92 (1984), 427—450; e Paul Milgrom e John
Roberts, “Price and Advertising Signals of Product Quality” , Journal of Political Economy
94 (1986), 796-821.
8.6. Exercícios 193

máximo de ü se estiverem certos de que se trata de um produto de qualidade


alta; pelo contrário, se estiverem certos d e q u e se t r a t a de um p ro d u to de
qualidade baixa, então estão dispostos a comprar d u a s u n id a d e s a u c a d a .
a) Mostre que as seguintes estratégias constituem um equilíbrio. Se o
produto for de qualidade baixa, então o monopolista fixa p = u e vende duas
unidades. Se, pelo contrário, o produto for de qualidade alta, então o monopo­
lista fixa p = ü, e vende uma unidade, após ter dispendido A em publicidade.
O valor de A e tal que ç < A + 2 u ~ ü < c. Em equilíbrio, os consumidores
pensam que um preço alto é fixado apenas por empresas de qualidade alta e
um preço baixo por empresas de qualidade baixa .23
b) Como classificaria este tipo de publicidade relativámente ao binómio
informação/persuasão?

23Neste equilíbrio, para além das estratégias, há que definir as conjecturas dos consumi­
dores sobre o “tipo” da empresa, após a observação da estratégia da nlesma. Designa-se
por equilíbrio de Nash-Bayes, ou equilíbrio bayesiano, a situação etn que as estratégias
escolhidas são óptimas e as conjecturas consistentes. Neste caso concreto, o equilíbrio encon­
trado é um equilíbrio com sinalização, uma vez que o preço e o montante de publicidade
de cada tipo de empresa “sinalizam” a qualidade do produto vendido. '
Capítulo 9

Investigação e
Desenvolvimento

9.1 Introdução
GRANDE PARTE do crescimento das economias modernas é devido ao progresso
tecnológico.1 Constantemente, novos produtos e processos.de fabrico são de­
senvolvidos e aplicados. Este processo evolutivo não se dá de uma forma uni­
forme em todos os sectores, nem sequer em todas as empresas de um mesmo
sector. Logo, é de esperar que o progresso tecnológico coiistitua um elemento
importante na concorrência entre as empresas de um determinado mercado.
Neste capítulo, procuramos responder a dois tipos de questões: primeiro, a
relação entre a estrutura de mercado e a intensidade da actividade de in­
vestigação e desenvolvimento flfcD); segundo, a relação entre os incentivos
privados e os incentivos sociais para investir em I&D. ,

9.2 Estrutura de mercado e incentivos para I&D


Qual o tipo de empresa e de estrutura de mercado mais aptos para o in-
vestimento em T&D? O ponto de partida para a análise desta questão é a
chamada h ipó tese d e S chum peter, segundo a qual as grandes empresas,
com posições mais ou menos monopolistas, são as que têm maiores incentivos
para ser o motor do progresso tecnológico: “W hat we have got to accept is
that [the large-scale establishment or unit of control] has come to be the most
^ f r . Robert M. Solow, “Technical Change and the Aggregate Production Function",
Review of Economics and Statistics 39 (1957), 312-320.

195
196 Capítulo 9. Investigação e Desenvolvimento

powerful engine o£ [economic] progress.”2 Osjnotivos apontados para esta ob­


servação são que as grandes empresas têm mais fácil acesso aos m ercados
de c a p i t a i s , m aio r c a p a c id a d e de a b s o r ç ã o d e r i s c o s e ainda que existem
econom ias de escala na actividade de I&D.
Mais recentemente, R. Nelsonj y r BHmTlfam 9llft n5n s° a dimensão, mas
também a diversificação da empresa, constitui um factor favorável à acti-
vidade de I&D.3 Frequentemente, como resultado da investigação na área_de
negócio x, surge uma descoberta aplicável na-área de qegógioJ/- Ora apenas
uma empresa grande e diversificada pode receber os benefícios destas inovações
inesperadas.
Existem noentantooutros aspectosque levam, pelo menos parcialmente, a
nma conclusão contrária à hipótese de Schumpeter. Concretamente, a analise
de K. Arrow mostra gqe, em muitas situações, os incentivos para investigação
são menores quando n poder de mercado e .maior.4 Seguidamente, analisare­
mos este efeito em dois casos possíveis.
Consideremos primeiro o caso de uma inovação do processo de fabrico que
reduz o valor do custo marginal. Na Figura 9.1 e^tão representadas as si­
tuações extremas de monopólio e concorrência perfeita. Antes da inovação, o
custo marginal é dado por C[. A solução de monopólio encontra-se no ponto
B y enquanto que a de concorrência perfeita se encontra no ponto E. A me­
lhoria do processo de fabrico permite reduzir o custo marginal de Cj para
C*}. Supondo que a redução não é muito significativa, o monopolista mantém
aproximadamente a mesma quantidade e preço. O efeito da redução do custo
é então dado pela área [CDGF). Na solução de concorrência perfeita, uma
Hás empresas descobre a nova tecnologia e obtém uma patente que proteje
a inovação (alternativamente, podemos supor que a imitação da tecnologia é
muito difícil). Agora, a empresa inovadora pode fixar um preço ligeiramente
inferior a C[ e capturar todo o mercado. Os seus lucros, anteriormente nulos,
são agora dados pela área [CEHF]. Por comparação com [CDGF], verifi-
ramos que a empresa em concorrência perfeita tem maiores incentivos jiara
# inovar que a empresa monopolista. A ideia é que a empresa monopolista,, por
produzir uma quantidade inferior, tem menos a ganhar com uma redução do

2Joseph A. Schumpeter, Capitalism, Socialism and Democracy, New York: Harpe,1950,


p. 106.
3Richard Nelson, “The Simple Economics of Basic Scientific Research", Journal of Poli­
tical Economy 67 (1959), 297-306. . „
“Kenneth J. Arrow, “Economic Welfare and the Allocation of Resources for Invention ,
in National Bureau of Economic Research, The Rate and Direction of Inventive Activity,
Princeton: Princeton University Press, 1962.
1 L - ' . i Z v t *■*' l
* U*
■'■ 1°^-
^ ^ w *, ° y W (- ■ _
ÇnWUJ 1 -r \. 1■
i/M t ■I , O J.
9.2. Estrutura de mercado e incentivos para I&D 197

custo.
No caso da descoberta de novos produtos, a análise é diferente, mas as
conclusões são semelhantes. Consideremos o caso de uma inovação drástica,
que torna anteriores produtos obsoletos. Ao descobrir um novo produto, uma
empresa em concorrência perfeita torna-se monopolista, passando a receber
um lucro IT^. Como anteriormente o seu lucro era nulo, UfM é o valor que a
empresa tem a ganhar com a descoberta. Um monopolista^ por seu turno, tem
a ganhar 11 ^ menos XIm , pois, ao descobrir um novo produto, o monopolista
torna obsoleto um. produto que lhe permitia ganhar n M. Este á o chamado
efeito su b stitu ição , que resulta num menor incentivo das empresas instala- ^
das para proceder a actividades de I&D na descoberta de, novos produtos.
Um exemplo interessante do efeito substituição é sugerido pelo recente-
mente anunciado acordo entre a Apple e a IBM. Segundo o Economist,

They [IBM and Apple] claim that the combination of IBM’s but­
toned-down earnestness and Apple’s laid-back creativity will revo­
lutionise the computer industry.
Maybe it will. But what IBM and Apple gloss over is that the new

^ o yjt; t (V. hji > fi •' jg

i . i u vu < !'*■ o '.1 ^ I


, 3 .; '.i-Lt in
198 Capítulo 9. Investigação e Desenvolvimento

products they are planning could, at a stroke, make their existing


products obsolete. Even with the best will, most who have tried
that trick have failed — or lost their nerve. (5 Outubro 1991, p.
85)

Para finalizar, deve dizer-se que as hipóteses de-Schumpeter e_de_Arrow


não são necessariamente contraditórias. De facto, a_prime[ra refere-se. jprinci-
palmente à dimensão d as em pres as, enquant o .que. a, segunda se refere princi-
pãlm~enteTlsiír?fÍuTO de m ercado. A evidência empírica revela que ambas as
hipóteses se verificam nalguns casos. Na indústria farmacêutica, por exemplo,
encontra-se evidência de economias de escala na actividade de I&D. Mas, como
o exemplo acima mostra, o efeito substituição também pode ser importante .0

9.3 Dinâmica concorrencial*


Na secção anterior, considerámos o efeito da estrutura de mercado nos incen­
tivos para investigação e desenvolvimento (estrutura afecta comportamento).
Nesta secção, consideramos justamente o efeito inverso, isto é, o efeito da
actividade de investigação e desenvolvimento na estrutura de mercado (com­
portamento afecta estrutura). Como vimos no primeiro capítulo, a essência
da Escola Austríaca consiste em olhar para a economia de mercado como xim
processo evolutivo. Novos produtos e processos de fabrico suplantam antigos
produtos e processos de fabrico; novas empresas são criadas, enquanto^ que
outras declaramJSalência, Nas paIavrSs~de Schumpeter, dá-se um processo de
d estru ição criativ a, pelo que o podei_de_mercadQJé.^ipicamente 4„uffl.I>„Qder
temporário.
Para formalizar esta. ideia, consideremos um modelo muito simples em que
existe uma empresa inicialmente instalada como monopolista, a Empresa 1,
e um potencial rival, a Empresa 2.6 Embora não se verifique concorrência
no mercado do actual produto, verifica-se concorrência na “corrida” pela des­
coberta da nova geração do produto. Suponhamos que a nova geração do
produto corresponde a uma melhoria drástica, pelo que, caso uma descoberta
seja feita, o anterior produto se torna obsoleto. Por outro lado, as patentes
5Para um resumo dos estudos empíricos, vd. Wesley Cohen e Richard Levin, ' Empirical
Studies of Innovation and Market Structure", in R. Schmalensee e R. Willig (Eds.), Handbook
of Industriai Organization, Amsterdam: North-Holland, 1989.
fiEste modelo corresponde a uma simplificação do modelo de Jennifer F. Reinganum,
“Uncertain Innovation and the Persistence of Monopoly”, American Economic Review 73
(1983), 741-748.
9.3. Dinâmica concorrencial* 199

Quadro 9.1: Lucros em função do resultado dos projectos de I&D. S: sucesso;


N: não sucesso.

Rival
S N
0 0
s 0 n
Monopolista 0
N 0 rijvf

atribuídas a novos produtos são suficientemente restritas para que, caso ambas
as empresas descubram um novo produto, ambas o possam patentear. Final­
mente, assumimos que, se ambas as empresas descobrirem um novo produto,
a concorrência duopolística é tal que os lucros de cada empresa são nulos.
Concretamente, os lucros de cada empresa, em função dos resultados dos
projectos de investigação, são dados pelos valores no Quadro 9.1, onde U'M >
Ü a/. Finalmente, a empresa i descobre um novo produto com probabilidade
onde r, representa o valor investido em I&D. A função /(■) é, por
hipótese, côncava.7
O lucro esperado da empresa monopolista é então dado por

Ei = f(n) (i - / ( r 2)) n’M+ (i - /(n ) ) {i - / ( r 2)) n w - n , (9.1)


enquanto que o lucro esperado da empresa rival é dado por

E 2 = / ( r 2) (1 - / ( n ) ) XHM - r2. (9.2)


As condições de primeira ordem para max E \ e max E2 são dadas por

/ ,( r i ) l l - / f a ) ] ( n ' M - n M) = 1 (9.3)
/'te)[l-/(ri)]n 'M = 1. (9.4)

Como /(-) é côncava, a função reacção de cada empresa, gi{rj) (t = 1,2),


é decrescente. De facto, se o valor de r 2 aumentar, então, partindo de (9.3),
7Esta hipótese não é fundamental, mas simplifica a exposição consideravelmente. Faz sen­
tido que, pelo menos para valores elevados de n , os rendimentos marginais de investimentos
em I&D sejam decrescentes. Logo, a hipótese não é totalmente arbitrária.
200 Capítulo 9. Investigação e Desenvolvimento

Figura 9.2: Solução de equilíbrio.

pode verificar-se que o valor de ri tem de diminuir (de forma a que a condição
de primeira ordem se verifique). Analogamente, se o valor de rj aumentar,
então, com base em (9,4), concluímos que o valor de T2 diminui. Por outro
lado, dado que U'M < n'M, temos 5 1 (1 ) < g2{x), para qualquer x.
Supondo que as funções reacção são aproximadamente lineares, então temos
algo como a Figura 9.2,
Como se pode verificar, em equilíbrio, r 2 > *T, isto é, a empresa rival
investe mais em I&D que a empresa monopolista. Logo, üo longo do tempo,
verifica-se uma tendência para que a empresa monopolista seja substituída
pela empresa rival, A intuição para este resultado é que, ao descobrir um
novo produto, a empresa rival apenas tem a ganhar (concretamente o valor
II'M), enquanto que a empresa monopolista ganha apenas o acréscimo entre
os lucros na situação inicial (Haí) e na nova situação de monopolio (lí^ ).
Trata-se, afinal, do efeito substituição anteriormente referido.

■ A ntecipação. O modelo anterior — modelo estático ignora a pos­


sibilidade de antecipação por parte da empresa monopolista. Suponhamos
agora que o sistema de patentes é suficientemente abrangente para que apenas
»ma. versão da nova geração do produto seja patenteável. No entanto, não
sendo a inovação drástica, o monopolista consegue manter-se como duopolista
caso a empresa rival obtenha a nova patente. Para manter o modelo simples,
suponhamos também que a patente é atribuída à empresa que esteja disposta
9 3. Dinâmica concorrenciai* 201

a pagar mais. Um exemplo desta situação é o caso em que a descoberta é feita


por uma terceira empresa — ou por uma universidade — que, não dispondo de
meios para lançar o produto no mercado, decide vender a patente à empresa
que pague mais.
Vejamos primeiro qual o valor que o monopolista estaria disposto a pagar.
Conseguindo a patente, o monopolista receberá um lucro (bruto) de 11$^. Caso
a empresa rival compre a patente, o monopolista recebe apenas U&. Logo, o
monopolista está disposto a pagar D!M —Hp.
No que respeita à empresa rival, a análise è algo diferente: conseguindo a
patente, esta empresa receberá um lucro (bruto) de 11 ^ (pois terá de concorrer
com a outra empresa), enquanto que não conseguindo a patente continuará a
receber um lucro nulo. Logo, a empresa rival está disposta a pagar 1VD pela
patente.
A condição para que a empresa monopolista tenha uma disposição a pagar
superior é então dada por

“ n d > n^, (9.5)

ou simplesmente

Ejií > H d + n'D. (9.6)

A única relação que conhecemos com certeza é que ITW > ll^ > ü p . Logo, em
princípio, é possível que (9.6) se verifique ou que não se verifque. No entanto,
em geral, é natural que (9.6) seja verdadeira. Em particular, suponhamos
que a diferença entre gerações do produto é pouco significativa. Neste caso,
II d ^ n*D e (9.6) significa que o lucro de um monopolista é superior aos lucros
totais de dois duopolistas, o que é verdade desde que a diferenciação entre os
produtos seja suficientemente pequena.
Assim, podemos concluir que, verificando-se a ■possibilidade de antecipação,
encontra-se uma tendência para que o monopolista perpetue a sua posição de
domínio do mercado; de facto, esta empresa tem mais a ganhar com a compra
de novas patentes fmanter a posição de monopolista) do que a empresa rival
(adquirir uma posição de duopolista8

8Cfr. Richard J. Gilbert e David M. Newbery, “Preemptive Patenting and the Persistence
of Monopoly”, American Economic Review 72 (1982), 514-526.
202 Capítulo 9. Investigação e /)esenvo/vimento

9.4 Incentivos privados e bem-estar social


Devido à natureza de bera público, ou devido a outras falhas de mercado, é
frequente encontrar divergências entre o óptimo social e os incentivos privados
para investigação e desenvolvimento. Esta divergência é extrema no caso do
chamado p ro b lem a d e H irshleifer. Suponhamos que um inventor possui
uma ideia mas não dispõe de qualquer capital para a desenvolver, necessi­
tando, por conseguinte, encontrar um comprador da ideia. O problema põe-se
porque, para vender a ideia, o inventor tem de a revelar; e, uma vez revelada, o
potencial comprador não tem qualquer incentivo para compensar o inventor.9
Embora as situações extremas sejam também raras, na generalidade dos
casos verifica-se alguma externalidade no processo de I&D. Em certos casos,
as despesas em I&D são mesmo um bem público. Ora, como é sabido, o
equilíbrio não cooperativo é nestes casos ineficiente. Justifica-se, por con­
seguinte, a intervenção estatal, que tipicamente assume a forma de subsídios
directos (especialmente subsídios directos à investigação básica em universida­
des e noutros centros de investigação) ou protecção da propriedade intelectual
(direito de patente e direito de autor).

■ O d ireito d e p a te n te . A instituição do direito de patente tem como


objectivos principais (i) promover a invenção de novos produtos e processos
de fabrico, (ii) encorajar o investimento (ou desenvolvimento) dessas invenções,
e (iii) tornar pública a informação sobre as invenções.
A patente consiste, essencialmente, no direito de utilização exclusiva de um
determinado processo de fabrico (ou comercialização exclusiva de um determi­
nado produto) durante um certo período de tempo. Actualmente, o período
da patente é de 20 anos na Europa e 17 anos nos Estados Unidos.
A duração da patente é um importante instrumento da política governa­
mental com respeito a I&D. O balanço é claro: por um lado, quanto maior for
a duração da patente, maiores as distorções resultantes do direito de exclusi­
vidade; por outro lado, quanto menor for a duração da patente, menores os
lucros da empresa que inventa e, por conseguinte, menores os incentivos para
investir em I&D .10 Concretamente, baseando-se em simulações numéricas so­

a s t e problema é apontado como um dos motivos por que muitas empresas intensivas
em I&D (v.g., indústria farmacêutica) recorrem principalmente ao auto-financiamento. Um
segundo motivo relaciona-se com o problema do risco m o ral (moral fiazard): quando o que
sç vende é não uma ideia ímediatamente aplicável mas sim um projecto de I&D com sucesso
incerto, torna-se difícil controlar o esforço do investigador com base nos resultados obtidos.
‘‘‘implicitamente, estamos assumindo que os incentivos privados para investir em I&D são
9.4. Incentivos privados e bem-estar socíai 203

bre valores “razoáveis” dos principais parâmetros de um modelo simples, W.


Nordhaus concluiu que as durações de 17 e 20 , anos não se encontram longe
do óptimo social.11
A duração da patente não é, no entanto, o único aspecto relevante para a
determinação dos incentivos dos agentes. Em muitas circunstâncias, o grau
de cobertura da patente adquire uma importância primordial. Exemplo
disto é a invenção da raquete oversize da Prince. Os Estados Unidos, que têm
uma política de concessão de patentes mais abrangente, atribuíram à Prince
o direito exclusivo de comercialização de raquetes com tamanhos entre 85 e
130 polegadas (o tamanho convencional era, na altura, 70 polegadas). No
entanto, na generalidade dos restantes países, a patente atribuída foi muito
mais restrita, pelo que a imitação por parte de outras marcas (com raquetes
parecidas mas diferentes) seguiu-se muito rapidamente.
Aliás, a questão do grau de cobertura é também relevante para a definição
do direito de autor, ou Copyright. Reeentemente, têm-se discutido inúmeros
casos de Copyright de software em que as alternativas são (i) direito sobre
o programa escrito (a sequência de instruções em linguagem máquina) ou (ii)
direito sobre as funções e o “aspecto” do programa em questão. TYês dos casos
mais polémicos são os da Apple Macintosh vs Microsoft (relativamente à uti­
lização de “janelas” e “ícones”), Lotus vs Mosaic Software (folhas de cálculo),
e Nintendo vs Atari Games (jogos de computador). As decisões até agora to­
madas parecem dirigir-se no sentido de atribuir direitos bastante abrangentes,
isto é, a segunda alternativa. No caso do software, criou-se incíusivamente a
expressão look-and-feel para definir o alcance do direito de autor .*12

■ C o n co rrên cia e excesso de incentivos p a ra I&D.* A análise do


balanço na definição da duração de uma patente baseou-se na hipótese de que
os incentivos privados para I&D são inferiores aos incentivos sociais (pelo que
o aumento de despesas decorrente de uma patente mais longa melhora o bem
estar social). No entanto, em situações de concorrência entre empresas, pode
dar-se o caso de os orçamentos de I&D serem excessivos de um ponto de vista
social.

inferiores aos incentivos sociais. Mais adiante, veremos que o contrário 'também pode ser
verdade. Nesse caso, a redução do período de patente seria inequivocamente benéfica.
"W illiam D. Nordhaus, Invention, Grvwth, and Welfare: A Theoretical Trvatment of
Technological Change, Cambridge, M&ss.: Harvard University Press, 1969.
12DesenvoIvimentos recentes da análise económica do direito de patente e direito de autor,
bem como referências a exemplos adicionais, podem encontrar-se no “Symposium on Patents
and Technology Licencing”, Rand Journal of Economics 21 (1990), 103-187.
204 Capítulo 9. Investigação e Desenvolvimento

Para compreender melhor esta deia, consideremos o seguinte modelo sim­


ples de investigação em novos produtos. Duas empresas investem n escudos
em I&D (i = 1,2). A probabilidade de a empresa i inventar utn novo produto
é dada por /(/•*)• Se apenas uma empresa inventar um novo produto, é-lhe
atribuída uma patente cujo valor é dado por V. Caso ambas as empresas
inventem um novo produto, a patente é atribuída a uma das empresas com
probabilidade 50%. Finalmente, assumimos que o valor social do novo produto
inventado é igual ao valor privado, isto é, V. Esta é uma hipótese extrema:
verifica-se no caso em que o monopolista consegue discriminar perfeitamente
entre os consumidores e assim extrair todo o excedente do consumidor, o que,
como vimos, acontece raramente. Em gerai, o valor social do novo produto é
superior ao valor privado. A análise que se segue seria extensível a esse caso
mais geral; no entanto, tornar-se-ia desnecessariamente mais complicada.
Determinemos inicialmente o equilíbrio de mercado. A função lucro (espe­
rado) da empresa i ê dada por

H = / ( r i) [ ( l - / ( r í ))V + / ( r J)V /2 ]-r,


= / ( n ) ( l - / ( r j ) / 2 ) V - r 4. (9.7)

A condição de primeira ordem para a maximização do lucro é dada por

/ '( r . ) ( l - / ( r , ) / 2 ) K = l. (9.8)
Num equilíbrio simétrico, temos jy = rj = r, pelo que
1
fir) ( l - / ( r ) / 2 )K '
(9.9)

Consideremos agora o valor de r correspondente ao óptimo social, supondo


que as empresas investem valores iguais em I&D. Em rigor, este é um ó ptim o
condicionado, na medida em que se impõe a restrição de que se mantêm
dois projectos paralelos (e a níveis iguais). Deve notar-se que uma das fontes
de ineficiência da solução de equilíbrio é frequentemente a duplicação d e
projectos. No entanto, como o objecto da presente análise são as distorções
quanto ao nível de despesas em I&D, a abordagem do óptimo condicionado é
preferível. Por outro lado, se os instrumentos de que o governo dispõe (por
exemplo, subsídios à investigação) apenas afectam o nível de r*, então esta é
a abordagem relevante.
O bem estar social, em valor esperado, é dado por
9.5. Exercícios 205

W = 2 /( r ) (1 - / ( r)) V + f { r f V - 2r. (9.10)

A condição de prim eira ordem p a ra m ax W é en tão

2/'(r) (1 - / (r )) V - 2f(r)/'(r)V + 2f( r ) f( R ) V 2


/ V ) ( l - / M - / ( r ) + /( r ) ) 1
/ ' W (1 - / ( r ) ) V = 1, (9.11)

ou simplesmente

1
/ '( r ) = (9.12)
(1 - / ( O ) v
Comparando (9.9) com (9.12), concluímos que o valor de equilíbrio de r é
superior ao óptimo social. De facto, sendo a função / ( r ) côncava na vizinhança
dos pontos de equilíbrio e óptima social, / '( r ) é decrescente. Logo, quanto
maior o lado direito de (9.9) e (9.12), menor o valor de r; e o valor do lado
direito de (9.9) é inferior (para o mesmo r) ao valor do lado direito de (9 . 1 2 ).
A explicação deste resultado baseia-se no facto de que, em situações de
concorrência, além da externalidade inerente às despesas em I&D, também há
que considerar a externalidade resultante do próprio processo de concorrência:
ao aumentar o valor de r*, parte do acréscimo de lucros esperados da empresa
i é conseguido à custa de um decréscimo dos lucros esperados da empresa j ,
não constituindo, por conseguinte, um ganho social.13

9.5 Exercícios

S 9.1 Com vista ao teste de algumas das hipóteses teóricas sobre incentivos
para I&D, foi estimada a relação econométrica entre concentração sectorial e
intensidade de despesas em I&D.14 Concretamente, estimaram-se equações do
tipo

3Um modelo mais completo e mais realista, que no entanto chega a um resultado se­
melhante, é apresentado por Glenn Loury, “Market Structure and Innovation", Quarterly
Journal of Econômica 93 (1979), 395-410.
14Adelino Fortunato, “Estruturas de Mercado, Inovação Tecnológica e Persistência do
Poder, de Monopólio na Indústria Portuguesa", apresentado no I o Encontro Nacional de
Economia Industrial, Braga, Outubro de 1992.
206 Capítulo 9. Investigação e Desenvolvimento

I — olC + (3Z>

onde l ê o rácio entre despesas de I&D e o volume de vendas de cada sector, C


o valor do índice CA e Z um vector de outras variáveis. Dividindo a amostra
consoante o valor de C seja superior ou inferior a 70%, obtém-se para a o
valor .003 e —.005, respectivamente. Comente.
■ 9.2 O período de patente aplicado a produtos farmacêuticos nas EUA é
de dezassete anos. Devido aos atrasos no processo de aprovação de novos
produtos, o período de protecção efectivo (isto é, desde a introdução no mer­
cado até a patente expirar) é normalmente inferior a dez anos. Os industriais
norte-americanos do sector defendem um aumento do período de protecção da
patente, argumentando que em última análise são os consumidores os princi­
pais prejudicados com a situação actnal.
a) Tem razão de ser o argumento dos industriais?
b) Para além da duração, que outros aspectos da lei de patente lhe parecem
relevantes?
■ 9.3 Procure informação sobre a evolução recente da regulamentação do
sector farmacêutico em Portugal (v.g., Diário de Notícias, 23 Outubro 1989).
Que política lhe parece melhor indicada com respeito à questão dos genéricos
e do direito de patente? Contraste a situação portuguesa com a de Itália ou
Estados Unidos.
Capítulo 10

Política industrial, política


de concorrência e regulação

10.1 Introdução
COMO v im o s no capítulo inicial, questões de carácter positivo (como fun­
cionam os mercados) dão naturalmente lugar a questões de carácter norma­
tivo (que se pode fazer para melhorar o funcionamento dos mercados). Neste
capítulo são considerados mecanismos de intervenção governamental com vista
ao melhor funcionamento dos mercados e das empresas.
Não é fácil descrever de uma forma sistemática a política económica no
âmbito da Economia Industrial. A classificação por que optámos considera
três grandes áreas, que serão desenvolvidas nas secções seguintes: política
industrial, política de concorrência e regulação (de mercados e de empresas).
Embora a abordagem deste capítulo seja fundamentalmente de carácter
normativo, a política económica é frequentemente objecto de uma análise po­
sitiva. De facto, entre as políticas óptimas e as políticas escolhidas encontra-se
uma grande distância — a distância correspondente ao processo político, o
processo de eleição de representantes dos cidadãos e escolha, por parte dos re­
presentantes, das políticas que satisfazem os interesses dos cidadãos, bem como
os interesses dos próprios representantes. O estudo deste processo, objecto da
Ciência Política, está para além do âmbito deste capítulo (com excepção de
uma breve referência à Teoria da Captura). É no entanto importante ter em
conta que, para além do estudo dos mercados e da concorrência, também no
estudo das políticas governamentais há que distinguir entre óptimo social e
equilíbrio.

207
208 Capítulo 10. Política industrial, política de concorrência e regulação

10.2 Política industrial


A p arte mais idiossincrática de um te x to sobre E conom ia In d u strial é norm al­
m ente a que se refere à P olítica In dustrial. D e facto, encontrarse uraa grande
variedade de opiniões sobre o que a Política Industrial deve ser, e até mesmo
sobre o que a Política Industrial é.
Num recente debate sobre Política Industrial ouviram-se, entre apenas
quatro oradores, as opiniões mais divergentes sobre a natureza ou a definição
de Política Industrial, desde “Política Industrial é o conjunto de condições
básicas necessárias para o bom funcionamento dos mercados” até “Política
Industrial é a política do Ministério da Indústria.”
Se é difícil encontrar um consenso sobre a definição adequada de Política
Industrial, mais difícil é encontrar um consenso sobre o que a Política Indus­
trial deveria ser. Aqui, as opiniões divergem entre os extremos de que “o
Estado deve ser o principal motor do desenvolvimento industrial (em geral e
nos sectores ‘estratégicos’ em particular)” até “a melhor Política Industrial é
não ter nenhuma política.”1
Nesta secção, apresentam-se os dois tipos de argümentos mais importantes
a favor de uma política industrial “activa” . O primeiro, na nossa opinião o mais
consistente, é relativamente pouco aplicável a uma economia como a economia
portuguesa. Trata-se da intervenção do Estado como jogador estratégico em
determinados mercados internacionais com elevado nível de concentração e
poder de mercado,
O segundo argumento, na nossa opinião o menos consistente, é frequente­
mente invocado em múltiplas instâncias de pohtica industrial “activa”. Trata-
se da intervenção governamental no sentido de escolher e favorecer sectores
e/ou empresas considerados “estratégicos” para a economia nacional.

10.2.1 Política comercial: O Estado como agente estratégico


Em situações de comércio internacional em que o poder de mercado seja
um factor preponderante, o Estado pode assumir um papel importante como
agente estratégico que influa positivamente no “jogo” estabelecido entre em­
presas nacionais e empresas estrangeiras.12 Como referimos acima, este é um
1Um membro da administração Reagan, por exemplo, afirmava que “the policy is that
we don’t want an industrial policy.” Cfr. C. Johnson (Ed.), The Industrial Policy Debate,
San Francisco: Institute for Contemporary Studies Press, 1984.
2A bibliografia sobre política comercial estratégica (strategic trade policy). é já bastante
extensa. Nesta secção apenas se referem alguns dos aspectos mais relevantes. Algumas das
contribuições teóricas mais importantes podem encontrar-se em Gene M. Grossman (Ed.),
10.2. Política industrial 209

tipo de intervenção com relativamente pouca importância para uma economia


como a economia portuguesa. De facto, a maior parte d o s nossos m ercad o s
de exportação são suficientemente concorrenciais p a r a q u e se p o ssa co n sid erar
o papel estratégico do Estado praticamente irrelevante. Existem, no entanto,
algumas excepções, como sejam a cortiça, o vinho do Porto ou a reparação
naval.

■ T ran sferên cia de rendas: I. Dois dos instrumentos mais comuns de


política comercial são as tarifas alfandegárias e os subsídios às empresas na­
cionais. Mostra-se que, em mercados concorrenciais, este tipo de intervenção
tem um efeito negativo no bem-estar nacional. O mesmo não é verdade, no
entanto, quando se trate de oligopólios internacionais, isto é, mercados em que
o poder de mercado seja preponderante.
Como exemplo, consideremos um duopólio constituído por uma empresa
nacional e uma empresa estrangeira. Para simplificar, suponhamos que estas
empresas concorrem apenas no mercado nacional (ou, alternativamente, que
a concorrência no mercado nacional é “separável”, para efeitos de análise, da
concorrência entre as mesmas duas empresas noutros países). Suponhamos
ainda que as empresas concorrem à la Cournot.
A situação inicial, anterior à intervenção governamental, vem descrita na
Figura 10.1. Trata-se do ponto de equilíbrio E q, em que ambas as empresas
detêm igual quota de mercado. (Implicitamente, este ponto assume que o custo
marginal da empresa estrangeira, expresso em unidades da moeda nacional, é
o mesmo que o da empresa nacional.)
Suponhamos agora que o governo decide atribuir um subsídio à empresa
nacional no valor de s por unidade produzida. De um ponto de vista da empresa
nacional, isto corresponde a um decréscimo do custo m a rg in a.! de c para c —s.
Como vimos no Capítulo 3, isto corresponde por sua vez a uma expansão da
curva de reacção da empresa nacional. O novo ponto de equilíbrio é agora
dado por E \.
Como varia o bem-estar nacional entre os dois equilíbrios? Note-se, em
primeiro lugar, que a quantidade total aumenta (e o preço diminui para um
valor mais próximo do custo marginal), pelo que o excedente total (excedente
do consumidor mais lucros das duas empresas) aumenta. Por outro lado, a
quota de mercado da empresa estrangeira diminui (o novo ponto de equilíbrio
Imperfect Competition and International Trade, Cambridge, M bss.: MIT Press, 1992. Em
particular, um dos trabalhos percursores nesta linha de investigação é o de James Brander
e Barbara Spencer, “Export Subsidies and International Market Share Rivalry”, Journal of
International Economics 18 (1985), 83-100.
210 Capítulo 10. Política industrial, política de concorrência e regulação

encontra-se acima da bissectriz do primeiro quadrante). Como o preço de


equilíbrio diminui também, concluímos que o lucro da empresa estrangeira
é menor em E i do que em E q. Finalmente, sabendo que o excedente total
aumenta e que o lucro da empresa estrangeira diminui, concluímos que o ex­
cedente total nacional (o excedente do consumidor mais o lucro da empresa
nacional) aumenta como resultado do subsidio atribuído pelo governo à em­
presa nacional.
Note-se que nesta análise assumimos que o subsídio atribuído à empresa
nacional é um subsídio por unidade produzida. Tratando-se de um valor inde­
pendente da quantidade produzida, o ponto de equilíbrio não seria alterado; a
intervenção do Estado não teria então qualquer valor estratégico. É também
importante notar que a despesa do governo não foi contabilizada no excedente
total por se tratar de uma transferência entre agentes nacionais. No entanto,
o custo de eficiência da obtenção das receitas fiscais correspondentes deveria
ser deduzido do excedente total. Finalmente, não foi considerada na análise
a possibilidade de retaliação p o r p a rte de um governo estrangeiro. P o r todos
estes motivos, não é certo que a intervenção do Estado tenha um valor global
positivo.
10.2. Política industriai 211

■ T ransferência d e rendas: II. Numa economia fechada, o poder de


mercado implica uma perda de eficiência, concretamente um decréscimo do
excedente total (excedente do consumidor mais excedente do produtor). Numa
economia aberta, no entanto, tal não é necessariamente verdade. Considere­
mos um caso extremo em que existem duas empresas nacionais que exportam
a totalidade da sua produção. Embora este seja um exemplo extremo, trata-
-se de um retrato relativamente realista de alguns sectores portugueses, como
seja a construção e reparação naval (onde as duas empresas nacionais seriam
a Lisnave e a Setenave).
Numa situação em que a produção do oligopólio nacional seja totalmente
exportada, o excedente total nacional é apenas dado pelos lucros das empresas
nacionais excluindo o excedente do consumidor. Mas então, quanto maior
for o poder de mercado das empresas nacionais, maior é o excedente total
nacional. Têm sentido, portanto, as políticas governamentais que levem ao
reforço do poder de mercado das empresas nacionais, evitando, por exemplo,
que concorram demasiado entre elas.

■ P ro tecç ão c o n tra “p re d ad o re s” .* Mais do que a transferência de rendas


de empresas estrangeiras para empresas nacionais, a intervenção do Estado
como agente estratégico pode permitir a viabilização de empresas que não
seriam viáveis de outra forma, devido ao comportamento estratégico das rivais
estrangeiras. s
Concretamente, consideremos um jogo simples entre duas empresas, uma
já instalada (empresa estrangeira) e outra que pretende entrar no mercado
(empresa nacional). Como ilustração, vamos referir-nos a estas empresas como
Boeing e Airbus. Aliás, o caso da concorrência entre estas duas empresas é
um caso paradigmático da importância da intervenção estatal, em moldes
semelhantes aos que aqui consideramos.
O jogo desenvolve-se ao longo de dois períodos. Em cada período, a Airbus
decide entrar ou não entrar no mercado. A Boeing, por seu turno, decide es­
colher uma estratégia de “guerra de preços” ou, pelo contrário, uma estratégia
que se “acomode” à entrada da Airbus. Os lucros de cada empresa são os se­
guintes: numa situação de duopólio em guerra de preços, cada empresa perde
n G. Numa situação de duopólio em que a Boeing acomoda a entrada, cada
empresa recebe XiD. Finalmente, se a Airbus não entrar, então recebe lucros
nulos, enquanto que a Boeing recebe n M.
Um jogo semelhante a este foi considerado no Capítulo 5, onde também se
discutiu a questão da credibilidade da ameaça de guerra de preços por parte
da empresa instalada. Concretamente, considerando um jogo simples de um
212 Capítulo 10. Política industrial, política de concorrência e regulação

período apenas, a ameaça da empresa instalada não é em princípio credível.


De facto, dado que a segunda empresa entra, o melhor que a empresa instalada
p o d e fazer é acomodar a entrada (pois 11° > —11*-'). Suponhamos no entanto
que o jogo se desenvolve em dois períodos e que a empresa entrante não pode
suportar lucros negativos por mais de um período. Suponhamos adicional­
mente que, se a empresa pretender estar no mercado no segundo período,
então terá de entrar também no primeiro período (devido, por exemplo, ao
rápido desenvolvimento da tecnologia, que exige cada vez mais a experiência
passada de produção).
Com base nestas hipóteses, é possível mostrar que a ameaça de guerra
de preços é efectivamente credível. De facto, se a Airbus entrar no primeiro
período e a Boeing lhe infligir uma guerra de preços, então a Airbus não terá
outra hipótese senão sair do mercado no segundo período, deixando a Boeing
na situação de monopolista. A credibilidade da estratégia da Boeing advém
do facto, ou melhor, da hipótese que —IIG + > UD + JlD, isto é, o lucro
de monopólio no segundo período é suficientemente grande para compensar a
perda no primeiro período devida a uma guerra de preços.
Esta situação vem descrita no Quadro 10.1. Como se pode verificar, o par
de estratégias (Não entrar, Guerra de preços) constitui um equilíbrio de Nash
(aliás, o único equilíbrio de Nash). Neste equilíbrio, a Airbus recebe zero e a
Boeing recebe 2BD.
Suponhamos agora que o Estado (concretamente, o consórcio de Estados
que apoia a Airbus) se empenha no estabelecimento da empresa e, concreta­
mente, decide cobrir (explícita ou implicitamente) eventuais prejuízos da Air­
bus. Esta decisão de política industrial altera o jogo no seguinte sentido: agora,
na eventualidade de a Airbus entrar e a Boeing responder com uma guerra de
preços, o lucro da Airbus será nulo e não negativo como anteriormente (—IIG);
por este motivo, a Airbus não terá de sair do mercado na sequência de um
período de guerra dé preços. Finalmente, o melhor que a Boeing pode fazer é
escolher a estratégia “Acomodar”. Note-se que, em equilíbrio, a Airbus entra
no mercado, sendo esta entrada acomodada pela Boeing. Logo, os governos
europeus não chegam, em equilíbrio, a pagar à Airbus quaisquer subsídios.

10.2.2 Sectores estratégicos ou prioritários


A recente discussão sobre política industrial em Portugal tem-se centrado, em
grande medida, em torno do chamado “projecto” ou “relatório Porter” . Este
projecto tem sido realizado sob a direcção de Michael Porter (Professor da
Harvard Business Schooí), por iniciativa do Ministério da Indústria, e conta
10.2. Politica industriai 213

Quadro 10.1: Jogo Airbus vs Boeing sem intervenção estatal.

Boeing
Guerra de preços Acomodar
nM+ nM nw + nM
Não entrar 0+ 0 0+ 0
- n G+ u M nD+ nD
Entrar - n G+ o nD+ n D

Quadro 10.2: Jogo Airbus vs Boeing com intervenção estatal.

Boeing
Guerra de preços Acomodar
nW_j_JjAÍ nM+ nM
Não entrar 0+ 0 0+0
- n G+ n D nD+ nD
Entrar o+ nD nD+ nD
214 Capítulo 10. Política industrial, política de concorrência e regulação

com o patrocínio de um consórcio de 47 empresas e instituições. Do projecto,


intitulado Construir os Vantagens Competitivas de Portugal, conhece-se já
um relatório preliminar.3 Este relatório tem a virtude de um diagnóstico
claro e conciso sobre o estado do tecido empresarial português, bem como da
forma de pensar sobre os objectivos e meios da intervenção governamental.
Em particular, o relatório reflecte a ideia da política industrial como forma
de desenvolvimento de sectores “estratégicos” ou “prioritários” da economia,
o segundo tipo de argumentos a que se fez referência acima. Segundo esta
linha de argumentação, apenas o reforço dos sectores “estratégicos” permite
melhorar a competitividade das empresas portuguesas; e apenas melhorando
a competitividade se consegue aumentar a produtividade, condição necessária
para o crescimento sustentado da economia.
O relatório distingue três fases do pensamento sobre o papel do Estado
na melhoria da competitividade: o “antigo paradigma”, o “paradigma exis­
tente” e o “novo paradigma de competitividade nacional” proposto pelos au­
tores. O “antigo paradigma” identificava competitividade com baixos custos
das matérias primas; assim, baseava na política macroeconômica (v.g., desva­
lorização cambial) a solução para o problema da competitividade empresarial
( “O Governo deveria desvalorizar o escudo para melhorar a competitividade
das exportações portuguesas” era afirmação comum). No entanto, é hoje con­
senso comum que “a performance macroeconômica é o resultado de empresas e
sectores vitalizados e não o contrário. ( . .. ) Focar na política e nos indicadores
macroeconômicos e não na performance das empresas e sectores é cometer um
erro idêntico ao do tenista falhado que observa o marcador em vez da bola.”
(p.3)

O “paradigma existente” sustenta, pelo contrário, que há uma série de


transformações, de carácter essencialmente microeconómico, necessárias para
que Portugal possa recuperar o atraso de produtividade relativamente aos
países europeus mais desenvolvidos. Estas tranformações incluiriam: (i) iden­
tificação de sectores estratégicos para os quais se deverão direccionar recursos;
(ii) desenvolvimento de indústrias de alta tecnologia; (iii) alargamento da base
industrial; (iv) criação de grandes empresas capazes de competir em mercados
globais; (v) melhoria das aptidões básicas dos gestores portugueses, especial­
mente na área de marketing; (vi) melhoria das infraestruturas, no sentido lato,
incluindo em particular a educação; (vii) acréscimo do envolvimento do go­
verno na prossecução destes objectivos (à semelhança da experiência japonesa

3Monitor Company, "A Competitividade de Portugal: Desenvolver a Auto-Confiança",


Resumo da Primeira Fase, Julho de 1993.
10.2. Política industrial 215

com o MITI).
Esta evolução do pensamento tem um aspecto muito positivo: o reconhe­
cimento da importância da política microeconómica como factor de melhoria
da produtividade; a política macroeconômica tem essencialmente o objectivo
de estabilização económica e deve portanto ser utilizada para tal. No en­
tanto, muitos dos items da lista acima apresentada baseiam-se em princípios
deficientes, com cujo esclarecimento o relatório se ocupa.
Em primeiro lugar, a ideia de identificar sectores estratégicos e concentrar
recursos nestes sectores é uma ideia perigosa. Por um lado, a probabilidade de
erro é muito elevada, dada a incerteza inerente ao processo empresarial e a falta
de competência do governo na selecção das melhores áreas de investimento.
Por outro lado, a política de atribuição de subsídios tem a desvantagem de
criar “uma filosofia de gestão contraproducente nas empresas que abrangem”
(p. 22).
Em segundo lugar, a ideia de que Portugal precisa de investir em indústrias
de tecnologia de ponta deve ser acautelada com o dado dé que estas “indústrias
— especialmente a robótica — são notoriamente não rentáveis” (p. 23). Como
se conclui do Exercício 3.19, isto resulta em boa parte do facto de se tratar
de indústrias muito concorrenciais, o que, aliado ao facto de Portugal não
dispor de qualquer fonte de vantagem competitiva nestes sectores, permite
concluir que as perspectivas de investimento em sectores deste tipo são pouco
promissoras. N
Em terceiro lugar, a ideia de que Portugal necessita de empresas com
grande escala baseia-se no princípio, mais relevante no passado do que actual-
mente, de que a escala é um factor determinante da produtividade. Os casos
da IBM, General Motors e Philips são exemplos eloquentes de que “uma escala
elevada não representa uma garantia de rentabilidade” (p. 25).
Depois desta parte introdutória em que se retrata e critica a opinião cor­
rente dos agentes em relação aos objectivos e natureza dá política industrial, o
“relatório Porter” propõe um "novo paradigma de competitividade nacional”.
Este paradigma assenta na ideia de que o crescimento da produtividade é a
única forma de manter um crescimento sustentado da economia; e que, para
conseguir este crescimento da produtividade e consequente competitividade
das empresas portuguesas, se devem identificar os sectores e grupos de sec­
tores inter-relacionados — designados por clu sters — em- que o País detém
vantagem comparativa. Segundo os autores, “um número relativamente redu­
zido desses c/usíers representa a larga maioria dos sucessos internacionais de
um país” (p. 7).
Depois de uma análise extensa e pormenorizada, em que uma série de
216 Capítulo 10. Política industriai, política de concorrência e regulação
r \
«i
;~Y critérios são enunciados, uma lista de seis ciusters é seleccionada: os sectores
o automóvel, de produtos de madeira, calçado, têxteis e vestuário, cortiça, e
moldes. Além da selecção de ciusters, o “relatório Porter” preocupa-se também
o
com a determ inação das áreas em que a iniciativa governam ental pode ser m ais
n relevante. Cinco áreas são seleccionadas: Educação, Capacidades de Gestão,
Gestão Florestal, Financiamento e Ciência e Tecnologia.
r1")
A principal crítica de que esta abordagem é passível prende-se justamente
com a ideia de apostar em ciusters de competitividade. De facto, as críticas
que o próprio relatório faz à estratégia de escolha de “vencedores” são aplicár
n
veis, pelo menos em parte, à estratégia de escolha de ciusters. Os autores
'"•N referem que “a selecção de ciusters para programas de acção não significa
um exercício de escolha de vencedores, mas antes a selecção de ciusters que
são significativos para a economia em termos de produção e exportações, que
se encontram pouco desenvolvidos a nível de inter-ligações e cujos problemas
sejam representativos para um conjunto mais largo de ciusters” (p. 35). No
~1
entanto, os argumentos apresentados são pouco claros e convincentes (como
aliás a citação documenta).4
A conclusão de toda esta análise, uma conclusão bastante enviesada pela
opinião do autor destas linhas, é que o Estado deverá, em princípio, ser neutral
em relação à determinação dos sectores “chave” da economia. Como Hayek
"'í mostrou — de uma forma tão coerente e tão eloquente — a descentralização
permitida pelo mercado é a melhor forma de organizar a informação sobre
oportunidades de negócio, informação que se encontra, também ela, descen­
tralizada pelos agentes económicos.
O papel do Estado na Economia Industrial deverá assim resumir-se à
criação das condições básicas para o crescimento da economia, bem como
à intervenção selectiva nos casos em que o mecanismo de preços e livre con­
corrência seja manifestamente insuficiente para atingir a correcta afectaçao
dos recursos produtivos.5 Dentro das condições básicas, podem salientar-se
(i) as infrarestruturas físicas, (ii) a Educação, (iii) todo um conjunto de meca­
nismos legais que facilitem a actividade económica, nomeadamente a criação
e extinção de empresas (leis de constituição de sociedades, leis de falência, ce­
leridade dos tribunais) e (iv) a estabilidade macroeconômica, nomeadamente

4Aliás, uma ideia veiculada pelo relatório é a de que não há sectores competitivos, mas
sim empresas competitivas. E ilustrativo que um dos “casos de sucesso” apontado pelos
autores, o negócio de autocarros de luxo da Salvador Caetano, corresponda justamente a um
dos ciusters a “eliminar” segunda a análise descrita na Figura 2.8 do “relatório Porter” .
5Note-se que nos referimos apenas ao papel do Estado no campo da Economia Industrial.
Em particular, ignoramos outros aspectos importantes, como a distribuição de rendimento.
10.3. Política de concorrência 217

a estabilidade cambial.
Relativamente à intervenção selectiva em casos que o justifiquem, cabe
destacar a política de concorrência (regulamentação do comportamento das
empresas em mercados nao concorrenciais), a regulação de mercados (v.g.,
fixação de preços), a regulação de empresas (casos em que as forças da con­
corrência são pouco significativas ou mesmo inexistentes) e a correcção de
externalidades (v.g., poluição ambiental). Estes tipos de intervenção governa­
mental serão discutidos em pormenor no restante deste capítulo, com excepção
das externalidades, tema mais próprio de um texto de Economia Pública.

10.3 Política de concorrência


Em contraste com os Estados Unidos da América, os países europeus têm
relatívamente pouca tradição de política de concorrência (especialmente os
Países do continente). No entanto, desde o seu início que a Comunidade
Europeia tem manifestado o objectivo de defesa da concorrência. No primeiro
relatório sobre política de concorrência, por exemplo, lê-se que “a concorrência
leva as empresas a melhorar continuamente a sua eficiência, a condição sine
qua non para uma melhoria constante do nível de vida” (note-se o ênfase
em aspectos de eficiência produtiva, em contraste com a tradição americana,
normalmente mais sensível a questões de eficiência naaféctação de recursos).
O Tratado de Roma, base das Comunidades Europeias, inclui nos artigos
85° e 86° as principais normas respeitantes a política de concorrência. No
essencial, o artigo 85° proíbe acordos entre empresas que distorçam a con­
corrência entre as empresas. O artigo 86°, por seu turno, proíbe às empresas
dominantes o abuso da sua posição no sentido de afectar o comércio entre os
Estados Membros.
As normas do Tratado de Roma são bastante gerais,, representando apenas
princípios de defesa da concorrência. Assim, desde o início das Comunida­
des Europeias, estes princípios gerais têm-se vindo a concretizar em diversos
Regulamentos. Especialmente importantes são: (i) o Regulamento No. 17,
em vigor desde 1962, que atribui à Comissão Europeia p’oder exclusivo para
aplicar os princípios do Tratado de Roma referentes à política de concorrência
(assim, existe um Comissário Europeu dedicado à política de concorrência);
(ii) O Regulamento 4064/89, em vigor desde 1990, que estabelece princípios
muito concretos sobre política de fusões, um dos aspectos mais importantes
da política de concorrência (que, no entanto, não é referido explicitamente no
artigo 85°).
218 Capítulo 10. Política industrial, política de concorrência e regulação

No resto desta secção, analisamos alguns dos principais aspectos da política


de concorrência, seguindo a perspectiva da legislação comunitária.6 Assim,
serão considerados aspectos de política referentes a (i) acordos horizontais
(cfr. artigo 85"), (ii) relações verticais (cfr. artigo 85°), (iii) abuso de posição
dominante (cfr. artigo 86°) e (iv) fusões (cfr. Regulamento 4064/89).
A atenção dada à legislação comunitária deve-se, em primeiro lugar, ao
facto de ser aplicável a todos os países da Comunidade, incluindo Portugal;
e, em segundo lugar, ao facto de a legislação específica de Portugal seguir
de perto a legislação comunitária, preocupando-se com a sua adaptação ao
caso português. Este é o caso, concretamente, do Decreto-Lei n° 371/93, o
principal diploma em matéria de política da concorrência (a entrar era vigor
em 1/1/94). Por exemplo, o preâmbulo do Decreto-Lei, referindo-se à regu­
lamentação sobre fusões, diz que: “Seguindo de perto o Regulamento (CEE)
n° 4064/89 (. .. ), modificou-se a tramitação, alargou-se o âmbito material de
aplicação e solucionaram-se as dificuldades de interpretação que o anterior
diploma suscitou.”

10,3.1 Acordos horizontais


O primeiro parágrafo do artigo 85° do Tratado de Roma proíbe acordos, de­
cisões e práticas concertadas que tenham como objecto evitar, restringir ou
distorcer a concorrência dentro do Mercado Comum e que afectem o comércio
entre os Estados Membros. Isto inclui, por exemplo, a fixação de preços ou a
criação de territórios exclusivos.
Apesar desta proibição geral, o próprio artigo 85° prevê, no seu terceiro
parágrafo, a possibilidade de excepções, devidas, por exemplo, ao impacte
insignificante que a acção em questão tenha na concorrência ou aos ganhos
de eficiência que dela decorram. Neste sentido, a política europeia diverge da
tradição americana, onde, apesar da doutrina de Williamson (cfr. Capítulo 1),
os ganhos de eficiência não são normalmente considerados motivo de excepção.
A forma como o terceiro parágrafo tem sido aplicado é a atribuição de
isenções em bloco, isto é, tipos de acordos que se considera não violarem a
proibição do primeiro parágrafo. Um caso especialmente importante é o do
Regulamento sobre acordos de investigação e desenvolvimento, em vigor desde
Março de 1985. A ideia subjacente a esta excepção é que muitos projectos de
6Esta secção baseia-se em boa parte no trabalho de Ken George e Alexis Jacquemin,
“Competition Policy in the European Community", in A. Jacquemin (Ed.), Competition
Policy in Europe and North America: Economic issues and Institutions, London: Harwood
Academic Publishers, 1990.
10.3. Política de concorrência 219

I&D exigem elevados recursos que apenas a cooperação e associação entre


empresas tornam possíveis. Um argumento adicional, é o carácter de “bem
público” de muitas despesas em I&D.
Em contraste com os acordos de I&D, os acordos de vendas conjuntas
têm recebido cada vez menos apoio por parte da Comissão. Estes acordos,
normalmente respeitantes a sectores de bens intermédios, como o aço ou o
cimento, têm como suposto objectivo a racionalização da produção e a co­
ordenação de investimentos com vista a evitar o excesso de capacidade. No
entanto, a experiência mostra que estes acordos são frequentemente utilizados
como forma de fixar preços elevados. Esta é, aliás, mais uma instância do di­
lema enfrentado pela Comissão ao escolher entre os benefícios da cooperação
(v.g., ganhos de eficiência) e os possíveis custos devidos a um maior poder de
mercado (confronte com o balanço de Wilfiamson, referido no Capítulo 1).

10.3.2 Relações verticais


Designam-se por relações verticais as relações entre dois estádios consecutivos
do processo produtivo, tipicamente entre produtor e distribuidores. Se no que
respeita a acordos horizontais (entre empresas do mesmo mercado) se presume
que estes tendem a prejudicar a concorrência, já no quê respeita a acordos
verticais a tendência é para reconhecer o interesse legítimo dos produtores em
escolher os canais de distribuição que mais lhes convenham.
Assim, por exemplo, uma das excepções em bloco ao, primeiro parágrafo
do artigo 85° é o contrato de franchising. Neste contrato, o produtor impõe
ao distribuidor um certo número de práticas estandardizadas específicas do
negócio (v.g., design das lojas Afassimo Dufcfci, processo de'fabrico das batatas
fritas da McDonald’s). Neste e noutros casos semelhantes, o motivo para
permitir a restrição vertical é facilitar a venda de um activo intangível, seja
ele o valor de uma marca ou um know-how específico.
Pelo contrário, a Comissão sempre se opôs aos contratos de exclusividade,
contratos segundo os quais o produtor determina um distribuidor exclusivo
para cada área geográfica e proíbe os distribuidores de exportar para outras
áreas que não a sua área de exclusividade. Neste contexto, tem particular
interesse o caso, pioneiro, da Grundige Consten, de 1964. O produtor (Grun-
dig) escolheu a Consten como distribuidor exclusivo em França, proibindo os
restantes distribuidores de exportar para França. Como resultado, os preços
em França chegaram a ser 50% superiores aos preços na Alemanha.
E importante notar que o motivo que levou à condenação da prática da
Grundig não foi tanto a selecçao de distribuidores (que, em princípio, é per-

v
220 Capítulo 10. Política industrial, política de concorrência e regulação

mitida e entendida como aspecto importante do negócio do produtor) como a


proibição de exportar imposta a cada distribuidor. Esta proibição implica a
segmentação dos mercados e viola, no entendimento da Comissão, o espírito e
a letra do Tratado de Roma.
Um caso actual na mesma linha é o da indústria automóvel. Embora não
exista uma proibição explícita (e do conhecimento público) de exportação por
parte dos distribuidores, a dispersão de preços entre os diversos países da
comunidade é de tal ordem (cfr. Capítulo 7) que se presume haver um acordo
tácito de não concorrência entre os distribuidores.

10.3.3 Abuso de posição dominante


Tal como referimos anteriormente, o artigo 86“ do Tratado de Roma proíbe às
empresas dominantes o abuso da sua posição no sentido de afectar o comércio
entre os Estados Membros. Isto levanta dúas questões: primeiro, a definição
de empresa dominante; segundo, a noção de abuso dessa posição.
Quanto à primeira questão, aplicam-se todas as considerações feitas no
Capítulo 2 a propósito da estrutura de mercado. vA IBM, por exemplo, se­
ria considerada empresa dominante no mercado dos grandes computadores
(mainframes) mas não no mercado de computadores em geral. Qual, então, a
definição de mercado relevante?
Supondo que estes problemas se encontram resolvidos e atendendo às de­
cisões passadas sobre esta matéria, pode dizer-se que uma quota de mercado
superior a 50% é normalmente condição indicativa de posição dominante. (No
entanto, para o caso de Portugal, a alínea (a) do n° 3 do Artigo 3° do Decreto-
-Lei n° 371/93 indica que se presume posição dominante quando se verificar
“uma participação igual ou superior a 30%.”) Esta observação merece, no en­
tanto, duas qualificações. Em primeiro lugar, e como foi visto no Capítulo 1, a
concorrência potencial pode frequentemente substituir a concorrência efectiva.
Uma empresa pode não dispor de uma posição dominante apesar de deter uma
quota próxima de 100% (devido à existência de concorrência potencial). Em
segundo lugar, o domínio permitido por uma determinada quota de mercado
depende, em boa parte, da forma como as restantes quotas de mercado se
encontram distribuídas. A experiência mostra que, na óptica da Comissão, a
diferença de quota de mercado relativamente à segunda maior empresa é tão
importante como a quota de mercado da empresa dominante é.
Se a resposta à primeira questão é pouco clara, a segunda — a noção de
abuso de posição dominante — é ainda menos clara. O artigo 86“ exempli­
fica casos de abuso de posição dominante: fixação de preços elevados, dis­
10.3. Política de concorrência 221

criminação de preços, restrições na produção, vendas ligadas. Como critério


mais geral, a Comissão refere-se ao “recurso a métodos diferentes dos métodos
normais em situação de concorrência” (9o Relatório sobre Política de Con­
corrência, Bruxelas, 1979, p. 29). No entanto, nem os exemplos são suficiente­
mente específicos, nem o critério geral é muito útil (por ser muito vago), nem,
finalmente, a história das decisões da Comissão ajuda a clarificar a noção de
abuso de posição dominante. De qualquer forma, este é um aspecto relati­
vamente secundário da política de concorrência. De facto, desde a primeira
decisão, em 1971, pouco mais de 30 casos foram analisados pela Comissão.
Um exemplo concreto merece no entanto referência especial, nomeada­
mente pela importância que tem tido em política de concorrência (especial­
mente na tradição norte-americana). Trata-se do caso de vendas ligadas. Por
v endas ligadas entende-se a obrigação de compra do produto B imposta pelo
vendedor como condição de aquisição do produto A. A ideia é que uma em­
presa dominante (monopolista, digamos) na venda do produto A pode assim
eliminar a concorrência na venda do produto B. Tal como referimos acima,
esta é uma das práticas explicitamente proibidas pelo artigo 86°.
Relativamente a Portugal, é especialmente actual e importante o caso da
distribuidora de filmes Lusomundo, empresa agente de várias produtoras ame­
ricanas e que detém igualmente um elevado número de salas de exibição. “A
generalidade das exibidoras independentes acusam a Lusomundo de reservar
sistematicamente os seus melhores filmes às suas salas, isto é, de recusar o
aluguer de cópias. Acusam-na ainda de exigir às distribuidoras concorrentes
o aluguer dos bons filmes para a suas salas, sob pena de se recusar a deixá-
-las utilizar tais salas para outros filmes” (Semanário, 13 Novembro 1993). A
preponderância da empresa no mercado é um dos pontos em discussão. Se­
gundo a própria Lusomundo, as quotas são de 31.5% na distribuição e 30% na
exibição; segundo A. P. Vasconcelos, os valores são antes 50 e 70%, respectiva­
mente. Seja como for, a posição da Lusomundo pode considerar-se, segundo a
legislação portuguesa, uma posição dominante. Embora a posição dominante
não seja por si só condenável, as suspeitas de abuso dessa posição levaram a
Direcção-Geral da Concorrência e Preços a investigar o caso da Lusomundo;
a investigação mantém-se em curso.

10.3.4 Política de fusões


O marco histórico mais importante na política de fusões europeia foi, sem
dúvida, a aprovação, em Dezembro de 1989, do Regulamento especial para
este efeito (Regulamento N° 4064/89). Até então, a actuação da Comissão
222 Capítulo 10. Política industrial, política de concorrência e regulação

traduzia-se numa interpretação especial dos artigos 85° e 86° que, como se
disse anteriormente, não referem especificamente as operações de fusão.
A análise do Capítulo 6 mostra que, de um ponto de vista do bem-estar
social, há que balancear dois efeitos opostos de uma fusão. Por um lado, os
ganhos de eficiência recebidos pelas empresas participantes na fusão e, por
outro, os custos derivados da menor concorrência que decorre do aumento de
concentração.
No caso da política de fusões europeia, uma questão adicional é a escolha do
grau de centralização (em Bruxelas) das decisões sobre fusões entre empresas
de diferentes Estados Membros. Esta é uma questão importante porque vários
países, especialmente o Reino Unido e a Alemanha, têm uma longa tradição
nesta matéria (incluindo, nomeadamente, instituições especialmente dedicadas
à fiscalização de fusões), tradição de que não estão facilmente dispostos a
abdicar.
Segundo o Regulamento 4064/89, devem ser analisados pela Comissão os
casos de fusões de dimensão europeia. Especificamente, os casos em que (i) o
volume de negócios das empresas envolvidas ultrapasse 5 biliões de ECU e (ii)
o volume de negócios,, na Europa, de pelo menos duas das empresas envolvidas
ultrapasse 250 milhões de ECU e (iii) o volume de negócios na Europa não se
encontre concentrado num país (por “concentrado1' entende-se “mais de dois
terços”). Estes critérios representam um compromisso entre a Comissão e as
autoridades nacionais em relação à proposta inicial da Comissão. A proposta
inicial indicava limiares bastante mais baixos, pelo que o número de casos
a ser transferidos das autoridades nacionais para a Comissão seria bastante
superior.
O critério principal para julgar uma fusão é o de a proibir sempre que
esta leve à criação ou fortalecimento de uma posição dominante que por sua
vez impeça significativamente a concorrência. É notório que este critério não
faz nenhuma referência específica aos ganhos de eficiência. Concretamente, os
ganhos de eficiência não poderão ser considerados sempre que a concorrência
esteja ameaçada.
A exclusão dos ganhos de eficiência como argumento favorável à fusão deve-
-se, por um lado, ao facto de serem muito difíceis de medir e, por outro, ao
perigo de o argumento da eficiência favorecer uma política industrial dirigida
à criação de grandes empresas europeias.
E claro que entre o regulamento e a prática há uma grande diferença. Ape­
nas o tempo indicará o sentido exacto da nova política de fusões da Comissão
Europeia.
10.4. Regulação de mercados 223

10.4 Regulação de mercados


Grosso modo, a política de concorrência consiste na determinação das regras
de funcionamento dos mercados, enquanto que a política industrial promove
a intervenção directa nas empresas através, por exemplo, da atribuição de
subsídios. Uma forma intermédia de intervenção é a regulação dos mercados.
Nesta secção consideramos três casos possíveis, embora não exclusivos, de
regulação de mercados: regulação dos preços, regulação da entrada e regulação
de mercados com assimetrias de informação.

10.4.1 Regulação de preços


Uma das principais fontes de ineficiência dos mercados com concorrência im­
perfeita é, como vimos nos Capítulos 3 e 4, a divergência entre o preço e o
custo marginal. Sendo assim, uma possível estratégia do governo pode ser
a fixação administrativa de preços que se aproximem mais do valor do custo
marginal.
Este tipo de regulação tem, no entanto, dois tipos de problemas. Em pri­
meiro lugar, não dispondo de informação sobre o valor do custo marginal, é
difícil para o governo determinar o valor correcto do preço a fixar. Se o go­
verno fixar um preço demasiado baixo, então verifica-se um excesso de procura
e a necessidade de racioqamento. Esta situação não só implica ineficiência na
afectação dos recursos (tal como um preço superior ao custo marginal), como
implica custos específicos devidos à actividade de racionamento, como sejam
o tempo de espera em bichas necessário para conseguir comprar o produto.
(Em certo sentido estes custos têm a mesma natureza que os custos de mono­
polização decorrentes de um preço superior ao custo marginal.)
O facto de as situações de racionamento serem bastante frequentes, apesar
de todos estes custos inerentes, deve-se a que o racionamento seja, por vezes,
a melhor forma de distribuição. Aliás, um preço mais alto seria também uma
forma de racionamento, situação em que o produto é distribuído aos que podem
e estão dispostos a pagar mais. Por vezes, o racionamento pela quantidade
pode ser preferível, de um ponto de vista social, ao racionamento pelo preço.7
Um segundo tipo de problemas com a regulação de preços, porventura
ainda mais importante, é que, ao diminuir uma distorção (a distorção entre o
preço e o custo marginal), o governo pode indirectamente criar ou aumentar
uma outra distorção: ao fixar um preço muito baixo para o pão, 83 empresas
7Cfr. Martin L. Weitzman, “Is the Price System or Rationing More EHective in Getting
a Commodity to Those Who Need It Most?", Bell Journal of Economics 7 (1977), 517-524.
224 Capítulo 10. Política industrial, política de concorrência e regulação

panificadoras procurara compensar com a venda de carcaças mais pequenas;


ao fixar tarifas muito baixas para os serviços de telecomunicações, os opera­
dores respondem com um decréscimo da qualidade de serviço; ao criar pressão
para o abaixamento dos preços dos produtos farmacêuticos (por exemplo, libe­
ralizando a introdução de “genéricos”), as grandes empresas respondem com
um decréscimo dos seus orçamentos de investigação e desenvolvimento.
Por outras palavras, o governo não consegue controlar todas as variáveis
de decisão das empresas. Logo, ao fixar exogenamente uma delas, neste caso
o preço, arrisca-se a que as empresas compensem esta medida de regulação
com alterações de outras variáveis. Estas variações compensatórias podem
anular o efeito da regulação do preço (por exemplo, o preço do pão por kilo
mantém-se constante) ou podem mesmo criar novas situações de distorção que,
globalmente, tornem o novo equilíbrio pior que o primeiro.

10.4.2 Regulação da entrada


Vimos na Secção 5.4 que, quando as empresas têm poder de mercado, o
equilíbrio com livre entrada implica um número de empresas excessivo de
um ponto de vista social. Este é, por conseguinte, um argumento para que o
governo imponha úalguns mercados b a rre ira s legais à en tra d a. Um argu­
mento semelhante a favor da intervenção governamental é que alguns sectores,
pelos elevados custos de capital e carácter irreversível dos mesmos, estão su­
jeitos a processos de ajustamento muito lentos e a problemas de capacidade
excessiva, por vezes crónicos (cfr. Secção 5.2.4). Como vimos no Capítulo 5, a
Lei do Condicionamento Industrial teve justamente como objectivo evitar este
tipo de problemas resultantes da concorrência desenfreada entre empresas.
Uma explicação alternativa para a regulação da entrada é fornecida pela
nhamada. T eoria d a C a p tu ra . Esta teoria, associada a nomes da Escola de
Chicago como G. Stigler, R. Posner, S. Peltzman e G. Becker, defende que
a regulação, em geral, e a regulação da entrada, em particular, resultam dos
interesses das empresas instaladas e não dos interesses da sociedade. As em­
presas, através de intensas actividades de lobbying e/ou suborno, “capturam”
os reguladores (governamentais ou não governamentais) a seu favor. Porque é
que a entrada em muitas actividades profissionais (por exemplo, a advocacia)
se encontra fortemente regulamentada? Segundo a Teoria da Captura, este
tipo de regulação responde aos interesses dos próprios advogados, que assim
detêm um maior poder de mercado e recebem maiores rendas.8
8Para um resumo desta e de outras teorias sobre a natureza e os efeitos da regulação, vd.
Roger G. Noll, “Economic Perspectives on the Politics of Regulation", in R. Schmalensee e
10.4. Regulação de mercados 225

A consideração da experiência passada de regulação sugere que ambas as


perspectivas acima apresentadas têm o seu mérito. A favor da primeira, pode
apresentar-se o exemplo do sector bancário português, onde a liberalização da
entrada, efectuada a partir de 1985, resultou num número porventura excessivo
de dependências bancárias. A favor da Teoria da Captura, por seu turno, pode
apresentar-se a experiência de liberalização dos transportes, especialmente a
aviação civil nos Estados Unidos e na Europa. Todos reconhecem que o pro­
cesso de liberalização do mercado americano se saldou em importantes ganhos
de eficiência e muitos atribuem a lentidão do processo de liberalização europeu
às fortes pressões exercidas pelas companhias no sentido da manutenção do
status quo (cfr. Capítulo 4).

10.4.3 Informação imperfeita


Uma área em que a intervenção governamental se pode tornar bastante impor­
tante é a de mercados em que se verifiquem assimetrias de informação entre
vendedores e compradores. Consideremos, por exemplo, o mercado de seguro
automóvel. Neste caso, a assimetria consiste em que o comprador (o auto­
mobilista) conhece melhor as suas qualidades de condução do que a empresa
seguradora. Suponhamos que a probabilidade de ter um acidente, 7r, se distri­
bui uniformemente entre 0 e 1 numa determinada população de automobilistas.
Suponhamos ainda que cada indemnização custa às empresas seguradoras c.
Nesta situação, um possível candidato a preço de equilíbrio (isto é, prémio
de seguro de equilíbrio) seria o valor da indemnização esperada dado que todos
os automobilistas adquirem uma apólice de seguro. De facto, se se verificar
concorrência em preços entre as empresas seguradoras, esse seria o valor de
equilíbrio. Teríamos então p = 7fc = l/2c.
Note-se que, como a empresa seguradora não conhece o valor de n de cada
automobilista (apenas conhece a distribuição), terá de fixar o mesmo preço
para todos os automobilistas de uma mesma população. Os automobilistas,
esses sim, conhecem o valor de ir (ou pelo menos possuem uma melhor esti­
mativa que a empresa seguradora). Mas então, para um automobilista com
um valor de ir baixo, não compensa comprar seguro. Concretamente, façamos
a hipótese extrema de que os automobilistas não são avessos ao risco. Então,
todos os automobilistas com 7r < 1/2 preferem não fazer seguro. De facto, o
valor esperado que esses automobilistas teriam de desembolsar não fazendo se­
guro, 7tc, é inferior ao valor do prémio de seguro. Mas então, dado que apenas

R. Willig (Eds.), Hondbook of Industrial Organization, Amsterdam: North-Holland, 1989.


226 Capítulo 10. Política industrial, política de concorrência e regulação

os automobolistas com n > 1/2 compram seguro, as empresas terão de fixar


um prémio igual a 3/4c, o “novo” valor esperado das indemnizações a pagar.
Mas então os automobilistas com n < 3/4 preferem não fazer seguro, e assim
sucessivamente até que o mercado deixa de existir!9
A intervenção governamental pode assumir várias formas em mercados
deste tipo. Uma hipótese consiste em tornar o seguro obrigatório. Este é o
caso do seguro automóvel em Portugal. Outra hipótese consiste em oferecer
directamente o produto ou serviço em questão. Esta é, em muitos países, a
forma de resolver os problemas de assimetria de informação nos mercados de
seguros de saúde.

10.5 Regulação de empresas


Tal como foi referido na Introdução, as significativas economias de escala ca­
racterísticas de alguns sectores produtivos podem tornar o poder de mercado
um mal menor, isto é, a concorrência pode implicar um acréscimo de custos
injustificável. Um exemplo extremo é dado pelo monopólio natural. Designar
se por m onopólio n a tu ra l a situação em que os custos de produção com
duas ou mais empresas são superiores aos custos de produção com apenas
uma empresa. Como vimos no Capítulo 5, isto corresponde ao conceito de su-
b ad itiv id a d e da função custos, conceito por sua vez associado às economias
de escala.10*
Durante muitos anos, a oferta de serviços de telecomunicações foi con­
siderada um exemplo típico de monopólio natural. A instalação de cabos
telefónicos e estações de comutação implica custos fixos muito elevados, o
que, conjuntamente com custos marginais constantes, implica custos unitários
decrescentes, condição suficiente para subaditividade da função custos (cfr.
Capítulo 5).11 Este facto justifica que, na grande maioria dos países, os
serviços de telecomunicações sejam oferecidos por empresas monopolistas. (Em
Portugal, embora existam desde há muito tempo três operadores — CTT, TLP
e Marconi —, cada empresa é monopolista no respectivo “mercado”.)
Na Europa, até há pouco tempo, estes monopólios eram constituídos por
9Para uma análise formal deste problema, vd. George Akerlof, “The Market for Lemons:
Qualitative Uncertainty and the Market Mechanism” , Quarterly Journal of Economia 84
(1970), 488-500.
10Cfr. William J. Baumol, John C. Panzar e Robert D. Willig, C ontestable M arkets and
the Theory of Jndustry Structure, New York: Harcourt Brace Jovanovich, 1982.
Para um teste empírico aplicado a Portugal, vd. M. Carmo Seabra, “Natural Monopoly
in Portuguese Telecommunications” , Applied Economia 25 (1993), 489-494.
10.5. Regulação de empresas 227

empresas públicas. Nos Estados Unidos, desde a Segunda Guerra, o governo


americano atribuiu o monopólio (incluindo o fabrico e fornecimento de equipar
mento de telecomunicações) a uma empresa privada, a AT&T. Situação seme­
lhante às telecomunicações — isto é, monopólios públicos na Europa, privados
nos EUA — encontrou-se, até há pouco tempo, noutros serviços públicos,
nomeadamente distribuição de electricidade.
Esta divergência entre Europa e Estados Unidos explica, em parte, os di­
ferentes interesses dos investigadores de cada continente. Na Europa, a preo­
cupação principal foi, no passado, a determinação dos preços óptimos num
monopólio público multiproduto, ignorando-se, por conseguinte, os proble­
mas de incentivos.12 Nos Estados Unidos, pelo contrário, o tema central tem
sido a regulação dos monopólios privados, isto é, a solução do problema da
divergência de incentivos entre regulador (Estado) e regulado (monopólio pri­
vado). No entanto, a recente “onda” de privatizações sentida em vários países
europeus — incluindo Portugal — fez com que o tema da regulação de em­
presas privadas — o tema desta secção — se tenha tornado num assunto de
interesse mais geral.
Entende-se por regulação de empresas a situação em que o controlo é par­
cialmente exercido pelo governo (ou por uma organização estatal, v.g., o Insti­
tuto de Comunicações de Portugal, ICP) apesar de a propriedade da empresa
ser privada. O objectivo do regulador é conseguir um bom balanço entre, por
um lado, um maior controlo por parte do Estado (cujos objectivos incluem o
bem-estar dos consumidores, não apenas os lucros da empresa) e, por outro
lado, uma maior descentralização para era gestores da empresa (que normal-
mente detêm melhor informação sobre os parâmetros relevantes).
A divergência entre os objectivos do Estado e os da empresa manifestar
se, nomeadamente, no que respeita aos preços ou tarifas estabelecidos. Por
um lado, os níveis óptimos de um ponto de vista social são normalmente
inferiores aos níveis óptimos de um ponto de vista privado (resultado conhecido
da análise elementar do problema do monopólio). Por outro lado, nas situações
em que a empresa oferece mais do que um produto — ou a tarifação é não linear
—, a estrutura relativa das tarifas é também diferente consoante se tome o
ponto de vista privado ou social. Retomando o exemplo das telecomunicações,
as divergências podem verificar-se na razão entre assinatura mensal e preço do
impulso, ou na razão entre tarifas locais e tarifas interurbanas.
As divergências de informação entre o Estado e a empresa manifestam-

12Marcel Boiteaux, “On the Management of Public Monopolies Subject to Budgetary


Constraints”, Journal of Economic Theory 3 (1971), 219-240.
228 Capítulo 10, Política industrial, política de concorrência e regulação

-se, nomeadamente, no que respeita aos custos de produção. O Estado tem


facilmente acesso aos dados de contabilidade geral da empresa; aliás, estes
dados são normalmente do foro público. No entanto, a informação contida
nos Balanços e Demonstrações de Resultados sobre os custos da empresa é
normalmente muito exígua. O Estado pode também — não sem algum custo —
proceder a uma auditoria da empresa. Mas é geralmente aceite que mesmo este
tipo de informação fica muito aquém do conhecimento do processo produtivo,
que apenas o gestor possui como fruto da sua experiência.
Grande parte da investigação sobre a regulação tem-se centrado justamente
na análise do problema de assimetria de informação entre Estado e empresa.13
A ideia consiste em estabelecer m ecanism os de regulação pelos quais a em­
presa tenha a hipótese de escolha entre diversas alternativas. Cada alternativa
é constituída por um determinado nível e estrutura de tarifais, bem como uma
transferência monetária entre o Estado e a empresa, isto é, um par (p, t), onde
p é o vector de preços e t a transferência do Estado para a empresa. A lista
de alternativas é elaborada de forma a que cada empresa escolha o nível e a
estrutura de preços que melhor se aproximam do óptimo social dados os seus
custos de produção, parametrizados por 8. Ora, visto que 8 é informação pri­
vada que a empresa não está obrigada a revelar, o mecanismo deverá ser tal
que a escolha pretendida pelo regulador, (p(0),£(0)) = f(8), seja óptima para
a empresa, para cada um de todos os valores de 8, isto é, o mecanismo tem
de ser com patível com os incentivos da empresa. Este condicionalismo
implica que o mecanismo óptimo estabeleça um balanço entre os objectivos do
regulador e os objectivos da empresa.
Note-se que, se o custo marginal for constante e não se verificarem assi­
metrias de informação, então o mecanismo óptimo consiste em fixar o preço
igual ao custo marginal e compensar a empresa pelo valor do custo fixo. De
facto, nesta situação o excedente total é máximo. O lucro da empresa, por seu
turno, é nulo.14 Pelo contrário, verificando-se assimetria de informação entre

13Para um resumo desta literatura, vd. David Baron, “Design of Regulatory Mechanisms
and Institutions”, in R. Schmalensee e R. Wülig (Eds.), Handbook of Industrial Organization,
Amsterdam: North-Holland, 1989. O trabalho pioneiro nesta área é devido a David Baron e
Roger Myerson, “Regulating a Monopolist with Unknown Costs", Econométrica 50 (1982),
911-930. É também especialmente relevante o trabalho desenvolvido ao longo de toda a
década de 80 por Jean-Jaques Laffont e Jean Tirole, trabalho este compendiado no seu A
Theory of Incentives in Procurement and Regulation, Cambridge, Mass.: MIT Press, 1993.
14Esta solução apenas é óptima na hipótese de que o custo de obtenção de fundos públicos
seja nulo. Caso contrário, o valor óptimo de t pode inclusivamente ser negativo, sendo
este valor compensado com preços superiores ao custo marginal e/ou com tarifas lixas. No
entanto, o lucro da empresa regulada seria ainda neste caso nulo.
10.5. Regulação de empresas 229

o Estado e a empresa, mostra-se que, de acordo com o mecanismo óptimo,


a empresa recebe lucros positivos. Estes lucros correspondem a ren d as de
inform ação auferidas pela empresa devido ao conhecimento privado de 0.
, O maior problema destes mecanismos tem justamente a ver com as rendas
de informação a que dão origem. Suponhamos que o mecanismo, tal como
foi acima enunciado, é aplicado hoje. Com base no preço e transferência mo­
netária prometidos pelo mecanismo, a empresa revela ao governo a verdadeira
informação sobre os seus custos. Mas então, amanha, o governo tem à sua dis­
posição toda a informação sobre os custos da empresa, podendo assim fixar,
unilateralmente, tarifas eficientes e que deixam a empresa com lucros (rendas)
nulos (cfr. parágrafo anterior). Mas então, antecipando este comportamento
amanhã por parte do governo, a empresa prefere não revelar a verdadeira
informação hoje! Este problema, que deriva da incapacidade do governo de
garantir que não utilizará no futuro informação obtida hoje sobre a empresa, é
conhecido como o efeito do ro q u e te (tradução do inglês ra tc h e t effect).15
O problema do efeito de roquete, ou seja, a questão da credibilidade do
governo na elaboração de um mecanismo de regulação, tem uma importância
prática muito grande, como veremos de seguida. Na tradição da regulação de
monopólios naturais, o mecanismo de regulação b asead a no cu sto (cosfc-
-based regulation ou rafce-of-refcura regu/afcion) assumiu uma relevância central.
A AT&T, por exemplo, foi regulada por este mecanismo desde a Segunda
Guerra até ao final dos anos 80. A ideia da regulação baseada nos custos é
muito simples: em cada período, o governo procede a uma auditoria dos custos
da empresa para determinar o seu valor. Seguidamente, são.determinados os
preços que cobrem esses custos e permitem à empresa ganhar uma taxa de
rentabilidade “normal”.
O maior problema do mecanismo de regulação baseada nos custos é que
implica um incentivo muito pequeno para que a empresa seja eficiente na
minimização dos custos: um escudo poupado nos custos implica a fixação de
preços inferiores, mantendo-se a mesma taxa de rentabilidade. Por este motivo
quando, no início da década de 80, o governo britânico decidiu privatizar a
British Telecom, foi escolhido como mecanismo de regulação, não o mecanismo
'americano, mas sim o mecanismo de regulação p o r preços m áxim os (price-
-cap regulation). Segundo este mecanismo, o governo não procede a nenhuma
.auditoria dos custos da empresa. Pelo contrário, os preços (ou melhor, índices

15A palavra ratchet, traduzida em português por “roquete” {cfr. Dicionário da Editorial
Domingos Pereira), significa uma roda dentada em serra de tal forma que, juntamente com
'um travão, é movível em apenas um sentido.
230 Capítulo 10. Política industrial, política de concorrência e regulação

de preços) são fixados a priori e independentemente do valor que os custos


venham a ter. Desta forma, os incentivos para minimização dos custos são
muito superiores: um escudo poupado implica um escudo de lucro acrescido.
Entra aqui o problema do roquete. O governo, tal como se disse, fixa o
índice de preços para o próximo período (três anos, por exemplo). Suposta­
mente, o índice de preços fixado é independente do valor realizado dos custos.
Mas qual é a credibilidade do governo ao afirmar que revisões futuras do con­
trato de regulação não terão em conta o valor dos custos da empresa no período
anterior? Um raciocínio possível por parte da empresa seria o seguinte: um
escudo poupado durante os próximos três anos implica um escudo ganho em
lucros durante os próximos três anos; no entanto, o governo terá no futuro
melhor informação sobre a estrutura de custos, pelo que o índice de preços
será fixado a um nível inferior ao que teria se o redução de custos não se veri­
ficasse. E por este motivo que muitos consideram o mecanismo de regulação
por preços máximos como uma forma “disfarçada” (eventualmente atenuada)
de regulação baseada nos custos.
A experiência da regulação por preços máximos durante os primeiros anos
pós-privatização da British Telecom mostra no entanto que o mecanismo tem
virtualidades consideráveis. De facto, verificaram-se reduções de custos bas­
tante consideráveis. No entanto, o problema do roquete parece evidente pelo
facto de os índices de preços terem sido reduzidos sucessivamente em cada
período de revisão. Inicialmente, a variação da taxa anual de crescimento do
índice de preços foi fixada em I —3%, onde I representa a taxa de variação do
índice de preços do consumidor. Na primeira revisão, este valor foi mudado
para J — 4.5%. E, posteriormente, valores ainda mais baixos foram fixados.
Em Portugal, tendo em vista a privatização da Telecom Portugal e dos
TLP, foi elaborado um contrato de concessão que estabelece um mecanismo
de regulação do tipo regulação por preços máximos. O mecanismo inclui,
no entanto, uma série de variantes. Em particular, para além de um limite
máximo ao índice de preços, foram estabelecidos limites específicos para certas
tarifas, como forma de proteger certas classes de consumidores, nomeadamente
os pequenos utilizadores residenciais.

10.6 Epílogo
O leitor atento terá notado a discrepância entre a análise deste capítulo e a
análise dos capítulos anteriores. Poucos dos resultados obtidos nos capítulos
anteriores são invocados ao falar das diversas formas de intervenção governa-
10.6. Epílogo 231

mental. Os Capítulos 3 a 9 procuraram responder às duas primeiras questões


propostas na introdução: Existe poder de mercado? Quais as consequências
do poder de mercado? A terceira questão (que pode o Estado fazer para
remediar perdas de eficiência devidas ao poder de mercado?) apenas foi par­
cialmente respondida neste capítulo. De facto, embora nôs tenhamos proposto
uma análise de carácter normativo, esta acabou por se revelar de cariz relati­
vamente mais positivo. Isto é, o objecto do capítulo foi principalmente o que
o Estado e/ou a Comunidade Europeia fazem — por oposição a devem fazer
— para remediar situações de poder de mercado.
A discrepância a que aqui nos referimos resulta principalmente do atraso do
estudo dos diversos instrumentos de intervenção governamental relativamente
ao estudo da Teoria do Oligopólio (com excepção da regulação de empresas,
especialmente depois dos importantes desenvolvimentos da década de 80). Por
este motivo, é de esperar (e desejar) que os próximos anos nos tragam impor­
tantes avanços da análise teórica (e posterior aplicação prática) da política
industrial, política de concorrência e regulação de mercados.
\

N
233

índice remissivo
águas minerais, 188 Bertrand, J., 47
Akerlof, George, 226 Boiteaux, Marcei, 227
Alchian, Armen, 135 boleia, 146
Alice, viii brand stretching, 123
alimentares, 129 Brandão, António, 84
Amado da Silva, J. M., 63, 103 Bresnahan, Timothy, 80, 81, 127
antecipação, 200 Bulow, Jeremy, 85, 164
aprendizagem, 115, 118
aquisições, 129-150 calçado, 83
Arrow, Kenneth, 184, 196 Carlton, Dennis, v
arte, 169 Carroll, Lewis, viii
Austríaca, Escola, 13 cartel, 65, 124
Ausubel, Lawrence, 171 eficiente, 71
auto-selecção, 152 equitativo, 71
automóveis, 81, 121, 124, 135, 149, casos, estudo de, 76
187, 220 Castro, Alberto, 84
Caves, Richard, 31, 89, 149
Bain, Joe, vii, 76, 88, 112 cereais prontos, 107
balanço de Williamson, 10 cerveja, 63, 109, 121
Baldwin, James, 26 Chamberlin, Richard, 32
Baldwin, Richard, 100 Chesterton, G. K., vi
bancos, 83, 84, 111, 171 Chicago, Escola de, 12, 77, 224
Baron, David, 228 cimento, 10, 23
barreiras cinema, 221
à entrada, 88 Classificação das Actividades Eco­
à mobilidade, 88 nómicas (CAE), 18
à saída, 88 cluster, 215
Baumol, Wiltiam, 12, 92, 142, 226 Coase, Ronald, 134, 163
Belenenses, 75, 167 Cohen, Wesley, 198
Benham, Lee, 187 Comanor, William, 113
bens duráveis, 158 comportamento
234 índice remissivo

estratégico, 33 d ’Aspremont, Claude, 182


oportunístico, 135 Demsetz, Harold, 77
computadores, 83, 177, 189, 197, destruição criativa, 13,198
203 diferenciação, 124, 171-193
concentração, 22, 77, 222 vertical, 189
concorrência dilema dos prisioneiros, 67, 73
monopolística, 31 direito de autor, 203
perfeita, 29, 87, 114 discriminação, 151-170
potencial, 12, 220 espacial, 154
Confraria, João, 88 perfeita, 152
conjectura de Coase, 163 dispersão de preços, 175
Conlisk, John, 164 diversificação, 196
conluio, 65-85, 218 Dixit, Avinash, 105, 192
construção aeronáutica, 211 Dorfinan, R., 183
construção civil, 119 dumping, 74
consumidor mais favorecido, 73,164 dupla marginalização, 147
Copyright, 203
corretagem, sociedades de, 15 economia industrial, 1
Cournot, Agustin, 35, 147 economias
Cowling, Keith, 7, 45 de escala, 10, 90,196
Crawford, Robert, 135 de experiência, 56, 64, 93, 123,
credibilidade, 104 124
curto prazo, 52, 99 de gama, 92
curva efeito
de experiência, 123 do roquete, 229
de isolucro, 53 estratégico, 56
custo substituição, 197
afundado, 98 eficiência, 6, 32, 42, 115, 131, 139
de pesquisa, 171 dinâmica, 11
de discriminação, 153 produtiva, 9
de entrada, 113 X, 145
de monopolização, 9 eficiência
de mudança, 171 X, 9
de organização, 134 elasticidade, 17, 154
de transacção, 134 empresa, 134
de transporte, 179 pública, 63
fixo, 98, 126 entrada, 26, 87-128, 224
irreversível, 98, 126, 137 bloqueada, 103
marginal, 79 entradas-saídas, quadros de, 18
Indice remissivo 235

equilíbrio Górecki, Paul, 26


bayesiano, 193 Grossman, Sanford, 136, 146
de Nash, 34 grupos estratégicos, 23, 31
de Nash perfeito, 105
equipamento eléctrico, 66 Hall, Elisabeth, 104
equity swap, 149 Hall, Robert, 7
Ericson, R., 118 Harberger, Arnold, 7
escala mínima eficiente, 92 Hart, Oliver, 33, 136, 146
estratégia, 33, 208 Hay, George, 70
dominante, 67 Hayek, Friedrich, 216
“judo-económica”, 107 Hicks, John, 9
estrutura de mercado, 17-28, 69, hipótese
77, 87-128, 195 da eficiência, 78
estudo de casos, 76 da maximização do lucro, 141
externalidade, 65,111,139,186, 205, de Arrow, 196
217 de Schumpeter, 195
do conluio, 78
faixa concorrencial, 30 histerese, 100
Fama, Eugene, 144 holding, 23
farmacêuticos, 2, 205, 206 Hotelling, Harold, 179
Farrell, Joseph, 133
Fortunato, Adelino, 206 ICP, 227
fotocopiadoras, 163 incentivo, 56, 67,109, 202, 209, 228
franchising, 219 índice
Fudenberg, Drew, 34, 56 de Herfindahl, 22, 46, 78
função reacção, 36 de instabilidade, 25
fusões, 129-150 de Lerner, 15, 45, 78
horizontais, 131, 221 industrial, 1
futebol, 75, 83, 167 inércia, 100
informação
Gabszewicz, Jean, 182 assimétrica, 131, 228
Gasmi, F m 191 imperfeita, 81, 115
Gelman, Judith, 107 rendas, 229
George, Ken, 218 integração vertical, 133
Geroski, Paul, 30 inter-sectorial, análise, 77, 112
Gerstner, E., 164 investigação e desenvolvimento, 113,
Ghemawatt, Pankaj, 104 195-206
Gibbons, Robert, 34 investimento específico, 89,135
Gilbert, Richard, 150, 201 IPE, 145
236 índice remissivo

Jacquemin, Alexis, v, 27, 218 contestável, 12


Jensen, Michael, 144, 145 definição, 17
jogo, 34 imperfeito, 2
Jovanovic, Boyan, 115 Metwally, M., 185
Milgrom, Paul, 105, 192
Kelley, Daniel, 70 minas, 126
Khilstrom, Richard, 192
mobilidade, 89, 114
Klein, Benjamin, 135 modelo, vi
Klemperer, Paul, 177
da Concorrência Monopolística,
Knuth, Donald, viii
31, 124
Kreps, David, 58, 105 da empresa dominante, 30
Kwoka, John, 70 de Bertrand, 47
Laffont, Jean-Jacques, 147,191, 228 de Cournot, 35
Lamport, Leslie, viii de Hotelling, 105, 179
Lancaster, Kelvin, 109 de Stackelberg, 52
Lei do Condicionamento Industrial, dinâmico, 55
9, 88, 126 monopólio, 15, 29, 65, 79, 147, 163
Leibenstein, Harvey, 9, 145 natural, 9, 88, 89, 226
Levin, Richard, 198 Morgenstern, Oskar, 34
Lipsey, R.G., 109 Mueller, Dennis, 7, 114
livros, 60 Murphy, Kevin, 144
localização, 181 Myerson, Roger, 228
longo prazo, 52, 88, 114 Nelson, Phillip, 191
Loury, Glenn, 205 Nelson, Richard, 196
Lucas, Robert, 87 Nerlove, Marc, 184
management buy-outs, 147 Newbery, David, 150, 201
Mankiw, Gregory, 109 Noll, Roger, 224
marca, 184 Nordhaus, William, 203
Marris, R., 142 Norman, Victor, 192
Martin, Stephen, v, 186 Nova Economia Industrial, 13
Mason, Edward, vii Novshek, William, 42
Mata, José, 115 número equivalente de Adelman, 28
Meckling, W., 145
Oi, Walter, 156
Mehra, S., 149
oligopólio, 29-64
melhor resposta, 36 OPEP, 67, 82
mercado
único, 127 Pakes, Ariel, 118
concorrencial, 114 Panzar, John, 12, 93, 226
índice remissivo 237

pára-quedas dourados, 146 químicas, 66, 82, 104


paradigma E-C-R, 13 qualidade, 179, 189, 224
Páscoa, Mário, 33 experimentável, 191
passageiro frequente, programas de, testável, 191
178
pasta de papel, 63 Rasmusen, Eric, vi, 34
patente, 202, 205 regulação
Perloff, Jeffrey, v de empresas, 226-230
Perry, Martin, 131 de mercados, 223-226
Phlips, Louis, 112 mecanismos, 228
Pigou, A., 152 Reinganum, Jennifer, 198
pílulas venenosas, 146 Reiss, Peter, 127
relações verticais, 133, 219
poder de mercado, 6, 65-85, 126,
131, 196, 220 rendimentos à escala, 87, 90
rentabilidade, 77, 96, 112, 116, 147
política
reputação, 105
comercial, 208
restrições de capacidade, 50, 148
de concorrência, 217-222
retaliação, 68
de fusões, 221
revistas, 166
industrial, 208-217
Reynolds, Robert, 131
Porter, Michael, 31, 64, 76, 89, 149,
Riordan, Michael, 192
164, 212
risco moral, 143, 202
Porter, Robert, 81, 131
Roberts, John, 105, 192
posição dominante, 30, 220
Roberts, Mark, 191
Posner, Richard, 9 Robinson, Joan, 32
postulado de Sylos, 101 Ross, Thomas, v
práticas defensivas, 146 Ruback, R., 144
preço limite, 103 Rubinstein, Ariel, 137
predação, 105, 190, 211
prémios de transferência, 75 saída, 26, 89, 114
Prescott, Edward, 106 Salant, Stephen, 131
problema de Hirshleifer, 202 saldos, 164
procura residual, 36 Salop, Steven, 74, 107, 173
Prusa, Thomas, 75 Samuelson, Larry, 191
publicidade, 113, 125, 182 Santos, Aníbal, 63
cooperativa, 190 Saving, Thomas, 23
informativa, 182, 192, 193 Scherer, Frederic, v, vii, 26, 146
persuasiva, 182, 192 Schmalensee, Richard, 78, 107, 126
predatória, 190 Schumpeter, Joseph, 13, 196, 198
Seabra, Carmo, 226
sectores estratégicos, 212
seguros, 27, 225
selecção, 115
adversa, 143
por indicadores, 151
semicondutores, 124
Shapiro, Carl, 133
Sheinkman, José, 58
Simon, Herbert, 134
sinalização, 105, 193
sinergias, 130
Slade, Margaret, 190
Smith, Alisdair, 127
Sobel, Joel, 164
Solow, Robert, 195
Sonnenshein, Hugo, 42
Spence, Michael, 93
Steiner, Peter, 183
Stigler, George, 2, 69, 88, 92, 131
Stiglitz, Joseph, 173
subaditividade, 91, 226
subsídios, 202, 209
Sutton, John, 113
Switzer, Sheldon, 131
Sylos-Labini, Paolo, 101

tarifação não linear, 154 *


taxa de contingência, 117
televisão, 191
Teorema Fundamental da Economia
do Bem-Estar, 6
Teoria
da Captura, 224
da Empresa, 134
da Negociação, 137
do Agente, 143
do Segundo Óptimo, 109
dos Jogos, 13, 33
índice remissivo

dos Mercados Contestáveis, 12


teste de sobrevivência, 92
têxteis, 83
Thisse, Jacques-François, 182
Tirole, Jean, v, 34, 56, 147, 228
transferência de lucros, 111,205, 209
transporte aéreo, 4, 72, 84, 98, 109,
149, 168, 178
transporte ferroviário, 81, 98, 168
transporte rodoviário, 191
Tratado de Roma, 66, 217

umbreba branding, 123

vantagens competitivas, 214


Varian, Hal, vii
variedade, 33, 107, 179
Venables, Anthony, 127
vendas ligadas, 221
vestuário, 83
vidro, 62, 119
Visscher, Michael, 106
volatilidade, 25
von Neumann, John, 34
von Weiszácker, Carl-Christian, 111
Vuong, Quang, 191

Waterson, Michael, v, 45, 185


Weitzman, Martin, 223
Whinston, Michael, 109
Williamson, Oliver, 10, 135, 142,
218
Willig, Robert, 12, 93, 226
Wilson, Robert, 105
Wilson, Thomas, 113

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