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Revista da

ESG, v. 32, n. 65 - maio / ago. 2017 - ISSN 0102-1788

NESTA CASA ESTUDA-SE O DESTINO DO BRASIL


REVISTA
DA
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
(Editada desde 1983)

v. 32 n. 65
2º quadrimestre 2017

Rio de Janeiro, 2017

1
Revista da Escola Superior de Guerra. — Revista da Escola
v. 32, n. 65 (maio/ago.) 2017 – Rio de Janeiro: ESG, 2017. Superior de Guerra

Quadrimestral A Revista é uma publicação


ISSN 0102-1788 quadrimestral da ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA, do Rio
1. Ciência Militar. 2. Políticas. 3. Segurança Nacional. de Janeiro. Com tiragem de 1.000
4. Poder Nacional. 5. Estratégia. exemplares, circula em âmbito
CDD 320.981 nacional e internacional.

Comandante
General de Exército
Décio Luís Schons
Subcomandante
Vice-Almirante
Carlos Frederico Carneiro Primo
Chefe do Centro de Conhecimento Cientifico e Cultural
General de Brigada
Amauri Pereira Leite

Conselho Editorial
Prof. Dr. Alexander Zhebit Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro
(UFRJ)

Prof. Dr. Andrés de Castro García Universidad Ibero Americana Santiago, Chile

Prof. Dr. Antonio Jorge Ramalho da Rocha Universidade de Brasília (UnB) Brasília – Distrito
Federal

Profª. Drª. Carolina Sancho Hirane Escuela de Gobierno y Geston de la Lima, Peru
Universidad de Chile

Prof. Dr.Eduardo Munhoz Svartman Universidade Federal do Rio Grande do Rio Grande do Sul
Sul (UFRGS)

Prof. Dr. Eli Alves Penha Universidade do Estado do Rio de Rio de Janeiro
Janeiro (UERJ)

Profª. Drª. Eliane Superti Universidade Federal do Amapá (NIFAP) Amapá

Prof. Dr. Eurico de Lima Figueiredo Universidade Federal Fluminense (UFF) Rio de Janeiro

Prof. Dr. Fernando da Silva Rodrigues Universidade Salgado de Oiveira Rio de Janeiro

Prof. Dr. Francisco Carlos Teixeira Da Silva Universidade Federal do Rio de Janeiro Rio de Janeiro
(UFRJ) Instituto Universitário de
Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ)

Prof. Dr. Guilherme Sandoval Góes Escola Superior de Guerra (ESG) Rio de Janeiro
Universidade Estácio de Sá (UNESA)

Prof. Dr. Héctor Luis Saint Pierre Universidade Estadual Paulista (UNESP) Franca – São Paulo

Profª. Drª. Jaqueline Santos Barradas Escola Superior de Guerra (ESG) Rio de Janeiro

Prof. Dr. Jorge Calvario dos Santos Universidade Federal Fluminense (UFF) Rio de Janeiro
Escola Superior de Guerra (ESG)

2
Prof. Dr. José Miguel Arias Neto Universidade Estadual de Londrina (UEL) Paraná

Prof. Dr. Marcos Aurélio Guedes de Oliveira Universidade Federal de Pernambuco Pernambuco
(UFPE)

Profª. Drª. Maria Celia Barbosa Reis da Silva Escola Superior de Guerra (ESG) Rio de Janeiro
Universidade da Força Aérea (UNIFA)

Prof. Dr. Roberto Benavides Vizcardo Universidad San Martin de Porres Lima, Peru

Prof. Dr. Sérgio Luiz Cruz Aguillar Universidade Estadual Paulista (UNESP) Marília – São Paulo

Prof. Dr. Valdimir Pirró e Longo Universidade Federal Fluminense (UFF) Rio de Janeiro

Prof. Dr. Wanderley Messias da Costa Universidade de São Paulo (USP) São Paulo

Editor Científico
Professor Doutor Jorge Calvario dos Santos

Editora Executiva
Professora Doutora Maria Célia Barbosa Reis da Silva

Editores Assistentes
Jamylle de Almeida Ferreira
Ana Patrícia Guimarães

Revisão de Língua Portuguesa


Professora Doutora Maria Célia Barbosa Reis da Silva

Assistente de Revisão
Thais Cristina Andrade dos Passos

Revisão de Língua Inglesa


Ana Claudia Bastos Roen dos Santos

Revisão de Língua Espanhola


Elza Elizabeth Duran de Menezes

Revisora de Normalização das Referências


Ana Patrícia Guimarães
Maria Célia Barbosa Reis da Silva

Diagramação e Arte Final


Anério Ferreira Matos

Assistente de Editoração Eletrônica


Paulo Guilherme de Souza Eugênio

Foto da Capa
Ilha Fiscal - Rio de Janeiro - RJ / Alex Uchoa

Projeto, Produção Gráfica e Impressão


Gráfica da Escola Superior de Guerra

Os artigos publicados pela revista são de exclusiva responsabilidade de seus autores,


não expressam, portanto, o pensamento da Escola Superior de Guerra. 3
4
SUMÁRIO

Editorial 9

ARTIGOS CIENTÍFICOS

O ISLÃ E A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL: REFLEXÕES DE INTERESSE PRELIMINAR


13
AO ESTUDO DO FENÔMENO DO TERRORISMO

THE ISLAM AND THE WESTERN CIVILIZATION: REFLECTIONS OF PRELIMINARY


INTEREST TO THE STUDY OF THE PHENOMENON OF TERRORISM

EL ISLAM Y LA CIVILIZACIÓN OCCIDENTAL: REFLEXIONES DE INTERÉS


PRELIMINAR AL ESTUDIO DEL FENÓMENO DEL TERRORISMO

Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior


Anselmo de Oliveira Rodrigues
Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon

NEGLIGÊNCIA ESTRATÉGICA NA POLÍTICA DIPLOMÁTICA COM A COREIA DO


37
NORTE

STRATEGIC NEGLIGENCE IN DIPLOMATIC POLICY WITH NORTH KOREA

NEGLIGENCIA ESTRATÉGICA EN LA POLÍTICA DIPLOMÁTICA CON COREA DEL


NORTE

Reis Friede

PARADIGMA TECNOLÓGICO E GUERRA: A IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO


PARA O PODER DE COMBATE 61

TECHNOLOGICAL PARADIGM AND WAR: THE IMPORTANCE OF INNOVATION


FOR COMBAT POWER

PARADIGMA TECNOLÓGICO Y GUERRA: LA IMPORTANCIA DE LA INNOVACIÓN


PARA EL PODER DE COMBATE

Vinícius Damasceno do Nascimento


João Marcelo Dalla Costa

Revista da Escola Superior de Guerra Rio de Janeiro V. 32 n. 65 p. 1-208 maio/ago 20175


AS FRONTEIRAS DO ESTADO: VIOLÊNCIA, MILÍCIAS, CRIME ORGANIZADO
E POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA EM ÁREAS SOCIALMENTE
VULNERÁVEIS 75

THE LIMITS OF THE STATE: VIOLENCE, MILITIAS, ORGANIZED CRIME AND


PUBLIC SECURITY POLICIES ON SOCIALLY VULNERABLE AREAS

LAS FRONTERAS DEL ESTADO: VIOLENCIA, MILÍCIAS, CRIMEN ORGANIZADO Y


POLÍTICAS DE SEGURIDAD PÚBLICA EN ÁREAS SOCIALMENTE VULNERABLES

Gilberto de Souza Vianna


Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco

POLÍTICAS & AQUISIÇÕES DE DEFESA: UMA ANÁLISE HISTÓRICA DA PARCERIA


ESTRATÉGICA FRANÇA-BRASIL NOS SÉCULOS XX E XXI 92

DEFENSE POLICIES & ACQUISITIONS: A HISTORICAL ANALYSIS OF THE FRANCE-


BRAZIL STRATEGIC PARTNERSHIP IN THE XX AND XXI CENTURIES

POLÍTICAS Y ADQUISICIONES DE DEFENSA:UN ANÁLISIS HISTÓRICO DE LA


ASOCIACIÓN ESTRATÉGICA FRANCIA-BRASIL EN LOS SIGLOS XX Y XXI

Fernanda das Graças Corrêa

O EMPREGO DOS ASTROS 2020 E SUA SUBORDINAÇÃO: UMA OPÇÃO


VIÁVEL 117

THE EMPLOYMENT OF ASTROS 20-20 AND ITS SUBORDINATION: A VIABLE


OPTION

EL EMPLEO DE LOS ASTROS 2020 Y SU SUBORDINACIÓN: UNA OPCIÓN


FACTIBLE

Haryan Gonçalves Dias

LA RECONFIGURACIÓN DE AMÉRICA LATINA BAJO EL ESQUEMA DE


SEGURIDAD DE LA “PAX AMERICANA” EN EL SIGLO XXI: EL CASO DE LA
ALIANZA DEL PACÍFICO 145

LATIN AMERICA RECONFIGURATION UNDER THE “PAX AMERICANA” SAFETY


SCHEME IN THE 21ST CENTURY: THE CASE OF THE PACIFIC ALLIANCE

María del Pilar Ostos Cetina

6
A RECONFIGURAÇÃO DA AMÉRICA LATINA SOB O ESQUEMA DE SEGURANÇA
DO “PAX AMERICANO” NO SÉCULO XXI: O CASO DA ALIANÇA PACÍFICA 161

María del Pilar Ostos Cetina


Traduzido por Elza Elizabeth Duran de Menezes

O BRASIL E AS OPERAÇÕES DE PAZ 176


BRAZIL AND PEACEKEEPING OPERATIONS

BRASIL Y LAS OPERACIONES DE PAZ

Ricardo Rodrigues Freire

INSTRUÇÕES AOS AUTORES PARA PUBLICAÇÃO NAS REVISTAS DA


201
Escola Superior de Guerra

7
8
Editorial

A finalização de cada número de uma revista científica é consequência de


um trabalho conjunto entre editor, Conselho Editorial, Conselho de Pareceristas
e de autores: os produtores de textos que escrevem sobre assuntos ligados à sua
pesquisa e à linha editorial da Revista da Escola Superior de Guerra. É um rito
de contribuição recíproca com o intento de romper as barreiras de isolamento
daqueles que dedicam parte do seu tempo ao trabalho acadêmico-intelectual,
à construção de novos conhecimentos e à divulgação do resultado de suas
investigações. O conhecimento em quase sua totalidade, deve ser compartilhado
entre muitos, não deve ficar restrito a poucos. Esta Revista, como outras cujos
estudos têm afinidades, tem a missão de transmitir à sociedade e à academia
os resultados de estudos e pesquisas. Com o recém-criado Programa de Pós-
Graduação em Segurança Internacional e Defesa (PPGSID) da Escola Superior
de Guerra (ESG), nosso periódico assume uma das finalidades basilares de um
Programa em processo de avaliação: divulgar artigos (internos e externos) capazes
de instigar debates dissensos e consensos, e oferecer material de consulta para os
integrantes da Escola.
Os dois artigos iniciais da Revista da Escola Superior de Guerra, do segundo
quadrimestre de 2017, contemplam assuntos que estão, na ordem do dia, na
mídia, nos debates informais entre amigos e nos círculos acadêmicos. O primeiro
texto intitulado O Islã e a civilização ocidental: reflexões de interesse preliminar
ao estudo do fenômeno do terrorismo, assinado pela tríade Luis Adolfo Sodré
de Castro Júnior, Anselmo de Oliveira Rodrigues e Eduardo Xavier Ferreira Glaser
Mignon, versa sobre a relação existente entre o islamismo e o terrorismo. Os
autores apresentam “aspectos históricos e culturais associados ao surgimento e
à expansão do Islã ao longo do tempo”. O segundo texto nomeado Negligência
estratégica na política diplomática com a Coreia do Norte, elaborado por Reis
Friede, expõe um assunto inquietante para grande parte dos habitantes deste
planeta: as farpas verbais trocadas por Donald Trump e Kim Jong-un, e efetivos
testes balísticos e nucleares orquestrados pelo representante da Coreia do Norte.
O articulista Friede ressalta que a atuação (ou a falta desta) por parte dos líderes
norte-americanos, desde a Guerra da Coreia, é uma das causas do atual momento
crítico em escala global.
O vocábulo “guerra” e a elástica carga semântica nele contida unem, de
forma direta ou transversal, os dois textos subsequentes. No artigo denominado
Paradigma tecnológico e guerra: a importância da inovação para o poder de
combate, os autores Vinícius Damasceno do Nascimento e João Marcelo Dalla

9
Costa dissertam acerca do atual paradigma tecnológico militar e a importância
da inovação tecnológica no Setor Defesa para a formulação do poder de
combate de uma Nação. Nascimento e Costa expõem o quanto o tripé – Ciência,
Tecnologia e Inovação (CT&I) – influencia na forma de o Estado fazer guerra. O
artigo nomeado As fronteiras do Estado: violência, milícias, crime organizado e
políticas de segurança pública em áreas socialmente vulneráveis, de Gilberto de
Souza Vianna e Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco, aborda outro tipo de conflito
que, apesar de aparentemente interno, tem repercussões e interações que vão
além das fronteiras do município e do estado do Rio de Janeiro e do Brasil. Essa
violência envolve áreas socialmente vulneráveis e atores que atuam nesse espaço
como milicianos, traficantes, e outros que vivem sob o jugo de meliantes, sem a
proteção do Estado.
Os dois textos ulteriores têm como liame desenvolvimento, aquisições
de material (ou armamentos) de defesa e modernização das Forças Armadas.
O quinto artigo – Políticas & Aquisições de Defesa – uma análise histórica da
parceria estratégica França-Brasil nos séculos XX e XXI é extrato da tese de
Doutorado recém-defendida por Fernanda das Graças Corrêa. A autora pretende
examinar as relações históricas entre França e Brasil na área de Defesa, desde
as missões de instrução, aquisição de blindados até a entrada do Brasil nas eras
supersônica, missilística e de asas rotativas, e determinar em que momento da
história as relações franco-brasileiras se configuraram como parceria estratégica.
No artigo posterior, O emprego dos Astros 2020 e sua subordinação: uma opção
viável, produzido por Haryan Gonçalves Dias, o autor destaca a modernização do
Exército e discorre sobre o Projeto Astros 2020, “uma plataforma de lançamento
de mísseis e foguetes de excepcional capacidade de prestar o apoio de fogo”.
O sétimo artigo, La reconfiguración de América latina bajo el esquema de
seguridad de la “Pax Americana” en el siglo XXI: el caso de la Alianza del Pacífico, é
uma colaboração acadêmica de María del Pilar Ostos Cetina, escrita especialmente
para nosso periódico. A autora mexicana analisa, sob a mira geopolítica, a
configuração contemporânea da América Latina “a partir dos mecanismos de
defesa e segurança que foram estabelecidos pelos Estados Unidos sobre a região
que considera como sua ‘ilha continental’”.
O último artigo – O Brasil e as Operações de Paz, assinado por Ricardo
Freire e Marcos Cardoso dos Santos, remete a uma ação que se interliga com
os demais temas desenvolvidos neste número da Revista da Escola Superior de
Guerra: Relações Internacionais, Estratégias de Guerra, Diplomacia, Segurança
e outros. Esse estudo ainda considera a presença de militares em países que
necessitam de apoio após enfrentar situações-limite. Freire e Santos escrevem

10
O Islã e a Civilização Ocidental: Reflexões de Interesse Preliminar ao Estudo do Fenômeno do Terrorismo

acerca de conceitos gerais sobre as Operações de Paz conduzidas “sob a égide


de organismos internacionais”, apresentam um resumo da participação brasileira
em tais Operações e avaliam a articulação entre os segmentos da diplomacia e da
defesa do Brasil nesse contexto.
Esperamos que os artigos integrantes do número 65, volume 32, do nosso
periódico ensejem debates para além do fechamento das páginas.
Boa leitura!

Maria Celia Barbosa Reis da Silva

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 13-37, maio/ago. 2017 11


Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior / Anselmo de Oliveira Rodrigues / Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon

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O Islã e a Civilização Ocidental: Reflexões de Interesse Preliminar ao Estudo do Fenômeno do Terrorismo

O ISLÃ E A CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL: REFLEXÕES DE INTERESSE PRELIMINAR AO


ESTUDO DO FENÔMENO DO TERRORISMO

Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior*


Anselmo de Oliveira Rodrigues**
Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon***

RESUMO
Este artigo se propõe a analisar a relação existente entre o islamismo e o terrorismo.
Adota-se perspectiva diferente da comumente praticada pela civilização ocidental.
Com o intuito de propor uma sistematização para o estudo elencado tem-se,
inicialmente, a apresentação do objetivo e da técnica de pesquisa utilizada. A
seguir, define-se a taxonomia empregada, assim como aspectos associados à
limitação metodológica. À continuação, são apresentados o referencial teórico e a
base conceitual da pesquisa. Expõem-se aspectos históricos e culturais associados
ao surgimento e à expansão do Islã ao longo do tempo. Na sequência, aborda-se a
percepção da civilização ocidental acerca do islamismo. Posteriormente, é realizada
uma análise voltada para se identificar a relação existente entre o terrorismo e o
islamismo. Na última seção, é realizada uma síntese da imagem do Islã no mundo
ocidental e sua relação com a atividade terrorista.
Palavras-Chave: Estudos de Defesa, Conjuntura Internacional, Islamismo,
Terrorismo.

THE ISLAM AND THE WESTERN CIVILIZATION: REFLECTIONS OF PRELIMINARY


INTEREST TO THE STUDY OF THE PHENOMENON OF TERRORISM

ABSTRACT
This article aims to analyze the relation between the Islamism and the terrorism.
The perspective adopted is different than the one commonly practiced by Western
civilization. Therefore, in order to propose a systematization for the chosen study,
this article is structured in the following configuration: initially, this work’s objective
and used research technique are presented. Then the taxonomy employed is

____________________
* Major de Cavalaria. Exército Brasileiro. Curso de Comando e Estado-Maior do Exército. Escola de
Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). Contato: sodrecav99@gmail.com
** Major de Infantaria. Exército Brasileiro. Doutorando em Ciências Militares (Programa de Pós-
graduação em Ciências Militares). Docente do Instituto Meira Mattos (ECEME). Pesquisador do
Laboratório de Estudos de Defesa (LED/ECEME). Contato: capanselmo98@ig.com.br
***Coronel de Cavalaria. Exército Brasileiro. Doutor em Ciências Militares. Doutor em Administração.
Docente do Programa de Pós-graduação em Ciências Militares (ECEME). Pesquisador do
Laboratório de Estudos de Defesa (LED/ECEME) e do Centro de Investigação e Desenvolvimento
do Instituto Universitário Militar (CIDIUM). Contato: eduardomigon@gmail.com

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Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior / Anselmo de Oliveira Rodrigues / Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon

defined, avoiding missing the methodological limitations. In the sequence, the


theoretical reference and the main concept in which this study is based are both
presented. After it, the rising of Islam and its expansion over the time are also
presented. Then, the Western civilization’s perception about Islam is exposed. Next,
an analysis aimed to identify the relation between terrorism and Islamism is made.
At the end, it is carried out a synthesis of Islam image in the Western world and its
relationship with the terrorist activity.
Keywords: Defense Studies, International conjuncture, Islamism, Terrorism.

EL ISLAM Y LA CIVILIZACIÓN OCCIDENTAL: REFLEXIONES DE INTERÉS PRELIMINAR


AL ESTUDIO DEL FENÓMENO DEL TERRORISMO

RESUMEN
Este artículo se propone a analizar la correlación existente entre el islamismo y el
terrorismo. La perspectiva adoptada por él és distinta de aquella comúnmente practicada
por la civilización occidental. Así, con el intento de proponer una sistematización para
el estudio considerado, este artículo se estructura de la siguiente manera: en primero
se presentan el objetivo y la técnica de pesquisa empleada en este trabajo. Para esto,
se muestran inicialmente la técnica de propósito y de investigación utilizados en
este trabajo; a continuación, la dama se define la taxonomía, centrándose en citar
las limitaciones metodológicas; siguiente se presentan el marco teórico y el principal
concepto que sirve de base para esta pesquisa; sin interrupción, el surgimiento de la
religión islámica, su expansión mientras el tiempo y la percepción de la civilización
occidental del Islam son todas abordadas; a la continuación, se hace un análisis en
que se busca identificar la relación existente entre el terrorismo y el islamismo. Al
final, se hace una síntesis de la imagen del Islam en el mundo occidental y se busca
aclarar la relación entre Islamismo y terrorismo.
Palabras Clave: Estudios de Defensa, Coyuntura internacional, Islamismo,
Terrorismo.

1 INTRODUÇÃO1, 2

O presente artigo tem por finalidade analisar a imagem que a civilização


ocidental tem sobre o Islã, com foco na investigação acerca da (eventual) relação

1 O texto é consequência de pesquisa, reportando a reflexão individual dos autores,


particularmente do 1º autor, não constituindo, exceto quando referido e citado, o entendimento
ou posicionamento de qualquer Instituição ou Organização.
2 Conforme orientação recente da The Scientific Electronic Library Online (SCIELO/FAPESP),
particulariza-se a participação autoral, como segue. O primeiro autor participou da concepção
da pesquisa, da pesquisa bibliográfica e da redação inicial e final do artigo. O segundo autor
participou da discussão dos resultados e da redação final do artigo. O terceiro autor orientou,
supervisionou e revisou a redação final do artigo.

14 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 13-37, maio/ago. 2017


O Islã e a Civilização Ocidental: Reflexões de Interesse Preliminar ao Estudo do Fenômeno do Terrorismo

que essa religião possui com o terrorismo. Para realizar essa análise, essa pesquisa
adota a concepção do terrorismo como referencial teórico, bem como assume três
pressupostos que serão os norteadores desse estudo e que servirão para atingir
o objetivo anteriormente proposto, quais sejam: 1) comportamentos e costumes
do islamismo, 2) papel da mulher no islamismo e 3) relação do islamismo com o
terrorismo.
Assim sendo, verifica-se que o homem busca, desde tempos imemoriais,
explicações para a sua existência e seu papel no planeta e no universo. Mesmo a
evolução do pensamento e do conhecimento científico, o progresso tecnológico e a
expansão da capacidade de pesquisa e percepção da Humanidade não conseguiram
todas as respostas para as perguntas que sempre norteiam a preocupação humana:
quem efetivamente é o homem? De onde surgiu a espécie humana? Como surgiu o
universo conhecido?
Por conta disso, o ser humano desenvolveu uma característica peculiar, um
sentimento, um fenômeno, de difícil definição, que é uma das expressões máximas
da complexidade de seu intelecto: a fé, inexplicável, mas, assim mesmo, presente
até mesmo naqueles que não a possuem.
Em diferentes tempos, com diferentes referências e bases, e em distintas
dimensões, homens e mulheres desenvolveram a crença em um, ou mais, ser(es)
superior(es) que desempenha(m) o(s) papel(eis) de mestre(s) de tudo, e a cada um
destes arcabouços de crenças se chamou religião.
Por conta do papel que a fé e a religião desempenham em sua vida, é natural
que, a sua maneira, cada fiel demande o respeito que julga pertinente ao seu Deus.
Esta é também uma das razões pela qual, muitas vezes, é difícil que se estabeleça
um diálogo isento e produtivo em torno desta questão, envolvida em toda a sorte de
paixões. Muitas vezes, ainda, desta dificuldade de diálogo e convivência, surgiram
conflitos e violência, desencadeados entre seguidores de diferentes religiões ou
entre diferentes vertentes de uma mesma religião.
Modernamente, o Ocidente, conjunto civilizacional herdeiro da tradição
greco-romana, que, da Europa, espalhou seu legado para diversas partes do mundo,
sofre mais influências do ramo de religiões denominadas abraâmicas: o Judaísmo, o
Cristianismo e o Islamismo. De uma forma geral, todas elas têm sua fé baseada na
crença que um único ser superior: Javé, Deus ou Alá, respectivamente.
Cada uma delas tem um registro escrito desta mensagem divina, reunida na
Torá pelos judeus, na Bíblia pelos cristãos e no Alcorão pelos muçulmanos. A Bíblia
e o Alcorão guardam semelhança em parte de sua narrativa tanto entre si quanto
com a Torá, mais antigo dos três registros. Estes registros serviram de fonte para
construir nações e países, organizando a vida das sociedades.
Ademais, cumpre acrescentar outro fenômeno histórico, social e filosófico
que moldou a cultura ocidental de forma decisiva: o Iluminismo. Os iluministas
foram pensadores de diversas áreas científicas que lograram colocar na base do

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 13-37, maio/ago. 2017 15


Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior / Anselmo de Oliveira Rodrigues / Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon

pensamento ocidental, a partir do século XVII, o método científico como base da


comprovação do conhecimento a ser aceito universalmente. Com isso, a religião
perdeu, no Ocidente, sua supremacia junto ao Estado como ator a organizar e
legitimar o poder dos governantes e a relação entre as pessoas.
Diante disso, esse artigo se propôs a analisar a correlação existente entre o
islamismo e o terrorismo sob outra perspectiva diferente da comumente praticada
pela civilização ocidental. Assim, com o intuito de propor uma sistematização para
o estudo elencado, esse artigo está estruturado da seguinte forma: inicialmente
são apresentados o objetivo e a técnica de pesquisa utilizada nesse trabalho.
Na seção seguinte é definida a taxionomia empregada, não deixando de citar as
limitações metodológicas. Logo a seguir, são apresentados o referencial teórico
e o principal conceito que serve de base conceitual dessa pesquisa. Em seguida,
é apresentado o surgimento do Islã, bem como a sua expansão ao longo dos
tempos. Na sequência, aborda-se a percepção da civilização ocidental acerca do
islamismo. Posteriormente, é realizada uma análise voltada para se identificar a
relação existente entre o terrorismo e o islamismo. Na última seção, é realizada
uma síntese da imagem do Islã no mundo ocidental e sua relação com a atividade
terrorista.

2 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Numa pesquisa científica, o método é a garantia de que o papel social da


ciência prevalecerá sobre os interesses ou visões dos pesquisadores. Um método
coerente e claro é condição fundamental para que se possa atribuir valor científico
a qualquer estudo ou observação da realidade.
Esse artigo optou por uma metodologia do tipo ideal, pois a mesma é a que
melhor permite realizar com mais exatidão a comparação da realidade preconizada
nos fundamentos do islamismo com a imagem que é propagada no mundo
ocidental (WEBER, 2001). Dessa forma, ao se adotar esse tipo metodológico com
a finalidade de atingir o objetivo proposto pela pesquisa, este artigo entende que
essa abordagem permite diminuir as influências das literaturas utilizadas no mundo
ocidental que tratam sobre esse assunto e que podem conduzir essa pesquisa a
uma visão ocidentalizada.
Além dessa abordagem, esse artigo inseriu dados de atentados terroristas
ocorridos entre 2001 e 2016 no mundo. Tal recorte histórico foi concebido, pois
entende-se que os atentados ocorridos no dia 11 de setembro de 2001 nos Estados
Unidos da América (EUA) marcaram uma mudança na postura da política externa
estadunidense e a ascensão do terrorismo no cenário mundial a outro patamar.
Para tanto, buscou-se esses números na Base de Dados Global Terrorism Database
(GTD), da Universidade de Maryland, nos EUA. Este banco de dados registra e
classifica os dados de todos os atentados terroristas, disponibilizando-os para

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O Islã e a Civilização Ocidental: Reflexões de Interesse Preliminar ao Estudo do Fenômeno do Terrorismo

consulta pública mediante cadastro em seu endereço eletrônico na rede mundial


de computadores.
Com base no período elencado anteriormente (2001-2016), a pesquisa no
site foi concebida adotando três variáveis que norteiam a temática desse artigo,
quais sejam: 1) local dos atentados, 2) atentados que possuem alguma ligação com
o islamismo e 3) atentados que possuem alguma ligação religiosa. Com o intuito
de esclarecer a metodologia adotada, o Quadro nº 1 esclarece a proposta dessa
pesquisa:
Quadro nº 1 - Concepção da Pesquisa

Período de análise 2001 – 2016


Nível de agregação Análise global, por países, particularizando a inserção continental
Varáveis analíticas Distribuição Vinculação religiosa Vinculação
geográfica específica (com o religiosa
Islamismo)
(Quadro nº 2) (Quadro nº 4)
(Quadro nº 3)
Fonte: Os Autores, 2017.

Para fins metodológicos, considera-se o mundo ocidental composto pela


América do Norte, América Central, América do Sul e a Europa. E o mundo não
ocidental composto pela Ásia, Oceania e África. Para verificar os atentados de
autoria islâmica, bem como os atentados de cunho religioso, foram adicionadas
as seguintes palavras-chave na Base de dados no GTD: 1) Islam, e 2) Religious.
Esses dados possuem o propósito de contribuir para a ratificação ou retificação da
percepção ocidental sobre o islamismo e sua ligação com o terrorismo.
Em vista disso, este estudo pretende se descolar de correntes teóricas de
pensamento, ao mesmo tempo em que buscará ser fiel à História e seus fatos. Ademais,
esse artigo reconhece as limitações do método pela dificuldade da transliteração de
nomes e outros vocábulos trazidos de outros idiomas, principalmente do Árabe,
para o Português. Mas entende que essa metodologia é suficientemente capaz para
atingir o objetivo proposto, na medida em que o esforço principal desse esforço é
verificar a relação entre o islamismo e o terrorismo.

3 REFERENCIAL TEÓRICO

Esta seção promove um debate sobre o principal termo que serve de lente
conceitual para a consecução da presente pesquisa, qual seja: terrorismo. Em
vista disso, esse conceito será debatido sob múltiplos enfoques com o intuito de
evidenciar distintas percepções, bem como destacar a complexidade da definição

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Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior / Anselmo de Oliveira Rodrigues / Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon

desse termo atualmente no meio científico e possibilitar realizar uma correlação


cientificamente adequada no final desse estudo com o islamismo.

3.1 O FENÔMENO DO TERRORISMO

Falar sobre terrorismo é algo complexo, pois não há consenso na literatura


mundial sobre o conceito desse fenômeno. Essa problemática não é nova, há muito
tempo estudiosos do assunto emitem seus comentários e suas opiniões sobre o
que entendem acerca dessa manifestação. Como exemplo disso, Laqueur defende
uma análise sobre terrorismo com enfoque voltado para o contexto atual em que o
mesmo se manifesta. (LAQUEUR, 1998).
Alimentando essa discussão, Crenshaw afirma que o terrorismo pode
ser explicado através de seu entorno político. (CRENSHAW, 1995). Convergindo
com Crenshaw, Whittaker declara que o terrorismo pode ser definido como um
movimento com fins políticos, não deixando de salientar a dificuldade em se definir
terrorismo (WHITTAKER, 1994). Assim, nessa perspectiva, esse fenômeno estaria
correlacionado a objetivos políticos, vertente que encontra bastante consentimento
na atualidade.
Já Pape propõe um estudo que visa entender o terrorismo baseado em seus
resultados ou sob uma ótica de que os fins justificam os meios. (PAPE, 2003). Nessa
concepção, a prática do terrorismo suicida, no qual a pessoa morre diante de um
objetivo estratégico maior é um exemplo da perspectiva proposta por Pape.
Noutra direção, Kaldor analisa o terrorismo sob o prisma da modernidade,
mais precisamente como uma manifestação que se utiliza da internet para expressar
sua insatisfação com a sociedade atual, bem como a utiliza para potencializar seu
alcance e resultado. (KALDOR, 2003).
O cientista político David Rapoport fez uma análise bastante interessante do
desenvolvimento do terrorismo nos últimos cento e quarenta anos. Seu estudo,
denominado “The Four Waves of Modern Terrorism”, estabelece uma metodologia
possivelmente capaz de analisar o terrorismo moderno através da concepção de
ondas sucessivas. Nessa vertente, cumpre destacar que outros autores e estudiosos
no assunto também compartilham com essa tipologia de terrorismo. Um exemplo
desses autores é Gofas, o qual estabelece como sendo fundamental que estudiosos
ampliem o seu foco de análise e sejam capazes de observar as distintas ondas que
compõem o terror assim como seu ciclo geracional (GOFAS, 2012).
Para Rapoport, uma onda é um ciclo de atividades em um determinado
período ca­racterizado por fases de expansão e contenção. Sua característica
fundamental, porém não exclusiva, é aquela que atribui nome à onda, pois revela
a ocorrência de atividades semelhantes em diferentes países devido a uma mesma
energia que impulsiona. Quando essa energia se esgota, a onda também desaparece.
(RAPOPORT, 2004).

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O Islã e a Civilização Ocidental: Reflexões de Interesse Preliminar ao Estudo do Fenômeno do Terrorismo

Até hoje, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas não conseguiu
chegar a um consenso sobre a definição do termo, e o Brasil somente o fez em seu
ordenamento jurídico interno, em 2015, por conta da pressão internacional feita
em consequência dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, ocorridos em 2016.
Procurando buscar aspectos comuns no terrorismo, Schimd e Jongman
realizaram uma pesquisa na qual analisaram 109 definições sobre o fenômeno do
terrorismo. Nesse estudo, os mesmos puderam chegar a algumas conclusões, tais
como: 1) 83,5% dessas definições enfatizaram a força e a violência como aspectos
inerentes ao terrorismo; 2) 65% dessas definições relacionaram esse fenômeno com
a política, 3) 51% dessas definições destacaram a presença do medo no terrorismo;
e 4) 47% dessas definições relacionaram o terrorismo com imposição da ameaça às
pessoas. (SCHIMD e JONGMAN, 2005).
Em vista desses resultados, a pesquisa realizada por Schimd e Jongman
apresenta dois aspectos interessantes, quais sejam: 1) a enorme quantidade de
definições sobre terrorismo, totalizando 109 conceitos distintos; e 2) mesmo com
essa quantidade, características como violência, força, política e medo estiveram
presentes, pelo menos, em mais de 50% dessas definições.
Com essas definições e distintos pontos de vista, pode ser verificada a grande
variedade conceitual que existe na literatura mundial acerca desse assunto. Com
isso, ficou claro o quão difuso é o conceito, pois se trata de um fenômeno que possui
múltiplas finalidades, distintos pontos de vista, os quais tornam a compreensão
complexa. Ademais, destaca-se que aspectos como violência, força, política e medo
são comuns na atividade terrorista.

4 O NASCIMENTO DO ISLÃ E SUA EXPANSÃO

O tempo é o século VII, o lugar é a península Arábica, uma extensa faixa de


terra coberta de deserto arenoso e habitada por pastores e comerciantes nômades,
que se deslocavam pelo deserto em trilhas conhecidas, ligando oásis onde se
estabeleceram núcleos populacionais. Era uma sociedade patriarcal, o nome dos
indivíduos fazia referência ao de seu pai, e extremamente segregada, onde o
instituto da escravidão era aceito com normalidade e as mulheres consideradas
propriedade de seus pais, maridos, ou outros homens, conforme cada caso. A
família, e sua versão mais ampla, o clã, definidos pelo laço de sangue, e a tribo,
por outras afinidades mais distantes, como a localização geográfica e as alianças
militares, eram as duas organizações básicas da sociedade (ALLEN, 2007).
Estas famílias, clãs e tribos viviam à sombra de duas grandes potências da
época: o Império Bizantino e o Império Persa. A influência de cada uma destas
superpotências e das disputas surgidas entre elas e dentro delas moldou e modificou a
realidade dos chamados árabes, que, naquele tempo, não possuíam um sentimento
claro de povo. Mesmo que, hoje em dia, se tenha uma imagem um tanto o quanto

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Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior / Anselmo de Oliveira Rodrigues / Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon

homogênea dos árabes, os clãs do Norte se julgam descendentes de Ismail, filho de


Agar, a escrava que teve um filho com Abraão e que ele expulsou depois que sua
esposa Sara teve um filho, já os clãs do Sul possuem, além da ascendência semítica,
muita aproximação e ligação com os povos africanos (DEMANT, 2015).
O Império Bizantino nasceu da divisão do Império Romano em Ocidental
e Oriental, sendo o nome dado ao do Oriente, cuja capital era Bizâncio, atual
Istambul. Este império adotou o Cristianismo como religião oficial do Estado, numa
mistura entre igreja e governo que ficou conhecida como cesaropapismo. O Império
Bizantino durou mais de mil anos, do cisma de 330 d.C. até 1453 d.C., quando
entrou em colapso e Constantinopla, novo nome de Bizâncio, foi conquistada pelos
turcos-otomanos. O Império Romano Ocidental caiu perante os bárbaros em 476
d.C., tendo mergulhado a Europa na Idade Média (ARMSTRONG, 2016).
O Império Persa, por sua vez, havia herdado a complexa tradição da civilização
do zoroastrismo, nascida no século VI a.C., tendo permanecido, à época, como o
principal poder opositor ao Império Bizantino (HOURANI, 1994). Por conta deste
antagonismo, uma das principais rotas comerciais do mundo conhecido havia
sido interrompida, a Rota da Seda, que vinha desde Bizâncio, passava pela Pérsia,
chegando à China, onde eram produzidos artigos refinados dos quais o maior
destaque era o tecido pelo qual a rota passou a ser conhecida.
Sem a Rota da Seda, os comerciantes passaram a buscar outras alternativas e
a principal delas passou a ser usar os portos a oeste do Monte Líbano, como Tiro, ou
cruzar a península Arábica em sua região setentrional, o Hijaz, seguir pelo deserto
até o Iêmen, e, de lá, navegar até a China. Aproveitou-se, ainda, que as caravanas
de camelos passaram a carregar mais peso, tornando-se mais rentáveis. Com isso,
a circulação econômica na Arábia aumentou, surgindo entrepostos comerciais que
davam suporte às caravanas de beduínos, sendo um dos principais, a cidade de
Meca (ARMSTRONG, 2016).
Do ponto de vista religioso, o Cristianismo havia migrado da condição de seita
dissidente do Judaísmo, típica das classes baixas e pobres, para a religião oficial do
Império Romano e, daí, para, entre outras coisas, o cesaropapismo. A influência dos
cinco patriarcados, de Roma, Constantinopla, Antioquia, Jerusalém e Alexandria,
como eram chamados os principais centros cristãos e onde estavam os principais
líderes, crescia progressivamente (DEMANT, 2015).
Entretanto, divergências doutrinárias começaram a surgir. Uma delas dizia
respeito à natureza de Jesus Cristo. Havia uma corrente que defendia que Cristo foi
tanto humano quanto divino, chamados diofisistas, e que prevaleceu no conselho
ecumênico da Calcedônia, em 451 d.C. Os derrotados, chamados monofisistas,
pregavam que Cristo era unicamente divino, mas, com a derrota no conselho,
passaram a ser proibidos de pregar em público sob pena de serem acusados de
heresia (HOURANI, 1994).
Vale ainda destacar que, naqueles tempos, havia muitos árabes cristãos e

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O Islã e a Civilização Ocidental: Reflexões de Interesse Preliminar ao Estudo do Fenômeno do Terrorismo

outros tantos politeístas, estes últimos mais comuns nas tribos do deserto. Neste
ambiente, em Meca, nasceu Maomé, em 570 d.C., filho de uma família de menor
importância do clã dos Coraixitas, um dos mais poderosos da cidade. Criado em
uma família de comerciantes, Maomé seguiu a tradição da família, levando uma
vida cheia de viagens. Aos vinte e cinco anos, casou-se com uma viúva rica, para
quem estava trabalhando, mais velha que ele, Khadija, e passou a tocar os negócios
dela e de seu associado, e mais tarde melhor amigo, Abu-Bakr. (DEMANT, 2015).
Quando tinha mais ou menos quarenta anos, ele voltou do deserto descrevendo
uma visão que havia tido sobre uma mensagem divina, trazida pelo Arcanjo Gabriel.
Maomé não entendeu totalmente o que estava acontecendo, mas Abu-Bakr, e,
principalmente, Khadija, foram as duas primeiras pessoas a acreditar na autenticidade
do que Maomé falava, instigando-o a perseverar em suas visões. Eles se tornaram,
assim, os dois primeiros convertidos à nova fé, o Islamismo ou, simplesmente, o Islã,
palavra que, em Árabe, quer dizer submissão (HOURANI, 1994).
Nesse sentido, o Alcorão sentencia que os primeiros versos que o Arcanjo
Gabriel mandou Maomé recitar foram os seguintes: 1) Lê em nome de teu Senhor
que tudo criou; 2) Criou o homem de um coágulo de sangue; 3) Lê que teu Senhor é
generoso; 4) Que ensinou o uso do cálamo; e 5) Ensinou ao homem o que este não
sabia (ALCORÃO, SURA 96).
Diante desse cenário, Maomé aceitou seu papel de profeta e passou a pregar
a nova fé, incomodando aqueles que, em Meca, lucravam com as caravanas de
peregrinos que vinham visitar as imagens de diversas divindades e que estavam
reunidas ao redor da Caaba3. Temendo por sua vida, Maomé fugiu para a cidade
de Iatreb, que passou a ser conhecida como al-Medina4. Este evento passou a ser
conhecido como Hégira5, marcando o ano zero do calendário muçulmano (KAMEL,
2007).
Assim, Medina passou a ser a primeira comunidade organizada sob as leis do
Islã, os convertidos passaram a ser conhecidos como muslimin6. Aqueles cidadãos
que se recusaram foram expulsos ou exterminados.
No ano cinco da Hégira, os clãs de Meca, inclusive o Coraixita, cercaram
Medina com tropas mais numerosas que as de Maomé, eram cerca de dez mil
adversários contra três mil seguidores. Entretanto, seguindo o conselho de um
persa que vivia em Medina, Maomé mandou construir uma trincheira em torno da
cidade (estratagema desconhecido pelos árabes daquele tempo) (DEMANT, 2015).

3 Meteorito de trinta centímetros de diâmetro considerado, ainda hoje, sagrado, por se acreditar
que ele veio do próprio paraíso (DEMANT, 2015).
4 Expressão que significa a cidade em árabe.
5 Palavra em árabe que quer dizer migração (DEMANT, 2015).
6 Palavra em árabe que é o plural do caso oblíquo muslim, derivado de mussulmen e mussulman.
Disponível em: https://en.oxforddicctionaries,com/definition/muslimin Acesso em; 29 de junho
de 2017.

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As tropas de Meca ficaram detidas em torno da trincheira e não atacaram a cidade,


mantendo o cerco por aproximadamente um mês, até que uma tempestade de
areia muito forte os fez abandonar a posição. Este mês é relembrado todos os anos
pelos muçulmanos no Ramadan7, e é a origem de algumas fortes tradições como o
traje típico feminino: o Hijab (KAMEL, 2007).
Tendo saído invicto de um embate amplamente desfavorável, Maomé se
fortaleceu e expandiu sua influência, estabelecendo alianças com outras tribos. Com
isso, Maomé reuniu forças suficientes para, no décimo ano da Hégira, entrar em
Meca como o profeta e destruir todos os ídolos em torno da Caaba. Meca havia se
submetido ao Deus único, Alá, sob os cinco pilares do Islã, os quais são descritos no
Alcorão da seguinte forma: 1) O primeiro, Shahada, ou testemunho, é comumente
pronunciado na ocasião da conversão religiosa; 2) O segundo, Salat, consiste nas
cinco rezas diárias a que o muçulmano deve se submeter voltado na direção da
Caaba, de Meca; 3) O terceiro, Zakat, ou esmola, assemelha-se ao dízimo cristão
e deve ser pago como exercício de compaixão e solidariedade com a Ummah, a
coletividade islâmica que reúne todos os fiéis em todos os cantos do planeta; 4) O
quarto, o Ramadan, é o mês do jejum, do sacrifício em que o muçulmano deve se
abster de levar qualquer coisa à boca durante o tempo em que o Sol nasceu até ele
se pôr. Deve, ainda, se abster de prazeres sexuais neste período; e o 5) O quinto, a
Hajj, é a peregrinação que todo muçulmano deve fazer até a Grande Mesquita de
Meca, onde está guardada a Caaba. O fiel estará dispensado desta obrigação se, por
alguma condição alheia à sua vontade, estiver impossibilitado (DEMANT, 2015).
Assim sendo, o Islã se considera uma reformulação do Judaísmo e do
Cristianismo, cujos fiéis não compreenderam corretamente a mensagem enviada
por Alá a eles por meio dos profetas. Maomé é considerado o último profeta, aquele
que veio trazer a versão definitiva da palavra de Deus. Um trecho interessante da
revelação é o que Alá diz que falará em Árabe para que seja entendido.
Convém ressaltar que Maomé morreu alguns anos após a sua entrada em
Meca e que após a conquista de Meca, o Islamismo se expandiu pelo mundo, tanto
pela guerra como pela obra de missionários, religiosos e fiéis que pregavam a nova
fé onde quer que chegassem. O território dominado pelos islamitas se estendeu da
península até a Espanha, que, por quase mil anos, foi conhecida como al-Andalus
e teve Córdova como capital; chegou ao rio Danúbio, sendo repelido pelo exército
austríaco aquartelado em Viena; e dominou os Bálcãs. Houve conversões de
comunidades no continente africano, em países como Sudão, Nigéria e Mauritânia,
na Índia, na China e na Oceania, onde, hoje, está localizado o maior país muçulmano
da atualidade, a Indonésia, convertida por obra de comerciantes e árabes.

7 Nono mês do calendário muçulmano. Disponível em: https://www.icarabe.org/artigos/ramadan-


o-mes-de-jejum-dos-muculmanos. Acesso em; 29 de junho de 2017.

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O Islã e a Civilização Ocidental: Reflexões de Interesse Preliminar ao Estudo do Fenômeno do Terrorismo

5 A PERCEPÇÃO DO ISLÃ JUNTO À CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL

A imagem do Islã junto à civilização ocidental foi sendo formada ao longo


dos anos em que as duas civilizações, ocidental e islâmica, confrontaram-se ou
se aliaram, principalmente no entorno no mar Mediterrâneo. Se, por um lado,
estiveram em lados opostos nas Cruzadas e na Reconquista Espanhola, por outro,
lutaram lado a lado na Primeira Guerra Mundial uns contra os outros (não se pode
esquecer da Tríplice Aliança, formada por Alemanha, Império Austro-Húngaro e
Império Turco-Otomano, derrotados pela Tríplice Entente, com a colaboração dos
árabes recrutados pelo coronel inglês Thomas Edward Lawrence, conhecido como
Lawrence da Arábia).
Outra força a moldar a imagem que os ocidentais têm dos muçulmanos foi
a disputa entre as duas religiões, Cristianismo e Islamismo, por fiéis. Esta disputa
ocorria tanto com o uso do convencimento quanto com a intimidação baseada
na força ou na influência sobre os diversos governantes, sendo esta ainda muito
presente. No Marrocos, por exemplo, um país de maioria muçulmana, considerado
tolerante, é tipificado como crime, punível até com prisão, a posse e a distribuição de
livros sagrados, distintos do Alcorão, que estejam escritos em Árabe. Missas e outros
cultos religiosos devem ser conduzidos de forma privada e em outros idiomas. Pelo
lado cristão, por exemplo, pode-se mencionar a lei sancionada na Áustria em que
o financiamento internacional às mesquitas foi proibido, mas continuou permitido
para as igrejas cristãs.
As zonas de fricção entre as duas civilizações são sempre mais críticas e locais
tais como os Bálcãs, o estreito de Gibraltar e o golfo da Guiné ilustram esta ideia.
Nessas regiões, ainda está presente a tensão acumulada nos anos em que seguidores
das duas religiões se enfrentaram buscando manter ou expandir sua zona de
influência. Salienta-se que em áreas onde a religião da camada dominante mudou
também costumam ser foco de tensão, uma vez que as minorias da antiga religião
podem permanecer no território, agora sob outro mando e outras condições.
Esta relação tensa, e muitas vezes antagônica, favoreceu que, ao longo dos
tempos, estereótipos pouco lisonjeiros se formassem em ambos os lados. Se hoje,
existe a impressão de que os muçulmanos consideram os ocidentais ligados às
coisas terrenas, gananciosos e lascivos, dentre outras coisas, já houve uma época
que este era o juízo que os cristãos disseminavam sobre os islamitas.
Sobre estes estereótipos, pode-se dar como exemplo a descrição dada por
Sayd Qutb, ideólogo islâmico nascido no Egito e que estudou nos Estados Unidos da
América, sobre o povo norte-americano, em meados do século XX: “Um rebanho
impulsivo e iludido que só conhece a luxúria e o dinheiro” (WRIGHT, 2007).
Esta, por sua vez, não é muito diferente da feita por Álvaro de Córdoba,
cristão que viveu na província de al-Andaluz, durante o domínio muçulmano, no
século IX d.C.:

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Os muçulmanos são inchados de orgulho, lânguidos no gozo de


atos carnais, extravagantes no comer, usurpadores cobiçosos
da aquisição de posses (…) desprovidos de honra e de verdade,
pouco familiarizados com a bondade ou a compaixão (…)
volúveis, astutos, ardilosos, e, na verdade, não estão meio mas
completamente emporcalhados nos resíduos de toda impureza,
desdenhando a humildade como insanidade, rejeitando a
castidade como se fosse imundície, depreciando a virgindade
como se fosse a impureza da devassidão, pondo os vícios do
corpo na frente das virtudes da alma. (WHEATCROFT, 2004).

Uma outra percepção que a sociedade ocidental tem do Islamismo é que,


em sua essência, não se separa a política da religião, uma vez que o Alcorão
possui orientações e regras rígidas quanto à vida em sociedade. A face mais
conhecida deste aspecto diz respeito à Sharia, palavra árabe que define a lei de
Alá, ou, simplesmente, a lei islâmica. Este conjunto de normas é adotado em sua
integralidade em alguns países, como, por exemplo, a Arábia Saudita, sendo a base
legal do Estado, e estendendo seus preceitos, em alguns casos, inclusive para os
estrangeiros, como é o caso das regras de vestimentas femininas.
O que se deixa de mencionar é que este é um traço comum em diversas
religiões. Até o fim do século XVIII d.C., início do século XIX d.C., ou seja, até o
declínio do absolutismo europeu, a autoridade do soberano, do rei, provinha de
Deus. Este ciclo tem como atestado de ocaso mais emblemático a coroação de
Napoleão Bonaparte, em 1804, como imperador da França, em que a coroa foi
posta sobre a cabeça de Napoleão pelo próprio e não pelo representante da Igreja
Católica, o Papa Pio VII, como mandava a tradição monárquica europeia - o próprio
uso do termo coroação rompia a tradição de se usar o termo consagração, mais
afeito a ritos religiosos. Em se tratando de Brasil, vale recordar que apenas em
1889, com a proclamação da República, o Estado deixou de ter uma religião oficial,
no caso a Católica, tornando-se laico.
Esta percepção é de tal forma consolidada em alguns meios que, muitas
vezes, faz-se uso das palavras islâmico e muçulmano com significados distintos,
colocando-se islâmico para fazer referência a algo em que a religião expandiu sua
influência além do plano espiritual e muçulmano para aqueles pontos em que se
quer mencionar apenas aspectos religiosos. Frequentemente, ainda, observa-se,
principalmente na mídia, o emprego de islâmico para fazer referência à vertente
mais radical, extremista ou fundamentalista dos fiéis.
A posição da mulher, seus direitos e suas obrigações na sociedade e nos países
de maioria muçulmana é outro ponto controverso. Convergindo com tal assertiva o
Alcorão sentencia, dentre outras coisas, que os homens são superiores às mulheres
porque Alá os fez assim e que se eles temem a desobediência de suas mulheres, os

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O Islã e a Civilização Ocidental: Reflexões de Interesse Preliminar ao Estudo do Fenômeno do Terrorismo

mesmos estão autorizados a bater nelas (ALCORÃO, SURA 4). Nota-se que, conforme
a interpretação oficial, encontra-se de forma explícita a superioridade do homem
sobre a mulher com o predomínio do uso da força física e pelos encargos de que
está investido, e não em matéria de honra. Está também colocado que, no caso da
punição física, deve-se ter o cuidado de bater suavemente, não se atingindo a face
ou as partes mais sensíveis da mulher.
Por mais retrógrada que possa parecer tal visão, há que se levar em conta o
tempo em que houve a Revelação8. Antes dela, como mencionado anteriormente
neste mesmo artigo, a sociedade árabe era patriarcal ao extremo e, na verdade, ao
colocar que o homem deve bater na mulher, a lei divina restringiu-lhe um direito
já que, provavelmente, àquela época, lhe era autorizado tirar a vida de sua mulher
sem que lhe fosse imputada punição alguma.
Outros trechos da mesma sura demonstram claramente a ideia progressista
do Alcorão como, por exemplo, as regras de amparo e proteção a órfãos e órfãs,
que, sem uma figura forte que guardassem seus direitos, eram presas fáceis para
aproveitadores, não só na Arábia, mas também na Europa (onde a proteção aos
órfãos era um dos deveres principais das ordens de Cavalaria).
Para o Islã, a mulher é a fonte da sexualidade, sendo a responsável por seduzir
os homens e desviá-los do caminho do bem (semelhante ao pecado original, em
que Eva influenciou Adão). Guardar a virtude delas, isto é, sua virgindade quando
solteira e sua fidelidade quando casada, é questão de honra para os homens da
família, numa acepção muito parecida com a do sexto mandamento - “Não pecar
contra a castidade”.
Em muitos países islâmicos, a mulher adulta só sai do harém de sua casa
(harém deriva de harrama, palavra árabe que deu origem a haram, que quer dizer
proibido), região onde somente entram os homens que com ela não podem se casar,
em duas ocasiões: para seu casamento e para o seu enterro. Evidentemente, a vida
moderna e suas dificuldades vêm tornando cada vez mais raro que este dispositivo
seja integralmente seguido, uma vez que somente famílias abastadas podem se
dar ao luxo de dispensar as mulheres de trabalhar. Assim, mesmo as mulheres das
cidades (as do campo sempre tiveram que colaborar com o trabalho e desfrutaram
de maior liberdade) estão tendo que flexibilizar a tradição, mais ou menos como
ocorreu no esforço de trabalho para a II Guerra Mundial.
Ainda sobre as mulheres e seu tratamento, verifica-se uma grande dificuldade
em se separar o que é um traço religioso daquilo que é um traço cultural e comum
nas sociedades de todo o planeta. Não faz sentido colocar a ocorrência de atos
violentos contra mulheres em países islâmicos (dos quais não estão disponíveis
estatísticas confiáveis) inteiramente como um comportamento originado na
religião professada. Deve-se levar em conta, por exemplo, a própria realidade

8 Como os muçulmanos chamam a visão de Maomé acerca dos desígnios de Alá (DEMANT, 2015).

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brasileira, onde, até a segunda metade do século XX d.C., a manutenção da honra


era considerada um fator que possibilitava a absolvição de um marido acusado
de matar uma esposa adúltera, e que, somente no início do século XXI d.C., foi
aprovada uma lei, a lei Maria da Penha, regulando especificamente os crimes de
violência contra as mulheres.
A favor da lei islâmica pode-se ainda acrescentar que o divórcio é um direito
garantido tanto a elas quanto aos homens desde a Revelação, inclusive àquelas que
se casaram com Maomé após a morte de Khadija. Basta que se anuncie em praça
pública o desejo de se divorciar por quatro vezes, conforme a Sura 65, do Alcorão. É,
ainda, proibido ao ex-marido sustar o direito da ex-mulher de casar-se novamente
ou de abandoná-la, devendo garantir seu sustento até que morram ou tomem outro
caminho conforme a vontade de Alá, numa espécie de sistema de proteção social.
Colocando-se em contraposição ao ordenamento jurídico brasileiro, o divórcio
somente foi incluído na legislação brasileira na segunda metade do século XX d.C.,
mais de mil anos depois.
É certo ainda que, para o Ocidente, a poligamia é um instituto que não está
alinhado com os costumes consolidados ao longo do tempo, sendo considerado um
ato de dominação ou diminuição do valor da mulher. Deve-se considerar, entretanto,
que o Alcorão é claro que todas as quatro mulheres a que o homem muçulmano
tem direito de desposar, no máximo, devem receber um tratamento equânime,
não podendo uma prevalecer ou ser privilegiada em detrimento da outra. Coloque-
se ainda nesta direção o fato de estarmos falando de uma sociedade criada num
ambiente hostil e inóspito como o deserto da península arábica em que, por um
outro ângulo, ser monogâmico e abandonar o sustento de uma mulher adulta à
própria sorte pode ser considerado um ato de extremo egoísmo e até gerar uma
massa de pessoas desassistidas.
Existe também um choque quanto ao código de vestuário. Foi muito difundida
pelo mundo a imagem de mulheres vestindo um traje conhecido como Bourka, em
que se cobrem todas as partes do corpo, inclusive os olhos, sendo possível que se
veja por uma tela de tecido colocada à frente do rosto que, no entanto, impossibilita
que se reconheça a pessoa a trajar a vestimenta. Este traje não é o que a tradição
muçulmana prega como adequado às mulheres virtuosas. O Hijab é o descrito na
tradição islâmica, consistindo em uma roupa que cobre os cabelos e atenua os
contornos do quadril das mulheres (lembrando que as mais virtuosas mulheres do
Cristianismo, as freiras, usam um traje semelhante, o hábito). Por uma tradição da
península, normalmente, as mulheres não permitem que homens que não sejam
de sua família vejam mais que os seus olhos, utilizando um véu para auxiliar o Hijab
a cobrir nariz, boca queixo e pescoço (KAMEL, 2007).
As normas de vestuário variam conforme os costumes locais e o ramo do
islamismo que é seguido. Enquanto na Arábia Saudita é comum que as mulheres
utilizem o Hijab e cubram o rosto e, na Jordânia, a própria rainha Rania seja vista

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O Islã e a Civilização Ocidental: Reflexões de Interesse Preliminar ao Estudo do Fenômeno do Terrorismo

trajando roupas ocidentalizadas, no Marrocos, por exemplo, as duas situações são


encontradas, inclusive minissaias. Não se pode omitir que existem casos de mulheres
agredidas, verbal e fisicamente, muçulmanas ou não, por não estarem vestidas
conforme manda a tradição, o que, de certa forma, traz à mente a lembrança do
quanto a sociedade brasileira ficou escandalizada com a ida de Leila Diniz à praia no
Rio de Janeiro, grávida, trajando um biquíni e com sua barriga à mostra.
É ainda controverso que se atribua ao Islã a maior parte do ônus pelo
comportamento discriminatório das sociedades islâmicas em relação às mulheres.
Considerando-se que o texto foi revelado no século VII d.C., e fazendo-se a ressalva
que, normalmente, textos considerados sagrados são contraditórios, o Alcorão está
permeado de personagens femininas com papel relevante e cujo comportamento,
mesmo nos tempos atuais, poderia ser classificado como de valorização da mulher.
Podemos citar dois exemplos: Khadija, a primeira mulher de Maomé, uma viúva,
rica, de quem Maomé foi empregado, ou seja, de quem, muito provavelmente,
recebia ordens, e aquela a quem coube aconselhar Maomé a perseverar em suas
visões (KAMEL, 2007); o outro exemplo é Hafsa, uma outra esposa de Maomé, que
o flagrou com uma escrava (o que não era considerado adultério à época) e, para
seu agrado, Maomé prometeu não mais se relacionar com as escravas (renunciando
a um direito garantido a ele pelos costumes da época), como está escrito na Sura
66 do Alcorão.

6 O ISLÃ E SUA RELAÇÃO COM OS MOVIMENTOS TERRORISTAS

Os atentados de 11 de setembro de 2001 mudaram o mundo de uma forma


significativa. Foi o primeiro ataque sofrido pelos Estados Unidos da América (EUA) a
seu território continental desde o início do século XIX d.C. e, principalmente, desde
que os EUA se consolidaram como superpotência mundial. De uma hora para outra,
diversos especialistas no assunto começaram a surgir e exarar opiniões de toda
a sorte. Em muitos lugares e veículos de comunicação, se discutiu-se a influência
que a religião muçulmana havia tido na geração do comportamento suicida dos
terroristas (ALLEN, 2007).
O fato é que o Terrorismo não é uma exclusividade dos muçulmanos e nem
foi inventado por eles. É uma prática bélica que remonta à Antiguidade e utilizada
por povos tão distintos quanto mongóis e assírios. Na Idade Contemporânea,
pode-se dizer que os primeiros atos terroristas de relevo a alcançarem resultados
significativos foram os que envolveram o processo de independência da Irlanda, nos
anos de 1920, que levaram à independência do sul da ilha, à formação do Ulster e
deram origem à organização terrorista irlandesa IRA (sigla, em Inglês, para Exército
Republicano Irlandês). Neste caso, opunham-se católicos e protestantes.
Outros exemplos da diversidade deste fenômeno poderiam ser citados em
locais tão distintos quanto a Espanha e o Sri Lanka, passando pela América Latina.

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De certa forma, o século XX d.C. viu o Terrorismo crescer e se desenvolver numa


onda sem precedentes, agravada pelos processos de independência das antigas
colônias europeias, pela Guerra Fria e pelo reordenamento promovido no Sistema
Internacional em consequência do conflito não declarado entre os EUA e a União
Soviética, e, mais tarde, de seu fim.
O Oriente Médio, e os muçulmanos, não ficaram imunes a esta onda. Em
torno primeiramente da questão palestina e, depois, da influência dos EUA na
península Arábica, várias organizações se estruturaram e buscaram fazer valer sua
vontade pela força. Como forma de mobilização, estas organizações basearam-se em
pensadores fundamentalistas, os principais são Sayd Qutb e Abu al-Ala Mawdudi,
membros da Irmandade Muçulmana egípcia, e interpretações típicas de ramos
mais radicais do Islã, como os Hanbalitas, Wahabitas e Salafistas, que justificam o
emprego da violência como forma de conversão e reparação das injustiças feitas
aos muçulmanos (DEMANT, 2015).
Estas são interpretações minoritárias. Para que se tenha ideia, Sayd Qutb
considera que o próprio mundo muçulmano está, em sua maior parte, corrompido,
acreditando que, de certa forma, o mundo retornou a era da Jahiliyya (era da
ignorância, anterior à Revelação do Alcorão) e considera justo ataques a “falsos”
muçulmanos, os hipócritas. Mawdudi é o pensador por trás dos conceitos que, hoje,
regem a organização conhecida como Daesh (sigla, em Árabe, para o Estado Islâmico
do Iraque e do Levante, outro nome do ISIS), com um governo regulado apenas pelo
Alcorão, baseado na Sharia, exercido pela Shura (um conselho composto apenas
por muçulmanos), dentre outras coisas.
Os argumentos de ambos são reforçados por um conceito contido no Islã:
a Jihad. Esta é uma obrigação de todo o muçulmano - proteger e fortalecer a sua
fé, tanto internamente quanto externamente. O alcance deste ato de proteção
gera debates e polêmicas entre os grandes teólogos islâmicos. Para os radicais, a
Jihad levaria a atos de purificação, como o martírio, e à caça aos infiéis, que devem
ser mortos tanto para purificar o mundo quanto para reparar agressões a outros
muçulmanos. É recorrente no Alcorão a menção ao fato de que o poder de punir
é exclusivo de Alá, a quem pertence tudo o que existe para perdoar ou castigar
conforme sua vontade, sendo também misericordioso.
O Alcorão também contém passagens de extrema tolerância. Ele garante aos
não crentes o direito de professar sua religião privadamente, desde que paguem o
Zakat e não procurem converter os crentes (este dispositivo nem mesmo Mawdudi
conseguiu contestar, garantindo participação política limitada aos não muçulmanos
em conselhos municipais). O texto sagrado dos muçulmanos também prega que
se um sofrimento tocar um crente, este deve se pacientar e aguardar, pois dias de
sofrimento e dias de júbilo se alternam conforme a vontade de Alá (num conceito
muito parecido com o contido no Evangelho cristão).
Especial atenção é dada a cristãos e judeus, mencionados explicitamente

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O Islã e a Civilização Ocidental: Reflexões de Interesse Preliminar ao Estudo do Fenômeno do Terrorismo

no texto corânico como o povo do Livro, presente na Sura 03. Eles são descritos
como pessoas a quem se pode confiar, mas de quem se deve guardar cuidado,
uma vez que podem trair os preceitos de Alá por não crerem na Revelação sendo
considerados em sua maioria perversos. Os judeus, inclusive, são descritos como
os descaminhados. Mas, na mesma Sura 03, no verso 113, o Alcorão diz que não
são todos iguais, havendo uma parte dos judeus e cristãos que constitui uma
comunidade reta e são íntegros.
Mas, mesmo assim, o Terrorismo parece prosperar com mais força entre os
muçulmanos, com atentados a bomba e fuzilamentos de civis em locais públicos.
Diversas pessoas no Ocidente consideram esta onda terrorista do século XXI uma
ameaça às conquistas da civilização Ocidental, como a Democracia, os Direitos
Humanos e as Liberdades Civis. Para estas pessoas, o principal alvo é a civilização
ocidental e seus cidadãos. Esta é uma premissa difícil de se justificar porque alguns
argumentos contestam sua validade, enfraquecendo-a.
Em 2015, dois atentados na França chocaram o mundo: o assassinato de
integrantes do jornal satírico francês Charlie Hebdo e o massacre a tiros na boate
Bataclan. Somando-se os dois, o total de mortos fica em torno de 150 (cento e
cinquenta) pessoas. Por mais que não se queira quantificar uma vida humana, em
novembro de 2015, houve um atentado suicida com três homens-bomba em um
subúrbio xiita de Beirute, na hora em que os fieis saíam da oração da tarde, onde
morreram mais de 250 (duzentas e cinquenta) pessoas, não houve cobertura
significativa da mídia, mobilizações em mídias sociais ou algo semelhante.
Com efeito, são os próprios muçulmanos as principais vítimas dos ataques
perpetrados pelos radicais. Em 2015, os cinco países com maior número de ataques
terroristas foram o Paquistão, o Afeganistão, o Iraque, a Síria e a Nigéria, tendo
concentrado mais de 70% de todos os ataques terroristas de acordo com estudo
conduzido pelo Departamento de Estado dos EUA. Destes cinco, em apenas um,
na Nigéria, os alvos foram em sua maioria cristãos, nos outros quatro a parte da
população que não professa a fé muçulmana é pouco significativa, e a maior parte
das vítimas dos extremistas são outros muçulmanos. Reforçando esse aspecto, o
Quadro nº 2 apresenta a quantidade de atentados terroristas nos países ocidentais
e nos países não ocidentais entre 2001 e 2016:

Quadro nº 2 - Atentados terroristas nos países ocidentais

MUNDO OCIDENTAL MUNDO NÃO OCIDENTAL TOTAL


Nº de atentados 9.032 89.741 98.773
Percentual 9,14% 90, 86% 100%
Fonte: Global Terrorism Database (período 2001-2016), 2017.

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Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior / Anselmo de Oliveira Rodrigues / Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon

De acordo com o GTD, de 2001 a 2016, ocorreram 9.032 (nove mil e trinta
e dois) atentados terroristas em algum país do Ocidente, dos quais 3.667 (três mil
seiscentas e sessenta e sete) foram realizados na Europa Oriental, que foi a região
com o maior número de ocorrências no âmbito dos países ocidentais. O Gráfico nº
1 apresenta a ocorrência de atentados terroristas nos países ocidentais e nos países
considerados não ocidentais sob outra perspectiva:

Gráfico nº 1 - Atentados terroristas: Países Ocidentais X Ásia, África e Oceania

Fonte: Global Terrorism Database (GTD), 2017.

O gráfico anterior indica que a localização dos ataques não pode ser usada
como dado a consubstanciar o argumento de que o alvo é a civilização ocidental.
Os números mostram que a participação dos países ocidentais no que diz respeito à
territorialidade, como alvo de atentados terroristas é pequena, em torno de 9% do
número total de ataques. Dando sequência a investigação de atentados terroristas
e sua ligação com o islamismo, serão apresentados os números de atentados
terroristas e sua ligação com a religião islâmica.

Quadro nº 3 - Ligação do terrorismo com o islamismo

LIGAÇÃO COM O NÃO POSSUEM LIGAÇÃO


ISLAMISMO COM O ISLAMISMO
TOTAL
Nº de atentados 10.271 88.502 98.773
Percentual 10,4% 89,6% 100%
Fonte: Global Terrorism Database (período 2001-2016), 2017.

30 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 13-37, maio/ago. 2017


O Islã e a Civilização Ocidental: Reflexões de Interesse Preliminar ao Estudo do Fenômeno do Terrorismo

O Quadro nº 3 nos informa que no período compreendido entre 2001 e


2016, dos 98.773 atentados terroristas que ocorreram no mundo, 10,4% possuíram
ligação com o islamismo. Procurando obter esses números sob outra perspectiva, o
Gráfico nº 2 apresenta esses dados:

Gráfico nº 2 - Atentados terroristas: Ligação com o islamismo X Não tem ligação


com o islamismo

Fonte: Global Terrorism Database (GTD), 2017.

O Gráfico nº 2 descortina a razão de proporcionalidade existente entre os


atentados terroristas que possuem ligação com o islamismo e os que não possuem
essa ligação, de tal forma que entre o período de 2001 e 2016, a ligação do islamismo
com o terrorismo é pequena. Prosseguindo na investigação de atentados terroristas
e sua ligação com o islamismo, essa pesquisa analisará essa relação tomando por
base a terceira variável desse estudo: ligação do terrorismo com a religião. O Quadro
nº 4 apresenta esses dados:

Quadro nº 4 - Ligação do terrorismo com a religião

LIGAÇÃO RELIGIOSA NÃO POSSUEM TOTAL


LIGAÇÃO RELIGIOSA
Nº de atentados 3.203 95.570 98.773
Percentual 3,24% 96,76% 100%
Fonte: Global Terrorism Database (2001-2016), 2017.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 13-37, maio/ago. 2017 31


Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior / Anselmo de Oliveira Rodrigues / Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon

O Quadro nº 4 revela que entre 2001 e 2016, dos 98.773 atentados terroristas
que ocorreram no mundo, apenas 3,24% possuíram alguma ligação religiosa,
tornando-se mais insignificante essa correlação. A seguir, o Gráfico nº 3 apresenta
esses mesmos dados sob outra ótica:

Gráfico nº 3 - Atentados terroristas: ligação religiosa x não possui ligação


religiosa

Fonte: Global Terrorism Database (GTD), 2017.

O Gráfico nº 3 deixa claro que a ligação existente entre o terrorismo e a religião


entre 2001 e 2016 é pequena e que a argumentação dos que defendem essa relação
é abstrata. Na verdade, esse gráfico complementa os gráficos anteriores na medida
em que nenhuma das três variáveis escolhidas (localização dos atentados, ligação
com o islamismo e ligação com a religião) proporcionaram resultados que pudessem
estabelecer de forma concreta a ligação do terrorismo com o islamismo.
Reforçando o aspecto anterior, essa pesquisa chegou a uma conclusão de que
ao se tentar mensurar e verificar a ligação do islamismo com a atividade terrorista a
partir do ano de 2001, tomando por base as três variáveis escolhidas anteriormente,
percebeu-se que nenhuma das variáveis escolhidas apresentou índices superiores a
10% na relação com a atividade terrorista, diminuindo ainda mais a corrente teórica
que entende que o islamismo se relaciona com a atividade terrorista.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esse estudo teve a finalidade de analisar a imagem que a civilização ocidental


possui sobre o Islã, com foco voltado na relação que essa religião detém com o
terrorismo. Para tanto, foi utilizado o terrorismo como referencial teórico desse

32 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 13-37, maio/ago. 2017


O Islã e a Civilização Ocidental: Reflexões de Interesse Preliminar ao Estudo do Fenômeno do Terrorismo

esforço e que permitiu realizar as correlações necessárias entre religião e atividade


terrorista no cenário contemporâneo, mais precisamente o islamismo.
Conforme verificado neste artigo, conclui-se que o Islã é uma das religiões do
ramo Abraâmico a influir sobre a civilização ocidental. Nasceu na Península Arábica
e dela se espalhou pelo mundo, arrebanhando fiéis em locais tão diferentes quanto
a Oceania e a África. Ademais, esse estudo infere que a imagem que o Islã tem hoje
junto à civilização Ocidental é negativa. Isto se dá por diversas razões, dentre as
quais se destacam três.
A primeira é a complexidade do tema, em que a percepção pela civilização
ocidental da diferença entre traço cultural e dogma religioso é muito difícil. Esta
percepção se torna ainda mais nebulosa por conta do legado iluminista que
transformou a religião em um assunto privado no Ocidente, que se busca excluir da
vida pública, política e social.
A segunda é o antagonismo protagonizado entre as duas civilizações ao longo
dos séculos: Islâmica e Ocidental, desde o surgimento da primeira. Este antagonismo
moldou mitos e estereótipos em ambos os lados, dificultando a aproximação. Além
desse aspecto, a prática terrorista com toda a sua complexidade e dificuldade em
sua definição conceitual afastou ainda mais esses dois atores, pois a civilização
ocidental imputa grande parte de atividades terroristas ao islamismo.
A terceira é o desconhecimento, muito relacionado com o antagonismo.
A verdade é que muitos cidadãos ocidentais não conhecem e não pretendem
conhecer o Islã a fim de entendê-lo, ou dele fazerem um juízo apurado, mesmo que
negativo. Mais uma vez, a prática terrorista contribui para isso na medida em que
ela se encontra atrelada a segmentos de fiéis à religião Islã, gerando preconceitos
perante boa parcela da civilização ocidental.
E, possivelmente, é esta imagem que contribui para que persista no Ocidente
a ideia que o terrorismo e a religião islâmica têm relação cerrada, uma vez que os
números encontrados na pesquisa não indicam este grau de proximidade. Tanto a
territorialidade, quanto a pesquisa ontológica realizada no banco de dados do GTD
retornaram dados que claramente refutam este argumento. Por conta do exposto,
atesta-se sua fragilidade e inconsistência.
Se, por um lado, para que a hipótese de que a religião islâmica está intimamente
ligada ao terrorismo fosse de todo descartada, seriam necessários estudos mais
aprofundados, que não são objetivo deste trabalho, por outro, pelo que se viu no
corpo deste artigo, existem argumentos para que ela também não seja considerada
irrefutável e tenha, pelo menos, sua validade questionada e reexaminada com
maior profundidade. Isto é importante porque se viu que, ao longo da História, o
Ocidente e a civilização islâmica entraram em confronto diversas vezes e, por conta
disso, a percepção pode estar distorcida e exagerada.
Por fim, destarte as considerações elencadas, o que se verifica, sob o ponto de
vista religioso, é que o Islã, o Cristianismo e o Judaísmo tem muito mais semelhanças

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 13-37, maio/ago. 2017 33


Luiz Adolfo Sodré de Castro Júnior / Anselmo de Oliveira Rodrigues / Eduardo Xavier Ferreira Glaser Migon

do que propriamente diferenças. Os conceitos expressos em cada um dos três livros


sagrados foram, em certa medida, absorvidos pelos que depois deles vieram com
modificações pontuais. Esta semelhança é ainda maior quando se considera o Islã
e o Cristianismo, onde se pode dizer que, até certo ponto, o Islã é essencialmente
monofisista e o Cristianismo diofisista.
O verdadeiro embate que hoje se trava no mundo não é religioso, ele é terreno,
se manifestando nas esferas política e sócio-cultural, devendo ser este o foco das
estratégias a se adotar para se conter o terrorismo: enfrentar sem comprometer a
convivência e tolerância cultural. Isto é bom, uma vez que conduzir o debate para
diferenças majoritariamente religiosas inviabilizaria uma solução já que, em matérias
que envolvem questões de fé, soluções racionais são extremamente difíceis de adotar
devido ao grau de abstração e envolvimento emocional que elas envolvem.

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Recebido em: 15 abr. 2017


Aprovado em: 30 set. 2017

36 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 13-37, maio/ago. 2017


Negligência Estratégica na Política Diplomática com a Coreia do Norte

NEGLIGÊNCIA ESTRATÉGICA
NA POLÍTICA DIPLOMÁTICA COM A COREIA DO NORTE

Reis Friede*

RESUMO
O presente artigo analisa a política diplomática estadunidense em relação à Coreia
do Norte. Traçando uma breve retrospectiva histórica, busca relembrar que a crise
norte-coreana teve sua gênese na Guerra da Coreia, salientando que a atuação
(ou a falta desta) por parte dos líderes norte-americanos acerca da região desde
aquele período é uma das causas do atual momento crítico em escala global. Por
fim, procura demonstrar que a solução para o imbróglio (aparentemente menos
difícil de se resolver do que a Questão Iraniana) passaria por uma necessária aliança
estratégica com a Rússia e a China.
Palavras-chave: Coreia do Norte. Crise Coreana. Política Diplomática Estadunidense.
Negligência Estratégica. Aliança com China e Rússia.

STRATEGIC NEGLIGENCE IN DIPLOMATIC POLICY WITH NORTH KOREA

ABSTRACT
This article analyzes US diplomatic policy in relation to North Korea. In a brief
historical retrospective, it aims to bring to mind that the North Korean Crisis had
its genesis in the Korean War and to emphasize that the actuation (or the lack of it)
of the US leaders in the region since that period is one of the causes of the critical
moment on a global scale. To conclude, it seeks to demonstrate that the solution to
the imbroglio (apparently less difficult to solve than the Iranian issue) is a necessary
strategic alliance with Russia and China.
Key Words: North Korea; Korean Crisis; US Diplomatic Policy; Strategical Negligence;
Alliance with China and Russia.

NEGLIGENCIA ESTRATÉGICA EN LA POLÍTICA DIPLOMÁTICA CON COREA


DEL NORTE
RESUMEN
El presente artículo analiza la política diplomática estadunidense hacia Corea del
Norte. Trazando una breve retrospectiva histórica, busca recordar que la Crisis
Norte-coreana tuvo su génesis en la Guerra de Corea, subrayando que la actuación
(o su falta) por parte de los líderes norteamericanos sobre la región desde ese
____________________
* Reis Friede é Desembargador Federal, Professor Emérito da Escola de Comando e Estado-Maior
do Exército (ECEME) e Professor Honoris Causa da Escola de Comando e Estado-Maior da
Aeronáutica (ECEMAR). Contato: <reisfriede@hotmail.com>.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017 37


Reis Friede

período es una de las causas del actual momento crítico a escala global. Por último,
procura demostrar que la solución para el imbróglio (aparentemente menos difícil
de resolver que la cuestión iraní) pasaría por una necesaria alianza estratégica con
Rusia y China.
Palabras clave: Corea del Norte. Crisis de Corea. Política Diplomática Estadunidense.
Negligencia estratégica. Alianza con China y Rusia.

1. INTRODUÇÃO

Costuma-se definir a política diplomática norte-americana para com a Coreia


do Norte, pela (amplamente divulgada) expressão paciência estratégica. Todavia, há
um evidente equívoco em tal denominação, na exata medida em que tal designação
se encontra, deveras, distante de retratar a realidade geopolítica do Extremo Oriente
e, em particular, da Península Coreana.
O problema da Coreia é antigo e remonta ao início da década de 1950,
ocasião em que – por uma inacreditável falha da política externa norte-americana,
conduzida pelo despreparado Presidente Truman, surpreendentemente eleito
no pleito de 1948, contra todas as expectativas e pesquisas eleitorais conduzidas
naquela oportunidade histórica – Coreia do Sul não foi incluída na zona de defesa
prioritária dos Estados Unidos (EUA) no imediato pós-guerra; a Coreia do Norte,
apoiada diretamente pela China e, indiretamente, pela União Soviética, sentiu-se
livre e, mesmo incentivada, a invadir seu militarmente despreparado vizinho do
Sul, buscando unificar, de acordo com seus termos e ideologia política, a península
coreana.
O general Douglas MacArthur, em 1951, por ocasião da eclosão do conflito no
ano anterior, apresentou, no contexto estratégico de uma efetiva resposta militar
àquela aventura terceiro-mundista, um plano derradeiro para, com o emprego das
forças da Organização das Nações Unidas (ONU), – e com expressa autorização
dela (existia, à época, um efetivo total de aproximadamente 370.000 soldados,
sendo 325.000 norte-americanos e 45.000 de 15 outros países da ONU) –, encerrar,
em definitivo, o problema coreano, unificando ambas as Coreias sob a égide da
democracia sul-coreana. Não obstante todas as lendas que se formaram a respeito
do tema, – inclusive com o absurdo, falso e fantasioso (bem como assim militarmente
desnecessário) uso de armas nucleares –, o plano de MacArthur era relativamente
simples, como, igualmente, absolutamente lógico, e consistia simplesmente em
efetuar bombardeios convencionais, com o emprego massivo das plataformas
B-29 disponíveis, contra as bases aéreas chinesas na Manchúria (neutralizando
os meios aéreos do adversário e estabelecendo a necessária supremacia aérea)
e, eventualmente, também contra grandes concentrações de tropas “voluntárias”
(artifício utilizado por Pequim para impedir a formalização de seu envolvimento no
conflito), em território chinês, próximas às fronteiras coreanas.

38 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017


Negligência Estratégica na Política Diplomática com a Coreia do Norte

Apesar da reconhecida inteligibilidade da estratégia (lembrando que Mac


Arthur chegou a dar um ultimato formal de rendição à China, nestes exatos
termos), a mesma custou a sua (surpreendente) destituição em 11 de abril de
1951, levando, por efeito, o Presidente Truman a ostentar uma impopularidade
sem precedentes na história norte-americana, o que lhe obrigou, inclusive, a
retirar seu nome como pré-candidato democrata à reeleição presidencial de
1952, e, em grande medida, também a todos os problemas que gradualmente
conduziram ao atual cenário que melhor seria descrito como de evidente
negligência estratégica.

2. A PROBLEMÁTICA CONTEMPORÂNEA

A situação factual encontrada na atualidade, – não obstante sua descrita (e


inegável) origem histórica de mais de meio século –, remonta, mais proximamente,
ao ano de 2002, ocasião em que o então presidente George W Bush foi alertado
(assim como seu antecessor Bill Clinton, alguns anos antes), não somente quanto às
ambições nucleares norte-coreanas, mas, sobretudo, do início do desenvolvimento
das armas atômicas e dos respectivos mísseis balísticos para seu lançamento
dissuasivo (lembrando que a primeira explosão atômica norte-coreana, ainda que de
natureza rudimentar, ocorreu em outubro de 20069). E, em um misto de arrogância
e despreparo político, do então mandatário da Casa Branca, simplesmente nada

9 A Disseminação do Conhecimento Científico para o Desenvolvimento das Ogivas Nucleares e dos


Meios Balísticos para os seus Respectivos Lançamentos.
É curioso observar que o fim da Guerra Fria trouxe novos (e extremamente complexos) desafios
globais, tais como manter a empregabilidade de 540.000 técnicos pós-graduados e altamente
qualificados da antiga União Soviética que cuidavam, particularmente, do setor armamentista
e, em especial, do desenvolvimento e modernização das armas nucleares e que, sem muitas
alternativas socioeconômicas, podem agora, uma vez desempregados (ou subempregados)
vender segredos para outras nações, o que, em grande parte, já está (há algum tempo)
acontecendo no mundo.
Portanto, o desafio da não proliferação nuclear, no âmbito militar, é muito mais complexo (e de
difícil equacionamento) do que se possa imaginar prima facie.
Não é por outra razão que países com reconhecidos recursos escassos e com baixíssimo nível de
conhecimento científico têm conseguido relativo êxito na construção e no desenvolvimento de
armas nucleares, como é, em grande medida, o caso da Coreia do Norte e, em parte, também do
Irã (e como também foi, de uma certa forma, o caso do Paquistão em 1998).
Nessa mesma linha de raciocínio, existem muitos cientistas, a exemplo do brasileiro Ricardo
Augusto Felício, professor de climatologia da USP, que (simplesmente) defendem a hipótese,
segundo a qual o próprio fenômeno do aquecimento global (que surpreendentemente não era
sequer comentado nos meios acadêmicos antes da queda do Muro de Berlim) teria sido (para
espanto de muitos) literalmente forjado para prover, em caráter substitutivo, um novo contexto
de empregabilidade de grandes cientistas, aproveitando a grande massa de pesquisadores,
inclusive norte-americanos, que estavam direta ou indiretamente ligados às pesquisas
armamentistas nucleares.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017 39


Reis Friede

foi feito a respeito10 (notadamente pelo próprio “desvio de foco”, em função dos
conflitos do Afeganistão, a partir de 2002, e do Iraque, a partir de 2003).
Com a subsequente posse de Barack Obama11, em 2009, o aprofundamento

10 A Inércia Estratégica de Kennedy nos Primeiros Momentos da Crise dos Mísseis de Cuba
Não existe nenhuma dúvida plausível de que a repetição de erros históricos é um dos caminhos
mais curtos para o desastre. Em julho de 1962, o General Le May informou ao presidente
Kennedy que a União Soviética estava concluindo, em Cuba, a instalação de moderníssimas
plataformas de lançamento de mísseis de defesa aérea (SAM) SA-2 Guideline, de idêntico
modelo que, em 1959, havia derrubado o até então imbatível avião espião norte-americano
U2, aprisionando o seu piloto Gary Powers. Tal fato ocorreu mais de três meses antes da
famosa Crise de Outubro de 62, quando os mísseis balísticos de alcance intermediário (IRBM’s),
posteriormente estacionados em Cuba, ainda não representavam uma ameaça real, posto que
ainda distantes de sua operacionalidade efetiva.
A resposta de Kennedy foi de que nada deveria (ou poderia) ser feito em se tratando de mísseis
de defesa aérea. De pouco adiantou as repetidas advertências de Le May no sentido de que tal
iniciativa de Moscou (com amplo apoio cubano) implicava em um projeto muito mais amplo, e
que era (exatamente aquele) o momento adequado (pois as forças soviéticas em Cuba ainda não
representavam uma ameaça real) de se tomar uma medida (preventiva) verdadeiramente eficaz,
objetivando neutralizar uma futura (e grave) ameaça que se vislumbrava no horizonte próximo.
A inércia estratégica de Kennedy (que sequer redobrou de forma contundente e expressiva
a cobertura de reconhecimento estratégico sobre a ilha, limitando-se a um tímido aumento
de voos de U-2 e a um contundente discurso “vazio” no sentido de que “exercia permanente
vigilância” sobre Fidel Castro), rendeu ao mundo simplesmente a pior crise que, por pouco,
quase conduziu a um holocausto nuclear. E, curiosamente, a história parece repetir os erros
do passado, pois acaso em 2002, antes da primeira detonação atômica ocorrida em 2006,
os norte-americanos tivessem tomado medidas adequadas (como, por exemplo, as severas
sanções econômicas que, aplicadas em 5 de agosto de 2017, pelo Conselho de Segurança da
ONU, reduziram em um terço as exportações norte-coreanas, ceifando os cofres de Pyongyang
em aproximadamente U$ 1 bilhão) contra a Coreia do Norte, com toda certeza o mundo
não se encontraria na atual situação de extremo perigo para a paz mundial. Todavia, - e não
obstante toda a sorte de considerações e ponderações que se possa fazer a respeito do assunto
-, tal como no passado, ainda é menos arriscado agir com firmeza de propósitos, através da
implantação de um poderoso embargo econômico contra Coreia do Norte, do que simplesmente
não agir, permitindo, - por imperdoável omissão estratégica -, que este país complete todo o
ciclo tecnológico (inclusive obtendo a bomba de hidrogênio, infinitas vezes mais ameaçadora
que o armamento atômico disponível) e os reais meios de lançamento confiáveis, como a
capacidade de transporte do armamento (ogiva minituarizada), o necessário veículo de reentrada
atmosférica, e os sistemas de precisão e guiagem indispensáveis para a real confiabilidade do
armamento em termos militares, tornando, por fim, plenamente operacional uma ameaça
termonuclear balística de alcance global.
11 A Ingenuidade Irresponsável de Barack Obama e o Sedutor Poder de seu Carisma
Resta curioso observar a extremamente perigosa sedução do poder do carisma.
Se as origens do problema norte-coreano remontam ao governo de GEORGE W. BUSH e, em
menor medida, ao do próprio Bill Clinton, certamente ainda poderiam ser plenamente resolvidos
durante o governo de Barack Obama (2009 - 2016).
Muitos estudiosos acreditam equivocadamente que Barack Obama foi muito habilidoso em
resolver o problema nuclear do Irã. Nada mais falso, pois, em essência, ele apenas adiou um
problema que se tornará muito mais grave no futuro, com consequências imprevisíveis para a
estabilidade e a segurança internacional.
Porém, na questão coreana, é obrigatório reconhecer que a irresponsabilidade estratégica
de Obama se constituiu no elemento chave que conduziu a esta sorte de acontecimentos
desastrosos (e a esta verdadeira sinuca) em que o mundo e, em especial, os Estados Unidos se vê
40 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017
Negligência Estratégica na Política Diplomática com a Coreia do Norte

da crise coreana apenas conduziu, por intermédio de um processo de completa inércia


estratégica (camuflada por um sedutor poder carismático de seu protagonista12), a

envolvido no presente momento.


A sua negligente e ingênua política para o Oriente Médio (ainda que reconhecidamente iniciada
na administração anterior de BUSH), incentivando, dentre outras equivocadas iniciativas, a
destituição de Kadafi, - que já havia concordado em cooperar com o Ocidente, entregando
inclusive todo o seu material físsil -, apenas sinalizou, de forma extremamente contundente,
que somente a posse de um grande arsenal nuclear dissuasivo pode assegurar a perpetuação
da dinastia de Kim Jong-Un no poder na Coreia do Norte, praticamente compelindo o mesmo a
decidir pela sua auto-preservação no poder, em detrimento da recuperação econômica e social
de seu povo, que padece com níveis alarmantes de miséria e fome.
As relativamente duras sanções econômicas que o Conselho de Segurança da ONU impôs à
Coreia do Norte em 5 de agosto de 2017 de forma unânime, praticamente ceifando, dos cofres
públicos norte-coreanos, um terço das receitas de suas exportações, estimadas em 3 bilhões de
dólares (através de uma resolução que proíbe a compra de carvão, ferro, chumbo e frutos do
mar, exportados por Pyongyang), somente teriam a eficácia, que hora ingenuamente se espera,
se tivessem sido implementadas logo no primeiro mandato presidencial de Obama.
Naquele momento histórico (2009), havia passado apenas três anos da primeira detonação
atômica e, consequentemente, do primeiro (grande e pretensioso) desafio da Coreia do Norte
ao mundo, sendo certo que aquele país estava muito distante de um armamento nuclear
verdadeiramente funcional.
Portanto, naquela histórica ocasião, os riscos dessa empreitada eram, se não praticamente nulos,
certamente muitíssimo reduzidos.
A presente situação, em face dessa inércia estratégica, é completamente distinta nos dias atuais,
em que a Coreia do Norte avança para prover uma plena (e crescente) funcionalidade de seu
ainda (temporariamente) incipiente arsenal nuclear, e de seus meios de lançamento e entrega de
carga (mísseis balísticos).
12 O Poder do Carisma
Não obstante não haver qualquer dúvida (razoável) quanto à absoluta inexistência de um legado
(verdadeiramente positivo) em relação à administração Obama (exceto, talvez, em assuntos
muito pontuais, associados a um relativo avanço dos direitos civis), o governo de Barack Obama,
assim como outras péssimas (e por vezes desastrosas) administrações norte-americanas, a
exemplo das de Kennedy (1960-1963) e de Jimmy Carter (1976-1980), será lembrado ainda
por muito tempo (e para completa perplexidade da maioria dos estudiosos) por supostas
realizações (que simplesmente inexistiram), não obstante a marcante incompetência gerencial
que, comprovadamente, perseguiu sua administração, particularmente em matéria de política
externa, com a correta e correspondente atribuição (embora nem sempre unanimemente
reconhecida) de responsabilidade pela desestabilização do Oriente Médio e, consequentemente,
pelo fortalecimento do islamismo radical (jihadismo), por uma relativa ressurreição da Guerra
Fria, além de, igualmente, por ter permitido, em última análise, o (surpreendente) ingresso da
Coreia do Norte no seleto clube das potências nucleares com poder global.
Destarte, é cediço reconhecer a enorme (inusitada) popularidade do mandatário que deixou a
Casa Branca em 2016, fruto inconteste de um extraordinário carisma pessoal, capaz de empolgar
multidões e, surpreendentemente, sublimar todas as inegáveis deficiências administrativas, bem
como a própria inaptidão governamental, que, de forma incontestável, marcou (ou deveria ter
marcado) o desastroso período presidencial estadunidense de 2009 a 2016.
Vale lembrar que a experiência dos democratas em Washington, nos últimos 100 anos, com
a extraordinária exceção de Roosevelt (no período de 1933 a 1945; e que governou durante
quatro mandatos consecutivos, quando ainda não havia sido editada a 22ª emenda de 1951, -
que passou a vedar a possibilidade de reeleições indefinidas -, e que somente deixou o governo
quando veio a falecer), que se constituiu verdadeiramente em um “ponto fora da curva”,
traduziu-se, sobretudo, por intermédio de uma impressionante soma de marcantes equívocos

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017 41


Reis Friede

uma conjuntura que, nos dias presentes, claramente limita (ou mesmo impede) a
(natural) opção militar pelo atual presidente republicano, Donald Trump13.

Diagrama 1: Mísseis Balísticos Norte-Coreanos

Fonte: THE MILITARY BALANCE, 2017.

e fracassos em política externa, muitas vezes reconhecidos pelos próprios mandatários que,
voluntariamente, recusaram uma segunda indicação para a disputa da correspondente reeleição
presidencial (Truman, com o mais baixo índice de aprovação da história americana: 22%, no
período de 1945-52 e JOHNSON no período de 1963-68; lembrando que ambos sucederam
presidentes anteriores que vieram a falecer durante seus respectivos mandatos) ou que,
simplesmente, não a obteriam ou efetivamente não a obtiveram (Kennedy 1961-63 e Carter
1976-80). As únicas exceções à regra são exatamente as experiências mais recentes, incluindo
justamente os (reconhecidamente) carismáticos Clinton (1993-2000; com seus encantos de
“moralidade alternativa” e “aventuras sexuais adolescentes”) e Obama (2009-16; com seu
cativante idealismo; autêntica ingenuidade e contagiante capacidade de construir utópicas
esperanças).
Por efeito, muito longe de se poder menosprezar o poder do carisma, devemos, ao reverso,
ficar permanentemente atentos às armadilhas deste sedutor e sutil poder e, especialmente, do
encantamento que o mesmo pode produzir em nossas mentes, confundindo perigosamente a
necessária correção (no sentido da imprescindível precisão, exatidão, retidão e justeza) de nosso
julgamento.
13 A Crise dos Mísseis de Cuba de 1962
Muito embora seja sempre arriscado fazer qualquer tipo de paralelismo histórico, considerando
que a dinâmica dos acontecimentos, ao longo do tempo, jamais se repete de igual forma, é, no
mínimo, desafiador não deixar de perceber uma certa similitude entre a atual Crise dos Mísseis
Norte-Coreanos com o famoso episódio da Crise dos Mísseis de Cuba de outubro de 1962.
Não obstante toda sorte de críticas que se possa fazer à postura do Presidente Kennedy, - que,
em última análise logrou ter conseguido (de fato) a remoção dos mísseis IRBM’s, permitiu,
contrapartida, o estabelecimento em definitivo de uma área de influência soviética no hemisfério
ocidental -, a verdade é que a atual inércia estadunidense, em relação a questão nuclear norte-
coreana, permitindo que aquela nação venha a obter mísseis balísticos intercontinentais (ICBM’s)
dotados de ogivas termonucleares com possibilidade de alcançar o território norte-americano, de
muitas formas, é uma ameaça (até mesmo) mais perigosa do que aquela enfrentada no passado,
tendo em vista que, de forma diversa da ameaça cubana, os mísseis de Kim Jong-Un não estarão
sob a tutela de uma superpotência, em um contexto mais simples de bipolaridade confrontativa,
mas, ao reverso, em uma nova e desafiadora geopolítica global, que será construída através
da introdução de um novo protagonista simplesmente imprevisível e que, sobretudo, parece
desconhecer (ou, no mínimo, não outorgar grande importância) as regras clássicas da deterrência
estratégica que, até o presente momento, asseguraram a paz mundial.

42 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017


Negligência Estratégica na Política Diplomática com a Coreia do Norte

Porém, isso não quer dizer, necessariamente, que não haja solução para a
crise coreana.
Ainda que seja cediço reconhecer que o período de autêntica liderança norte-
americana (no mundo) tenha se encerrado, mormente após o governo de George
Bush (pai), em 1992, uma relativa (e incontestável) proeminência (de capacidade
estratégica) estadunidense, – em todas as dimensões do poder nacional (militar,
econômico, político e psicossocial) –, continua a existir, permitindo aos Estados
Unidos da América EUA um grande (e inexorável) poder de influência (global) em
relação a todos os demais países.
Por via de consequência, resta conclusivo que muito ainda pode ser feito
pelos (EUA) a respeito do tema (dispensando-se, entretanto, o emprego de
retórica imprudente e inútil14, sendo certo que, não obstante a crise coreana seja

14 Retórica Imprudente (e de Risco)


Segundo o Senador CHUCK SCHUMER, “os EUA precisam ser firmes e decididos com a Coreia do
Norte; mas a retórica (vazia e) imprudente não é uma estratégia (adequada) para manter o povo
americano seguro”.
De fato, Roosevelt e, posteriormente, Reagan, muito bem demonstraram, em suas exitosas
políticas externas, que o silêncio combinado com ações concretas (ainda que muitas vezes
meramente simbólicas) revelam-se como instrumentos extremamente eficientes no contexto
da dinâmica das relações internacionais, na exata medida que colocam os adversários em
uma (interessante) posição defensiva e de (conveniente e) permanente tensão, dificultando,
sobremaneira, o cálculo estratégico, notadamente contra alguém como Kim Jong-Un, que parece
não entender a linguagem diplomática.
No caso da crise norte-coreana, o objetivo final resta claro e evidente: a completa desmilitarização
da península; o que, entretanto, somente será alcançado com firmeza de propósitos, através
de ações coordenadas (e intensa cooperação internacional) e não por meio de retóricas vazias
(imprudentes e de alto risco) e (dispensável e inútil) verborragia bélica.
Pela seriedade da questão coreana, simplesmente não há espaço para Donald Trump incorrer no
mesmo erro de Richard Nixon (que, após uma vitória eleitoral muito apertada no pleito de 1968,
optou, equivocadamente, por investir em sua carreira política presidencial, - particularmente na
fixação, quase que doentia, em buscar um mandato de oito anos, através de sua futura reeleição
-, em detrimento de solucionar, em definitivo, o conflito vietnamita).
Vale destacar que, sobre o controvertido Conflito da Indochina, forçoso reconhecer que Nixon
possuía, desde o início de seu mandato presidencial, a “fórmula” para assegurar a vitória
estadunidense no Vietnã, considerando que havia sido, durante oito anos (ou seja dois mandatos
consecutivos), vice-presidente de Eisenhower e, portanto, compreendia (ainda que por vias
transversas) a plena efetividade da Assimetria Básica no Campo de Batalha, até por ter vivenciado,
em grande medida, o emprego (robustecido), real e simbólico, da postura militar norte-americana
no conflito coreano e nas diversas crises do estreito de Taiwan.
Em várias conversas com assessores, Nixon sempre se recordava “de como Eisenhower usou a
ameaça nuclear contra a China para forçar o fim da Guerra da Coreia” (DALLEK Robert. Nixon e
Kissinger: parceiros no poder. Rio de Janeiro: Zahar, 2009, p. 160) e, em recentes revelações de
gravações realizadas na Casa Branca, Nixon foi, mais além, ao lembrar taxativamente “(...) no que
Eisenhower fez na Segunda Guerra Mundial: ele dizimou cidades (...); não porque desejasse matar
pessoas, mas porque queria terminar a guerra (...)” e, prossegue, “(...) por que Truman jogou a
bomba atômica?, não porque queria destruir cidades, mas porque desejava encerrar a guerra

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Reis Friede

mais urgente, ela é, em certo aspecto (curiosamente) muito mais simples (de ser
resolvida) e bem menos desafiadora do que a questão iraniana e jihadista (de modo
geral) que se encontram, em seu âmago, umbilicalmente associadas às denominadas
Novas Guerras, que possuem (inovadores) componentes transnacionais (tornando,
inclusive, fluidos os conceitos básicos de povo e território) e transideológicos
(rompendo a concepção de ideologia, em sua tradução clássica).

3. A GÊNESE DE UMA ALIANÇA ESTRATÉGICA ENTRE OS ESTADOS UNIDOS, RÚSSIA


E CHINA

É fundamental reconhecer que Putin e Xi Jinping15 são parte da solução e não


propriamente do problema, uma vez que são líderes qualificada e identificadamente
ambiciosos, (e naturalmente arraigados defensores dos interesses nacionais de seus
respectivos países), porém sabidamente lúcidos (e extremamente inteligentes e
habilidosos). E a história é rica em demonstrar (cf. Hitler, Stalin, Mussolini, Mao Tsé-
Tung e Pol Pot, para citar os principais exemplos) que somente os loucos (de todos
os gêneros) são verdadeiramente perigosos para a paz mundial, posto que (total ou
parcialmente) incapazes de mensurar os horrores de uma guerra, como (hoje) são

(...); porque Eisenhower levou cidades norte-coreanas pelos ares (...); foi o que acabou com a
guerra (...)”.
No mesmo sentido, Kissinger sempre alertava que “(...) os comunistas contavam com uma
estratégia de baixo custo, consistente em um conflito prolongado, com o objetivo de produzir
muito mais uma derrota psicológica do que militar aos Estados Unidos” (ibidem, p. 159),
relutando-se em aceitar a tese de que “um poder de quarta categoria, como o Vietnã do Norte,
não tivesse um ponto de ruptura” (ibidem, p. 159).
Todavia, foi, conforme mencionado, a sua persistente fixação com os índices de aprovação de
seu governo frente à opinião pública (somente mais tarde ele viria a exteriorizar a consciência
pela existência de uma “maioria silenciosa”), - objetivando viabilizar sua reeleição -, mais do que
qualquer outro fator, o elemento fundamental que permitiu os eventos desastrosos na Indochina
(e, por via de consequência, a afirmação última in casu do fenômeno da Assimetria Reversa).
15 A Arriscada Aposta de XI JINPING
A China arrisca, a médio e longo prazos, uma resposta independente, tanto do Japão como
da Coreia do Sul (no sentido de se rearmarem, inclusive com armas nucleares) complicando,
sobremaneira, seu planejamento estratégico (e, consequentemente, suas ambições globais) no
contexto do xadrez geopolítico da primeira metade do século XXI.
A aposta da China (e, em parte, também da Rússia) continua sendo, portanto, na (conveniente)
inércia norte-americana (em relação à Coreia do Norte) e na continuada capacidade
estadunidense de conter (em favor, neste aspecto, de interesses chineses) os impulsos
autônomos nipônicos e sul-coreanos, em favor de um ambicioso projeto de Pequim de se
constituir, em um horizonte próximo, em um genuíno (e sinérgico) pólo de poder global,
rivalizando, - direta e verdadeiramente -, com os EUA.
Esse é, por via de consequência, um dos “calcanhares de Aquiles” da China que pode, - se bem e
inteligentemente articulado por Washington -, ser negociado na crise norte-coreana, criando as
condições para a sua dissolução conclusiva.

44 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017


Negligência Estratégica na Política Diplomática com a Coreia do Norte

(ou, no mínimo, aparentam ser) exemplos emblemáticos Kim Jong-un16, da Coreia


do Norte, e o Aiatolá Khomeini, do Irã (sem deixar de mencionar os jihadistas, de
modo geral).
Por essa sorte de considerações, certamente não é uma boa ideia, – na
presente crise coreana –, simplesmente nada fazer17 (como a história humana é

16 8 KIM JONG-UN e a Coreia do Norte


Kim Jong-Un não é maior que a Coreia do Norte e nem se confunde com a mesma, assim
como Luís XIV (um dos principais apoiadores do conceito do “direito divino dos reis” e que
viveu entre 1638 e 1715) não era maior que a França e nem se confundia com esta (que, como
bem demonstra a realidade, se desenvolveu politicamente e sobrevive até os dias atuais,
independentemente do “Rei Sol”) e, mesmo em menor proporção, Nikita Kruschev não era a
União Soviética e nem se confundia com a própria (não obstante esta, excepcionalmente, ter
deixado de existir, não propriamente em função de seu falecimento em 1971, mas por obra do fim
da Guerra Fria em 1991, através de sua herdeira: a Rússia).
Esta é uma ideia, por conseguinte, construída artificialmente e que, independentemente de
qualquer consideração que se possa fazer a respeito, concretamente não guarda (verdadeira e,
muito menos, total e completa, como desejam defender alguns estudiosos) correspondência
com a factualidade existencial. Destarte, resta absolutamente distante da realidade (e até
mesmo fantasiosa) a noção (flagrantemente reducionista, em função de uma concretude muito
mais complexa) de que uma atitude completamente irresponsável (e, com muito mais razão,
uma demonstração inequívoca de loucura), por parte de Kim Jong-Un, - particularmente na
condução da crise da península coreana -, não leve à sua (consequente) destituição, por força da
própria dinâmica do poder nacional (observada pela ótica das engrenagens políticas em seu nível
doméstico), mesmo que consideradas todas as variantes específicas da ascensão dinástica que o
conduziu ao poder em dezembro de 2011. Nesse contexto analítico, conveniente se faz recordar
que Nikita Kruschev, o então todo poderoso mandatário da União Soviética entre 1953 e 1964, foi
(surpreendentemente) destituído do poder em 14 de outubro de 1964, permanecendo em prisão
domiciliar até a sua morte, não apenas em função de sua condenável perspectiva reformista,
mas, sobretudo, pela sua imperdoável condução no episódio da Crise dos Mísseis de Cuba (16
a 28 de outubro de 62), que lhe custou uma inesquecível humilhação pública, com gravíssimas
repercussões no Politburo. Por essa sorte de considerações, é cediço concluir que a crise norte-
coreana não pode (e muito menos deve) ser analisada sob uma ótica minimalista e subjetiva, que
desconsidere uma resposta racional de Pyongyang a ações norte-americanas (necessariamente
articuladas com a China e com a Rússia, além do Japão e da Coreia do Sul) muito bem conduzidas
(e obrigatoriamente desprovidas de constantes sinalizações político-diplomáticas contraditórias)
e que, neste sentido, deixe uma margem de (conveniente) sobrevivência, não necessariamente
a KIM JONG-UN, mas, especificamente, ao seu regime, resguardando os interesses da elite
dirigente daquele país (o que, por evidente equívoco na condução da Guerra do Iraque, não foi
feito em relação ao Partido Socialista Árabe Baath e à elite sunita que dirigia o país desde 1968,
com todas as consequências desastrosas que o mundo foi obrigado a, passivamente, assistir).
17 A Aceitação (Estadunidense) de uma Coreia do Norte no Seleto Clube Atômico
De forma diversa da opinião exteriorizada por Robert Kelly, Professor do Departamento de
Ciência Política e Diplomacia da Universidade Nacional de Busan (O Globo, 13/08/2017, p. 41), a
questão nuclear norte-coreana encontra-se muito distante de seus pretensos similares no mundo
(vd. Paquistão, a partir de 1998), posto que, - de forma diversa das chamadas potências nucleares
regionais (Israel, Índia e Paquistão) -, ambiciona (ainda que sem lastro econômico e, portanto,

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017 45


Reis Friede

rica em demonstrar18), sendo correto assumir que, no caso da Coreia do Norte,


uma aliança estratégica, urgente e verdadeiramente pragmática, com a China e
com a Rússia, por si só, já seria potencialmente suficiente (desde que muito bem
planejada e, sobretudo, correta e inteligentemente aplicada) para neutralizar o
poderio norte-coreano, que se encontra ancorado (pelo menos, por ora) em frágeis
alicerces econômicos e militares.
Destarte, o caminho lógico (que naturalmente se apresenta) seria a aplicação
(imediata) de um completo embargo econômico (uma vez que o tempo da
possível efetividade quanto ao emprego de sanções econômicas19 já expirou) que

fôlego de longo prazo) um extremamente audacioso projeto estratégico que inexoravelmente


complicará ainda mais as complexas equações da denominada Teoria da Intimidação (deterrência
estratégica), dificultando, sobremaneira, a capacidade adaptativa dos EUA (e, também, da
própria China e Rússia, que não desejam a emergência de um novo protagonista nuclear global) e
do mundo, de modo geral.
18 Operação Gancho de Pato
A denominada “Operação Gancho de Pato” foi idealizada por uma Junta Militar (liderada,
dentre outros, pelo então Coronel Alexander Haig, consultor senior militar adjunto para
assuntos de segurança, promovido em outubro de 1969 a patente de general) para ser
implementada no início do governo Richard Nixon, em 1969, com o propósito último de
invadir militarmente o Sul do Vietnã do Norte, criando uma zona de ocupação (provisória e
temporária) que seria transformada em efetiva “moeda de troca” para a obtenção objetiva da
total retirada das forças norte-vietnamitas, que, após a ofensiva do Tet, se estabeleceram (de
fato) no território sul vietnamita, dificultando, sobremaneira, as chances de êxito do processo
de vietnamização, objeto da campanha presidencial vitoriosa de Nixon.
A ideia era criar um incentivo real para que o Vietnã do Norte, de forma verdadeiramente
sincera, se sentasse à mesa de negociação para construir um consistente acordo de paz.
O argumento dos idealizadores da operação, consistia, acima de tudo, na evidência de que não
havia nenhum tipo de incentivo real para que o Vietnã do Norte negocia-se a paz, no contexto
da Guerra do Vietnã, o que se tornou um fato histórico, com a consequente derrota do Vietnã
do Sul em 1975. O próprio Presidente Richard Nixon (e com mais ênfase seu conselheiro
Henry Kissinger), anos após a derrota no Vietnã, reconheceu ter sido um grande erro não ter
implementado a denominada Operação Gancho de Pato, logo no início do seu governo, como
natural reação à ofensiva norte-vietnamita de fevereiro de 1969, considerando que, caso a
mesma tivesse sido conduzida, “(...) a guerra estaria terminada em 1970” (Robert Dallek; Nixon
e Kissinger: Parceiros no Poder, Zahar, RJ, 2009, p.169); o que, em grande parte, foi confirmado
(em termos de estratégia político-militar) com a implementação da exitosa Operação
Linebacker II (18 a 30 de dezembro de 1972) que, - em resposta ao impasse que se seguiu à
contenção norte-americana à Ofensiva Leste (Ofensiva da Primavera), no início de 1972; logrou
compelir os norte-vietnamitas a assinarem os Acordos de Paz de Paris, no início de 1973,
colocando termo (formal) à Guerra do Vietnã (ainda que, reconhecidamente, os mesmos,
à revelia de uma reação mundial, tenham posteriormente, rompido o acordo, retomando o
conflito e invadindo militarmente o Vietnã do Sul, e vencendo, em definitivo,o conflito, em
seus termos). Portanto, resta evidente que, não obstante as marcantes diferenças de cenários,
não há como compelir a China a uma colaboração plena na crise norte-coreana se não forem
criados incentivos (verdadeiramente poderosos) que tornem a opção chinesa em colaborar
verdadeiramente mais vantajosa para esta nação do que a sua (conveniente) omissão no
episódio epigrafado.
19 Sanções Econômicas e Embargo Econômico
Sanções Econômicas e Embargo Econômico não são expressões sinônimas e nem mesmo

46 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017


Negligência Estratégica na Política Diplomática com a Coreia do Norte

(simplesmente) sufocaria, de modo agudo e irreversível, a frágil economia daquele


país (lembrando que tanto ogivas nucleares como mísseis balísticos possuem

guardam uma correspondência conceitual (necessariamente) direta.


Ambos instrumentos, todavia, objetivam finalisticamente uma mudança de comportamento,
por parte dos Estados (objeto do expediente punitivo), ainda que através de mecanismos
(que podem ser considerados) completamente distintos e que não aludem (obrigatoriamente)
a questões apenas econômicas, ainda que reconhecidamente seja esta a modalidade mais
comum de implementação.
Sanções, de forma ampla, aludem às mais variadas modalidades de ações empregadas, por
um (concepção unilateral) ou mais Estados, ou mesmo por Organizações Internacionais, como
a Organização das Nações Unidas (ONU), Organização dos Estados Americanos (OEA), etc.
(concepção multilateral), contra um outro Estado (ou um conjunto de Estados), por razões
(preponderantemente) políticas, e que se exteriorizam de forma plural (conjugada através de
várias e diferentes modalidades) ou de modo singular; como são exemplos básicos: as sanções
diplomáticas (redução ou remoção de laços diplomáticos, inclusive com eventual fechamento
de embaixadas); as sanções econômicas (comumente associada à restrição de comércio,
limitadamente ou não, a determinados setores e que convencionalmente denomina-se de
sanções comerciais, ou de natureza mais ampla, incluindo medidas coercitivas de outros
âmbitos, inclusive financeiro); as sanções militares; as sanções desportivas (restrição ou
proibição de participação de equipes de país em competições internacionais), etc.
Por outro prisma, Embargo, muito embora também possua eventualmente natureza
transcendente à esfera econômica, é uma materialização somatória muito mais gravosa
(radical) que busca, em alguma medida, o isolamento político-diplomático, econômico e/ou
militar de um Estado (ou um grupo de Estados) de forma unilateral ou multilateral.
Uma das mais completas (e radicais) tentativas de embargo econômico aconteceu durante as
guerras napoleônicas, ocasião em que, a França buscou estabelecer um “bloqueio continental”
contra o Reino Unido, proibindo nações europeias de comercializar com as Ilhas Britânicas.
Mais recentemente, os Estados Unidos, durante a Crise dos Mísseis de Cuba, em outubro de
1962, - ainda que através do emprego de um sofisma designativo de “quarentena” -, aplicaram
um isolamento parcial (bloqueio continental), posteriormente abrandado (após a retirada
dos IRBM’s pelos soviéticos), contra a Ilha de Fidel Castro, transformando, mais tarde, o
mencionado procedimento político-diplomático em embargo comercial que, com o passar do
tempo, acabou se tornando praticamente unilateral (por parte de Washington).
Vale frisar que, quanto mais frágil a economia de um país, - como é o caso da Coreia do Norte
-, mais efetivas são as sanções econômicas (dependendo, evidentemente, de sua modulação
e de sua abrangência participativa) e, - com maior ênfase -, mais eficaz é a própria efetividade
de um processo de embargo econômico, inobstante ser cediço reconhecer que, em certas
situações, apenas esta última modalidade tem o poder, verdadeiramente derradeiro, de
alterar o comportamento político-diplomático de um país, mormente quando o (curto) tempo
necessário para a obtenção dos resultados práticos, quanto ao expediente da aplicação de
sanções econômicas, não ser compatível com a celeridade necessária à finalidade colimada.
Por efeito consequente, de modo diverso do que foi executado contra Pyongyang
(implementação de gradativas sanções econômicas), apenas um completo embargo
econômico, com o consequente isolamento total do regime norte-coreano (executado, neste
sentido, de forma multilateral), teria o condão de alterar (efetivamente) o comportamento
errático da Coreia do Norte no que concerne as suas ações (e atitudes) no âmbito das relações
internacionais.
Dessa feita, resta conclusivo que não há mais espaço para a política (passiva) que se
convencionou designar por paciência estratégica, posto que o momento exige, em essência,
uma necessária lucidez estratégica, abandonando-se, em definitivo, a negligência estratégica
que perdurou até o presente momento.

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Reis Friede

altíssimos custos de manutenção para que permaneçam, de fato, operacionais).


As chances de êxito de um embargo econômico completo em relação à Coreia
do Norte são muito reais para serem desprezadas. O isolamento total do regime
de Kim Jong-un20 o conduziria (prontamente) a uma encruzilhada: negociar um
desarmamento nuclear em troca da manutenção de seu regime ditatorial, afiançado
pelo poderio da China (criando um autêntico e novo protetorado no século XXI) ou,
em virtual oposição, um ataque preventivo (de caráter retaliatório) à base militar
americana de Guam21, no Pacífico (ou mesmo, por absurdo, a Seul, com cerca
de 10 milhões de habitantes e que se localiza a apenas 60km da fronteira), sem
qualquer propósito prático (pois ensejaria automaticamente uma reação militar
que simplesmente retiraria do mapa geográfico a Coreia do Norte), revelando, por
consequência, um verdadeiro líder louco por trás da conveniente máscara política
(concebida pelas circunstâncias históricas da formação e manutenção do regime
norte-coreano); o que (convenhamos) teria (apenas) o efeito prático de ensejar a sua
imediata destituição do poder, posto que nenhum alto oficial, com real capacidade
decisória (e operacional) de disparo dos mísseis balísticos e das armas nucleares
de modo geral (e até mesmo convencionais de grande capacidade), arriscaria a sua

20 A Única e Verdadeira Arma de que Dispõe KIM JONG-UN no atual Tabuleiro Político Mundial
A única (e verdadeira) arma de que o mandatário norte-coreano Kim Jong-Un dispõe, - a
exemplo do que sucedeu com Cuba, no início do regime de Fidel Castro -, é justamente a
capacidade de manietar o ambiente político-internacional, explorando, em seu beneficio (e da
manutenção de seu regime) a rivalidade sino-estadunidense. E é exatamente esse jogo, que,
no passado, permitiu uma extraordinária sobrevida ao (então) cambaleante regime cubano (e
em surpreendente desfavor dos líderes americano, que acabou sendo assassinado, e soviético,
que encerrou sua carreira em prisão domiciliar, pouco tempo depois do episódio da Crise
dos Mísseis) que os EUA não podem se permitir participar, viabilizando (em desfavor de seus
interesses nacionais e da própria segurança internacional) a perpetuação de um regime que,
em muitos aspectos, está com os dias contados (ainda que formalmente possa continuar
a existir no espectro temporal convencional), particularmente se um embargo econômico
internacional for plenamente efetivado, com o correspondente isolamento total daquele país.
21 A Ilha de Guam
Guam é uma pequena ilha (e a principal do arquipélago das Marianas) no Oceano Pacífico
(com aproximadamente 58 quilômetros de extensão e 19 de largura) em seus pontos mais
distantes), que se tornou parte integrante do território norte-americano em 1898, após a
vitória estadunidense no conflito com a Espanha (que a tomou dos portugueses em 1565, e
que, por sua vez, a descobriram, por obra do navegador lusitano Fernão De Magalhães, em
1521).
A ilha (de 543km²) possui status político de território não-incorporado aos EUA (com 162 mil
habitantes, todos cidadãos americanos, - sendo 40% da etnia indígena chamorro -, dotado de
governo autônomo, governador eleito, Poder Legislativo local e delegados, sem direito à voto
na Câmara Federal dos EUA), abrigando três instalações militares, com um efetivo total de
aproximadamente 4.000 homens, incluindo a Base da Força Aérea de Andersen (com dotação
permanente de bombardeiros B-52G, dentre outros meios aéreos) e a Base Naval de Guam,
distando cerca de 3.400km da Coreia do Norte.
Após o fechamento das instalações militares (Base Aérea de Clark e Base Naval de Subic
Bay) nas Filipinas em 1992, passou a ostentar redobrada importância estratégica, sendo
considerada o “porta-aviões” fixo e permanente dos EUA no Pacífico.

48 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017


Negligência Estratégica na Política Diplomática com a Coreia do Norte

própria vida e de sua família em uma empreitada sabidamente suicida (lembrando


sempre que Kim Jong-un não tem qualquer poder efetivo de comando operacional
sobre as armas que dispõe, exceto o (relativo) poder político que, por sua própria
natureza, possui um caráter necessariamente abstrato).
Para tanto, um acordo global, verdadeiramente efetivo e realista, entre os
Estados Unidos, Rússia e China, teria de ser (muito bem) costurado, através, no
primeiro caso, de (necessárias) concessões em relação à Ucrânia e à Síria (incluindo o
levantamento das sanções econômicas ocidentais contra aquele país) e, no segundo
caso, por intermédio de um conjunto de ações de (forte e derradeiro) incentivo
à total cooperação chinesa na empreitada, lembrando que a China possui muitas
razões para não apenas discordar quanto à dimensão do perigo norte coreano, mas,
também, para temer os próprios efeitos adversos da aplicação de sanções mais
pesadas (e com muito mais razão no que concerne a um embargo econômico) em
relação à Coreia do Norte (que vão desde o risco de uma indesejável aceleração
do processo de unificação das duas Coreias, que é vista com uma grande ameaça
econômica para a China, como, igualmente, pela multiplicação de problemas
socioeconômicos em relação aos cidadãos chineses que vivem ao longo da extensa
fronteira sino-coreana).
É importante assinalar que incentivar (ou mesmo compelir) a China a cooperar
não é tão difícil como parece. Porém, seguramente, é, a exemplo de qualquer grande
desafio, perigoso e (extremamente) arriscado, a ponto de exigir uma redobrada
atenção a todos os detalhes envolvidos na questão.
Ressalte-se que convencer uma China (já no seu limite de tolerância em relação
a um regime que supunha ter pleno controle) a aderir a um acordo internacional de
completo isolamento de Pyongyang sequer ensejaria a necessidade do emprego de
ações extremamente radicais que, ao reverso, poderiam ser utilizadas (com plena
eficiência) em relação a outros países que continuam (ou eventualmente persistiriam
em) comercializar com o regime norte-coreano, como é o caso da Tailândia, que,
sem alternativas factíveis, sucumbiria a uma proibição total (com aplicabilidade
imediata) de importar e exportar seus produtos para os EUA e seus aliados (e, mais
ainda, para todos os países do mundo, através de uma resolução da ONU).
Jamais podemos deixar de ter em mente que nos atuais Conflitos de Quarta
Geração, – em que, na classificação doutrinária corrente, se insere a crise norte-
coreana –, não há mais espaço (exceto por absoluto equívoco, insensatez ou
mesmo gravíssimo erro de interpretação ou de cálculo) para as guerras no sentido
tradicional do termo, substituídas que foram pela nova concepção de confrontação
fundada na manutenção do status quo (estabilidade cooperativa) por meio da
celebração (permanente) de acordos globais.
Portanto, resta evidente que Donald Trump vai ter que ter a mesma ousadia
corajosa de Ronald Reagan que, a seu tempo e através de sua (muito bem lançada)
política de contra-força, simplesmente venceu a Guerra Fria, – mesmo que por

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Reis Friede

pontos e não por verdadeiro nocaute –, quando, de forma extremamente bem


conduzida, asfixiou a economia soviética, – obrigando-a à assinatura de diversos
pactos bilaterais e mesmo internacionais –, superando um desafio de muito maior
magnitude do que o representado, na atualidade, pela Coreia do Norte.
Ainda assim, é importante recordar que foi logo no início do primeiro governo
Reagan que o processo de neutralização da ameaça soviética se iniciou, através
da corajosa iniciativa de instalação dos mísseis Pershing II e Cruise, na Europa
Ocidental, em oposição aos IRBM’s SS-20 soviéticos, mesmo contra a forte opinião
pública norte-americana e internacional contrárias à medida. Esta pronta resposta
à ameaça soviética, – que, no início dos anos 80, ainda representava um perigo
extremo para a estabilidade mundial –, não somente inviabilizou seu (ambicioso
e muito bem elaborado) planejamento de isolamento da Europa Ocidental em
relação à aliança estratégica com os EUA, como bem assim, traçou (de forma muito
bem delineada) uma linha confrontativa que, gradativamente, através de outras
planejadas ações (diplomáticas e militares), muito bem coordenadas (a exemplo do
audacioso projeto de Iniciativa de Defesa Estratégica, mais conhecido como “Guerra
nas Estrelas”), acabou por asfixiar a economia da URSS, neutralizando a ameaça
(até aquela data aparentemente insuperável) representada pela Guerra Fria.
Por efeito, assim como naquele difícil período histórico, existem soluções
muito claras (embora naturalmente ambiciosas, complexas e desafiadoras) para a
crise norte-coreana que podem ser implementadas por meio de uma (consistente)
sinalização (imperiosamente crível) de, por exemplo, uma política de amplo apoio
ao rearmamento do Japão (com a indispensável alteração constitucional, dentre
outras medidas), – independentemente da imediata instalação de sistemas de defesa
antibalísticos (conforme já iniciada em território sul-coreano) e, no mínimo, uma
séria ameaça de instalação de Mísseis Balísticos de Alcance Intermediário (IRBM’s),
dotados de ogivas nucleares táticas em bases norte-americanas em território sul-
coreano (e não apenas a tímida iniciativa de autorizar a Coreia do Sul a instalar
mísseis balísticos de maior alcance e de maior potência com ogivas convencionais)
–, que certamente funcionariam como um grande incentivo colaboracionista por
parte da China na questão norte-coreana (dentro de um contexto de concretizar
um firme propósito de transformar todas essas ações ou simples ameaças
em uma imprescindível “moeda de troca” com a China, no sentido último de
compelir aquela nação a uma política de plena cooperação quanto ao (necessário)
isolamento total do regime norte-coreano. Lembrando por oportuno, que tanto
o presidente chinês Xi Jinping, como seu homólogo Vladimir Putin, já sinalizaram
(expressamente) concordar com a solução conhecida como “dupla suspensão”: os
norte-coreanos desistiriam de seus projetos nucleares (e de seu poderio militar de
alcance estratégico-global) e os americanos, em contrapartida, suspenderiam seu
ambicioso programa de construção e desenvolvimento de um “escudo anti-mísseis”
(do qual o projeto Thaad é atualmente o seu principal componente) e desistiriam da

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Negligência Estratégica na Política Diplomática com a Coreia do Norte

criação de uma futura (e presumível) linha contensiva (de natureza político-militar)


com o Japão e a Coreia do Sul, desnuclearizando, em benefício recíproco das três
partes envolvidas (EUA, Rússia e China), a península coreana22.

22 Os (Diferentes) Interesses em Conflito


Se a crise coreana revela-se como uma extraordinária oportunidade de se construir uma
inovadora abordagem (de cooperação estratégica) nas relações entre os EUA, a Rússia e a
China, é vital (para tanto) que as três partes envolvidas tenham absoluto conhecimento dos
diferentes interesses geopolíticos que estão presentes em suas (recíprocas) relações, com o
propósito último de promover um necessário consenso, viabilizador, em última análise, da
(necessária) imposição de uma imprescindível autoridade internacional em relação, sobretudo,
a eventuais aventuras terceiro-mundistas que tenham potencialidade de desafiar a paz
mundial e a estabilidade das relações internacionais, como é o presente caso da Coreia do
Norte e os futuros desafios de um Irã nuclear e do jihadismo dotado de possíveis armas de
destruição em massa. Como preconizava, com mérita propriedade, Zbigniew Brzezinski, “a
(preponderância da) rivalidade é inerente em um sistema que funciona sem consenso global”
e, portanto, mais do que nunca, resta fundamental alcançar uma repactuação (que, ainda que
não elimine, por completo, as arestas naturais de uma confrontação competitiva) que preserve
os inúmeros interesses comuns, evitando que, por imperdoáveis equívocos e erros de cálculo,
os interesses nacionais (especialmente os artificializados por regimes excepcionais) de países
irrelevantes, tornem-se significativos (e mesmo preponderantes).
Se é fato que os chineses não gostam do programa nuclear norte-coreano, não há como negar,
entretanto, como bem adverte Hugh White (O Globo, 11/08/2017, p. 27), que a atual situação
serve aos seus interesses (maiores) de longo prazo em erodir a liderança estadunidense,
apontando, ainda, os (incontáveis) riscos de uma rápida (e não bem planejada e negociada)
desintegração do Estado norte-coreano, fazendo emergir, - não somente uma complicadíssima
crise de refugiados para o território chinês -, mas uma poderosa (e desafiadora, sob a ótica
político-econômica), Coreia unificada. Também, é cediço reconhecer que a China não deseja,
com fulcro em um cenário de instabilidade na Coreia do Norte, um significativo aumento
do presença militar (permanente) dos EUA na região do Pacífico e, muito especialmente, o
desenvolvimento e desdobramento de tecnologias militares revolucionárias, a exemplo dos
Sistemas de Mísseis Antibalísticos (ABM’s) que, como no passado (ainda que apenas utilizado
como simples “blefe” pela lúcida inteligência de Reagan, como um dos principais instrumentos
de barganha com a URSS), desestabilizou o (aparentemente sólido) equilíbrio nas relações
EUA-URSS, forjado no contexto da Guerra Fria.
Por outro lado, para os EUA é simplesmente inadmissível (e mesmo impensável) a emergência
de uma Coreia do Norte em “pé de igualdade” (estratégico-militar) com a potência ianque,
sendo certo que não há como as principais lideranças norte-americanas deixarem de
reconhecer a imperiosa necessidade da cooperação (crescente) com os russos e chineses
nas questões globais (associado à segurança internacional) e, em especial, na luta contra o
jihadismo no complexo cenário das chamadas Novas Guerras.
Há, portanto, não somente um grande espaço de acordos conciliatórios (e consequente repulsa
a despropositais linguagens confrontativas), mas uma evidente convergência (cada vez maior)
de interesses que podem (e devem) ser explorados com inteligência e sabedoria.
Nesse sentido, o peso das conveniências norte-coreanas devem ser muito bem sopesado,
considerando que aludem, restritivamente, à sobrevivência de seu regime (o que pode
ser, inclusive, assegurado com um tratado formal que substitua o armistício que pôs fim à
Guerra da Coreia, ocorrida entre 1950 e 1953), adicionado a um desejável crescimento e
desenvolvimento econômicos, condições que podem muito bem ser pactuadas, - se conduzidas
de forma séria, honesta e, sobretudo, confiável (para todas as partes envolvidas) -, em troca
das (inaceitáveis) pretensões nucleares de Pyongyang e em favor do término da crise norte-
coreana.

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Reis Friede

Não obstante os evidentes riscos envolvidos nessa empreitada, não pode


haver qualquer dúvida plausível de que os riscos de nada fazer (através de uma
política de passividade estratégica) se apresentam muito mais gravosos a curto
e médio prazos, posto que se apresenta (simplesmente) inaceitável a existência
de uma Coreia do Norte com plena capacidade funcional de ataque nuclear aos
Estados Unidos, através de mísseis de alcance Intercontinental (ICBM’s).
Vale, ainda, sublinhar que a passiva aceitação da emergência da Coreia
do Norte como grande potência nuclear, no cenário internacional, complicaria,
sobremaneira, a tênue equação de equilíbrio, no contexto da denominada
deterrência estratégica, inaugurando (novos) elementos de perigo de dificílima
mensuração (futura), para a paz mundial.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em muitos aspectos, a crise norte-coreana (a exemplo de todas as grandes


situações de conflagrações) constitui-se em uma extraordinária oportunidade
histórica de se construir, – se não propriamente uma nova ordem mundial, ao
menos –, uma renovada (e necessária) repactuação das relações internacionais:
reconhecendo (em definitivo) a emergência econômico-militar da nova potência
global chinesa (a segunda potência econômica e a terceira militar do planeta),
ao mesmo tempo que realocando, no cenário global, a Rússia (segunda potência
militar e uma das dez maiores economias do mundo), por um lado, e aceitando,
por outro, o ocaso da Europa (leia-se, principalmente, França e Reino Unido, e,
em menor grau, a Alemanha) e, fundamentalmente, a decadência (ou mesmo o
fim) dos postulados geopolíticos construídos na segunda metade do século XX,
principalmente no período pós-Segunda Guerra Mundial.
No caso do Irã, (em particular) que ainda não detém as ogivas e os mísseis
intercontinentais para transportá-las (mas que rapidamente pode vir a obter tal
tecnologia ou simplesmente adquiri-la da própria Coreia do Norte), a questão
é um pouco menos urgente, mas nem por isto menos importante, até porque,

Muito embora não haja dúvidas de que a Coreia do Norte vê os EUA como uma (real) ameaça
à sua existência (e, neste sentido, consciente que, para ser levada a sério, precisa de um
poder crível de dissuasão militar), resta evidente que KIM JONG-UN (ou, no mínimo, os líderes
militares daquela nação), tem plena consciência de que, por absoluta impossibilidade de
utilização das armas que vêm sendo construídas, um embargo econômico, em curto espaço de
tempo, destruiria a economia norte-coreana, fazendo sucumbir, gradativamente, o regime que
tanto deseja sobreviver.
Há, portanto, inconteste espaço de negociação, - para pôr termo à crise coreana (e para a
imperiosa administração do confronto de interesses antagônicos) -, desde que a China e a
Rússia assegurem a necessária credibilidade que, lamentavelmente, os EUA deixaram de
ostentar, mormente quando, através de suas inconsequentes ações de desestabilização do
Oriente Médio, estabeleceram uma verdadeira (e condenável) anti-pedagogia na geopolítica
global.

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Negligência Estratégica na Política Diplomática com a Coreia do Norte

de forma diversa da Coreia do Norte, o Irã possui uma grande potencialidade


econômica, a viabilizar, com muito maior facilidade (a médio e longo prazos),
suas ambições de se afirmar como uma grande potência militar, com capacidade
termonuclear23.

23 A Questão do Irã Nuclear


Para qualquer estudioso minimamente atento à dinâmica política global, não resta qualquer
dúvida razoável que indique que o Irã não está desenvolvendo um arsenal nuclear com
capacidade estratégica. Muito pelo contrário, todos os fatos indicam justamente o contrário,
porquanto este país islâmico, de nítida feição radical xiita (amplamente minoritária,
representando menos de 20% do universo islâmico), simplesmente não vislumbra outra
alternativa para a sua própria sobrevivência como grande potência que outrora foi e que aspira
voltar a ser. Não é por outra razão que seu ambicioso programa nuclear já testou e incorporou,
ao seu arsenal, Mísseis Balísticos de Alcance Intermediário (IRBM´s), como também já adquiriu,
de seus parceiros comerciais russos (antes das sanções), submarinos, movidos a diesel,
classe Kilo (SSK), com possível capacidade adaptada (em desenvolvimento) de lançar Mísseis
Balísticos ou de Cruzeiro (SLBM / SLCM´s), - a exemplo do que fez Israel com os submarinos
alemães classe Dolphin (já operacionais) -, e avança, à luz de todas as evidências, para o rápido
desenvolvimento de Mísseis Balísticos Intercontinentais (ICBM´s), com reconhecido auxílio
técnico norte-coreano, todos estes a serem futuramente dotados de ogivas nucleares.
Não se trata, portanto, da existência de dúvidas quanto às evidentes intenções belicistas
iranianas, mas, ao reverso, de quando esta nação terá todo o seu sistema estratégico-
nuclear plenamente operacional, com capacidade de atingir, inclusive, o território dos EUA
(paralisando, em estratégia nitidamente dissuasiva, o potencial militar estadunidense), e, mais
do que isto, do elevadíssimo risco dessas armas, em versões portáteis e simplificadas, caírem
em mãos de terroristas fanáticos, fomentados e orientados (direta ou indiretamente) pelas
lideranças (ou parte delas) iranianas, com consequências inimagináveis para a segurança da
sociedade americana e da própria sobrevivência futura da democracia ocidental.
Não há como deixar de reconhecer que as lideranças iranianas têm sido extremamente hábeis
em ganhar precioso tempo para o desenvolvimento de tecnologia atômica bélica, enquanto
simulam, com notável maestria, o desejo de negociar com o Ocidente um suposto e irrealista
(até porque também desnecessário) programa nuclear com fins pacíficos para a produção de
energia, eis que reconhecido possuidor, em flagrante contraposição, da segunda maior reserva
de petróleo e gás do mundo. Salta aos olhos, portanto, que detentores de fontes energéticas
baratas e praticamente inesgotáveis tenham que investir somas incalculáveis de recursos em
uma fonte energética (para exclusivo fim pacífico) tão controvertida, além de pouco eficiente e
perigosa.
É importante ressaltar que, mesmo sob intensa pressão externa, e sofrendo grandes sanções
econômicas, o Irã jamais sinalizou qualquer desejo de se curvar às propostas do Ocidente, o
que por si só seria motivo suficiente para os EUA e seus aliados iniciarem estudos em direção a
uma nova abordagem para com estas lideranças hostis. Entretanto, a miopia de Barack Obama,
à época, optou, ao reverso de todas as evidências, pela assinatura de um controvertido acordo
que reduz (porém não elimina) a almejada capacidade persa de produzir armas nucleares, ao
prever textualmente que Teerã apenas tenha que desligar (e não destruir) dois terços de suas
centrífugas que enriquecem o urânio necessário para a obtenção de um artefato nuclear e
enviar para o exterior (ou, a critério do Irã, simplesmente diluir) 98% do material já processado
(a uma perigosíssima taxa de 20% de enriquecimento) em troca de poder resgatar, quase que
de imediato, US$ 100 bilhões congelados no exterior e, em um curto prazo, poder dobrar as
suas exportações de petróleo, além de ter as sanções econômicas gradualmente levantadas,
o que permitirá aquela nação rapidamente se reerguer como importante potência regional,
desestabilizando a frágil costura geopolítica estabelecida, a duras penas, no Oriente Médio.
Como muito bem já advertia no passado recente Meir Litrak sobre o rascunho do acordo

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017 53


Reis Friede

celebrado, “(...) este se encontra distante de ser o melhor compromisso, porque os iranianos
poderão continuar a produzir urânio (...); e o problema apenas seria adiado”, ao passo que o
mesmo, sob a ótica dos reais interesses (escusos) dos Aiatolás, consoante preleciona YOSSI
Melman, “acabaria por remover qualquer justificativa para um ataque imediato aos locais
nucleares iranianos”, como, em essência, deseja Teerã.
Nesse contexto analítico, parece-nos, portanto, obrigatório concluir que o acordo celebrado ficou
muito distante daquele que, através de termos e compromissos inequívocos (e perfeitamente
comprováveis), encerrasse, em definitivo, o programa nuclear iraniano, com todas as suas
inevitáveis consequências, considerando que qualquer outro tipo de ajuste, como o que foi
celebrado, sempre permitirá um programa paralelo secreto que inevitavelmente conduzirá,
mais cedo ou mais tarde, ao desenvolvimento e à aquisição de armas nucleares por parte do
renascido Império Persa.
Com o propósito de se construir uma melhor cognição contextualizante, cumpre, ainda, destacar
pronunciamento do ex-Secretário de Defesa Robert Gates (mentor inicial da equivocada tese
de se estabelecer um acordo nuclear com o Irã), para quem “o único meio de não ter um Irã
nuclear é fazer o governo iraniano entender que sua segurança diminui ao possuir tais armas,
em vez de reforçá-la”, o que, convenhamos, é uma afirmativa surpreendente (em seu âmago), à
luz de todas as evidências, não apenas no sentido de ser esdrúxula e absolutamente incorreta,
mas, com toda certeza, totalmente desconectada com qualquer lógica argumentativa razoável
[até porque foi o próprio governo Obama que - após a celebração de um efetivo acordo que
conduziu à completa destruição de toda a infraestrutura líbia destinada à construção futura
de um arsenal nuclear - incentivou e auxiliou militarmente a derrubada do regime de Muamar
Kadafi.
É por demais evidente que as lideranças iranianas, infladas de extremistas (ou simpatizantes),
sabem muito bem que, ao contrário desta percepção ingênua, o peso relativo (e a própria
estabilidade política) do regime xiita (e seu correspondente prestígio regional e mesmo
internacional) aumentará imensamente com a posse de armas termonucleares e seus
respectivos meios de lançamento estratégicos.
Pensar de modo diverso, expressa não somente uma autêntica e preocupante dissonância
cognitiva, como ainda materializa um absurdo hiato entre o desejo projetativo e a realidade
observável, posto que não há qualquer divergência significativa, entre os mais sérios e
respeitados especialistas em segurança internacional, no sentido de que a única forma efetiva
de não ter um Irã nuclear é impedir, - inclusive, se necessário, com o emprego do poderio
militar aeroespacial norte-americano -, que este País obtenha tais armas.
O acordo obtido e tão festejado pela miopia cegante de Barack Obama chega a beirar o
absurdo do inacreditável, uma vez que não prevê sequer a destruição da infraestrutura
construída clandestinamente, o que permitirá ao Irã, em 10 anos, se cumprir os exatos termos
do ajuste, ou em muito menos tempo, se o fizer ao arrepio dos seus termos, a obtenção da
bomba atômica. E, pior, os recursos econômicos para tanto (que outrora inexistiam) vão ser
liberados, segundo os termos do pacto celebrado, imediatamente.
Ainda que muitos autores, como Siegfried Hecker (Universidade de Stanford), continuem a
defender que o acordo celebrado tenha sido “um avanço imenso” ao prever (ainda que com
comprovação, no mínimo, duvidosa) que o Irã deixe de produzir plutônio, um subproduto do
urânio empregado em mais de 95% das cerca de 15.000 ogivas nucleares ainda existentes
no planeta e que é muito mais barato e fácil de fabricar em relação ao urânio (cujo processo
de purificação para o uso bélico é extremamente difícil e dispendioso), resta importante
esclarecer, todavia, que o Irã, pelos termos do acordo, apenas aceitou refazer o projeto do
Complexo de Arak, originalmente destinado a produzir plutônio, limitando, na prática, a
produção deste material em quantidades não mais suficientes para produzir, a curto prazo,
um artefato nuclear; porém, não sepultou, por completo, tal objetivo, deixando, como bem
reconheceu o próprio autor, “esta opção em aberto para o futuro” (Folha de São Paulo,
19/09/2015, p. 5).

54 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017


Negligência Estratégica na Política Diplomática com a Coreia do Norte

Vale lembrar, por oportuno, que na exata medida em que as premissas


da estrutura institucional, liderada pelos Estados Unidos, depois da Segunda
Guerra Mundial, para promover a cooperação internacional em diversos temas e,
sobretudo, na questão da segurança internacional, foram desqualificadas, criando,
em certa medida, um relativo vazio na liderança do chamado Mundo Ocidental,
seria razoável supor que potências regionais, - independentemente de suas alianças
formais com Washington -, natural e gradativamente, substituíssem os EUA (na
defesa de seus próprios interesses, no que concerne às importantíssimas questões
de segurança que lhe são absolutamente fundamentais), construindo soluções
próprias, com a utilização de seus próprios meios e recursos, inclusive forjando
alianças (eventuais e de oportunidade, ou mesmo definitivas) com outras nações
identificadas entre si através dos mesmos reptos concernentes à segurança global
ou (mesmo) regional24.
É o caso do Japão e da Coreia do Sul (respectivamente a terceira e a décima
primeira potências econômicas do mundo), na hipótese do desafio norte-coreano;
e, de forma mais enfática, o caso de Israel25 e da Arábia Saudita (incluindo todos os

Por outro lado, muito embora o cerne do acordo, segundo o ex-Presidente Barack Obama,
tenha sido a verificação e não a confiança, o texto de Viena estabelece que uma comissão
conjunta (e não a AIEA) deve analisar os pedidos de visita às instalações mais sensíveis, e que o
prazo de análise (para eventual e posterior aprovação) deverá ter duração de 24 dias. Só então
serão abertas as portas para os inspetores da AIEA, o que, como bem adverte David Miller
(ex-assessor do Departamento de Estado/EUA) “é tempo suficiente para realizar manobras
suspeitas e ocultar rastros” (Veja, 22/7/15, p. 65).
Não obstante seja cediço reconhecer que todo erro de política externa norte-americana
enseje, tenha ensejado e venha a ensejar consequências irreversíveis para esta nação, - não
somente em termos de projeção do poderio militar, mas também (e fundamentalmente) de
credibilidade política frente à Comunidade Internacional -, cumpre destacar, neste diapasão
analítico, que ter errado no Iraque (em que se acreditou, em 2003, equivocadamente existirem
armas de destruição em massa com potencial nuclear), - mesmo com o preço da perda de
quase 5.000 soldados -, foi (e continua sendo) muito menos gravoso do que ter errado, alguns
anos antes (1998), no muçulmano e instável Paquistão (onde absolutamente nada se fez
para impedir o acesso à tecnologia e a incorporação, em seus arsenais, de mísseis balísticos
dotados de ogivas nucleares, com graves riscos de serem os mesmos, direta ou indiretamente,
desviados para os mais diversos “terroristas de plantão”) e, mais recentemente, na Coreia do
Norte (2006), caracterizando a grave crise (e a verdadeira encruzilhada) que o governo Donald
Trump se vê envolvido.
24 A Ascensão Autônoma das Potências Regionais Aliadas a Washington
Embora surpreendentemente tal fato não tenha ocorrido, por reconhecida “negligência
benigna” dos aliados estadunidenses que continuam a confiar, muitas vezes por conveniência
econômica, na decadente liderança norte-americana, a ascensão autônoma das potências
regionais, - Japão e Coreia do Sul, no Extremo Oriente; e Arábia Saudita, Egito e EAU, no
Oriente Médio -, é uma realidade (presumível) que, na ausência de uma radical mudança na
política externa norte-americana, acabará se materializando, mais cedo ou mais tarde, no
horizonte geopolítico da primeira metade do século XXI.
25 O Equívoco de Israel
Israel, muito provavelmente, cometeu um dos mais graves erros de avaliação estratégica, no
que concerne à denominada questão do Irã: confiou e, em uma decisão reconhecidamente

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017 55


Reis Friede

pouco refletida, simplesmente, delegou a solução de um problema vital para sua segurança (e
para o destino do Oriente Médio) ao (cambaleante) aliado estadunidense.
Se por um lado, nunca houve dúvidas razoáveis sobre a evidente intenção belicista do Irã, por
outro não há, a esta altura, qualquer dúvida, séria e isenta, que não aponte a inevitabilidade
do ingresso do Irã no seleto grupo de nações dotadas de armas nucleares, inclusive com
capacidade estratégica, uma vez que é de amplo conhecimento o desenvolvimento, por este
país, de um Míssil Balístico Intercontinental – ICBM.
Vale lembrar, por oportuno, que o próprio Comandante da Guarda Revolucionária Iraniana,
Gen. Massoud Jazayeri, - em crescente prestígio na hierarquia política da sociedade persa
-, tem afirmado textualmente que o Irã possui um plano de dissuasão estratégica “que
deixaria o inimigo arrependido se lançasse um ataque contra o país”, tendo sido um dos
principais responsáveis e incentivadores do desenvolvimento de mísseis de defesa e ataque
(particularmente, os sistemas recentemente instalados no Estreito de Ormuz), destacando-
se, inclusive, como um dos protagonistas no apoio à celebração de um acordo com o
Zimbábue para o fornecimento de urânio in natura para o enriquecimento projetado a 90%,
necessário para a construção de armas nucleares. Dentro deste mesmo contexto analítico,
o Gen. James Cartwright, segundo na hierarquia do Estado-Maior das Forças Armadas
estadunidenses, revelou recentemente ao Congresso Nacional Americano que em no máximo
três anos o Irã possuirá, de forma plenamente operacional, Mísseis Balísticos de Alcance
Intermediário (IRBMs), capazes de atingir Israel e, em no máximo cinco anos Mísseis Balísticos
Intercontinentais (ICBMs), capazes de atingir os EUA, ambos dotados de ogivas nucleares
(o Irã já possui IRBM’s operacionais com ogivas convencionais), considerando o alcance da
reconhecida assistência técnica norte-coreana (no que concerne à transferência de tecnologia
dos vetores e design de ogivas) e o indireto auxílio russo na área de transferência de tecnologia
nuclear (finalisticamente para funções pacíficas), habitualmente desviado para fins militares
pela liderança política iraniana. Aliás, no que concerne especificamente à Rússia, vale registrar
que este País mantém, em relação ao Irã, uma política, no mínimo ambígua. Ao mesmo
tempo que não deseja desencadear uma corrida armamentista no Oriente Médio e armar um
País com um “radicalismo islâmico contagiante” que poderia, em futuro não muito distante,
causar-lhes sérios problemas em suas regiões de população muçulmana (ex vi: Chechênia),
por outro lado, igualmente, deseja preservar os expressivos lucros com as vendas de armas
sofisticadas (e tecnologia nuclear: ressalte-se, por oportuno, que somente a Usina de Bushehr,
no Golfo Pérsico, injetou nos cofres russos US$ 1 bilhão) que tanto têm preocupado os EUA,
como os moderníssimos mísseis terra-ar (SAM)S-300, - que, desde 2005, tiveram suas entregas
adiadas sucessivas vezes por pressões americanas -, e que com toda a certeza, dificultariam,
sobremaneira, um ataque aéreo preventivo israelense ou mesmo estadunidense].
O conhecido resultado (pífio) da tão propalada Cúpula de Líderes em Washington sobre
Segurança Nuclear, ocorrida em 2010, neste sentido, não somente comprovou a absoluta
ingenuidade do ex-presidente Barack Obama,- como, aliás, bem asseverou o próprio Mahmoud
Ahmadinejad -, mas, igualmente a reconhecida aposta equivocada de Israel em confiar
incondicionalmente no aliado norte-americano e em sua (suposta e continuada) disposição de
desempenhar a função de garantidor do status quo e, consequentemente, da paz mundial e,
em particular, do Oriente Médio.
Aliás, em uma rápida análise, constata-se, com relativa facilidade, que os EUA nunca se
qualificaram propriamente na condição de um aliado histórico incondicional de Israel,
conforme tanto se divulga aos quatro ventos. Muito pelo contrário, em todas as situações
em que a sobrevivência do Estado judeu esteve efetivamente em jogo, foi o heroísmo de seu
próprio povo, - e sua admirável e indeclinável determinação -, mais do que qualquer outro
motivo, que fizeram prevalecer os interesses hebreus.
Poder-se-ia argumentar, em contraposição crítica, que foi o (suposto) apoio decisivo do Pres.
Richard Nixon que permitiu a vitória militar de Israel na Guerra de Yom Kipur, em outubro
de 1973. Porém, tal fato (incontestável para muitos) está longe de corresponder a absoluta

56 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017


Negligência Estratégica na Política Diplomática com a Coreia do Norte

verdade. Diferentemente da história “oficial”, Israel encontrava-se, em grande medida, sozinho


em 1973, como também encontrava-se, em idêntica posição, na Guerra dos Seis Dias (1967) e,
posteriormente, na chamada Guerra de Desgaste (1969-72). Tanto tal fato é verdadeiro que,
logo após o confronto de 1967, reconhecidamente isolado (e condenado pela Comunidade
Internacional por ter tomado a iniciativa do ataque preventivo), Israel tratou de buscar e
desenvolver, - utilizando todos os meios disponíveis -, tecnologia nuclear bélica dissuasiva, o
que logrou obter, inicialmente no final da década de 60 e, de forma plena, em 1972.
Oportuno esclarecer, em necessária adição argumentativa, que, em verdade, Israel não
buscou somente a necessária obtenção de tecnologia nuclear, mas também desenvolver uma
completa e sofisticada indústria bélica que lhe assegurasse plena independência das oscilantes
disposições de seus supostos aliados ocidentais em suprir, sem restrições e de imediato, as
suas necessidades militares. O obscuro episódio, no que concerne ao acesso e incorporação
de explosivos atômicos, - segundo as informações mais confiáveis disponíveis (e documentos
secretos americanos, recentemente tornados públicos) -, envolveu, dentre outras manobras
espetaculares e altamente sigilosas, o “desvio” de um carregamento de urânio enriquecido
suíço, além de aquisições secretas de material sensível na Noruega e em outros países, para
o complexo nuclear de Dimona (usina de tecnologia francesa, – presenteada pelos mesmos
em agradecimento à participação judia no episódio da Guerra de Suez de 1956 -, que foi o
princípio norteador do acelerado desenvolvimento da tecnologia nuclear bélica de Israel,
coordenada, mais tarde, por Shimon Peres) que permitiu, por fim, a obtenção de artefatos
atômicos plenamente operacionais em 1972, não obstante a primeira e única explosão
nuclear (teste atômico) israelense somente ter ocorrido em 22 de setembro de 1979 sobre
uma plataforma oceânica ao norte da Antártida, com auxílio técnico da África do Sul. Já, no
que alude aos vetores aeronáuticos, o serviço secreto de Israel, em uma audaciosa operação,
logrou obter, no final da década de 60, parte do projeto de desenvolvimento do caça francês
Mirage III, fabricado, à época, sob licença na Suíça, o que lhe permitiu, através do emprego
combinado de técnicas de engenharia reversa o desenvolvimento do caça Dagger (versão
produzida através da engenharia reversa, do Mirage V) e, particularmente, do caça Kfir, versão
aperfeiçoada (e até mesmo tecnologicamente superior) do Mirage V (comprado por Israel em
1969 de terceiros países, e renomeado Nescher quando passou a ser construído localmente e
exportado para a África do Sul e Argentina com a designação de Dagger), utilizando o motor
americano GE J-79 do caça F4E Phantom II que Israel possuía a título de estoque de reposição.
Sobre a guerra de Yom Kipur, vale esclarecer que, de fato, o que realmente ocorreu, na 1ª
semana do conflito de 1973, foi que, surpreendido com a magnitude do ataque árabe, Israel
não tinha mais como repor as enormes perdas de equipamentos nos primeiros dias de
combate e, - literalmente -, Golda Meir, assessorado por Moshe Dayan, explicou firmemente
ao Secretário de Estado americano HENRY KISSINGER que não vacilaria em utilizar as bombas
nucleares táticas de que dispunham, armadas em seus A-4 Skyhawk e F-4E Phantom II (em
permanente patrulha aérea de alerta), contra os árabes, na situação-limite que se afigurava
no horizonte, obrigando aos EUA a estabelecerem uma das maiores pontes aéreas do mundo
para rapidamente rearmar o Estado Judeu, inclusive enviando-lhe a mais alta tecnologia
militar convencional disponível à época, o que foi decisivo para a reversão de uma possível
derrota israelense e, consequentemente, para a vitória final na contenda (em essência, os
norte-americanos procuraram prover Israel de um expressivo número de caças F-4E Phantom
II, aviões de ataque A-4 SkyHawk e helicópteros CH-53 Sea Stallion, além dos mais modernos
equipamentos de defesa eletrônica, objetivando não somente anular a surpresa tecnológica
dos mísseis anti-aéreos SA-6 Gainful, fornecido pelos soviéticos aos árabes, mas, sobretudo,
permitir a necessária reposição das expressivas perdas israelenses nos primeiros dias de
combate).
Portanto, nunca foi aconselhável em toda a história de lutas do Estado Judeu (e de tantas
outras nações aliadas), - para dizer o mínimo -, confiar cegamente no aliado estadunidense
em assuntos de segurança nacional, e, da mesma forma que no passado (quando foram as

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017 57


Reis Friede

ações isoladas de Israel, em 1981, que pôs termo às ambições nucleares de Sadam Hussein
e, mais recentemente, em 2007, às idênticas intenções Sírias), mais uma vez não era e nunca
foi sensato “delegar” uma missão que deveria ter sido desempenhada através de uma ação
liderada por Israel (que contaria com importantes alianças de conveniência com os Estados
Sunitas do Golfo Pérsico e, em particular, com o apoio da Arábia Saudita), - especificamente
no caso do Império Persa, imediatamente quando a mesma se apresentou como um desafio
real (e o Irã ainda não havia se preparado tão efetivamente suas defesas) -, não obstante todas
as dificuldades operacionais (distância geográfica, complexidade e dispersão de alvos, entre
outras) que a empreitada sempre sinalizou existir.
É importante frisar que, muito embora Israel não possua bombardeiros estratégicos,
em seu inventário, a FAI dispõe, em seus arsenais, de versões especializadas dos caças-
bombardeiros F-15E Strike Eagle e dos caças táticos F-16D (Block 50/52) Fighting Falcon,
nomeados, respectivamente, F-15I Ra’am (Trovão), - dotados com equipamentos de ataque
estratégico, tais como o radar AN/APG-70 com capacidade de mapeamento de terreno; suíte
de avionics para guerra eletrônica, produzida pela indústria israelense, SPS-21100; maior
peso de decolagem e alcance ampliado (4.450km) e com capacidade de transportar 11 ton
de armamento -, e F-16I Sufa (Tempestade), - baseado no F-16ES – Enhanced Strategic e
também equipado com radar com capacidade de mapeamento do terreno (AN/APG-68); suíte
de avionics israelense com possibilidade de lançamento de mísseis de longo alcance (stand-
off) e alcance ampliado (4.200km) -, ambos dotados de capacidade de reabastecimento em
vôo e desdobrados em 127 unidades (102 F-16I e 25 F-15I), sendo certo que, além desses
importantes vetores aeronáuticos, sabidamente Israel dispõe de VANT’S de longo alcance (mais
de 7.000km), como o IAI Heron TP (Eitan), com capacidade de transportar até 1 ton, que, não
obstante, possuir como função primária missões de inteligência, vigilância e reconhecimento,
poderiam ser rapidamente adaptados para missões de ataque, além de Mísseis Balísticos
de Alcance Intermediário (IRBM’s) Jericho II (inclusive dotados de ogivas nucleares) que
poderiam, - utilizando ogivas convencionais de alto explosivo -, com sistemas de guiagem com
precisão CEP (Circular Error Propality) inferior a 30 metros, atingir as instalações nucleares
iranianas. Também, é de amplo conhecimento que Israel adquiriu, da Alemanha, Submarinos
classe Dolphin com capacidade (adaptada) de lançamento de Mísseis Balísticos ou de Cruzeiro
(SLBM/SLCM’s), que ampliaram, sobremaneira, a capacidade estratégico-militar de Tel Aviv.
Não obstante, todo este reconhecido potencial militar, e ainda que a destruição dos principais
locais nucleares iranianos conhecidos, - a instalação de água pesada de Arak e as fábricas de
enriquecimento de urânio em NATANZ (semelhante ao complexo sírio de Al Kibar) e em QOM
(esta última ocultada da AIEA) -, sempre tenha se constituído em uma empreitada altamente
complexa, na atualidade parece-nos, todavia, uma tarefa simplesmente impraticável,
considerando não somente o desdobramento de sofisticados mísseis de defesa aérea (SAM) e
de uma sofisticada rede complementar de meios anti-aéreos, como, particularmente, o fato de
que toda a operação necessita da permissão de sobrevôo sobre território iraquiano (em função
da imprescindibilidade do uso, sobretudo, dos caças-bombardeiros F-15I e, ainda, dos F-16I),
hoje sob jurisdição autorizativa de Washington, um improvável defensor de uma ação militar
conjunta ou mesmo isolada de Israel contra o Irã. Também, em necessária adição, convém
ainda lembrar que o Irã se constitui, nos dias atuais, em uma reconhecida “Potência Balística”,
- em decorrência do desdobramento dos diversos Mísseis Balísticos de Alcance Intermediário
(IRBM’s) dotados de ogivas convencionais e químicas -, com efetiva capacidade de atingir, com
precisão, alvos estratégicos israelenses (inclusive instalações nucleares), caracterizando, no
cenário do Oriente Médio, uma autêntica força dissuasiva que, por si só, impediria qualquer
ação militar israelense.
“Sabem que o Irã se tornou uma potência balística (...) sabem que se lançarem um míssil
contra o Irã, os mísseis iranianos vão cair no centro de Tel Aviv.” Motjaba Zolnur [Adjunto
do Representante na Guarda Revolucionária do Líder Supremo do Irã, Aiatolá Ali Khamenei
(France Press – 06/04/2010)].

58 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017


Negligência Estratégica na Política Diplomática com a Coreia do Norte

demais países do Golfo Pérsico, além, em parte, do próprio Egito), na questão da


ameaça nuclear iraniana.
Por efeito consequente, o dilema que supostamente se apresenta (e que,
ao que tudo indica, tem paralisado as ações estadunidenses e, especialmente, seu
gigantesco poderio militar) não pode ingenuamente incluir, no presente momento, a
hipótese de não agir, mas apenas (e restritivamente) a de como agir, seguindo, neste
sentido, e sem mais espaços para a presença de verdadeiras dissonâncias cognitivas,
os importantes, - e sempre atuais -, mandamentos do Gen. George Patton, para quem
“a passividade sempre foi, ao longo da história, uma prescrição para a derrota”.

REFERÊNCIAS

DALLEK, Robert Nixon e Kissinger: parceiros no poder. Rio de Janeiro: Zahar, 2009,


160p.

FONTDEGLÓRIA, Xavier. Estados Unidos ameaçam Coréia do Norte com uma


“resposta militar massiva”. El País, set. 2017. Seção Internacional. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/03/internacional/1504412077_373562.
html>. Acesso em: 18 set. 2017.

__________. Análise: a fórmula para frear Kim Jong-un. O Globo. Rio de Janeiro: set.
2017. Seção Mundo. Disponível em:  <https://oglobo.globo.com/mundo/analise-
formula-para-frear-kim-jong-un-21781362>. Acesso em: 18 set. 2017.

Sobre a neutralização da Síria, em especial, vale registrar que a denominada Operação


Orchard foi executada pela Força Aérea de Israel (FAI), em 6 de setembro de 2007, através
do emprego de sete caças-bombardeiros Boeing F-15I Ra’am (Trovão), - versão modificada da
F-15E Stricke Eagle estadunidense -, contra o complexo de Al Kibar, um prédio de concreto
(de aproximadamente 47m de largura de cada lado e 24m de altura), situado próximo ao
rio Eufrates, que o Mossad (serviço de inteligência israelense) constatou abrigar um reator
nuclear, possivelmente construído pelos norte-coreanos.
A decisão de atacar ocorreu imediatamente após a chegada do navio cargueiro Al Hamed a um
porto sírio, supostamente transportando urânio da Coreia do Norte, que seria utilizado pelo
mencionado reator, - especuladamente semelhante (em função da similaridade dimensional
do abrigo fortificado) ao reator norte-coreano de Yongbyon de 20MW, com capacidade,
comprovada de produzir material físsil para uma bomba nuclear a cada dois anos -, que
encontrava-se (de igual forma ao reator iraquiano de Osirak destruído por Israel em 1981)
oculto em prédios enterrados a cinco metros de profundidade.
É de se acrescentar, por oportuno, que a operação em questão foi amplamente facilitada
em decorrência da ausência de defesas anti-aéreas sírias (uma vez que optou-se in casu por
ocultar o núcleo do reator e os trocadores de calor dentro de uma caixa de concreto que
poderia parecer uma instalação de menor importância) e da prévia destruição da estação de
radar síria, situada nos arredores de Tel al-Abuad (próximo à fronteira com a Turquia), que
impediu a detecção das aeronaves israelenses.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017 59


Reis Friede

OSWALD, Vivian. Guerra seria desastrosa para as duas Coreias e o Japão, dizem
especialistas. O Globo. Rio de Janeiro: ago. 2017. Seção Mundo. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/mundo/guerra-seria-desastrosa-para-as-duas-coreias-
o-japao-dizem-especialistas-21700687>. Acesso em: 18 set. 2017.

TRUMP coloca China contra a parede por resolução de crise com a Coréia. O Globo.
Rio de Janeiro: ago. 2017. Seção Mundo. Disponível em: <https://oglobo.globo.
com/mundo/trump-coloca-china-contra-parede-por-resolucao-de-crise-com-
coreia-21693444>. Acesso em: 18 set. 2017.

Recebido em: 12 jul. 2017


Aprovado em: 20 set. 2017

60 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 37-60, maio/ago. 2017


Paradigma Tecnológico e Guerra: A Importância da Inovação Para o Poder de Combate

PARADIGMA TECNOLÓGICO E GUERRA: A IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO PARA O


PODER DE COMBATE

Vinícius Damasceno do Nascimento*


João Marcelo Dalla Costa**

RESUMO
Este trabalho aborda a inovação tecnológica sob uma perspectiva de geração de
poder de combate para o uso da força pelo Estado. Na evolução das guerras é
possível identificar numerosos paradigmas tecnológicos, o que indica o aumento das
inovações bélicas para obter uma vantagem sobre os demais atores envolvidos nos
conflitos. Assim, o presente trabalho propõe-se a realizar uma revisão bibliográfica
para compreender o atual paradigma tecnológico militar e a importância da
inovação tecnológica no setor. O estudo investiga os primórdios das guerras e sua
relação com a evolução tecnológica, traçando um processo incremental até o século
XXI e, portanto, dedica atenção especial aos termos e conceitos relacionados à
tecnologia e à inovação. Com isso, espera-se contribuir com o ambiente acadêmico,
especificamente com as Ciências Política e Militar, ao ampliar a compreensão do
fenômeno guerra, incluindo na discussão perspectiva da inovação, da ciência e da
tecnologia.
Palavras-chave: paradigma, tecnologia, guerra, inovação, poder.
____________________
* Doutorando em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército, Mestre
em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército Brasileiro,
MBA em Gerência de Sistemas Logísticos pela Universidade Federal do Paraná, Especialista em
Bases Geo-Histórica para a Formulação Estratégica pela Escola de Comando e Estado Maior do
Exército, Direito Administrativo Aplicado pela Faculdade Dom Bosco e Instituto Romeu Felipe
Bacellar e Direito Militar pela Universidade Gama Filho. É Oficial do Serviço de Intendência do
Exército Brasileiro, possuindo 15 anos de experiência em gestão pública, com atuação nas áreas
de finanças, auditoria e logística. Atualmente desenvolve pesquisas nas áreas de Gestão de
Defesa e Estudos da Paz e da Guerra no Programa de Pós-Graduação em Ciências Militares da
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro (ECEME) – Rio de Janeiro, RJ.Contato:
<damasceno_int2000@hotmail.com>
** Pós-Doutor em Relações Internacionais, pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro, Doutor em Ciência Política pela Universidade de Tübingen/Alemanha; Mestre em
Ciência Política, pela Universidade Federal Fluminense; MBA em Estratégias de Negociações
Internacionais, pela Universidade Cândido Mendes; e Bacharel em Relações Internacionais,
pela Universidade Estácio de Sá. É professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação
em Ciências Militares do Instituto Meira Mattos, da Escola de Comando e Estado-Maior do
Exército, com experiência de pesquisa nas áreas de Segurança Internacional e Assuntos Militares,
Prevenção de Conflitos Internacionais, e de consultoria empresarial na Alemanha. Contato:
<jmdallacosta@hotmail.com>

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 61-74,maio/ago. 2017 61


Vinícius Damasceno do Nascimento / João Marcelo Dalla Costa

TECHNOLOGICAL PARADIGM AND WAR: THE IMPORTANCE OF INNOVATION FOR


COMBAT POWER

ABSTRACT
This paper approaches technological innovation from a perspective of
generating combat power for the use of force by the State. In the evolution
of wars it is possible to identify numerous technological paradigms, which
indicates the increase of the war like innovations to obtain an advantage
over the others actors involved in the conflicts. In tem way, the present work
intends to carry out a bibliographical review to understand the current military
technological paradigm and the importance of technological innovation in the
Sector. The study investigates the beginnings of wars and their relationship
with technological evolution, tracing an incremental process until the 21st
century and, therefore, gives special attention to terms and concepts related to
technology and innovation. With this, it is hoped to contribute to the academic
environment, specifically with the Political and Military Sciences, by broadening
the understanding of the war phenomenon, including in the discussion the
perspective of innovation, science and technology.
Keywords: Paradigm. Technology. War. Innovation. Power.

PARADIGMA TECNOLÓGICO Y GUERRA: LA IMPORTANCIA DE LA INNOVACIÓN


PARA EL PODER DE COMBATE

RESUMEN
Este trabajo aborda la innovación tecnológica desde una perspectiva de
generación de poder de combate para el uso de la fuerza por el Estado. En
la evolución de las guerras es posible identificar numerosos paradigmas
tecnológicos, lo que indica el aumento de las innovaciones bélicas para obtener
una ventaja sobre los demás actores involucrados em los conflictos. Así, el
presente trabajo se propone realizar una revisión bibliográfica para entender
el paradigma tecnológico militar actual y la importancia de la innovación
tecnológica em el Sector. El estudio investiga los inicios de las guerras y sur
elación com la evolución tecnológica, trazando um proceso incremental
hasta el siglo XXI y, por lo tanto, da especial atención a términos y conceptos
relacionados com la tecnología y la innovación. Conello, se espera contribuir
con el ambiente académico, específicamente con las Ciencias Política y Militar,
al ampliar la comprensión del fenómeno de la guerra, incluyendo en la discusión
la perspectiva de la innovación, la ciencia y la tecnología.
Palabras clave: Paradigma. Tecnología. Guerra. Innovación. Poder.

62 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 61-74, maio/ago. 2017


Paradigma Tecnológico e Guerra: A Importância da Inovação Para o Poder de Combate

1 INTRODUÇÃO

Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) são termos que estão diretamente


relacionados com o poder militar de uma nação. Por exemplo, o Brasil tem
despendido esforços no sentido de modernizar seu Exército, com sua Concepção
de Transformação, para levar a Força Terrestre de uma Era Industrial para a Era do
Conhecimento, mantendo-se capaz de enfrentar as ameaças do século XXI (BRASIL,
2013).
Manter a trajetória histórica do sucesso nem sempre é a melhor decisão,
sendo algumas vezes necessário inovar. Com isso, advoga-se em favor da fuga da
curva de “Gauss” e buscam-se os extremos (outliers), o desconhecido e o improvável,
onde o risco é impactante e a sua previsibilidade permite ações defensivas. Esta
conduta é aventada em função do progresso e da expansão do conhecimento, onde
a prospecção de cenários futuros é tarefa árdua e incerta, razão pela qual se deve ter
a mente aberta para as oportunidades e os riscos potenciais das crises que surgirem
(TALEB, 2015; FREITAS, 2013). Esta mentalidade não é restrita ao mundo corporativo,
sendo válida também para o Setor de Defesa, requerendo inovações em tecnologia
militar, o que exige gastos cada vez maiores em pesquisa e desenvolvimento de
novos Produtos de Defesa (PRODE) (CORRÊA; BONDARCZUK, 2015).
Em contrapartida, os Estados têm imposto frequentes restrições
orçamentárias às Forças Armadas nacionais, como resultado de crises políticas e
econômicas internas, dos reflexos de crises externas, bem como da incapacidade
estrutural de responder à competitividade do mercado globalizado (PACHECO,
1996). Com isso, o Setor de Defesa tem enfrentado desafios crescentes para manter
e até elevar seus níveis de desempenho com menos recursos (NAVARRO-GALLERA
et al, 2013). Desta feita, consolidar a base teórica sobre a inovação tecnológica
militar torna-se elemento indispensável para a eficiente modernização de uma
Força Armada e para se obter o poder de combate desejado pela Nação, sendo este
o objeto do presente trabalho.
O objetivo a que se pretende atingir ao final deste trabalho é compreender
o atual paradigma tecnológico militar e a importância da inovação tecnológica no
Setor de Defesa para a formulação do poder de combate de uma Nação.
Justifica-se este trabalho, pois o nível de CT&I que uma nação possui
influencia consideravelmente na forma deste Estado fazer guerra (KEELEY, 2011);
e projetos desta natureza possuem custos que devem ser mensurados. Ainda, não
tem como se negligenciar este tema, pois nas palavras de Sun Tzu: “A guerra tem
importância crucial para o Estado… Dela depende a conservação ou a ruína do
império.” (TZU, 2006, p. 12).
Posto isso, a metodologia empregada neste trabalho envolve a realização
de uma revisão crítica de literatura a fim de identificar o atual estado da arte e
consolidar o conhecimento existente. Como base bibliográfica, serão empregados

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 61-74,maio/ago. 2017 63


Vinícius Damasceno do Nascimento / João Marcelo Dalla Costa

artigos sobre o assunto e disponíveis nos principais provedores científicos na


internet, com destaque para Google Acadêmico, SciElo e Science Direct.
Por fim, este trabalho foi organizado da seguinte forma: na seção 2 serão
definidos termos essenciais; e na seção 3 será abordada a relação entre o paradigma
tecnológico e a guerra.

2 CONCEITOS ESSENCIAIS

Ao se tratar de paradigma tecnológico depara-se com a dificuldade em se


definir e diferenciar os termos: ciência, tecnologia e inovação. Desta forma, a seguir
serão apresentados esses conceitos a fim de permitir uma melhor compreensão da
importância da inovação no campo militar.
O processo de desenvolvimento de produtos envolve não apenas ciência,
mas também arte. O processo científico que antecede o surgimento de novos
produtos, por vezes pode não ocorrer, sendo apenas uma descoberta ao acaso, ou
uma aquisição de tecnologia (transferência). Ainda, a transferência de tecnologia
pode ocorrer sem a transferência de conhecimento, ou seja, sabe-se como fazer,
mas sem saber o porquê se faz (SENHORAS et al, 2007).
A tecnologia, em uma abordagem mais econômica, pode ser compreendida
como um fator de produção, tal como o capital, o trabalho e as matérias-primas.
Contudo, também pode ser vista como mercadoria, um bem econômico. Desta
forma, como um bem econômico pode ser transacionado de diversas formas, quer
seja legal ou ilegalmente: compra, venda, sonegação, cópia, falsificação, roubo e
contrabando. Assim, poderá ser valorada e devidamente precificada, com algumas
características específicas: é indivisível, é intangível, em geral são interdependentes
e de alto valor agregado, podendo ser incorporada ou não a bens e serviços, ou
seja, implícitas e explícitas, respectivamente (LONGO, 1987).
Para que a tecnologia possa ser usada, não basta existir, ela tem que ser
viável comercialmente, sob um ponto de vista econômico. Torna-se necessário,
também, em uma abordagem mais social, adequar-se às pessoas e aos processos
das instituições, agregando o máximo valor em sua aplicação. Com isso, a gestão
da informação tecnológica cresce de importância, ciente de que o conhecimento
das pessoas é o recurso mais valioso de uma organização, quer seja inovando
pela criação de conhecimentos, ou compartilhando o conhecimento, ou usando o
conhecimento e o tornando efetivo pela prática fomentada pelo compartilhamento
de informações (NHS, 2005).
Com a intenção de compreender a relação entre os conceitos, creio que Longo
é mais integrativo e claro. Assim, distingue ciência de tecnologia e as define como
a seguir exposto: “Ciência é o conjunto organizado dos conhecimentos relativos ao
universo, envolvendo seus fenômenos naturais, ambientais e comportamentais”,
podendo ser dita pura, quando não visa a objetivos práticos, e aplicada, quando

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Paradigma Tecnológico e Guerra: A Importância da Inovação Para o Poder de Combate

busca consequências determinadas. Enquanto, tecnologia é “o conjunto organizado


de todos os conhecimentos científicos, empíricos ou intuitivos empregados na
produção e comercialização de bens e serviços”. Ainda, faz distinção entre o saber
fazer (knowhow) e o porquê fazer (knowwhy), onde defende ser o primeiro a simples
técnica – a instrução, e o segundo a tecnologia – os conhecimentos, sendo tal
diferenciação relevante para compreender nuances da transferência de tecnologia.
Nesta senda, o processo de transferência de tecnologia pode envolver compra e
venda, ou aluguel, podendo entregar apenas as instruções do como fazer, sem a
transmutação do domínio da tecnologia, ou seja, sem passar os conhecimentos que
a geraram, que envolvem p motivo do fazer. Ainda, explica a inovação como uma
“solução de um problema tecnológico compreendendo a introdução de um novo
produto ou processo no mercado em escala comercial”, podendo ser incrementais
melhorando produtos e processos já existentes sem alteração da essência, e de
ruptura, representando saltos tecnológicos (LONGO, 2004, s.n.).
A confusão que se faz entre ciência e tecnologia é decorrente da primeira
ser fruto de uma metodologia de produção de conhecimento, enquanto a segunda
pode ser decorrente não apenas da ciência, mas também do empirismo e da
intuição. Historicamente, os dois conceitos caminharam em paralelo, podendo
ser identificados três estágios distintos: (i) o primeiro período iniciou-se com
o desenvolvimento da Ciência a partir da Renascença italiana e da Revolução
Científica, no início do século XVII na Europa, alcançando sua máxima expressão no
século VIII, com o “método científico” de Galileu (1564-1642) e institucionalizou-se
com a Revolução Industrial, ficando a tecnologia de produção restrita à manufatura;
(ii) o período seguinte abrange da Revolução Industrial até a Segunda Guerra
Mundial, tendo como marco inicial a Revolução Tecnológica inglesa a partir de
1740, introduzindo a máquina no processo produtivo, inicialmente movida a carvão
e depois a eletricidade e empregando inicialmente o ferro e depois o aço; tal estágio
é caracterizado pelo surgimento do paradigma industrial, destacando-se as funções
criar e inovar a partir da função produzir, comum à manufatura, bem como pela
aplicação da ciência para fins econômicos, não se limitando ao fim intelectual do
estágio anterior; e (iii) o terceiro período é identificável a partir da Segunda Guerra
Mundial, estendendo-se até a atualidade, quando a preocupação com ciência
e tecnologia passa de secundária e periférica para a de primordial, sendo parte
fundamental do Poder Nacional. Nesta evolução histórica, verifica-se a tendência de
vigorarem tecnologias originárias, não mais limitadas ao empirismo ou à intuição,
sendo resultado da produção científica aplicada (LONGO, 1989).
Desta forma, a partir da inovação pode-se obter um PRODE, sendo este um
tipo de produto que possui características próprias. Uma delas é que o mercado
de PRODE é extremamente restrito, pois os referidos produtos são normalmente
comprados a partir de uma única fonte. Outra questão está relacionada com os
serviços essenciais a uma indústria de defesa, onde nem sempre a firma tem

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Vinícius Damasceno do Nascimento / João Marcelo Dalla Costa

capacidade de prestar todos os serviços necessários, devendo, muitas vezes,


subcontratá-los. Ainda, os investimentos governamentais no Setor de Defesa
podem ser tratados de duas formas distintas: ou como custeio de incentivo geral ou
como incentivo de produtos específicos, sendo que em ambos fará parte do custo
do PRODE (ROGERSON, 1992).
Ainda, os PRODE tendem a serem itens que não estão disponíveis em
estoques inventariados para venda, em virtude de seu alto valor agregado e do
mercado consumidor ser restrito a Estados. Incluem equipamentos de comunicação,
aeronaves completas, peças de aeronaves e munições, entre tantos outros produtos.
Desta forma, a aquisição de PRODE envolve negociações diretas entre Forças
Armadas e as Indústrias de Defesa, sendo a produção iniciada só após a assinatura
do contrato (LEE, 1970).
Por conseguinte, verifica-se que para compreender a importância da
tecnologia para a guerra deve-se aprofundar a discussão, uma vez que é assunto
complexo, podendo os PRODE serem oriundos de processo científico ou do
empirismo. Assim, a seguir será realizado o estudo dos paradigmas tecnológicos no
contexto da evolução da guerra.

3 PARADIGMA TECNOLÓGICO E A EVOLUÇÃO DA GUERRA

Clausewitz, no capítulo 1, do Primeiro Livro, de sua obra Da Guerra, inicia a


definição da guerra explicando-a como um duelo entre partes, só que em maior
escala. Ele a define como “um ato de força realizado para forçar o adversário a
obedecer nossa vontade” e “uma continuação da política por outros meios”
(CLAUSEWITZ, 2002).
Em uma visão extremada, a guerra pode ser atribuída como inerente à condição
humana, sendo frequente em todo tipo de sociedade. Nas sociedades com níveis
de integração social mais baixa, como tribos e bandos, a guerra se disfarça de rixa e
homicídios. Entretanto, é nas sociedades civilizadas estatais que os conflitos recebem
o nome de guerra, em virtude do vulto das ações militares. Ainda, considerando a
mobilização humana para a guerra, existe maior proporção nas sociedades com níveis
mais baixos, uma vez que cada cidadão é um soldado (KEELEY, 2011).
A tentativa de traçar uma origem para a guerra é tarefa árdua, porque é o mesmo
que delinear o início da sociedade. A história comprova que por meio de guerras é que
ocorreram a queda e a ascensão de grandes civilizações, havendo relatos em várias
descobertas arqueológicas. Apesar de os conflitos existirem desde tempos remotos,
somente a partir dos egípcios e sumérios é que existem registros, porque estes povos
deixaram registros pictóricos sobre seus conflitos antigos. Desta forma, é que se pode,
hoje, traçar cerca de 5.000 anos da história das guerras (GILBERT, 2005).
Citam-se como os primeiros registros de guerra:os hieróglifos egípcios que
relatam as vitórias dos primeiros faraós Escorpião e Narmer; e manuscritos dos Livros

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Paradigma Tecnológico e Guerra: A Importância da Inovação Para o Poder de Combate

de Moisés que tratam da conquista hebraica de Canaã. Ainda, cabe destaque para
os inúmeros registros de guerras chinesas, gregas e romanas que ainda hoje são
estudados, em virtude da riqueza de detalhes dos fatos apontados (KEELEY, 2011).
A história é marcada por guerras e pela evolução na forma de combater,
também pelo aumento da violência das estratégias e das táticas empregadas,
permitindo identificar uma relação entre guerra e tecnologia militar. Conforme
os registros arqueológicos, o exército Assírio garantia suas vitórias pelo efetivo de
soldados e pelo nível de treinamento no combate individual, havendo limitado
emprego de cavalos. Contudo, com a invenção dos estribos, este avanço tecnológico
permitiu o maior controle dos cavalos, capacidade esta, que possibilitou ao Islã e,
posteriormente, aos mongóis, erguerem grandes impérios no Oriente e Eurásia
pelo uso da cavalaria. Já no fim do século XV, outra tecnologia despontou na
Europa, a pólvora, que aliada à tecnologia naval, permitiu a ocorrência das grandes
navegações e o domínio de civilizações além-mar. O século XX foi marcado por duas
guerras quentes e uma fria, as Primeira e Segunda Guerras Mundiais e a Guerra Fria,
respectivamente, caracterizando um avanço tecnológico sem precedentes, com
emprego de blindados, aviões, entre tantos outros tipos de novas tecnologias, com
destaque para a Bomba Atômica. Hoje, a tecnologia militar avança rapidamente e
“armas de todos os tipos se tornam mais poderosas, flexíveis e capazes de infligir
baixas imensas” (GILBERT, 2005, p. 34).
No Oriente, especificamente na China, Sun Tzu, há cerca de 2.000 anos, por
volta do século I a.C., já valorizava veículos, armas, equipamentos e muralhas, ou
seja, fortificações (TZU, 2006), sendo tudo isto tecnologia militar. Foi dos chineses
que se obtiveram as tecnologias de cerco, de produção de bombas fumígenas e
morteiros, catapultas, entre outras (BARBOSA, 2006).
Embora, cada guerra seja um “fenômeno único, singular, irredutível”
(MAGNOLI, 2006, p. 15), e exista quem advogue a favor de uma única tipologia da
guerra (SERRANO, 2013) e até contra uma tipologia, pois tal seria mera ilusão (ARON,
2002), existem tentativas de criar uma tipologia das guerras. Assim, destacam-se
as tentativas de Toffler e Lind em criar tal tipologia, não pela validade dos tipos
apresentados, mas pela forma de verificação da evolução tecnológica militar no
contexto das guerras.
Uma vez que a história das guerras caminha pari-passo com a história
das civilizações, o entendimento de Alvin Toffler sobre as três ondas torna-se
relevante. O referido autor entende que existiram apenas três grandes mudanças,
as ondas, onde: (i) a primeira onda, que teria ocorrido há cerca de 10 mil anos
caracterizando-se pela produção agrícola de riqueza pelo trabalho físico e muscular;
(ii) a segunda onda (Revolução Industrial), que teria iniciado há cerca de 300 anos,
predominantemente nos EUA e Europa, caracterizando-se pela produção industrial
manufatureira e o comércio, pela valoração tangível do patrimônio, pela produção
em massa padronizada e pelo trabalho físico; e (iii) a terceira onda (Revolução

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Vinícius Damasceno do Nascimento / João Marcelo Dalla Costa

Informacional), que teria se iniciado no fim do século XX em países já no auge


do desenvolvimento industrial, como os EUA, caracterizando-se pela valorização
do patrimônio intangível, com primazia para o conhecimento, pela diversificação
e customização da produção, pelo trabalho criativo e crítico, pela integração e
rapidez, além da elevada essencialidade da tecnologia. Assim, as guerras poderiam
ser analisadas nesta mesma classificação como de: (i) primeira onda, em que a
massa humana seria o fator determinante na definição do poder de combate; (ii)
segunda onda, em que a mecanização seria o fator determinante, com o aumento
da velocidade pela invenção do motor a explosão e pelo aumento do poder de
fogo com as invenções de tanques, aviões e submarinos; e (iii) terceira onda, pela
guerra do conhecimento e da informação, empregando computadores e internet
(TOFFLER, 1980 e 1993), totalizando três paradigmas tecnológicos.
Na mesma tentativa de classificar as guerras, Lind, Nightengale, Schmitt,
Sutton e Wilson, em 1989, propuseram a existências de quatro gerações de guerras
modernas, cuja teoria evoluiu ao longo dos anos seguintes. Apesar de os autores
considerarem que os verdadeiros motores destas mudanças seriam os fatores
políticos, sociais e econômicos, a referida tipologia é normalmente associada às
mudanças tecnológicas. Assim, a guerra de 1ª geração (G1G) empregaria como
princípio de guerra fundamental a massa, com os Exércitos Absolutistas, sendo
acompanhado tecnologicamente dos mosquetes de alma lisa que permitiam a
formação em linha, aumentando o volume e a cadência de fogo. A guerra de 2ª
geração (G2G) enfatizaria o poder de fogo proporcionado, principalmente, pelo
avanço da tecnologia armamentista, citando-se o fuzil de alma raiada, o carregamento
pela culatra, as metralhadoras e as peças de fogo indireto, tudo isto amplamente
empregado na Primeira Guerra Mundial. A guerra de 3ª geração (G3G) empregaria
como princípio básico a manobra em busca a não linearidade do campo de batalha,
cuja tecnologia, nos setores de siderurgia, mecânica, energia e comunicações,
permitirá o uso de blindados e aviões controlados por rádio já na Primeira Guerra
Mundial (blitzkrieg), sendo intensificada na Segunda Guerra Mundial. A guerra de
4ª geração (G4G) enfatizaria o uso do computador, da internet, de armas de energia
direta, lasers, pulsos eletromagnéticos e robôs, além de fazer menção a conceitos
como guerra cibernética e espacial (LIND et al, 1989, 1994, 2004).
Atualmente, já se identifica um novo tipo de guerra, a de quinta geração
(G5G). Além das comunicações, da internet e de robôs, comuns à G4G, seus usos são
intensificados, sob novas formas e com novas tecnologias integradas, como drones.
Este tipo de guerra também abarcaria outras tecnologias como a biotecnologia e a
nanotecnologia (HAMMES, 2007).
Por último, fala-se em uma outra forma de guerra, a híbrida, mais ligada ao
terrorismo e insurgências. Em um primeiro momento, não teriam grandes alterações
que justificassem sua análise em função da tecnologia, contudo, cabe destaque para
o emprego massivo dos meios de comunicações para influenciar a opinião pública,

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Paradigma Tecnológico e Guerra: A Importância da Inovação Para o Poder de Combate

como facebook, twitter e outros (MCCUEN, 2008).


Esta evolução da tecnologia militar é notória quando […] navios a remo e
muralhas de pedra não funcionam mais para atacar ou defender cidades, como na
Guerra do Peloponeso, na Grécia Antiga: conflitos recentes, como a Guerra do Golfo,
contaram com armamento sofisticado e a mais moderna tecnologia da informação.
(PINSKY, 2006, p. 7).
Por isso, não se pode negar a percepção visionária de pensadores da guerra,
como Liddel Hart, que se dedicou ao estudo da estratégia no emprego das novas
armas de guerra disponíveis, como o avião e o carro de combate (HART, 1956), e o
General André Beaufre, que estudou a estratégia nuclear (BEAUFRE, 1998). Assim,
Beaufre, além de considerar os efeitos do avanço tecnológico e das invenções bélicas
para desequilibrar o poder no campo de batalha, também desperta a atenção para
a importância dos investimentos nos gastos de uma Nação e do conhecimento para
se precisar o momento certo para se realizar os gastos militares, verbis:

Essas realidades incontestáveis da estratégia moderna... pelo


progresso exponencial da ciência, deveriam conduzir a uma
profunda reforma... O importante não mais é o presente, mas
o futuro... A preparação tem precedência sobre a execução...
Quer dizer que se tornou fútil despender milhões de francos
para uma defesa nacional cujo valor futuro seria incerto,
enquanto que é essencial ser informado e prever. (BEAUFRE,
1998, p. 54).

Relacionando tecnologia e gastos chega-se ao conceito de paradigma


tecnológico, um conceito tipicamente de economia. A referida definição pode
compreender as características médias dos produtos em um setor e em um
momento específicos, buscando soluções tecnológicas e econômicas (WIJNBERG,
1995). Outra possibilidade é definir paradigma tecnológico como uma infraestrutura
e procedimentos produtivos específicos que servem como guia para inovação e
mudança em uma base industrial (JENNER, 1991).
Assim como “empresas se apropriam de trajetórias de acumulação de
capacidades tecnológicas, que podem culminar em novos paradigmas”, um Estado
pode ter alterado seu paradigma tecnológico de imitativo para um inovador radical
ou incremental (LESKE, 2015, p. 40). Em específico, o Setor de Defesa também
sofre alterações de paradigma no nível nacional, gerando impactos econômicos
permanentes, como alterações nas estruturas industriais, sendo considerado um
setor estratégico por envolver tecnologias de ponta (LESKE, 2013). O impacto do
paradigma tecnológico é muito importante para a economia, ao ponto de ser
chamado também de paradigma tecnoeconômico (AROCENA; SUTZ, 2001).
Em se falando de paradigma tecnológico, é imprescindível citar a contribuição de
Schumpeter para se entender as mudanças tecnológicas, econômicas e sociais sofridas

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 61-74,maio/ago. 2017 69


Vinícius Damasceno do Nascimento / João Marcelo Dalla Costa

pelo capitalismo. Para ele, a tecnologia sozinha não é tudo, pois o empreendimento
capitalista seria a mola propulsora do progresso tecnológico, contudo a combinação
entre estes dois elementos produz efeitos produtivos diferentes (SCHUMPETER, 1961).
Assim, o desenvolvimento econômico seria, de certa forma, ditado pelas invenções
ou inovações tecnológicas, sendo a inovação a força motriz da evolução capitalista,
que exige a ação empreendedora para pôr em prática a inovação e torná-la relevante
socialmente, revolucionando a economia a partir de dentro (SCHUMPETER, 1982). Em
se falando das máquinas de guerra das nações capitalistas, essa evolução tecnológica
bélica também teria parcela de importância no progresso do sistema capitalista,
contribuindo para o status do país.
Assim, é importante lembrar que as trajetórias dos paradigmas tecnológicos
tendem, conforme estudo empírico de Jenner (1991), a ser irreversíveis, sendo o novo
sempre preferível aos anteriores. Logo, a cada novo armamento mais efetivo e eficiente
na ação de destruir e matar, o equilíbrio no poder relativo de combate em campo de
batalha estará alterado e o lado que se favorece não desejará regredir, sendo uma
possível explicação para a corrida armamentista no período da Guerra Fria.
Desta forma, conclui-se, parcialmente, que tanto a guerra como a tecnologia
evoluíram com o tempo e possuem íntima relação. Ainda, as inovações bélicas ao
longo dos séculos permitiram o surgimento de diversos paradigmas tecnológicos,
evoluindo a forma primitiva de fazer guerra para níveis cada vez mais avançados de
violência, com armamentos cada vez mais letais.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As guerras mais antigas eram ganhas em função do número de homens em


campo de batalha, sendo tal princípio de guerra denominado de massa. Entretanto,
com o passar dos anos, as inovações tecnológicas permitiram alcançar maior poder
destrutivo com menos homens em combate. Desta forma, verificaram-se, ao longo
deste trabalho, de forma sumária, evoluções tecnológicas como o uso do cavalo,
o emprego da pólvora, da arma automática, dos aviões e dos carros de combate,
entre tantas outras tecnologias tradicionalmente utilizadas nos conflitos até a
Segunda Guerra Mundial.
Independente da característica das guerras já travadas pela humanidade e dos
tipos classificáveis, não resta dúvida que os paradigmas tecnológicos tradicionais
dantes elencados, apesar de ainda pertinentes ao século XXI, não são mais suficientes
para se garantir a vitória em uma guerra. Em um ambiente globalizado, em que a
tecnologia da informação cresce de importância de forma exponencial, um novo
paradigma tecnológico militar se faz presente no contexto da guerra moderna.
Desta forma, o surgimento de robôs cada vez mais avançados, drones com
performance cada vez mais efetivas, o acesso a informações de forma cada vez mais
imediata pela grande cobertura satelital existente e a crescente ameaça de ataques

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Paradigma Tecnológico e Guerra: A Importância da Inovação Para o Poder de Combate

hackers, por exemplo, indicam o surgimento de novo ou novos paradigmas a serem


mais bem estudados. Exemplo disso é o surgimento de conceitos como Guerra
Tecnológica, Guerra Centrada em Redes e Guerra Cibernética (DOMBROWSKI;
GHOLZ, 2006; BERKOWITZ, 2003).
Com isso, fica evidente a importância da inovação tecnológica no campo
militar como forma de ampliar o poder de combate. Nesse contexto, da era do
conhecimento, não resta dúvida que o princípio da massa deve ser relativizado. Não
é mais o número de combatentes que garante a vitória, mas a letalidade tecnológica
empregada, envolvendo, em relação ao homem, não apenas sua capacidade de
matar, mas principalmente a capacidade de inovar no Setor Defesa e de utilizar as
referidas tecnologias bélicas.
Por fim, apesar de o objetivo proposto ter sido atingido, que é compreender
o atual paradigma tecnológico militar e a importância da inovação tecnológica no
Setor de Defesa para a formulação do poder de combate de uma Nação, grande
lacuna ficou evidenciada, pois só se identificou a existência de novo paradigma e
sua importância sem aprofundar o debate.
Assim, sugere-se que novos estudos sejam realizados a fim de compreender
de forma mais aprofundada o novo paradigma da guerra da era do conhecimento, a
importância da inovação no Setor Defesa e da capacidade de utilização da tecnologia
disponível pelos soldados para o incremento do poder de combate.

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Recebido em: 10 abr. 2017


Aprovado em: 27 set. 2017

74 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 61-74, maio/ago. 2017


As Fronteiras do Estado: Violênc., Milíc., Crime Org. e Polít. de Seg. Púb. em Áreas Socialm. Vulneráveis

AS FRONTEIRAS DO ESTADO: VIOLÊNCIA, MILÍCIAS, CRIME ORGANIZADO E


POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA EM ÁREAS SOCIALMENTE VULNERÁVEIS

Gilberto de Souza Vianna*


Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco**

Nada é neutro, ou antes ninguém é neutro e tudo é


ambíguo; tudo é campo de batalha.
São Gregório de Nissa

RESUMO
O artigo procura fazer correlações sobre os temas de violência contra o indivíduo
e a sociedade, trabalhando as fronteiras da ação do Estado na área de segurança,
relacionando, para tanto, vários fatores, tais como: milícia, crime organizado, áreas
socialmente vulneráveis, além da condição humana daqueles que vivem sob a
órbita da violência sem a proteção do Estado. Criou-se o conceito de “sociedade de
interesse no crime”, no qual estão inseridos quem pratica o crime e quem dele se
beneficia. Parte da ausência do Estado em determinadas áreas é decorrente de ações
políticas e sociais, no entanto, uma questão de ética e moral individuais colabora
para e manutenção desta “sociedade de interesse no crime”, em que o lucro e o
benefício individual sobrepõem a preceitos morais e éticos indicadores de práticas
morais. Nesse contexto, os indivíduos moradores de áreas socialmente vulneráveis
acabam sofrendo violências tanto do crime organizado, quanto do Estado ausente,
tornando evidente sua vulnerabilidade. A metodologia utilizada neste artigo figura
nos moldes da corrente sociológica conhecida como “sociologia histórica”, corrente
que elabora uma conjunção de questões que são ricas em detalhes, estudando
como as sociedades se desenvolveram no decorrer da história, e partindo disso
analisando como as estruturas sociais, consideradas por muitos naturais, são de
fato moldadas por processos sociais complexos. Para esta corrente, a estrutura, é
configurada por instituições e organizações, que afetam a sociedade – resultando
em fenômenos que vão desde questões de desigualdade, vulnerabilidade, violência
e guerra. A sociologia histórica preocupa-se principalmente com a evolução do
Estado, analisando as relações entre estados, classes, sistemas econômicos e
políticos. Ainda como referência Metodológica, o autor deste artigo utiliza os
trabalhos de Charles Tilly, Judith Butler,e Giorgio Agamber, procurando e, ao
____________________
* Membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, Graduado em História e Economia,
mestre em História pela Universidade Federal do Paraná (UFP), e doutorando pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Contato: <vianna@esg.br>.
** Professor Titular de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Contato: <pvbcastelobranco@iesp.uerj.br>.

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Gilberto de Souza Vianna / Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco

mesmo tempo, preocupado em articular as relações entre uma série de elementos


conceituais inerentes à situação.
Palavras-chave: Violência. Segurança Pública. Áreas socialmente vulneráveis. Tráfico
de Drogas.

THE LIMITS OF THE STATE: VIOLENCE, MILITIAS, ORGANIZED CRIME AND PUBLIC
SECURITY POLICIES ON SOCIALLY VULNERABLE AREAS

ABSTRACT
The work debate themes related to violence against the individual and society,
dealing with the frontiers of the State action in the security area, relating several
factors, such as: militia, organized crime, socially vulnerable areas, besides the
human condition of those who live under the orbit of violence without the protection
of the government. The concept of “society of interest in crime” was created, in
which are inserted those who practices the crime and those who benefits from it.
Part of the absence of the State involvement in certain areas is due to political and
social actions; however, an individually ethical and moral question contributes to
the maintenance of this “society of interest in crime”, where profit and individual
benefit prevail on moral and ethical precepts and indicators of moral practices.
In this context, individuals living in socially vulnerable areas suffer violence both
from organized crime and from the absent State, making their vulnerability evident.
The methodology used in this article is based on the sociological current known
as “historical sociology”, a current that elaborates a combination of issues that
are rich in details, studying how societies have developed in the course of their
history, and analyzing how social structures, considered by many to be natural,
are actually shaped by complex social processes. According to this current, the
structure is shaped by institutions and organizations that affect society - resulting
insocial phenomena ranging from social inequality, vulnerability, violence and war
issues. Historical sociology is concerned mainly with the evolution of the State,
analyzing the relations between states, classes, economic and political systems. As
a methodological reference, the author also uses the works of Charles Tilly, Judith
Butler, and Giorgio Agamber, targeting and, at the same time, concerned to bond
the relations between a series of conceptual elements inherent to the situation.
Keywords: Violence. Public security. Socially vulnerable areas. Drug trafficking.

LAS FRONTERAS DEL ESTADO: VIOLENCIA, MILÍCIAS, CRIMEN ORGANIZADO Y


POLÍTICAS DE SEGURIDAD PÚBLICA EN ÁREAS SOCIALMENTE VULNERABLES

RESUMEN
El artículo busca hacer correlaciones sobre los temas de violencia contra el individuo
y la sociedad, trabajando las fronteras de la acción del Estado en el área de seguridad,

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As Fronteiras do Estado: Violênc., Milíc., Crime Org. e Polít. de Seg. Púb. em Áreas Socialm. Vulneráveis

relacionando para ello varios factores, tales como: milicia, crimen organizado, áreas
socialmente vulnerables, además de la condición humana de aquellos que viven
bajo la órbita de la violencia sin la protección del Estado. Se creó el concepto de
“sociedad de interés en el crimen”, en el cual están insertados quienes practican el
crimen y quién de él se beneficia. Parte de la ausencia del Estado en determinadas
áreas es consecuencia de acciones políticas y sociales, sin embargo, una cuestión de
ética y moral individuales colabora para y mantiene esta “sociedad de interés en el
crimen”, en que el lucro y el beneficio individual superponen a preceptos morales y
éticos indicadores de prácticas morales. En este contexto, los individuos que viven
en zonas vulnerables socialmente sufren violencias tanto del crimen organizado,
como del Estado ausente, haciendo evidente su vulnerabilidad. La metodología
utilizada en este artículo figura en los moldes de la corriente sociológica conocida
como “sociología histórica”, que elabora una conjunción de cuestiones ricas en
detalles, estudiando cómo las sociedades se desarrollaron a lo largo de la historia,
y partiendo de ello analiza cómo las estructuras sociales, consideradas por muchos
naturales, son de hecho moldeadas por procesos sociales complejos. Para esta
corriente, la estructura se configura por instituciones y organizaciones, que afectan
a la sociedad -resultan en fenómenos de cuestiones de desigualdad, vulnerabilidad,
violencia y guerra. La sociología histórica se preocupa principalmente de la evolución
del Estado, analizando las relaciones entre estados, clases, sistemas económicos y
políticos. Como referencia metodológica, este artículo utiliza los trabajos de Charles
Tilly, Judith Butler, y Giorgio Agamber, buscando y preocupándose en articular las
relaciones entre una serie de elementos conceptuales inherentes a la situación.
Palabras clave: Violencia. Seguridad Pública. Áreas socialmente vulnerables. Tráfico
de drogas.

1 INTRODUÇÃO

Em busca de inspiração para escrever este artigo sobre violência, justamente


no mês de janeiro de 201726, deparei-me com o noticiário veiculado pela mídia
sobre as crises no sistema carcerário nacional, algo aparentemente tão distante das
preocupações cotidianas dos cidadãos brasileiros.
Portanto, partindo da reflexão sobre textos lidos e debatidos na disciplina
“violência” ministrada no Instituto de Ciência Sociais e Políticas (IESP) da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), no segundo semestre de 2016, pretendo, neste
artigo, fazer uma análise a respeito do Estado, do comércio ilegal de drogas ilícitas
e do crime organizado.

26 Site do G1, de 8 de janeiro de 2017. G1 Globo. Disponível em: <G1: http://g1.globo.com/am/


amazonas/noticia/2017/01/massacre-completa-uma-semana-e-crise-carceraria-segue-no-amazonas.
html>. Acesso em: 20 de junho de 2017.

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Gilberto de Souza Vianna / Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco

A título de exemplo, incluo, neste artigo, uma experiência pessoal que


demonstra, em um universo restrito, a atual situação de sequestro do Estado pelo
poder marginal paralelo. Ao estacionar meu carro em um posto de gasolina no
bairro carioca da Tijuca, no Rio de Janeiro, observei um motoqueiro abastecendo
seu veículo. Ele colocou pessoalmente a mangueira de combustível no tanque de
seu veículo, encheu o reservatório, e saiu do estabelecimento. O estranhamento
do meu olhar à cena provocou uma explicação do frentista sobre “um acordo de
sobrevivência” estabelecido entre o proprietário e os membros das facções27 que
dominavam a região. Se o pacto fosse descumprido, o posto não poderia mais
funcionar. Este fato leva o cidadão a pensar nas várias dimensões da violência
cometida em função da inércia e da ausência do Estado, ou mesmo em decorrência
da ação do poder público. Como o Estado é fragmentado dentro de seu próprio
território, cria fronteiras internas, marcadas pela sua ausência.
O pensador americano Charles Tilly, no seu artigo War Making and State
Making as Organized Crime (Tilly, 1985), identifica essa prática, com a palavra
Racketeers, que poderia ser traduzida como chantagem, ou seja, a cobrança de
uma taxa de proteção de atos praticados aos mesmos agentes que adotam esses
procedimentos.

Defensores de determinados governos e do governo, em geral,


geralmente argumentam, precisamente, que eles oferecem
proteção contra violência local e a violência externa. Eles alegam
que os preços que cobram mal cobrem os custos de proteção.
Eles qualificam as pessoas que reclamar sobre o preço de
proteção de “anarquistas”, “subversivos”, ou ambos ao mesmo
tempo. Mas considere a definição de um mafioso como alguém
que cria uma ameaça e, em seguida, cobra para a sua redução.
Prestação de proteção dos governos, por esta norma, muitas
vezes se qualifica como extorsão. Na medida em que as ameaças
contra o qual um dado Governo protege os seus cidadãos são
imaginárias ou são consequências da suas próprias atividades, o
governo organizou um negócio de proteção. Desde o momento
em que os próprios governos com frequência simulam,
estimulam, ou até mesmo fabricam ameaças de guerra externa
e uma vez que as atividades repressivas e extrativistas dos
governos muitas vezes constituem as maiores ameaças atuais
para os meios de subsistência de seus próprios cidadãos, muitos
governos operam essencialmente da mesma maneira como

27 O termo facção tem sido utilizado de forma intercambiável para se referir a toda uma série de
fenômenos, de organizações, narcotraficantes, contrabandistas ou outras formas criminosas. De
fato, o conceito refere- se a uma manifestação mais concentrada do crime organizado. É fenômeno
intimamente relacionado aos diferentes tráficos de drogas.

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As Fronteiras do Estado: Violênc., Milíc., Crime Org. e Polít. de Seg. Púb. em Áreas Socialm. Vulneráveis

chantagistas. Há, evidentemente, uma diferença: os mafiosos,


pela definição convencional, operam sem o beneplácito dos
governantes. (TILLY, 1985, p. 54)

Mas a existência de crime e de violência com diversas facções criminosas e


milícias dominando extensas áreas, e colocando grande quantidade de pessoas à
margem do poder do Estado, e em situação de vulnerabilidade, denotam a ausência
efetiva do poder público. Diante desse cenário, podem ser elaboradas algumas
hipóteses básicas, que procuro seguir neste artigo, como: a dinâmica dentro e entre
as forças sociais de ambos os lados da lei não tende a se manter umas às outras,
mas reforça-se mutuamente, seja agindo de forma concertada ou por interações
mais sistêmicas. Com isso, desenvolve-se uma “comunidade de interesse no crime”
– uma coalizão de grupos com interesses psicológicos, morais e materiais – entre
“empresários” de drogas e agências estatais coercitivas, gerada pela corrupção
das elites do poder que a controlam. Neste contexto, podemos ver um aumento,
aparentemente contraditório, desta comunidade de interesse no crime, tanto na
importância de atividades criminosas ou criminalizadas específicas, como nos
poderes coercitivos dos estados (polícia, militares, agências alfandegárias, aparelhos
fiscais e de inteligência).
O apoio mútuo tem muitas formas e muitos níveis, muda ao longo do tempo
e da localização. No entanto, a consequência dessa troca é que os interesses de
ambos os grupos são avançados, em detrimento do interesse da população local,
de terceiros e de segmentos significativos das sociedades em que se desenvolve,
tornando precária a vida das pessoas fora desta “comunidade de interesse no crime”.
A violência passada e a violência presente não estão ligadas pelo ponto de vista da
ameaça à ordem ou ao questionamento do Estado, mas, sim, por uma experiência
sofrida e seus efeitos sobre aqueles que a ela estão submetidos. Ao organizar seus
recursos, alguns “empreendedores” do comércio de drogas estabelecem uma
estrutura de poder para se protegerem, desafiam a autoridade em áreas específicas
ou, até mesmo, suplantam o poder das elites que controlam um Estado e nele se
infiltram. Tais ações também podem pôr em perigo outros setores da sociedade e
o corpo social em geral, onde progressivamente o estado de direito e as relações
formalmente reguladas entre as regiões, mercados e sociedades dão lugar a arranjos
informais, corrupção, violência e intimidação.
O motoqueiro, citado acima, está ligado a uma facção que, de certa forma, o
permite abastecer sua moto gratuitamente em troca da mesma facção não assaltar
o posto, e, por assim dizer, permitir a sobrevivência econômica do comerciante,
remete a um trauma sofrido, invisivelmente, fatos que se multiplicam de diversas
formas, com efeitos ao longo do tempo. Nesse exemplo, a violência equivale à
negação ou ao ataque à integridade física e moral de um indivíduo, com implicações
que podem afetar gerações sucessivas.

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Gilberto de Souza Vianna / Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco

Como combater esta Comunidade de interesse no crime? Pergunta difícil, não


obstante rapidamente a resposta pode residir no fortalecimento de valores, com
apoio ao surgimento de uma comunidade com valores e preceitos éticos e morais,
que trabalhe o dever como uma prática. Por mais utópica que esta proposta possa
parecer, esta comunidade só pode aparecer com a estabilidade sócio-econômica
oferecida pelo Estado, e o Estado deve ser o garantidor da vida e da segurança, para
que uma comunidade de valores se afirme.
Mas a luta por territórios, controlado pelas milícias, pelo crime organizado e
pelo tráfico de drogas leva-nos a uma realidade bem cruel: a negação do direito a
vida nas comunidades vulneráveis e, portanto, longe do poder do Estado. O direto
à vida, não só da comunidade socialmente vulnerável, mas também dos agentes
públicos que são alocados pelo Estado para sua segurança e defesa, como pondera
Butler:
No entanto, o que talvez seja mais importante é que teríamos
de repensar “o direito à vida” onde não há nenhuma proteção
definitiva contra a destruição e onde os laços sociais afirmativos
e necessários nos impelem a assegurar as condições para
vidas vivíveis, e a fazê-los em bases igualitárias. Isso implicaria
compromissos positivos no sentido de oferecer os suportes
básicos que buscam minimizar a precariedade de maneira
igualitária: alimentação, abrigo, trabalho, cuidados médicos,
educação, direito de ir e vir e direito de expressão, proteção
contra maus-tratos e a opressão. (BUTLER. 2016, p.41).

2 COMÉRCIO DE DROGAS E VIOLÊNCIA

A indústria e o combate ao comércio de drogas não são necessariamente


opostos entre si, desenvolvem uma dinâmica mais ou menos interligada e
interdependente, uma espécie de “coligação” de contrapartida, como também
de reforço mútuo, que serve aos interesses de ambos, independente do controle
democrático dos cidadãos e, às vezes, do governo:

Por isso a precariedade como condição generalizada se baseia


em uma concepção do corpo como algo fundamentalmente
dependente de, e condicionado por, um mundo sustentado e
sustentável; a reação – e, em última instância, a responsabilidade
– se situa nas relações afetivas a um mundo que sustenta e
impõe. (BUTLER, Quadros de guerra: quando a vida é passível
de Luto? 2016, p.59).

No século XXI, quando transformações do conceito de violência são debatidas


academicamente, muitas vezes, a violência é denunciada sob uma grande variedade

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As Fronteiras do Estado: Violênc., Milíc., Crime Org. e Polít. de Seg. Púb. em Áreas Socialm. Vulneráveis

de formas e práticas cotidianas, que podem ter modalidades antigas e novas, mas
que juntas nos induzem a pensar que o conceito sobre a matéria sofre metamorfoses.
Não obstante, quando discorremos sobre a violência do Estado (BUTLER, 2016,
p.60) ou em relação à individualidade, à liberdade e ao direito de ir e vir, falamos
de inserções na vida de pessoas comuns, cometidas de diversas maneiras, as quais
vêm ocorrendo com a sociedade com o passar dos séculos.

Em primeiro lugar, ter como meta o redirecionamento do foco e


a ampliação da crítica política da violência do Estado, incluindo
tanto a guerra quanto as formas de violência legalizada
mediante as quais as populações são diferencialmente privadas
dos recursos básicos necessários para minimizar a precariedade.
(BUTLER, 2016, P. 52).

Como já dito, em janeiro de 2017, o noticiário concentrou-se na revolta e


disputa de território nos diversos presídios brasileiros pelas diferentes facções do
crime organizado ligadas ao tráfico de drogas, tendo como resultado uma centena
de mortes de forma violenta, demonstração de força com o propósito de mostrar
uma evidente incompetência ou conivência do Estado em suas várias esferas. As
facções do tráfico de drogas disputaram hegemonia nos presídios, controle de
rotas de tráfico de drogas e armas, do território urbano, e, principalmente, em
comunidades socialmente vulneráveis, como favelas, onde o domínio do território
garante às facções pontos de varejo no comércio de drogas ilícitas.
Para continuidade, neste ensaio, temos que indicar um pensamento claro
sobre o termo violência, porém não é simples, principalmente porque as suas
manifestações são demasiadas dispersas e paradoxais, já que a palavra tem origem
no latim, significando “abuso de força”, mas também remete a “violare”, agir contra,
contra uma lei, contra uma pessoa. Segundo Freud, o homem é fundamentalmente
agressivo e a civilização só pode reprimir a situação de guerra e de impunidade, e
que a violência em si é fatal (Freud, 1974). No entanto, pode ser considerada como
conflitual, posto que a não violência passa pelo reconhecimento do outro como
interlocutor e semelhante. Porém, ela pode ser explicada pelo conflito e em casos de
legítima defesa ou resistência à opressão e à miséria, mas nunca seria propriamente
legítima e, nesta circunstância, voltamos à questão do crime organizado.
Para analisarmos o crime organizado e o narcotráfico, como atividades
econômicas ilícitas, devemos compreender sua atuação no corpo social. Em nossa
sociedade, essas atividades ilícitas passam a ser, em cada etapa de sua estrutura,
agentes da violência, manipulados tanto pelo crime organizado quanto pelas forças
repressoras. A violência endêmica é, de certa maneira, provocada pelo Estado,
quando decorrente de políticas sociais desastrosas, geradoras de áreas urbanas
socialmente vulneráveis, o que delimita fronteiras de atuação do Estado. Como
discorre Agamben:

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Gilberto de Souza Vianna / Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco

A nossa política não conhece hoje outro valor (e,


consequentemente, outro desvalor) que a vida, e até que as
condições que isto implica não forem solucionadas, nazismo
e fascismo, que haviam feito da decisão sobre a vida nua o
critério político supremo, permanecerão desgraçadamente
atuais. (AGAMBEN, 2002, p. 17).

Deste ponto de vista, a violência afeta os direitos individuais, pessoais e


existências coletivas. Algumas pessoas a consideram como um comportamento de
crise, uma resposta a mudanças de situação. Para encerrar o ciclo, não é suficiente
apenas a contabilidade de vítimas e sua subjetividade, por mais importante que seja
sua capacidade de mobilizar a opinião coletiva, os meios de comunicação social, o
Estado e líderes políticos. Além disso, é preciso também olhar para as diferentes
formas da violência: “A questão não é saber se determinado ser vivo ou não, nem se
ele tem o estatuto de “pessoa”; trata-se de saber, na verdade, se as condições sociais
de sobrevivência e prosperidade são ou não possíveis”. (BUTLER, 2016, p. 67).
Provavelmente mais de noventa por cento das pessoas que moram em
comunidade socialmente vulneráveis são na verdade trabalhadores honestos e
esforçados. Eles estão lutando por sobrevivência, dignidade e cidadania para si
próprios e suas famílias. Muitas das revoltas, por melhores condições de vida, têm
uma justificativa. No entanto, como a equação não é tão simples, os moradores
dessas regiões são aterrorizados pelos outros 10% de bandidos e sujeitos aliados
ao crime organizado, que mantêm uma liderança nefasta nas comunidades. Eles
têm medo de se aproximarem da força de segurança pública pelas ameaças de
morte que recebem desses grupos marginais. Para conquistá-los, dentro deste
conflito, e tentar protegê-los, as forças de segurança pública esforçam-se em
provar que os bandidos não podem atingi-los se eles ficarem do lado do Estado.
Esta dimensão de perigo está associada à mudança de poder, seja ela do tráfico
ou do Estado, que põe em risco a vida dos cidadãos, tornando-os vulneráveis,
condição que se aproxima muito do sentenciado por Agamben (2002) e Judith
Butler (2016):

Toda a sociedade fixa este limite, toda a sociedade – mesmo


as mais modernas – decide quais sejam seus “homosacer”. É
possível, aliás, que este limite, do qual depende a politização e
a exceptição da vida natural da ordem jurídico estatal não tenha
feito mais do que alargar-se na história do Ocidente e passe
hoje – no novo horizonte biopolítico dos estados de soberania
nacional – necessariamente ao interior de toda a vida humana
e de todo o cidadão. A vida nua não está mais confinada a um
lugar particular ou em uma categoria definida, mas habita o
corpo biológico de cada ser vivente. (AGAMBEN, 2002, p.47).

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Os direitos humanos podem proteger estas pessoas? Ou elas estão


permanentemente excluídas da política e condenadas à “vida nua”? Por toda a
parte, há violência, privação e opressão, que as normas dos direitos humanos
parecem impotentes para evitar. As suas teorias e práticas devem enfrentar os
principais problemas identificados por Agamben (2002) – a violência do estado
soberano de exceção e a redução da humanidade à “vida nua”. Agamben (2002)
retoma a distinção feita por Aristóteles entre “bios” e “zoé”. Bios é o reino da
ética e da moral no qual se manifesta o juízo, representa o modo de viver dentro
de um grupo que depende da linguagem. Já zoé é a vida nua, natural e biológica
comum a todos os homens, ou seja, a mera existência. Para Agamben (2002), a
vida nua é o campo em que se mantém o paradoxo, é o lugar em que foi excluída
por sua inclusão, onde só o direito pode alcançar o vivente. Assim, a vida torna-
se matável pela ordem do poder soberano juridicamente construído, o poder
jurídico torna o vivente: excluído, aniquilado e matável.
O Estado tem que exercer a função que lhe é destinada, não a de um estado
de exceção, ocupando o espaço com o propósito de acabar com a situação de
vulnerabilidade social da comunidade. Pois o abandono dessa população pelo
poder legítimo também é uma violência, realçando a precariedade da vida nessas
comunidades, e favorecendo uma comunidade de interesse no crime, e cada vez
mais dificultando a existência de uma comunidade ética.

Desse modo, a produção normativa da ontologia cria o problema


epistemológico de apreender uma vida, o que, por sua vez, dá
origem ao problema ético de definir o que é reconhecer ou,
na realidade, proteger contra a violação e a violência. (BUTLER,
2016, p.63)

Essa medida torna-se urgente quando as ações de ocupação e desocupação


recorrentes da força pública de segurança nas comunidades transformam-se em
uma espiral perversa, levando ao descrédito as iniciativas do Estado, o que pode
até ser mensurado pela rejeição das intervenções públicas, pois a coletividade tem
consciência que sua presença não será uma constante28.
Portanto, a violência sofrida pelos indivíduos dessas áreas urbanas chega a
eles por duas formas: uma realizada pela polícia e as forças públicas, outra, pelo
crime organizado, quando assume controle das respectivas regiões e impõe uma
conduta aos moradores, além do surgimento de grupos de viciados, que, sem
recurso para manutenção de seu vício, praticam furtos na comunidade ou no seu
entorno, e criam um problema para a saúde pública, pois questão consiste na

28 Na cidade do Rio de Janeiro essa realidade é visível na comunidade da “Cidade de Deus” de forma
intensa, só estudado em relatórios internos, porém é um fenômeno passível de análise.

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Gilberto de Souza Vianna / Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco

recuperação29.
Assim como os indivíduos podem ficar viciados no uso de drogas, grupos
dessas comunidades estão se tornando viciados no dinheiro, que é gerado no
negócio de drogas, isso parece ser igualmente verdadeiro para as agências com a
atribuição de controlá-los.

A precariedade perpassa as categorias identitárias e os mapas


multiculturais, criando, assim a base para uma aliança centrada
na oposição à violência de Estado e sua capacidade de produzir,
explorar e distribuir condições precárias e para fins de lucro e
defesa territorial. (BUTLER, 2016, p.34).

O comércio de drogas possibilita aos empresários do tráfico (os gerentes da


estrutura) contatos com políticos, lembrando que, além de financiarem as campanhas
com vultosas quantias de dinheiro obtidas pela atividade, podem ser bons “cabos
eleitorais” e contam com a imunidade e a licença de exercer a violência. Dessa
maneira, as facções, que controlam o tráfico e as milícias no Brasil, têm conseguido
alterar a ordem histórica do Estado e da economia. Promovem uma violência maior
do que a tradicional, mas oferecem mais oportunidades de mobilidade e promoção
para os estratos mais baixos, pois impõem uma ordem econômica nas respectivas
regiões, gerando benefícios para a comunidade de maneira fácil e ágil, mas não
menos perversa. A logística e sua estrutura organizacional são simples e rapidamente
reconectadas. Pelo contrário, no sistema financeiro do país, a ordem jurídica da
redistribuição dos lucros é mais complicada, e os resultados dos programas sociais
demoram a beneficiar as sociedades carentes.
A complexidade política e burocrática do Estado, que retarda o atendimento
às necessidades desses moradores (saúde, emprego, saneamento básico), favorece
a “comunidade de interesse no crime”, onde coabitam as forças de repressão e
o narcotráfico. Por outro lado, não se pode negar que o narcotráfico assume o
papel “social”, quando promove o “Populismo do Crime”, realizando pequenas
ações assistências (auxílio no pagamento de contas básicas dos moradores,
custeando consultas médicas, ou intermediando pequenos conflitos e disputas
entre moradores). Com estas iniciativas, o crime organizado conquista a simpatia
dos moradores e provoca a intolerância entre moradores e policiais, principalmente
quando estes intensificam sua ação legal no “território do tráfico”, ficando

29 O uso de drogas está ligado a algumas das questões, como realização de exames de varredura de
consumo de drogas ilícitas e substâncias psicoativas na escola e no local de trabalho, tentativas de
controle da AIDS entre os grupos que utilizam agulhas como meio de injetar estas substâncias, o
problema de saúde pública como consumo de “crack”, uma forma “fumável” de cocaína, na verdade
um subproduto da pasta de coca, com cracolândias se espalhando nos centros urbanos, com
tentativas de parar o fluxo de drogas e esforços para reduzir a demanda por drogas.

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evidenciada a preferência do domínio do poder marginal ao Estado.


Ao legalizar o dinheiro proveniente do comércio de drogas, a criminalidade
passa a participar da normalidade da vida econômica, criando entidades e
empresas. Esse processo gera uma competição desigual entre os investidores
lícitos e aqueles detentores de capitais de origem ignorada, o que compromete a
estabilidade econômica, a normalidade política derivada da economia e as bases
legais do Estado. Pois ao contrário do que muitos acreditam, estes grupos à margem
da Lei não só controlam a atividade do tráfico, mas também regulam o acesso a
instituições estatais, estabelecendo estruturas de controle clientelista locais e o
exercício da violência, elementos que compõem seu poder logístico.
A organização é vital para caracterizar como crime organizado uma associação
delinquente; alto poder de intimidação e violência; preferência pela prática de
crimes rentáveis, entre eles, extorsão, pornografia, prostituição, jogos de azar,
tráfico de armas e entorpecentes etc.; tendência a expandir suas atividades para
outros países em forma de multinacionais criminosas, e, finalmente, diversidades
de atividades para garantir uma maior lucratividade.
O exercício da violência, praticado pelo crime organizado, leva-nos a outra
vertente, ou seja, a exposição e o uso ostensivo de armamentos, notadamente
fuzis30, dois movimentos complementares: o tráfico de armas e o tráfico de drogas.
Importante salientar que a ostentação de armas tem uma concentração maior onde
existe disputa por comunidades para comercialização do varejo de drogas entre as
várias facções, notadamente isso não ocorre com tanta freqüência em São Paulo, “a
revolução violenta da arma barata”, como fala Michael Mann (2013).
Grande culpa desse cenário pode ser atribuída ao Estado, que, devido à sua
desorganização, perde a credibilidade, quando em nome de interesse político,
divulga e promete medidas para combater a criminalidades, promessas, que ficam
além de sua eficiência, e não são aplicadas.

3 O CRIME ORGANIZADO COMO EMPRESA

Os motivos pelos quais as pessoas produzem, vendem e consomem drogas


são muito complexos. O dinheiro e o poder associados à pobreza e à marginalização,
que fazem parte da contradição social do Brasil, também representam as razões do
tráfico, produção e comercialização. Mas outras respostas explicam o florescimento

30 Como as armas chegam às mãos do crime organizado? São diversos fatores: roubo em unidades
militares, roubo em empresas de segurança, corrupção entre os agentes de fronteira encarregados de
impedir que isso ocorra. Em geral, elas entram pelas fronteiras secas do Paraguai e da Bolívia, e por via
portuária. Grande parte de armas apreendidas é de origem chinesa (plataforma Norico, cópia chinesa
da AK-47), entrando pelo Porto, Bolívia e Paraguai, além de armas AR-14 da US Armalite, que chegam
ao Brasil, pelo Paraguai, importadas da Flórida.O trio básico: portos, aeroportos e fronteiras são as
veias do tráfico em geral.

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Gilberto de Souza Vianna / Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco

da economia da droga e encontram-se na forma de organização do Estado. Estas


estão relacionadas ao modo como uma sociedade está estruturada, podendo ser
até interpretada como uma reação à violência social sofrida.
Consumo de drogas tem consequências trágicas, tanto para os usuários
quanto para toda a sociedade e a nação, portanto, é importante conhecermos a
história do uso e da repressão dessas substâncias no Brasil se quisermos escolher
decisões sobre o problema agora e no futuro.
O mercado global de cocaína vale cerca de 71 bilhões. Os maiores produtores
são a Colômbia, equivalendo a cerca de 50%, Peru, 32%, e Bolívia, 15%. Destes três
países, a Colômbia é o maior produtor de folha de coca e de cocaína desde 1997.
No mundo existem 13 milhões de consumidores de cocaína, dois milhões estão no
Brasil (ONU, 2017).
Sendo assim, para melhor compreensão da realidade existente no país,
teremos que nos reportar as décadas de 1960-70 do século XX, quando presos
políticos passaram a conviver com criminosos perigosos em presídios da Ilha Grande
e o presídio da Frei Caneca, no estado do Rio de janeiro, os marginais comuns
tiveram acesso às estratégias e ao desenvolvimento dos métodos e estruturas de
ação organizacional, os delitos, até aquele momento, eram realizados de forma
amadora. Este contato com os intelectuais presos proporcionou a orientação de
como atuar de maneira conjunta. A detenção e a aproximação forçada foram quesitos
imprescindíveis para o compartilhamento de conhecimentos. Desse encontro
despontou um fruto perigoso: o Comando Vermelho. Há muito que estudar sobre
os presídios brasileiros, como divulgadores de ações criminosas.
As facções de drogas multiplicaram-se após o surgimento do Comando
Vermelho, surgiram diversas outras, sendo as mais famosas o Primeiro Comando
da Capital (PCC), em São Paulo, e a Família do Norte, na Região Norte e Nordeste,
que ganhou expressão nacional com a crise dos presídios em janeiro de 2017.
No entanto, o poder logístico das facções concentra-se no domínio das rotas,
sua atividade econômica está direcionada à regulação das atividades criminosas,
mantendo relações transnacionais com parceiros preferenciais ou parceiros para o
mercado de distribuição atacadista, sendo normais relações estreitas com o crime
organizado internacional, incluindo a máfia (italiana, russa, nigeriana).
A internacionalização da criminalidade e da aplicação da lei, e a sua dinâmica
mútua, estão intimamente relacionadas com as mudanças no cenário mundial,
provocadas pelo fim da Guerra Fria, a globalização, a integração regional e as
reformas neoliberais. As transformações decorrentes desses desenvolvimentos e
processos são múltiplas. Elas produziram novos padrões de hierarquia e dominância
no sistema internacional e modificaram o papel do Estado neste contexto. Com
isso, vemos novas formas de soberania (por exemplo, econômicas, multilaterais,
multinacionais) e de relações entre sistemas econômicos e políticos (por exemplo,
desregulamentação, informalização, corrupção). Essas mudanças no sistema

86 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 75-91, maio/ago. 2017


As Fronteiras do Estado: Violênc., Milíc., Crime Org. e Polít. de Seg. Púb. em Áreas Socialm. Vulneráveis

político e econômico mundial também levam a uma diminuição da separação entre


os quadros interno e internacional para a formulação de políticas e a gestão dos
assuntos econômicos.
O aumento concomitante do poder das forças de mercado e o impacto das
reformas neoliberais debilitaram as capacidades dos Estados ou a disposição de
regular e controlar esses fluxos. A globalização também tem promovido a expansão
de redes e transações ilegais em todo o mundo. As diásporas migratórias ligam os
países produtores de drogas relativamente pobres aos mercados de consumo com
um poder de gasto muito maior. A tecnologia financeira torna mais fácil esconder
o produto do crime e aumentar o comércio em geral, susceptível em relação às
oportunidades de contrabando e fraude.
Tais consequências podem, no entanto, ser provocadas mais pelo fato de
suas atividades serem ilegais, do que as suas organizações criminosas. Maior o
poder de alavanca que o crime organizado pode atingir é sua intocabilidade – que
vem com a internacionalização de suas atividades – que o torna uma ameaça à
autoridade de um Estado. Situação que se agrava na medida em que os governos
recorrem, cada vez mais, à criminalização e a meios repressivos para o controle de
suas atividades.
O tráfico de drogas é, em grande parte, um negócio transnacional. A sua
indústria consiste em várias etapas: cultivo, refinação, transporte, distribuição,
lavagem de dinheiro e investimento de receitas. Em cada estágio da trajetória da
droga, desde a produção até a distribuição, obtêm-se lucros, que são consumidos
ou investidos, mas, muitas vezes, exigem alguma forma de lavagem para esconder
suas origens ilegais.
Dos campos de maconha, coca e papoula aos laboratórios de refino e,
posteriormente, aos consumidores, as drogas passam por diversas rotas de
transporte e distribuição. Atravessam muitas fronteiras territoriais, jurisdições
formais e informais. Técnicas de lavagem mais sofisticadas igualmente usam uma
elaborada rede internacional de instituições financeiras, empresas de comércio
e investimento para esconder os lucros da droga. As várias etapas da trajetória
da droga e a vinculação delas envolvem a participação e, ocasionalmente, a
organização de um grande número de pessoas diferentes para a adequada
execução das atividades, incluindo a proteção contra invasões por órgãos policiais
e concorrentes.
A dimensão transnacional da indústria das drogas ilícitas não é apenas em
função da distância territorial entre as principais regiões de produção e de consumo.
Ela também consiste nas conexões que são feitas por meio de redes e organizações
com diversas bases que, às vezes, desenvolvem operações transnacionais. Assim, as
diferenças nos códigos legais dos países e as capacidades de aplicação da lei moldam
as oportunidades para os empresários de droga evitar os riscos de interdição e
acusação e proporcionar o florescimento de seus negócios.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 75-91, maio/ago. 2017 87


Gilberto de Souza Vianna / Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco

A variedade de leis e sistemas de controle e criminalização em todo o mundo


e as disparidades em capacidade e determinação para controlar o problema da
droga exibido por vários países permitem que os grandes traficantes aproveitem os
pontos fracos.
De acordo com uma estimativa recente do Programa das Nações Unidas
para Controle Internacional de Drogas (PNUCID), as receitas totais provenientes da
indústria de drogas ilícitas são equivalentes a cerca de 8% do comércio internacional
(Organização das Nações Unidas, 2017).

4 O RIO DE JANEIRO E A VIOLÊNCIA CIRCUNDANTE

No Rio de Janeiro, a disputa e a tomada de territórios inteiros sob domínio


do Estado realizados pelo crime organizado têm sido uma constante, não obstante
configura-se de forma diferente de outras regiões, por uma fragmentação do crime
organizado em diversas facções31 e as Milícias32. Em estratégia de segurança, contra
insurgência clássica militar, saberíamos que esta diversidade de facções e a luta
entre elas por territórios levariam as forças do governo a uma rápida supremacia
sobre o crime organizado. No entanto isso não ocorre no Rio de Janeiro, apesar
da política inicialmente bem-sucedida de polícia de proximidade (que ainda vem
dando certo em diversas comunidades). Portanto, resta a pergunta: porque as
forças de Segurança do Estado fluminense não se impõem ao crime organizado?
A existência de uma comunidade de interesse no crime faz parte da resposta que,
talvez, advenha da realização de um estudo acadêmico em relação às milícias. A
questão propulsora é o motivo pelo qual as milícias, conseguiram se estabelecer
em áreas dominadas pelo tráfico, quando são formadas. As milícias, formadas
em grande maioria por membros muitas vezes oriundos das forças públicas de
segurança, graças a sua organização militarizada, instituem uma área de exceção
nas comunidades que dominam, praticam uma violência cruel valendo-se de
ações militares sem a estrutura regulamentar, disciplinar e jurídica que rege as
organizações de Segurança Pública estatais. Um estado de exceção, todavia, não
resolveria a questão do crime organizado no Rio e só provocaria mais violência:

A exceção é uma espécie de exclusão. Ela é um caso singular,


que é excluído da norma geral. Mas o que caracteriza

31 No Rio de Janeiro, em 2016-2107, são atuantes o Comando Vermelho, o Terceiro Comando, o Terceiro
Comando Puro e o Amigo dos Amigos.
32 No Rio de Janeiro, grupos paramilitares armados, que dominam grandes áreas, disputam essas com o
tráfico e, muitas vezes, obtêm o sucesso que as forças policiais organizadas não conseguem ter, mas
exploram a comunidade cobrando serviços e segurança e, em alguns casos, praticando também o
tráfico de drogas.

88 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 75-91, maio/ago. 2017


As Fronteiras do Estado: Violênc., Milíc., Crime Org. e Polít. de Seg. Púb. em Áreas Socialm. Vulneráveis

propriamente a exceção é que aquilo que é excluído não está,


por causa disto, absolutamente fora de relação com aquela na
forma de suspensão. A norma se aplica à exceção desaplicando-
se, retirando-se desta. O estado de exceção não é, portanto,
o caos que precede a ordem, mas a situação que resulta da
sua suspensão. Neste sentido, a exceção é verdadeiramente,
segundo o étimo, capturada fora (ex-capere) e não simplesmente
excluída. (AGAMBEN,2003, p.35).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão é como realizar uma política de Estado em um mundo globalizado,


onde o crime organizado age como empresa transnacional e amplia suas operações
entre si, competem por mercados ou estabelecem formas de cooperar em suas
atividades e, de certa maneira, produzem formas de violências constantes.
O crime organização, ligado ao narcotráfico, cresceu nesta ausência do
Estado, que favoreceu a “comunidade de interesse no Crime”. No caso especial do
Rio de Janeiro, devemos incluir também as milícias - portadoras de uma estrutura
hierarquizada, com divisão funcional de atividades, sofisticada e compartimentalizada
em células; com cadeias de comando e divisão de trabalho bem delineados, revestido
por uma rígida subordinação hierárquica entre seus componentes; estrutura quase
híbrida entre uma empresa capitalista familiar e uma associação paramilitar; uso de
meios tecnológicos sofisticados; e simbiose frequente com o poder público.
Além de afetar as relações interpessoais e o patrimônio individual, o crime
organizado e a lavagem de dinheiro têm objetivos e finalidades especiais, com espírito
empresarial, uma série de macro atuações, algumas de caráter multinacional, e que
influenciam de maneira importante o próprio sistema econômico. Percebemos essa
influência quando nos deparamos com as estimativas aproximadas sobre o volume
de dinheiro “sujo” em circulação, e o fluxo de valores encaminhados aos paraísos
fiscais.
Esse dinheiro, proporcionado pelo narcotráfico, corrupção pública,
contrabando e outras formas de crimes organizados, necessita passar por um processo
de “legalização” ou “Lavagem de dinheiro”, que encontra no circuito econômico seu
veículo necessário e natural, criando-se uma “comunidade de interesse no Crime”,
a qual deve manter comunidades inteiras em situação vulnerável e em situação de
vida nua e “mutável”. Portanto, a principal Política Pública de Segurança deveria ser
o oposto: repensar, no meio desta guerra, o direito à vida.
Não existem respostas fáceis, o crime organizado é uma empresa e, portanto,
depende de uma cadeia logística, um estudo multidisciplinar. A violência persiste
de forma avassaladora sobre as comunidades vulneráveis, perpetua a sua condição,
apresenta-se de diversas formas: econômica, social o que atinge a integridade física
e de vida.

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Gilberto de Souza Vianna / Pedro H. Villas Bôas Castelo Branco

Qualquer política de Segurança Pública deve inicialmente garantir a


vida, esta é a base da conquista de corações e mentes, porém para combater
a comunidade de interesse no crime, a Política Pública deve garantir as funções
essenciais do Estado: segurança, saúde, educação, a prática de cidadania. A
criação de uma comunidade de valores seria um contraponto de comunidade de
interesse no crime. Um Estado onde a população carece de ética e moral, está
fadado à falência institucional.

REFERÊNCIAS

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da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), 2002.

BRUBAKER, R. The limits of rationality, an essay on the social and moral thought of
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Amaldo Marques da Cunha e Sergio Lamarao. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2016.

_______. Vida precária. Revista Semestral do Departamento e do Programa de Pós-


Graduação em Sociologia da UFSCar, v. 1, n. 1, p. 13, 2012.

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International, 2007.

FREUD, S. O Futuro de uma ilusão. Tradução de Renato Zwick. São Paulo: IMAGO,
1974.

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Manaus, 8 jan. 2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/2017/01/
massacre-completa-uma-semana-e-crise-carceraria-segue-no-amazonas.html>. Acesso em: 20
jun. 2017.

90 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 75-91, maio/ago. 2017


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SCHMITT, C. The Leviathan in the State Theory of Thomas Hobbes. Londres:


Greenwood Press, 1996.

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TILLY, C. (1985). War making and state making as organized crime. In: PETER B.
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www.unodc.org/>. Acesso em: 26 jan. 2017.

Recebido em: 18 jan. 2017


Aceito em: 15 set. 2017

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 75-91, maio/ago. 2017 91


Fernanda das Graças Corrêa

POLÍTICAS & AQUISIÇÕES DE DEFESA:


UMA ANÁLISE HISTÓRICA DA PARCERIA ESTRATÉGICA FRANÇA-BRASIL NOS
SÉCULOS XX E XXI

Fernanda das Graças Corrêa*

RESUMO
Esta pesquisa é o resumo da tese de doutorado que teve por objetivo analisar as
relações históricas entre França e Brasil na área de Defesa, desde as missões de
instrução, aquisição de blindados até a entrada do Brasil nas eras supersônica,
missilística e de asas rotativas, e, por meio de estudos de caso, esclarecer em que
momento da história estas relações se configuraram como parceria estratégica.
Considera-se nesta pesquisa a transferência de tecnologia (ToT) um processo
político tratado entre Estados como parte do desenvolvimento autônomo de
programas estratégicos nacionais de defesa de longo prazo. Sustenta-se que
a parceria estratégica entre França e Brasil por meio da ToT para programas
estratégicos de defesa e os offsets, ademais de serem parte da Grande Estratégia da
França, contribuirão para distribuir capacidades e exercer maior projeção política
no sistema internacional.
Palavras-chave: Aquisições de Defesa. Transferência de Tecnologia. Parceria
Estratégica França-Brasil.

DEFENSE POLICIES & ACQUISITIONS: A HISTORICAL ANALYSIS OF THE FRANCE-


BRAZIL STRATEGIC PARTNERSHIP IN THE XX AND XXI CENTURIES

ABSTRACT
This research is the summary of the doctoral thesis that aimed to analyze the historical
relations between France and Brazil concerning the Defense area, covering since
the instruction missions and armored vehicles acquisition until Brazil’s entrance in
the supersonic, missile and rotary wings era, as well as by means of a case study
to clarify in which historical moment such relations were configured as a strategic
partnership. The transfer of technology is considered in this research as a political
process dealt between the States as an integral part of the autonomous development
of long range national defense strategic programs. It is also supported that beyond
integral part of France’s Grand Strategy, the strategic partnership between France
and Brazil by means of the transfer of technology for strategic defense programs as
____________________
* Doutora em Ciência Política na Área de concentração Estudos Estratégicos pela Universidade
Federal Fluminense, assessora na Assessoria de Planejamento Estratégico da estatal Amazônia Azul
Tecnologias de Defesa S.A., atualmente, cedida como Adjunta da Divisão de Assuntos de Geopolítica e
Relações Internacionais da Escola Superior de Guerra. Contato: < fernanda.das.gracas@hotmail.com>.

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Políticas & Aquisições de Defesa: Uma Análise Histór. da Parceria Estrat. França-Brasil nos Séc. XX e XXI

well as offsets will contribute to the distribution of capacities and the exertion of
greater political projection within the International System.
Keywords: Defense Acquisitions, Technology Transfer, Strategic Partnership France-
Brazil.

POLÍTICAS Y ADQUISICIONES DE DEFENSA:


UN ANÁLISIS HISTÓRICO DE LA ASOCIACIÓN ESTRATÉGICA FRANCIA-BRASIL EN LOS
SIGLOS XX Y XXI

RESUMEN
Esta investigación es el resumen de la tesis de doctorado que tuvo por objetivo
analizar las relaciones históricas entre Francia y Brasil en el área de Defensa desde
las misiones de instrucción, adquisición de blindados hasta la entrada de Brasil
en las eras supersónica, misilística y de alas rotativas, y, por medio de estudios
de caso, aclarar en qué momento de la historia estas relaciones se configuraron
como asociación estratégica. Se considera en esta investigación la transferencia de
tecnología (ToT) un proceso político tratado entre Estados como parte del desarrollo
autónomo de programas estratégicos nacionales de defensa de largo plazo. Se
sostiene que la asociación estratégica entre Francia y Brasil a través de la ToT para
programas estratégicos de defensa y los offsets, además de ser parte de la Gran
Estrategia de Francia, contribuirán para distribuir capacidades y ejercer una mayor
proyección política en el sistema internacional.
Palabras clave: Adquisiciones de Defensa. Transferencia de Tecnología. Asociación
Estratégica Francia-Brasil.

1 INTRODUÇÃO

Nos séculos XVIII, XIX e XX, a França tornou-se uma das principais potências
mundiais, disseminando pelo Ocidente valores políticos, econômicos, socioculturais
e militares. Os reflexos desta disseminação na área militar no Brasil podem ser
sentidos nas três Forças Armadas (FA) brasileiras, as quais, além de importarem
armamentos e tecnologias avançadas, importaram também instruções, doutrinas,
emprego e concepções teóricas estratégicas que vem desde a École Jeune até a
atual estratégia negacionista adotada nas políticas públicas de defesa e no próprio
planejamento estratégico e operacional atuais da Marinha do Brasil (MB).

2 MISSÕES MILITARES E A ERA DOS BLINDADOS

Em dez de outubro de 1918, Brasil e França assinaram um contrato que


tratava da vinda de uma missão militar francesa ao Brasil para criar a aviação militar
no Exército Brasileiro (EB). A missão teve por finalidade “criar, em primeiro lugar,

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017 93


Fernanda das Graças Corrêa

as escolas de Aviação necessárias à instrução de pilotos, mecânicos e observadores.


Após, organizará os serviços aeronáuticos do Exército Brasileiro, de acordo com os
métodos em vigor no Exército francês”. (BASTOS FILHO, 1994, p. 68.) Esta passou a
ser oficialmente conhecida como Missão Militar Francesa de Aviação, célula mater
da Força Aérea Brasileira (FAB). De acordo com Celso Castro, “a palavra francesa
patron tem o duplo sentido de “patrono” (protetor) e “padrão” (modelo). O termo
“patrono” não existia, até então, na tradição militar brasileira” (CASTRO, 2002, p.
18). “A inspiração francesa para essa “nova tradição” encontrou terreno propício
para vingar devido à admiração que então se tinha pela cultura militar daquele país,
vitoriosa na recente guerra mundial” (CASTRO, 2002, p. 18). Em virtude do sucesso
da França na Primeira Grande Guerra e da Missão Militar de Aviação, o governo
brasileiro autorizou a contratação da Missão Militar Francesa de Instrução (MMFI),
em 1919, para profissionalizar o Exército brasileiro (EB). A MMFI representava para
os franceses a monopolização da venda do material bélico ao Brasil como parte de
sua estratégia para recuperar a economia francesa. Em 1921, chegaram ao Brasil
às doze novas unidades de carros de combate Renault FT-17, oriundos da fábrica
francesa Delaunay-Belleville. (BASTOS, 2011, p. 18).
Estas aquisições tiveram profundo impacto na história brasileira, a medida que
permitiram a entrada do Brasil nas eras da Aviação Militar, do Exército Profissional e
dos Blindados. Contudo, embora o EB tenha adentrado na era dos Blindados, nem
a França nem o Brasil haviam sofrido a mudança de mentalidade necessária para
compreender e empregar o conceito de guerra de mobilidade; o que não ocorreu
no Exército alemão. Apesar de construir e operar tanques de guerra, a mentalidade
do militar francês na Segunda Guerra estava mais voltada para a defesa estática
das fronteiras do que para a guerra de mobilidade; o que foi decisivo na rendição
da França na Guerra, em 1940. A imagem da França enquanto potência mundial foi
comprometida, impactando no imaginário militar e na política externa brasileira.
A entrada dos Estados Unidos da América (EUA) na Segunda Grande Guerra,
em dezembro de 1941, foi decisiva para a sua mudança de status no sistema
internacional, no qual de mero coadjuvante se tornou o principal credor e reformador
deste sistema no findar da guerra. Além de criar estruturas de poder, nas quais ele
era um dos principais atores no pós-guerra, eram os valores políticos, econômicos,
socioculturais e militares dos EUA que passaram a ser disseminados no Ocidente.
Com a pressão dos EUA para o Brasil declarar guerra ao Eixo na Segunda Guerra e a
aprovação da Lei de Empréstimo e Arrendamento, o mercado de defesa brasileiro
passou a ser abarrotado de armamentos de origem estadunidense. Durante a Guerra,
o Brasil tornou-se o maior aliado dos EUA na defesa das linhas de comunicação no
Atlântico Sul. Com o findar da Guerra, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
ou s URSS passou a ser o maior inimigo dos valores socioculturais do Ocidente, o
que fortaleceu ainda mais os laços políticos Brasil-EUA, relegando à França uma
posição secundária na agenda da política externa brasileira.

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Políticas & Aquisições de Defesa: Uma Análise Histór. da Parceria Estrat. França-Brasil nos Séc. XX e XXI

3 BRASIL: ZONA DE INFLUÊNCIA MILITAR FRANCESA?

No Brasil, especialmente na área militar, a partir do fim da Segunda Guerra, os


EUA passaram a dominar o mercado de importação de armamentos, como navios,
submarinos, blindados, aviões etc. Os EUA ocuparam um mercado especial que até
então tinha a França como um dos principais fornecedores. A fim de fortalecer a
política, a economia, as Forças Armadas e os valores socioculturais franceses e a fim
de enfraquecer e encolher o poder e a influência que os EUA exerciam no Ocidente,
o general francês Charles De Gaulle, a partir da década de 1950, afastou-se das
estruturas políticas internacionais protagonizadas pelos EUA, como a Organização
do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), buscou recuperar a economia e revitalizar a
indústria de defesa francesa e, principalmente, reacendeu o nacionalismo francês,
fortemente abalado com a rendição à Alemanha em 1940:

O general De Gaulle não iria se satisfazer em garantir ao seu


país plena autonomia e segurança energética e tecnológica no
mundo que emergira da Segunda Guerra. Para ele, era também
fundamental afirmar a França como um ator independente em
um mundo dividido pela Guerra Fria. (COELHO, 2014, p. 205).

Embora as tensões políticas e militares provocadas pela Guerra da Lagosta


(1961-1963) contribuíssem para o distanciamento político entre Brasil e França, De
Gaulle, ao retornar à presidência da França, aproveitou-se do legado deixado pelas
Missões Militares francesas, para retomar o diálogo com o governo brasileiro. André
Normand, adido militar no Brasil de 1955 a 1958, e Henri Lemond, seu sucessor
de 1958 a 1961, fizeram um amplo estudo sobre os problemas brasileiros. Uma
das principais conclusões a que chegaram era que “a França tinha dificuldades em
oferecer as mesmas oportunidades de compra ao Brasil e os Estados Unidos não
ofereciam uma doutrina de guerra apropriada ao teatro de operações brasileiro”
(ARAÚJO, p. 261, p. 17).
Em virtude da perda da exclusividade da venda de seus armamentos no
mercado brasileiro, a partir da Guerra Fria (1945-1989), a França buscou inserir seus
interesses em uma área em que os EUA ainda não haviam adentrado: doutrina.
A partir daí o Brasil passou a adotar conceitos doutrinários franceses nos seus
documentos militares oficiais, tais como guerra psicológica e inimigo interno. Neste
momento, o Brasil deixou de ser só um pólo de interesse comercial para ser também
uma zona de influência militar francesa. Além da Escola Superior de Guerra (ESG) e
da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), os militares franceses
buscaram inserir suas novas concepções ideológicas, em instituições de ensino, como
a Escola Nacional de Informação (ENI) e o Centro de Instrução de Guerra na Selva
(CIGS). Nestas instituições, os militares franceses realizavam palestras, introduziam

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017 95


Fernanda das Graças Corrêa

conceitos e ensinavam técnicas de guerra psicológica para os militares brasileiros.


Os principais objetivos do governo francês em empregar estes militares no Brasil
eram reativar a rede de informações entre os dois países e reabrir o mercado de
defesa brasileiro para os armamentos franceses.

4 INFLUÊNCIA FRANCESA NO PENSAMENTO ESTRATÉGICO NAVAL BRASILEIRO NO


SÉCULO XX

A partir da década de 1970, os novos desafios políticos, econômicos e


estratégicos obrigaram as FA brasileiras a buscar novos horizontes materiais e
tecnológicos militares, o que permitiu que, na MB novas concepções teóricas navais
fossem consideradas pelos militares da força naval brasileira, em especial, a dos
franceses. Três teóricos franceses passaram a ser os principais objetos de estudos
de militares da MB a partir da década de 1970: Hyacinthe-Laurent-Théophile Aube,
Raoul Castex e Hervé Coutau-Begarie.
O então ministro da Marinha francesa, almirante Hyacinthe-Laurent-Théophile
Aube foi o idealizador da École Jeune, uma escola de pensamento naval, nascida no
final do século XIX, que ensejou na estratégia naval o conceito de mobilidade por
meio da guerra de corso.
O almirante francês Raoul Castex foi autor de numerosas obras, entre elas:
Le Grand État-Major Naval, Question Militaire d’Actualité, publicada em 1909,
Synthèse de la Guerre Sous-marine. De Pontchartrain à Tirpitz, publicado em 1920
e Théories Stratégiques publicado entre 1929 e 1935. Raoul Castex foi o teórico
estrategista que mais considerou o emprego de submarinos em operações navais
na 1ª Guerra Mundial. Sobre Castex, o estrategista francês, Hervé Coutau-Begarie,
afirmou em Synthèse de la Guerre Sous-marine que,

trata de salvar, modernizando-a, a doutrina da velha escola: os


submarinos alemães tiveram, efetivamente, um grande êxito,
mas na ausência de uma ofensiva de superfície, não puderam
ser decisivos; ao contrário, a proteção indireta exercida a
distância pelos encouraçados da Gran Fleet, que neutralizavam
seus homólogos da Hochseeflotte e constituíam dessa maneira,
a pedra angular do dispositivo aliado. (COUTAU-BEGARIE, 1989,
p.30)

Castex era crítico da École Jeune, era defensor da superioridade intrínseca


do poder marítimo sobre o poder terrestre e foi o teórico estrategista que mais
considerou o emprego de submarinos em operações navais ainda na Primeira
Guerra Mundial. As concepções teóricas de Castex tiveram profundo impacto na
estratégia naval da 2ª Guerra Mundial e na Guerra Fria. As principais Marinhas do
mundo, como Estados Unidos, União Soviética, Inglaterra e França, construíram

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Políticas & Aquisições de Defesa: Uma Análise Histór. da Parceria Estrat. França-Brasil nos Séc. XX e XXI

submarinos diesel-elétricos e nucleares e aprofundaram estudos sobre novas


formas de empregos de submarinos em campanhas navais.
Coutau-Bégarie pertencia à escola de pensamento de Castex e defendia que
o dilema entre o corso e a batalha decisiva33, na verdade, não eram concepções
teóricas, mas sim métodos históricos que direcionavam as Marinhas à adoção
de uma mesma estratégia naval e que somente Castex compreendeu o conflito
de métodos das demais escolas de pensamento e conseguiu superá-las, criando
uma teoria: a teoria do perturbador continental. Esta obra de Castex pode ser
analisada sob três conceitos principais: espaço, posição geográfica e o perturbador
continental. O primeiro conceito diz respeito à relação com a manutenção de uma
situação de isolamento, favorável ao posicionamento defensivo contra agressões
externas. O segundo conceito se refere à posição geográfica associada aos impulsos
dos países voltarem-se para o mar, buscando recursos além-mar que lhes garantam
a sobrevivência. E o terceiro conceito inovador, denominado de perturbador
continental, refere-se ao equilíbrio de poder europeu, periodicamente, ameaçado
quando surge um Estado aspirando à hegemonia. Castex tomava por exemplos
países em pleno desenvolvimento, tanto econômico quanto demográfico, com
ambições expansionistas, que buscavam concretizar no continente, acabando,
porém por serem contidos pela coligação de outros Estados, liderada pela potência
marítima. Nesta teoria, o domínio do mar através da projeção do poder marítimo
sobre o continente, evita que o inimigo ataque o território nacional a partir do mar,
impede que ele usufrua do mar para transportar, abasteça forças militares e exerça
nele exploração econômica. Segundo esta teoria, Castex orienta as Marinhas a
projetar poder marítimo sobre o continente negando o uso do mar aos inimigos.
A teoria do perturbador continental provocou profundas mudanças na elaboração
dos planejamentos navais das Marinhas mundiais e, mais especificamente, a partir
da década de 1970, na MB.
A partir da década de 1970, com a ampliação da plataforma continental
brasileira, descoberta de petróleo em águas jurisdicionais nacionais e com a
multiplicação dos usos do mar, a mentalidade da estratégia naval brasileira sofreu
profundas mudanças, priorizando, no início do século XXI, a negação do uso do mar
em detrimento à tradicional defesa das linhas de comunicação.

5 REABERTURA DO MERCADO AERONÁUTICO DE DEFESA BRASILEIRO

Militares e embaixadores franceses instalados no Brasil utilizaram sua


influência sobre os governos militares para reabrir o mercado de importação de
defesa brasileiro, priorizando produtos franceses; o que garantiu a superioridade

33 Teses defendidas pelo almirante estadunidense Alfred Thayer Mahan e pelo estrategista britânico
Julian Stafford Corbett.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017 97


Fernanda das Graças Corrêa

aeronáutica brasileira no cenário regional e a entrada do Brasil nas eras supersônica,


missilística e de asas rotativas militares.
Na área aeronáutica, as empresas francesas, como a Holste e a Aérospatiale,
contribuíram para que as empresas e institutos brasileiros passassem a projetar aviões
militares. Por meio de importação de cérebros, o engenheiro aeronáutico francês, Max
Holste, desenvolvedor do modelo de aviões Broussard, foi contratado por Ozires Silva,
então chefe de operações do departamento de Aeronaves do Instituto de Pesquisas e
Desenvolvimento (IPD), para projetar e desenvolver em território brasileiro o primeiro
avião de uso militar de transporte, carga, busca e salvamento e reconhecimento
fotográfico. Denominado de Bandeirante, esta aeronave se tornou o ponto de partida
para a indústria aeronáutica brasileira, em especial, para a Embraer.
Em virtude da transferência da capital brasileira do Rio de Janeiro para a
Brasília e da criação de um núcleo de defesa aérea, a Força Aérea Brasileira (FAB)
iniciou estudos sobre novas tecnologias aeronáuticas para realizar a defesa aérea
de Brasília. Desta forma, a FAB iniciou sondagens nos EUA para a aquisição de
caças de intercepção aérea supersônicos. A resistência dos EUA em ceder/vender
caças supersônicos obrigou a FAB a iniciar sondagens em outros países. Ansiosa
em participar ainda mais do mercado aeronáutico brasileiro, a empresa francesa
Aérospatiale aceitou vender ao Brasil caças supersônicos Mirage, considerados na
época, um dos melhores desta geração. Os pilotos brasileiros, chamados de Dijon
Boys, receberam instruções técnicas sobre o Mirage na Base Aérea de Dijon-Longvic,
na cidade de Dijon, na Borgonha, e lá mesmo passaram a voar em caças franceses.
De acordo com P. F. Kasseb:

[...] o mês de maio de 1972 foi o escolhido para o envio dos oito
primeiros oficiais aviadores brasileiros à França. Para o curso em
Mirage IIIE. Eram oficiais com mais de 700 horas de voo, com
experiência em jato e que, em sua maioria, já haviam operado
com aeronaves como Gloster Meteor, F-8, Lockheed F-80 e
T-33, somando uma vasta vivência operacional e administrativa
na Força Aérea Brasileira. Eram, portanto, os “homens-chave”.
Foram eles que, antes de partirem para a França, participaram
ativamente da fase pioneira do Sistema de Defesa Aérea e
Controle do Tráfego Aéreo (SISDACTA) que começava a tomar
forma. (KASSEB, 2008, p. 41).

Apesar de os governos que sucederam De Gaulle a partir da década de 1970


buscarem se voltar mais para o institucionalismo europeu, nenhum deles abriu mão
de priorizar a Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) nas FA francesas e do mercado
de defesa brasileiro. Tanto o governo de Georges Jean Raymond Pompidou (1969-
1974) quanto o governo de Valéry Giscard d’Estaing (1974-1981) buscaram ampliar
a participação francesa no mercado aeronáutico brasileiro.

98 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017


Políticas & Aquisições de Defesa: Uma Análise Histór. da Parceria Estrat. França-Brasil nos Séc. XX e XXI

A ideia de desenvolver no Brasil uma linha de helicópteros militares foi de


uma associação brasileira no início da década de 1970 nos mesmos moldes em
que a Embraer S.A. (Embraer) havia sido criada. Em virtude do sucesso da parceria
franco-brasileira no desenvolvimento do Bandeirante e na aquisição do Mirage, esta
associação iniciou sondagens com a Aérospatiale. Em abril de 1978, a Helibras foi
criada com 45% de participação societária da Aérospatiale e a outra parte da sociedade
pertencia a empresas ligadas ao governo de Minas Gerais (MG). A política de política
de incentivos à criação de pólos industriais em MG justificava a participação societária
destas empresas na Helibras. Além de fomentar a indústria nacional de asas rotativas,
aumentar o índice de nacionalização dos equipamentos e serviços prestados pelas
empresas brasileiras, gerar empregos, qualificar mão de obra especializada, a Helibras,
do ponto de vista brasileiro, por ser a única empresa de helicópteros na América
Latina, aumenta a sua vantagem na logística, na competitividade e na dualidade
no entorno geoestratégico latino americano. Do ponto de vista francês, a Helibras
representa o privilégio francês e o monopólio do modelo tecnológico no mercado
de asas rotativas brasileiro. De acordo com René Dellagnezze, desde a sua criação,
“a Helibras já produziu e entregou ao mercado cerca de 500 helicópteros, entre eles
70% do modelo Esquilo. Aproximadamente 10% da produção total é exportada para
países latino-americanos, como Argentina, Bolívia, Chile, México, Paraguai, Uruguai e
Venezuela” (DELLAGNEZZE, ESC Defesa, 2010, p. 34). Embora, em boa parte a Helibras
se configure como uma montadora de equipamentos de asas rotativas franceses,
a maior parte dos trabalhadores da empresa é brasileira e há um nível razoável de
cooperação técnica e tecnológica tanto no projeto quanto de construção, nos quais
engenheiros aeronáuticos brasileiros atuem.
A Aérospatiale também teve participação ímpar na entrada do Brasil na era
missilística. Este episódio da História pode ser dividido em duas partes: a aquisição
brasileira de lançadores e das famílias de mísseis MM38 e MM40, na década de
1980, e no desenvolvimento do Míssil Antinavio (Man-sup), a partir de 2003. A
nacionalização do MM38 foi determinante para o desenvolvimento do Man-sup e o
índice de nacionalização alcançado pela MB tem garantido às empresas brasileiras
licitadas os offsets necessários para assegurar o conhecimento em tecnologias
missilísticas no país, na maior qualificação de mão de obra especializada, no fomento
à ampliação de cursos em engenharia aeronáutica no país e na expectativa de
criação de políticas públicas que incentivem pesquisas científicas e desenvolvimento
tecnológicos nas empresas brasileiras, em institutos de pesquisas, em laboratórios
e nas universidades.

6 POLÍTICAS PÚBLICAS DE DEFESA NACIONAL E TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA

As principais políticas públicas de defesa nacional, como a Estratégia


Nacional de Defesa (END) e o Livro Branco da Defesa, consideram a Transferência

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017 99


Fernanda das Graças Corrêa

de Tecnologia (ToT) prioritária. Compras de oportunidade, importação de cérebros,


treinamento de pessoal, joint ventures e cooperação tecnológica estiveram presentes
na histórica relação França-Brasil na área de defesa. No entanto, a França nunca
havia se comprometido com a ToT de produtos de defesa para o Brasil. Embora
as políticas públicas incentivem e fomentem a ToT nas negociações de defesa no
Brasil, culturalmente, não há a tradição em P&D nas empresas brasileiras e há um
distanciamento entre a P&D das universidades e laboratórios com as empresas; o
que gera vazão produtiva, lacunas tecnológicas no processo de inovação e atraso
no crescimento econômico do país. Neste sentido, buscou-se análises e respostas
que possam contribuir na superação das lacunas tecnológicas no desenvolvimento
econômico brasileiro. Acredita-se que, o comprometimento da França em aceitar
transferir tecnologias é uma oportunidade histórica que, conhecendo o modus
operandi francês, poderá contribuir na superação das lacunas tecnológicas de
programas estratégicos e na recuperação do atraso econômico em que o País se
encontra comparado a outros países emergentes. Há um consenso entre estes
autores de que o Estado tem um papel significativo na criação de conhecimentos e
na mobilização de recursos que permitam a difusão do conhecimento e da inovação
no campo da economia de defesa, de que a defesa é uma área que deve ser
priorizada pelo Estado no empreendimento de políticas públicas que fomentem a
maior participação de empresas privadas nos programas estratégicos, que cabe ao
Estado incentivar parcerias público privadas, P&D nas empresas, nas universidades
e em laboratórios, flexibilizar a dualidade das tecnologias desenvolvidas, garantir o
acesso ao crédito, a tecnologias e aos mercados mundiais.
O governo francês tem reformulado a sua política de exportação de produtos
de defesa para garantir acesso a novos mercados, em especial, no continente
americano. Há discordâncias entre especialistas franceses a cerca da política de ToT
como uma estratégia comercial para ter acesso a novos mercados, em especial,
latino americanos. Embora não haja uma espécie de manual que instrua as empresas
francesas a transferir tecnologias para as empresas e setores governamentais
estrangeiros, cada empresa francesa tem um modus operandi diferente na
transmissão do conhecimento e a opera dentro de um limite técnico; o que gera
incertezas sobre a eficácia na ToT nos países receptores. “A verdadeira transferência
de tecnologia ocorre quando o receptor absorve o conjunto de conhecimentos que
lhe permitem adaptá-la às condições locais, aperfeiçoá-la e, eventualmente, criar
nova tecnologia de forma autônoma”. (LONGO, 2007, p. 6). Daí a importância da
maturidade dos programas estratégicos, da qualificação profissional especializada
e conhecimento holístico da tecnologia e das empresas fornecedoras. Os três mais
importantes programas estratégicos das Forças Armadas que contam com o aceite
francês em transferir tecnologia são o Man-sup, o Programa de Desenvolvimento
de Submarinos (Prosub) e o Programa HXBR e em cada um destes programas as
empresas francesas, respectivamente, MBDA, DCNS e Airbus Helicopter, apresentam

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Políticas & Aquisições de Defesa: Uma Análise Histór. da Parceria Estrat. França-Brasil nos Séc. XX e XXI

um modus operandi diferenciado na transferência da tecnologia. A MBDA participa


do Man-sup por meio de consultas e relatórios técnicos à gerência naval responsável
pelo programa. A DCNS participou da seleção de empresas brasileiras que participam
do Prosub, criou uma Escola de Projetos de submarinos na França e constituiu
joint venture com a empresa brasileira Odebrecht. Na relação da Airbus Helicopter
com a Helibras, o contrato de ToT tem objetivo final a construção de aeronaves
modernas da linha EC725 em território nacional. Para cumprir o contrato, a empresa
francesa aumentará a escala de produção, aumentará o índice de nacionalização de
equipamentos, investirá em infraestrutura nas instalações da Helibras, treinará mão
de obra especializada brasileira nas instalações da Airbus Helicopter na França, e
enviará especialistas franceses ao Brasil para acompanhar a implantação da nova
linha dos EC725 em território nacional.
A negação do uso do mar é considerada uma estratégia naval de países
mais fracos. Embora pareça paradoxal a MB adotar a negação do uso do mar
como estratégia naval em detrimento do status de potência emergente que o
Brasil sustenta, é importante considerar o longo período em que o Brasil não é
protagonista de guerras, as vulnerabilidades da economia nacional, os poucos
processos de inovações radicais nas indústrias de defesa brasileiras, a ausência de
cultura de defesa e a harmonia com que o Brasil compartilha nas suas relações no
seu entorno geoestratégico Sul-Sul. Por a negação do uso do mar ser prioritária
na estratégia naval, o Prosub é o principal programa estratégico da MB. Por a
estratégia negacionista promover a deteriorização da capacidade operacional e/ou
impedir a liberdade de ação do inimigo dentro do entorno geoestratégico atende
satisfatoriamente as demandas da defesa naval brasileira no Atlântico Sul.
A criação da estatal Amazônia Azul Tecnologias de Defesa S.A. (Amazul) também
se configura como uma solução tecnológica para cobrir as lacunas tecnológicas dos
programas estratégicos navais. Cabe à Amazul a missão de desenvolver P&D dentro
de suas instalações, promover parcerias empresariais, acadêmicas e laboratoriais
para gerar inovações radicais e propiciar vazão produtiva às inovações geradas
pela empresa. Por esta estatal reunir em seu quadro os recursos humanos com
experiência no setor nuclear e se constituir como uma Empresa Estratégica de
Defesa acredita-se que Amazul reúna as qualificações necessárias para tornar viável,
eficiente e reduzir as incertezas quanto ao processo de absorção de tecnologia no
futuro submarino com propulsão nuclear.

7 RELAÇÕES COMERCIAIS OU PARCERIA ESTRATÉGICA?

As alianças constituem-se como o relacionamento mais central na política


internacional e são tão antigas como os próprios registros documentados. Até antes
da assinatura do conjunto de tratados de Westfália, assinados em 1648, as relações
que se configuravam no território europeu tinham por base laços sanguíneos e/

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017 101
Fernanda das Graças Corrêa

ou conjugação de valores religiosos. A partir dos tratados de Westfália, os Estados


tornaram-se entidades políticas capazes de exercer a autoridade suprema sobre os
territórios e detinham em seu poder o monopólio das guerras, o exercício da diplomacia
e a celebração de novos tratados. Segundo Souza Farias em livro organizado por Lessa
e Oliveira, “o termo [aliança] geralmente significa uma relação estruturada em torno
da dimensão militar da política internacional. Isso decorria do motivo primário a guiar
os Estados: a sobrevivência” (2013, p. 18). Thomas Wilkins afirma que:

[...] o conceito de alinhamento perpassa todas as áreas das


Relações Internacionais, tanto em sua dimensão teórica quanto
em seu caráter empírico. Daí a importância de se substituir,
quando adequado, o termo aliança pelo termo alinhamento,
uma vez que o modelo tradicional de alianças realista é bem
menos frequente a partir de 1991. Enquanto aliança significa
um acordo formal entre Estados, em geral contra um terceiro,
que obriga, ou abre a possibilidade, do uso da força contra
esse terceiro, alinhamento é um conceito mais abrangente,
não necessariamente que lide apenas com a área militar, mas
que tem a ver com as expectativas dos Estados sobre um grau
de cooperação futura, se será apoiado ou não por outrem, sob
determinadas circunstâncias. (REZENDE, 2013, p. 48).

Tradicionais alianças firmadas a partir do fim da Segunda Grande Guerra, como


a OTAN, com o fim da Guerra Fria, foram forçadas a sofrer modificações estruturais
que se voltassem mais para alianças cooperativas do que alianças exclusivamente
militares. Wilkins exemplifica os novos modelos de cooperação em segurança como
comunidades de segurança, parcerias estratégicas ou as coalizões da vontade.
(WILKINS, 2012). Nesta pesquisa, o dilema está em definir se a histórica relação
comercial na área de Defesa entre França e Brasil se constitui, atualmente, como
parceria estratégica. Há distinções específicas entre a diplomacia e a academia no
que se refere ao conceito parceria estratégica. Segundo Souza Farias:

[...] no âmbito da diplomacia, muitos eventos cerimoniais de


visitas de chefes de Estado não raro terminam com a assinatura
de declarações conjuntas atestando a existência – ou o desejo
de promover – uma parceria estratégica. O acadêmico não pode
aceitar tal retórica pelo valor de face. Uma parceria estratégica de
corre de um padrão específico de comportamento diplomático
e não das atribuições emanadas do discurso oficial. (LESSA, DE
OLIVEIRA, 2013, p. 24).

A Política Externa Brasileira (PEB) que vinha sendo construída desde fins da
década de 1970, caracterizada pela diversificação de parcerias, sofreu alterações a

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Políticas & Aquisições de Defesa: Uma Análise Histór. da Parceria Estrat. França-Brasil nos Séc. XX e XXI

partir da década de 1990. O novo escopo da PEB, caracterizado pelo aprofundamento


da cooperação e integração regional, pelo posicionamento multilateral e multipolar,
pela orientação questionadora do estruturalismo das relações internacionais
e a manutenção da diversificação das parcerias, dialogando tanto com países
desenvolvidos e emergentes quanto com países subdesenvolvidos, impulsionou as
relações políticas, econômicas, culturais e militares entre os Estados. Desde então,
a PEB tem buscado por meio de coalizões e parcerias estratégicas multi e bilaterais
ampliar a sua atuação em áreas geoestratégicas em que, até pouco tempo atrás,
não havia um esforço diplomático por maior diálogo, integração e/ou cooperação,
como a África Austral, o Oriente Médio e a Ásia. No entanto, ainda que, a partir da
década de 1990, coalizões e parcerias estratégicas tenham crescido em importância
na PEB, a construção destas relações como objeto de estudo nos anos recentes
tem sido pouco estudada. Como observado, há distinções específicas em como a
diplomacia e a academia percebem o termo parceria estratégica. Neste sentido, é
importante que este termo seja analisado para que haja uma maior compreensão
de seu emprego na política internacional. Souza Farias define que:

[...] o termo parceria tem o sentido de associação para alcance


de objetivos comuns, envolvendo cooperação, associação e
colaboração. (...) O termo “estratégica” qualifica a noção de
parceria. Ele é de difícil trato analítico. Utilizado de todas as
formas e em qualquer contexto, sua vulgarização muitas vezes
prejudica sua capacidade explicativa. Ele se refere à identificação
de objetivos relevantes de longo prazo e a existência de
interesses e meios para alcançá-los. A relação, nestes termos,
é direcionada para Estados os quais se atribuem importância
e é cuidadosamente planejada e estruturada para servir a um
propósito ou vantagem. (LESSA, DE OLIVEIRA, 2013, p. 25).

Durante muitos anos, o conceito de estratégia era restrito aos estudos da


guerra. Contudo, teóricos neorealistas têm defendido a ampliação do conceito para
implicações de ordem política e econômica. No sentido mais amplo, o conceito pode
se referir tanto a uma relação cooperativa quanto competitiva entre os Estados ou
para intervir em processos decisórios mudando normas, condutas ou regras nas
relações entre os Estados. David Shambaugh enquadra as relações mantidas entre
os dois Estados: as antagônicas e as harmoniosas. As relações antagônicas são
caracterizadas pela frequente competição estratégica, rivalidades e inimizades. Já
dentre as relações harmônicas, destacam-se as parcerias cooperativas e as parcerias
estratégicas. Sobre as relações harmônicas, Danielly Becard, tomando por base o
conceito de Shambaugh, afirma que:

[...] alinhamentos ou alianças indicam uma forma mais íntima

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017 103
Fernanda das Graças Corrêa

de cooperação, caracterizada por uma colaboração prolongada


no tempo ainda quando não formalizada por meio de acordo
escrito, e pela conjugação de objetivos ligados a segurança,
estabilidade e influência. As relações de aliança acontecem
muito frequentemente entre nações com sistemas políticos
e/ou econômicos semelhantes, podendo evoluir em direção à
formação de um eixo de poder internacional, que implica não
apenas em influência mútua entre os países envolvidos, mas
também na ação articulada e coordenada no tratamento das
mais importantes questões internacionais. (LESSA, DE OLIVEIRA,
2013, p. 44).

Em geral, em relações assimétricas entre Estados, o termo parceria


estratégica é mais empregado pela parte mais fraca da relação. Quando não há
a ênfase no emprego do termo pelas duas partes envolvidas, em quase todos os
casos, o relacionamento há pouco efeito prático e demonstra pouco interesse na
identificação e implementação de objetivos comuns de longo prazo. Souza Farias
menciona o caso das relações assimétricas entre EUA e Brasil durante as gestões,
respectivamente, de William Jefferson Clinton (1993-2001) e Fernando Henrique
Cardoso (1995-2002), quando o então embaixador dos EUA no Brasil, Melvyn
Levitsky, “usou o termo [parceria estratégica] para demonstrar a convergência dos
dois países em uma série de nichos da agenda internacional” (LESSA, DE OLIVEIRA,
2013, p. 25). Particularmente, nas duas gestões de Fernando Henrique houve uma
reformulação da PEB. Embora mantivesse o universalismo, buscou-se mais uma
perspectiva institucionalista nas relações internacionais voltando-se para a abertura
da economia brasileira ao modelo liberal, à redução de barreiras tarifárias que
dificultassem a entrada de produtos importados em mercados nacionais e a blocos
específicos da globalização e a uma conjuntura de normas e regimes internacionais
que visavam fortalecer um ambiente o mais integrado possível. De acordo com Tullo
Vigevani, Marcelo F. de Oliveira e Rodrigo Cintra:

[...] o conceito de mudança com continuidade, que prevaleceu


no governo FHC, significava, segundo seus formuladores, que
a renovação do paradigma tradicional deveria caracterizar-se
por uma visão de futuro e adaptação criativa. Na perspectiva
de FHC, também de Lampreia e de Lafer, a visão de futuro
era fundamental diante de um ambiente desfavorável, contra
o qual a diplomacia deveria atuar a longo prazo, buscando
adaptar-se às mudanças. O objetivo não seria a adaptação
passiva, mas, no limite do próprio poder, articulado com
o interesse de outros estados e forças, o de redirecionar e
reformar o ambiente, buscando a possibilidade de participação
nos assuntos internacionais por meio da elaboração de regimes

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Políticas & Aquisições de Defesa: Uma Análise Histór. da Parceria Estrat. França-Brasil nos Séc. XX e XXI

mais favoráveis aos interesses brasileiros. (VIGEVANI, OLIVEIRA,


CINTRA, 2003, p. 3).

Com o fim da Guerra Fria, os EUA se tornaram a maior potencia mundial.


O governo de Fernando Henrique acreditou que defendendo a autonomia
pela integração e a parceria estratégica com os EUA garantiria um marco legal
internacional na busca da concretização dos objetivos comuns de longo prazo.
A autonomia pela integração era uma definição do então ministro das Relações
Exteriores Luis Felipe Lampreia (1995-2000) que opôs a busca de uma autonomia
pela distância, característica, segundo ele, da diplomacia brasileira durante a Guerra
Fria, a autonomia pela integração, na qual há o anseio por maior participação na
política internacional. Foi neste contexto que foram, oficialmente, formalizadas as
inúmeras coalizões de interesses, como a nova rodada multilateral da Organização
do Comércio (OMC), a Área de Livre Comércio das Américas (Alca), a União Europeia
(EU) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul). Embora o embaixador dos EUA no
Brasil, Melvyn Levitsky, tenha empregado o termo parceria estratégica para definir
as relações comerciais entre EUA e Brasil na década de 1990, a identificação e
implementação de objetivos comuns a longo prazo foram insignificantes diante do
anseio brasileiro por maior participação na política internacional, especialmente, na
questão nuclear. Após tantos anos de relutância por considerá-lo discriminatório,
desde 1968, foi no governo de Fernando Henrique que o Brasil, em 1998, passou
a ser signatário do Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). De
acordo com o ministro Luiz Felipe Lampreia:

[...] ao aderir ao TNP – os instrumentos de ratificação pelo Brasil


foram depositados em 18 de setembro último – cumpriu-se o
objetivo prioritário do Presidente Fernando Henrique Cardoso de
resgatar as ‘hipotecas’ que ainda pesavam sobre a credibilidade
externa do País, como também ocorreu com nossa adesão ao
CTBT (Tratado para a Proibição Completa de Testes Nucleares) e
a decisão de submeter ao Congresso a aceitação pelo Brasil da
competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos
Humanos. Rapidamente ficou comprovado o benefício de
aderir ao TNP. Quando, por coincidência, a Índia e o Paquistão
conduziram testes nucleares no primeiro semestre deste
ano, ganhamos mais respeito da comunidade internacional,
traduzido no convite do G-8 para que participássemos do
esforço para ajudar a encaminhar uma solução para as tensões
no sul da Ásia. (LAMPREIA, 1998, p. 6).

Um dos maiores críticos da assinatura do TNP pelo Brasil é o físico Luiz


Pinguelli Rosa, o qual considera “que o Brasil se colocou em condição humilhante

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017 105
Fernanda das Graças Corrêa

e subserviente” ao aceitar o tratado sem obter contrapartidas das potências


nucleares” (Folha de São Paulo, 1997). Lampreia acreditava que o Brasil passaria a
ter mais autoridade para cobrar a implementação do desarmamento nuclear, que
a assinatura do TNP reforçaria o apoio dos EUA a pleitear uma vaga no Conselho
de Segurança da ONU e que não havia mais resistência dos militares brasileiros a
assinatura do TNP à medida que “a política de defesa do país jamais se baseou em
armas atômicas” (Folha de São Paulo, 1997).
De acordo com Yong Deng, ao analisar o caso chinês, além da parceria
estratégica implicar a aceitação mútua da importância dos Estados parceiros:

[...] assinala o desejo político do parceiro de reconhecer a legítima


ascensão da China, de administrar áreas de desacordo de forma
a melhorar o relacionamento bilateral e, se possível, melhorar a
coordenação em termos de promoção de preferências comuns
na arena internacional. (LESSA, DE OLIVEIRA, 2013, p. 25)

Além do maior acesso à tecnologia nucleares de fins exclusivamente pacíficos


nos grupos supridores nucleares ser insignificante, do programa de construção de
novas usinas nucleares se encontrar paralisado e do projeto do submarino nuclear
brasileiro se encontrar, praticamente, em estado vegetativo, na década de 1990,
os EUA não apoiaram o pleito brasileiro por assento permanente no Conselho de
Segurança da ONU.
Como mencionado anteriormente, a partir da década de 1990, a PEB passou
por transformações caracterizadas por coalizações como Zona de Paz e Cooperação
do Atlântico Sul (Zopacas) e Mercado Comum do Sul (Mercosul), e por relações
comerciais de longo prazo como o relacionamento estabelecido com os EUA,
contudo, foi no governo de Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010) que as parcerias
estratégicas foram consideradas programas de trabalho. No governo Lula, a maior
parte das negociações que envolviam a participação dos Estados era considerada
parceria estratégica. Em documentos oficiais que podem ser encontrados nas
páginas oficiais do Governo na Internet é possível encontrar parcerias estratégicas
entre Brasil e diversos outros Estados, inclusive, o termo parceria estratégia para se
referir às relações comerciais entre Brasil e à União Europeia.
A discussão proposta nesta pesquisa não buscou problematizar se as
relações comerciais do Brasil com outros Estados são ou não são parcerias
estratégicas. Mas sim, sob o olhar científico da academia fundamentar o termo
parceria estratégica e avaliar se a histórica relação comercial na área de defesa
entre França e Brasil ao longo de mais de cem anos pode ser considerada uma
parceria estratégica. A fim de fundamentar o termo parceria estratégica, propõe-
se um debate acadêmico com alguns autores que operam este conceito. André
Luiz Reis da Silva sustenta que:

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[...] observou-se, durante o governo Lula, um grande


“ativismo diplomático”, marcado pelo aumento do número
de viagens, pela instalação de novas embaixadas e pela busca
de maior protagonismo nos fóruns globais, o que gerou uma
intensificação das relações multilaterais e regionais do país,
bem como uma intensificação das relações bilaterais, muitas
das quais adquiriram o status de “parceria estratégica” junto ao
Brasil. (REIS DA SILVA, 2015)

No entanto, ao contrário do que Reis da Silva argumenta, sustenta-se que,


não houve alteração na PEB com esta situação. Argumenta-se que o investimento
do Brasil em parcerias que pudessem potencializar os interesses nacionais no
sistema internacional foi ampliado, à medida que novos atores e novos entornos
geoestratégicos foram incluídos. A estratégia da PEB na potencialização dos
interesses brasileiros em fóruns globais se manteve a mesma, defendendo um
discurso inclusivo, um ambiente cooperativo e menos competitivo entre os
Estados. Sustenta-se assim, que estas relações ampliadas, intensificadas em velhos
e novos entornos geoestratégicos podem ser analisadas sob o conceito de parceria
estratégica.
Ao pesquisar sobre o processo de construção do universalismo como vetor
da PEB, Lessa sustenta que as parcerias estratégicas constituem um novo modo de
proporcionar instrumentalidade ao sistema de relações bilaterais do Brasil. O fato
de o Brasil não protagonizar nenhum conflito desde a Guerra do Paraguai (1865-
1870) supõe que as relações do Brasil com outros Estados têm na diplomacia a sua
principal estratégia de ação. Esta análise ressalta a vocação para a universalidade
que, combinada com o pragmatismo e a capacidade de articulação concreta,
operacionalizaram as históricas relações bilaterais do Brasil. Estas características
destacam o Brasil na arena internacional, à medida que o seu histórico de relações
bilaterais assegura respeito e credibilidade nos fóruns globais, permitindo identificar
o Brasil no concerto das nações, tanto do ponto de vista político quanto do ponto
de vista econômico, o parceiro ideal para mediar/estabilizar/resolver impasses e/
ou constrangimentos. Isso pode ser observado, por exemplo, na percepção positiva
dos EUA sobre o Brasil na ONU, na condução das operações humanitárias e de
paz em Estados falidos, na resolução de contendas regionais, como na questão do
gasoduto com a Bolívia e da hidrelétrica com o Paraguai e na mediação de tensões
entre os vizinhos sul-americanos. De acordo com Condoleezza Rice, ex-secretária
de Estado dos EUA:

[…] os EUA buscam no Brasil um parceiro regional e um líder


global [...] O Brasil vem desempenhando um papel muito
positivo nos últimos eventos aqui na região. Portanto, o Brasil
que é uma grande democracia multiétnica deve desempenhar

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017 107
Fernanda das Graças Corrêa

um papel fundamental não só nos assuntos regionais, mas nos


globais. (PECEQUILO, 2008, p. 146).

Por meio de sua política universalista, pragmática e capacidade de articulação


concreta, desde o governo de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010) o Brasil tem
ampliado sua presença nos mercados de países emergentes. Destaque pode ser
dado aos países que compõem os Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul),
a América do Sul por meio do Mercosul e da Unasul, a África Austral através da
Zopacas e da CPLP, e mais recentemente o Oriente Médio por meio da Cúpula dos
Países Árabes. A capacidade de articular alianças elevou o poder de barganha do
Brasil no comércio, empréstimos, dívida externa, transferência de tecnologias,
ajuda direta e investimentos. Cristina Pecequilo sustenta que os EUA consideram
e privilegiam em suas relações Estados fortes, aqueles que incrementam o poder
de barganha. (PECEQUILO, 2008, p. 144). De acordo com esta autora, “este padrão
de auto-respeito é comum em parceiros norte-americanos como China e Índia, e
passou a ser adotado pelo Brasil pela ampliação de sua agenda e conciliação do
bilateralismo com seu característico perfil de global trader and player” (PECEQUILO,
2008, p. 144). Por haver equivalência de objetivos, as relações com estes países
se firmariam e gerariam benefícios potenciais nas áreas econômica, estratégica e
política para o Brasil.
Densidade do diálogo político, convergência de agendas, potencial da
cooperação científico-tecnológica, envolvimento em projetos de desenvolvimento
conjuntos entre os países constituem características que podem mensurar se o grau
de estreitamento entre os países pode se configurar como uma parceria estratégica.
De acordo com André Luiz Reis da Silva:

[...] durante a era Lula, a vulgarização do termo parece


ter sido útil enquanto o país procurava um papel de
protagonismo no cenário internacional. O problema, no
entanto, é a perda de sentido e de importância que surge
com essa vulgarização. Logo, uma parceria estratégica
passa a se tornar mais um título do que uma designação
de relações bilaterais definidas pela cooperação e
convergência entre as políticas e a economia de dois
países. (REIS DA SILVA, 2015, p. 9).

Neste processo de banalização do termo parceria estratégica, qualquer


relação substancial ganha notoriedade que não faz jus à relação. A idéia de parceria
estratégica deve ser explorada para precisar as relações que permitem ganhos
substantivos e potencializem os Estados no jogo político do sistema internacional,
caracterizado por um ambiente estrutural, anárquico, assimétrico e de constante
competição. Em virtude da dependência excessiva em relação aos EUA no século XX,

108 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017
Políticas & Aquisições de Defesa: Uma Análise Histór. da Parceria Estrat. França-Brasil nos Séc. XX e XXI

as parcerias estratégicas são construídas a partir do surgimento de velhos e novos


atores que ofereçam alternativas a esta dependência no sistema internacional. De
acordo Lessa:

[...] isso é tanto verdade que é possível afirmar que as


relações Brasil-Europa Ocidental no século XX sejam
caracterizadas por uma precisa regularidade: sempre
que o Brasil procura alternativas – por vezes políticas,
outras vezes econômicas – ao seu relacionamento com
os EUA, volta-se para a Europa Ocidental; sempre é
muito bem correspondido. (LESSA, 1998, p.4).

Neste trabalho, foram citados casos em que a França se tornou alternativa


à dependência brasileira do mercado de defesa dos EUA. As condições para
o estreitamento de vínculos com determinados países são criadas quando
constrangimentos, próprios das relações anárquicas e assimétricas das relações
internacionais são infligidas por países mais desenvolvidos ou, segundo o raciocínio
deste autor, as relações tradicionais entre os países não são suficientes para prover
os meios necessários para o desenvolvimento, ou ainda quando a deterioração
das relações políticas e econômicas com a potência hegemônica impõe a criação
de mecanismos alternativos que proporcionem maiores margens de autonomia.
De acordo com Lessa, a construção de parcerias estratégicas está associada ao
processo de escolha de parceiros preferenciais, o que convencionou denominar
universalismo seletivo.
Sobre as relações entre os países, Diego de Freitas Rodrigues lança dois
conceitos: parceria cooperativa e parceria estratégica. Na primeira, há uma relação
harmoniosa em que, diferentemente do que ocorre na parceria estratégica, há
menor grau de envolvimento entre os Estados, os quais desfrutam de relações
mais produtivas e assertivas em diversas áreas. Neste tipo de parceria, nas áreas
estratégicas de segurança e defesa, a cooperação é limitada. Já a parceria estratégica
é fruto da combinação de quatro variáveis fundamentais:

[...] (i) condução de diálogo profícuo e amistoso entre altas


autoridades políticas de ambas as partes, sustentado por
mecanismos institucionais; (ii) manutenção de relações
dinâmicas nos campos econômicos e sociocultural, com
participação de diferentes atores sociais, contribuindo
para o desenvolvimento de seus projetos nacionais; (iii)
desenvolvimento de cooperação ativa e abrangente em
questões estratégicas e de segurança, inclusive no campo
militar; (iv) compartilhamento de visões a respeito da

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017 109
Fernanda das Graças Corrêa

organização do ambiente internacional. (RODRIGUES,


2010, p. 58).

Neste tipo de parceria, as relações entre os Estados ocorrem em grau


mais avançado e os países envolvidos possuem interesses estratégicos e sistemas
políticos semelhantes, desenvolvendo relações militares estreitas, subsidiadas por
serviços de informação que também são interligados. Parcerias estratégicas que
ocorrem entre países que são aliados tendem a ser mais duradouras e há maior
cooperação entre seus sistemas políticos e econômicos, buscando mecanismos que
visem à segurança, estabilidade e à influência.

Tais relações podem evoluir em direção à formação de um eixo


de poder internacional, que implica não apenas em influência
mútua entre os países envolvidos, mas também na ação
articulada e coordenada no tratamento das mais importantes
questões internacionais (RODRIGUES, 2010, p. 58).

Os desdobramentos da diplomacia presidencial franco-brasileira desde


2006, liderados por Jacques René Chirac (1995-2007) e Lula até Plano de Ação da
Parceria Estratégica, liderados por Nicolas Sarkozy (2007-2012) e Lula, culminam
na assinatura do Acordo Militar, simbolicamente, firmado em sete de setembro
de 2009, data magna do Brasil. Os acordos de transferência de tecnologia que
já vinham sendo assinados com a França desde 2008 representavam a coroação
de uma histórica relação que transborda nos campos político, econômico, social,
cultural, científica e tecnológica e militar, e remonta ao passado colonial brasileiro.
De acordo com o Livro Branco de Defesa da França:

Les relations anciennes entre la France et le Brésil ont


ainsi pris um cours nouveau avec le lancement em 2006
d’um partenariat stratégique touchant tous les domaines:
militaire, spatial, énergétique, économique et éducatif. La
France soutient également l’ambition du Brésil de jouer
um rôle croissant sur la scène internationale ainsi que as
candidature à um siège de membre permanente au Conseil
de sécutité des Nations unies. (Ministère de la Défense de
France, 2013, p. 59).34

34 As velhas relações entre a França e o Brasil tiveram um novo curso com o lançamento, em 2006, de
uma parceria estratégica em todas as áreas: militar, espacial, energética, econômica e educacional. A
França também apoia a ambição do Brasil de desempenhar um papel crescente na cena internacional,
bem como incentiva sua candidatura para ocupar um cargo permanente no Conselho de Segurança
das Nações Unidas. (Ministério da Defesa da França, 2013, 59, tradução nossa).

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Políticas & Aquisições de Defesa: Uma Análise Histór. da Parceria Estrat. França-Brasil nos Séc. XX e XXI

Sob o argumento da histórica relação que mantém com o Brasil, é que se


acredita que, a França busca construir uma parceria estratégica. Conforme analisado,
parcerias estratégicas resultam em implicações de ordem política e econômica, para
além das questões militares. Em uma análise taxonômica, Becard (2013) propõe
compreender os tipos de parcerias estratégicas e, em especial, o perfil do parceiro
por meio da classificação desenvolvida por Thomas Renard em seu artigo Strategic
Wanted: The European Union and Strategic Partnerships. Neste artigo, este autor
define que “o parceiro é considerado essencial quando se constata ser impossível
realizar tarefas sem o seu apoio. Assim, quanto mais essencial for o parceiro na
resolução de um problema comum e de alcance mundial, regional ou nacional, mais
estratégica será a relação” (LESSA, DE OLIVEIRA, 2013, p. 50). Já o parceiro pivô ou
parceiro-chave é aquele que:

[...] mesmo não sendo essencial, pode mudar o equilíbrio


regional ou global em benefício ou em detrimento de um
terceiro país, dependendo da forma como ele é tratado. [...]
Sobretudo, quando auxilia na solução de desafios do outro,
seja porque tem recursos materiais abundantes, seja porque é
dotado de atributos especiais que o tornam indispensável nos
processos de barganha internacionais. (LESSA, DE OLIVEIRA,
2013, p. 50).

Por último, na classificação de Renard, “o parceiro natural é aquele com o


qual se compartilham visões e valores parecidos de mundo, ou mesmo uma história
ou passado comum, e do qual se desfruta da grande experiência nos negócios e
apoio político nos processos decisórios internacionais” (LESSA, DE OLIVEIRA, 2013,
p. 50). Becard (2013) enquadra a Brasil, China, a Índia e a Rússia como parceiros
pivôs de potências mundiais, como EUA, à medida que aqueles são simplesmente
grandes demais para serem ignorados e desempenham papel-chave em seus
entornos geoestratégicos e questões globais: o Brasil na América do Sul, a Índia na
Ásia, a Rússia na Eurásia e a China em questões político-econômicas.
Do ponto de vista das relações França-Brasil, considerando a França uma
potência mundial e o Brasil uma potência emergente, a análise proposta por
Becard (2013) ao enquadrar o Brasil como parceiro pivô é discutível. Diante da
histórica influência política, econômica, cultural, social e militar que a França vem
exercendo no Brasil desde o seu passado colonial é possível afirmar que França e
Brasil são considerados parceiros naturais. Embora haja discordâncias em temas
globais, como intervenções militares externas, França e Brasil compartilham visões
e valores parecidos de mundo, desfrutam de grande experiência nos negócios e
se apóiam mutuamente em diversos temas e processos decisórios internacionais.
Os autores Fraser Cameron e Zheng Yongnian no livro China-EU: a Common Future
concordam com os demais autores citados nesta pesquisa sobre o conceito de

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Fernanda das Graças Corrêa

parceria estratégica se constituir “como um compromisso de longo prazo entre dois


importantes atores com vistas a estabelecer uma relação próxima em um número
significativo de áreas ou políticas” (LESSA, DE OLIVEIRA, 2013, p. 47) e afirmam que,
“a existência de uma parceria estratégica não impede o surgimento de diferenças
entre os parceiros, mas que estes reconhecem a importância do compromisso mútuo
assumido e se dispõem a encontrar bases comuns sempre que possível” (LESSA, DE
OLIVEIRA, 2013, p. 47).

8 PARCERIA ESTRATÉGICA FRANÇA-BRASIL

Desde 2005, Chirac tem orientado uma política externa mais independente,
privilegiando parcerias bilaterais buscando construir parcerias estratégicas com
países emergentes. Desde 2006, este presidente francês incentivava a vinda de
empresas de seu país para o Brasil. A partir deste ano, Chirac e Lula assinaram seis
acordos de cooperação bilaterais. As áreas em que a França defendia a construção
da parceria eram, principalmente, energia, defesa e comércio. Na concepção de
Chirac, o Brasil era uma alternativa política, econômica e estratégica para contornar
a política externa hegemônica dos EUA no mundo. Ao defender a reforma da
política internacional tendo como estratégia a ascensão permanente do Brasil nos
organismos institucionais internacionais, a França está buscando promover a sua
manutenção em uma nova estrutura do sistema internacional que, irreversível e
irremediavelmente, acredita que agrupará as atuais potências emergentes. Embora
em um sistema multipolar, o ambiente anárquico seja menos previsível, mais instável
e as relações internacionais sejam pouco transparentes, Chirac acreditava que, se
há resistência na velha estrutura ao maior protagonismo da França, apoiando a
construção de uma nova estrutura do sistema internacional, a França teria maiores
chances equilibrando este novo sistema e tendo maior protagonismo nele junto das
futuras potências mundiais, em especial, da Rússia, da China, da Índia e do Brasil.
Dentro da análise sistêmica de balança de poder de Kenneth Waltz, é
possível perceber que a França busca reformar o sistema internacional no âmbito
de uma distribuição de capacidades que inclui, além da transferência de tecnologia
estratégica, a ampliação e a diversificação das relações econômicas, discussões
multilaterais em fóruns globais, construções de parcerias estratégicas, apoio ao
pleito de países emergentes por assento permanente no CSONU etc. Tanto Sarkozy
quanto François Hollande (2012-2017) mantiveram e fortaleceram as relações
bilaterais França-Brasil. A França apóia o pleito brasileiro por assento permanente
no Conselho de Segurança da ONU (CSONU), Sarkozy empenhou-se em incluir o
Brasil no G8 e propôs transformar o G20 em um órgão de gestão de crises, capaz
de conceber e de aprovar reformas estruturais na política internacional, pôr fim aos
desequilíbrios mundiais e reforçar a regulação da globalização, França e Brasil têm
se articulado nos fóruns globais propondo projetos de longo prazo de cooperação

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Políticas & Aquisições de Defesa: Uma Análise Histór. da Parceria Estrat. França-Brasil nos Séc. XX e XXI

e integração, na formulação de estratégias mundiais para a promoção de energias


renováveis.
Na área comercial, desde 2006, as relações entre Brasil e França cresceram
vertiginosamente. Boa parte da quantidade de investimentos franceses no Brasil nos
últimos é reflexo do aumento da capacidade instalada das grandes empresas francesas
que já se encontravam no mercado brasileiro. Em virtude de estas empresas estarem
ampliando e diversificando suas linhas de atuação neste mercado, em diversas
regiões do país, além de áreas comerciais, as empresas francesas têm se interessado
em participar de setores estratégicos, tais como, tecnologia da informação, petróleo,
hidroeletricidade, trens de alta velocidade, aeroportos, energia e defesa.
Em 2008, Sarkozy e Lula estabeleceram conjuntamente um Plano de Ação,
no qual seus países se comprometeram em criar um Grupo de Trabalho Econômico
e Comercial de Alto Nível Brasil-França e a Câmara de Comércio Franco-Brasileira
em Paris. Por meio deste Plano, o Brasil busca o comprometimento da França em
fortalecê-lo multilateralmente nos organismos internacionais, como a Organização
Mundial do Comércio (OMC), o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização
Internacional do Trabalho (OIT), o Banco Mundial (BM), a Organização Mundial da
Saúde (OMS), a ONU entre outros.
Há sinergia de interesses e esforços combinados entre França e Brasil nas
áreas de combate à fome, na erradicação da pobreza, desenvolvimento sustentável,
mudanças climáticas, energias renováveis, defesa e reformulação do sistema
internacional. Neste sentido, é possível enquadrar a relação Brasil-França como
parceria estratégia em construção. Como analisado, para que parcerias estratégicas
sejam construídas é preciso que o histórico de relações bilaterais entre os dois
países assegure respeito mútuo e a credibilidade nos fóruns globais, tanto do ponto
de vista político quanto do ponto de vista econômico, no qual o país desenvolvido
identifique no outro país o parceiro ideal para mediar/estabilizar/resolver impasses
e/ou constrangimentos. Confirmado o status de parceria estratégica, confirma-se
também a hipótese de que a parceria estratégica França-Brasil é a Grande Estratégia
da França para redistribuir capacidades e reequilibrar o poder francês no sistema
internacional sob a ótica da teoria de balança de poder de Waltz.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A distribuição de capacidades nesta parceria estratégica França-Brasil não


se limita à reorientação e reformulação da política de exportação de produtos
estratégicos de defesa da França, mas sim, abrange um conjunto de políticas e
práticas conjuntas internacionais que, como analisado, perpassam pelo aumento
da capacidade instalada das grandes empresas francesas em território brasileiro, na
contribuição na mudança da mentalidade empresarial brasileira, no respeito mútuo
e diálogo entre os países na busca por mecanismos de articulações de interesses e de

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017 113
Fernanda das Graças Corrêa

legitimação, no comprometimento francês em fortalecer multilateralmente o Brasil


em fóruns globais, no apoio ao pleito brasileiro por reformas nos centros de decisão
da estrutura dos arranjos institucionais internacionais e afinação nas propostas de
projeto de longo prazo que envolvam cooperação e integração entre Brasil e França.
O impulso às atividades mercadológicas francesas no Brasil faz parte da
política de Estado francesa. A expectativa dos setores brasileiros envolvidos com a
ToT é que a França contribua na implementação de uma nova cultura empresarial no
Brasil, participando cada vez mais em investimentos de capital direto nas empresas
brasileiras, estimulando as inovações radicais no contexto das P&D e promovendo
uma renovação nos arranjos empresariais na parceria estratégica França-Brasil.
O crescimento da economia brasileira e a maior projeção política no sistema
internacional elevaram as relações França-Brasil na área de defesa ao patamar de
parceria estratégica. Esta parceria, demonstrada por características, agendas e
objetivos afins transbordou para outras áreas, além da defesa, tais como energia,
sustentabilidade, agricultura, combate a fome e a pobreza etc. Neste sentido, por
comprovar cientificamente que a parceria estratégica França-Brasil se configure
como uma distribuição de capacidades é possível confirmar que a França está
buscando reequilibrar o poder no sistema internacional por meio desta parceria.
Ao longo da pesquisa, no seio da proposta de estudar casos coletivos por meio
da pesquisa histórica, foi possível desmembrar a histórica relação entre França e
Brasil na área de Defesa em três etapas: a primeira, que durou de 1900 à década de
1940, na qual a França buscou conquistar o mercado de defesa brasileiro; a segunda,
que durou da década de 1950 à década de 1990, em que o Brasil foi transformado
em uma zona de influência militar francesa e, paralelamente, a França reiniciava
o processo de reconquista do mercado de defesa brasileiro, e, terceira e última
etapa, caracterizada pela transformação da histórica relação comercial em parceria
estratégica e consolidação da presença francesa no mercado de defesa nacional.
A França hoje está presente e atuante nas três Forças Armadas brasileiras, uma
parceria que está sendo construída ao longo de mais de cem anos.

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Recebido em: 20 jun. 2017


Aprovado em: 15 ago. 2017

116 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 92-116, maio/ago. 2017
O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

O EMPREGO DOS ASTROS 2020 E SUA SUBORDINAÇÃO: UMA OPÇÃO VIÁVEL

Haryan Gonçalves Dias*


Túlio Endres da Silva Gomes**

RESUMO
O Exército Brasileiro vem-se modernizando nos últimos anos. Nesse contexto, um de
seus Projetos Estratégicos é o Astros 2020, uma plataforma de lançamento de mísseis
e foguetes de excepcional capacidade de prestar o apoio de fogo. Particularmente,
quando esse material é dotado com o Míssil Tático de Cruzeiro (MTC) AV-TM 300,a
questão de sua subordinação vem à baila. A Nota de Coordenação Doutrinária (NCD)
Nr 03, de 2015 –Emprego da Artilharia de Mísseis e Foguetes de longo alcance, que é
o documento doutrinário mais atualizado sobre o Sistema, vislumbra-o como devendo
estar subordinado à FTC (Força Terrestre Componente). No entanto, este é um sistema
com possibilidades de emprego mais estratégicas e operacionais que, propriamente,
de nível tático. Tal ponto de vista decorre do fato de que a logística para o MTC e seu
desdobramento, as coordenações para o emprego, os alvos de interesse e as medidas
de coordenação que permitem sua utilização com segurança e eficiência, indicam como
possível e viável a subordinação desse Sistema diretamente ao COM TO (Comandante
do Teatro de Operações), sob a forma de um Comando de Artilharia do TO, por exemplo.
Demonstrar isso é o objetivo desse artigo, que não exclui a subordinação à FTC em
determinados casos, mas propõe outra opção aceitável.E, para chegar a esse intento,
segue-se uma metodologia que se utiliza da comparação da NCD com manuais que já
estão em uso e aprovados pelo Ministério da Defesa (MD) e pelo Exército Brasileiro (EB),
aprovados mediante processo técnico de construção, como preconizado no Sistema de
Doutrina Militar Terrestre (SIDOMT, EB10-IG-01.005) e nas Instruções Gerais para as
Publicações Padronizadas do Exército (EB10-IG-01.002).
Palavras-chave: Astros 2020. Míssil Tático de Cruzeiro. Logística. Coordenação.
Medidas de coordenação.

THE EMPLOYMENT OF ASTROS 20-20 AND ITS SUBORDINATION: A VIABLE OPTION

ABSTRACT
The Brazilian Army has been modernizing in recent years. In this context, one
of its Strategic Projects is the Astros 2020, a launching platform for missiles

____________________
* Especialista em Artilharia de Costa e Antiaérea pela EsACosAAe (2000), Mestre em Ciências Militares
pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (2006) e Especialista em Ciências Militares pela ECEME
(2014), onde é, atualmente, instrutor. Contato: <haryangoncalvesdoas@gmail.com>.
** Doutor em Ciências Militares pelo Programa de Pós-Graduação da Escola de Comando e Estado-Maior
do Exército (ECEME) foi o orientador deste artigo. Contato: < tulioendres@gmail.com >

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Haryan Gonçalves Dias / Túlio Endres da Silva Gomes

and rockets of use of exceptional ability to provide fire support. Particularly,


when this material is endowed with the AV-TM 300 tactical cruise missile the
question of its subordination comes into play. The Doctrinal coordination note
number 03, 2015 - Employment of Long Range Missile Artillery, which is the
most updated doctrine document about the System, sees it as having to be
subordinate to the Land Force. However, this is a system with more strategic
and operational possibilities of employment that, properly, of tactical level.
This point of view stems from the fact that the logistics for thetactical cruise
missile and your deployment on field, the coordination for employment, the
targets of interest and the coordination measures that allow its use with safety
and efficiency, indicate as possible and feasible the subordination of this
System directly to the Operation Theater Commander, in the form of Operation
Theater Artillery Command, for example. To demonstrate this is the purpose of
this article, which does not exclude subordination to the Land Force in some
cases, but proposes another acceptable option. And, to request an attempt,
a methodology that is used of the comparison of NCD with manuals that are
already in use and approved by the Ministry of Defense (MD) and the Brazilian
Army (EB), approved to the process of technical construction, as recommended
in the Terrestrial Military Doctrine System (SIDOMT, EB10-IG-01.005) and in
the General Instructions for Standardized Publications of the Army (EB10-IG-
01.002).
Keywords: Astros 2020.Tactical Missile of Cruise. Logistics. Coordination.
Measures.

EL EMPLEO DE LOS ASTROS 2020 Y SU SUBORDINACIÓN: UNA OPCIÓN FACTIBLE

RESUMEN
El Ejército Brasileño se ha modernizado en los últimos años. En ese contexto, uno
de sus Proyectos Estratégicos es el Astros 2020, una plataforma de lanzamiento de
misiles y cohetes de excepcional capacidad de prestar el apoyo de fuego. En particular,
cuando este material está dotado con el misil táctico de crucero (MTC) AV-TM 300 la
cuestión de su subordinación viene a la baila. La nota de Coordinación Doctrinaria
(NCD) Nr 03, 2015 - Empleo de la Artillería de misiles y cohetes de largo alcance,
que es el documento doctrinal más actualizado sobre el sistema, lo vislumbra como
debiendo estar subordinado a la FTC (Fuerza Terrestre Componente). Sin embargo,
este es un sistema con posibilidades de empleo más estratégicas y operativas que,
propiamente, de nivel táctico. Este punto de vista se deriva del hecho de que la
logística para el MTC y su desdoblamiento, las coordinaciones para el empleo, los
objetivos de interés y las medidas de coordinación que permiten su utilización con
seguridad y eficiencia, indican como posible y viable la subordinación de ese Sistema
directamente al COM TO (Comandante del Teatro de Operaciones), en forma de

118 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 117-144, maio/ago. 2017
O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

un Mando de Artillería del TO, por ejemplo. Demostrar esto es el objetivo de este
artículo, que no excluye la subordinación a la FTC en determinados casos, sino que
propone otra opción aceptable.
Palabras clave: Astros 2020; Misil táctico de crucero; Logística; Coordinación;
Medidas de coordinación. Y para solicitar un intento, se sigue una metodología
que se utiliza de la comparación de la NCD con manuales que ya están en uso y
aprobado por el Ministerio de Defensa (MD) y el Ejército Brasileño (EB), aprobado
al proceso de construcción técnica, como preconizado en el Sistema de Doctrina
Militar Terrestre (SIDOMT, EB10-IG-01.005) y en las Instrucciones Generales para las
Publicaciones Estandarizadas del Ejército (EB10-IG-01.002).

1 INTRODUÇÃO

Recentemente, o Exército Brasileiro (EB) vem trabalhando em um dos seus


Projetos Estratégicos (PEE), na criação e na aquisição de meios de apoio de fogo para
o aprofundamento do combate. Nesse contexto, ele vem desenvolvendo a doutrina
de emprego e do Sistema Astros 2020, com novas capacidades utilizáveis não só no
nível Força Terrestre Componente (FTC), como também no nível Comando Conjunto
(CmdoCj) do Teatro de Operações (TO).
Assim sendo, o EB utiliza como pressupostos básicos, aqueles constantes no
manual MD 33 M-11, que trata sobre o Apoio de Fogo em Operações Conjuntas; e do
manual MD 33 M-13, que aborda as Medidas de Coordenação do Espaço Aéreo nas
Operações Conjuntas. A partir deles e, por conseguinte, do manual EB20-MC-10.206
- Fogos, o Exército Brasileiro trabalha na consecução de um manual de emprego do
material Astros 2020, que deve compatibilizar a doutrina disposta nesses diplomas
citados. Outros manuais também fornecem subsídios a esse trabalho a ser concluído,
como o C 44-1 - Artilharia Antiaérea, ainda em vigência, e sua versão atualizada,
ainda sob a forma de minuta, bem como os manuais referentes à Logística (EB20-
MC-10.204), e a minuta Logística em Operações.
No momento atual, vem aperfeiçoando e realizando debates acerca da Nota
de Coordenação Doutrinária (NCDNr03, 2015) sobre o Astros 2020, que busca
esclarecer e compreender o emprego desse material em operações, particularmente
pela utilização do Foguete-Guiado SS-40 (SS40G) e do Míssil Tático de Cruzeiro
(MTC) AV-TM 300. Em especial, este último é o foco deste trabalho.
A partir desses pressupostos surgem algumas considerações que devem
ser verificadas, a fim de se pensar num coerente e efetivo emprego deste novo
meio com alto poder dissuasório, capaz de aprofundar o combate, com precisão e
letalidade estratégicas.
Dessa forma, cumpre verificar, neste artigo, se as características de emprego
desse material, quando postas sob o foco da doutrina conjunta e singular da FTC
em vigência, enquadram-se perfeitamente ao uso que a NCD vem pensando para a

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Haryan Gonçalves Dias / Túlio Endres da Silva Gomes

aplicação do Sistema Astros 2020, organizado em um Grupo de Mísseis e Foguetes


(GMF) e, particularmente, quando da utilização do MTC AV-TM 300.
Assim, à luz de alguns aspectos e limitando-se a eles, portanto, analisa-se a
questão foco da ideal subordinação do GMF quando empregado em um TO (Teatro
de Operações) ou AO (Área de Operações). A logística e a coordenação do apoio de
fogo e do espaço aéreo foram escolhidas, como pontos centrais de concentração
para fins de análise. Tal fato permite que a partir desses aspectos, condicionados
às características do material, pode-se melhor compreender certos parâmetros de
emprego do material suscitado. Além disso, porque esses parâmetros podem servir
e indicar um nível de emprego e subordinação viável e indicado para o Astros 2020,
em operações.
Para realizar esse intento, este trabalho segue etapas sistemáticas,
iniciando por esta introdução, que traz aspectos básicos da motivação do artigo,
suas limitações e justificativas, bem como traça o roteiro a ser seguido até as
conclusões. Na sequência, parte-se para um estudo sucinto das características e
parâmetros técnicos de emprego do Sistema Astros 2020, que fornecem as bases
para se visualizar seu melhor aproveitamento e seu potencial, em operações. Em
seguida, estudam-se aspectos externos ao material, relativo às operações, que
facilitam ou maximizam as possibilidades de emprego do GMF Astros 2020, quais
sejam a logística mais conveniente para esse material, bem como a coordenação
do apoio de fogo e do espaço aéreo que melhor amparam a sua utilização.
Nesses tópicos, colocam-se esses aspectos frente ao atual estágio da NCD e aos
manuais que regulam o assunto, relativos ao emprego do GMF quando empregado
com o MTC, a fim de se discutir se as previsões desta Nota, a qual em breve poderá
se tornar um manual, atendem às condições de emprego anteriormente abordadas.
Por fim, passa-se às conclusões e recomendações, onde se procura mostrar,
principalmente, o escalão no qual deve ser enquadrado o GMF em operações.

2 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS PARA O EMPREGO DO ASTROS 2020

Este trabalho, ao abordar o Sistema Astros 2020, refere-se, em particular,


aquele que dota o GMF, quando operando com mísseis AV-TM 300.
Nesse aspecto, cumpre ressaltar que a composição desse GMF é de dezoito
Unidades de Tiro, dispostas em três Baterias a 06 (seis) peças cada. Essa estrutura,
conforme a Nota, é a seguinte:

Para efeito desta NCD, os planejamentos serão realizados


considerando, normalmente, o Grupo de Mísseis e Foguetes
(GMF) como a unidade de emprego dos foguetes guiados SS-
40G e do MTC, o qual terá a seguinte constituição:
a) Comando e Estado-Maior;

120 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 117-144, maio/ago. 2017
O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

b) uma bateria de comando (Bia C); e


c) três baterias de mísseis e foguetes (Bia [bateria] MF).
Cada Bia MF possui 15 (quinze) viaturas especializadas do
sistema ASTROS, definidas como se segue:
a) uma PCC – viatura Posto de Comando e Controle;
b) uma UCF – viatura Unidade de Controle de Fogo;
c) uma MET – viatura posto Meteorológico;
d) uma OFVE – viatura Oficina Veicular e Eletrônica;
e) seis LMU – viatura Lançadora Múltipla Universal;
f) três RMD – viatura Remuniciadora (uma para cada duas
LMU); e
g) duas UAS – viatura Unidade de Apoio em Solo – uma por
seção (três peças). (NCD 03, 2015, p. 5)

Ainda, relativamente ao emprego do GMF, diz a NCD que:

O GMF tem a missão de realizar fogos contra alvos táticos,


operacionais e até mesmo estratégicos, a fim de proporcionar à
F Ter35o maior poder de fogo disponível. Normalmente, realiza
fogos sobre estruturas estratégicas, centros de gravidade ou
alvos de grandes dimensões e longos alcances, conforme sua
vocação para saturação de área. Pode, ainda, complementar o
apoio de fogo prestado pela artilharia de tubo, executando fogos
de aprofundamento do combate, bem como realizar os fogos
em apoio às operações conjuntas. A missão tática normalmente
atribuída a essa unidade é a de Ação de Conjunto (AçCj).
Nas operações militares, a coordenação do uso do espaço aéreo
e o planejamento de fogos representam significativo desafio.
Naturalmente, o sistema ASTROS requer elevado grau de
coordenação para o cumprimento de suas missões, em função
das características das trajetórias de suas munições e do efeito
que causam sobre o alvo.
Em princípio, o GMF é enquadrado pela Força Terrestre
Componente (FTC), integrando o Comando de Artilharia da FTC
(CAFTC). O emprego do GMF pode ser considerado em diversas
fases do planejamento operacional, inclusive naquelas em que
o esforço principal esteja a cargo de outra Força Componente (F
Cte36), como a campanha aeroestratégica.

35 Instrumento de ação do Exército, estruturada e preparada para o cumprimento de missões


operacionais terrestres. (MD35-G-01, 2015, p. 125)
36 Conjunto de unidades e organizações de uma mesma força armada que integra uma força
conjunta. Pode ser força naval componente, força terrestre componente ou força aérea
componente. (MD35-G-01, 2015, p. 122)

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Haryan Gonçalves Dias / Túlio Endres da Silva Gomes

O Elemento de Coordenação de Apoio de Fogo (ECAF)


do escalão considerado é mobiliado com um elemento
especializado, responsável por apoiar o planejamento e
coordenação dos fogos da Artilharia de Mísseis e Foguetes.
(NCD 03, 2015, p. 5 -7)

Assim, da própria NCD decorre o principal foco de análise deste artigo, pois a
subordinação à FTC é, justamente, aquilo que se questiona quando da ativação de
um TO ou AO. Adiciona-se a isso o fato de a mesma afirmar que o Sistema Astros
2020 requer elevado grau de coordenação para o seu emprego.
Da mesma forma, quanto aos alvos a serem batidos pelo MTC AV-TM 300, a
NCDexplicita que podem ser táticos, operacionais e até mesmo estratégicos, como:
instalações de comando e controle (C2), bases logísticas, zona de reunião de grandes
unidades, bases de aviação inimigas, além daqueles de grande valor estratégico ou
de elevada importância militar. (NCD 03, 2015, p. 5 e 8).A própria NCD visualiza que
os alvos devem ter caráter estratégico.
No que se refere ao Míssil Tático de Cruzeiro, conforme a NCD, tem-se que seu
alcance é de até 300 (trezentos) quilômetros, com uma precisão de 80 (oitenta) metros
de raio em relação a um objetivo e com uma flecha (ponto mais alto da trajetória) da
ordem de 1000 (mil) metros. Além disso, tem-se como alcance mínimo de utilização
do mesmo é 30 quilômetros.
Eis o texto da NCD Nr 03:

O MTC é um armamento que tem por finalidade produzir um efeito


cinético com precisão até o alcance máximo de 300 km. O alcance
mínimo de utilização será de 30 km, ambos ao nível do mar.
A precisão do míssil, em erro circular provável, será menor ou
igual a 30 metros. A AEB (Área Eficazmente Batida)será uma
circunferência de raio de 80 metros.
[...]
O lançamento com a fase balística inicial (queima do booster-
motor de aceleração do míssil), atingirá uma altura de 1.000
metros. A fase do voo de cruzeiro será nivelada entre 200 e
800 metros. A velocidade de cruzeiro será de cerca de 290 m/s.
(2015, p. 13).

Assim, pelos parâmetros e características do material apresentados, observa-


se que o sistema Astros 2020, operando com o MTC AV-TM 300,possui capacidades
que permitem iniciar a concepção sobre a aptidão para emprego do Sistema, que
pode indicar um viés à sua subordinação.
Esses aspectos serão discorridos a seguir, ao serem especificamente
abordados e discutidos.

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O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

3 ESTRUTURAS LOGÍSTICAS E DESDOBRAMENTO COMPATÍVEIS COM O EMPREGO


DO ASTROS 2020

A Logística para o Sistema Astros 2020, quando dotado do MTC, há que ser
diferenciada. Sobretudo, porque seu desdobramento dá-se, prioritariamente, na
ZA. Dessa forma, a partir dos conceitos de Base Logística Conjunta (Ba Log Cj) ou de
Base Logística Terrestre (BLT) é que se deve pensar nas estruturas logísticas a apoiar
o GMF ou uma Bateria MF.
O manual MD 30-M 01, em seu 1º volume, enuncia os conceitos de Ba Log Cj
e Grupo Tarefa Logístico (GT Log).

Base Logística Conjunta (Ba Log Cj) – é um agrupamento


temporário de OMLS desdobradas no interior da área do C Op,
diretamente sob o controle operacional do C Log, responsável
pela realização do apoio logístico ao conjunto das forças em
operações.
Normalmente, o C Log agrupará as OMLS fixas em Bases
Logísticas Recuadas (Ba Log R). Caso seja necessário prestar
apoio logístico cerrado às F Cte, as OMLS que possuírem
mobilidade tática poderão ser agrupadas em Bases Logísticas
Avançadas (BaLog A).
[...]
Grupo-Tarefa Logístico (GT Log) – é um agrupamento
temporário de OMLS, sob comando único, formado quando
houver necessidade de se estruturar o apoio logístico orgânico
numa F Cte. Poderá ser, a critério do Comandante da F Cte,
integrado por OMLS de uma mesma FS (GT Log Nav, Ter ou Aer)
ou de mais de uma FS (GT Log Cj). (MD 30-M 01, v1, 2011, p.116
e 118).

O manual MD 30-M 01 não trata do conceito de Base Logística Terrestre


(BLT), por ser uma estrutura destinada ao apoio logístico no nível tático. Entretanto,
o manual 10.202 – Força Terrestre Componente, do Exército Brasileiro, especifica o
entendimento sobre a BLT:

Base Logística Terrestre (BLT)


É a área onde o Gpt Log desdobra seus módulos logísticos e
recursos específicos referentes ao apoio de Engenharia. Executa
o apoio logístico aos elementos integrantes da FTC, podendo,
caso determinado e se reforçado com meios, prover o suporte
total ou parcial a outra F Cte, agências ou população localizada
em sua área de responsabilidade. (EB20-MC-10.202, 2014,
p.5-6).

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Da mesma forma, esse conceito é explorado no manual de Logística da FTC


(EB MF 10.204), ao abordar Ba Log Cj e BLT.

Base Logística Conjunta (Ba Log Cj)


A Ba Log Cj é um agrupamento temporário de Organizações
Militares Logísticas Singulares (OMLS) desdobradas no interior
da área do C Op, diretamente sob o controle operacional do
CLTO/CLAO. Ela é responsável pela realização do apoio logístico
ao conjunto das forças em operações, buscando explorar ao
máximo as capacidades logísticas das organizações que a
compõem.
Normalmente, os meios de menor mobilidade tática das
OM Log adjudicadas ao C Op são agrupadas pelo CLTO/CLAO
nas Bases Logísticas Conjuntas Recuadas(Ba Log Cj R). Estas
recebem diretamente os recursos logísticos provenientes da ZI/
TN,executando o apoio ao conjunto às forças desdobradas no
TO/A Op.
Caso seja necessário prestar apoio logístico cerrado a uma
ou mais F Cte, os elementos das OM Log adjudicadas ao C Op
com maior mobilidade tática poderão ser agrupados em Bases
Logísticas Conjuntas Avançadas (Ba Log Cj A) e/ou Grupos
Tarefas Logísticos (GT Log).
[...]
Base Logística Terrestre (BLT)
A BLT é a área na qual os Gpt Log desdobram seus meios
orgânicos e outros recursos específicos necessários ao apoio
logístico a uma F Op. Poderá – caso determinado e desde que
receba meios - prover o suporte a outras F Cte, a agências civis
ou à população localizada na área de responsabilidade dessa
força. [...]
Não ocorrendo o desdobramento, a F Op recebe o apoio
logístico diretamente da Ba Log Cj, por meio de Ba Log Cj A e/
ou de GT Log.
A missão precípua da BLT é servir de ponto intermediário entre
as estruturas logísticas operacional e tática, executando as
atividades das áreas funcionais da logística na F Op, conforme
o nível de serviço determinado. (EB20-MC-10.204, 2014, p. 7-7,
7-9 - 7-10)

Em complementação, a Primeira Minuta do futuro manual de Logística nas


Operações, na FTC, ratifica esses conceitos, adotando aqueles mesmos trazidos no
MD 30-M 01 para referir-se à Ba Log Cj e GT Log e o conceito do manual EB20-MC
10.202 para referir-se à BLT:

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O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

Base Logística Conjunta (Ba Log Cj) – É um agrupamento


temporário de Organizações Militares Logísticas Singulares
(OMLS) desdobradas no interior da área do COp, diretamente
sob o controle operativo do CLTO/CLAO. Ela é responsável
pela realização do apoio logístico ao conjunto das forças em
operações,buscando explorar ao máximo as capacidades
logísticas das organizações que a compõem. É constituída a
partir de estruturas existentes nos Gpt Log, complementadas por
outras OM disponibilizadas pelas demais FS. A Ba Log Cj poderá
ser organizada em Grupos Tarefa Logísticos (GT Log, formados
por OM das três FS, de acordo com suas especificidades).
Grupo Tarefa Logístico (GT Log) – É um destacamento logístico,
conjunto ou singular, desdobrado pela Ba Log Cj na ZC ou na ZA a
fim de prestar o apoio cerrado em um ou mais grupos funcionais
uma ou mais F Cte. Os fatores da decisão e as considerações
levantadas na Análise de Logística determinarão a necessidade
ou não de desdobrá-lo.
Base Logística Terrestre (BLT) – é a área na qual os Gpt Log
desdobram seus meios orgânicos e outros recursos específicos
na ZC, necessários ao apoio logístico à FTC. Poderá – caso
determinado e desde que receba meios - prover o suporte
a outras F Cte, a agências civis ou à população localizada na
área de responsabilidade dessa força.[...] Não ocorrendo o
desdobramento, a FTC recebe o apoio logístico diretamente
da Ba Log Cj e/ou de GT Log. (PRIMEIRA MINUTA EB20-10.3XX,
2015, p.2).

Observe-se então que, o apoio logístico ao GMF, quando dotado do MTC,


requer ajustes muito específicos, que indicam a necessidade de desdobramento de
uma estrutura logística especialmente voltada aos meios do Grupo.
Ademais, o GMF desdobrar-se, na maioria dos casos, na ZA, atrás da área
de retaguarda dos Grandes Comandos Operativos (anteriormente chamados de
Divisões de Exército), podendo estar mais de 100 quilômetros da na retaguarda
da LP/LC(linha de partida/linha de contato) ou do LAADA(limite anterior da área
de defesa avançada),ou seja, onde praticamente fica inviabilizado o apoio logístico
prestado por uma BLT. Essa distância, associada às necessidades e especificidades
logísticas requeridas, principalmente em Suprimento Classe (SupCl) V (munições)
e em Sup Cl III (combustíveis) indicam um GT Log (Grupo-Tarefa Logístico) como
a estrutura logística, aparentemente, mais voltada à prestar um eficiente apoio
logístico ao GMF ou a uma Bia MF.
Assim sendo, o Sistema Astros 2020, dotado do MTC AV-MT 300, devido a seu
alcance, mínimo e máximo, ficará adstrito em espaço do TO muito à retaguarda das
BLB (que normalmente desdobram-se a cerca de 10 a 12 km da LP/LC ou LAADA)

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Haryan Gonçalves Dias / Túlio Endres da Silva Gomes

e, até mesmo das BLT, na maioria das vezes desdobradas a distâncias em torno
de 30 km da LP/LC ou do LAADA, na área de retaguarda dos Grandes Comandos
Operativos e à distância de segurança da artilharia de foguetes inimiga, motivo pelo
que, não poderá ser por elas apoiado, salvo se optar em suprir para a retaguarda.
(ME 101-0-3, 2014, p. 89).Pensar-se em um GT Log ou mesmo na própria Ba Log CJ
para realizar esse apoio, parece mais viável.
Desse modo, não há motivo, do ponto de vista logístico, para subordinar-lhe
à FTC, quando quem lhe presta o apoio logístico é um escalão superior, a partir
de uma estrutura dele próprio. Fazer diferente disso exige uma necessidade de
coordenação em cada procedimento de suprimento, retirando liberdade de ação e
flexibilidade do comandante que o enquadra.
Isso demonstra, quanto ao desdobramento no terreno do Astros 2020
dotado de MTC, cumpre observar que, aparentemente, seu alcance mínimo de
30 quilômetros indica que deve estar posicionado em faixa do terreno na área de
retaguarda dos Grandes Comandos Operativos, ainda naZC, ou já fora dela, na Zona
Administrativa (ZA). Ou seja, a ZA é a área de desdobramento mais provável ao
desdobramento do Astros 2020 empregado com MTC.

4 COORDENAÇÃO DE APOIO DE FOGO E DE CONTROLE DO ESPAÇO AÉREO


COMPATÍVEIS COM O EMPREGO DO ASTROS 2020

Particularmente no que se refere às coordenações de apoio de fogo e do


espaço aéreo, há que se tecer comentários a respeito dessa coordenação em termos
de níveis e como se dá seu funcionamento. A seguir, há que se visualizar a natureza
dos alvos sobre os quais o poder de fogo será aplicado. E, também, é importante
destacar as medidas de coordenação que são necessárias para que esses níveis bem
operem, em total sincronia.
Inicialmente, quanto ao planejamento e à execução das coordenações, tem-
se que a forma como ocorre é aquela anteriormente citada no item 2 deste artigo,
referente à NCD Nr 03 (2015, p. 6 - 7).
Observa-se, a partir daí, que o sistema Astros requer grande coordenação
para o apoio de fogo e para a utilização do espaço aéreo e, também, que participa
da campanha aeroestratégica, sendo o ECAF da FTC o principal responsável pela sua
coordenação.
Assim, salienta-se que, por isso mesmopela sua importância estratégica na
campanha, é que pode constituir-se em próprio Comando subordinado diretamente
ao COM TO. Nessa situação, as coordenações ocorreriam nas reuniões para esse
fim, dentro do Estado-Maior Conjunto (EM Cj).
É nesse Estado-Maior, acima do nível tático, que se dão essas coordenações,
particularmente nas reuniões de coordenações de fogos e de coordenação do
espaço aéreo. Ou seja, em termos de operações conjuntas, é nesse sentido que o

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O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

MD30-M01 regula o emprego dos meios adjudicados ao TO ou às F Cte. Em uma ou


em outra dessas situações quanto à adjudicação, o Sistema Astros 2020 atua como
apoio de fogo disponível ao COM TO para fins de emprego.
Eis o que fala o manual de Doutrina de Operações Conjuntas, 1º volume, a
respeito dessas reuniões citadas, quanto às coordenações:

A condução da Campanha ocorre ininterruptamente durante


as 24 horas do dia. Os recursos humanos de um C Op devem
trabalhar em turnos, organizados de maneira a otimizar o fluxo
de informações e o processo de tomada de decisões, a critério
do comandante.
Em cada jornada de trabalho estabelecida ocorre uma série de
reuniões formais, além de um grande número de encontros
informais. Esses eventos são:
[...]
c) Reunião de Coordenação de Fogos;
[...]
h) Reunião de Coordenação do Espaço Aéreo;
O objetivo principal dessas reuniões é viabilizar a tomada de
decisões que resulte em ações a serem executadas pelas F
Cte e que requeiram coordenação. Esses eventos podem ser
realizados em sua totalidade ou em parte, dependendo da
necessidade do Cmt Op e da envergadura da operação. Alguns
eventos podem ser aglutinados, como a Reunião Diária de
Situação e a Reunião de Coordenação de Comando.
[...]
Salientam-se os seguintes documentos operacionais:
[...]
c) Lista de Alvos (preliminar e final). (MD 30-M 01, v1, 2011, p.
61-62)

E o 2º volume, que especifica os aspectos particulares de cada reunião, donde


se verifica,claramente, que na reunião de coordenação de fogos é que ocorre a
coordenação de maior nível, entre as F Cte; e na reunião de coordenação do espaço
aéreo é que se coordena o uso do espaço aéreo pelas seguintes 72 horas e que se
prevê o uso da artilharia de campanha. Eis o texto:

Reunião de Coordenação de Fogos


Essa reunião será encarada como um trabalho de grupo cujo
propósito será definir e priorizar os alvos que devem ser atacados
no ambiente operacional ou em outros locais que afetem
a Campanha, e também a F Cte responsável pelo ataque. Os
participantes da reunião constituirão o Grupo de Coordenação
de Apoio de Fogo, reunindo-se diariamente, de acordo com o

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ritmo de trabalho estabelecido, com antecedência adequada


em relação à Reunião de Aprovação da Ordem de Coordenação.
Cabe ressaltar que os alvos, dependendo do efeito desejado
sobre os mesmos, poderão ser engajados tanto por apoio de
fogo, como por outros meios não letais, tais como Medidas
de Ataque Eletrônico,Operações Especiais ou Operações
Psicológicas.
Nessa reunião, será consolidada uma Lista Preliminar Integrada
e Priorizada de Alvos (LPIPA), que será apresentada e aprovada
na Reunião de Aprovação da Ordem de Coordenação.
A agenda da Reunião de Coordenação de Fogos deverá incluir:
a) integração das propostas de cada F Cte de alvos a serem
atacados;
b) definição de quem será encarregado de realizar a ação e a
prioridade que este alvo terá;
c) atualização de uma lista preliminar integrada e priorizada
de alvos, considerando a avaliação dos danos dos ataques
já realizados pelas F Cte, correspondendo à estimativa
dos danos físicos, funcionais e de sistemas resultantes da
aplicação de força militar, letal ou não-letal, contra um alvo
pré-determinado;
d) coordenação de fogos entre as F Cte;
e) proposição de recomendações ao Cmt Op das prioridades
de ataques que serão realizados nos próximos cinco dias da
Campanha; e
f) apresentação de uma lista preliminar integrada e priorizada
de alvos para ser aprovada na Reunião de Aprovação da Coor.
[...]
Participarão dessa reunião, além do Ch EMCj, os seguintes
representantes:
a) D2 – Inteligência;
b) D3 – Operações;
c) D5 – Planejamento;
d) Dn – Ex: Operações Especiais, OpPsc ou Com Soc; e
e) Oficiais de ligação das F Cte no C Op.(MD 30-M 01, v2, 2011,
p. 59-60).
Reunião de Coordenação do Espaço Aéreo
O seu propósito é levantar as necessidades gerais e
abrangentes de uso do espaço aéreo do ambiente operacional.
Tais necessidades dependem da concepção das operações
planejadas, de modo que, a critério do Ch EMCj (assessorado
pelo D3 e D5)este evento poderá ser realizado juntamente
com a Reunião de Coordenação de Operações,abrangendo um
espaço temporal de setenta e duas horas.
A realização da Reunião de Coordenação do Espaço Aéreo do C

128 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 117-144, maio/ago. 2017
O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

Op pode ser atribuída à Força Aérea Componente, caso em que


serão consideradas, além das necessidades gerais e abrangentes
de uso do espaço aéreo, também as necessidades decorrentes
de manobras táticas das demais F Cte, abrangendo um espaço
temporal de vinte equatro horas.
A Reunião de Coordenação do Espaço Aéreo, quando realizada
pelo C Op, resultará em informações a serem inseridas na
Ordem de Coordenação. Quando realizada pela Força Aérea
Componente, resultará na Ordem de Coordenação do Espaço
Aéreo.
A agenda deverá incluir:
a) previsão de operações aéreas das F Cte;
c) previsão de uso de artilharia de campanha;
c) avaliação dos conflitos anteriores de uso do espaço aéreo; e
d) outros tópicos julgados convenientes, como por exemplo,
exploração e coordenação no emprego do espectro
eletromagnético pelo meio de reconhecimento.
4.3.18.5 Participarão dessa reunião, presidida pelo Chefe da D3,
os seguintes representantes:
a) D2 – Inteligência;
b) D6 – Comando e Controle
c) Oficiais de ligação das F Cte no C Op; e
d) Outros assessores julgados necessários.(MD 30-M 01, v2,
2011, p. 63)

Na mesma esteira, ratifica esse entendimento o fato de que o ECAF da FTC


não participa dessas reuniões, quiçá o fará um oficial de ligação (O Lig). Ou seja,
caso esse seja o coordenador primeiro do apoio de fogo fornecido pelo Astros
dotado de MTC, sempre se criará um nível a mais de coordenação, tendo que se
resolver entendimentos com o Em Cj no TO, a todo momento, com informações
de ida e vinda, através de um O Lig. Isso ocorrerá, tanto para desencadear-se
missões oriundas do nível operacional, quanto para empregar o material em
benefício da FTC, com missões oriundas desse nível tático. Isto é, em quaisquer
circunstâncias, deverá ser solicitada a autorização do Comandante do Teatro de
Operações (COM TO).
Por esses motivos é que o próprio manual do Exército EB 10.206 - Fogos,
afirma que as coordenações ocorrem no TO, sob orientações e controle do D5,
encarregado da Seção de Planejamento do Estado-Maior Conjunto, e submetidas
à aprovação do COM TO, que depois recebe e transmite consolidações da Lista
Integrada e Priorizada de Alvos (LIPA) às Forças Componentes. Somente, nessa
reunião o Oficial de Ligação se manifesta, mas a decisão sobre o a realização do
tiro, imediato ou à pedido, ocorre no nível superior, qual seja o TO. Eis o que traz o
referido manual:

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 117-144, maio/ago. 2017 129
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As Forças Componentes (F Cte) e o EMCj iniciam os seus trabalhos


de levantamento de alvos que comporão a lista integrada de
alvos (LIA), mesmo antes da decisão do Cmt OpCj.
[...]
A Seção de Planejamento (D5) do EMCj elabora, nesta etapa,
uma LIA, com base nos anexos ao PEECFA, nos dados de outros
alvos de interesse do comando operacional (C Op) e nos alvos
levantados pelas F Cte, que constam das suas propostas de lista
de alvos (PLA) e da lista de alvos móveis.
O EMCj integra as propostas das F Cte, seleciona o meio de apoio
de fogo que irá atacar cada alvo, atribui prioridades e cria uma
lista preliminar integrada e priorizada de alvos (LPIPA). Após a
aprovação pelo Cmt OpCj, essa lista passa a se denominar LIPA
e será um dos anexos ao Plano de Campanha.
[...]
A reunião de coordenação de fogos é um trabalho de grupo,
cujo propósito é definir e priorizar os alvos que devem ser
atacados no ambiente operacional ou em outros locais que
afetem a campanha, assim como definir a F Cte cujos meios de
apoio de fogo realizarão o ataque. Os participantes da reunião
constituirão o Grupo de Coordenação de Apoio de Fogo (GCAF)
do C Op, que se reunirá diariamente.
[...]
Na reunião de coordenação de fogos será consolidada uma LPIPA
que será entregue para ser aprovada na reunião de aprovação
da O Coor. (EB20-MC-10.206, 2015, p. 3-5, 3-6)

Assim, a fim de corroborar com o foi dito, pode-se dizer que isso é mais
evidente, conforme menor seja a estrutura da própria FTC. Se a FTC for uma Brigada,
então o (CAF) Coordenador de Apoio de Fogo será o Cmt do GAC; se for apenas um
Grande Comando Operativo, será o ECAF do Grande Comando; e se for dois ou
mais Grandes Comandos Operativos, será o ECAF FTC. Assim, observe-se que, nas
primeiras opções é bem menos provável que seja o CAF do escalão empregado o
coordenador do emprego dos mísseis de cruzeiro para todo o TO, caso venham a
serem estes utilizados. A decisão, como se disse, sempre recairá no COM TO, sob
coordenação do D5.
Da mesma forma, o tiro realizado entre Brigadas não é coordenado entre
elas, mas sim, por uma estrutura superior, o ECAF do Grande Comando Operativo.
Diante disso, há que se ressaltar também que, havendo a FAC e o Astros, com
MTC, muito provavelmente, o emprego desses meios será coordenado no TO. Ou
seja, como arma estratégica e operacional, nada mais coerente que o próprio COM
TO decidir sobre o seu emprego, donde se justifica a ele estar subordinado o Astros
dotado de MTC.

130 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 117-144, maio/ago. 2017
O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

Assim sendo, a opção mais viável para se pensar, é que a regra é o Astros
dotado de MTC compor o TO como, por exemplo, um Comando de Artilharia do
TO. A exceção sim passa a ser a subordinação à FTC. Não significa que não possa
esta ocorrer, mas sim que a primeira opção apresentada, parece ser a mais viável
doutrinariamente, do ponto de vista da coordenação do apoio de fogo e do espaço
aéreo.
Para reforçar esse entendimento, basta se observar a natureza dos alvos
a serem batidos por esse meio nobre.A NCD Nr 03 que trata do Astros traz o
entendimento,já apresentado, de que os alvos podem ser táticos, operacionais ou
estratégicos, sobretudo estruturas estratégicas, centros de gravidade ou alvos de
grandes dimensões e longos alcances. (2015, p. 5)
Nesse sentido:

Os principais alvos indicados para o MTC são instalações de


comando e controle (C2), bases logísticas, zona de reunião de
grandes unidades, bases de aviação inimigas, além daqueles
de grande valor estratégico ou de elevada importância militar.
(NCD Nr 03, 2015, p. 8).

Assim, vê-se que ela traz como alvos a serem batidos por essa arma aqueles de
natureza não só tática, mas também estratégicos e operacionais, isto é, de elevada
importância militar. Os exemplos citados denotam a Capacidade Crítica (CC) que
esse meio proporciona a todo o esforço do TO, sendo capaz de atuar, diretamente,
sobre o centro de gravidade (CG) inimigo.
É de se observar, também, o que diz o manual do Exército sobre Fogos, ao
referenciar aos ataques a alvos de natureza estratégica através de fogos cinéticos,
como é o MTC:

Os ataques estratégicos, em sua concepção conjunta, incluem


ações ofensivas contra alvos militares, políticos, econômicos ou
outros, selecionados para atingir objetivos estratégicos, pelo
emprego de meios letais ou não letais. (EB20-MC-10.206, 2015,
p. 2-3).

E, mais adiante, o mesmo manual ratifica o nível dos alvos a serem batidos:

No nível estratégico, o apoio de fogo visa perturbar a atividade


econômica do oponente, dificultar a movimentação e o
posicionamento de suas tropas, colaborar com a proteção
estratégica e produzir importante efeito psicológico sobre o
adversário.
No nível operacional, procura apoiar a manobra da força e

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 117-144, maio/ago. 2017 131
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impedir ou dificultar a do inimigo, com o objetivo de facilitar


o desenvolvimento das operações. Para isso, busca isolar a
zona de combate, destruir as capacidades do oponente que
se considerem fundamentais nesse nível ou o ataque ao seu
centro de gravidade.
No nível tático, tem a finalidade de apoiar a manobra da força,
destruindo ou neutralizando os alvos essenciais ao atingimento
do objetivo tático, além de impedir ou dificultar a manobra do
inimigo, proporcionando apoio e proteção às forças operativas.
(EB20-MC-10.206, 2015, p. 2-14).

Ao fazê-lo, destaca-se que alvos como o centro de gravidade do inimigo ou suas


capacidades críticas, caracterizam, no mínimo, o nível operacional de emprego dos
fogos. Ainda, por óbvio, podendo ser estratégicos; porém, nem tanto, do nível tático.
Acrescente-se que o planejamento desses alvos é realizado do nível mais
baixo para o mais alto, cabendo a este último, a decisão sobre que elemento terá
em sua lista de alvos um alvo a ser batido, conforme dito anteriormente.
A figura a seguir, simplificadamente, demonstra o caminho percorrido
pelas listas de alvos dos níveis inferiores para os superiores, bem como os planos
daí resultantes, que fazem o caminho inverso. Trata-se de uma integração desse
esquema, com figuras trazidas no manual EB20-MC-10.206 (2015, p. 3-4; 3-5).

Figura 1 – Caminho das listas de alvos e dos planos de fogos

Fonte:O AUTOR, 2016.

Observa-se então, que os alvos são, normalmente, decididos no nível mais


alto de determinada campanha, donde se pode verificar que o COM TO, é quem

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O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

normalmente, decide sobre alvos estratégicos e operacionais.


Da mesma forma, o manual de Apoio de Fogo em Operações Conjuntas
(MD33-M-11) inicialmente, faz menção aos alvos a serem batidos no nível Conjunto.
Diz ele:

Serão inicialmente selecionados alvos da Lista de Alvos anexa


ao PEECFA, onde constam os alvos retirados do Banco Nacional
de Alvos do Ministério da Defesa relacionados ao(s) sistema(s)
de interesse ou país(es) envolvidos na variante de Hipótese de
Emprego em questão, para a montagem das linhas de ação a
serem apresentadas ao Cmt Op Cj.
As Forças Componentes e o EMCj já deverão iniciar os seus
trabalhos de levantamento de alvos que comporão a Lista
Integrada de Alvos (LIA), mesmo antes da decisão do Cmt Op
Cj.
[...]
Ainda nessa fase, deverão ser tratados e levantados possíveis
alvos classificados como Alvos Sensíveis, os quais devem ser
entendidos como:
a) aqueles de grande valor estratégico, cujo engajamento
e destruição podem interferir no efeito final desejado da
campanha conjunta;
b) alvos móveis, cuja destruição favorece a operação de uma
ou várias F Cte e requerem um tratamento imediato, em razão
do perigo que representam, ou que representarão em futuro
próximo; e
c) alvos cujo dinamismo da situação tática atribui aos mesmos
uma importância que antes não existia.
Assim, é possível destacar três características fundamentais dos
Alvos Sensíveis: importância, mobilidade e situação tática.
Alvos como um posto de comando não identificado previamente,
ou uma ponte não priorizada na lista de alvos que está prestes
a ser cruzada por forças terrestres inimigas podem adquirir
grande importância em determinados momentos da campanha
e devem ser tratados como Alvos Sensíveis. (MD33-M-11, 2013,
p.30).

Ainda, é de se salientar que esses alvos podem estar a grandes distâncias,


conforme afirma o trecho já esboçado no item dois deste artigo (NCD Nr3, 2015,
p. 5). Nesse caso, provavelmente estarão além de uma medida de coordenação,
que pode ser uma Linha de Coordenação de Apoio de Fogo(LCAF). Daí a falar-se,
também, das Medidas de Coordenação do Apoio de Fogo (MCAF) e das Medidas de
Coordenação e Controle do Espaço Aéreo (MCCEA).
Assim, verifica-se que a NCD que trata sobre o Astros 2020 apenas ratifica

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a situação de que as medidas de coordenação e controle do apoio de fogo e do


espaço aéreo ainda são as mesmas. Além disso, resume conceitos a serem aplicados
às medidas de coordenação envolvendo o MTC à rota e à trajetória, deixando aos
citados manuais a especificação das mesmas. É o que afirma em seu texto:

As medidas de coordenação de apoio de fogo (MCAF) a serem


observadas no emprego de mísseis e foguetes são aquelas
constantes do Manual MD33-M-11 – Apoio de Fogo em
Operações Conjuntas.
As medidas de Coordenação e Controle do Espaço Aéreo
(MCCEA) que influenciam na rota de mísseis e foguetes são
aquelas constantes do Manual MD33-M-13 – Medidas de
Coordenação do Espaço Aéreo em Operações Conjuntas.
[...]
A fim de padronizar procedimentos, será definida como ROTA o
corredor por onde o míssil poderá se deslocar da posição de tiro
até o alvo; como TRAJETÓRIA, o percurso do míssil no interior
da rota estabelecida. (NCD 03, 2015, p. 9).

Vê-se, logo, que as MCAF e as MCCEA são cruciais ao exame do nível


operacional e tático.
Ao tratar de medidas de coordenação de apoio de fogo, o MD33-M-11 afirma
que tais medidas constam do Plano de Coordenação do Espaço Aéreo (PCEA),
confeccionado pela Autoridade do Espaço Aéreo (AEA). E mais, que esse é um
anexo do Plano Operacional. Ou seja, é neste nível que ocorrem planejamento e a
coordenação dessas medidas, em especial, cabendo ao D5 as coordenações futuras
e ao D3 as coordenações quanto às medidas em vigor.
Eis o trecho do manual que explora este aspecto:

De modo geral, as MCAF influenciam no uso do espaço aéreo,


e a fim de simplificar a documentação no âmbito de uma
Campanha Conjunta essa disseminação se dará na fase de
planejamento da campanha, através do Plano de Coordenação
do Espaço Aéreo (PCEA), o qual deve ser um anexo do Plano
Operacional, e durante a fase de execução da campanha,
através das Ordens de Coordenação do Espaço Aéreo (OCEA)
ou através de Instruções Especiais (INESP).
O PCEA é o documento principal da coordenação do espaço
aéreo no TO, emitido como um anexo ao Plano Operacional,
mas, normalmente elaborado pela Autoridade do Espaço Aéreo
(AEA). Deverá haver no Estado-Maior do C Op, na Seção de
Operações (D-3), um elemento responsável por ser o ponto de
contato para as necessidades das F Cte e do próprio C Op. O

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O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

D-3 não será a célula responsável pela elaboração do PCEA, mas


sim o ponto de contato com a AEA designada. O texto consiste
de normas gerais que irão reger as Medidas de Coordenação e
Controle do Espaço Aéreo (MCCEA) e as MCAF.
A equipe encarregada da elaboração do PCEA, normalmente
em uma FAC, deverá receber do elemento de ligação que fica
no D-3 EMCj as necessidades advindas da O Op/O Coord e,
ainda, consultar as F Cte, por intermédio dos Elementos de
Coordenação ou O Lig, a fim de buscar a maior abrangência
e adequabilidade possível para o plano. (MD33-M-11, 2013,
p.37-38).

Quanto às MCAF, o manual cita medidas permissivas, como a Linha de


Segurança de Apoio de Artilharia (LSAA), a Linha de Coordenação de Apoio de Fogo
(LCAF), a Área de Fogo Livre (AFL) e a Quadrícula de Interdição (QI) ou Kill Box; e
medidas restritivas, como a Linha de Restrição de Fogos (LRF), a Área de Restrição
de Fogos (ARF); e a Área de Fogo Proibido (AFP) (MD33-M-11, 2013, p. 40 e 47).
Cumpre dizer que apenas se trata do MTC ao falar da QI. No entanto, verifica-
se que essa medida apenas serve à coordenação do tiro conjunto em um local
determinado, não explorando a rota, nem a trajetória do míssil.
Da mesma forma, o manual EB20-MC-10.206 – Fogo trata das mesmas MCAF – ,
assim, nele está escrito:

MEDIDAS PERMISSIVAS
Linha de Segurança de Apoio de Artilharia (LSAA)
A LSAA é uma linha que define o limite curto, além do qual os
meios de apoio de fogo de superfície (unidades de artilharia de
campanha e os navios de apoio de fogo) podem atirar livremente
na zona de ação de determinada força, sem necessidade de
coordenação com o comando da força que a estabeleceu.
Linha de Coordenação de Apoio de Fogo (LCAF)
A LCAF é uma linha além da qual todo alvo pode ser atacado por
qualquer meio de apoio de fogo, sistema de armas ou aeronave,
sem afetar a segurança e sem necessidade de coordenação
adicional com a força que a estabeleceu.
Essa medida suplementa a LSAA e proporciona maior rapidez
e simplicidade para o ataque a alvos pelos meios aéreos e pela
artilharia de mísseis e foguetes.
Área de Fogo Livre (AFL)
A AFL é uma área específica na qual qualquer meio de apoio
de fogo pode atuar sem necessidade de coordenação adicional
com o comando da força que a estabeleceu. [...]
Quadrícula de Interdição (QI)
A QI, também conhecida como Kill Box, é um volume utilizado

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 117-144, maio/ago. 2017 135
Haryan Gonçalves Dias / Túlio Endres da Silva Gomes

para facilitar a integração do fogo conjunto. Normalmente,


estão posicionadas além da LCAF e são utilizadas para emprego
ar-superfície e emprego de sistemas de longo alcance superfície-
superfície.”
MEDIDAS RESTRITIVAS
Linha de Restrição de Fogos (LRF)
A LRF é uma linha estabelecida entre forças terrestres amigas,
além da qual uma das forças não pode atirar sem coordenar
com a outra.
Área de Restrição de Fogos (ARF)
A ARF é uma área dentro da qual o desencadeamento de fogos
obedece a determinadas restrições ou critérios, sem o que
haverá necessidade de coordenação com o comando que a
estabeleceu.
Área de Fogo Proibido (AFP)
A AFP é uma área onde nenhum meio de apoio de fogo pode
desencadear fogos, exceto sob as seguintes condições: a) a missão
de tiro (temporária) provém da força que estabeleceu a área: e b)
existe a necessidade de se apoiar determinada tropa amiga em
situação crítica no interior da área.(EB20-MC-10.206, p. 3-10, 3-11).

Ainda, quanto às MCAF, é de se destacar a assertiva a seguir, que demonstra


a possibilidade e necessidade de, em determinadas situações, criar-se medidas
especiais para cada caso.Isso se deve ao fato de que aos mísseis e foguetes aplicam-
se, tanto medidas de apoio de fogo, como medidas de controle do espaço aéreo.
Eis a transcrição:

Em razão da possibilidade de interferência entre as trajetórias


das munições e o emprego de aeronaves, a coordenação entre
os meios de fogo superfície-superfície e os usuários do espaço
aéreo deve ser permanente.
Para essa coordenação são estabelecidas medidas de
coordenação e controle do espaço aéreo (MCCEA), descritas em
manual específico, que devem ser de conhecimento de todos
os usuários do espaço aéreo e dos participantes dos sistemas
de apoio de fogo. (EB20-MC-10.206, p. 3-12).

Diante disso, no caso do Sistema Astros 2020 empregado com MTC, cabe
também analisar-se, brevemente, as MCCEA. De fato, elas abordam como o
nível operacional conjunto entende que devam acontecer essas necessárias
coordenações.

Fora do território nacional, o Cmt Op Cj delegará ao Comandante


da Força Aérea Componente (CFAC) ou, eventualmente a outro

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O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

Comandante que ele considere mais adequado, conforme


a missão atribuída, duas tarefas intimamente relacionadas,
quais sejam: a Coordenação e Controle do Espaço Aéreo e o
planejamento da Defesa Aeroespacial na AR.
Quando parte da área de responsabilidade estiver localizada
dentro do território nacional, o Comando de Defesa Aeroespacial
Brasileiro (COMDABRA) delegará à FAC, por meio de acordo
operacional, a responsabilidade sobre a Defesa Aeroespacial.
(MD33-M13, 2014, p. 14 - 15).

Observando esse trecho do manual, vê-se, claramente, que cabe ao COM


TO delegar as responsabilidades sobre as MCCEA, restando estas, normalmente, à
Força Aérea Componente (FAC).
Ademais, a FAC, por meio de uma Autoridade do Espaço Aéreo (AEA), do
Comando da Aeronáutica, estabelece os procedimentos de coordenação, controle
e integração no uso do espaço aéreo, no TO. Essa AEA poderá determinar o
estabelecimento de volumes parciais, contidos na área geográfica do TO (MD33-
M13, 2014, p. 19).
Esses volumes ou outras medidas não padronizadas são exigíveis no caso de
utilização do MTC, justamente pela rota e trajetória do míssil, que passa no espaço
sobre parte da ZA, da ZC e no território onde se encontra o alvo, aquém ou além de
uma linha de coordenação, por exemplo.
A partir desses pressupostos, o manual trata as seguintes medidas como
passíveis de utilização no TO: rotas, corredores, áreas, zonas, volumes, linhas,
pontos e outras medidas. São elas:

Rotas Air Traffic Service - ATS (RATS) - são rotas bidirecionais


que podem iniciar na ZD (ou ZI), cruzando a área de retaguarda
ou espaços adjacentes da Zona de Combate (ZC), especificadas
de acordo com a necessidade, para proporcionar serviços de
tráfego aéreo. [...]
Rotas de Circulação Operacional Militar - COM (RCOM) - são
rotas bidirecionais estabelecidas para que as aeronaves possam
trafegar entre a ZD (ou ZI) e a Zona de Administração do TO ou o
correspondente de uma AOp, sem serem engajadas pela Defesa
Aérea de qualquer uma dessas áreas. [...]
Rotas de Trânsito (RT) - são rotas bidirecionais estabelecidas para
propiciar a identificação por procedimentos, principalmente no
retorno de uma missão. [...]
Rota de Risco Mínimo (RRM) - são rotas bidirecionais estabelecidas
para o uso de aeronaves, tripuladas ou não, de caráter temporário,
permitindo o trânsito entre a área de retaguarda, áreas de
retaguarda das brigadas e as áreas de ação.

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Rotas Padrão de Aeronaves do Exército (RPAE) - são rotas


bidirecionais estabelecidas abaixo da altitude de coordenação
para o uso das aeronaves de asas rotativas do exército,
normalmente associadas à área de atuação de uma brigada e
não requerem solicitação de autorização constante por parte
da AEA.
[...]
Corredores de Trânsito (CT) - são espaços aéreos condicionados
estabelecidos para permitir que as aeronaves amigas cruzem
da área de retaguarda até a linha de contato, com risco mínimo.
[...]
Corredores Especiais (CE) - são espaços aéreos condicionados
estabelecidos para atender necessidades especiais de missões
específicas.
Corredor de Segurança (CSEG) - são espaços aéreos condicionados
estabelecidos para permitir que as aeronaves amigas, com
problemas nos meios de comunicação ou de identificação
eletrônica (IFF ou enlace de dados), ao ingressarem nos VRDA-
Ae, tenham sua segurança garantida por outros meios que não
os eletrônicos.
[...]
Áreas de Busca e Salvamento (ASAR) - é uma ZOR destinada às
missões de Busca e Salvamento e CSAR;
Área de missões eletrônicas (ARME) - é uma ZOR destinada ao
emprego de aeronaves executando ações de ataque ou apoio
eletrônico;
Área de apoio aéreo aproximado (AAPR) - é uma ZOR destinada
à espera de aeronaves que serão empregadas em missões de
apoio aéreo aproximado (cobertura);
Área de sobrevoo proibido (ASP) - é uma ZOR destinada a inibir
o sobrevoo de uma área especificada;
[...]
Zona de Engajamento de Mísseis (ZEM) - é uma ZOR destinada
ao engajamento de mísseis. Define a zona de engajamento de
um sistema de armas amigo específico. A ZEM proporciona, aos
usuários do espaço aéreo, informações sobre engajamento de
mísseis para o planejamento de missões. Esta é uma medida
empregada pelos meios navais.
Zonas de Operações Prioritárias (ZOP) - é uma ZOR destinada
à operação prioritária de um determinado usuário do espaço
aéreo, devendo ser evitada pelos demais usuários quando
ativada. Pode ser utilizada para emprego de artilharia, operações
aeromóveis, operações especiais, etc.
Zona de Responsabilidade Operacional (ZRO) - é o volume que
define o limite de responsabilidade operacional entre órgãos de

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O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

controle de qualquer FCte.


Zona de Transferência (ZT) - é o volume comum a duas Zonas de
responsabilidade Operacional.
Zona de Identificação da Defesa Aeroespacial (ZIDA) - é a zona
onde todos os movimentos aéreos deverão ser classificados pela
Defesa Aeroespacial, estando, a partir daí, sujeitos às Medidas
de Policiamento do Espaço Aéreo a serem determinadas pelo
COMDABRA.
[...]
Volumes Regionais de Coordenação do Espaço Aéreo (VRCEA)
- quando a situação exigir, a AEA poderá delegar volumes para
outras Forças Componentes, por períodos determinados, de
acordo com as necessidades da estratégia adotada, a fim de
permitir liberdade de ação suficiente para sua manobra.
Volume de Responsabilidade da Defesa Antiaérea (VRDA Ae) - É
a porção do espaço aéreo sobrejacente a uma defesa antiaérea,
onde vigoram procedimentos específicos para o sobrevoo de
aeronaves amigas e para o fogo antiaéreo.
[...]
Linha de Postura IFF (Identification Friendor Foe - IFF) -
esta medida determina a linha para acionar ou desligar o
equipamento IFF.[...]
Linha de Sincronização da Zona de Combate (LSZC) - corresponde
à linha que define o limite mais avançado da área de
responsabilidade da Força Terrestre Componente. A LSZC define
dentro da Zona de Combate as áreas de responsabilidade entre
a FTC e a FAC. Esta linha poderá sofrer alterações no decorrer
das operações conjuntas.
[...]
Portões de Entrada/Saída (PES) - um portão de entrada/saída
é um ponto pelo qual uma aeronave deverá passar, a fim de
prosseguir ou sair de uma base de operações de aeronaves,
incluindo aquelas com base em navios.
Bullseye (BE) - ponto de referência geográfico estabelecido,
a partir do qual a posição de qualquer objeto pode ser
referenciada. [...]
[...]
Altitude de Coordenação (AC) - medida estabelecida para
aumentar a segurança operacional e evitar conflitos entre
aeronaves de alto e baixo desempenho em altitudes mais
baixas. (MD33-M13, 2014, p. 49 - 59).

Observe-se que nenhuma delas trata especificamente da utilização de MTC.


No entanto, algumas, com adaptações, podem ser utilizadas.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 117-144, maio/ago. 2017 139
Haryan Gonçalves Dias / Túlio Endres da Silva Gomes

Do mesmo modo, o manual C 44-1 (em revisão), Artilharia Antiaérea, do


Exército Brasileiro (EB), ainda em vigor, destaca medidas de coordenação de artilharia
antiaérea e outras que influenciam na atuação desse elemento de combate e na dos
demais usuários do espaço aéreo, destacam-se: Volume de Responsabilidade de
Defesa Antiaérea (VRDA Ae), Corredores de Segurança, Rotas Padrão de Aeronaves
do Exército, Zona de Vôo Proibido (ZVP)e o Espaço Aéreo Restrito (EAR)(C 44-1,
2001, p.3-21 – 3-34).
Essas medidas encontram identidade naquelas tratadas no MD33-M13, ainda
que possa haver, em alguns casos, pequenas diferenças de nomenclatura.
Há que se citar ainda, que a minuta do novo manual de Artilharia Antiaérea
de 2014, que substituirá o C 44-1, não traz em seu texto a menção de MCCEA,
certamente porque já foram tratadas em outros manuais, sejam do Ministério da
Defesa (MD) ou da Força Aérea Brasileira (FAB).
Dessa maneira, é possível verificar que grande parte dessas medidas geram
limitações ao emprego do Sistema Astros 2020 dotado do MTC. Igualmente, a
recíproca é verdadeira, o uso do MTC impõe restrições a todos os demais usuários
do espaço aéreo e terrestre do TO. Ou seja, na prática, isso leva a requerer,
possivelmente, outra medida de coordenação para cumprir, com eficiência e
segurança,missões de tiro a serem realizadas com esse meio de apoio de fogo.
Ratificando o que foi dito sobre a coordenação, esse aspecto do estabelecimento
de MCAF e MCCEA é crucial ao exame da questão. A exemplo, um Grande Comando
Operativo, através de seu ECAF, coordena os tiros de artilharia entre as Brigadas.
Se os tiros envolverem dois Grandes Comandos Operativos, quem coordena é a
FTC. Assim também, quando o tiro ultrapassa o escalão FTC, envolvendo mais de
uma Força Componente (F Cte), como a FAC ou a FNC, terá que ser coordenado por
um comando superior, o que aponta para um coordenador do apoio de fogo no
nível Estado-Maior Conjunto. Assim como não é a Bda que coordena com a Bda ao
seu lado, não parece ser conveniente que a FTC, coordene diretamente com a FAC.
Melhor fazê-lo quem vê o todo, o próprio TO. Esse trabalho já foi demonstrado, será
realizado pelo D3, pelo D5 e pelo GCAF (Grupo de Coordenação de Apoio de Fogo),
no Cm do Cj, principalmente, sob a autoridade do COM TO.
No que tange às medidas de coordenação, esse tiro terá que ser coordenado
com a FAC, a exemplo, porque poderá ultrapassar uma LCAF e, então, serão dois
atuadores além dessa linha; ou poderá ser aquém da LCAF e então serão outros
tantos atuadores.
Assim, fala-se em LCAF, dizendo que além dela os tiros não necessitariam de
coordenação. No entanto, essa regra pode ser flexibilizada diante da utilização do
MTC, que alcança alvos a até 300 km e 1 km de altura no início de sua trajetória.
Esses alvos, diga-se, são aqueles que subiram inclusos nas diversas Listas de Alvos,
chegando, provavelmente, após um grau minucioso de prioridade, à designação na
LIPA.

140 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 117-144, maio/ago. 2017
O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

Ao pensar-se então, em como realizar o apoio de fogo com o MTC, de modo


eficiente e seguro, cumpre verificar que se tem a necessidade de outra específica
forma de coordenar. Não se está a impor, mas sim a trazer à baila a necessidade de
se pensar em algo como uma provável Linha de Coordenação de Mísseis (LCM). Ela
poderá ser aquém, coincidente, ou além da LCAF. A linha anterior na direção amigo-
inimigo, seja qual for, indicará a coordenação necessária entre todos os usuários do
TO.
Não se pode afirmar que a LCAF será mais profunda,sob pena de limitar-se
demais o emprego da FAC em áreas a distâncias maiores que o alcance da maior
artilharia de campanha de tubo presente e menores que o do MTC, por exemplo.
Nem tampouco, é possível afirmar-se que a LCAF estará aquém da aqui chamada
LCM, dependendo tudo da situação.
Daí que, sob quaisquer circunstâncias, o conceito será definido pelas duas
linhas, das seguintes formas:
– O espaço do TO aquém da primeira, de uso de todos os meios de apoio de
fogo, será de coordenação permanente;
– O espaço entre a LCM como primeira linha e a LCAF como segunda,
provavelmente pouco será empregado, pois sendo o MTC o maior alcance
da artilharia de campanha, acabará por ser coincidente com a própria
LCAF; salvo houvesse fogo naval a ser empregado na mesma área; e
– O espaço entre a LCAF como primeira linha e a LCM como segunda, será
de coordenação necessária no nível TO, e seria liberatório além da LCAF
à FAC e restritivo além da LCM ao emprego do MTC; caso se pensasse em
não se traçar a LCAF mais curta se estaria colocando a mesma a distâncias,
por vezes exageradas, até 300 quilômetros, por exemplo, restringindo-se
desnecessariamente o fogo aéreo.
– O espaço além da última linha continuará sendo aquele onde a
coordenação não é mais necessária, pois apenas um dos usuários pode
atuar, qual seja a FAC (além de 300 quilômetros), por exemplo.
– Além dessa medida, haverá que se ter outra, que marque a rota e a
trajetória segura do míssil, porém com um viés restritivo à utilização do
espaço aéreo em determinado tempo e espaço. Poderá ser um Corredor
de Interdição do Espaço Aéreo (CIEA), por exemplo, que parta da posição
de bateria, passe sobre da LP/LC ou LAADA e abranja o alvo. Devido ao
alcance do MTC, poderá essa rota ser segmentada, ativando-se ou se
desativando partes já ultrapassadas. Seu desenho será semelhante a um
longo corredor de segurança, com especificações de altitude, largura a
partir do centro, horário de vigência, porém com finalidade de vedação à
utilização do espaço aéreo por outros meios, que não o míssil.
Quanto à área do alvo, a QI parece cumprir esse papel sem a necessidade de
outros ajustes.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 117-144, maio/ago. 2017 141
Haryan Gonçalves Dias / Túlio Endres da Silva Gomes

Ou seja, todas essas medidas de coordenação só ratificam ser o nível conjunto,


o mais indicado a subordinar-se o Astros 2020, sobretudo quando utilizando o
MTC.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Astros 2020, dotado de MTC, é, sem dúvida um elemento dissuasor por


excelência, agregando essencial e necessário poder de combate para o comandante
do Teatro de Operações intervir em uma campanha, por isso a subordinação
a esse nível, como um Comando de Artilharia pode ser a opção mais viável. É
possível considerá-lo, primordialmente, como uma arma estratégica. Sua atuação
como capacidade crítica das forças amigas é fator de desequilíbrio no combate,
podendo trazer atingir, diretamente, o centro de gravidade inimigo, tirando-lhe as
possibilidades de resistir.
As razões para isso foram esboçadas ao longo deste trabalho. Infere-se, que
a logística é, normalmente, provida de Ba Log Cj ou GT Log, estruturas existentes
no TO e sob coordenação do CLTO (Comando Logístico do Teatro de Operações). O
fluxo logístico, na maioria das vezes, não virá de uma BLT, que possivelmente estará
desdobrada mais a frente, em apoio ao(s) Grande(s) Comando(s) Operativo(s).
Além disso, o desdobramento deve se dar, sobretudo, na ZA (maior faixa do terreno
disponível), ou no mínimo na área de retaguarda da ZC (a partir de 30 quilômetros
da LC/LP ou LAADA).
No mesmo sentido, é possível inferir, também, que a coordenação do
apoio prestado pelo Astros se dá no mais alto nível da operação, qual seja o TO,
sob coordenação do EM Cj e com o aval do COM TO, durante as reuniões de
coordenação. Adjudica-se a isso o fato de que a natureza do salvos a serem batidos,
ditos de grande importância, podem refletir-se nos próprios centros de gravidade
do inimigo, seja ele estratégico, operacional ou tático. E, adere também, a questão
das MCAF e MCCEA, que devem ser elaboradas no sentido de simplificar o emprego
do material, dando segurança e eficiência, com otimização do tempo e do espaço
de coordenação e com a minimização das restrições às F Cte estabelecidas com esse
fim, junto ao EM Cj, no TO.
Assim, é permissivo concluir que a coordenação não é impedida pela
subordinação à FTC. Basta coordenar-se que se chegará ao resultado esperado. No
entanto, a necessidade de se coordenar essa subordinação, com uma logística que
atua no nível conjunto, com seus meios desdobrados normalmente na ZA, com o
emprego coordenado pelo EM Cj e decidido pelo COM TO, com alvos importantes
e estratégicos à campanha, com medidas de coordenação que requerem agilidade
e flexibilidades às F Cte, sem comprometer a segurança e a eficiência do apoio,
aparentemente, torna mais complexa, menos eficiente, rápida e segura a opção de
subordinação do Astros 2020, dotado de MTC, à FTC.

142 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 117-144, maio/ago. 2017
O Emprego dos Astros 2020 e sua Subordinação: Uma Opção Viável

Portanto, pensa-se como opção mais viável, a que aqui se procurou vislumbrar,
qual seja a de que o material dotado de mísseis de cruzeiro deve ser subordinado
ao próprio COMTO, na forma, quiçá, de um Comando de Artilharia Estratégica.
Afinal, quanto mais graus de coordenação forem necessários, mais limitado será o
emprego do MTC.
Ademais, armas de semelhante emprego, como os mísseis Tomahawk (EUA),
IAI-LORA (Israel), Roketsan-SOM (Turquia), DRDO-Brahmos (Índia) e MBDA-Perseus
(UK e França), são consideradas estratégicas e empregadas como um comando
próprio por seus países de origem.
Derradeiramente, por ser o Astros 2020 e seu MTC a mais nova arma estratégica
brasileira, cumpre pensar, sem desmerecer a possibilidade de subordinação à FTC,
como opção considerável e que será poderá ser requerida na maioria das vezes, a
de ver essa nova capacidade da Defesa Nacional, sob a subordinação direta ao COM
TO. É uma sugestão possível, a se pensar.

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2020 e constitui a equipe inicial do Projeto.Brasília, 2012.

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Recebido em: 14 set. 2016;


Aprovado em: 21 maio 2017.

144 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 117-144, maio/ago. 2017
La Reconfig. de Amér. Lat. Bajo el Esquema de Seg. de La “Pax Americana” En el Siglo XXI: El Caso de la Alianza del Pacíf.

LA RECONFIGURACIÓN DE AMÉRICA LATINA BAJO EL ESQUEMA DE SEGURIDAD


DE LA “PAX AMERICANA” EN EL SIGLO XXI: EL CASO DE LA ALIANZA DEL PACÍFICO

María del Pilar Ostos Cetina*

RESUMEN
El objetivo del presente ensayo se foca en analizar una perspectiva geopolítica, la
actual configuración de América Latina a partir de los mecanismos de defensa y
seguridad que ha establecido Estados Unidos sobre la región que concibe como su
“isla continental”. Para el logro de tal objetivo, se pretende enfatizar en el criterio
de seguridad que se conoce como la pax americana (seguridad hemisférica),
estableciendo un punto de enlace directo entre esta y lo que en la actualidad se
plantea como la concreción de un “arco de seguridad continental”, el cual está
enmarcado y definido a través de la propuesta de creación reciente de la Alianza
del Pacífico.
Palabras clave: Estados Unidos. Pax Americana. Seguridad. América Latina. Alianza
del Pacífico.

LATIN AMERICA RECONFIGURATION UNDER THE “PAX AMERICANA” SAFETY


SCHEME IN THE 21ST CENTURY: THE CASE OF THE PACIFIC ALLIANCE

ABSTRACT
The principal objetive of this essay is to analyze from a geopolitical perspective, the
current settings of Latin America from the defense and security criteria that set the
United States on the region seen as “continental island.” For achieving this goal,
is to emphasize the safety criterion is known as the Pax Americana, establishing a
direct relationship with what currently is planned as the realization of an “arc of
continental security”, framed and defined through the proposed newly established
Pacific Alliance.
Key words: United States. Pax Americana. Security. Latin America. Pacific Alliance.

____________________
* Profesora e investigadora del Centro de Estudios Superiores Navales (CESNAV) y del Instituto de
Investigaciones Estratégicas de la Armada de México, pertenecientes ambos a la Secretaria de
Marina Armada de México. Doctora en Ciencias Políticas y Sociales con estudios posdoctolares,
ambos de la Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM). Maestra en Estudios del
Programa de Posgrados de la Facultad de Ciencias Políticas y Sociales de la UNAM y politóloga de
la Universidad Javeriana de Colombia. Contato: <mpostos@yahoo.com>

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 145-160, maio/ago. 2017 145
María del Pilar Ostos Cetina

A RECONFIGURAÇÃO DA AMÉRICA LATINA SOB O ESQUEMA DE SEGURANÇA “PAX


AMERICANA” NO SÉCULO XXI: O CASO DA ALIANÇA DO PACÍFICO

RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar, do ponto de vista geopolítico, a configuração atual da
América Latina a partir dos mecanismos de defesa e segurança que foram estabelecidos
pelos Estados Unidos sobre a região que considera como sua “ilha continental”. Para
atingir este objetivo, pretende-se enfatizar o critério de segurança conhecida como a Pax
Americana (segurança hemisférica), estabelecendo um ponto de conexão direto entre
este e o que hoje é visto como a realização de um “arco de segurança continental”, o
qual é emoldurado e definido pela criação recente da proposta da Aliança do Pacífico.
Palavras-chave: Estados Unidos. Pax American., Segurança. América Latina. Aliança
do Pacífico.

1 INTRODUCCIÓN: CONFIGURANDO LA PAX AMERICANA EN EL SIGLO XXI

Cuando Friedrich Ratzel, iniciador de la geopolítica alemana estuvo en Estados


Unidos, entre los años 1874 a 1875, reconoció la pujanza y la excepcionalidad
civilizatoria de los estadounidenses. Advirtiendo que, “en este país (EE.UU.) suceden
tantas cosas nuevas y significativas, el pueblo demuestra tanta laboriosidad y
capacidad, que es imposible no percatarse de ello, y nadie podrá negar que la Unión
Norteamericana se ha convertido en uno de los grandes factores de la historia de
nuestra época” (RATZEL, 2009, p. 48)
Sus apreciaciones fueron, sin duda alguna, benevolentes con este prototipo
de país que desde sus inicios se planteó como objetivo primordial, la edificación de
su propio espacio vital (lebensraum), el cual consiste, según Ratzel, en un espacio en
el que respira el cuerpo político y en el que, a impulsos de las leyes de la naturaleza,
se expande y crece, convirtiéndose así en parte inseparable del organismo vivo que
es el Estado mismo (WEIGERT, 1943, p. 107)
Una tarea con enormes retos para una sociedad que a partir de la visión
puritana que heredaron de ese primer establishment que configuraron los Padres
Fundadores (pilgrims), los ha llevado a asumirse como predestinados y poseedores
de un singular ánimo de grandeza y superioridad, tal como se ejemplifica actualmente
ante la llegada a la Casa Blanca del mandatario Donald Trump, lo cual se hace visible
por todos los medios posibles al resto de la humanidad. Lo que dicho sea de paso,
desde sus inicios y hasta el día de hoy, los ubica en el -punto de mira- de aquellos
que se oponen a su progresivo y furibundo avance que los impulsa a convertirse en
un prototipo de “potencia global”, tal como lo asegura Zbigniew Brzezinski en varias
de sus obras (BRZEZINSKI, 2005, p. 21-29).
En tal sentido, la idea del espacio vital que argumentó Ratzel y que luego
buscará adoptar al caso de su natal Alemania, surgió precisamente de sus

146 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 145-160, maio/ago. 2017
La Reconfig. de Amér. Lat. Bajo el Esquema de Seg. de La “Pax Americana” En el Siglo XXI: El Caso de la Alianza del Pacíf.

observaciones sobre el devenir histórico de Estados Unidos. Siendo este un


planteamiento geopolítico que se comenzó a gestar a partir de considerar como
primer – área pivote – a Nueva Inglaterra, que entre los años previos a 1620, se había
convertido en el lugar “escogido” para avivar desde ahí lo que será la condición de
“predestinación del pueblo anglosajón” (URQUIZA, 2012, p. 85-86).
Así, tras la llegada de los peregrinos a bordo del Mayflower por el mes de
noviembre del año en mención, la costa Este se convertirá en ese gran epicentro
geográfico en constante crecimiento, el cual se ampliará hasta conformar lo que se
asumió bajo el nombre de las Trece Colonias. Cubriendo una importante franja del
litoral sobre el Atlántico que, paulatinamente asumirá otra dimensión, tras concretarse
las negociones con el imperio español y alcanzar por fin su predominio sobre el actual
estado de la Florida. Sin embargo, el curso del crecimiento territorial no se detuvo ahí,
sino que avanzó con miras a adquirir el vasto control del vecino territorio de la Louisiana,
el cual estuvo en manos del imperio napoleónico hasta que este se decidió venderlo a
los estadounidenses; con el propósito de obtener recursos económicos, provenientes
de dicha venta para financiar las campañas de conquista al interior Europa.
De este modo, la pretensión que en su momento tuvo San Agustín de edificar
la “Ciudad de Dios” en el ámbito terrenal, la dirigencia política estadounidense lo
estaba logrando, ya que entre sus primeras acciones en tierras del Nuevo Mundo
estuvo la de concretar un auténtico -espacio vital- que se fuera materializando en
forma de una gran masa colosal con carácter bioceánico, ubicada entre las costas
del Atlántico y los litorales del océano Pacífico.
De ahí que, tras adquirir la Louisiana, la siguiente acción geopolítica de los
estadounidenses se desarrolló a partir de la anexión de los estados de Texas, más
tarde de California, Nuevo México y Arizona, los cuales eran parte de México hasta
su inminente separación con la firma del Tratado Guadalupe –Hidalgo en el año de
1848. Finalmente, su avanzada hacia el océano Pacífico se dio con el apoyo de la
proclamación del legado monroista de 1823, mismo que conduciría a la salida de los
rusos de los asentamientos en San Francisco y la propia Alaska.
Siendo esta una estrategia de ocupación territorial que requirió toda suerte
de tácticas, incluyendo aquellas de tipo religioso, un ejemplo de ello fue la llamada
“verdadera iglesia”, expresión con la que se autonombraban los mormones, además
de mencionar algunas otras iglesias comprometidas con la empresa de colonización
del suelo estadounidense hacia el Oeste (FARRINGTON, 2002, p. 64).
De esta manera, Estados Unidos se convertirá para el más destacado
pionero de la geopolítica alemana, en un auténtico “laboratorio” de estudio para
la formulación de su conocido postulado geopolítico que se sintetiza en la idea del
espacio vital. Una condición propia de aquellos Estados que tienen la capacidad
de hacer acrecentar su territorio a expensas de las debilidades que manifiestan el
resto de los Estados que lo rodean. Al tiempo que se trató de un postulado ligado al
ejercicio práctico del Destino Manifiesto y a las ideas darwinistas de la época, acerca

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 145-160, maio/ago. 2017 147
María del Pilar Ostos Cetina

de la sobrevivencia del más fuerte y su capacidad de adaptación al medio natural,


acompañado del fundamento filosófico hegeliano sobre la supremacía del Estado
como entidad que cohesiona y ordena a una población sobre un determinado lugar,
siendo esta una noción clara en la que el Estado se concibe como el “único actor
territorial efectivo” (FONT; RUFI, 2001, p. 35).
Por consiguiente, la forma de expansión que observó Ratzel en el caso
estadounidense, será convertirla también en fuente de inspiración para otras
entidades políticas como fue el caso de su país, Alemania, en medio de la
apertura de un nuevo siglo en el que las tradicionales potencias (Inglaterra,
Francia, Rusia, Austria) y las nuevas que se daban a conocer en el lejano oriente
como era el caso del Japón, además de Estados Unidos en su rol hegemónico
sobre la que avizoraba como su “isla continental” (la América Latina y el Caribe);
pusieron de manifiesto un número cada vez mayor de competidores en el
escenario de la confrontación internacional que se avecinaba para los primeros
decenios del siglo XX.
Retomando este último aspecto de la isla continental, se sabe que entre los
pendientes de la proyección geopolítica de Estados Unidos, luego de concebirse como
país bioceánico, estaba la de extender su “frontera móvil” hasta las inmediaciones
de la actual Colombia a través de proyectos muy concretos: la independencia de
Panamá y la culminación de las obras del mismo Canal (1914), siendo este un -punto
clave- para desde ahí poder “abrazar el mundo” y, alcanzar una mayor presencia
continental, al tiempo que mundial.
En este sentido, el concepto de “frontera móvil” formulado por el académico
Frederick Jackson Turner (1861-1932), durante la celebración del discurso que
pronunció en 1893 ante los miembros de la “Sociedad Histórica Norteamericana
sobre la importancia de la frontera en la historia de Norteamérica. …Demostró
que la existencia de una frontera móvil, como solución a todos los problemas
sociales y económicos de Norteamérica, constituía un elemento desconocido en
Europa y hacía que la historia de Norteamérica fuera única” (JONHSON, 2001,
p. 492).
Y es precisamente, bajo la idea del espacio vital y esta última noción de frontera
móvil que, Estados Unidos ha ido asumiendo de forma paulatina, pero constante, la
formulación de un esquema de seguridad cada vez más abarcador, capaz de aglutinar
mayores áreas geoestratégicas, lo que le da presencia y predomino allende de sus
límites territoriales, marítimos y hasta aéreos. Por lo cual, todos los caminos y rutas
se conectan a un mismo centro de poder, hoy en dirección a Washington, tal como
en el pasado lo hiciera el imperio más poderoso de la antigüedad, cuando todos los
caminos conducían a Roma.
Será, entonces, bajo esa misma concepción imperial que reina entre los
estadounidenses sobre esa amplia porción de tierra rodea de mar, es decir, sobre la
que asume como su isla continental, ubica entre los dos más importantes océanos del

148 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 145-160, maio/ago. 2017
La Reconfig. de Amér. Lat. Bajo el Esquema de Seg. de La “Pax Americana” En el Siglo XXI: El Caso de la Alianza del Pacíf.

planeta, cuando surge el imperativo de su establishment por salvaguardar tan vasta


extensión territorial frente a cualquier amenaza externa y ajena al continente.
Así, la pertinencia para concretar un plan, un criterio de seguridad hemisférica
bajo el legado de la pax americana, asemejándose al modelo imperial romano, que
le daría la perdurabilidad a través de sus legiones y centinelas que avanzaban allende
de sus fronteras para hacer frente a la amenaza de los barbaros (extranjeros), como
en los tiempos actuales se puede explicar con mayor claridad los planteamientos
del geopolítico estadounidense, Alfred Thayer Mahan, quien a finales del siglo XIX,
advirtió lo siguiente:

Quiéranlo o no, los estadounidenses deben mirar ahora hacia


el exterior; la creciente producción del país así lo requiere, y
un volumen en aumento del sentir del pueblo así lo reclama.
La ubicación de Estados Unidos entre dos viejos mundos y dos
grandes océanos hace la misma exigencia, exigencia que se
fortalecerá pronto con la creación de la nueva conexión entre el
Atlántico y el Pacífico. La tendencia se mantendrá y aumentará
con el crecimiento de las colonias europeas en el Pacífico, con
la progresista civilización del Japón, y por el hecho de que
nuestros estados del Pacífico se están poblando rápidamente
con hombres que poseen el espíritu emprendedor de la línea
de avanzada del progreso nacional (MAHAN, 2000, p. 39).

Desde este punto de vista, queda claro que los intereses vitales de Estados
Unidos se encuentran hasta donde se extiende su “frontera móvil”, es decir, más
allá de las costas del Asía Pacífico y también en dirección al conjunto de los
países de Europa, sin dejar de lado los extremos tanto en el Ártico como en la
Antártida. Una propuesta eminentemente geopolítica, con un alto contenido
geoestratégico, cuya incidencia será decisiva en la continuidad de sus planes de
ampliación de su espacio vital a lo largo de lo que fue el siglo XX, conocido como
el “Primer Siglo Americano” y el actual, una continuación del mismo tal como lo
afirma el actual geopolítico, Georges Friedman (VALENZUELA; FRIEDMAN, 2008,
p. 18).

2 LAS AMENAZAS A LA PAX AMERICANA DESDE ASÍA PACÍFICO

Recordando a otro geopolítico alemán de principios del siglo XX, el general


Karl Haushofer, quien fuera catedrático de geografía formado en la escuela de Ratzel
y en la experiencia diplomática como observador militar en la embajada alemana
de Japón durante dos años (1908), resulta más que destacado, comprender desde
su punto de vista, los avatares de lo que se anunciaba como el inicio de una nueva
era del Pacífico.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 145-160, maio/ago. 2017 149
María del Pilar Ostos Cetina

Al respecto, el geopolítico mexicano Alberto Escalona Ramos comentó que,


“en efecto, hacia el Pacífico convergen las tendencias centrífugas de las masas
terrestres de Asia (Rusia, China y también India) y las marítimas (Japón). Las
marítimas de Europa (directamente en el Pacífico o a través del Indico) y terrestres
y marítimas de América, Australia y Sudáfrica”; opinión que guarda relación con
lo que avizoró Haushofer, al momento de señalar que “ahora principia la era del
Pacífico, sucesora de la vieja era del Atlántico y de la caduca del Mediterráneo con
la pequeña Europa” (ESCALONA, 1959, p. 233).
En ese mismo tenor, el general alemán advierte sobre los riesgos de
permitir a futuro la configuración de un bloque chino-ruso, que supondría además
la incorporación del imperio japonés, avivando con ello la tesis geopolítica de
Mackinder de concretar a través de este conjunto de países el más importante “eje
geográfico de la historia”. Así, en el terreno de los hechos, esta suerte de alianza
sufrió su primer embate en medio de un hecho coyuntural como fue el ataque a la
base naval estadounidense de Pearl Harbor a manos del Japón, lo cual en palabras de
Escalona Ramos se trató de “una trampa que aceptaron con gusto los gobernantes
norteamericanos, pues sabiendo de antemano cuando sería el ataque, lo supieron
aprovechar a tiempo para unificar la opinión del país, tanto entre demócratas como
entre republicanos y para poder declarar después la guerra (al país atacante)”.
(ESCALONA, 1959, pp. 226-242).
Así, la forma en que Estados Unidos buscó neutralizar a uno de sus más
decisivos oponentes en la región de Asía-Pacífico, concluyó precisamente con la
puesta en marcha de bombardeos nucleares sobre las provincias japonesas de
Hiroshima y Nagazaki. Un asunto que trajo consigo la inmediata rendición del
“imperio del sol naciente”, seguido de un irrestricto respaldo de dicho país a las
acciones políticas encaminadas por Washington a todo lo largo de la Guerra Fría y
aún después, en medio del contexto actual de posguerra fría.
En consonancia con lo anterior, Haushofer fue enfático en señalar los peligros
de favorecer el surgimiento de un imperio con “el alma del Japón en el cuerpo de
China, considerando que sería una potencia que eclipsaría incluso a los imperios de
Rusia y Estados Unidos, capaz de enfrentar a cualquier enemigo” (ESCALONA, 1959, p.
229). Por ello, la estrategia que adelantó Estados Unidos a partir de 1951, consistió en
promover “tres pactos de Alianza” en materia de seguridad, uno con Japón, otro con
Filipinas y otro con Australia y Nueva Zelanda. Dos años después con Corea del Sur,
otro en 1954 con Formosa; lo que en suma y hasta esa fecha dará lugar a la creación
del Tratado de Defensa del Sureste de Asia, por sus siglas (OTSEA o SEATO).
Siguiendo esta lógica de defensa, que no es más que la puesta en marcha
de la pax americana del lado de Asía Pacífico; con respecto a China, el otro rival
hasta fechas presentes, el propio Mahan advirtió sobre la apremiante necesidad de
prestar atención a este “gigante continental”, afirmando lo siguiente en un artículo
fechado el 30 de enero de 1983:

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La Reconfig. de Amér. Lat. Bajo el Esquema de Seg. de La “Pax Americana” En el Siglo XXI: El Caso de la Alianza del Pacíf.

Es ampliamente sabido, aunque tal vez no generalmente


advertido en nuestro país, que muchos de los militares en el
extranjero familiarizado con la condición y carácter orientales,
ven con preocupación el día en que la vasta masa de China,
ahora inerte, pueda ceder a alguno de aquellos impulsos que
en épocas pasadas sepultaron a la civilización bajo una ola de
invasión bárbara. …China puede destruir sus barreras tanto
hacia el Oriente como hacia el Occidente, hacia el Pacífico como
hacia el continente europeo (MAHAN, p. 46).

De este modo, el “perturbador” de occidente como le llamó el almirante francés


Raúl Castex a China, efectivamente pasará a convertirse en un fuerte oponente a
todas aquellas intenciones de expansión por parte de Estados Unidos en dirección
a la región que hasta el día de hoy los chinos consideran su más importante área
de influencia natural: el Asia Pacífico. Un espacio geográfico que, según Haushofer,
suponía en el futuro convertirse en un auténtico “campo de batalla entre el Este y
el Oeste”. Así, dichas profecías al parecer se están cumpliendo, y coinciden con lo
que Mahan afirmó respecto a la condición geopolítica de su país, Estados Unidos, al
afirmar “en nuestra infancia sólo tuvimos linderos con el Atlántico; nuestra juventud
llevó nuestros límites hasta el Golfo de México, hoy la madurez nos ve sobre el
Pacífico” (MAHAN, p. 48).
En el Pacífico, dice Escalona Ramos, se reunirán las mayores flotas de guerra
del mundo, las más viejas civilizaciones se enfrentarán con las más nuevas, el
continente más apretadamente poblado (Asia) contenderá frente a América, siendo
este el espacio geopolítico que cobra vida para organismos actuales como APEC, TPP,
la ampliación misma de la OTAN e incluso a la Alianza del Pacífico. Esto sin olvidar
que a esta “lucha de gigantes”, volverá a escena la Rusia imperial. El competidor
más contundente que tendrán los estadounidenses tras el inicio de la era bipolar y
hasta los tiempos presentes (ESCALONA, p. 246).
Considerando esto último, en su momento, Georges Kennan, quien fungiera
como funcionario del Departamento de Estados, expresó a través del Foreign
Affairs su opinión acerca del retorno de la Rusia Soviética al escenario internacional,
argumentando que “Estados Unidos debía tomar como parte fundamental de su
política exterior una duradera, paciente pero firme y vigilante contención de las
tendencias expansionistas rusas”. Aduciendo que a diferencia de la Alemania
hitleriana, el poderío soviético ni es esquemático, ni es aventurista. No opera
mediante planes fijos. Por el contrario, toma riesgos innecesarios. Impenetrable a
la lógica de la razón, es altamente sensible a la lógica de la fuerza. Estados Unidos,
entonces, debe seguir considerando a la Unión Soviética como un rival, no como un
socio, en la arena política (VALENZUELA, p. 375).
Bajo el criterio de Kennan, compartido además por otros miembros del
establishment estadounidense, la Unión Soviética se había convertido en el más

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María del Pilar Ostos Cetina

contundente y firme rival a partir del contexto de la Guerra Fría. Un hecho que
además conllevó el diseño de una pronta y efectiva política de contención, necesaria
para frenar los ánimos de la expansión soviética en dirección a otras latitudes del
planeta, particularmente hacia el amplio conjunto de los países que integran lo que
para Estados Unidos es su zona de influencia inmediata, su isla continental.

3 LA ALIANZA DEL PACÍFICO: UN MECANISMO DE CONTENCIÓN GEOPOLÍTICA EN


LOS ALBORES DEL SIGLO XXI

Después de varias décadas, y tras presentarse diversos acontecimientos que


llevaron al ocaso bipolar, se dará inicio un nuevo intervalo de tiempo, una etapa
que algunos autores del campo de las Relaciones Internacionales suelen considerar
como el surgimiento de una “transición intersistémica” (DALLANEGRA, 2001, pp.
12-13).
En dicho intervalo se presenta toda suerte de reacomodos políticos al interior
del gran tablero mundial, tal como lo expresa Brzezinski y otros teóricos en la materia
como es el caso de Joseph R. Núñez, quien plantea que para el caso de la defensa
y seguridad de Estados Unidos, se hizo necesario plantear una nueva “arquitectura
de seguridad para las Américas”. Este planteamiento consiste, básicamente en
proponer un nuevo esquema de responsabilidades en todo el continente, cuya
“clave para un liderazgo estadounidense exitoso es el reconocimiento de ciertos
líderes subregionales –Canadá, México, Brasil, Argentina y Chile- esto puede agregar
una legitimidad significativa a una nueva arquitectura de seguridad (NUÑEZ, 2002,
p. VII).
Asimismo, se trata de una estrategia geopolítica emitida por Estados
Unidos con énfasis muy particular en los regionalismos, es decir, en ese tipo de
interacción entre Estados que persiguen intereses en común, sean estos en el
ámbito político, económico, social o militar. Convertido a su vez en el sustento
sobre el cual se erigen iniciativas como la actual Alianza del Pacífico, misma que
se convierte en parte fundamental de ese nuevo rediseño de la pax americana a
inicios del siglo XXI.
Al respecto, la propuesta de creación de la Alianza del Pacífico resultó ser
una tarea encargada en sus inicios al ex mandatario peruano Alán García Pérez,
quien a partir de 2010, se dio a la tarea de gestionar los acercamientos entre sus
pares en la región. Haciendo la invitación directa a países como México, Colombia,
Chile, incluso al Ecuador, quien se negó a participar, además de Panamá, el cual
asumió el rol de observador en dicho esquema de acercamiento entre países con
una característica en común: la de colindar con el Océano Pacífico.
Cuatro años después de estas primeras gestiones, la configuración de la
Alianza del Pacífico se concreta a un cuarteto de países con status de miembros
plenos (México, Colombia, Perú y Chile) hasta el día de hoy, cuya posibilidad de

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ampliarse se encuentra más que latente para otros países, interesados en su


incorporación como son los casos de Panamá y Costa Rica.
Con respecto a sus objetivos primordiales, la Alianza del Pacífico fue creada,
según se explica en su Declaración formal de inicio, fechada el 28 de abril del 2011,
con la intensión de promover un “área de integración profunda”, teniendo como eje
fundamental de su proyección los siguientes aspectos (SECRETARIA DE ECONOMIA,
2006-2012, p. 3):
• Movimiento de personas de negocios y facilitación para el tránsito
migratorio incluyendo la cooperación policial.
• Comercio e integración, incluyendo facilitación de comercio y cooperación
aduanera.
• Servicios y capitales, incluyendo la posibilidad de integrar las bolsas de
valores; y
• Cooperación y mecanismos de solución de diferencias.
A partir de dicha Declaración, la Alianza del Pacífico se ha trazado como
prioridad, según el contenido de su propio texto de “promover una mayor
cooperación que permita a nuestra región fortalecer sus diversos vínculos políticos
y económicos, así como su presencia en el mercado mundial, en especial en el
Pacífico Asiático” (SECRETARIA DE ECONOMIA, p. 4). Analizando más a detalle dicho
propósito, se observa una singular relación con los objetivos que en el pasado se
trazó la dirigencia política en Washington, al momento de formular lo que fue el Área
de Libre Comercio para las Américas (ALCA); un mecanismo que acompañaba los
criterios de proyección geoestratégica de los estadounidenses sobre el continente
americano, en el marco de un conjunto de principios que expone la llamada Iniciativa
para las Américas, la cual se dio a conocer durante lo que fue la Cumbre presidencia
de Miami en 1994.
Una cumbre que, entre otras cosas, sirvió para ahondar en aquellos veintitrés
puntos sobre los cuales se buscaba afianzar la consolidación de esa gran “isla” de
los estadounidenses, es decir, la construcción de esa zona de libre comercio que
transcurriera geográficamente entre Alaska hasta Tierra del Fuego. Se trataba de
la formulación de un esquema de cooperación continental dentro del cual, el actor
que convocaba, en este caso Estados Unidos, llamaba a realizar tareas conjuntas
en la lucha contra el narcotráfico, elaborar políticas de reforma y liberación de sus
economías (a través de la implementación de tratados de libre comercio bilateral,
trilateral o multilateral), con especial énfasis en el compromiso de modernizar
las instituciones y las legislaciones para volverlas compatibles con el sistema
institucional del Coloso del Norte.
Fue en ese sentido que, la administración de gobierno del entonces mandatario
William Clinton se centró en impulsar una política exterior interamericana fincada en
la construcción de una “zona de libre comercio; el fortalecimiento de la democracia,
incluyendo esfuerzos para una transición pacífica de Cuba; y el combate al crimen

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internacional organizado, el narcotráfico, la migración ilegal y el terrorismo”


(BONILLA, 1998, p. 85-86).
A partir de lo anterior, efectivamente existe una notable coincidencia entre
los principios que definen a la Iniciativa de las Américas y lo que en fechas recientes
ha llevado a la creación de estos nuevos esquemas de cooperación subregional, en
los que se identifica con claridad a la Alianza del Pacífico, orientada a partir de dos
rubros esenciales en el actuar del actor hegemónico: democracia y libre mercado.
Sobre el mismo tema, cabe señalar que no todos los gobiernos de América
Latina y el Caribe se mostraron favorables a este tipo de iniciativas, quizás entre
los casos más discordantes que se presentaron fueron las posturas asumidas por
parte de Venezuela. Cuyas primeras reacciones fueron las de contravenir los planes
propuestos por Washington a través de discursos, los cuales sugerían la aparición
de otro tipo de esquemas de cooperación intrarregional bajo el liderazgo de los
propios países latinoamericanos.
En tal sentido, una vez al frente del poder, el entonces mandatario Venezolano
Hugo Chávez Frías (1999-2013) optó por diseñar un modelo de integración,
fundado en un criterio geopolítico ad hoc a los intereses de Venezuela, el cual a
su vez contravendría los planes previstos por Estados Unidos en su propia zona
de influencia, tanto en la América continental como en la parte insular en el Mar
Caribe. En ese contexto, entonces, apareció lo que en un principio se denominó
como la Alianza Bolivariana para América (ALBA). Convirtiéndose en una sigla que
en términos del discurso, facilitará una cierta confusión con respecto al acrónimo
formulado por Estados Unidos a través de su proyecto ALCA.
Otra de las posturas que habría que considerar en esta reconfiguración
de bloques geopolíticos en el continente fue la de Brasil. Precisamente bajo la
administración de gobierno de Ignacio Lula da Silva (2002-2010) quien se mostró
interesado en reposicionar a su país en el contexto de la América del Sur a partir
de una cada vez mayor participación dentro de un mecanismo de cooperación
comercial con el nombre del Mercado del Sur, más conocido por sus siglas como
MERCOSUR (AMERSUR, 2008).
Además de afianzar el liderazgo de Brasil en el Mercosur, Lula da Silva se
encargó de profundizar los vínculos de integración con el conjunto de sus poco más
de 10 países vecinos, a través de la formulación de lo que se conoce como la Unión
de Naciones de América del Sur (UNASUR), convertido en su brazo político en la
región. Mientras que en el terreno de los asuntos de defensa y seguridad, siendo un
tema prioritario el narcotráfico, entre otros e interés común para Brasil y los países
colindantes, se creó un mecanismo de orden militar con el apelativo de Consejo de
Defensa Sudamericano (CDS).
Mientras esto sucedía en eje que comprende la América del Sur, y previo
a la aparición de la Alianza del Pacífico en épocas recientes, cabe mencionar el
surgimiento de otro mecanismo de integración subregional como fue el llamado

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Plan Puebla Panamá (PPP), más tarde rebautizado como Plan Mesoamérica. El
cual se integró por un conglomerado de países, entre ellos México y sus sucesivos
vecinos del lado de la frontera sur hasta incorporar a un país andino-caribeño
como Colombia, bajo la idea de concretar un mecanismo que consonancia con
lo expresado por el ex presidente mexicano, Vicente Fox Quesada, se trataba de
una “nueva concepción de la planeación regional que busca adecuarse a un nuevo
contexto nacional e internacional de democratización, fortalecimiento institucional
y participación de la sociedad civil organizada en la formulación de políticas públicas”
(SECRETARIA DE RELACIONES EXTERIORES, 2006-2012 ).
Como antecedente a dicho plan, se considera la reunión celebrada en San José
de Costa Rica, el 12 de septiembre de 2000, a la cual asistieron no sólo los delegados
de cada uno de los países miembros, sino que además acudieron representantes del
Banco Interamericano de Desarrollo (BID) y la Comisión Económica para América
Latina (CEPAL), siendo ambos piezas claves del hegemón continental en todo este
proceso de inicio y acompañamiento del PPP. Un mecanismo que además se sugirió
estuviera acompañado por miembros de la comunidad internacional en calidad de
observadores, lo que dio paso a la creación del llamado G6, integrado por los países
de Alemania, Canadá, España, Estados Unidos, Japón y Suecia (MONTENEGRO,
2005, p. 55-56).
Sobre el mismo tema, resulta interesante analizar el importante valor
geoestratégico que alberga la extensión territorial que comprende el Plan
Mesoamérica, a partir de México y en concreto, el estado de Puebla en dirección
al sureste del país, una región con destacados bancos bioenergéticos, entre cuyos
recursos aún por explotar figuran uranio y tierras raras, además de ser considerado
históricamente como un paso natural en lo que conocemos como el istmo de
Tehuantepec, el cual, según las propias palabras del geopolítico mexicano, Alberto
Escalona Ramos, se convierte en un auténtico punto de disputa, ya que “quien
domine el Istmo, ya sean Estados Unidos, India, China, Japón, Rusia, México o
cualquier otro Estado, tendrá una de las llaves del mundo”(ESCALONA, p. 500).
Bajo esa misma condición de importantes reservorios de energéticos y
biodiversidad se encuentran El Petén, los destinos de Guatemala, El Salvador,
Honduras, Costa Rica, Nicaragua, Panamá y Colombia, con sus abundantes maderas,
recursos hídricos, tierras fértiles para la agricultura y la ganadería, las cuales siguen
en algunos casos estando bajo el resguardo de agrupaciones indígenas y campesinas
como se presenta, por ejemplo, en el área que comprende el Tapón del Darién, que
además de ser un importante punto fronterizo, se convierte hoy por hoy en el nudo
selvático que disloca la continuidad del trazado de la carretera panamericana que
une a Canadá y el sur de Chile.
Visto de este modo, un megaproyecto como el Plan Mesoamérica, con
su enorme potencial energético y a su vez sus ventajas para la producción de
alimentos, que la convierten en una auténtica “despensa” para el mundo, junto

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a su importancia como baluarte hídrico en el continente; convierten a este región


en el punto de la mira de los intereses de Estados Unidos para continuar en el siglo
XXI con lo establecido por su “destino manifiesto”, entendido como el conjunto de
principios doctrinales, enraizados por el legado de la democracia y el libre mercado
a partir de los cuales se soporta la creación de las antes mencionadas: Iniciativa de
las Américas, el Plan Mesoamérica y en la actualidad, la puesta en marcha de la
Alianza del Pacífico.
Es por ello que, en la práctica, se observa cómo en el contexto regional
donde se sitúa el cuarteto que integra la Alianza del Pacífico, se busca trascender
en dos frentes: el geográfico y el geopolítico. Prueba de ello está en comenzar por
“integrar” un total de 210 millones personas, lo que representa cerca del 36% de
la población de América Latina y el Caribe. Mientras que en términos económicos,
dicho bloque, conjunta el 40 % del PIB de toda Latinoamérica, con lo cual, si se
sumara toda su producción y se les contabilizara como un sólo país, la Alianza del
Pacífico se convertiría en la octava economía del planeta.
Cabe señalar que para el 2017, el mecanismo de la Alianza del Pacífico,
aún establecido con sólo cuatro miembros plenos (México, Colombia, Perú y
Chile), dispone de un total de 49 países observadores, provenientes de todos los
continentes, tal como se percibe en el siguiente mapa, subrayando dentro del mismo
el reciente ingreso de Argentina, quien a su vez funge como miembro fundador del
Mercosur:

Fuente: Observatório de Negociações Internacionais, 2016.

Con respecto a los observadores, efectivamente se tratan de países


provenientes de los cinco continentes, destacando la presencia de Estados

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La Reconfig. de Amér. Lat. Bajo el Esquema de Seg. de La “Pax Americana” En el Siglo XXI: El Caso de la Alianza del Pacíf.

Unidos y China, al tiempo que de varios de los países que integran el bloque de la
Unión Europea, dejando fuera la presencia de la propia Federación Rusa. En este
sentido, la Alianza del Pacífico, desde un punto de vista geopolítico se convierte
en una continuación de la “política de contención” de la era bipolar, muy al estilo
del contexto de George Kennan, retratada en los tiempos actuales en forma de
una especie de barrera, es decir, un tipo de blindaje para el continente, lo que en
últimas pretende recubrir a la “isla-continente” frente a cualquier amenaza externa
que intente vulnerar los criterios de la pax americana.

4 CONSIDERACIONES FINALES

De este modo, la Alianza del Pacífico adquiere la dimensión de barrera o


muro de contención geopolítica frente a cualquier incursión “bárbara”, proveniente
de algún continente, el que sea, y pretenda en ese caso “perturbar” los planes
hegemónicos sobre la mencionada isla continental. Así, esta misma sumatoria de
poder en la que se ha convertido a la Alianza del Pacífico, implica o supone redefinir
los nuevos términos de la seguridad y la defensa bajo los criterios de la mencionada
pax americana, con los acontecimientos propios que circundan, hoy por hoy, al siglo
XXI.
Sobre este último aspecto, cabe destacar acontecimientos singulares e
históricos como los observados recientemente en América Latina y el Caribe,
entre ellos, los acercamiento diplomáticos y comerciales entre Cuba y Estados
Unidos, luego de la implementación de un prolongado bloqueo económico
dirigido a la mayor de las Antillas, cuya alternativa en el pasado lejano y
reciente, consistió en tender por parte de la dirigencia cubana puentes de
entendimiento político con aquellos que bien se podrían considerar como
“perturbadores”: la URSS, en su momento; China y hasta la Venezuela de
Chávez y Maduro.
En ese mismo entramado geopolítico actual que presentan los miembros de la
Alianza del Pacífico, los acercamientos de paz entre el gobierno colombiano de Juan
Manuel Santos y la guerrilla de las FARC-Ep, donde precisamente Cuba fungió junto
a Noruega como facilitadores y también Venezuela y Chile como acompañantes
del mismo a lo largo de cuatro años hasta la firma de los Acuerdos finales para el
fin del Conflicto el pasado mes de noviembre de 2016, nos plantean elementos
para el análisis que en materia de seguridad continental sobrevienen, tomando en
consideración que se trata de un conflicto armado interno de más de cinco décadas
de existencia y cuya principal guerrilla: las FARC-Ep, se nutrieron en sus primeros
años de existencia del legado marxista, es decir, del “perturbador” soviético en el
contexto mismo de la era bipolar.
Sobre esa misma organización guerrillera, bien vale la pena mencionar que
tras la desaparición del legado marxista y bajo las condiciones de la posguerra

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fría, dicha organización transitó al siglo XXI en apego al mandato ideológico


“bolivariano”, liderado en su momento por el presidente venezolano Hugo Chávez.
Una especie de combinación de prácticas nacionalistas desde la izquierda, apoyado
en el discurso de integración regional, vía el ALBA, opuesto a los criterios asumidos
por el hegemón continental.
Este último hecho, ese tránsito ideológico observable en una guerrilla como
las FARC-Ep, se convierte en un hecho significativo, más aún si se puntualiza que la
trayectoria militar de esta guerrilla colombiana dio lugar a una escalada del conflicto
en épocas relativamente recientes; con lo cual, bajo el financiamiento interno y
externo de las Fuerzas Armadas y la Policía Nacional de Colombia, no se eliminó por
completo a la insurgencia, pero se mermó en número a sus integrantes, además
de confinarles en áreas selváticas y fronterizas; lo que entre otros hechos supuso
para los países vecinos a Colombia, alentar otro tipo de salidas al conflicto como la
negociación vía la medicación internacional y con ello, incluso con el aval de EE.UU,
evitar posibles acercamientos de la insurgencia en mención con viejos o nuevos
aliados que financien o alienten los movimientos insurgentes en la -isla continental-
al estilo del pasado bipolar.
De ahí que, el propio conflicto armado en Colombia, país que como se
mencionó es miembro activo y pleno de la Alianza del Pacífico, adquiere una notable
importancia en términos del actual reordenamiento regional. Aspecto que no dista de
analizar otros criterios de la seguridad intracontinental, concretamente del fenómeno
del narcotráfico, cada vez más extendido, menos concentrado en los tradicionales
países productores de la región andina (Bolivia, Perú y Colombia), estos dos últimos
integrantes de la Alianza, creando una nueva atmósfera para el trasiego de narcóticos
en un continente cada vez más propenso no sólo a la producción de hoja de coca y
amapola, sino que a últimas fechas ha pasado a convertirse también en un importante
consumidor de estupefacientes desde México hasta la Patagonia.
En últimas, sobre la propia geopolítica de la posguerra fría en nuestro continente,
pero en concreto en el conjunto de la América Latina y el Caribe, nos enfrentamos a un
nuevo reacomodo de las piezas en este importante juego de ajedrez. Para comenzar,
surge un tipo de -limpieza extrema- en términos de erradicar gobiernos contrarios
a los fines del hegemón continental, vía acusaciones de corrupción, para ello, por
ejemplo, se crearon los Panamá Papers, la lista Clinton y otras maniobras diseñadas
para generar inestabilidad interna, un tipo de “caos controlado” encaminado al logro
del objetivo en cuestión. Al tiempo que, retomando el asunto actual del conflicto
armado en Colombia, la estrategia puede ser la de desestimular a toda costa la acción
guerrillera, en este caso la de cualquier organización guerrillera que como las FARC-
EP, pretendan asumir viejas o nuevas simpatías con el que podría ser ese “nuevo eje
del mal” para occidente: China, Rusia e Irán.
En esa correlación de ideas, avalar un proceso de paz en Colombia tiene
que ver en mucho en cómo desarticular la presencia de potencias extra-regionales

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La Reconfig. de Amér. Lat. Bajo el Esquema de Seg. de La “Pax Americana” En el Siglo XXI: El Caso de la Alianza del Pacíf.

qué, en medio de la actual geopolítica mundial de la posguerra fría, pretendan


vulnerar los criterios de la defensa monroista del continente americano. Para ello,
se afianzan cada vez más la propuesta de erigir gobiernos de corte neoconservador
y neoliberal, aunado a seguir garantizando la pax americana bajo la idea del juego
en el que todos los participantes “apuestan con sus propios recursos”, afianzando
con ello la propuesta de presidente Donald Trump y su slogan del America First, que
entre otros aspectos, incluye consolidar de nueva cuenta una de las mejores y más
profesionales fuerzas armadas al servicio de los intereses estadounidenses; lo que
implica una abultada factura en gasto militar y para ello, la nueva administración
de gobierno estará dispuesta a recortar y re-ajustar el presupuesto militar para
alcanzar las metas de su proyecto como hegemón global.
Ese tipo de situaciones se observan en casos como la OTAN, cuyos miembros
tendrán que procurar mantener con vida este tipo de mecanismos de defensa,
aumentando sus cuotas de participación. Lo mismo se avizora para países
pertenecientes a la “isla continental”, subrayando la factura de cobro que le espera
a los miembros de la aún vigente Alianza del Pacífico, desde México, inserto en
el famoso asunto de continuar la construcción de un “muro fronterizo” de 3,000
kilómetros de largo; seguido de un país como Colombia, con la enorme tarea de
solventar la reinserción de una guerrilla en un plazo de diez años con un erario
público carente de ingresos petroleros, Perú, por su parte, involucrado en la
construcción de una base militar en cercanías a la selva amazónica en cuestión
de pocos meses, cuya factura de cobro estará por definirse y Chile, convertido en
un camino de tránsito hacia la América austral, donde se conjuntan narcotráfico y
terrorismo en área de triple frontera y cuyas acciones se ligan, sin lugar a dudas, a
los retos actuales de la llamada pax americana del siglo XXI.

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Recebido em: 18 out. 2017


Aceito em: 21 ago. 2017

160 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 65, p. 145-160, maio/ago. 2017
A Reconfig. da Amér. Latina sob o Esquema de Seg. do “Pax Americano” no Séc. XXI: O Caso da Aliança Pacífica

A RECONFIGURAÇÃO DA AMÉRICA LATINA SOB O ESQUEMA DE SEGURANÇA DO


“PAX AMERICANO” NO SÉCULO XXI: O CASO DA ALIANÇA PACÍFICA

María del Pilar Ostos Cetina*


Traduzido por Elza Elizabeth Duran de Menezes

RESUMO
O objetivo deste presente artigo é analisar, do ponto de vista geopolítico, a
configuração atual da América Latina a partir dos mecanismos de defesa e segurança
que foram estabelecidos pelos Estados Unidos sobre a região que considera como
sua “ilha continental”. Para atingir este objetivo, pretende-se enfatizar o critério de
segurança conhecida como a Pax Americana (segurança hemisférica), estabelecendo
um ponto de conexão direto entre este e o que hoje é visto como a realização de
um “arco de segurança continental”, o qual é emoldurado e definido pela criação
recente da proposta da Aliança do Pacífico.
Palavras-chave: Estados Unidos. Pax American., Segurança. América Latina. Aliança
do Pacífico.

LA RECONFIGURACIÓN DE AMÉRICA LATINA BAJO EL ESQUEMA DE SEGURIDAD


“PAX AMERICANA” EN EL SIGLO XXI: EL CASO DE LA ALIANZA DEL PACÍFICO

RESUMEN
El objetivo del presente ensayo se foca en analizar una perspectiva geopolítica, la
actual configuración de América Latina a partir de los mecanismos de defensa y
seguridad que ha establecido Estados Unidos sobre la región que concibe como su
“isla continental”. Para el logro de tal objetivo, se pretende enfatizar en el criterio
de seguridad que se conoce como la pax americana (seguridad hemisférica),
estableciendo un punto de enlace directo entre esta y lo que en la actualidad se
plantea como la concreción de un “arco de seguridad continental”, el cual está
enmarcado y definido a través de la propuesta de creación reciente de la Alianza
del Pacífico.
Palabras clave: Estados Unidos. Pax Americana. Seguridad. América Latina. Alianza
del Pacífico.

____________________
* Professora e pesquisadora do Centro de Estudos Navais (CESNAV) e do Instituto de Pesquisa
Estratégica da Marinha do México, ambos pertencentes à Secretaria da Marinha do México.
Doutora em Ciências Políticas e Sociais com estudos pós-doutorado, ambos da Universidade
Nacional Autônoma do México (UNAM). Mestrado em Estudos do Programa de Pós-Graduação
da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da UNAM e cientista político da Universidade
Javeriana da Colômbia. Contato: <mpostos@yahoo.com>

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María del Pilar Ostos Cetina

LATIN AMERICA RECONFIGURATION UNDER THE “PAX AMERICANA” SAFETY


SCHEME IN THE 21ST CENTURY: THE CASE OF THE PACIFIC ALLIANCE

ABSTRACT
The principal objetive of this essay is to analyze from a geopolitical perspective, the
current settings of Latin America from the defense and security criteria that set the
United States on the region seen as “continental island.” For achieving this goal,
is to emphasize the safety criterion is known as the Pax Americana, establishing a
direct relationship with what currently is planned as the realization of an “arc of
continental security”, framed and defined through the proposed newly established
Pacific Alliance.
Key words: United States. Pax Americana. Security. Latin America. Pacific Alliance.

1 INTRODUÇÃO: CONFIGURANDO O PAX AMERICANO NO SÉCULO XXI

Quando Friedrich Ratzel, iniciador da geopolítica alemã nos Estados Unidos,


entre 1874 e 1875, reconheceu a força e a excepcionalidade civilizadora dos
americanos. Observando que “neste país (EUA) ocorrem coisas novas e significativas,
as pessoas mostram tanta diligência e capacidade, que é impossível não perceber, e
ninguém pode negar que a União Americana se tornou um dos grandes fatores da
história do nosso tempo “(RATZEL, 2009, página 48)
As suas apreciações foram, sem dúvida, benevolentes com este protótipo de
país que, desde os seus primórdios, foi estabelecido como o principal objetivo, a
construção de seu próprio espaço vital (lebensraum), que, segundo Ratzel, consiste
em um espaço no qual o corpo político e no qual, a impulsos das leis da natureza, se
expande e cresce, tornando-se assim uma parte inseparável do organismo vivo que
é o próprio Estado “(WEIGERT, 1943, p.107)
Uma tarefa com enormes desafios para uma sociedade que, a partir da visão
puritana que eles herdaram desse primeiro establishment formado pelos Pais
Fundadores (pilgrims), levou-os a assumir-se como predestinados e possuindo um
singular espírito de grandeza e superioridade, como agora é exemplificado pela
chegada à Casa Branca do Presidente Donald Trump, que se faz visível por todos
os meios possíveis para o resto da humanidade. O que, dito de passagem, desde
o início até o presente coloca-os – no alvo- daqueles que se opõem ao seu avanço
progressivo e furioso que os leva a tornar-se um protótipo de “poder global”, como
Zbigniew Brzezinski afirma em várias de suas obras (BRZEZINSKI, 2005, pp. 21-29).
Nesse sentido, a ideia do espaço vital que Ratzel argumentou e que procurará
adotar o caso de sua Alemanha natal. surgiu precisamente de suas observações sobre
a evolução histórica dos Estados Unidos. Sendo esta uma abordagem geopolítica
que começou a se desenvolver a partir de considerar como a primeira - área pivô
- a Nova Inglaterra, que entre os anos anteriores a 1620, transformou-se no lugar

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“escolhido” para tornar viva a partir daí o que seria a condição de “predestinação
do povo anglo-saxão” (URQUIZA, 2012, pp. 85-86)
Assim, após a chegada dos peregrinos a bordo do Mayflower por volta do mês
de novembro do ano em questão, a costa leste tornar-se-á nesse grande epicentro
geográfico em constante crescimento, que se expandirá até conformar o que se
assumiu sob o nome das Treze Colônias. Abrangendo um importante trecho de
litoral sobre o Atlântico que, gradualmente assumirá outra dimensão, depois que as
negociações com o império espanhol forem concluídas e finalmente alcançarem sua
predominância sobre o atual estado da Flórida. No entanto, o curso do crescimento
territorial não parou por aí, mas avançou com o objetivo de adquirir o controle total
do território vizinho da Louisiana, que estava nas mãos do império napoleônico
até que este decidiu vendê-lo aos americanos; com o objetivo de obter recursos
econômicos, provenientes desta venda para financiar as campanhas de conquista
em direção ao interior da Europa.
Assim, a pretensão que Santo Agostinho teve de construir a “Cidade de Deus”
no ambiente terrestre, a liderança política estadunidense estava conseguindo, uma
vez que, entre suas primeiras ações em terras do Novo Mundo era concretizar um
autêntico - espaço vital - que se materializou sob a forma de uma grande massa
colossal com caráter bi oceânico, localizada entre as costas do Atlântico e as costas
do Oceano Pacífico.
Assim, depois de adquirir a Louisiana, a próxima ação geopolítica dos
estadunidenses evoluiu a partir da anexação dos estados do Texas, mais tarde
da Califórnia, do Novo México e do Arizona, que faziam parte do México até sua
separação iminente com a assinatura do Tratado de Guadalupe-Hidalgo em 1848.
Finalmente, seu avanço para o Oceano Pacífico foi apoiado pela proclamação do
legado monroísta de 1823, o que levaria à saída dos russos dos assentamentos em
São Francisco e o próprio Alasca.
Sendo uma estratégia de ocupação territorial que exigia todo tipo de táticas,
incluindo as do tipo religioso, um exemplo disso era a chamada “igreja verdadeira”,
expressão com a qual os Mórmons tornaram-se autônomos, além de mencionar
algumas outras igrejas comprometidas com a empresa de colonização do solo
estadunidense em direção ao Oeste (FARRINGTON, 2002, página 64).
Desta forma, os Estados Unidos se tornarão o pioneiro mais proeminente
da geopolítica alemã, um verdadeiro “laboratório” de estudo para a formulação
de seu bem conhecido postulado geopolítico que é sintetizado na ideia de espaço
vivo. Uma condição peculiar aqueles Estados que têm capacidade para aumentar
o seu território em detrimento das fraquezas que manifestam o resto dos países
que o cercam. Ao mesmo tempo, era um postulado ligado ao exercício prático do
Destino Manifesto e às ideias darwinianas do tempo, à sobrevivência dos mais
fortes e à sua capacidade de adaptação ao meio natural, acompanhado pelo
fundamento filosófico hegeliano sobre a supremacia do Estado como uma entidade

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que congrega e ordena uma população em um determinado lugar, uma noção clara
em que o Estado é concebido como o “único ator territorial efetivo” (FONT, RUFI,
2001, p.35).
Consequentemente, a forma de expansão que Ratzel observou no caso
dos EUA, também será convertida em fonte de inspiração para outras entidades
políticas, como foi o caso de seu país, a Alemanha, em meio à abertura de um novo
século no qual as potencias tradicionais (Inglaterra, França, Rússia, Áustria) e as
novas que se fizeram conhecidas no Extremo Oriente, como foi o caso do Japão,
bem como dos Estados Unidos em seu papel hegemônico sobre o que considerava
sua “ilha continental” (América Latina e Caribe); revelou um número crescente de
concorrentes na cena do confronto internacional que se aproximava nas primeiras
décadas do século XX.
Tomando este último aspecto da ilha continental, sabe-se que entre as
pendencias da projeção geopolítica dos Estados Unidos, depois de ser concebido
como um país bi oceânico, foi o único a estender sua “fronteira móvel” aos arredores
da atual Colômbia através de projetos muito concretos: a independência do Panamá
e a conclusão das obras do mesmo Canal (1914), sendo este um ponto chave para
“abraçar o mundo” e alcançar uma maior presença continental, como global.
Nesse sentido, o conceito de “fronteira móvel” formulado pelo acadêmico
Frederick Jackson Turner (1861-1932), durante o discurso que deu em 1893 diante
dos membros da “Sociedade Histórica Americana sobre a importância da fronteira
em história da América do Norte. ...demonstrou que a existência de uma fronteira
móvel, como solução para todos os problemas sociais e econômicos da América do
Norte, era um elemento desconhecido na Europa e tornou a história da América do
Norte única “(JONHSON, 2001: 492).
E é, precisamente, sob a ideia de espaço vital e esta última noção de fronteira
móvel que os Estados Unidos foram assumindo gradualmente, mas de maneira
constante, a formulação de um esquema de segurança cada vez mais abrangente,
capaz de unir áreas geoestratégicas maiores, o que lhe dá presença e predominância
além de seus limites territoriais, marítimos e até aéreos. Portanto, todas as estradas
e rotas se conectam ao mesmo centro de poder, hoje em direção a Washington,
assim como no passado fizera o império mais poderoso da antiguidade, quando
todas as estradas levavam a Roma.
Será, então, sob essa mesma concepção imperial que reina entre os norte-
americanos sobre essa ampla parcela de terra cercada de mar, quer dizer, sobre a qual
assume como sua ilha continental, coloca entre os dois oceanos mais importantes
do planeta, quando surge o imperativo de seu establishment para salvaguardar uma
ampla extensão territorial contra qualquer ameaça externa e fora do continente.
Assim, a pertinência de concretizar um plano, um critério de segurança
hemisférica sob o legado de pax americana, semelhante ao modelo imperial romano,
que lhe daria a durabilidade através de suas legiões e sentinelas que avançavam além

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de suas fronteiras para enfrentar a ameaça dos bárbaros (estrangeiros), como nos
tempos atuais pode ser explicada mais claramente pelas abordagens do geopolítico
americano, Alfred Thayer Mahan, que no final do século XIX alertou:

Querendo ou não, os americanos devem agora olhar para fora; A


crescente produção do país exige isso, e um aumento crescente
do sentimento das pessoas assim o requer. A localização dos
Estados Unidos entre dois mundos antigos e dois grandes
oceanos provoca a mesma demanda, uma demanda que será
fortalecida em breve com a criação da nova conexão entre o
Atlântico e o Pacífico. A tendência manter-se-á e aumentará
com o crescimento das colônias europeias no Pacífico, com a
civilização progressiva do Japão e o fato de que nossos estados
do Pacífico estão rapidamente povoando homens que possuem
o espírito empreendedor da linha de avanço de progresso
nacional (MAHAN, 2000, p. 39). 37

Deste ponto de vista, é claro que os interesses vitais dos Estados Unidos
encontram-se até onde se estende sua “fronteira móvel”, isto é, além das costas
da Ásia-Pacífico e também em direção ao conjunto dos países da Europa, sem
deixar de lado os extremos tanto no Ártico como na Antártica. Uma proposta
eminentemente geopolítica com um alto conteúdo geoestratégico, cuja incidência
será decisiva na continuidade de seus planos de ampliar seu espaço de vida ao
longo do que foi o século XX, conhecido como o “Primeiro Século Americano” e
o atual, uma continuação do mesmo, como afirmou o atual geopolítico, Georges
Friedman (VALENZUELA, FRIEDMAN, 2008, p.18).

2 AS AMEAÇAS À PAX AMERICANA DA ASÍA-PACÍFICO

Recordando outro geopolítico alemão do início do século XX, o general Karl


Haushofer, professor de geografia na escola Ratzel e, em experiência diplomática
como observador militar na embaixada alemã no Japão por dois anos (1908), é
mais do que notável, para entender do seu ponto de vista, os avatares do que foi
anunciado como o início de uma nova era do Pacífico.
A este respeito, o geopolítico mexicano Alberto Escalona Ramos comentou que
“de fato, para o Pacífico convergem as tendências centrífugas das massas terrestres
da Ásia (Rússia, China e também a Índia) e as marítimas (Japão). As marítimas
da Europa (diretamente no Pacífico ou através do Oceano Índico) e terrestres e
marítimas da América, Austrália e África do Sul “; uma opinião que está relacionada
com o que Haushofer avistou, quando ele ressaltou que “a era do Pacífico está agora

37 Tradução livre da tradutora.

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começando, sucessora da antiga era do Atlântico e da ultrapassada do Mediterrâneo


com a pequena Europa” (ESCALONA, 1959, 233) .
Na mesma linha, o general alemão adverte sobre os riscos de permitir a futura
configuração de um bloco sino-russo, o que também implicaria a incorporação do
império japonês, alimentando a tese geopolítica de Mackinder de concretização
através deste conjunto de países o mais importante “eixo geográfico da história”.
Assim, no campo dos fatos, essa sorte de aliança sofreu seu primeiro encontro no
meio de um fato conjuntural, como foi o ataque à base naval americana de Pearl
Harbor pelas mãos do Japão, que nas palavras de Escalona Ramos tratou-se de
“uma armadilha que os governantes americanos aceitaram alegremente, sabendo
antecipadamente quando o ataque seria, souberam aproveitá-lo a tempo de unificar
a opinião do país, tanto entre democratas quanto republicanos e para poder declarar
a guerra depois (ao país atacante) “. (ESCALONA, 1959, pp. 226-242).
Assim, a maneira pela qual os Estados Unidos procuraram neutralizar um dos
seus adversários mais decisivos na região da Ásia-Pacífico, culminou precisamente
com o lançamento de bombardeios nucleares nas províncias japonesas de Hiroshima
e Nagazaki. Um assunto que provocou a rendição imediata do “império do sol
nascente”, seguido de um apoio irrestrito desse país às ações políticas dirigidas por
Washington durante toda a Guerra Fria e, até mais tarde, no meio do atual contexto
do pós-guerra fria.
De acordo com o acima exposto, Haushofer foi enfático em apontar os perigos
de favorecer o surgimento de um império com “a alma do Japão no corpo da China,
considerando que seria uma potencia que eclipsaria mesmo os impérios da Rússia
e dos Estados Unidos, capaz de enfrentar qualquer inimigo “(ESCALONA, 1959, p.
229). Por isso, a estratégia seguida pelos Estados Unidos desde 1951 foi promover
“três pactos de Aliança” em questões de segurança, um com o Japão, um com as
Filipinas e outro com a Austrália e a Nova Zelândia. Dois anos depois, com a Coreia
do Sul, outro em 1954 com Formosa; que em suma e até essa data levará à criação
do Tratado de Defesa do Sudeste Asiático, por suas siglas (OTSEA ou SEATO).
Seguindo esta lógica de defesa, que não é mais do que a implementação da
pax americana do lado da Ásia-Pacífico; No que diz respeito à China, o outro rival
até as datas presentes, o próprio Mahan advertiu sobre a necessidade urgente de
prestar atenção a este “gigante continental”, afirmando o seguinte em um artigo
datado de 30 de janeiro de 1983:

É amplamente conhecido, embora talvez não seja geralmente


notado em nosso país, que muitos dos militares estrangeiros
familiarizados com a condição e caráter orientais, veem com
preocupação o dia em que a grande massa da China, agora
inerte, possa ceder a algum daqueles impulsos que nos
tempos passados enterraram a civilização sob uma onda de

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invasão bárbara. ... A China pode destruir suas barreiras tanto


para o Oriente como para o Ocidente, para o Pacífico e para o
continente europeu (MAHAN, p. 46). 38

Desta forma, o “perturbador” do Ocidente como o almirante francês Raul


Castex chamou a China, efetivamente se tornará um oponente forte para todas as
intenções de expansão dos Estados Unidos em direção à região que até os dias de
hoje, os chineses consideram a sua mais importante área de influência natural: a
Ásia-Pacífico. Um espaço geográfico que, de acordo com Haushofer, significava no
futuro tornar-se um verdadeiro “campo de batalha entre o Oriente e o Ocidente”.
Assim, essas profecias aparentemente estão sendo cumpridas e coincidem com
o que Mahan falou sobre a condição geopolítica de seu país, os Estados Unidos,
afirmando que “na nossa infância nós apenas tínhamos fronteiras com o Atlântico; na
nossa juventude avançamos os limites para o Golfo do México, agora a maturidade
nos vê no Pacífico “(MAHAN, página 48).
No Pacífico, diz Escalona Ramos, as maiores frotas de guerra do mundo
encontrar-se-ão, as civilizações mais antigas enfrentarão com as mais novas, o
continente mais densamente povoado (Ásia) vai enfrentar a América, sendo este o
espaço geopolítico que ganha vida para agências atuais, como APEC, TPP, o próprio
alargamento da OTAN e até mesmo a Aliança do Pacífico. Isso, sem esquecer que
a essa “luta de gigantes”, retornará à cena da Rússia imperial. O competidor mais
forte que os americanos terão após o início da era bipolar e até os tempos presentes
(ESCALONA, 246).
Considerando isto acima, Georges Kennan, que serviu como funcionário
do Departamento de Estado, expressou através dos Negócios Estrangeiros sua
opinião sobre o retorno da Rússia Soviética à cena internacional, argumentando
que “os Estados Unidos deviam tomar como parte fundamental de sua política
externa uma contenção duradoura, paciente, mas firme e vigilante das tendências
expansionistas russas”. Aduzindo que ao contrário da Alemanha nazista, o poder
soviético não é nem esquemático nem aventureiro. Não funciona através de planos
fixos. Pelo contrário, leva riscos desnecessários. Impenetrável para a lógica da razão,
é altamente sensível à lógica da força. Os Estados Unidos, então, devem continuar
a considerar a União Soviética como uma rival, não como parceira, na arena política
(VALENZUELA, página 375).
Na visão de Kennan, compartilhada por outros membros do establishment
americano, a União Soviética tornou-se o rival mais forte e firme do contexto da
Guerra Fria. Um fato que também levou ao projeto de uma política de contenção
rápida e eficaz necessária para conter os espíritos da expansão soviética em direção
a outras latitudes do planeta, em particular para o grande grupo de países que

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integram o que é para os Estados Unidos. Zona de influência imediata, sua ilha
continental.

3 A ALIANÇA PACÍFICA: UM MECANISMO DE CONTEÚDO GEOPOLÍTICO NO


COMEÇO DO SÉCULO XXI

Depois de várias décadas, e depois de apresentar vários eventos que levaram


ao declínio bipolar, um novo intervalo de tempo começará, um estágio que alguns
autores no campo das Relações Internacionais consideram frequentemente como o
surgimento de uma “transição entre sistemas “ (DALLANEGRA, 2001, pp. 12-13).
Neste intervalo, todos os tipos de rearranjos políticos são apresentados no
grande conselho mundial, conforme expressado por Brzezinski e outros teóricos
no assunto, como é o caso de Joseph R. Núñez, que argumenta que, no caso da
defesa e segurança dos Estados Unidos, tornou-se necessário propor uma nova
“arquitetura de segurança para as Américas”. Esta abordagem consiste basicamente
em propor um novo quadro de responsabilidades em todo o continente, cuja
“chave para a liderança bem sucedida dos EUA é o reconhecimento de certos
líderes sub-regionais - Canadá, México, Brasil, Argentina e Chile - o que pode
agregar legitimidade significativa para uma nova arquitetura de segurança”
(NUÑEZ, 2002, página VII).
Assim mesmo, se trata de uma estratégia geopolítica emitida pelos Estados
Unidos com especial ênfase nos regionalismos, isto é, nesse tipo de interação entre
os Estados que buscam interesses comuns, sejam eles políticos, econômicos, sociais
ou militares. Por sua vez, tornou-se a base de iniciativas como a atual Aliança do
Pacífico, tornando-se parte fundamental deste novo desenho da pax americana no
início do século XXI.
A este respeito, a proposta para a criação da Aliança do Pacífico provou ser
uma tarefa confiada ao ex-líder peruano, Alán García Pérez, que a partir de 2010
passou a tarefa de gerenciar a aproximação entre seus pares na região. Fazendo o
convite direto para países como México, Colômbia, Chile, mesmo o Equador, que
se recusou a participar, além do Panamá, que assumiu o papel de observador neste
esquema de aproximação entre países com uma característica comum: a fronteira
com o Oceano Pacífico.
Quatro anos após essas negociações iniciais, a configuração da Aliança do
Pacífico é composta por um quarteto de países com status de membros efetivos
(México, Colômbia, Peru e Chile) até hoje, cuja possibilidade de expandir-se é mais
que latente para outros países interessados em sua incorporação, como os casos do
Panamá e da Costa Rica.
Com relação aos seus objetivos principais, a Aliança do Pacífico foi criada,
conforme explicado em sua Declaração de Iniciação formal, datada de 28 de abril
de 2011, com a intenção de promover uma “área de integração profunda”, tendo

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como eixo fundamental de sua projeção os seguintes aspectos (SECRETARIA DE


ECONOMIA, 2006-2012, página 3):
• Movimento de pessoas de negócios e facilitação para o trânsito migratório,
incluindo cooperação policial.
• Comércio e integração, incluindo facilitação do comércio e cooperação
aduaneira.
• Serviços e capital, incluindo a possibilidade de integração de bolsas de
valores; e
• Cooperação e mecanismos de solução de controvérsias.
Com base nesta Declaração, a Aliança do Pacífico foi identificada como uma
prioridade, de acordo com o conteúdo de seu próprio texto de “promover uma maior
cooperação que permita a nossa região fortalecer seus diversos laços políticos e
econômicos, bem como sua presença no mercado mundial , especialmente na Ásia-
Pacífico” (SECRETARIA DE ECONOMIA, página 4). Analisando esse propósito com
mais detalhes, existe um relacionamento único com os objetivos que a liderança
política em Washington atraiu no passado ao formular o que era a Área de Livre
Comércio para as Américas (ALCA); um mecanismo que acompanhou os critérios
de projeção geoestratégica dos americanos no continente americano, no âmbito de
um conjunto de princípios que expõe a chamada Iniciativa para as Américas, que foi
divulgada durante o que foi a Cúpula presidência de Miami em 1994.
Uma cúpula que, entre outras coisas, serviu para aprofundar os vinte e
três pontos em que se procurou consolidar a grande “ilha” dos americanos, isto
é, a construção dessa zona de livre comércio que ocorresse geograficamente
entre o Alasca até Terra do Fogo. Foi a formulação de um esquema de cooperação
continental no qual o ator que convocou, neste caso, os Estados Unidos, pediram
tarefas conjuntas na luta contra o narcotráfico, para formular políticas de reforma
e libertação de suas economias (através da implementação de tratados de livre
comércio bilaterais, trilaterais ou multilaterais), com ênfase especial no compromisso
de modernizar instituições e legislação para torná-las compatíveis com o sistema
institucional do Colosso do Norte.
Foi nesse sentido que a administração do então presidente William Clinton se
concentrou em promover uma política externa interamericana fixada na construção
de uma “zona de livre comércio”; o fortalecimento da democracia, incluindo
os esforços para uma transição pacífica de Cuba; e a luta contra a criminalidade
internacional organizada, tráfico de drogas, migração ilegal e terrorismo “(BONILLA,
1998, pp. 85-86).
Do acima, há uma coincidência notável entre os princípios que definem
a Iniciativa das Américas e o que recentemente levou à criação desses novos
esquemas de cooperação sub-regional, nos quais a Aliança do Pacífico, orientada
a partir de dois elementos essenciais na ação do ator hegemônico: democracia e
mercado livre.

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Sobre o mesmo assunto, deve-se notar que nem todos os governos da


América Latina e do Caribe eram favoráveis a este tipo de iniciativas, talvez entre
os casos mais discordantes que se apresentaram foram as posições assumidas
pela Venezuela. Das quais as primeiras reações foram as que contrariar os planos
propostos por Washington através de discursos, o que sugeriu o aparecimento de
outros tipos de esquemas de cooperação intra-regional sob a liderança dos próprios
países latino-americanos.
Neste sentido, uma vez a frente do poder, o presidente venezuelano Hugo
Chávez Frías (1999-2013) optou por projetar um modelo de integração, com base
em um critério geopolítico ad hoc para os interesses da Venezuela, que, por sua
vez, contrariaria os planos previstos pelos Estados Unidos em sua própria zona de
influência, tanto na América continental como na parte insular do Mar do Caribe.
Nesse contexto, então, apareceu o que originalmente foi chamado de Aliança
Bolivariana para a América (ALBA). Transformando em um acrônimo que, em
termos de discurso, facilitará alguma confusão em relação ao acrônimo formulado
pelos Estados Unidos através do projeto da ALCA.
Outra das posições que deveria ser considerada nesta reconfiguração
de blocos geopolíticos no continente era a do Brasil. Foi precisamente sob a
administração de Ignacio Lula da Silva (2002-2010) que ele estava interessado em
reposicionar seu país no contexto da América do Sul de uma crescente participação
dentro de um mecanismo de cooperação comercial com o nome do Mercado do
Sul, mais conhecido pelas suas iniciais como MERCOSUL (AMERSUR, 2008).
Além de consolidar a liderança do Brasil no Mercosul, Lula da Silva se
encarregou de aprofundar os laços de integração com o grupo de pouco mais de 10
países vizinhos, através da formulação do que é conhecido como União das Nações
da América do Sul (UNASUR), tornando-se seu braço político na região. Enquanto
no terreno da defesa e segurança, um tema prioritário era o tráfico de drogas, entre
outros e interesse comum para o Brasil e países vizinhos, foi criado um mecanismo
de ordem militar sob o nome do Conselho Sul-Americano de Defesa (CDS) .
Enquanto isso ocorreu em eixo sul-americano, e antes do surgimento
da Aliança do Pacífico nos últimos tempos, deve-se mencionar o aparecimento
de outro mecanismo de integração sub-regional, como o chamado Plano Puebla
Panamá (PPP), mais tarde renomeado como Plano Mesoamérica. O que foi
integrado por um conglomerado de países, incluindo o México e seus sucessivos
vizinhos do lado da fronteira sul, para incorporar um país andino-caribenho como
a Colômbia, sob a ideia de especificar um mecanismo que esteja de acordo com
o que expressou o ex-presidente Vicente Fox Quesada, foi uma “nova concepção
do planejamento regional que busca adaptar-se a um novo contexto nacional e
internacional de democratização, fortalecimento institucional e participação da
sociedade civil organizada na formulação de políticas públicas” (SECRETÁRIO DE
RELAÇÕES EXTERIORES, 2006-2012).

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Como precedente deste plano, a reunião realizada em San José, Costa Rica,
em 12 de setembro de 2000, contou com a participação de delegados de cada um
dos países membros, mas também representantes do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) e a Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL),
sendo ambos os principais elementos da hegemonia continental neste processo de
iniciação e acompanhamento do PPP. Um mecanismo que também foi sugerido para
ser acompanhado por membros da comunidade internacional como observadores,
levando à criação do chamado G6, composto pelos países da Alemanha, Canadá,
Espanha, Estados Unidos, Japão e Suécia (MONTENEGRO, 2005, 55-56).
Sobre o mesmo assunto, é interessante analisar o importante valor
geoestratégico que abrange a extensão territorial que inclui o Plano Mesoamérica,
do México e, em particular, o estado de Puebla para o sudeste do país, uma região
com bancos bioenergéticos proeminentes, entre cujos recursos ainda por serem
explorados incluem urânio e terras raras, além de ser considerado historicamente
como um passo natural no que conhecemos como o Istmo de Tehuantepec, que, nas
palavras do geopolítico mexicano Alberto Escalona Ramos, torna-se um autêntico
ponto de disputa, já que “quem quer que domine o Istmo, seja os Estados Unidos, a
Índia, a China, o Japão, a Rússia, o México ou qualquer outro Estado, terá uma das
chaves do mundo” (ESCALONA, p.500).
Sob essa mesma condição de importantes reservatórios energéticos e
biodiversidade encontra-se El Petén, os destinos da Guatemala, El Salvador,
Honduras, Costa Rica, Nicarágua, Panamá e Colômbia, com suas abundantes
madeiras, recursos hídricos, terras férteis para a agricultura e pecuária, que ainda
estão em alguns casos sob a proteção de grupos indígenas e camponeses, como
a área que inclui a represa de Darien, que, além de ser um ponto de fronteira
importante, é hoje a junção da selva que perturba a continuidade da rodovia pan-
americana que une o Canadá e o sul do Chile.
Visto dessa maneira, um megaprojeto, como o Plano Mesoamericano, com
seu enorme potencial energético e, por sua vez, suas vantagens para a produção
de alimentos, o que o torna uma “despensa” real para o mundo, juntamente com
sua importância como bastião aquático no continente; fazem desta região o foco
dos interesses dos EUA para continuar no século 21 com o que é estabelecido pelo
seu “destino manifesto”, entendido como o conjunto de princípios doutrinários,
enraizados no legado da democracia e livre Mercado a partir do qual apoia a criação
do acima mencionado: Iniciativa das Américas, Plano Mesoamérica e, atualmente,
a implementação da Aliança do Pacífico.
É por isso que, na prática, observa-se que, no contexto regional onde se
localiza o quarteto que integra a Aliança do Pacífico, busca-se transcender em duas
frentes: geográficas e geopolíticas. A prova disso é começar por “integrar” um total
de 210 milhões de pessoas, o que representa cerca de 36% da população da América
Latina e do Caribe. Enquanto em termos econômicos, o bloco, em conjunto, 40%

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017 171
María del Pilar Ostos Cetina

do PIB de toda a América Latina, que, se toda a sua produção fosse adicionada e
contada como um único país, a Aliança do Pacífico se tornaria a oitava economia
do planeta .
Cabe destaca que para 2017, o mecanismo da Aliança do Pacífico, ainda
estabelecido com apenas quatro membros de pleno direito (México, Colômbia,
Peru e Chile), tem um total de 49 países observadores de todos os continentes,
como percebido no seguinte mapa, sublinhando dentro da mesma entrada recente
da Argentina, que por sua vez atua como membro fundador do Mercosul:

Fonte: Observatório de Negociações Internacionais, 2016.

Com respeito aos observadores, eles são realmente países dos cinco
continentes, destacando a presença dos Estados Unidos e da China, al passo que de
vários países que compõem o bloco da União Européia, deixando de lado a presença
do próprio Federação Russa. Nesse sentido, a Aliança do Pacífico, do ponto de vista
geopolítico, se torna uma continuação da “política de contenção” da era bipolar,
muito ao estilo do contexto de George Kennan, retratado nos tempos atuais sob a
forma de um um tipo de barreira, isto é, um tipo de armadura para o continente,
que no final pretende abranger o “continente-ilha” diante de qualquer ameaça
externa que tente violar os critérios da pax americana.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, a Aliança do Pacífico adquire a dimensão de uma barreira ou muro


de contenção geopolítica contra qualquer incursão “bárbara”, proveniente de
qualquer continente, seja qual for, e pretenda nesse caso “perturbar” os planos

172 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017
A Reconfig. da Amér. Latina sob o Esquema de Seg. do “Pax Americano” no Séc. XXI: O Caso da Aliança Pacífica

hegemônicos naquela ilha continental. Assim, a mesma soma de poder em que se


converteu para a Aliança do Pacífico, implica ou supõe redefinir os novos termos de
segurança e defesa de acordo com os critérios da referida pax americana, com os
próprios eventos que cercam, hoje, ao século XXI.
Sobre este último ponto, vale a pena notar os acontecimentos históricos
e singulares, como os observados recentemente na América Latina e no Caribe,
incluindo as relações diplomáticas e comerciais entre Cuba e os Estados Unidos,
na sequência da implementação de um prolongado bloqueio econômico voltado
para o principal as Índias Ocidentais, cuja alternativa no passado distante e recente
consistiu em fornecer à liderança cubana pontes de entendimento político com
aqueles que poderiam ser considerados “perturbadores”: a URSS, na época; China
e até mesmo a Venezuela de Chávez e de Maduro.
Nesse mesmo quadro geopolítico apresentado pelos membros da Aliança do
Pacífico, os acordos de paz entre o governo colombiano de Juan Manuel Santos e
a guerrilha das FARC-Ep, onde precisamente Cuba trabalhou com a Noruega como
facilitadores e também Venezuela e o Chile como partes acompanhantes durante os
quatro anos até a assinatura dos Acordos finais para o fim do conflito em novembro
de 2016, nos fornecem elementos para a análise que em matéria de segurança
continental vem, levando em consideração que se trata de um conflito armado
interno de mais de cinco décadas de existência e cujo principal grupo de guerrilha,
FARC-Ep, alimentou-se nos primeiros anos de existência do legado marxista, ou
seja, o “perturbador” soviético no contexto da era bipolar.
Sobre essa mesma organização guerrilheira, vale a pena mencionar que, após
o desaparecimento do legado marxista e sob as condições do período pós-Guerra
Fria, esta organização passou para o século 21 de acordo com o mandato ideológico
“bolivariano”, conduzido no devido tempo pelo presidente venezuelano Hugo
Chavez. Uma espécie de combinação de práticas nacionalistas a partir da esquerda,
apoiada pelo discurso da integração regional, através da ALBA, em oposição aos
critérios assumidos pela hegemonia continental.
Este último fato, esse trânsito ideológico observável em uma guerrilha como
a FARC-Ep, torna-se um fato significativo, mais ainda se se pontua que a trajetória
militar desta guerrilha colombiana resultou em uma escalada do conflito em tempos
relativamente recentes; sob o financiamento interno e externo das Forças Armadas
e da Polícia Nacional da Colômbia, a insurgência não foi completamente eliminada,
mas seus membros foram reduzidos em número, além de confiná-los nas áreas de
selva e de fronteira; que, entre outras coisas, significou para os países vizinhos da
Colômbia, encorajar outros tipos de saídas para o conflito como negociação através
de mediação internacional e com isso, mesmo com o endosso dos EUA, para evitar
possíveis abordagens da insurgência em menção com o antigo ou novos aliados que
financiam ou encorajam movimentos insurgentes na ilha continental no estilo do
passado bipolar.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017 173
María del Pilar Ostos Cetina

Assim, o próprio conflito armado na Colômbia, um país que, como mencionado,


é um membro ativo e pleno da Aliança do Pacífico, assume uma importância
significativa em termos da atual reorganização regional. Este aspecto não está
longe de analisar outros critérios de segurança intracontinental, especificamente o
fenômeno do tráfico de drogas, cada vez mais difundido, menos concentrado nos
países produtores tradicionais da região andina (Bolívia, Peru e Colômbia), esses
dois últimos membros da Aliança, criando uma nova atmosfera para o transporte
de narcóticos em um continente cada vez mais propenso à produção de folha de
coca e papoula, mas também se tornou um grande consumidor de narcóticos do
México até a Patagônia .
Finalmente, na própria geopolítica do pós-Guerra Fria em nosso continente,
mas especificamente em toda a América Latina e Caribe, enfrentamos um novo
rearranjo das peças neste importante jogo de xadrez. Para começar, um tipo de
“limpeza extrema” surge em termos de erradicação de governos opostos aos
propósitos da hegemonia continental, acusações de corrupção, por exemplo, criou-
se os documentos do Panamá, a lista de Clinton e outras manobras destinadas a
gerar instabilidade interna, uma espécie de “caos controlado” destinado a alcançar
o objetivo em questão. Ao abordar a questão atual do conflito armado na Colômbia,
a estratégia pode ser desencorajar a ação da guerrilha, neste caso, qualquer
organização de guerrilha, como as FARC-EP, pretendem assumir antigas ou novas
simpatias com que poderia ser esse “novo eixo do mal” para o Ocidente: China,
Rússia e Irã.
Nessa correlação de ideias, o apoio a um processo de paz na Colômbia tem
muito a ver com a forma de desmantelar a presença de poderes extra-regionais
que, no meio da atual geopolítica mundial pós-Guerra Fria, procuram vulnerabilizar
os critérios de defesa monroista do continente americano. Para este fim, a proposta
de erguer os governos neoconservadores e neoliberais, juntamente com a garantia
da pax americana sob a ideia do jogo em que todos os participantes “apostam com
próprios recursos”, são reforçados, fortalecendo assim a proposta do presidente
Donald Trump e seu slogan da America First, que inclui, entre outras coisas, a
consolidação de uma das melhores e mais profissionais forças armadas ao serviço
dos interesses americanos; o que implica numa forte conta nas despesas militares
e, para isso, a nova administração do governo estará disposta a cortar e reajustar
o orçamento militar para alcançar os objetivos de seu projeto como hegemonia
global.
Tais situações são observadas em casos como a OTAN, cujos membros
terão que tentar manter vivo esse tipo de mecanismos de defesa, aumentando
suas quotas de participação. O mesmo é verdade para os países pertencentes à
“ilha continental”, ressaltando o projeto de lei que aguarda membros da ainda
ativa Aliança do Pacífico, do México, inserida na famosa questão de continuar a
construção de um “muro fronteiriço” “De 3.000 quilômetros de comprimento;

174 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017
A Reconfig. da Amér. Latina sob o Esquema de Seg. do “Pax Americano” no Séc. XXI: O Caso da Aliança Pacífica

seguido por um país como a Colômbia, com a enorme tarefa de resolver


a reinserção de uma guerrilha em um período de dez anos com um tesouro
público sem receitas petrolíferas, o Peru, por sua vez, envolvido na construção
de uma base militar nas proximidades da floresta amazônica em questão de
alguns meses, cujo projeto de lei de cobrança ainda deve ser definido e o Chile,
convertido em uma estrada de trânsito para o sul da América, onde se combinam
tráfico de drogas e o terrorismo em uma área de fronteira tripla e cujas ações
estão vinculadas, sem dúvidas aos desafios atuais da chamada pax americana
do século XXI.

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O Brasil e as Operações de Paz

O BRASIL E AS OPERAÇÕES DE PAZ

Ricardo Rodrigues Freire*


Marcos Cardoso dos Santos**

RESUMO
Este trabalho foi motivado pela condução de Seminários da Escola Superior de
Guerra destinados a fornecer subsídios para a atualização das Política e Estratégia
Nacionais de Defesa publicadas no ano de 2008, tem por escopo realizar um
recorrido sobre a participação brasileira em Operações de Paz conduzidas por
organismos internacionais e avaliar a articulação entre a diplomacia brasileira e o
segmento da defesa decorrente do planejamento e da execução de tais atividades.
Para lograr o objetivo a que se propõe, o artigo discorre acerca de conceitos gerais
sobre as Operações de Paz conduzidas sob a égide de organismos internacionais,
apresenta um resumo da participação brasileira em tais Operações, bem como
avalia a articulação entre os segmentos da diplomacia e da defesa do Brasil nesse
contexto. Nas considerações finais destaca como vantajosa para o País a presença
brasileira nesse tipo de atividade, seja para o diplomata, seja para o soldado, além
de expor sugestões de aprimoramento desse processo.
Palavras-chave: Operações de Paz. Defesa. Política externa.

BRAZIL AND PEACEKEEPING OPERATIONS

ABSTRACT
This article was motivated by Brazil War College Seminars carried out in order to
provide subsidies for the National Defense Policy and Strategy (published in 2008)
update. It has the scope to perform a defendant on the Brazilian participation in
peacekeeping operations conducted by international organizations and to assess
the relationship between the Brazilian diplomacy and defense segment promoted
by such activities. Then, it presents general concepts on peace operations under
the auspices of international organizations, provides an overview of the Brazilian
____________________
* Licenciado em Língua Portuguesa e Docência do Ensino Superior (IAVM-Universidade Cândido
Mendes, 2007). Mestre em Estudos Estratégicos da Defesa e da Segurança (INEST-UFF, 2017). Assessor
do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra (CEE/ESG). Contato: <ricardofreire@
esg.br>.
** Bacharel em Ciências Militares pela Academia da Força Aérea e Doutor em Ciência Política pela
Universidade Federal Fluminense. Atualmente participa do corpo docente do Curso de Pós-Graduação
em Segurança Internacional e Defesa da Escola Superior de Guerra. Seus temas de pesquisa englobam
pós-estruturalismo e estudos de segurança internacional e defesa, integração Sul-Americana em
matéria de defesa e Operações de Paz das Nações Unidas. Contato: marst2011@hotmail.com

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Ricardo Rodrigues Freire / Marcos Cardoso dos Santos

participation in such operations, and evaluates the relationship between the


segments of diplomacy and defense in this context. At conclusion, it shows as
advantageous the Brazilian presence in this type of activity, for diplomats or soldiers.
Besides, it exposes suggestions for improvement of this process.
Keywords: Peacekeeping Operations. Defense. Foreign policy.

BRASIL Y LAS OPERACIONES DE PAZ

RESUMEN
Este trabajo fue motivado por Seminarios de la Escuela Superior de Guerra destinado
a buscar ideas para la actualización de la Política y de la Estrategia Nacionales de
Defensa. Tiene el alcance de mirar la participación brasileña en las operaciones de
mantenimiento de la paz conducidas por organizaciones internacionales y evaluar la
relación entre la diplomacia brasileña y el segmento de defensa que son resultantes
de esas actividades. Así, habla de conceptos generales sobre las operaciones de
paz bajo los auspicios de organizaciones internacionales, ofrece una visión general
de la participación brasileña en este tipo de operaciones, y evalúa la relación entre
los segmentos de la diplomacia y la defensa de Brasil en este contexto. En las
consideraciones finales muestra como ventajoso é para el país la presencia en este
tipo de actividad, sea para el diplomático, sea para el soldado. Además, hace la
exposición de propuestas de mejora de este proceso.
Palabras clave: Operaciones de Paz.Defensa. Política exterior.

1 INTRODUÇÃO

Apesar dos esforços dos Estados e dos organismos internacionais com


o intuito de fomentar a paz entre os povos, o sistema internacional ainda se
caracteriza pela anarquia. Por mais que as ideias kantianas sobre a Paz Perpétua
sejam apregoadas – e em certa medida praticadas –, a visão hobbesiana de que as
nações se assemelham aos astros, movendo-se livremente pelo espaço e chocando-
se, eventualmente, uns contra os outros, acabam por configurar a realidade.
O Brasil, por sua vez, procura estabelecer-se nesse ambiente global como um
país pacífico e que apregoa a solução consensual dos contenciosos internacionais.
Nesse contexto, as Operações de Paz sob a égide de organismos internacionais são
uma das ferramentas que o Estado brasileiro dispõe para fazer valer seus ideais.
Assim sendo, este artigo, que foi inspirado na realização de Seminários da Escola
Superior de Guerra com o propósito de fornecer subsídios ao Ministério da Defesa
para a atualização dos documentos de Política e Estratégia Nacionais de Defesa, tem
por escopo realizar um recorrido sobre a participação brasileira em Operações de Paz
conduzidas por organismos internacionais e a avaliar se essa atividade promove a
articulação entre a diplomacia brasileira e o segmento da defesa.

178 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 177-188, maio/ago. 2017
O Brasil e as Operações de Paz

2 PREÂMBULO SOBRE AS OPERAÇÕES DE PAZ SOB A ÉGIDE DE ORGANISMOS


INTERNACIONAIS

A Carta Magna brasileira (BRASIL, 1988) prevê, em seu artigo 4º, que as
relações internacionais do País deverão ser pautadas pelos seguintes princípios:
independência nacional; prevalência dos direitos humanos; autodeterminação dos
povos; não intervenção; igualdade entre os Estados; defesa da paz; solução pacífica
dos conflitos; repúdio ao terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para
o progresso da humanidade; e concessão de asilo político.
Dessa forma, a participação brasileira em Operações de Paz não poderia
deixar de ser regida por esses mesmos princípios. Assim sendo, em Brasil (2012b,
p.33) já se encontra preconizado que:

Para ampliar a projeção do País no concerto mundial e reafirmar


seu compromisso com a defesa da paz e com a cooperação
entre os povos, o Brasil deverá aperfeiçoar o preparo das Forças
Armadas para desempenhar responsabilidades crescentes
em ações humanitárias e em missões de paz sob a égide
de organismos multilaterais39, de acordo com os interesses
nacionais (grifo nosso).

Também, deve ser destacado que, entre os Objetivos da Defesa Nacional


(BRASIL, 2012b, p. 29), está prescrita a ideia de “contribuir para a manutenção da
paz e da segurança internacionais”.
No documento decorrente desse, Brasil (2012c, p. 59), constam ações para
que os objetivos acima expostos sejam atingidos, conforme transcrito:

Preparar as Forças Armadas para desempenharem


responsabilidades crescentes em operações internacionais
de apoio à política exterior do Brasil. Em tais operações,
as Forças agirão sob a orientação das Nações Unidas ou em
apoio a iniciativas de órgãos multilaterais da região, pois o
fortalecimento do sistema de segurança coletiva é benéfico à
paz mundial e à defesa nacional (grifo nosso).

Dessa maneira, constata-se que a documentação básica da Defesa Nacional


se mostra colimada com os princípios constitucionais e, também, preconiza

39 Note-se que o termo “multilateral” aqui substitui o “internacional”. Este autor entende ambos
os termos como sinônimos, baseado em Michaelis Moderno Dicionário da Língua Portuguesa: 1
mesmo que multilátero. 2 Diz-se de um sistema de segmentos situados num mesmo plano
e respectivamente equipolentes aos lados de um polígono fechado. 3 Em que participam ou são
envolvidos mais que dois países: Tratado multilateral. 4 Diz-se do contrato entre três ou mais partes.

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Ricardo Rodrigues Freire / Marcos Cardoso dos Santos

alinhamento e apoio à política externa brasileira.


Todavia, o conceito básico de Operações de Paz (há citações de Missões de Paz,
praticamente com o mesmo significado) não está claramente definido oficialmente.
Herráez (2014, p. 63) aponta que “as Missões de Paz surgiram com o intuito de criar
uma ferramenta que permitisse à Comunidade Internacional trabalhar ativamente
para alcançar a paz, apesar de não estarem expressamente contempladas na Carta
das Nações Unidas” (tradução nossa).
Nas palavras de Kenkel (2015, p. 3), como as Operações de Paz não são
mencionadas diretamente na Carta da Organização das Nações Unidas (ONU), elas
são descritas, às vezes, como fazendo parte do “capítulo 6 e meio”.
Porém, apesar disso, Herráez (2014) considera que as mudanças ocorridas
no sistema internacional motivaram adaptações na tipologia e nomenclatura das
Missões de Paz (ou Operações de Paz), de forma a mantê-las adequadas e úteis ao
processo de busca da paz mundial, tão almejado, mas até hoje inconcluso.
No Brasil, o Ministério da Defesa considera, oficialmente, um conceito para
as Operações de Paz. No seio dessa definição conceitual há outra ideia significativa,
que é considerá-las como uma atividade de “não-guerra”40, qual seja, revestida de
ações completamente diferentes das atividades precípuas do uso clássico da força no
combate propriamente dito. Assim sendo, o conceito brasileiro de Operação de Paz

Consiste no emprego de força militar, em apoio a esforços


diplomáticos, para manter, impor ou construir a paz em país
estrangeiro. As Operações de Paz podem ser divididas em cinco
categorias de operações de não-guerra: diplomacia preventiva,
promoção da paz, manutenção da paz, consolidação da paz e
imposição da paz41 (BRASIL, 2007, p. 181, grifos nossos).

Dessa forma, fica patenteada a ideia de subordinação do emprego do poder


militar em apoio à diplomacia no pensamento nacional sobre as Operações de
Paz. De uma maneira ou de outra, a fórmula de Clausewitz (1989, p. 91) de que a
guerra – e também a luta pela obtenção da paz – nada mais é do que “meramente
a continuação da política por outros meios”. Qual seja, a aplicação do poder militar
brasileiro no contexto das Operações de Paz está, como pensava o autor prussiano,
também condicionado à decisão política.

40 Operação em que as Forças Armadas, embora fazendo uso do Poder Militar, são empregadas em
tarefas que não envolvam o combate propriamente dito, exceto em circunstâncias especiais, em
que esse poder é usado de forma limitada. Podem ocorrer, inclusive, casos nos quais os militares
não exerçam necessariamente o papel principal (BRASIL, 2007, p. 180-181).
41 Consta em Martins Filho (2015, p. 4) que “o Brasil não participa de Peace Enforcement –
Imposição da Paz – tendo em vista o que prescreve o Art. 4º da Constituição Federal, que
estabelece a participação brasileira segundo os ditames da solução pacífica das controvérsias”.

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O Brasil e as Operações de Paz

3. PANORAMAHISTÓRICO DA PARTICIPAÇÃO BRASILEIRA EM OPERAÇÕES DE PAZ


Conforme citado por Martins Filho (2015), o Brasil é “Estado-Membro
fundador” da Organização das Nações Unidas (ONU) e vem caracterizando sua política
externa pela prioridade nas relações multilaterais. Sua primeira participação numa
operação patrocinada pela ONU deu-se em 1948, por meio de três observadores
militares na Comissão Especial das Nações Unidas para os Bálcãs (UNSCOB)42.
Daí em diante, foram diversas as atuações brasileiras junto a esse organismo
internacional, seja pela assessoria militar em missões de natureza política; seja por
meio de observadores militares; seja pela indicação de comandante ou oficial do
estado-maior das Forças de Paz; seja compondo os quadros do Departamento de
Operações de Paz (DPKO); seja, ainda, por meio de contingentes de tropa, forças
policiais e de outros profissionais especializados.
Exemplos dessa presença brasileira nas missões da ONU constam em 1957,
com o conhecido Batalhão Suez, que integrou a Força de Emergência das Nações
Unidas (UNEF-1) até 1967.Em 1992, a Operação das Nações Unidas em Moçambique
(ONUMOZ). Em Angola, desde os primórdios do processo de paz e de diversas formas:
com observadores militares e policiais; com oficiais para o estado-maior da Força de Paz; e
com contingentes militares de variadas capacidades (Batalhão de Infantaria; Companhia
de Engenharia; Unidades Médicas), desde 1989, com as Missões de Verificação das
Nações Unidas em Angola (UNAVEM) I, II e III, até a Missão de Observação das Nações
Unidas em Angola (MONUA), cujo mandato expirou em 1999.
Em 1999, o Brasil teve outra participação importante no tocante à paz e
segurança internacionais, quando do processo de independência do Timor Leste,
por meio da Força Internacional para o Timor Leste (INTERFET), da Autoridade
Transitória das Nações Unidas para o Timor Leste (UNTAET)– liderada pelo
Embaixador brasileiro Sérgio Vieira de Melo – e da Missão das Nações Unidas de
Apoio a Timor Leste (UNMISET), esta encerrada em 2005.
Já no Haiti, a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti
(MINUSTAH) conta com a presença brasileira desde a sua criação, em 2004, até os
dias atuais.
Voltando ao Oriente Médio, a Força Interina das Nações Unidas no Líbano
(UNIFIL), que data de 1978, passou a contar, em 2006 (após a 2ª Guerra do Líbano),
com uma Força-Tarefa Marítima (FTM)43, que é, atualmente, comandada por um
oficial-general da Marinha do Brasil.

42 Todavia, em Silva (2003), constata-se que as ações da diplomacia brasileira para a promoção da
paz entre os Estados são anteriores à própria criação da ONU.
43 Segundo Martins Filho (2015, p. 13), “Foi a primeira e única Missão de Paz da Organização
das Nações Unidas a contar com uma Força-Tarefa Marítima”. Nesta missão, a Marinha
do Brasil emprega, no momento, uma fragata, um helicóptero e um efetivo embarcado de
aproximadamente 250 militares.

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Ricardo Rodrigues Freire / Marcos Cardoso dos Santos

Também, embora sem a presença de contingentes de tropa, são dignas


de destaque as participações brasileiras nas seguintes missões: United Nations
Observer Group in Central America (ONUCA), entre 1989e1992;United Nations
Protection Force (UNPROFOR), de 1992 a 1995;United Nations Verification Mission
in Guatemala (MINUGUA), em 1997; United Nations Mission in the Sudan (UNMIS),
2005 a 2011; e aUnited Nations Organization Stabilization Mission in the Democratic
Republic of the Congo (MONUSCO), iniciada em 2013 e que contou com um oficial-
general do Exército Brasileiro no comando do contingente militar no período de
abril de 2013 até dezembro de 201544.
Além desse quadro apresentado, há de se destacar a presença brasileira em
missão patrocinada pela Organização dos Estados Americanos (OEA), a controversa
Força Interamericana de Paz (FIP), que atuou na República Dominicana entre
1965 e 1966, contando com um contingente nacional que ficou conhecido como
FAIBRAS45.
Outra participação meritória consta do processo de paz do conflito que
envolveu o Equador e o Peru, nos idos de 1995 e 1998, o qual não foi patrocinado
por organismos internacionais, mas por um grupo de Países Garantes (coordenados
pelo Brasil)46.
Observa-se, nos escritos de Martins Filho (2015) e Kenkel (2015), que, devido
à complexidade das Operações de Paz no contexto pós-moderno, há uma tendência
de que as Nações Unidas pleiteiem junto aos países contribuintes o envio, com
relativa celeridade, de efetivos militares cada vez mais especializados (unidades de
engenharia, saúde, apoio logístico), bem como de profissionais civis especializados.
De certa maneira, o Brasil já contribuiu desse modo para o processo de paz angolano
e o vem fazendo no Haiti. Contudo, para que tal procedimento tenha continuidade,
há necessidade de preparar recursos humanos, especialmente civis.

4. AVALIAÇÃO QUANTO À ARTICULAÇÃO ENTRE A DIPLOMACIAE ADEFESA NAS


OPERAÇÕES DE PAZ
Existe no Brasil uma metodologia que estabelece o Processo Decisório
para a participação brasileira em Operações de Paz. Tal metodologia encontra-se
detalhada na Figura 1. O caso em foco exemplifica os auspícios da ONU. Porém,
sob o patrocínio de outro organismo internacional o processo se desenvolveria de
maneira semelhante.
Martins Filho (2015, p. 13) tece explicações sobre essa metodologia,
afirmando que

44 Dados obtidos em UN – Peacekeeping Operations. Disponível em: <http://www.un.org/en/


peacekeeping/operations/past.shtml>. Acesso em 30 dez. 2015.
45 50 anos, 2015.
46 Canabrava, 2003.

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O Brasil e as Operações de Paz

As participações com tropas brasileiras em Operações de


Paz seguem um processo decisório que se inicia por meio de
consultas informais realizadas pelo Secretariado [da ONU],
junto à Missão Permanente do Brasil nas Nações Unidas,
que as repassa ao Ministério das Relações Exteriores (MRE)
e este ao Ministério da Defesa. [...] o MRE [após ouvidas
as partes envolvidas] elabora uma Exposição de Motivos
sobre a viabilidade e interesse da participação brasileira
na dita operação. Caso positivo, a Casa Civil submete uma
Mensagem Presidencial ao Congresso, do qual depende a o
envio de tropas ao exterior. Uma vez aprovada, o Presidente
da República emite um Decreto Presidencial autorizando o
envio dos contingentes para a Operação.

Da análise do texto acima e da Figura 1 depreende-se que o Ministério das


Relações Exteriores tem papel fundamental na condução do presente Processo
Decisório, fato que demonstra a necessidade de que as Pastas das Relações Exteriores
e da Defesa se articulem de maneira bastante coordenada para que ocorra a efetiva
presença do Brasil numa Operação de Paz.
Nas análises de Kenkel (2015), considerando-se o Brasil um “país emergente”,
ou seja, com potenciais consideráveis de produto interno bruto, território,
população, dentre outros aspectos, os quais o distinguem no cenário mundial, a
participação brasileira em Operações de Paz permite que o País encontre o seu
“nicho diplomático” e consiga aumentar o seu “capital político internacional”.
Na concepção desse autor, uma potência emergente como o Brasil não possui
capital político suficiente para realizar, por si só, transformações no sistema internacional.
Todavia, não é tão pequeno para se sujeitar ao fluxo ditado pelas grandes potências.
Assim sendo, a participação brasileira em fóruns multilaterais, como o exemplo
das Operações de Paz, nos quais estão consagradas as práticas de regras básicas de
cooperação com a ordem global, traz grandes benefícios para o País.
Em termos diplomáticos, estar presente nesses fóruns permite ao Brasil
relacionar-se de igual para igual com potências de maior porte, bem como reforçar
as regras da governança global. Com isso, veem-se diminuídos os riscos de ingerência
externa sobre o País. Além disso, permite que algumas vantagens comparativas
brasileiras sejam expostas no contexto internacional, tais como: as bem sucedidas
ações de avanços socioeconômicos domésticas, as iniciativas nas áreas da educação
e da saúde básica, as inovações agropecuárias, dentre outras.
Em termos de Defesa, ao demonstrar eficiência operacional no concerto
das Operações de Paz, empregando contingentes devidamente equipados, com
padrões de disciplina e organização, exercendo de forma competente e equilibrada
o comando de algumas missões, a capacidade dissuasória brasileira ganha especial
destaque no cenário internacional.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 177-188, maio/ago. 2017 183
Ricardo Rodrigues Freire / Marcos Cardoso dos Santos

Resumindo, o autor visualiza que a participação brasileira nas Operações de


Paz confere ganhos de capital político internacional e aumenta o poder dissuasório
no campo da Defesa. Enfim, há um “ganha-ganha” para diplomatas e soldados.
As ideias alinhavadas acima encontram respaldo também em Kipman (apud
KAWAGUT, 2014), no momento em que comenta a participação brasileira na
Operação de Paz levada a termo no Haiti (MINUSTAH)47:

Para o Brasil foi uma aprendizagem extraordinária, não só


profissional, mas do ponto de vista humano. Do soldado ao
general houve uma abertura de horizontes e eles voltaram
com outra visão de Brasil, voltaram reconciliados com o país
[...] esse ganho de experiência também aconteceu na área civil,
com diplomatas, ONGs e órgãos como a Embrapa ganhando
experiência excepcional que pode ser usada no Brasil. Considero
que a missão tem sido um grande sucesso.

De forma semelhante, em Bechega (2014), também são encontrados relatos de


que a participação do Brasil na MINUSTAH e noutras Operações de Paz que demonstram
sensíveis vantagens para a diplomacia, para a defesa e para o País, de forma geral

Foi uma atuação relevante para nós num cenário regional, mas
com seus limites. [...] Há, no entanto, ganhos em outras frentes.
O Brasil expandiu sua atuação em missões da ONU na última
década, especialmente na África. Um exemplo é a República
Democrática do Congo. O general brasileiro Carlos Alberto dos
Santos Cruz, que liderou as tropas da ONU no Haiti entre 2007 e
2009, comanda hoje as tropas da entidade na nação africana. A
própria manutenção do comando do braço militar da Minustah
é vista como sinal de prestígio brasileiro. “O reconhecimento
de que o papel do Brasil tem sido importante é o fato de que
os sucessivos comandantes das tropas da ONU no país têm sido
brasileiros. Isso é pouco habitual”, disse o embaixador brasileiro
na ONU, Antonio Patriota [...].

Fugindo, porém, às missões sob a égide das Nações Unidas, também são encontrados
exemplos de boa articulação dos segmentos das Relações Exteriores e da Defesa brasileiros
na garantia da paz entre equatorianos e peruanos, por ocasião do contencioso fronteiriço de
1995-1998. Sobre este evento, Canabrava (2003, p. 248) cita que

47 Missão patrocinada pela ONU, instituída em 2004, conta com um efetivo de cerca de 6.000
integrantes, sendo 2.338 militares (cerca de 1.400 da Marinha do Brasil e do Exército Brasileiro)
de 19 países, todos comandados por um oficial-general brasileiro. Dados obtidos em UN –
Peacekeeping Operations. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekeeping/operations/
past.shtml>. Acesso em 30 dez. 2015.

184 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 177-188, maio/ago. 2017
O Brasil e as Operações de Paz

[...] o êxito do Processo de Paz consagra o compromisso latino-


americano em promover soluções regionais para problemas
regionais. A ação da MOMEP48 serviu para ressaltar o papel central
que cabe às Forças Armadas na consecução desse objetivo.
Exemplo de operação de manutenção da paz em apoio a processo
político-diplomático de solução pacífica de controvérsias, a
MOMEP contribuiu para consolidar novo paradigma de papel do
setor militar como instrumento de fomento e promoção da paz
em sociedades plenamente democratizadas (grifo nosso).

Do exposto, constata-se que pela expressiva participação brasileira em Operações


de Paz desde a criação da ONU, considerando-se que tais atividades são realizadas com
o aval do Itamaraty e do segmento da Defesa, basicamente por iniciativa desse e com
a concordância deste, existe uma considerável articulação dos Ministérios das Relações
Exteriores e da Defesa nesta temática específica, que pode ser, sem sobra de dúvidas,
aperfeiçoada ao longo do tempo, pela constância na participação em Operações de Paz,
de forma que “a memória” não se perca pela falta de prática.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do acima exposto, cabe concluir que os marcos legais brasileiros já privilegiam,


alinham e subordinam a participação brasileira em Operações de Paz sob a regência
de organismos internacionais à Política Externa.
Além disso, existe no País uma tradição de emprego da diplomacia na solução
pacífica dos contenciosos internacionais, que precede à criação das Nações Unidas.
Todavia, no pós II Guerra Mundial e com o surgimento da ONU, a participação
brasileira nas Operações de Paz promovidas por ela foi intensa (e continua sendo).
Ademais, não podem deixar de constar dessa dita “tradição “a presença brasileira em
operações de mesma natureza, mas patrocinadas por outros arranjos internacionais.
Por outro lado, diante das características atuais das missões de paz, a
prontidão no envio de efetivos, bem como a participação de civis e militares cada
vez mais especializados nessas atividades devem requerer uma articulação ainda
maior entre o Itamaraty e o Ministério da Defesa. As contribuições limitadas às
tropas de infantaria (“capacetes azuis”) não serão mais condizentes à estatura
brasileira no cenário internacional.
Ainda, há de ser considerado que o Brasil já conta com um Processo
Decisório para a participação em Operações de Paz, o qual condiciona a adesão

48 Para solucionar a crise conhecida como Guerra do Alto Cenepa foi criada a Missão de
Observadores Militares Equador-Peru (MOMEP), tendo o Brasil como coordenador dos Países
Garantes (Argentina, Brasil, Chile e EUA). Oficiais-generais brasileiros coordenaram as ações dos
militares no Processo de Paz durante toda a Missão.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 177-188, maio/ago. 2017 185
Ricardo Rodrigues Freire / Marcos Cardoso dos Santos

do País à articulação entre os Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa, com


preponderância do primeiro na condução da agenda. Porém, como citado por
Canabrava (2003) e Kipman (apud KAWAGUT, 2014), tal articulação tende a ser
aprimorada no transcurso das operações, pela práxis contínua.
Finalmente, com o respaldo de Kenkel (2015), há de ser considerado que uma
nação “emergente” como o Brasil pode encontrar na participação em Operações de
Paz um “nicho diplomático” que lhe permita o exercício do que prescreve o artigo 4º
da Constituição Federal (BRASIL, 1988) e, além disso, ver expandido o seu “capital
político internacional”. Encastoado nesse “capital político”, o Ministério da Defesa
pode considerara desejável ampliação do poder dissuasório nacional.
Tudo isso posto, considera-se que a presença brasileira em Operações de
Paz sob a égide de organismos internacionais favorece, sobremaneira, a articulação
entre a diplomacia e a defesa, devendo, portanto, prosperar e ser aprimorada em
termos de celeridade na tomada de decisão e de qualificação dos efetivos civis e
militares colocados à disposição dos organismos internacionais. Dessa maneira,
provavelmente, o Brasil possa reescrever a clássica assertiva de Aron (2002, p. 52)
de que “O diplomata e o soldado vivem e simbolizam as relações internacionais que,
enquanto interestatais, levam à diplomacia e à paz– e não à guerra” (grifo nosso).

Figura 1: Esquema do Processo Decisório brasileiro para participação em


Operações de Paz

Fonte: Brasil (2013, p. 55)

186 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 177-188, maio/ago. 2017
O Brasil e as Operações de Paz

REFERÊNCIAS

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Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Clássicos IPRI, 2002.

BACHEGA, Hugo. Dez anos no Haiti: a missão militar ajudou a projetar o Brasil no
mundo? BBC Brasil, Londres, 30mai. 2014. Disponível em: <http://www.bbc.com/
portuguese/noticias/2014/05/140526_brasil_haiti_analise_hb>. Acesso em: 30
dez. 2015.

BRASIL. Constituição (1988): promulgada em 5 de outubro de 1988, atualizada


até a Emenda Constitucional nº 77, de 11 fev. 2014. Disponível em: <http://www.
planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.>. Acesso em: 2 abr. 2014.

_______. Decreto Legislativo nº 373, de 25 de setembro de 2013. Aprova os


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________. Ministério da Defesa. Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas.


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50 ANOS da Participação Brasileira (FAIBRAS) na Estabilização da República


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(FAIBRAS)-na-Estabilizacao-da-Republica-Dominicana/>. Acesso em 30 dez. 2015.

Recebido em: 10 dez. 2016


Aprovado em: 20 set. 2017

188 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 177-188, maio/ago. 2017
A Reconfig. da Amér. Latina sob o Esquema de Seg. do “Pax Americano” no Séc. XXI: O Caso da Aliança Pacífica

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PARTE II

Com vistas a facilitar a etapa de preparação editorial, foram estabelecidos


determinados critérios de uniformização que devem ser seguidos pelos autores já
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Sobre o uso de:
Aspas - apenas para metáforas, transcrições e citações com menos de três
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Itálico - palavras estrangeiras, títulos de livros, jornais, artigos, teses etc.,
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• Ilustrações, tabelas, imagens etc.


Inserir figuras e tabelas o mais próximo possível do trecho a que se refere,
centralizados na página, preferencialmente, não devendo passar de duas, e com as
seguintes formatações: a fonte de letra deve ser de tamanho 10 pt; dividir a tabela
em duas ou mais, se não couber na página; para títulos, utilize o estilo: Tabela nº,
seguida do título da tabela/gráfico (centralizado e negrito); a fonte dos dados deve ser
indicada, alinhando o texto descritivo com a margem esquerda da Tabela/Gráfico.
Exemplo:

Tabela 1- Inscrição em faculdades locais

Novos alunos Alunos de


Instituições Alteração
universitários graduação

Universidade Cedar 110 103 +7


Faculdade Elm 223 214 +9
Academia Maple 197 120 +77
Faculdade Pine 134 121 +13
Instituto Oak 202 210 -8

Fonte: O AUTOR, 2005

• Resumo
Apreciação concisa dos pontos relevantes de um documento em espaço
simples. O resumo de um artigo deve conter de 100 a 250 palavras. As palavras-chave
devem figurar logo abaixo do resumo, separadas entre si por ponto e finalizadas
também por ponto, ao máximo cinco palavras. Observar NBR 6028/2003.
• Citação de autores no texto
Um autor: indicação do sobrenome do autor em maiúsculas, seguido da
data, caso a citação seja indireta: (BIGNOTO, 2003)
Indicação de dois ou três autores da mesma obra separados por ponto e vírgula,
acrescidos da data: (RIECK; LEE, 1948) ou (MARTINS; JORGE; MARINHO,1972).
Na obra com mais de três autores, deve ser mencionado um autor (o primeiro ou o
mais conhecido) seguido da expressão “et aI.” acrescida da data: (JARDIM et aI., 1965).
Citação de trabalhos de diferentes autores. Todos eles são mencionados,
logo se deve seguir a ordem alfabética ou cronológica. Exemplos: (ATANASIU, 1967;
KING, 1965; LIRONS, 1955; THOMAS, 1973) (LIRONS, 1955; KING, 1965; ATANASIU,
1967; THOMAS, 1973).
Citações de diversos documentos dos mesmos autores, publicados em um
mesmo ano, são distinguidas pelo acréscimo de letras minúsculas do alfabeto após
a data, e sem espacejamento:

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017 191
María del Pilar Ostos Cetina

(CARRARO, 1973a), (CARRARO, 1973b), (VOLKMAN; GOWANS, 1965a),


(VOLKMAN; GOWANS, 1965b)
Coincidência de autores com o mesmo sobrenome e data: acrescentar as
iniciais de seus prenomes: (BARBOSA, N., 1958); (BARBOSA, R., 1958)
Citação de citação: identificar a obra diretamente consultada. A expressão
latina apud significa citado por, conforme, segundo, de acordo com, em sintonia
com as ideias de. Exemplos: (SILVA apud PESSOA, 1980)
Na citação direta (transcrição), consta, ainda, a numeração das páginas
utilizadas, seguida de vírgula logo após o ano.
(VOLKMAN; GOWANS, 1965, p. 35-43).
• Transcrição textual de parte da obra
A citação, até 3 linhas, deve ser contida entre aspas duplas. As aspas simples
são utilizadas para indicar citação no interior da citação.
Exemplo:
De acordo com Faria (2003, p. 32), “A essa determinação, Pêcheux denomina
de ‘formação ideológica’ [...]”.
A citação com mais de 3 linhas deve ser destacada com um recuo da margem
esquerda 4cm, em fonte 10, sem aspas.
Exemplo:
Marisa e Regina preconizam que:

Tudo se traduz, transcreve, simplifica, banaliza, complica,


recria, transcria ou transfigura. Nada permanece a primeira
versão e única versão, nem para o autor nem para o leitor. Cada
leitura, assim como cada escritura, pode ser simultaneamente,
tradução e recriação. Quem lê, assim como quem escreve,
está simultânea e necessariamente traduzindo, buscando
significados, recorrendo a significantes, em busca dos sons
e sentidos, ritmos e formas, cores e vibrações. (LAJOLO;
ZILBERMAN, 2001, p.11).

Em supressões, acréscimos e comentários, deve-se utilizar colchetes:


Exemplo:
“Esta [a cultura humana] só se desenvolveu porque o homem tem a faculdade
linguística por excelência. Isto é, o homem necessita de significados para viver
[...]”
Ênfases em trechos da citação são indicados com a expressão “grifo nosso”
ou “grifo do autor” entre parênteses, após a chamada da citação.
Exemplo: “Cinema é arte, é diversão, é indústria e, desde o final do século
passado, vem encantando pessoas de todas as idades” (SILVA, 2000, p. 19, grifo
nosso).

192 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017
A Reconfig. da Amér. Latina sob o Esquema de Seg. do “Pax Americano” no Séc. XXI: O Caso da Aliança Pacífica

Observação: Se o nome ou sobrenome estiverem no fluxo da frase, esse


aparece só com a inicial maiúscula, porém se o sobrenome do autor for citado a
parte deverá ser escrito todo em maiúscula. O número da (s) página (s) é obrigatório
no caso de transcrição.
Exemplo:
Bourdieu (1996, p. 197) destaca que a “fraude fiscal existe ainda hoje para
mostrar que a legitimidade do imposto não é dada”.
Para tanto, o Estado realizava pesquisas tais como: a avaliação dos sargentos
em 1194; a enumeração dos carretos e dos homens armados; uma lista de receitas e
despesas, em 1221, que hoje pode ser considerada como um embrião do orçamento
público. Bourdieu ressalta que:

O Estado concentra a informação, que analisa e redistribui.


Realiza, sobretudo, uma unificação teórica. Situando-se
do ponto de vista do todo, da sociedade em seu conjunto,
ele é o responsável por todas as operações de totalização,
especialmente pelo recenseamento e pela estatística ou
pela contabilidade nacional; pela objetivação, por meio
da cartografia, representação unitária do alto, do espaço,
ou simplesmente por meio da escrita, instrumento de
acumulação do conhecimento (por exemplo, com os
arquivos) e de codificação como unificação cognitiva que
implica a centralização e a monopolização em proveito dos
amanuenses ou dos letrados. (BOURDIEU, 1996, p.105, grifos
do autor).

• Referências
A padronização da ESG está baseada na norma ABNT/NBR 6023. Não se
esqueçam de que as referências são alinhadas somente à margem esquerda.
As regras gerais são as seguintes:
Regras: 1. Sobrenome do autor em letras maiúsculas. Vírgula; 2. Inicial do
nome do autor ou o nome do autor por extenso. Ponto; 3. Título da obra (em
maiúscula só a primeiras letras da primeira palavra e dos nomes próprios) em
itálico (só o título, o subtítulo não tem grifos). Ponto; 4. Número da edição (a partir
da segunda) (observar a abreviatura de 2. ed.) 5. Local. Dois-pontos; 6. Nome da
editora sem a palavra editora. Vírgula; 7. Ano da publicação. Ponto. 8. Página inicial-
final, caso o livro não tenha sido todo usado. Ponto.
Exemplo:

SILVA, F. Como estabelecer os parâmetros da globalização. 2. ed. São Paulo:


Macuco, 1999.
- Quando houver tradutor, prefácio ou notas:

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017 193
María del Pilar Ostos Cetina

ALlGHIERI, D. A divina comédia. Tradução de Hernani Donato. São Paulo: Círculo


do Livro, 1983.

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023. Informação e


documentação: referências - elaboração. Rio de Janeiro: ABNT, 2000.

- Quando houver mais de um autor, separá-los com ponto-e-vírgula:


SILVA, F. ; FERREIRA, L. P. Internet. São Paulo: Macuco, 2000.

SILVA, F., CAMPOS, R. S.; FERREIRA, L.P. Globalização no século XXI. São Paulo:
Ática, 2000.

- Livro de série ou coleção:

SILVA, F. Como estabelecer os parâmetros da globalização. 4. ed. São Paulo: Ática,


1999. (Série Princípios 29).

- Livro em meio eletrônico:

ALVES, C. Navio negreiro. [S.I.]: Virtual Books, 2000. Disponível em: <http://
www.terra.com.br/virtualbooks/port/lport/navionegreiro.htm>. Acesso em: 5
mar.2015.

• Notas de rodapé
As notas de rodapé (fonte 10, espaço simples) destinam-se a prestar
esclarecimentos ou tecer considerações que não são incluídas no texto para
não interromper a sequência lógica da leitura. Tais notas não devem ser usadas
desproporcionalmente e não devem ter mais de cinco linhas. Elas devem ficar ao
final de cada página, e não no fim do artigo.

Exemplo:
O álcool nas bebidas é encontrado a partir de fermentação49 dos cereais,
para fabricação das mesmas. As pessoas bebem para relaxar ou até mesmo para
ficarem mais felizes e não sabem quais são as reações² do nosso organismo em
relação ao álcool. Segundo Robaina50, “todo este material à base de álcool utilizado
diariamente, não nos adverte quanto ao uso deles”.

49 As bebidas alcoólicas que são produzidas através da fermentação são champanhas, cervejas e os
vinhos, e as bebidas produzidas através da fermentação e destilação são as aguardentes, uísques e
o conhaque..
50 Como os alcoóis são de caráter básico fraco, eles irão reagir ao entrar no estômago, pois este
contém sucos gástricos ácidos. No caso do fígado, há uma intoxicação hepática.

194 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017
A Reconfig. da Amér. Latina sob o Esquema de Seg. do “Pax Americano” no Séc. XXI: O Caso da Aliança Pacífica

PUBLISHING GUIDELINES FOR AUTHORS IN BRAZILIAN NATIONAL WAR


COLLEGE JOURNAL

SECTION I

The Brazilian National War College promote the edition of two publishings:
the Brazilian National War College magazine and the Journal of strategic studies.
The ESG (portuguese) magazine aim to publish original articles about Military
science and politics. The Journals of strategic studies aim to publish original articles
about culture, international relations, modernity, axiology, praxeology, polemology,
cratology, and security.
All the texts will be measured either by the double-blind peer or by the
Editorial Counsel to be indicated to a publication later.
The authors must observe whether all the listed itens below have
implemented. The texts that are not in accordance with rules will be sent back to
the authors.
The articles must be both original and unpublished. Furthermore, they might
not evaluate to another publishing at the same time.
It is suggested to follow the ABNT rules (the Brazilian Technical
Standards Association):
• NBR 6023/2000 - Reference preparations;
• NBR 6022/2003 – Information and Documentation – Article in printed
scientific;
• NBR 10520/2002 – Rules for submission of articles;
• NBR 12256/1992 – Documentation - Presentation of texts for publishing;
• NBR 5892/1989 – Documentation – Indication of dates;
• NBR 6024/2012 – Information and Documentation – Numbering of
divisions and subdivions in written documents;
• NBR 6028/2003 – The rules of presentation, the summary, the in-text
citation, and references.
• NBR 14724/2011 – Illustrations (tables, charts, and figures such as
photographs, drawings, graphics, etc.) according to Brazilian Institute of
Geography and Statistics (IBGE) recommendations.
The files must follow the criteria below:
• Word for windows or RTF format;
• Among 10 or 20 pages within references;
• Configuration: Lining space: simple; between lines: 6-points after; from
title to text beggining: 12-points after; before and after citation lining
space: 8-points;
-12-points Times New Roman font;
-left and superior margins: 3cm; right and inferior margins: 2cm;

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017 195
María del Pilar Ostos Cetina

• Use italics instead of underlining (except in URL addresses).


The text must be preceded by title. After that, follow the author’s name
(s), the abstract follow by keywords (up to 5), the title in english, the title
in spanish, and the resumen follow by palabras clave.

In footnotes, use academic title, currenty activity, institutional affiliation, and


electronic address for each author, with no number and asterisk included.
In articles, the authorization for publication should contain name, title of the
article, address, phone number, electronic address, and a summary curriculum of
authors included.
Strictly references related to the number of pages should be included in the
final of the articles: from 10 to 20 authors.
The channel for dialogue between authors and publishing can be either
revistadaesg@esg.br or cadernosdeestudos@esg.br.
The ISSN of the Journal of Brazilian National War College is 0102-1788, and
the ISSN of the Journal of strategic studies is 1808-974X.
The Brazilian National War College reserves the right to make any normative
change in original works, either ortography or grammaticaly, in order to keep the
standard language, preserving the author’s styles. The final tests will not send to
the authors.
All the author’s rights established by the Decree-Law 9610 of february 19,
1988, will be preserved by the Brazilian National War College. The partial or total
reproduction is conditioned to express permission and the occasional quotes to
journal reference obrigatory.
The opinions emitted by the authors of the articles are exclusively their own
responsability.
The magazine is distributed free of charge, and each author will receive ten
copies.

SECTION II

In order to facilitate the stage of publishing preparation, some criteria of


standartisation has established. For that matter, they should be followed by authors
when articles are in development.
On the use of:
Quotation mark – metaphors, transcription, and quotes with less than
3-points.
Bold – chapter titles, topics, tables, and graphics.
Italics – when it comes in corpus, foreign languages, book titles, newspapers,
articles, thesis, and etc. Only in some cases, italics should be used to highlight words
and expressions. However, it is suggested that it is avoided.

196 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017
A Reconfig. da Amér. Latina sob o Esquema de Seg. do “Pax Americano” no Séc. XXI: O Caso da Aliança Pacífica

Illustration, charts, pictures, and so on. Pictures and tables should be inserted
closer next to part related. It is suggested it is centered on the page, and maximum
two pages. Formatting: 10-points font; table divided in two or more, if it does not fit
on page; use table nº followed by one/graphics (centered and in bold); The source
of data should be indicated, in accordance with the descriptive text to the left table/
graphics.
Example:

Table 1- Local university registration

New students
Institution Undergratuates Modification
-University
Cedar University 110 103 +7
Elm College 223 214 +9
Maple Academy 197 120 +77
Pine College 134 121 +13
Oak Institute 202 210 -8

Source: O AUTOR, 2005



• Summary
A concise observation about important points of a document in a single
space. The abstract of article must contain from 100 to 250 words. The keywords
should be below the abstract, and separated by period, and also finished by period,
in maximum of five words. Pay close attention to NBR 6028/2003.

• Text citations: authors

One author: in case of indirect quotation, it is necessary to indicate the


author’s last name, followed by the date: (BIGNOTO, 2003).
Two or three authors on the same work: separated by quotation mark,
incluing the date: (RIECK; LEE, 1948) or (MARTINS; JORGE; MARINHO, 1972).
More than three authors: it is necessary to mention one author (Or the first
one or the most well-known author) followed by “et al”. Besides, it is necessary to
add the date: (JARDIM et aI., 1965).
Quotations of different author works. All they have been mentioned before
the alphabetical and chronological orders. For example, (ATANASIU, 1967; KING,
1965; LIRONS, 1955; THOMAS, 1973) (LIRONS, 1955; KING, 1965; ATANASIU, 1967;
THOMAS, 1973).

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017 197
María del Pilar Ostos Cetina

Quotations of several documents from the same authors, published in current


year, are distinguished by the add of alphabetical lowercase letters, after date and
without spacing: (CARRARO, 1973a), (CARRARO, 1973b), (VOLKMAN; GOWANS,
1965a), (VOLKMAN; GOWANS, 1965b)
Authors with both the same name and last name, it is necessary to add the
first name initials: (BARBOSA, N., 1958); (BARBOSA, R., 1958)
Citing Indirect source: you have to identify the work related. The Latin
expression apud means cited by, in accordance with, etc.: (SILVA apud PESSOA,
1980)
Direct quotation (transcription): it means used page numbers, followed by
comma after year. (VOLKMAN; GOWANS, 1965, p. 35-43).

• Piece of work textual transcription

Quotation must come within double quotation marks, up to 3-points. The


single quotation marks are used to indicate quotation within quotation.

Example:
According to some, dreams express “profound aspects of personality”
(Foulkes 184), though others disagree.
More than 3-points in quotation must be highlighted with an indentation of
4cm left margin, 10-font, and without quotation marks:
Nelly Dean treats Heathcliff poorly and dehumanizes him throughout her
narration:

They entirely refused to have it in bed with them, or even in


their room, and I had no more sense, so, I put it on the landing
of the stairs, hoping it would be gone on the morrow. By chance,
or else attracted by hearing his voice, it crept to Mr. Earnshaw’s
door, and there he found it on quitting his chamber. Inquiries
were made as to how it got there; I was obliged to confess, and
in recompense for my cowardice and inhumanity was sent out
of the house. (Bronte 78)

Deletations, additions, and comments must come within brackets:


Jan Harold Brunvand, in an essay on urban legends, states, “some
individuals [who retell urban legends] make a point of learning every rumor or
tale” (78).
Parts of quotation have been indicated by “Emphasis added” or “Author
note” between parenthesis. For instance,

198 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017
A Reconfig. da Amér. Latina sob o Esquema de Seg. do “Pax Americano” no Séc. XXI: O Caso da Aliança Pacífica

But that doesn’t mean he opposes the Keystone XL oil pipeline,


current bête noir of the environmental movement. Although
the AFL-CIO hasn’t directly backed Keystone, it has endorsed
“pipelines in general,” says Trumka, who argues that the
pipeline will have “a smaller carbon footprint” than other
methods of transporting those petroleum products. (Emphasis
added)

Still, it is necessary to observe whether name or last name are in the text
with the capital letter initials. Nevertheless, if the author’s last name is not cited,
it must be written in capital letter. The number of the page must appear in the
transcription.

Example:
According to Smith (1992, p.45), “Aitcheson [sic] appears to believe that
everything changes; but this is questionable” (italics in original).

• References
The Brazilian National War College standartisation is based in rule of ABNT/
NBR 6023. It is important to observe that the references are aligned with the left
margin.

Rules: 1. Author last name in capital letters. Comma; 2. Author initial


name or author name in written form. Period; 3. Title of work (The first letters in
capital letter or proper names) in italics (Title). Period; 4. The issue number (up
to the second one) (Attention to abbreviation 2nd ed.) 5. Local. Two points; 6.
The name of publishing house without mention the name of publishing house.
Comma; 7. Year of publication. Period. 8. Initial and final page, in case of new
book. Period.

Berndt, T. J. (2002). Friendship quality and social development. Current


Directions in Psychological Science, 11, 7-10.

Translator, Preface, or Note.

Foucault, Michel. Madness and Civilization: A History of Insanity in the


Age of Reason. Trans. Richard Howard. New York: Vintage-Random House, 1988.
Print.

Funk, R., & Kolln, M. (1998). Introduction. In E. W. Ludlow (Ed.), Understanding


English grammar (pp. 1-2). Needham, MA: Allyn and Bacon.

Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017 199
María del Pilar Ostos Cetina

Multivolume Work
Wiener, P. (Ed.). (1973).  Dictionary of the history of ideas  (Vols. 1-4). New
York, NY: Scribner’s.
Electronic Books
De Huff, E. W. (n.d.). Taytay’s tales: Traditional Pueblo  Indian tales. Retrieved
from http://digital.library.upenn.edu/women/dehuff/taytay/taytay.html

Footnotes
Footnotes aims to explain what is outside the text in order to keep the logical
sequence, which should not contain more than 5-points. On the one hand, they
should be avoided, for they might become more expensive the publication.

200 Revista da Escola Superior de Guerra, v. 32, n. 64, p. 161-176, maio/ago. 2017
INSTRUCCIONES A LOS AUTORES PARA PUBLICACIÓN
EN REVISTAS DE LA ESCUELA SUPERIOR DE GUERRA

PARTE 1

La Escuela Superior de Guerra promueve la edición de dos publicaciones: La


Revista de la Escuela Superior de Guerra y los Cuadernos de Estudios Estratégicos.
La Revista de la Escuela Superior de Guerra tiene por finalidad publicar
artículos originales sobre Ciencia Militar y Política. Los Cuadernos de Estudios tienen
por objetivo publicar artículos originales sobre Cultura, Relaciones Internacionales,
Modernidad, Axiología, Praxiologia, Polemología, Cratología y Seguridad.
Todos los textos serán evaluados por pares objetivos y por el Consejo
Editorial para, posteriormente, ser indicados para publicación.
Los autores deben verificar el cumplimiento de todos los ítems listados a
seguir. Los textos que no estuvieran de acuerdo con las normas serán devueltos a
los autores.
Los artículos deben ser originales, inéditos y no deben estar
concomitantemente, evaluados para otra publicación.

Se recomienda observar las normas de la ABNT:

• NBR 6023/2000 - Elaboración de referencias;


• NBR 6022/2003 - Presentación de artículos en publicación periódica
científicas;
• NBR 10520/2002 - Presentación de citaciones de documentos;
• NBR 12256/1992 - Presentación de originales;
• NBR 5892/1989 - Norma para datar;
• NBR 6024/2012 - Numeración progresiva;
• NBR 6028/2003 - Norma para resumen de presentación de trabajos
científicos; y
• NBR 14724/2011 – Formación de trabajos científicos, monografías y
trabajos de conclusión de curso (TCC). En el caso de gráficos, figuras, tablas, fotos y
otras ilustraciones, de acuerdo con el IBGE.

Los archivos deben obedecer a los siguientes criterios:



• Estar en formato Microsoft Word.DOC o RTF;
• Tener de 10 a 20 páginas incluyendo las referencias;
• Presentar texto, con espacio entre líneas: simple, entre párrafos: 6 puntos
después; del título al comienzo del texto: 12 puntos después; espacio antes y
después de la citación: 8 puntos;
- fuente 12, Times New Roman;
- margen superior e izquierdo: 3 cm; margen inferior y derecho: 2 cm;

• Emplear letra itálica en lugar de subrayar (excepto en direcciones de URL);

Los textos deben ser precedidos de un título. Luego del título, sigue el nombre
del o de los autores, el resumen acompañado de las palabras clave (hasta 5), el
título en inglés, el abstract acompañado de las keywords, o título en español y el
resumen acompañado de las palabras clave.
Al pie de la página, sin número y con asterisco, colocar títulos de grado
(doctor, licenciado, etc), actividad actual, institución a la que pertenece, y dirección
electrónica de el o los autores.
Los artículos deben estar acompañados de una autorización para publicación
conteniendo el nombre, título del artículo, dirección, teléfono, correo electrónico y
currículum resumido de el o los autores.
En los artículos debe constar, al final, las referencias debiendo estas ser
proporcionales al número de páginas, por lo tanto, entre 10 y 20 autores como
máximo.
El canal de diálogo entre los autores y la editorial es revistadaesg@esg.br y
cadernosdeestudos@esg.br
El ISSN de la revista de la ESG es 0102-1788 y de los Cuadernos de Estudios
Estratégicos 1808-947X
La ESG se reserva el derecho a efectuar, en los originales, alteraciones de
orden normativa ortográfica y gramatical, con vistas a mantener el padrón cultural
de la lengua, respetando, sin embargo, el estilo de los autores. Las pruebas finales
no serán enviadas a los autores.
La ESG cumple todos los derechos de autor, reservados y protegidos por la
Ley n° 9610, del 19 de febrero de 1998. Condicionando su reproducción parcial o
integral a la autorización expresa y las citaciones eventuales a la obligatoriedad de
referenciar la autoría y la revista.
Las opiniones emitidas por los autores de los artículos son de su exclusiva
responsabilidad.
La revista es distribuida gratuitamente, y cada autor recibirá diez
ejemplares.

PARTE II

Visando facilitar la etapa de preparación editorial, fueron establecidos los
siguientes criterios de uniformización que deben ser seguidos por los autores al
elaborar los artículos.
Sobre el uso de:

202
Comillas - solamente para metáforas, transcripciones y citaciones con menos
de tres líneas.
Negrita - únicamente para títulos, tópicos, tablas y gráficos.
Itálica - palabras extranjeras, títulos de libros, periódicos, artículos, tesis, etc,
siempre que aparezcan en el cuerpo del texto. En casos de excepción la letra itálica
debe ser usada para resaltar palabras y expresiones, se sugiere, sin embargo, que
este artificio sea evitado.

• Ilustraciones, tablas, imágenes etc


Insertar figuras y tablas lo más próximo posible al párrafo al cual se refiere,
centralizados en la página, preferentemente, no debiendo pasar de dos, y con los
siguientes formatos, la fuente debe ser tamaño 10 puntos; dividir la tabla en dos
o más, si no entrase en la página; para títulos utilice el estilo: Tabla n°, seguida del
título de la tabla/gráfico (centralizado y en negrita); la fuente de los datos debe ser
indicada, alienando el texto descriptivo con el margen a la izquierda de la Tabla/
Gráfico.
Ejemplo:

Tabla 1- Inscripción en facultades locales

Nuevos alumnos Alumnos de


Instituciones Alteración
universitarios graduación
Universidad Cedar 110 103 +7
Faculdad Elm 223 214 +9
Academia Maple 197 120 +77
Faculdad Pine 134 121 +13
Instituto Oak 202 210 -8

Fuente: EL AUTOR, 2005

• Sumario
Apreciación concisa de los puntos de un documento en espacio simple. El
resumen de un artículo debe contener de 100 a 250 palabras. Las palabras clave
deben figurar enseguida del resumen, separadas entre sí por puntos y finalizadas
también por puntos, con un máximo de cinco palabras. Observar NBR 6028/2003
• Cita de autores en el texto
Un autor: indicación del apellido del autor en mayúsculas, seguido de la
fecha, en caso que la citación sea directa: (BIGNOTO, 2003)
Indicación de dos o tres autores de la misma obra separados por punto y coma,
acompañados de la fecha: (RIECK, LEE, 1948) o (MARTINS; JORGE; MARINHO, 1972).
En la obra con más de tres autores, debe ser mencionado un autor (el primero
o más conocido) seguido de la expresión “et al.”, seguida de la fecha: (JARDIM et
al., 1965).
Cita de trabajos de diferentes autores. Todos ellos son mencionados,
debiendo seguir un orden alfabético o cronológico. Ejemplos: (ATANASIU, 1967;
KING, 1965; LIRONS, 1955; THOMAS, 1973) (LIRONS, 1955; KING, 1965; ATANASIU,
1967; THOMAS, 1973).
Cita de diversos documentos de los mismos autores, publicados en un mismo
año, son distinguidas mediante la colocación de letras minúsculas del alfabeto
luego de la fecha, sin espacio: (CARRARO, 1973a), (CARRARO, 1973b), (VOLKMAN;
GOWANS, 1965a), (VOLKMAN; GOWANS, 1965b).
Coincidencia de autores con el mismo apellido y fecha, colocar las iniciales de
sus nombres: (BARBOSA, N., 1958); (BARBOSA, R., 1980).
Cita de cita: identificar la obra directamente consultada. La expresión latina
apud, significa citado por, conforme, según, de acuerdo con, en sintonía con las
ideas de. Ejemplo: (SILVA apud PESSOA, 1980).
En la cita directa (transcripción), consta, además, la numeración de las
páginas utilizadas, seguidas de coma luego del año. (VOLKMAN; GOWANS, 1965,
p. 35-43).

• Transcripción textual de parte de la obra


La citación, de hasta 3 líneas, debe estar entre comillas dobles. Las comillas
simples son utilizadas para indicar cita en el interior de la cita.
Ejemplo:
De acuerdo con Faria (2003, p. 32), “A esa determinación, Pêcheux la
denomina de ‘formación ideológica’ [...]”.
La cita de más de tres líneas debe ser destacada con una distancia del margen
izquierdo de 4cm, en fuente 10, sin comillas.
Ejemplo:
Marisa y Regina defienden que:

Todo se traduce, transcribe, simplifica, banaliza, complica,


recrea o transfigura. Nada permanece como la primera y
única versión, ni para el autor ni para el lector. Cada lectura,
bien como cada escritura, puede ser simultáneamente,
traducción y re-creación. Quien lee, así como quien escribe,
está simultánea y necesariamente, traduciendo, buscando
significados, recurriendo a significados, en busca de los sonidos
y los sentidos, ritmos y formas, colores y vibraciones. (LAJOLO;
ZILBERMAN, 2011, p. 11).

En supresiones, adiciones y comentarios, se debe utilizar corchetes:


Ejemplo:
“Esta [la cultura humana] sólo se desarrolló porque el hombre tiene la facultad
lingüística por excelencia. Esto es, el hombre necesita de significados para vivir [...]”
Énfasis en trechos de la citación son indicados con la expresión “nota nuestra”
o “nota del autor” entre paréntesis, luego la nota de la cita.
Ejemplo: “El cine es arte, es diversión, es industria y, desde el final del
siglo pasado, encanta a personas de todas las edades” (SILVA, 2000, p. 19, nota
nuestra).
Observación: Si el nombre o el apellido estuvieran dentro de la frase, este
aparecerá solamente con la inicial en mayúscula, sin embargo, si el nombre del
autor fuera citado a parte, deberá ser escrito todo en mayúscula. El número(s) de
la(s) página(s) es obligatorio en caso de transcripción.
Ejemplo:
Bordieu (1996, p. 197) destaca que el “fraude fiscal existe hasta hoy para
mostrar que el impuesto no es legítimo”.
Por tanto, el Estado realizaba investigaciones tales como: la evaluación de los
sargentos en 1194; la enumeración de los carros y de los hombres armados; una
lista de recetas y gastos, en 1221, que hoy puede ser considerada como un embrión
del presupuesto público. Bordieu resalta que:

El Estado concentra la información, que analiza y redistribuye.


Realiza sobre todo, una unificación teórica. Situándose desde
el puto de vista del todo, de la sociedad en su conjunto, él
es el responsable por todas las operaciones de totalización,
especialmente por los censos y por la estadística o por la
contabilidad nacional; por objetivación, por medio de la
cartografía, representación unitaria del alto, del espacio,
o simplemente por medio de la escritura, instrumento de
acumulación del conocimiento (por ejemplo, los archivos)
y de codificación como unificación cognitiva que implica
la centralización y la monopolización en provecho de los
amanuenses o de los letrados.(BOURDIEU, 1996, p.105, nota
del autor).

• Referencias:
El padrón de la ESG está basado en la norma ABNT/NBR 6023. No olvidar que
las referencias son alineadas solamente en el margen izquierdo.
Las reglas generales son las siguientes:
Reglas: 1. Apellido del autor en letras mayúsculas. Coma; 2. Inicial del nombre
del autor o nombre del autor completo. Punto; 3. Título de la obra (en mayúscula
sólo la primer letra de la primer palabra y de los nombres propios) en itálica (sólo
el título, el subtítulo no será destacado). Punto; 4. Número de la edición (a partir de
la segunda) (observar la abreviatura de 2. ed); 5. Lugar. Dos puntos; 6. Nombre de
la editorial sin la palabra editorial. Coma; 7. Año de la publicación. Punto; 8. Página
inicial-final, en el caso en que el libro no haya sido todo usado. Punto.

Ejemplo:
SILVA, F. Como establecer los parámetros de la globalización. 2. ed. São Paulo:
Macuco, 1999
- Cuando hubiere traductor, prefacio o notas:
ALIGHIERI, D. A. La divina comedia. Traducción de Hernani Donato. São Paulo:
Círculo del Libro, 1983.
ASOCIACIÓN BRASILEÑA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023. Información y
documentación: referencias - elaboración. Rio de Janeiro: ABNT, 2000.
- Cuando haya más de un autor, separarlos con punto y coma:
SILVA, F.; FERREIRA, L.P. Internet. São Paulo: Macuco, 2000.
SILVA, F.; CAMPOS, R.S.; FERREIRA, L.P. Globalización en el siglo XXI. São
Paulo: Ática, 2000.
- Libro de serie o colección:
SILVA, F.; Como establecer los parámetros de la globalización. 4. ed. São Paulo:
Ática, 1999. (Serie princípios 29).
- Libros digitales:
ALVES, C. Navío negrero. [S.I]: Virtual Books, 2000. Disponible en: <http:www.
terra.com.br/virtualbooks/port/port/navionegrerio.htm>. Accedida el 5 mar.2015.

• Notas al pie
Las notas al pie (fuente 10, espaciado simple) se destinan a colocar
aclaraciones o hacer consideraciones que no están incluidas en el texto para no
interrumpir la secuencia lógica de la lectura. Tales notas no deben ser usadas en
forma desproporcionada y no deben tener más de cinco líneas. Estas deben quedar
al final de cada página, e no al final del artículo.
Ejemplo:
El alcohol en las bebidas surge a partir de la fermentación51 de los cereales,
para fabricación de las mismas. Las personas beben para relajarse o hasta para
estar más felices y no saben cuáles son las reacciones² de nuestro organismo en
relación al alcohol. Según Robaina52, “todo este material a base de alcohol utilizado
diariamente, no nos advierte en cuanto a su uso”.

51 Las bebidas alcohólicas que son producidas a través de la fermentación son champagnes,
cervezas y los vinos, y las bebidas producidas a través de fermentación y destilación son las
aguardientes, whisky y coñac.
52 Como los alcoholes en las bebidas son de carácter básico leve, ellos irán a reaccionar cuando
ingresen en el estómago, pues este contiene gástricos ácidos. En el caso del hígado, hay una
intoxicación hepática.
Esta revista foi impressa na gráfica da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
Fortaleza de São João - Av. João Luís Alves, s/n - Urca - Rio de Janeiro - RJ
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ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

A Escola Superior de Guerra - ESG - criada pela Lei nº. 785, de 20 de


agosto de 1949, é um instituto de altos estudos, subordinado diretamente ao
Ministro de Estado da Defesa, e destina-se a desenvolver e consolidar os
conhecimentos necessários para o exercício das funções de direção e para o
planejamento da segurança e defesa nacionais.
Para tanto, dedica-se aos estudos sobre política e estratégia, em
especial nas áreas da segurança e da defesa.
Atuando como centro permanente de estudos e pesquisas, compete-
lhe, ainda, ministrar os cursos que forem instituídos pelo Ministério da Defesa.
Esta Escola está localizada na área da Fortaleza de São João, no bairro
da Urca, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. A Fortaleza – foi construída em 1565, a
pedido de Estácio de Sá, na várzea entre os morros Cara de Cão e Pão de
Açúcar – e marca a fundação da cidade do Rio de Janeiro.

Revista da Escola Superior de Guerra


Av. João Luís Alves, s/nº
Fortaleza de São João - Urca
22291-090 - Rio de Janeiro - RJ

0102-1788

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