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Eca de
I
uelros escrito O Primo Bazílio seguindo o modelo da
Bovary, ao qual obedeceram todos os grandes
romances de adultério do século XIX, da Ana
Te o l i n d a G e rs ã o Karenina de Tolstoi à Effi Briest de Fontane (este
último romance já quase no virar do século, em
1 895) , Eça retoma o tema de um ângulo com
HÁ TRÊS COISAS QUE SEMPRE AGRADECEREI A pletamente diferente em Alves & Ca. :
Eça de Queirós: a primeira é o enorme prazer Pela primeira vez uma história de adulté
que a sua leitma me proporciona, sobretudo rio feminino não termina com o suicídio nem
pela forma espectacular (no sentido literal do com a morte da personagem devido a uma
termo) com que põe em cena uma sociedade e doença que é a somatização da culpa e a sua
uma época. Diferentemente de outros grandes necessária expiação, e tem, pelo contrário, um
escritores em quem essa qualidade não surge, final feliz. Pela primeira vez num romance de
Eça tem o sentido da acção, do acontecer no adultério o tema central não é a relação
momento, do espectáculo, do lado teatral da intensa e proibida entre a mulher e o amante:
vida e do mundo. (Não é por acaso que o teatro a carga erótica situa-se sobretudo na perso
e a ópera ocupam um lugar tão grande nos seus nagem de Godofredo em relação a Ludovina e
livros, para além de outros «palCOS» mais res o romance de adultério converte-se numa
tritos, de jantares, concertos e salões privados.) história de amor conjugal. Assistimos (numa
E também não é por acaso que mesmo os seus perspectiva irónica e quase bmlesca) à capi
romances mais longos nunca perdem o ritmo tulação dos grandes princípios perante o
nem a tensão dramática: Eça é um enorme desej o pequeno- burguês de felicidade
«encenador», com tudo o que de arquitectma doméstica. Claro que o amor de Godofredo
e visualização esse papel comporta. por Ludovina não é separável do amor ao seu
A segunda coisa que lhe agradeço é ter-se próprio conforto e o perdão ao amante não é
tornado um traço de união entre o Brasil e Por separável da vantagem que este traz ao flores
tugal. O Brasil adoptou-o como «seu», sem cimento da empresa. A risível «mesquinhez»
esperar uma reciprocidade - que não houve - da vida burguesa é um dos olhares possíveis -
da nossa parte (em relação por exemplo a mas o texto permite múltiplos olhares, que
Machado de Assis) . Eça tornou-se um patrimó não é aqui o lugar de analisar em pormenor.
nio comum e estou em crer que é hoje mais lido Em todo o caso, a Bovary foi ultrapassada,
do lado de lá do que lado de cá do Atlântico. e Eça fixa simplesmente a vida, tal como é.
O terceiro motivo pelo qual lhe estou grata Acredito que não teve intenção de escrever
é pela sua profunda compreensão do ser um livro de ruptura com a mentalidade da
humano. É também por essa qualidade que a época (desde logo porque, se fosse esse o caso,
sua obra não envelhece - mesmo que a socie o autor o teria publicado em vida, e o livro não
dade que ele retrata tenha em parte desapare teria ficado inédito até 1 925) .
cido (só em parte, porque ainda não consegui De qualquer modo, a ruptura está lá. O
mos livrar-nos, entre outros, dos conselheiros livro fala por. si, agora que passou mais de um
Acácios) . Como sempre acontece com as gran século sobre a sua escrita - um século que em
des obras, também a de Eça vai à frente do seu lugar de o afastar o aproximou de nós. Eça é um
tempo. Assim, por exemplo, depois de ter autor da sua época - mas também da nossa.
ICJ/�wllalho.)
Eca Estético e
I
Político
U r b a n o Ta v a r e s R o d r i g u e s
EÇA DE QUEIRÓS É, PARA MIM,ACIMA D E TUDO, O Abranhos, o Dâmaso Salcede, o Acácio. Nem
supremo ironista da nossa literatura moderna a crítica ao clero e ao mundo beatério, ao seu
e o renovador da língua literária. Desprezando egoísmo e às suas superstições.
a retórica romântica, ignorando mesmo o por Os Maias é um romance prodigioso, onde
tuguês clássico e vernáculo que encontramos cabem o romanesco e o satírico, teorias sobre
no Padre António Vieira ou em D. Francisco a educação e o gosto, o ideário socialista
Manuel de Melo e que vai dar a Aquilino e a Tei proudhoniano, o amor e a sedução, a boçali
xeira Gomes, soube criar uma escrita plástica, dade lusitana nesse e noutros domínios e,
luminosa, mais oral e até poética, com base em . para além da constante vivacidade e beleza
extensões de sentido e múltiplas conotações, verbal, uma harmoniosa e trabalhada arte de
hipálages, metáforas e metonímias, isto é, construção da narrativa.
recursos do estilo impressionista, muito prati Também gosto do último Eça, o de A
cado pelos seus mestres franceses, especial Cidade e as Serras e de A Ilustre Casa de Rami
mente Flaubert e Maupassant. res, de Vidas de Santos, aquele, já politica
É claro que não esqueço o empenho pro mente desiludido ou acomodado, que se volta
gressista de Eça na crítica da sociedade bur para a suavidade de certos mitos cristãos,
guesa conservadora, o retrato caricatural dos revertendo à cultura da infância, e ganha um
oportunistas, dos ricaços impantes, dos apuro estético que o coloca, na invenção ver
manobradores da finança, dos parvos senten bal e na música da frase, entre os mais notá
ciosos e reaccionários, como o Gouvarinho, o veis prosadores do mostruário europeu.
Sobre e lugares do Mundo. O mesmo se não pode
dizer do seu génio de escritor - que obvia
mente só a ele pertence. Não podendo nós rei
Breakfast
P o s s i d ó n i o Ca c h a p a