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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA


BACHARELADO EM ENFERMAGEM

MONIQUE FRANÇA CARNEIRO

ABORTO PROVOCADO E MULHERES TRABALHADORAS:


PERCEPÇÃO DE ENFERMEIRAS

Salvador – Ba
2009
MONIQUE FRANÇA CARNEIRO

ABORTO PROVOCADO E MULHERES TRABALHADORAS:


PERCEPÇÃO DE ENFERMEIRAS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado à disciplina Seminário
Integrado, como requisito de avaliação e
obtenção de título de Bacharel em
Enfermagem pela Universidade do
Estado da Bahia – UNEB.

Orientadora: Profª. Enfª. Msc. Maria da


Conceição Rivemales.
Co-orientadora: Fgª. Msc. Renata
Mallet Guena

Salvador – Ba
2009
FICHA CATALOGRÁFICA – Biblioteca Central da UNEB
Bibliotecária: Jacira Almeida Mendes – CRB: 5/592

Carneiro, Monique França


Aborto provocado e mulheres trabalhadoras: percepção de enfermeiras /
Monique França Carneiro. - Salvador, 2009.
86f.

Orientadora: Maria da Conceição Costa Rivemales.


Co-orientadora : Renata Mallet Guena.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade do Estado da
Bahia. Departamento de Ciências da Vida. Colegiado de Enfermagem. Campus
I. 2009.

Contém referências, apêndices e anexos.

1. Aborto. 2. Aborto - Legislação - Brasil. 3. Enfermeiros e pacientes. 4.


Mulheres trabalhadoras - Aspectos sociais. I. Rivemales, Maria da Conceição
Costa. II. Guena, Renata Mallet. III. Universidade do Estado da Bahia,
Departamento de Ciências da Vida.

CDD: 363.46
MONIQUE FRANÇA CARNEIRO

ABORTO PROVOCADO E MULHERES TRABALHADORAS:


PERCEPÇÃO DE ENFERMEIRAS

Trabalho de Conclusão de Curso de graduação em Enfermagem apresentado ao


Departamento de Ciências da Vida e ao Colegiado de Enfermagem da Universidade
do Estado da Bahia, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em
Enfermagem, tendo sido aprovado pela Banca Examinadora abaixo.

Salvador, 30 de março de 2009.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________
Profª. MSc. Maria da Conceição Costa Rivemales
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

________________________________________
Profª. MSc. Mary Lúcia Souto Galvão
Universidade do Estado da Bahia

________________________________________
Profª. MSc. Patrícia Figueiredo Marques
Universidade Federal da Bahia
“Quem, melhor que os oprimidos, se encontrará preparado
para melhor entender o significado terrível de uma sociedade
opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da
opressão? Quem, mais que eles, para ir compreendendo a
necessidade da libertação? Libertação a que não chegarão por
acaso, mas pela práxis de sua busca; pelo conhecimento e
reconhecimento da necessidade de lutar por ela. Luta que,
pela finalidade que lhe derem os oprimidos, será um ato de
amor, com o qual se oporão ao desamor contido na violência
dos opressores, até mesmo quando esta se revista da falsa
generosidade referida”.

Paulo Freire.
Dedico este trabalho a todas e todos que
mantém acesa a chama da esperança e da
luta por uma sociedade justa, humana e
digna, pelo fim das opressões e das
injustiças, pela Revolução Socialista.
AGRADECIMENTOS

Este trabalho não seria possível sem a participação de diversas pessoas, que
com sua colaboração, em diferentes momentos, possibilitaram que este se tornasse
realidade. Creio ter sido um desafio para muitas das pessoas envolvidas na
concretização da pesquisa ter escolhido trabalhar com esta temática, a qual envolve
ainda muita polêmica, tabus, preconceitos e incompreensões, ainda mais numa
realidade objetiva onde a academia, em sua estrutura bancária de ensino, pouco
possibilita o seu aprofundamento e a construção de práticas diferenciadas, inclusive
no concernente à produção de conhecimento.

Agradeço a Deus e a minha família, em especial aos meus pais Marília e José,
pelo amor, carinho e pelos momentos de apoio e força imensuráveis. Obrigada por
acreditarem em mim e me trazerem conforto nas horas em que mais precisei.

À Yuri, muito mais que camarada e amigo em todas as horas. Muito obrigada
pelo suporte, pelo apoio, pelo amor e carinho dados, por confiar em mim mais do
que eu mesma e fazer dos meus dias sempre mais felizes.

À Conceição Rivemales, Renata Guena e Sandra Portela, meu agradecimento


pela sensibilidade, eficiência e dedicação na orientação e, além de tudo, pelo
incentivo e confiança no sucesso deste trabalho.

Às professoras Mary Galvão, Tânia Bispo e Patrícia Marques, por terem aceitado
compor a banca examinadora e pelas valiosas contribuições que deram à pesquisa.
Também aos professores da UNEB, para os quais tenho um carinho especial.

Ao movimento estudantil, que possibilitou o entendimento do mundo para além


do óbvio, do trivial, do senso comum. Por ter me feito despertar a consciência e
entrelaçar minha vida à luta pelo socialismo. Agradeço especialmente aos
camaradas do DAEn UNEB, da ENEEnf, do extinto Coletivo CAUS, e dos
companheiros do Campus I, com quem criei um vínculo de luta e para além da
amizade.

Às colegas (e amigas), obrigada pela acolhida, por todo o afeto e amizade que
desenvolvemos ao longo do tempo.
Aos amigos, obrigada pela lembrança, carinho e incentivo. Próximos ou
distantes, vocês fizeram e fazem parte do que sou hoje, agradeço por tudo que
vivemos e viveremos.

Agradeço a todos aqueles que de forma direta ou indireta contribuíram para que
esse trabalho fosse concretizado. Todos vocês são parte dessa realização.
RESUMO

O presente trabalho é resultante de uma pesquisa qualitativa de campo, descritiva e


exploratória, que objetivou compreender o significado da prática do aborto
provocado, no contexto da opressão à mulher, na perspectiva de enfermeiras.
Foram realizadas 8 entrevistas através de roteiro semi-estruturado, com enfermeiras
que atuam por no mínimo um ano em casos de abortamento provocado, atuantes no
centro obstétrico de hospital público de Salvador – Bahia, além de ter sido feita
observação não-participante e anotações em diário de campo. Os depoimentos
obtidos foram submetidos à técnica de análise de conteúdo temática proposta por
Bardin (1994). A maioria apontou que o aborto é feito por mulheres jovens e de
maneira recorrente. Dificuldade de acesso às informações e métodos
contraceptivos, trabalho e renda precários, relacionamento instável e falta de apoio
familiar foram apontados como os principais motivos pelos quais as mulheres
abortam. A maioria declarou-se contrária ao aborto, por influência de convicções
religiosas ou morais, compreendendo o aborto enquanto crime ou pecado. Os
significados predominantes refletiram-se na assistência, resultando numa prática
focada na atenção clínica em detrimento da abordagem aos aspectos emocionais e
sociais que envolvem a prática do aborto. Diante do exposto, é necessário realizar
mudanças na organização do trabalho de Enfermagem, bem como compreender a
prática do aborto para além do agravo à saúde das mulheres, localizando-a em meio
à luta pela superação da matriz social que a sustenta enquanto problema.

Palavras-chave: Aborto provocado. Ilegalidade do aborto. Significados das


enfermeiras. Mulheres trabalhadoras.
ABSTRACT

This studying is a result of a qualitative, descriptive and exploratory field research


that had a goal of comprehending the meaning of induced abortion, in the context of
oppression to women, in the perspective of nurses. It was interviewed 8 nurses that
work at least one year in cases of induced abortions, in a obstetric center of a public
hospital of Salvador – Bahia, using a semi-structured interview, non-participating
observation and note in a field diary. The testimonials were submitted to the thematic
content analysis technique (BARDIN, 1994).The majority related that the abortion is
practiced by young women and did frequently. Difficult in access to information and
contraceptives methods, precarious workings and income, volatile relationship and
no familiar support was the mean reasons because the women aborts, according to
the nurses. Most of nurses interviewed declared themselves against the abortion,
according their religious or moral conviction, comprehending the abortion as a crime
or a sin. The predominant meanings reflected itself in the assistance, resulting in a
focused practice of clinic health care instead of show the emotional and social
aspects that involve the abortion. Face to the exposed, we conclude that is
necessary make changes in the organization of Nursing’s working, as well,
understanding the practice of aborting beyond the injures to the health women,
locating inside of fights to suppurate this social matrix that support it while a problem.

Keywords: Induced abortion. Illegality of abortion. Nurse’s meaning. Working


women.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 11

2 OBJETIVOS 15

2.1 Objetivo Geral 15


2.2 Objetivos Específicos 15

3 JUSTIFICATIVA E CONTRIBUIÇÕES 16

4 A MULHER E A OPRESSÃO NA HISTÓRIA DA SOCIEDADE DE CLASSES 19

4.1 A mulher e as sociedades primitivas: o surgimento da família 19


patriarcal
4.2 O capitalismo e a condição oprimido-explorada da mulher 21

5 O ABORTAMENTO E A SOCIEDADE DE CLASSES: ALGUNS 23


ELEMENTOS QUE PERPASSAM POR ESTA PRÁTICA SOCIAL
5.1 Abortamento enquanto prática social: interferência da religião e do 23
estado sobre a reprodução humana
5.2 O capitalismo e seus impactos na classe trabalhadora: a reprodução 26
humana e a prática do aborto no contexto do capital
5.3 O abortamento hoje: legalidade, saúde da mulher trabalhadora e 28
outros aspectos relevantes
5.4 Aborto provocado e Enfermagem: sentidos e valores que perpassam 33
pela assistência

6 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA 36

6.1 Tipo da pesquisa 36


6.2 Local de pesquisa 37
6.3 Sujeitos de pesquisa 38
6.4 Aspectos éticos 38
6.5 Coleta do material de pesquisa 39
6.6 Análise do material coletado 41

7 COMPREENDENDO A PRÁTICA DO ABORTO SOB A PERSPECTIVA DAS 43


ENFERMEIRAS

7.1 Descrevendo o contexto do aborto sob o olhar das enfermeiras 44


7.2 O aborto, a moral e a ilegalidade: revelando significados 50
7.3 O significado que se traduz na prática da atenção 58

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS 69

REFERÊNCIAS 73

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO 80

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA 82

APÊNDICE C – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO NÃO-PARTICIPANTE 83

ANEXOS 84
11

1 INTRODUÇÃO

De acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL, 2005, p. 22), abortamento é “a


interrupção da gravidez até a 20ª-22ª semana e com produto da concepção pesando
menos que 500g”, e quando já se considera este produto inviável no momento da
interrupção dos vínculos fisiológicos que o ligam ao corpo da mãe. A partir destes
critérios, é considerado “aborto” o produto dessa interrupção, numa situação onde há,
segundo Silva e Silva (2004, p. 5), “pouca ou nenhuma chance de sobrevivência fora do
organismo materno”. Para designar esse processo, tanto na literatura quanto no senso
comum, podem-se utilizar ambos os termos.

Rezende (1974, p. 505) diferencia o abortamento (denominado também como


interrupção prematura da prenhez, ou IPP) enquanto espontâneo ou provocado, sendo
o segundo resultante “da interferência intencional da gestante, do médico ou de
qualquer outra pessoa”. Ainda segundo o autor, essa diferenciação reside “na intenção
e não no objeto”, já que ambos possuem os mesmos processos fisiológicos e resultam
ao final do processo, segundo o autor, na expulsão do produto da concepção antes de
sua vitabilidade.

O abortamento provocado não é um fenômeno recente na histórica da humanidade,


tampouco sempre considerado como sacrilégio, imoralidade ou crime. Há vários
indícios e provas documentais de sua realização na maioria dos povos da antiguidade
em diversas partes do mundo, porém com justificativas, finalidades e significados
próprios de cada povo, o que permite caracterizar o aborto enquanto uma prática social.
Mesmo nas civilizações onde essa prática era proibida, o abortamento ainda era
freqüentemente realizado, na maioria dos casos deixando de ser punido ou até mesmo
sendo admitido (MEIRA; FERRAZ, 1989; SCHOR; ALVARENGA, 1994).

Além disso, interesses relacionados ao sistema econômico e político foram


determinantes no modo como a sociedade de cada época se relacionava com a prática
do abortamento. O Estado e a Igreja, principalmente a Católica, influíram de forma
12

direta ou indireta na regulação da natalidade dos trabalhadores de acordo com a


necessidade apresentada para a manutenção da ordem vigente da dominação de
classe, adotando posturas complacentes ou repressoras em relação ao aborto e ao
controle do corpo e da sexualidade das pessoas, em especial das mulheres
(FONSECA, 1995).

No Brasil, o abortamento provocado constitui crime contra a vida, de acordo com os


artigos 124 a 128 do atual Código Penal, formulado em 1940 (ainda na Era Vargas). De
acordo com a lei, está prevista pena tanto para a gestante que pratica o auto-aborto
quanto para o terceiro que realizá-lo, com ou sem consentimento desta, sendo maior a
penalidade aplicada neste último caso. A lei somente não prevê punição para o
abortamento realizado por médico, e em dois casos específicos: quando não há outro
meio de salvar a vida da gestante – chamado de aborto terapêutico – ou quando a
gravidez é decorrente de estupro, através de consentimento da mulher ou de seu
representante legal – denominado de aborto sentimental (BRASIL, 1940).

A ilegalidade do aborto não é restrita ao Brasil, mas experimentada em diversas


partes do mundo, assim como a sua prática. Estudos apontam a relação direta entre a
ilegalidade e a exposição da mulher aos procedimentos inseguros de interrupção da
gravidez, o que traz diversos riscos e danos à saúde feminina, incluindo a possibilidade
de morte decorrente de complicações do processo de abortamento mal procedido
(SORRENTINO, 2003). Sendo assim, pode-se afirmar que a condução insegura do
aborto tem sido um grave problema de saúde pública no país.

Diversos estudos revelam uma maior ocorrência da prática abortiva nas camadas
mais pobres da população (FONSECA et al, 1996; LIMA, 2000; ADESSE; MONTEIRO,
2007), portanto pertencentes à classe trabalhadora. Antunes e Alves (2004) definem a
classe trabalhadora enquanto “seres sociais [homens e mulheres] que vivem da venda
de sua força de trabalho, que são assalariados e desprovidos dos meios de produção”
(p. 343), incluindo-se aqui os trabalhadores desempregados, os prestadores de serviço,
trabalhadores informais e o trabalho em domicílio, entre outros, os quais são explorados
através da mais-valia durante o processo de trabalho.
13

Por estarem em condições de renda e vida menos favorecidas, não resta às


mulheres da classe trabalhadora alternativa, para atendimento hospitalar dos casos de
abortamento, senão através dos serviços da rede pública. É nesse local onde se
encontra a categoria de trabalhadores de enfermagem – segundo a caracterização de
Antunes e Alves (2004) sobre a classe trabalhadora – a qual lida diretamente com as
mulheres que dão entrada no serviço de saúde com quadro de abortamento.

Enquanto seres ou sujeitos sociais, tanto as mulheres trabalhadoras que recorrem


ao aborto provocado quanto as enfermeiras (também mulheres trabalhadoras, que
prestam serviços de saúde e lidam diretamente com esta prática) vivenciam o contexto
de uma sociedade construída sobre a base da luta histórica entre classes antagônicas.
Essas relações de disputa transformam a realidade tanto no campo material quanto no
campo dos conceitos, construções, significados, já que a percepção sobre o mundo e a
relação do sujeito com este e com outros sujeitos é determinada pelas condições
sociais e culturais nas quais eles estão inseridos (MINAYO, 1999; MARX; ENGELS,
2006).

Ao mesmo tempo, através de uma análise da realidade que tenha como centro a
histórica luta entre as classes, e admitindo a dialética enquanto elemento fundante para
análise da realidade material e subjetiva socialmente construída, pode-se afirmar que a
prática dos sujeitos sobre a realidade está intrinsecamente relacionada às suas
construções, significados e percepções, as quais derivam da própria realidade da qual
fazem parte (MINAYO, 1999; MARX; ENGELS, 2006).

Considerando o exposto anteriormente, e os seguintes elementos: as enfermeiras


enquanto trabalhadoras que atuam diretamente sobre o cuidado à mulher que procura
atendimento de saúde decorrente da realização de abortamento; a atual situação de
ilegalidade na qual está inserida a prática do aborto no Brasil; a inerência dos
significados dos sujeitos sobre as suas ações; a condição de mulher e trabalhadora na
qual está situada a enfermeira, o que a faz explorada (através da mais-valia gerada no
modo de produção capitalista) e oprimida (pelas relações de gênero e outras), assim
como a mulher que provocou aborto, levanta-se a questão: qual o significado atribuído
14

pelas enfermeiras sobre o aborto provocado, no contexto da opressão à mulher


trabalhadora?

A partir deste problema inicial, outras questões necessitam ser respondidas, para a
compreensão do todo no qual está presente esta problemática: quais significados as
enfermeiras têm sobre a prática do aborto? Como elas relacionam a prática do aborto à
ilegalidade atualmente atribuída? Como percebem a influência da opressão à mulher
trabalhadora na prática abortiva?

Sendo assim, surgiu o interesse em pesquisar a respeito das construções das


enfermeiras acerca da problemática do abortamento provocado, tendo como subsídio a
análise sobre a opressão feminina relacionada àquela prática, no contexto da
sociedade de classes. Assim, o estudo propõe-se a realizar uma análise histórico-
sociológica a respeito do abortamento provocado, partindo das concepções geradas por
enfermeiras (mulheres trabalhadoras que atuam no cuidado de outras mulheres
trabalhadoras) que lidam com esta prática.
15

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

− Compreender o significado da prática do aborto provocado, no contexto da


opressão à mulher, na perspectiva de enfermeiras.

2.2 Objetivos Específicos

− Conhecer os significados da prática do aborto na perspectiva das enfermeiras.

− Descrever os elementos que contribuíram ou não para a realização do aborto, na


visão de enfermeiras.

− Relacionar os significados atribuídos ao aborto pelas enfermeiras com a


assistência prestada à mulher em situações de abortamento provocado.
16

3 JUSTIFICATIVA E CONTRIBUIÇÕES

Esta pesquisa foi pensada a partir da necessidade de compreender o entendimento


a respeito da prática do aborto provocado, sob o contexto da opressão feminina, na
visão de enfermeiras, tendo como base a leitura acerca da sociedade de classes. A
superficialidade com a qual o tema é debatido no cotidiano abre espaço para a
construção de conceitos a respeito da prática do aborto e do sujeito que a pratica –
geralmente, mulher da classe trabalhadora – que não abordam como elemento central
nessa análise as contradições objetivas e subjetivas que a estrutura capitalista de
produção da vida material impõe sobre ela.

Essas contradições são claramente perceptíveis quando elementos como os


seguintes se chocam: as impossibilidades das condições sócio-econômicas em fornecer
meios básicos de vida digna aos possíveis filhos e o desejo de ser mãe; a obrigação
social, moral e legal em ter um filho e o controle da mulher sobre o próprio corpo, dentre
outros aspectos que colocam a mulher em situação de opressão e cerceamento de
suas escolhas.

Completando esse quadro, a ilegalidade atribuída atualmente ao abortamento tem


sido relacionada à condução insegura dessa prática, o que resulta em diversos casos
de complicação clínica e risco de morte à mulher. Sendo assim, a discussão torna-se
bastante ampla, abrangendo aspectos que vão desde as questões de saúde até
determinantes econômicos, políticos, culturais e ideológicos envolvidos.

Nos últimos meses de 2007, o debate sobre a descriminalização do aborto foi


reacendido no Brasil através da discussão no âmbito do Congresso Nacional, o que
provocou reações em diversos setores da sociedade, como a esfera governamental, a
Igreja, os movimentos feministas e sociedade civil. Outro fato recentemente ocorrido,
que coloca a necessidade da discussão, foi o veto de setores católicos ao debate sobre
a descriminalização da prática na XIII Conferência Nacional de Saúde, ocorrida em
Brasília entre 15 e 18 de novembro do mesmo ano (SOUZA, 2007).
17

Para além das discussões em âmbito institucional, o recente drama de uma menina
pernambucana de apenas nove anos de idade, estuprada desde os seis pelo padrasto
e grávida de gêmeos deu maior visibilidade à temática. Excomungada por um bispo
juntamente com sua mãe e a equipe de saúde que realizou o aborto na menina, o caso
dividiu a opinião pública e suscitou o debate sobre como a proibição legal do aborto fere
a dignidade e os direitos das mulheres, e sobre como a Igreja Católica tem sido
inflexível com relação à questão em nome da manutenção de suas doutrinas religiosas
(CASO..., 2009).

O interesse pela temática também foi reforçado pela aproximação com as mulheres
trabalhadoras em situação de abortamento provocado durante a realização de disciplina
voltada à Saúde da Mulher, durante a graduação. As discussões acerca do aborto
suscitaram bastante polêmica em sala de aula, porém a prática de campo acabou por
não contar com uma atuação que oferecesse suporte experimental aos resultados da
discussão obtida, priorizando e tornando exclusiva a atenção à gestante e à puérpera e
colocando a atenção de Enfermagem à mulher que abortou num patamar secundário.

Por lidar diretamente com o cuidado a essas mulheres, através de um corpo de


trabalhadores de saúde predominantemente feminino, a Enfermagem aparece nesse
contexto como importante campo a ser explorado a respeito dessas questões.
Conhecer a percepção que essas trabalhadoras têm sobre a prática abortiva e a
relação que fazem disto com a opressão feminina possibilita compreender sob quais
concepções estão baseados o discurso e a prática dessas trabalhadoras sobre o tema,
enquanto sujeitos históricos e sociais permeados pela realidade em que vivem.

Nesse sentido, colaborou-se com a construção de uma abordagem sociológica,


pondo as relações produtivas e a luta de classes na determinação da opressão
feminina no centro do entendimento dos elementos relacionados à prática abortiva,
contribuindo assim com o debate de gênero e a organização das mulheres em torno da
defesa e conquista dos direitos, incluindo os direitos reprodutivos. A pesquisa também
pode ser utilizada como subsídio teórico para a formulação de estratégias que
contribuam para a melhoria do problema, como por exemplo, no planejamento familiar
18

mais efetivo e integrando à prática consciente e segura do abortamento, em último


caso.
19

4 A MULHER E A OPRESSÃO NA HISTÓRIA DA SOCIEDADE DE CLASSES

4.1 A mulher e as sociedades primitivas: o surgimento da família patriarcal

Toledo (2005) afirma que, mesmo não trazendo o ponto exato do surgimento da
opressão à mulher no curso do desenvolvimento das relações sociais, o estudo
antropológico das sociedades primitivas foi importante para desmistificar a aparente
naturalidade da posição inferior da mulher em relação ao homem. Através da
associação desses estudos com a teoria econômica, filosófica e política de base
materialista de Marx e Engels, pode-se fazer a correlação entre a atribuição do papel
social da mulher na família e as condições materiais sobre as quais as sociedades de
cada época se organizavam para garantir sua sobrevivência.

De acordo com a concepção materialista da história, o trabalho é o elemento central


no desenvolvimento da humanidade, o que fica claro na afirmação de Engels (1995, p.
2): “o fator decisivo na história da humanidade é, em última instância, a produção e a
reprodução da vida imediata”. A partir da necessidade de trabalhar coletivamente para
garantir os meios de sua sobrevivência, o homem desenvolveu a linguagem e seu
corpo, as técnicas para essa produção, a organização do processo de produção e as
diversas relações sociais (ENGELS, 1876 apud ANTUNES, 2005).

As sociedades antigas eram nômades, organizadas em tribos e viviam da coleta de


frutos e sementes através do trabalho coletivo entre todos os membros da tribo. A todos
também cabia o cuidado com as crianças, e não só à mulher primitiva, ao contrário do
que nos reafirma a organização familiar patriarcal acerca da atualidade (TOLEDO,
2005; NARVAZ; KOLLER, 2006). Nessas sociedades, de organização coletivista do
trabalho, não havia ainda a noção de propriedade privada.

Ainda na era primitiva, o ser humano passa a exercer maior domínio sobre a
natureza (desenvolve a agricultura, a domesticação de animais e o uso do fogo na
20

produção de utensílios e alimentos), fixando-se num determinado território. Estas


transformações inerentes à produção de sua existência abriram precedentes à origem
da propriedade privada, que aliada à monogamia permitiu o controle do homem sobre
os bens produzidos no âmbito de sua tribo e de sua gens, através da formação de prole
(herdeiros) proveniente de uma única mulher. Nasceu assim o patriarcado, “uma nova
ordem social centrada na descendência patrilinear e no controle dos homens sobre as
mulheres” (NARVAZ; KOLLER, 2006, p. 50).

Para Engels, com o patriarcado e o domínio sobre a mulher,

O homem apoderou-se também da direção da casa; a mulher viu-se degradada,


convertida em servidora, em escrava da luxúria do homem, em simples
instrumento de reprodução. Essa baixa condição da mulher [...] tem sido
gradualmente retocada, dissimulada e, em certos lugares, até revestida de
formas de maior suavidade, mas de maneira alguma suprimida (ENGELS, 1995,
p. 61).

Assim sendo, as relações entre homens e mulheres passaram por imensas


alterações, tanto no âmbito da organização do trabalho como na vida social,
aprofundando-se a divisão sexual do trabalho. Podemos dizer que a mulher sofreu um
processo de apropriação, assim como a terra e os animais domesticáveis (e mais
posteriormente, outros homens: escravos, prisioneiros, estrangeiros, etc.), no momento
em que os homens passaram a ser os detentores da produção e provedores dos
principais meios de existência (ENGELS, 1995; TOLEDO, 2005).

Com essas observações, pode-se inferir que a forma patriarcal de organização


familiar – hegemônica no atual modo de produção capitalista – não é intrínseca à
natureza humana (ENGELS, 1995; TOLEDO, 2005). A posição subalterna da mulher na
família e na sociedade em geral (traço marcante das sociedades patriarcais) não foi
determinada pelas características biológicas e culturais atribuídas àquela, mas tem sua
origem relacionada às mudanças históricas nas formas de organizar o atendimento às
necessidades de sobrevivência e reprodução dos seres humanos (NARVAZ; KOLLER,
2006).
21

4.2 O capitalismo e a condição oprimido-explorada da mulher

A partir da história exposta foram lançadas as premissas para a formação da


sociedade de classes, baseada na dominação de uma pequena parcela da sociedade
que detém os meios de produção da existência material sobre o restante das pessoas,
as quais se vêem obrigadas a vender sua própria força de trabalho para garantir a
sobrevivência, através da exploração do trabalho. A relação de luta entre essas
classes, antagônicas, foi responsável por desenhar a história da humanidade tal qual
ela se apresenta hoje, fazendo surgir novos modos de interação entre os homens e de
enxergar o papel da mulher dentro de cada contexto social.

Dois clássicos exemplos de como a mudança na forma de produzir e sociabilizar


essa produção alterou a relação entre os seres humanos (e o papel da mulher na
sociedade) foram: a passagem do modo de produção feudal para o capitalismo, que
extinguiu as velhas relações entre senhores feudais, vassalos, mestres de corporação,
oficiais e servos e que possibilitou o surgimento da burguesia (patronado) e da classe
trabalhadora, classes antagônicas marcadas pela relação de exploração do trabalho
alheio da primeira sobre a segunda; e a entrada maciça da mulher na produção fabril,
incrementando as relações de produção e alterando de certa forma seu papel na família
e a própria família (TOLEDO, 2005; TORRES, 2006; MARX; ENGLES, 2006).

A entrada da mulher no mundo do trabalho formal gerou profundas alterações na


forma como os homens constroem e reproduzem a vida cotidiana. Scott (1994), citado
por Torres (2006, p. 4), afirma ser “evidente que a mulher trabalhadora já existia muito
antes do advento do capitalismo industrial”, porém podemos perceber claramente as
repercussões que a entrada desta causou no mundo do trabalho, de forma mais
expressiva durante a Revolução Industrial. Ao longo deste período, a mulher
trabalhadora foi utilizada como força de trabalho barata e desqualificada, situação
justificada pela hipótese da inferioridade biológica (física e intelectual) da mulher
(TOLEDO, 2005).
22

A partir desta classificação, podemos caracterizar um pouco melhor quem é a


mulher da classe trabalhadora, a qual se localiza numa situação de trabalho marcada
por algumas tendências, ainda de acordo com Antunes e Alves (2004): é feminina a
fatia de trabalhadores que sofre o maior peso da exploração, precarização do trabalho e
da retirada maciça de direitos; nos setores onde se remunera menos predomina o
trabalho feminino; as mulheres atuam mais em atividades de trabalho intenso, ao
contrário dos homens, que se concentram em atividades que exijam maiores condições
intelectuais ou de capital intenso.

Essa situação mostra claramente sob quais condições está enquadrada a mulher
trabalhadora da atualidade: divisão sexual do trabalho reforçada, em concomitância a
uma situação de desvalorização do trabalho feminino e de super-exploração da sua
força de trabalho, sujeitando-a a uma condição social subalterna e reforçando as bases
da sociedade excludente e opressora.

Além dos típicos exemplos de opressão citados anteriormente, podemos destacar


segundo Toledo (2005) a permanência da mulher trabalhadora com salários mais
baixos que o dos homens, o pouco reconhecimento de profissões determinadas como
femininas (professora, empregada doméstica, enfermeira, entre outros), o atraso no
direto ao voto e aos direitos trabalhistas, a dupla jornada de trabalho (onde além do
emprego formal, ainda exerce a função de dona-de-casa) e a dominação sobre seu
corpo e sexualidade, abordada neste trabalho sob a perspectiva do abortamento
provocado.
23

5 O ABORTAMENTO E A SOCIEDADE DE CLASSES: ALGUNS ELEMENTOS QUE


PERPASSAM POR ESTA PRÁTICA SOCIAL

5.1 Abortamento enquanto prática social: interferência da religião e do estado


sobre a reprodução humana

A prática do aborto foi observada e registrada em diversos povos da Antiguidade e


nas sociedades antigas em geral, a exemplo da China, Grécia e Roma (até antes do
surgimento do Império romano), sendo que naquela época, contava com uma razoável
aceitação social (MEIRA; FERRAZ, 1989; SCHOR; ALVARENGA, 1994). Entre os
gauleses, o abortamento era determinado pelo pai que, respaldado pelo patriarcado,
detinha o poder de decidir sobre a vida de qualquer um de seus filhos, sendo eles
nascidos ou não.

Os hebreus proibiam a prática do aborto, atribuindo para quem fizesse uma grávida
abortar desde o pagamento de multa para o marido da gestante até mesmo a morte do
agressor; para a mulher que provocasse abortamento, a pena imposta era o exílio ou a
aplicação de duros castigos corporais, mas apesar disso, a sua prática permanecia
quase sempre impune. Com o advento do cristianismo, o abortamento provocado passa
a ser totalmente condenado (SCHOR; ALVARENGA, 1994).

Os processos reprodutivos da população foram claramente permeados pelos frutos


dos conflitos entre as classes sociais, os quais são mediados pelas relações de
produção de cada época. Pode-se constatar este fato através da análise do estudo de
Fonseca (1995) sobre as leis históricas da população, afirmando que

[...] os processos demográficos constituem a base natural do desenvolvimento


da população e são determinados pelo estágio de desenvolvimento em que se
encontram as forças produtivas e as relações de produção de cada sociedade;
[...] são eminentemente sociais na sua natureza (FONSECA, 1995, p. 20).
24

Essa atestação traz consigo o caráter histórico (e não natural como na teoria
malthusiana) da dinâmica de aumento ou diminuição populacional e a possibilidade de
interferir diretamente na sua transformação, inclusive por meio do Estado, como fica
claro na passagem a seguir:

[...] quando os índices de natalidade caíram o suficiente para ameaçar a


soberania do Estado emergente, foram formuladas e implementadas políticas
voltadas para o incremento da natalidade (FONSECA, 1995, p. 22).

A partir do exposto, pode-se inferir que os processos reprodutivos sofreram


interferência dos processos sócio-econômicos, inclusive por meio de ações políticas do
Estado ou das classes dominantes no aumento ou na restrição da natalidade: observa-
se uso de “medidas reguladoras” ao longo da história, que incluíam desde práticas
anticonceptivas até a prática do infanticídio e do abortamento (FONSECA, 1995).

Faz-se importante, também, destacar no processo de controle dos processos


reprodutivos o papel da religião, em especial o catolicismo, pela sua reconhecida
influência nas regras de conduta moral principalmente a partir da Idade Média (onde
imperava o modo de produção feudal) e que ainda hoje é observada.

Segundo Fonseca (1995), as regras morais aplicadas pela Igreja Católica tiveram
grande impacto no processo de manutenção do domínio do senhor feudal sobre o
servo, agindo enquanto instrumento repressor do comportamento sexual e de práticas
que incidissem sobre o controle populacional. Contudo, a práticas de contracepção e
abortamento parecem ter sobrevivido à repressão, fazendo-se presentes até os dias de
hoje.

No caso do abortamento, o mandamento “Não matarás” foi utilizado para justificar a


posição contrária da Igreja Católica a essa prática, reprimindo-a duramente. Esta
posição, porém, foi em parte flexibilizada dentro do catolicismo, através da defesa da
teoria da animação tardia do feto, onde esse adquiriria a vida somente após um
determinado período de tempo após a concepção (baseada no pensamento científico
aristotélico) por parte de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino (MEIRA; FERRAZ,
1989; SCHOR; ALVARENGA, 1994).
25

Ao mesmo tempo em que a Igreja Católica mantinha uma dura posição em relação
às práticas abortivas e outras formas de controle da população, estimulava o aumento
do contingente da força de trabalho ao pregar a estabilidade conjugal e o casamento
precoce (FONSECA, 1995). A iniciação sexual do homem e da mulher passou a ocorrer
mais cedo que o habitual, ampliando a quantidade de anos onde a mulher poderia
exercer o seu papel reprodutivo e, por conseqüência, aumentar o número de
nascimentos e potenciais fiéis.

Desse modo, a necessidade de “produzir” mão-de-obra em larga escala para uso


pelo senhor feudal era satisfeita pela ampliação da força produtiva “força de trabalho”,
legitimando o processo de exploração do trabalho do homem pelo homem, a
manutenção do Estado monárquico-absolutista feudal e a dominação da sexualidade
humana, principalmente a feminina por ser o lócus da fecundação.

Diversos elementos dessa conduta moral ditada pela Igreja Católica ainda fazem-se
presentes nos dias atuais. A sociedade, permeada por estes conceitos, ainda encontra
muita dificuldade em compreender essa questão, inclusive no âmbito acadêmico, dentre
os profissionais que são formados (SOARES, 2003).

Segundo a autora, a formação dos trabalhadores de saúde, inclusive dos que atuam
na assistência aos casos de aborto, muitas vezes é dirigida sob valores
morais/religiosos, evidenciado pela presença importante de conceitos que colocam o
pecado e da conseqüente punição à mulher, bem como a condição de crime do
abortamento no centro da análise desta problemática.

Sendo assim, a formação em saúde pode ser qualificada enquanto inadequada ou


insuficiente para trabalhar com a questão do aborto, pois não há espaço para uma
análise mais aprofundada a respeito dos motivos que condicionam esta prática, os
quais estão intimamente relacionados à sociedade capitalista de classes e à opressão
histórica a qual a mulher foi e é ainda hoje amplamente submetida.
26

5.2 O capitalismo e seus impactos na classe trabalhadora: a reprodução humana


e a prática do aborto no contexto do capital

A passagem do modo de produção artesanal do feudalismo para o capitalismo, com


conseqüente industrialização da produção, trouxe novas alterações na reprodução
humana, principalmente para a classe trabalhadora (SCHOR; ALVARENGA, 1994;
FONSECA, 1995), inclusive no que diz respeito à prática do aborto. A classe
trabalhadora nasce junto com a classe burguesa, no seio das transformações no modo
de produção feudal, as quais deram origem ao modo de produção capitalista e foram
consolidadas com a Revolução Industrial.

Para Fonseca (1995), esse novo contexto de produção, que visa a acumulação de
capital, é imprescindível que se haja controle da reprodução da força de trabalho
empregada na produção, ou seja, da classe trabalhadora. Isso pode ser explicado,
segundo a autora, de acordo com a criação de uma “lei do superpovoamento relativo”
(p. 24), para que a formação de um exército de reserva de trabalhadores
desempregados garanta a manutenção da exploração de toda a classe, através dos
ditames do capital acerca das condições de trabalho e do controle dos salários.

Para Torres (2006), com a mecanização da produção e o aumento dessa demanda


gerado pelo novo modo de organizar o processo produtivo, desencadeou-se a
necessidade de incorporar também as mulheres no mundo do trabalho produtivo e
formal, processo que, juntamente com a sua ação reivindicatória, frente às condições
de trabalho, finalmente legitimou sua condição enquanto trabalhadora.

O trabalho feminino foi amplamente empregado pelo capitalismo no


desenvolvimento da produção, aproveitando-se da opressão histórica à mulher para
legitimar sua super-exploração. Aliado a isso, a mulher não havia se desvinculado do
trabalho doméstico, o que resultava em dupla jornada de trabalho, mesmo após uma
rotina pesada de trabalho fora do lar (TOLEDO, 2005).
27

A degradação da saúde e das condições de vida da população, resultante do


capitalismo, no entanto, afetou a toda a classe trabalhadora européia, conforme afirma
Fonseca (1995), gerando uma queda bastante expressiva nas taxas de natalidade,
onde o capitalismo teve maiores avanços.

Em relação à época da Revolução Industrial, Schor e Alvarenga (1994) apontam a


grande difusão da prática do aborto entre as classes mais populares em resposta às
más condições de vida (mesmo sendo considerada uma prática condenada
socialmente), o que resultou em diminuição da mão-de-obra barata e possibilitou
ameaçar a expansão industrial e a manutenção da dominação pela classe dominante.

Ao mesmo tempo em que se buscava a ampliação da oferta de mão-de-obra barata


e desqualificada, as medidas para tal eram tomadas com cautela, já que um exército de
reserva (trabalhadores desempregados) grande em demasia poderia gerar o
acirramento dos conflitos sociais, pondo em risco a hegemonia da burguesia no
processo de confrontamento das classes (FONSECA, 1995). Sendo assim, teorias
populacionais como a malthusiana (onde crescimento populacional e produção de
alimentos seriam altamente desproporcionais, desconsiderando o caráter histórico da
dinâmica populacional) ganham aceitação e justificam políticas no campo da saúde e
educação que determinam o controle do Estado sobre a reprodução da classe
trabalhadora.

Entre permissão e proibição, a prática do aborto chega até os dias atuais, trazendo
consigo diversas polêmicas geradas em torno de questões ético-morais, religiosas,
científicas e políticas, não sendo exagero reafirmar que todas elas são frutos das
relações entre os homens e, portanto, determinadas socialmente através da
necessidade de manter-se vivo enquanto ser e enquanto espécie.

O elemento que aparece sempre em comum nesse traçado histórico é que a


sexualidade e a reprodução humana, principalmente a da mulher da classe
trabalhadora, salvo algumas exceções, ficou a mercê da decisão do homem ou do
Estado, de acordo com interesses das classes dominantes (ligados à oferta de força de
trabalho barata) e da cultura historicamente opressora.
28

Por ser uma prática social, o abortamento até hoje nunca deixou de ser realizado
pela mulher, porém as condições para essa prática, incluindo a existência ou não de
legalidade, são apontadas como um grande problema social, tanto do ponto de vista da
saúde quanto do direito das mulheres (SCHOR; ALVARENGA, 1994; ABRAMOVAY;
CASTRO; SILVA, 2004; TOLEDO, 2005).

5.3 O abortamento hoje: legalidade, saúde da mulher trabalhadora e outros


aspectos relevantes

Como prática social, o aborto está presente em todas as partes do mundo e,


conseqüentemente, está presente nas legislações de diversos países. Meira e Ferraz
(1989) afirmam que os diversos países têm acompanhado as evoluções sociais e
científicas a respeito do aborto em suas legislações, em ritmos variados, mas de modo
geral através de discussões acerca da liberação ou restrição que se baseiam muito
mais no campo social e político do que puramente científico, uma vez que

[...] na esfera da ciência, e especialmente na medicina, existe um nível de


desenvolvimento suficiente não só para a prática em si do abortamento com as
condições normais de segurança, como para a detecção mais minuciosa de
casos em que ele se faz necessário (MEIRA; FERRAZ, 1989, p. 466).

De acordo com pesquisa sobre a prática do abortamento provocado, levantada por


Abramovay, Castro e Silva (2004), uma estimativa da Organização das Nações Unidas
(ONU) realizada em 1998 apontou que cerca de 4,2 milhões de mulheres por ano
praticam abortamento na América Latina e Caribe, sendo que destes, 95% eram
realizados na ilegalidade.

Dados fornecidos pela Rede Feminista de Saúde (SORRENTINO, 2003) apontam


que em 2003, quase 21% das mortes maternas na América Latina e Caribe (número
correspondente a 6000 mortes por ano) “tem como causa as complicações do aborto
inseguro sob a responsabilidade das leis restritivas ao aborto” (p. 3). Em 2004, o aborto
foi o responsável por cerca de 10 e 15% das mortes maternas no Brasil (FAÚNDES et
29

al, 2004). Sobre as condições de realização do aborto e das conseqüências trazidas,


aponta-se que

Quando realizado sob condições precárias – por pessoas sem a necessária


capacitação e/ou em ambientes que não apresentem os mínimos padrões
sanitários –, o aborto geralmente causa seqüelas à saúde da mulher e, muitas
vezes, sua própria morte. Diante da constatação de que essas mortes e danos
à saúde das mulheres são evitáveis, uma importante questão que precisa ser
considerada é a descriminalização do aborto (SORRENTINO, 2003, p. 3, grifo
nosso).

Lima (2000) afirma que mesmo sendo proibida por lei, a prática do abortamento vem
sendo adotada como um dos principais métodos de controle de natalidade na América
Latina, em detrimento da prevenção da gravidez indesejada através do planejamento
familiar, o que demonstra a insuficiência do poder público na ação preventiva sobre a
gravidez indesejada. No Brasil, há um grande fracasso na adoção de métodos de
planejamento familiar por parte das mulheres de baixa renda (FONSECA et al, 1996), o
que talvez as coloque numa situação onde seja mais provável a busca deste grupo pela
interrupção da gravidez.

A própria condição sócio-econômica precária empurra essas mulheres a buscar


práticas inseguras para interromper a gravidez, já que: o procedimento não pode ser
realizado em hospital público, de forma segura, por caracterizar-se enquanto crime; a
mulher não detém recursos financeiros suficientes para recorrer às clínicas clandestinas
de abortamento, existentes em muitas cidades, as quais realizam o procedimento
necessário com maior segurança e higiene do que sendo feita por elas mesmas ou por
leigos (MARTINS et al, 1991; ADESSE; MONTEIRO, 2007).

O Ipas Brasil e o Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de


Janeiro, IMS/UERJ apontam que a estimativa de casos de abortamento realizado em
condições inseguras no Brasil, no ano de 2005, pode ter variado entre 843.394 e
1.265.091 ocorrências (ADESSE; MONTEIRO, 2007). Esta variação nas estatísticas
sobre o abortamento vem sendo justificada pela dificuldade de registro dos casos de
aborto no Sistema de Informações Hospitalares do Sistema Único de Saúde, SIH-SUS.
30

Esses e outros elementos anteriormente expostos apontam claramente o impacto


negativo da clandestinidade e ilegalidade do abortamento sobre a informação acerca
dessa prática e, conseqüentemente, sobre o controle e a minimização de danos e
agravos sobre a saúde da mulher, principalmente a trabalhadora, maior atingida pela
situação (FONSECA et al, 1996).

Tendo em vista o contexto político e social no qual o abortamento provocado está


inserido, esforços vêm sendo empregados no sentido da descriminalização desta
prática.

Consideradas marcos dessa discussão sobre abortamento em escala mundial,


podemos citar a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (Cairo,
1994) e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher (Beijing, 1995), as quais sugeriram a
revisão das leis restritivas e punitivas às mulheres que praticaram aborto, porém sem
preconizar o aborto enquanto método de planejamento familiar (SORRENTINO, 2003;
ROCHA, 2006). Assim, países signatários desses acordos, incluindo o Brasil, ficaram
obrigados a promover a discussão e a revisão de suas legislações com relação à
restrição e punição à prática do aborto.

Conforme discussão anterior, a legislação brasileira considera crime a prática do


aborto e é extremamente limitada no que diz respeito aos casos onde sua realização é
permitida por lei, quando comparada com as legislações de alguns países da América
Latina e Caribe. Elementos relevantes, entre eles a má condição socioeconômica da
mulher e os casos de anomalia fetal não são colocados como critério para a permissão
legal do abortamento. Sobre a restrição e punição do abortamento provocado pelas
legislações, a Organização Mundial de Saúde (OMS), afirma:

Os países da América Latina e do Caribe estão entre os que possuem as


legislações mais restritivas com relação ao aborto. Embora alguns apresentem
alguma flexibilidade em suas leis, permitindo o aborto em situações como risco
para a vida da mulher, estupro e outras, somente em Cuba, Barbados, Porto
Rico e, mais recentemente, na Guiana o aborto pode ser realizado a pedido da
mulher, sem que seja considerado um crime (SORRENTINO, 2003).

Nesse sentido, nos últimos anos, vários setores da sociedade vêm disputando e
discutindo a despenalização do aborto, a nível nacional e mundial. No Brasil, o
31

movimento de mulheres vem desempenhando importante papel na organização de


lutas e debates sobre o assunto. A temática da legalização do abortamento no Brasil
passou a ter maior destaque em meados da década de 80 (final da ditadura militar), por
conta da ação do movimento feminista, o qual participou de espaços onde novas
orientações técnicas, políticas e jurídicas sobre o aborto seriam elaboradas (ROCHA,
2006).

Os movimentos feministas também buscaram garantir junto Congresso Nacional a


despenalização do aborto, tendo em vista a laicidade do Estado brasileiro. Criado em
1991, o projeto de lei PL nº. 1.135 prevê a descriminalização total do aborto e a sua
legalização, com garantia de atendimento gratuito pelo SUS (GESTEIRA; DINIZ;
OLIVEIRA, 2008).

Dentre as vitórias parlamentares pelo movimento de mulheres, podemos citar a


criação da Comissão Tripartite formada pelo poder Executivo, Legislativo e por
representantes da sociedade civil, para discussão sobre o direito ao aborto. Essa
Comissão resultou na criação de um anteprojeto em 2005, o qual defende a
despenalização do aborto até 12 semanas, ampliando a permissão para a prática,
contudo sem despenalizá-la por completo (ROCHA, 2006).

Segundo afirma Amaral (2008), o atual governo brasileiro vem se colocando numa
postura mais permissiva à discussão sobre a descriminalização do aborto e sua
possível legalização, compreendendo a prática clandestina do abortamento enquanto
um problema de saúde pública e criando mecanismos de suporte à atenção das
mulheres que abortam, a exemplo da norma técnica de Assistência Humanizada ao
Abortamento em 2005 (BRASIL, 2005).

Contudo, mesmo com a disposição em discutir o tema sob esse viés, o debate sobre
a temática ainda sofre muitas retaliações e refreamentos por conta da grande influência
que inúmeros setores ligados a Igreja Católica e a bancada evangélica exercem sobre o
Estado, fato observado inclusive na limitação da Política Nacional de Atenção Integral à
Saúde da Mulher e na resistência de aprovação das leis que sugerem a
descriminalização do aborto (ROCHA, 2006; AMARAL, 2008).
32

Situação bem diferente da vivida pela maioria dos países da América Latina e
Caribe foi experimentada há cerca de noventa anos, na ex-URSS: a legalização do
aborto e a adoção de diversos direitos que beneficiavam as mulheres trabalhadoras,
colocando-as em igual patamar de oportunidades que os homens, por ocasião da
Revolução Socialista de 1917.

Como afirma Toledo (2005), baseada em reflexão feita por Lênin (um dos grandes
dirigentes e teóricos bolcheviques da ex-URSS, na época da Revolução Socialista
russa) a respeito da condição da mulher nas sociedades, a situação jurídica da mulher
é o que melhor indica o nível cultural e de vida de um povo. Sendo assim, a autora
considera a Revolução Socialista de 1917, na Rússia, um grande marco na luta pela
emancipação feminina e humana, inclusive no que diz respeito ao aborto:

[...] Pela primeira vez, um país tomava medidas concretas para alcançar a
igualdade entre homens e mulheres. [...] Todas as leis que colocavam a mulher
em uma situação de desigualdade em relação ao homem foram abolidas, entre
elas [...] todos os privilégios ligados à propriedade que se mantinham em
proveito do homem no direito familiar. [...] Por meio da ação política do
Zhenotdel, o departamento feminino do Partido Bolchevique, em 1920 as
mulheres conquistaram o direito ao aborto legal e gratuito nos hospitais do
Estado. Não se incentivava a prática do aborto e quem cobrava para praticá-lo
era punido (TOLEDO, 2005, pp. 96-97, grifo nosso).

Os ganhos da política adotada pelos russos foram mais tarde revelados em


pesquisas historiográficas acerca daquela época. Há evidências históricas que
demonstraram a expressiva substituição dos abortos legais pelo uso dos métodos
contraceptivos, em decorrência da produção e distribuição massiva desses métodos e
da intensa campanha de divulgação dos efeitos do aborto sobre o corpo das mulheres,
derrubado os argumentos que sugeriam o aumento da prática abortiva a partir da sua
legalização (DAVID, 1974 apud SILVA, 2008).

Posturas restritivas e punitivas adotadas pelas legislações em relação ao aborto em


muito têm ferido os direitos das mulheres e a autonomia frente ao próprio corpo,
principalmente para as trabalhadoras, através de políticas de controle em massa dos
processos reprodutivos e da opressão histórica pela religião e pela sociedade
capitalista de classes, às quais essas mulheres foram amplamente submetidas
(FONSECA, 1995; SORRENTINO, 2003; TOLEDO, 2005).
33

Além disso, posturas assim contribuem para a manutenção das práticas inseguras,
pois não dão outra alternativa à mulher senão recorrer às práticas clandestinas e
artesanais para findar uma gravidez que, para ela, traz conseqüências devastadoras,
seja do ponto de vista da sobrevivência material ou dos aspectos subjetivos,
psicológicos e emocionais relacionados ao abortamento provocado e à opressão que
sofrem.

5.4 Aborto provocado e Enfermagem: sentidos e valores que perpassam pela


assistência

Ao analisar os aspectos envolvidos até agora com relação ao abortamento


provocado, faz-se também necessário compreender sob quais valores a prática do
cuidado às mulheres trabalhadoras que abortam vem sendo permeada. A prática do
aborto vem sendo discutida e encarada pela categoria de Enfermagem de maneira
ainda bastante influenciada por valores que colocam o aborto enquanto pecado, fato
socialmente repulsivo ou crime, podendo contribuir para a condução de uma assistência
permissiva a atitudes preconceituosas ou punitivas frente ao aborto.

Como forma de minimizar os problemas relacionados à atenção desumanizada ao


abortamento provocado, qualificar a assistência e reduzir as altas taxas de mortalidade
materna causadas por abortos clandestinamente provocados, o Ministério da Saúde
lança a norma técnica Assistência Humanizada ao Abortamento, visando fornecer
instrumentos técnicos e conceituais sobre a atuação frente aos casos de abortamento,
seja ele espontâneo ou provocado (BRASIL, 2005).

Apesar de não possibilitar uma leitura mais aprofundada sobre as questões sociais e
de gênero e classe relacionadas à saúde da mulher, o documento avança no sentido de
localizar o debate enquanto problema de saúde pública e de reconhecer que há
entraves na assistência prestada pelos profissionais. Além disso, afirma-se a
necessidade da compreensão mais ampla da temática do aborto provocado e da
34

atenção humanizada, num momento onde as demandas dessas mulheres apresentam-


se intensificadas pelos aspectos emocionais, socioeconômicos e culturais envolvidos na
indução do aborto.

No entanto, Mariutti, Almeida e Panobianco (2007) puderam evidenciar que por


muitas vezes, mulheres atendidas em situação de abortamento percebem o
atendimento prestado pelos profissionais de Enfermagem como voltado às
necessidades físicas, sendo a permanência no hospital marcada pelo medo do
julgamento sobre a indução do aborto e dos reflexos desse julgamento sobre o cuidado
prestado. Preconceito, não atendimento às demandas emocionais da mulher, o não
fornecimento de informações e o automatismo do cuidado também foram relatados
como situações existentes devido ao conflito colocado ao profissional frente ao aborto,
entre os seus valores pessoais e a necessidade de atuar no cuidado à mulher que
aborta.

Como já versado anteriormente, os valores interpostos na formação em saúde


podem colaborar com o aprofundamento da dificuldade em lidar com a temática do
abortamento provocado, visto que esta envolve outra discussão também bastante
polêmica e geralmente embaraçosa para muitos profissionais de Enfermagem, a
sexualidade humana. Esta aparece nos currículos de Enfermagem de forma bastante
fluida, superficial e limitada, sendo comumente associada à obscenidade e pouco
debatida no meio científico e acadêmico (GIR; NOGUEIRA; PELÁ, 2000). Para as
autoras, a formação biologicista também aparece enquanto elemento facilitador da
adoção de práticas profissionais rígidas e privadas de reflexões mais amplas.

Essas condutas acabam por contrapor-se às determinações do Código de Ética dos


Profissionais de Enfermagem, o qual coloca que o enfermeiro deve prestar assistência
sem discriminação de nenhuma natureza (COFEN, 2007). Porém esse mesmo Código
reafirma que o aborto é um crime, e que o profissional de Enfermagem está vedado a
colaborar ou participar desta prática em terceiros, reforçando a situação de ilegalidade
do abortamento provocado, já garantido pelo Estado. A concepção trazida pelo código
de conduta acaba por conferir um respaldo que predefine o aborto enquanto
desrespeito a vida, imputando à maioria dos enfermeiros a aceitação dessa
35

determinação e um possível obstáculo social à reflexão acerca dos elementos para


além do agravo.
36

6 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

6.1 Tipo de pesquisa

Este trabalho é fruto de uma pesquisa de abordagem qualitativa, pois nele discorreu
acerca do universo dos significados atribuídos pelos sujeitos da pesquisa ao fenômeno.
A escolha pelo caráter qualitativo possibilitou uma análise aprofundada sobre o caráter
social presente na temática, de forma dialética, como afirma Minayo (1999):

[...] as Metodologias de Pesquisa Qualitativa [são] entendidas como aquelas


capazes de incorporar as questões do SIGNIFICADO e da
INTENCIONALIDADE como inerentes aos atos, às relações e às estruturas
sociais, sendo estas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua
transformação, como construções humanas significativas (MINAYO, 1999, p.
10, grifos originais).

Trata-se também de uma pesquisa descritiva por ter sido capaz de identificar os
significados que as enfermeiras carregam a respeito da prática do aborto provocado. Ao
mesmo tempo, relacionou as concepções explicitadas através de falas e de práticas
observadas com o entendimento destas trabalhadoras de saúde sobre o processo de
opressão feminina, sobretudo em mulheres também trabalhadoras. Foi também traçada
a relação entre as temáticas “prática do abortamento” e “opressão à mulher
trabalhadora” –, conferindo maior familiaridade com o tema através de uma abordagem
exploratória (GIL, 2002).

A pesquisa valeu-se do uso da técnica da pesquisa de campo, o que de acordo com


Minayo (1999, p. 105) representa “o recorte espacial que corresponde à abrangência,
em termos empíricos, do recorte teórico correspondente ao objeto da investigação”.
Cruz Neto (1994, p. 54) adiciona ao entendimento de Minayo o fato de que na pesquisa
social (qualitativa), o lugar central do campo é ocupado pelas pessoas e grupos que
estão sujeitos a uma “dinâmica de interação social” e a uma determinada história. Este
autor afirma que para caracterizar esses sujeitos enquanto objeto científico de estudo, é
necessário uma construção teórica capaz de subsidiar a interpretação dessa realidade,
37

construindo assim novos conhecimentos. Sendo assim, a metodologia ofereceu meios


adequados para satisfazer a compreensão dos significados que permeiam as
construções humanas dentro da complexa estrutura social.

6.2 Local da pesquisa

Esta pesquisa foi desenvolvida na unidade de Centro Obstétrico (CO) de um


hospital componente da rede pública do Sistema Único de Saúde – SUS localizada na
cidade de Salvador, Bahia. A observação foi realizada no ambiente da Sala de
Observação, ou Sala do Pré-Parto, onde todas as mulheres recém admitidas (exceto as
gestantes de alto risco, atendidas em local especializado no próprio CO) aguardam o
atendimento e recebem os primeiros cuidados e preparativos para a realização de
procedimentos.

A Sala do Pré-Parto é dividida em duas porções: uma dianteira, onde permanecem


mulheres em trabalho de parto e outra mais ao fundo, onde há seis leitos para suporte
aos demais atendimentos obstétricos, como nos casos de amniorrexe prematura,
descolamento prévio de placenta e abortamentos, dentre outros. Muitas vezes também
permanecem nessa parte do CO as mulheres em trabalho de parto, situação gerada
pela grande demanda de pacientes que o serviço recebe.

Além de ser referência na atenção hospitalar às gestantes de alto risco, a unidade


de CO possui também três salas de parto e duas salas de curetagem lado a lado, três
salas de cirurgia próprias, comunicação física com o Centro Cirúrgico (CC), Sala de
Recuperação Anestésica (CRPA) com seis leitos e infra-estrutura de apoio (sala de
reunião, coordenação, farmácia, entre outros).
38

6.3 Sujeitos de pesquisa

Os sujeitos da pesquisa foram 8 enfermeiras que atuam ou que já atuaram no


cuidado às mulheres com quadro clínico de abortamento provocado e que possuem no
mínimo um ano de experiência no atendimento a esses casos. O período mínimo de um
ano foi estipulado de forma a garantir que as enfermeiras entrevistadas tivessem
experimentado situações em tempo suficiente para que fossem permitidas a construção
de conceitos, reflexões e significados a partir da vivência cotidiana no atendimento às
mulheres em situação de abortamento provocado.

Apenas enfermeiras foram sujeitos da pesquisa por conta da totalidade de


profissionais de Enfermagem, atuantes no CO, ser do sexo feminino, reforçando a
realidade comumente observada na categoria, onde predominam as mulheres.

6.4 Aspectos éticos

As informações geradas para esta pesquisa pelas enfermeiras entrevistadas não


serão divulgadas, a não ser para fins acadêmicos e de pesquisa e mediante
autorização destas. Em momento algum da pesquisa houve uso dos nomes verídicos
das enfermeiras entrevistadas ou da maternidade pública escolhida para a realização
da pesquisa. Sendo assim, os nomes verdadeiros foram substituídos por nomes de
flores comumente utilizados em para dar nomes próprios a mulheres, de forma a
preservar as identidades das informantes e da instituição.

Optou-se pela utilização dos nomes de flores de forma a estabelecer analogia entre
a humanização na assistência de Enfermagem, muitas vezes referida pelas
entrevistadas durante a pesquisa, e a ambiência realizada no Centro Obstétrico em
questão, ou seja, a condição física, estrutural e estética da unidade que auxiliam na
garantia da assistência humanizada. Entendendo o ambiente enquanto parte do
39

processo de humanização na assistência, a unidade utilizada como lócus da pesquisa


possuía em suas paredes uma decoração de temática floral. Os nomes escolhidos
aleatoriamente para as enfermeiras foram: Rosa, Margarida, Violeta, Jasmim, Magnólia,
Acácia, Dália e Hortênsia.

As enfermeiras entrevistadas somente participaram da pesquisa mediante


assinatura do termo de consentimento informado, presente no Apêndice A deste
projeto, após exposição sobre as questões gerais do tema proposto para investigação.
A coleta do material de pesquisa transcorreu de acordo com a resolução 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde (COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA,
2000), e somente foi iniciada após parecer favorável do Comitê de Ética da Secretaria
da Saúde do Estado da Bahia – SESAB, sob o número CAAE – 0090.0.053.000-08 (ver
Anexos).

6.5 Coleta do material de pesquisa

Nesta pesquisa, optou-se pelo uso da técnica de entrevista semi-estruturada


associada à observação não-participante individual para a coleta de dados. A entrevista
semi-estruturada foi escolhida por ser capaz de articular a exposição livre dos sujeitos
da pesquisa acerca do tema proposto durante a investigação e uma maior aproximação
dos resultados com este tema, através da formulação prévia de algumas questões. De
acordo com Cruz Neto (1994),

[...] a entrevista é o instrumento mais usual no trabalho de campo [buscando]


obter informes contidos nas falas dos atores sociais [...] por uma comunicação
verbal que reforça a importância da linguagem e do significado da fala (CRUZ
NETO, 1994, p. 57).

As entrevistas foram em sua totalidade realizadas no âmbito do CO do hospital em


questão e em seus variados ambientes, porém de forma reservada, silenciosa e
discreta, livre da interferência da rotina do serviço ou de outros eventos que pudessem
40

interferir na expressão dos conteúdos coletados. A entrevista semi-estruturada seguiu o


roteiro com questões abertas e fechadas apresentado no apêndice B, sendo apoiado
por meio de questões auxiliares ou explicativas, conforme a necessidade, a fim de se
obter o máximo possível de aproximação dos objetivos geral e específicos delimitados
para esta pesquisa. Somente uma pergunta complementar foi utilizada, sendo ela:
“Você acha que falta alguma coisa na atenção fornecida pelas enfermeiras às mulheres
atendidas com quadro de abortamento?”.

Além do roteiro de entrevista com anotações em diário de campo, foi utilizado o


recurso de gravação em áudio das falas, como forma de minimizar o risco de perda do
material coletado. Vale ressaltar que apesar de aviso prévio sobre a realização da
pesquisa nos referido lócus, feito através de livro de ocorrências e informe dado em
reunião de enfermeiras, em algumas situações houve pequena interrupção no
transcorrer de duas das entrevistas, porém sem pausa na gravação da mesma ou dano
ao material coletado. As datas e horários nos quais as coletas foram realizadas
obedeceram à disponibilidade de tempo das enfermeiras e a presença das mesmas no
local de serviço.

A observação não-participante individual foi escolhida por possibilitar a proximidade


do pesquisador com os sujeitos da pesquisa, no entanto sem integrar-se de modo
participativo em sua realidade (MARCONI; LAKATOS, 2002). Para a observação não
participante, foi utilizado um roteiro de observação conforme consta no apêndice C,
com elementos norteadores para a observação durante o atendimento das enfermeiras
participantes da pesquisa às mulheres com quadro decorrente de abortamento. Foram
realizados registros em diário de campo, mediante presença nos turnos da manhã,
tarde e noite em determinados dias do mês de janeiro do corrente ano, no lócus da
pesquisa.

No entanto, a observação não-participante contou com pequeno prejuízo devido ao


curto espaço de tempo disponível para sua realização, o qual foi condicionado pela
demora na liberação do parecer favorável à realização da pesquisa por parte do Comitê
de Ética responsável e também pela escala de serviço de Enfermagem, que concentra
41

as mesmas profissionais durante o período se serviço diurno, realizando troca de


plantão apenas antes do serviço noturno.

Durante a coleta, a reação das enfermeiras frente às perguntas relacionadas com a


opinião acerca do aborto provocado apresentou-se de formas variadas. Muitas vezes,
havia certa recusa em adentrar numa linha de discussão que permitisse de alguma
forma contrapor a conduta profissional com a concepção acerca da interrupção
voluntária da gravidez. Elementos como o silêncio, a repetição de termos como “né”,
“tá”, “entendeu” evidenciam a dificuldade em abordar a temática e os recalques aos
quais muitas vezes a discussão estava submetida.

6.6 Análise do material coletado

O material coletado na pesquisa foi tratado através do método de análise de


conteúdo temática, proposta por Bardin (1994). O autor conceitua o método enquanto

[...] um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por


procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das
mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção/ recepção (variáveis
inferidas) destas mensagens (BARDIN, 1994, p. 226).

A escolha pela análise temática foi escolhida por possibilitar a retirada de núcleos de
sentido presentes no conteúdo das falas, atribuindo significados a eles por meio da
categorização em temas, de acordo com os objetivos estabelecidos (MINAYO, 1999). O
material coletado através do roteiro de entrevista semi-estruturada foram transcritos na
íntegra e submetidos à análise de conteúdo, de modo a possibilitar a correlação destes
com o material gerado pela observação não-participante.

Assim, procedeu-se com as etapas do processo de análise de conteúdo temática,


segundo Minayo (1999):
42

− Pré-análise: leitura flutuante do material coletado; constituição do corpus da


pesquisa; formulação de hipóteses e objetivos.

− Exploração do material: recorte em unidades de registro, de contexto;


codificação e classificação segundo categorias empíricas e teóricas;

− Tratamento dos dados e interpretação: análise final dos dados obtidos.

Além de serem submetidos às etapas de análise propostas por Bardin (1994) e


Minayo (1999), os depoimentos obtidos, já recortados em unidades de contexto,
registro e núcleos de sentido, foram separados por eixos temáticos sobre os quais as
enfermeiras discorreram, sendo organizados numa matriz de análise em forma de
tabela. As colunas corresponderam aos depoimentos de cada uma das enfermeiras, e
as linhas eram referentes aos eixos temáticos, sendo eles: percepção sobre o aborto
provocado; motivos que justificam o aborto; percepção sobre a mulher que aborta; o
aborto e a influência da moral; discurso x prática frente ao aborto.

A partir dessa classificação, os depoimentos foram novamente reagrupados e


rearranjados nas seguintes categorias: “Descrevendo o contexto do aborto sob o olhar
das enfermeiras”, “O aborto, a moral e a ilegalidade: revelando significados” e “O
significado que se traduz na prática da atenção”.
43

7 COMPREENDENDO A PRÁTICA DO ABORTO SOB A PERSPECTIVA DAS


ENFERMEIRAS

Sobre o perfil das enfermeiras entrevistadas, foram encontradas mulheres com


idade entre 27 e 51 anos, em média aproximada de 31 anos e meio. A maioria delas
era casada ou possuía relacionamento estável; apenas uma delas declarou-se solteira.
Quatro enfermeiras informaram não possuir filhos, três delas referiram ter um filho e
apenas uma delas declarou ter dois filhos. Somente uma enfermeira declarou-se sem
religião, enquanto que dentre as outras sete, quatro eram evangélicas e as outras três
eram católica, espírita e de crença ecumênica, respectivamente.

O tempo médio de atuação das enfermeiras no atendimento aos casos de aborto


provocado correspondia a cerca de sete anos e meio. Apenas uma delas possuía
vínculo empregatício temporário, sendo que as outras sete eram funcionárias públicas
efetivas. A formação predominante entre as enfermeiras era voltada à área clínica, com
apenas duas delas referindo formação predominante em área de saúde coletiva. Das
seis enfermeiras com formação clínica, duas referiram pós-graduação, uma em Saúde
do Trabalhador e a outra em Obstetrícia. Apenas uma das enfermeiras referiu já ter
participado de uma entidade política, no caso de Diretório Acadêmico em época de
graduação, e nenhuma havia participado de algum tipo de movimento de mulheres.

Explorar o universo dos valores e dos significados atribuídos por estas trabalhadoras
da saúde à prática do abortamento expôs em diversos momentos a contradição ao qual
o debate sobre o aborto provocado está localizado: de um lado, a posição profissional
que requer uma prática e uma conduta coerente com o que é preconizado para um
enfermeiro, na busca por uma assistência humanizada e digna; por outro lado, um
contexto onde a mulher sofre grande opressão de gênero, situação ainda mais
agravada pela condição de classe social e pela ideologia predominante sobre a prática
do abortamento, que a descreve enquanto pecado ou crime.
44

7.1 Descrevendo o contexto do aborto sob o olhar das enfermeiras

Para a compreensão acerca dos significados que as enfermeiras trazem acerca do


aborto provocado, é necessário traçar uma visão geral sobre o abortamento e os
elementos relacionados a essa prática na visão das profissionais.

Durante o período de observação realizada, pode-se perceber que o serviço não


dispunha de registros, censos ou outros documentos de consulta que pudessem
levantar dados acerca do perfil epidemiológico das mulheres atendidas em decorrência
de aborto, sendo que as caracterizações das enfermeiras foram baseadas em
evidências empíricas.

Além disso, algumas delas pareceram não conhecer a fundo as condições de vida
das mulheres que procuraram o serviço em situação de abortamento provocado, a
exemplo de um dos depoimentos, onde a enfermeira afirmou que “questiona, mas sem,
sem entrar muito nas minúcias” (Jasmim). A despeito disso, as enfermeiras expuseram
em seus relatos características acerca do contexto do aborto na vida das mulheres que
o praticaram e percepções sobre os sentimentos expressos (ou não) por estas.

O conjunto de enfermeiras apresentou opiniões bastante homogêneas acerca das


condições e fatores que podem levar as mulheres a optar pela prática abortiva. A
grande maioria das enfermeiras diz que a prática do aborto está concentrada em
mulheres de faixa etária mais baixa, fato confirmado durante o período de observação
realizada em campo:

“[...] pelo que eu percebo, é quem tem provocado muito o aborto, são essas
mulheres que estão mais jovens mesmo, é que têm provocado.” (Dália)

“Então o contingente que a gente tem atendido, constantemente, a mais... a


maior faixa etária é entre quinze e vinte e cinco anos.” (Violeta)

Em seus relatos, a pouca idade aparece como causa ou como conseqüência (ou
ambos) de algumas situações envolvidas com a prática abortiva. As enfermeiras
apontaram que a concentração de abortos nesta faixa etária pode ser conseqüência de
45

situações como o início da vida sexual ativa na adolescência e a irresponsabilidade,


tendo como base a inexperiência relacionada à pouca idade:

“Acho que começa por uma sexualidade muito cedo, né, [...] tem aquelas
jovens, né, às vezes meninas mesmo de doze, treze anos, que engravidam por
irresponsabilidade [...]” (Margarida)

“[...] da própria inexperiência, já pelo fato de eu ter colocado da faixa de quinze


a vinte e cinco anos, mas aí já entra um..., um limite de meninas de quinze a
dezoito anos [...].” (Violeta)

A maior concentração de abortos dentre as mulheres de idade mais baixa, indicada


pelas enfermeiras em seus depoimentos, é reafirmada em publicação de Abramovay,
Castro e Silva (2004). Além disso, Hakkert (2001) citado pelas autoras acima, aponta
que a gravidez é o maior temor acerca da atividade sexual entre os adolescentes da
América Latina, sendo na faixa etária entre 15 a 19 anos onde se observam as maiores
proporções de abortos por gestações.

Silva (2002) corrobora e complementa estas informações, ao afirmar que há relação


forte entre a gravidez precoce e a falta de acesso aos serviços públicos (saúde,
educação, trabalho e outros recursos básicos), o que pode levar as adolescentes a
optar pelo aborto devido ao “estigma” conferido pela sociedade à situação de gravidez
na adolescência e à restrição de alternativas colocadas as gestantes sob essas
condições.

Essa situação parece ser mais agravada ainda nas regiões Norte e Nordeste, devido
às desigualdades de condições sociais e de vida presentes entre as regiões do Brasil,
pois se constata um maior risco de exposição de jovens de 15 a 19 anos à prática
insegura do aborto nessas áreas (ADESSE; MONTEIRO, 2007).

A elevada recorrência da prática do aborto também foi trazida nos depoimentos das
enfermeiras:

“Elas fazem abortos repetidos, então ela é uma paciente que tem uma gravidez
não planejada e provocou ao aborto, e algumas são recorrentes.” (Rosa)

“A grande maioria dessas meninas considera a prática abortiva um..., uma


constante, não é?” (Violeta)
46

Algumas apontaram ainda que há relação direta entre a prática do aborto, recorrente
ou não, e a dificuldade de acesso às informações e aos métodos contraceptivos
disponibilizados pelo SUS:

“A prática do aborto ela tem sido adotada como um método contraceptivo há


algum tempo [...], por vários motivos, dentre elas a... a dificuldade, é... de
acessibilidade dessa população aos métodos contraceptivos [...]” (Rosa)

“Tem a dificuldade de acesso aos métodos, né, unidade de saúde, aquela coisa
pelo SUS [...]” (Margarida)

Porém somente uma das enfermeiras exibiu opinião contrária:

“Sabemos das limitações políticas, que a saúde pública tá complicada, mas a


gente vê, [...] que existem métodos contraceptivos. Só que elas não aceitam,
não é? Existem nas unidades de saúde, nas unidades de PSF, nas unidades
de, é, agentes comunitários de saúde, é, planeja..., planejamento familiar
atuante, [...] nas escolas também existe esse treinamento, existem, é, aulas
direcionadas ao planejamento familiar, [...] só que essas meninas não se atêm
[...].” (Violeta)

Trabalho publicado por Osis et al (2006) revela que a atenção ao planejamento


familiar no Brasil vem sendo desempenhada de forma inadequada às necessidades da
população, sendo realizada de maneira isolada e muitas vezes não priorizada na
atenção básica, contando com problemas graves como a falta ou limitação de métodos
anticoncepcionais e qualificação desigual e insuficiente dos profissionais que atuam no
atendimento. O estudo também revela muitas fragilidades dos serviços na organização
do atendimento aos adolescentes, principalmente no que diz respeito ao conflito moral
experimentado na prática pelos profissionais, em grande parte por conta da questão da
virgindade.

Ratificando os achados acima descritos, Lima (2000) coloca que “as altas taxas de
utilização de serviços de saúde por abortamentos refletem as dificuldades persistentes
de contracepção e planejamento familiar” (p. 168). Mesmo tendo sido observado
aumento no conhecimento e uso dos métodos contraceptivos pelos jovens
(ABRAMOVAY; CASTRO; SILVA, 2004), estudo realizado em Salvador revelou que o
aborto esteve fortemente associado à condição social das mulheres mais jovens, o que
vem submetendo-as a limitações das escolhas reprodutivas e, conseqüentemente, a
47

um maior número de gestações, filhos e de recorrentes abortos provocados (DOSSIÊ...,


2008).

Dentre as razões apontadas pelas enfermeiras para que a mulher recorra ao aborto,
as mais importantes estiveram relacionadas ao trabalho e à renda (vínculo empregatício
instável, desemprego, dependência financeira do companheiro ou família, mercado de
trabalho informal, baixa renda) e à falta de aceitação ou apoio emocional pelo
companheiro ou pela família. Dentre estes fatores, os problemas relacionados à vida
concreta (os quais caracterizam a condição de classe das mulheres atendidas)
apareceram como principais para a grande maioria:

“A maior parte procura fazer o aborto por situações socioeconômicas mesmo.


Noventa por cento é devido à situação socioeconômica.” (Magnólia)

“Trabalho, é, assim, a mulher que tem um emprego recente, que não tem um
vínculo empregatício [...] Muito a situação financeira, eu acho que é o principal
fator. Em alguns poucos casos, eu acho que é a família mesmo, a falta de
coragem de assumir pra família.” (Dália)

“[...] na minha opinião o que mais pesa é a situação econômica e a


instabilidade conjugal, né, a questão de você estar com um parceiro e ele não
aceitar, né [...].” (Jasmim)

“Mulheres jovens, né, e que economicamente ou têm subempregos, né, são


domésticas, são, são, é..., estão no mercado de trabalho informal, né, e..., e
que não tem apoio familiar pra..., pra..., em relação à gestação, então elas
abortam.” (Acácia)

Outros fatores também foram lembrados pelas enfermeiras como fatores, quando
questionadas sobre o que leva uma mulher a recorrer ao aborto:

“A questão conjugal, né, às vezes o marido não quer, ou o namorado não quer,
ou às vezes ela não tem nem um nem outro, né?” (Hortênsia)

“Eu acredito que essa..., primeiramente venha essa questão emocional de


amparo do companheiro e amparo da família, né [...].” (Acácia)

“Inicialmente desespero da perda do parceiro, né? [...] o medo da família de


rejeitar, de colocar pra fora [...].” (Violeta)

Silva (2008) aponta que “o motivo fundamental que leva uma mulher ou casal a
recorrer ao abortamento provocado está na necessidade de manter o número de filhos
dentro dos limites econômicos considerados convenientes” (p. 5). Segundo a autora,
diante das poucas alternativas contraceptivas dadas pela sociedade para “ajustar” as
48

famílias a esse “padrão”, muitas vezes o aborto é considerado como saída para evitar o
nascimento inoportuno, o qual poderia causar conseqüências psicológicas e estruturais
deletérias para a mulher.

Mesmo o aborto sendo praticado dentre todas as camadas sociais, são as mulheres
em condições precárias de vida, pouca ou nenhuma escolaridade, que encontram
dificuldades no acesso aos métodos contraceptivos e aos serviços de saúde
qualificados que mais sentem o seu impacto, por conta da exposição às práticas
inseguras relacionada à situação de clandestinidade (OLINTO; MOREIRA-FILHO, 2006;
ADESSE; MONTEIRO, 2007; DOSSIÊ..., 2008).

Menezes, Lima e Rolim (2008), em pesquisa realizada na cidade de Fortaleza, no


Ceará, constatam que o aborto ainda continua sendo praticado principalmente por
mulheres solteiras e de baixa renda. Para muitas delas, o momento e as condições
sobre as quais a gravidez ocorre (condição financeira e social, apoio familiar e do
parceiro, pressão da sociedade, perspectivas futuras e projetos pessoais) levam-nas a
praticar o aborto, mesmo em face da ilegalidade e dos riscos pela condução insegura
que a situação de clandestinidade confere.

Pesquisa realizada em hospital público, em 1998, na cidade de Feira de Santana,


Bahia, comparou a freqüência de registro de casos de abortamento provocado entre as
mulheres casadas e solteiras, constatando que do total de internações para curetagem
uterina, 74% de ocorrências eram referentes ao segundo grupo, relacionando o dado à
dificuldade de sustentar o filho por parte de muitas delas (SOUSA, 1998). Sihvo (2003)
mantém o achado atualizado, ao concluir que em situação de gravidez indesejada, há
maior risco de indução do aborto em mulheres com relacionamentos não estáveis.

A instabilidade da relação, a recusa da gravidez pelo homem, o abandono moral e


econômico pelo parceiro, o medo de rejeição da família e da sociedade na gravidez
precoce e o impedimento de projetos pessoais pela gravidez são comumente relatados
por mulheres que decidiram pela prática do aborto, e muitas vezes permeadas por
situações de intensa opressão (CHUMPITAZ, 2003). Gesteira, Barbosa e Endo (2006)
sugerem ainda que a falta de apoio familiar ou conjugal diante de uma gravidez
49

indesejada pode levar a mulher a realizar o aborto em meio a bastante solidão,


levando-a a fragilidade emocional, alterações da auto-estima e sentimento de culpa.

Com relação aos sentimentos expressos pelas mulheres e percebidos pelas


enfermeiras durante o cuidado, algumas enfermeiras aparentaram perceber os
sentimentos que denotam sofrimento na mulher que praticou o aborto:

“[...] normalmente elas vêm, é, envergonhadas, né, vêm com um certo


sofrimento.” (Acácia)

“[...] é uma mulher que, que a gente vê que é uma mulher angustiada, é uma
mulher inquieta, né? [...] de alguma maneira né, ela se culpa de alguma forma
por ter praticado esse aborto [...] A gente vê pacientes tranqüilas, mas a grande
maioria..., é..., das pacientes que são internadas aqui a gente vê essa falta de,
de paz, de tranqüilidade e de serenidade em enfrentar esse ato, mesmo que
provocado. (Jasmim)

“Geralmente essas mulheres que provocam o aborto, eu já observei aqui, são


mais queixosas, as mais chorosas, as mais agitadas, do que as meninas que
chegam aqui com um aborto espontâneo. (Hortênsia)”

Percebe-se, de forma coexistente, que outras enfermeiras relataram a ausência de


sentimentos como medo, insegurança e pesar nas mulheres que abortaram:

“E não pensam no risco que acontece, tanto durante o procedimento, que é a


curetagem uterina, quanto o agravante delas estarem fazendo esse
procedimento.” (Violeta)

“Eu já vi pessoas fazerem oito abortos. E..., não se sentem constrangidas. A


gente não nota nenhuma..., constrangimento por parte da paciente, nenhum
arrependimento, nunca vejo. (Magnólia)

“Assim, as mulheres normalmente que, que provocam aborto muitas vezes elas
chegam talvez um pouco mais agressivas pro serviço, ou chegam um pouco
mais acuadas. Elas nunca chegam muito normais, elas nunca chegam
chorosas, elas nunca chegam deprimidas com o que tá acontecendo, né?”
(Dália)

Sobre os sentimentos vivenciados durante o abortamento provocado, Menezes,


Lima e Rolim (2008) atenta para o fato de que para muitas mulheres o aborto
provocado é experimentado com angústia pela contradição entre a condição de mãe e
a necessidade material que limita essa condição, dúvida sobre a decisão tomada,
insegurança pela família ou parceiro, ou mesmo alívio pelo fim de uma gravidez não
desejada para aquele momento. Segundo as autoras, essas situações podem acarretar
na mulher diversos sentimentos, como depressão, vergonha, isolamento, entre outros,
50

os quais variam de acordo com os significados que a gestação e aborto provocado


possuem na vida desta.

Em suma, mesmo sem conhecimento mais aprofundado sobre o que levou as


mulheres a recorrerem ao aborto, os depoimentos das enfermeiras conseguem
relacionar-se com boa parte das características apontadas por estudos que buscaram
contextualizar as condições que levaram até o aborto provocado.

Sendo assim, as enfermeiras pareceram reconhecer que as mulheres atendidas no


serviço situam-se majoritariamente na parcela da população mais à margem das
políticas sociais, onde as condições objetivas de vida são fatores suficientes para fazer
com que uma mulher pratique o aborto, mesmo se expondo aos riscos da prática
insegura e passando por conseqüências emocionais bastante negativas para o convívio
social e o relacionamento afetivo.

7.2 O aborto, a moral e a ilegalidade: revelando significados

Segundo o dicionário, a moral é compreendida enquanto “conjunto de regras de


conduta baseadas nas noções de bem e de mal” (XIMENES, 2000, p. 640). Não é à toa
que essa definição é trazida no início da discussão sobre aborto e moral, já que a
própria moral, assim como o Direito (leis) e a religião, deriva das construções (ou
“noções”) sociais de cada época, ou seja, da ideologia da classe dominante
contemporânea à época de sua validade (MARX; ENGELS, 2002). Sendo assim,
compreender a questão moral que permeia a discussão sobre o aborto traduz-se em
localizar sob qual ideologia os discursos são produzidos.

O julgamento moral sobre as mulheres e a prática do aborto foi um elemento de


grande destaque nos relatos. À primeira vista, os discursos pareceram não evidenciar
esta temática de maneira tão forte, sendo necessária a realização de uma análise mais
51

minuciosa sobre o contexto e os elementos relacionados para que esta categoria


pudesse emergir dos discursos das enfermeiras.

Para boa parte das enfermeiras, o abortamento é colocado enquanto escolha


pessoal da mulher. Os relatos denotam que a realização do aborto é resultado da
escolha de uma opção dentre várias outras, aparentemente sem grande interferência
de fatores externos determinantes ou condicionantes, mas que se encontra relacionado
a um contexto cotidiano de não prevenção da gestação.

“Eu não acredito, é..., que seja a única, a primeira opção, né? Eu acredito que
seja mais uma questão, é..., de escolha, né, no momento que, que não houve
uma prevenção dessa gestação, e eu acho que é uma escolha dessa mulher.”
(Acácia)

“Eu acho que existem formas da gente se prevenir, né, de, de, de pensar antes
de, de chegar, chegar até uma gravidez... Eu não vejo como uma boa opção.”
(Margarida)

“[...] eu acho que prevenir hoje é muito fácil, entendeu? [...] Mas..., é...,
infelizmente algumas pessoas engravidam e nem todo mundo consegue dar
seqüência a essa gravidez.” (Dália)

As falas evidenciam que, para as enfermeiras, a anticoncepção é responsabilidade


unicamente da mulher, o que a faz responsável direta pela condição de gravidez e pelo
abortamento. O aborto aparece enquanto uma conduta errada, decorrente do descuido
sobre si, e a mulher enquanto culpada por realizá-lo, na tentativa de correção deste
“erro”. As enfermeiras comentam sobre o que pensam diante de uma situação de
abortamento:

“E, também eu acho que o descuido. Tem muita gente que engravida porque
acha que não vai acontecer com, com ela, né [...].” (Margarida).

“Na cabeça vem crítica, com certeza, né? [...] Eu fico imaginando: ‘Pô, não é tão
fácil usar um preservativo? Não é mais fácil do que, depois estar realizando um
aborto?’” (Hortênsia).

Essa visão não permeia somente o imaginário das profissionais de saúde, mas
também se faz presente na sociedade, imputando somente à mulher a preocupação
com as questões reprodutivas e isentando o homem da responsabilidade sobre a
prevenção da gravidez, como afirma Chumpitaz (2003). Seguindo o raciocínio da
autora, classificar a mulher que praticou aborto como “irresponsável” por ter “colocado”
52

sua vida em risco (Hortência) reflete a ideologia de medicalização do corpo feminino,


que naturaliza a falta de controle do homem sobre seu corpo como respaldo para a
interferência da ciência e da sociedade sobre o corpo da mulher.

Vale também lembrar que a prática do aborto imputa grandes riscos à saúde das
mulheres por conta da sua condição criminalizada, o que a faz recorrer a práticas
inseguras, mesmo com a existência de técnicas modernas capazes de prevenir agravos
e mortes (SORRENTINO, 2003).

O aborto carrega consigo uma conotação bastante negativa por parte da maioria
das enfermeiras. A grande maioria das enfermeiras afirmou ser contra o aborto, fato
este bastante relacionado à compreensão enquanto pecado ou transgressor das
crenças religiosas:

“Eu, enquanto mulher, enquanto, é... Enquanto mulher mesmo, eu não


concordo com a prática do aborto, mas, até mesmo por questões religiosas.”
(Margarida).

“Pra mim, é..., o aborto, né, é..., diante da minha formação cultural, religiosa, né,
eu nunca praticaria, o aborto, né? [...] Eu não..., não concebo o aborto de forma
nenhuma... né? Acho que a gente não tem o direito a tirar a vida. Apesar de ser
uma questão muito polêmica, mas assim, na minha formação, questão cultural e
familiar, a gente não aceita o aborto.” (Jasmim)

Jasmim, num ponto mais adiante da entrevista, ainda complementa a idéia:

“[...] a mulher já tem o dom da maternidade, né, e pra um a mulher chegar a um


ponto desses é porque realmente a situação não foi fácil.” (Jasmim).

Provocar o aborto constitui um ato que fere não somente os princípios religiosos aos
quais as enfermeiras são crentes, mas também aquilo que elas acreditam ser o papel
correspondente ao sexo feminino: a maternidade.

Os discursos apresentados evidenciam a concepção de que a maternidade é uma


realização para toda mulher, além de condição natural e irrevogável. Para Quintaneiro
(1995), citada por Toledo (2005), a ideologia de culto à maternidade, bastante colocada
pelo Estado e pela religião, faz com que esta seja compreendida enquanto destinação
natural e estado mais nobre possível de ser alcançado pelas mulheres, tornando a
geração de filhos a razão da existência feminina.
53

Rosado-Nunes (2006) afirma que o tratamento social atual da maternidade leva as


mulheres e a própria maternidade à desumanização, baseando-se apenas na
capacidade biológica da mulher em procriar sem levar em consideração as emoções, o
pensamento e as relações, incluindo aqui a realidade material, concreta (apoio
financeiro, físico, emocional, entre outros) para que esta capacidade possa ocorrer de
forma digna. Dessa forma, a autora afirma que as considerações a respeito do aborto
possuem capacidade para levantar a discussão acerca da humanização da mulher e da
maternidade, ao levar em conta os aspectos acima descritos.

A moral religiosa ganha bastante evidência também na discussão do aborto com


relação à vida do feto. Kissling (1998) aponta que dentro do catolicismo, uma das
religiões que mais fortemente condenam o aborto em quaisquer circunstâncias, existe
grande questionamento sobre o aborto ser considerado pecado, já que a Igreja Católica
não consegue responder até que ponto o feto é ou não considerado uma pessoa.

Além disso, o autor aponta que o movimento de católicas a favor do aborto, baseado
na permissão de posicionamento contrário aos dogmas da Igreja, defende que a
condenação do aborto é mantida muito mais pelo papel histórico e tradicional de
disseminadora de conceitos negativos sobre as mulheres e o aborto, questão que vai
muito além da questão teológica que envolve o tema. Dessa forma, buscam a
compreensão do problema para além das questões teológicas, colocando-a no patamar
político.

O aborto aparece também como resultado do comportamento sexual inapropriado


da mulher. Numa de suas falas, Magnólia aborda este aspecto relacionando-o a outras
causas que consideram comuns em seu julgamento para a realização do aborto:

“A instabilidade financeira, emocional, promiscuidade, e assim vai.” (Magnólia)

O comportamento sexual da mulher é também alvo de julgamento moral das


enfermeiras, ao relacionar a prática abortiva à conduta moralmente inadequada.
Hortênsia e Margarida vão além, exemplificando ainda quais seriam essas condutas:
54

“Porque se essa mulher engravidou, é..., como a maioria delas é solteira, né,
engravida duns homens que ela nem conhece.” (Hortênsia)

“Faz o sexo sem, sem pensar, acaba engravidando, não é o que quer, não tem
um relacionamento sério, ou sei lá, às vezes esse namoro desenfreado que sai
namorando com um, namorando com outro, acaba engravidando e aí...”
(Margarida)

[Na minha opinião] estar numa gravidez, de um..., de um..., né, digamos, uma
situação que a..., que a..., sociedade não aceita e leva uma mulher a fazer,
praticar esse aborto [...]” (Jasmim)

O comportamento criticado pelas enfermeiras aparece em contraposição ao modelo


hegemônico de configuração social: sociedade baseada na família patriarcal, com
submissão social da mulher (NARVAZ; KOLLER, 2006).

Sobre o assunto, Zaretski (1976), citado por Loyola (2000), afirma que a destruição
das formas familiares tradicionais, após o advento do capitalismo industrial “deu impulso
à procura de uma nova identidade pessoal [que] não podia realizar-se através do
trabalho ou da posse de propriedades” (p. 156), tornando a família a esfera de interação
onde o indivíduo passou a afirmar-se diante da sociedade.

Kollontai (2008) completa o sentido desta concepção ao afirmar que a moral


formada com o surgimento da burguesia, ou moral burguesa, que predomina até os
dias de hoje, não prevê o estabelecimento de uma relação amorosa sem que a
finalidade não seja o matrimônio, pois segundo a autora, não é feita distinção entre um
e outro dentro desta concepção.

Compreendendo a sociedade atual imbuída dos valores contidos na moral


burguesa, pode-se inferir que a fonte dessas críticas reside na negação da família pelo
exercício da livre sexualidade, já que esse comportamento não vislumbra a formação
imediata de laços matrimoniais, mas busca a satisfação pessoal mesmo que de forma
momentânea. Assim, o comportamento social ou sexual que não reivindica ou que nega
o modelo familiar vigente enquanto núcleo de base para o desenvolvimento das
relações pode estar fadado ao estranhamento e a não aceitação social. O termo
“promiscuidade” aparece enquanto julgamento moral acerca da mulher que exerce o
direito à livre sexualidade.
55

Ao conceber o comportamento sexual da mulher como inapropriado, dificulta-se a


discussão mais aprofundada sobre o papel que a educação sexual e o planejamento
familiar poderiam cumprir sobre a prevenção do aborto. Com isso, admite-se que as
medidas contraceptivas podem ser utilizadas de modo a exercer controle sobre o corpo
e a sexualidade das mulheres, ao invés de prepará-las para o exercício de sua
sexualidade de maneira consciente sobre sua condição de classe e sobre si enquanto
mulher.

Ainda acerca do entendimento do aborto enquanto transgressor do comportamento


“naturalmente” atribuído à mulher na sociedade, algumas das enfermeiras
caracterizaram a prática enquanto errada, ilegal:

“Eu acho bem complicado julgar quem faz um aborto, mas eu considero uma
prática ilegal, não oriento ninguém que faça [...]. acho que assim, fazer um
aborto hoje é ilegal, é errado, é perigoso, muito arriscado, mas é opinião! [...]”
(Dália)

“Eu prefiro imaginar os motivos que levaram a mulher a fazer isso, do que julgar
enquanto caráter, etc, hã.. Até porque a gente sabe que tem países que o
aborto é legal, é legalizado, no caso do Brasil não é [...].” (Margarida)

Os depoimentos trazem novamente a idéia de que a mulher optou “livremente” pela


realização do aborto, permitindo-se supor que para algumas das enfermeiras, as
mulheres não deveriam permitir que suas condições de vida interferissem na
manutenção ou na prevenção da gravidez, pois “optar” pelo aborto daria o veredicto de
culpada à mulher. As enfermeiras reconhecem a situação de ilegalidade, a qual se sabe
ser imposta pelo Estado e pelas morais religiosa e burguesa.

Mesmo colocados enquanto não julgadores, os relatos acima exibidos evidenciam


juízo de valor no qual as enfermeiras reconhecem o aborto enquanto um crime
cometido de forma consciente. Porém, de acordo com a discussão já realizada, pode-se
afirmar que a realização do aborto em grande parte ocorre em meio a limitações de
possibilidades de prevenção e de manutenção da gravidez, e sempre em situação de
gravidez indesejada seja pela mulher ou pelo círculo social de sua convivência, o que
não deixa muitas opções para elas.
56

Somente uma enfermeira, Rosa, reconheceu a gravidez indesejada de forma isolada


como uma possível justificativa para a realização do aborto. As enfermeiras pareceram
não reconhecer a gravidez indesejada no momento ou a existência de perspectivas
futuras para as mulheres (como as aspirações acadêmicas ou profissionais, que podem
ser impedidas pela gravidez), como impedimento para levar a gestação a termo,
sugerindo que acima de tudo, a gravidez não deve ser interrompida voluntariamente.

No entanto, diante de uma gravidez indesejada, tanto submeter-se a práticas


abortivas inseguras quanto levar a gravidez a termo são obstáculos à garantia plena da
saúde e infringem os direitos fundamentais das mulheres à vida e à integridade física e
mental. Com base no conceito de tortura construído em ocasião da Convenção contra a
Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos e Degradantes (a qual foi reafirmada
pelo Brasil em 2007, através de um Protocolo Opcional), impor a uma mulher que leve a
gravidez indesejada adiante constitui uma ação de tortura, pelo sofrimento físico e
psicológico causado e pela privação da sua dignidade e autonomia (CAMPOS, 2007).

Apenas uma das enfermeiras declarou-se a favor do aborto e de sua legalização


indiscriminada. Apesar da posição favorável, a enfermeira coloca os motivos pelos
quais defende a descriminalização do aborto:

“Olhe, hoje o aborto no Brasil, ele é praticamente, oficializado. Basta só ser


regulamentado. Porque é uma prática diária, em que as pacientes não sofrem
nenhuma, nenhuma penalidade e não é feito nenhum registro, em [...] posto de
delegado que funciona aqui. [...] [Deveria ser] uma prática oficializada, em que o
profissional que tiver que executar o procedimento, ele vai ter respaldo, perante
a lei.” (Magnólia).

Destaca-se na fala uma questão importante a ser discutida: a denúncia pela punição
da prática do aborto. Por um lado, a colocação nos faz imaginar que a ausência de
punição pode estar relacionada a certa flexibilidade e tolerância social da prática,
mesmo em virtude da ilegalidade atualmente atribuída pelo Estado brasileiro, sendo
considerada prática comum. Por outro, a fala pode evidenciar o desconhecimento de
alguns profissionais a respeito da denúncia da prática abortiva nos serviços de atenção
ao abortamento provocado.
57

Brasil (2005) afirma que é vedado ao profissional de saúde comunicar a ocorrência


do abortamento provocado às autoridades policiais, judiciais ou ao Ministério Público
(exceto quando se busca a proteção à vida da mulher, sendo necessário seu
consentimento), o que fere a ética profissional (direito de sigilo da mulher atendida) e
pode acarretar em punições diversas para o profissional.

Além disso, observa-se que o relato defende a legalização de forma bastante


limitada, apenas sob o ponto de vista da segurança legal para o profissional que lida
com a situação de abortamento. Percebe-se que não há intenção de debater qual papel
a descriminalização do aborto pode cumprir para as mulheres, seja do ponto de vista da
ampliação da garantia à saúde, da conquista de direitos constitucionais ou, muito
menos, da reafirmação da necessidade da mulher lutar pela emancipação de si, do seu
corpo frente à sociedade de classes.

Diante do exposto, pode-se inferir que a opinião de boa parte das enfermeiras está
condicionada a concepções oriundas da formação moral ou religiosa, constituídas sob
uma ideologia que coloca as mulheres em condição de opressão sexual e de gênero.
Sendo assim, lançam-se as seguintes questões: será que as mulheres abortam porque
negam a moral na qual as enfermeiras (e elas próprias) acreditam e seguem? Ou
abortam porque as condições materiais e subjetivas levam essas mulheres a negarem
momentaneamente essa moral?

Considerando a condição de clandestinidade do aborto provocado e da atual


condição de criminosa que o Estado impõe a mulher que o pratica, reconhecida pelas
enfermeiras, pode-se ainda sugerir a seguinte reflexão: será que em nossa sociedade,
onde mulheres são submetidas à condição de oprimidas e exploradas em sua maioria,
o aborto é um crime por ser ilegal (segundo o Código Penal de 1940), ou é ilegal por
ser um crime contra o que se julga moralmente aceito?

Essas dúvidas ficam evidentes na dificuldade de compreender amplamente a


sexualidade da mulher enquanto parte de sua construção objetiva e subjetiva. Por
conseguinte, fica também comprometida a possibilidade de criar uma ponte de debate
entre a descriminalização do aborto e a emancipação de gênero e de classe.
58

7.3 O significado que se traduz na prática da atenção

O relato das enfermeiras sobre o cotidiano de assistência às mulheres em situação


de abortamento mostrou-se bastante diversificado. Durante a análise a respeito dos
significados das enfermeiras frente ao aborto provocado, é importante trazer também à
tona a discussão sobre como a conduta profissional vem sendo permeada por estes
significados. A atuação frente à mulher que praticou o aborto localiza-se num ambiente
onde as limitações estruturais do serviço e os entraves ideológicos e acadêmicos das
enfermeiras ganham suma importância.

O Ministério da Saúde, em orientação aos profissionais, preconiza que a atenção


humanizada às mulheres em situação de abortamento, seja ele espontâneo ou
provocado, deve levar em consideração aspectos que garantam para a mulher
atendida: a atenção clínica adequada; o acolhimento e orientação às demandas
emocionais, físicas e de conhecimento; o oferecimento de planejamento reprodutivo; a
promoção da saúde e a mobilização de parcerias e recursos para que reflitam e
atendam às demandas da comunidade (BRASIL, 2005).

A conduta frente à mulher em situação de abortamento foi muitas vezes abordada


nas falas das enfermeiras entrevistadas. De acordo com as profissionais, a postura
diante dessa mulher requer apoio na concepção de assistência humanizada e de
conduta imparcial, sem julgamentos, o que converge com a proposta de assistência
humanizada proposta pelo Governo Federal:

“A gente trabalha aqui no hospital com atendimento humanizado, né? [...] Então
a paciente que provoca um aborto ela é uma paciente que precisa de uma
orientação.” (Rosa)

“Mas assim, nós como profissionais de Enfermagem, a gente não pode estar
julgando pelo que nós achamos, ou pelo que nós acreditamos, né? Nós temos
que ver o paciente de uma forma holística, com toda..., toda situação social,
cultural, né, independente do que a gente acredite, ou aceite.” (Jasmim).

No entanto, mesmo apropriando-se das recomendações do Ministério da Saúde com


relação à assistência humanizada frente ao abortamento, as enfermeiras demonstram
59

não conseguir incorporar totalmente essas recomendações no cotidiano da atenção


realizada, o que dificulta o estabelecimento das práticas humanizadas no atendimento à
mulher que aborta. Podemos relacionar isso a três grandes razões: a forte influência da
ideologia da moral sobre o aborto, a realidade estrutural do serviço de saúde e a
construção profissional das enfermeiras.

Ao analisar o discurso das enfermeiras sobre o cotidiano da assistência, identificou-


se que o primeiro contato que as enfermeiras têm com a mulher em situação de
abortamento ocorre durante a realização da anamnese clínica, momento encarado pela
maioria como propício para o estabelecimento de um diálogo inicial.

Porém, como demonstram as falas abaixo, a “conversa” muitas vezes se resume à


coleta de informações clínicas ou sociais, próprias de roteiros de entrevista de
enfermagem, sobre a paciente e sobre a realização do aborto. Esse procedimento,
necessário para conduzir a atenção clínica, parece avançar somente até esse ponto. As
enfermeiras comentam como ocorre a rotina de atuação:

“Nós procuramos, é, conversar com essa paciente, né, que é a, a, o ponto


inicial que é essa anamnese: histórico de Enfermagem. De estar questionando
se já foi, é, o primeiro abortamento, se não, se é provocado, se é espontâneo
[...].” (Violeta)

“Converso com elas, né, o tempo todo, pra extrair, né? [...] Eu procuro saber por
que que ela provocou, né? A situação familiar dela em casa, [...] é uma questão
que entra na nossa evolução de enfermagem, [...] e o que ela usou, né,
principalmente o que ela usou pra provocar esse aborto, né? Até porque o
quadro clínico dela vai depender da, do que ela usou [...].” (Hortênsia)

As enfermeiras evidenciaram que a atenção clínica é o foco da assistência, como


pode ser visto no seguinte relato:

“[...] se já tiver um aborto mesmo, com aquele aborto incompleto, a paciente


vem pra sala de curetagem, é feita a curetagem, aquele procedimento técnico
mesmo. A gente não costuma conversar muito sobre..., é..., ‘o que levou a esse
aborto’, fazer... com a paciente, fazer esse levantamento de, de causa, tá
entendendo? Só chega, assim: diagnosticou ‘aborto’, ‘não-aborto’, é...,
‘espontâneo’, ‘provocado’... ou ‘provocado’ e feito o procedimento técnico.”
(Margarida).

A anamnese assume o papel de instrumento mediador da comunicação entre


enfermeiras e mulheres que praticaram aborto. Porém o uso desse instrumento não
60

privilegia um diálogo efetivo entre mulheres e enfermeiras: a fala de uma fica limitada às
perguntas fechadas, contidas no roteiro; a fala da outra, limitada às respostas que deve
fornecer para conclusão da entrevista de enfermagem.

Foi possível observar, em algumas situações, como as enfermeiras se dirigiam às


mulheres internadas para realizar a curetagem uterina. Na maioria das vezes, a
estrutura da conversa baseava-se em algum questionamento da enfermeira a respeito
de um aspecto do tratamento já em curso (como por exemplo, se o médico já havia
introduzido o misoprostol, se ainda estava em jejum para a realização de curetagem).
Numa única oportunidade durante o período de observação, a busca de contato da
mulher com a enfermeira objetivou obter informações sobre exames realizados.

Estudo desenvolvido por Gesteira, Diniz e Oliveira (2008) em maternidade pública


de Salvador-BA afirma que às mulheres em situação de abortamento não é dada a
oportunidade de falar, o que pode ser explicado pela visão negativa (enquanto pecado
ou crime) das enfermeiras quanto ao aborto, dificultando a assistência humanizada e a
discussão sobre a descriminalização do aborto.

O diálogo real vai além da relação entre duas pessoas, sendo compreendido
enquanto práxis social onde mulheres e homens ganham significado perante o mundo,
baseados nas relações do mundo real, constituindo-se num requisito existencial
(FREIRE, 1994). Seguindo essa linha, na relação estabelecida durante a anamnese,
não existe diálogo estabelecido entre enfermeiras e mulheres, mas apenas uma
conversa vazia de sentidos, desprovida de trocas, onde não há objetivo de reflexão
sobre a realidade da mulher trabalhadora que provocou o aborto.

Percebe-se nas enfermeiras uma dificuldade em lidar com os aspectos que


extrapolam a dimensão clínica do abortamento. Os depoimentos abaixo evidenciam que
o suporte emocional à mulher não vinha sendo priorizado durante a assistência:

“Fica muito a parte clínica, clínica, de exame físico, e a parte emocional eu acho
que fica um pouco a desejar.” (Jasmim)

“Essa parte mais de assistência, é..., psicológica, às vezes a gente contata o


Serviço Social, né, dependendo do caso, se for ‘de menor’, mais a assistente
social pra conversar com essa mulher. Mas a gente mesmo não costuma usar
61

muito esses detalhes, essa informação com a paciente. É mais a parte técnica
mesmo.” (Margarida)

Nesse sentido, ficou evidente a compreensão da abordagem clínica e do suporte


emocional de maneira desvinculada, como se cada um ficasse contido numa “parte”
específica da assistência e não fossem trabalhados de maneira conjunta, fazendo com
que uma delas seja privilegiada em detrimento da outra durante a atenção prestada.

Os discursos analisados também remetem a uma compreensão limitada sobre a


importância de um maior apoio emocional à mulher, ao eximir-se da responsabilidade
quanto ao suporte emocional e transferir a demanda “psicológica” para um profissional
que ela julga adequado para fornecer essa atenção.

Combinando Schraiber (1997) e Ribeiro Neto (2000), percebe-se que os


profissionais de saúde enfrentam bastante dificuldade em lidar com problemas sociais e
da subjetividade humana, o que pode ser explicado pelo fato de que muitas vezes eles
não conseguem identificar aspectos sociais e culturais relacionados aos problemas de
saúde. Para a temática do abortamento, este é em elemento que merece atenção, pois
a prática abortiva mostra-se bastante relacionada com as condições materiais pelas
quais as mulheres não conseguem exercer sua sexualidade e a decisão sobre a
maternidade de forma plena.

A maneira pela qual as enfermeiras lidam com a situação de aborto provocado


sugere uma relação profunda com os significados que elas trazem a respeito dessa
prática. Sobre isso, Gesteira, Diniz e Oliveira (2008) afirmam que a percepção mostrada
pelos profissionais frente ao aborto exerce grande influência sobre o modo que se
estabelecem o relacionamento e a assistência à mulher que provocou aborto. Acácia e
Jasmim confirmam essa suposição:

“Muitas vezes, alguns profissionais, né, enfermeiros, né, é..., submetem as suas
questões pessoais, né, no atendimento às pacientes, né” (Acácia).

Como infelizmente, algumas, né, alguns profissionais já tratam a mulher de


forma desrespeitosa, ela já fica até com receio de dizer se foi abortado, se ela
provocou ou se foi espontâneo, né? (Jasmim)
62

Esse “receio” em dizer por qual tipo de aborto as mulheres foram admitidas insinua
que pode haver diferenciação na assistência de acordo com o julgamento da enfermeira
sobre o que para ela significa o tipo do abortamento em questão e com os sentimentos
percebidos, expressos pelas mulheres. A colocação de Violeta ilustra a situação:

“[...] a gente procura acolher, no máximo possível, principalmente quando ela já


indica que o abortamento foi espontâneo, quando ela demonstra pesar pela
perda. Quando não, principalmente pela questão da faixa etária, a gente não
tem um direcionamento maior de acolhimento. Não por preconceito! Não por
preconceito, eu tô colocando uma questão pessoal minha. Não por preconceito.
Mas é porque muitas dessas mulheres [...] são pacientes que retornam para
essa mesma instituição, realizando... pra realizar o mesmo procedimento.”
(Violeta)

A conduta de acolhimento parece não ter uma diretiva maior quando se trata de uma
mulher que tenha provocado um aborto, mesmo que a demanda emocional desta
mulher seja considerada “bem maior do que a mulher que teve um aborto espontâneo”
(Hortênsia). O relato evidencia ainda que, para algumas enfermeiras, a prática de
abortos recorrentes está relacionada à incapacidade de sofrimento com a situação,
como se para todas as mulheres que recorreram ao aborto não houvesse perda
alguma.

A interpretação dos sentimentos das mulheres a partir da observação parece ser


fator suficiente para a definição da conduta de acolhimento a ser adotada em situação
de aborto provocado. O depoimento sugere um traço discriminatório entre a forma de
lidar com relação ao aborto espontâneo e o aborto provocado, estabelecendo uma
forma não oficial de diferenciar a atenção, privilegiando o primeiro em detrimento do
segundo e das reais necessidades de saúde de cada mulher.

Para Espírito-Santo e Vieira (2007), a ausência de “abalos emocionais” (p. 184)


perturba de alguma forma os valores morais de muitos dos profissionais, pois para
estes, aquela ausência é capaz de denunciar por si só a prática abortiva, que é
compreendida enquanto delito para o qual não se espera sofrimento, mas sim culpa.

Soares (2003) aponta em seus estudos que em muitos serviços de saúde, o


atendimento às mulheres em situação de abortamento está condicionado aos valores e
significados dos profissionais, o que tem por vezes gerado situações de
63

desumanização, desrespeito, violência, maus tratos, falta de orientação e atendimentos


imbuídos de preconceitos.

A despeito das falas que afirmam que a mulher (paciente) é tratada sem
diferenciação alguma, o relato das enfermeiras relaciona o tratamento não diferenciado
quando se trata dos aspectos clínicos da abordagem, através de depoimentos que
afirmam que: “a prescrição médica é executada na íntegra” (Magnólia); agir com
naturalidade significa que quando ela é admitida, “a gente tem que fazer a anamnese
mesmo, né?” (Jasmim); e a atuação frente à mulher que praticou um aborto é a mesma
no caso de aborto espontâneo ou de um óbito fetal, “e que por conta disso vai precisar
provocar um, um aborto” (Dália).

Em alguns dos discursos, as enfermeiras referiram não possuir uma cultura de


reflexão cotidiana ou coletiva acerca do aborto e das mulheres trabalhadoras que
recorreram a essa prática. Margarida e Hortênsia, respectivamente questionadas sobre
a opinião acerca do aborto e sobre como enxergava a mulher que recorreu a essa
prática, colocaram que não refletem muito sobre o assunto, e comentam um pouco
sobre os motivos que as levou a não criar este hábito:

“Tem dia que tem mais aborto, mais paciente pra..., de aborto incompleto pra
curetagem do que paciente pra parto, e acaba as coisas acontecendo que a
gente nem pára pra pensar no processo assim, tá entendendo?” (Margarida)

“E a gente aqui da área tem que ser assim mesmo, imparcial, em vários casos,
não só nesse como em outros casos, senão a cabeça da gente não vai
agüentar não.” (Hortênsia)

Dentre os motivos possíveis, os que foram abordados nos relatos sugerem que a
prática do cuidado muitas vezes pode estar sendo feita de forma automática e
mecânica, com ausência da reflexão necessária à compreensão ampliada acerca da
mulher e das circunstâncias que fizeram com que o aborto fosse praticado. Essa
postura não reflexiva parece ser intensificada pela acomodação que rotina de trabalho
oferece, já que o aborto é tido como um problema freqüente e muitas vezes encarado
como rotineiro (GESTEIRA; BARBOSA; ENDO, 2006), fato evidenciado durante
observação e presente no discurso das enfermeiras.
64

Outra possível inferência pode ser feita acerca do conflito de valores interposto entre
a postura cobrada enquanto profissional de enfermagem na assistência ao aborto e o
conjunto de significados e valores pessoais da enfermeira (morais, éticos e religiosos)
acerca do abortamento. Nesse sentido, algumas enfermeiras assumem a postura não
reflexiva aparentemente para evitar a tensão entre aquilo que é sua concepção acerca
do aborto e da mulher que o pratica e aquilo que deve ser feito durante a assistência a
essa mulher, levando em conta a humanização.

O exercício da reflexão é tarefa indispensável na assistência à mulher que praticou o


aborto, possibilitando uma mudança na postura profissional durante todo o processo de
atenção. A reflexão, individual ou coletiva, sobre os motivos do aborto e sobre como
deve ser a atuação profissional pode auxiliar a equipe de saúde a tratar os valores
éticos, morais e religiosos próprios, de modo a minimizar sua interferência e a evitar
práticas discriminatórias e preconceituosas (BRASIL, 2001).

A reflexão acerca da compreensão do aborto na vida da mulher que realizou o


aborto, apresentada por uma das enfermeiras, sugere que esta é uma prática individual,
que não ganha corpo em discussões coletivas e, portanto, não tem grande capacidade
de traduzir em mudança de postura da equipe.

Além disso, durante a observação e a análise dos relatos, ficou subentendido que
não há um espaço formal para a troca de experiências e problematizações entre as
mesmas. Sendo assim, as reflexões acerca de “o que que essa mulher tá passando” ou
sobre “como é que eu tenho que chegar nessa mulher” (Acácia) existem e fazem parte
do cotidiano da atenção, mas ficam limitadas a divagações pessoais.

Mesmo enfrentando diversas barreiras impostas pela moral dominante, que atribui
ao abortamento valores negativos e sobrepostos à realidade material que levou a
mulher a realizá-lo, uma parte das enfermeiras demonstram em seus depoimentos a
preocupação pessoal em como abordar a mulher, ao reconhecer que aquele momento
pode ser vivenciado com dificuldades por estas. O “respeito” pela decisão (Margarida),
a “serenidade”, a “tranqüilidade” e o profissionalismo (Jasmim) foram posturas
65

consideradas pelas enfermeiras como adequadas para a mulher em situação de aborto


provocado.

A dificuldade de abordagem, relacionada aos significados atribuídos ao


abortamento, ainda se intensifica quando somada ao elemento do despreparo, referido
pelas próprias enfermeiras. Em seus depoimentos, as profissionais afirmam que
precisam ser mais bem preparadas, tanto para vencer as questões pessoais que
implicam na dificuldade da assistência quanto para que se aumente a qualidade do
serviço, através da construção de práticas humanizadas:

“[Falta] uma instrução, sei lá, alguma coisa assim que, é..., permitisse chegar
até essa paciente [...] A gente fica meio... Porque querendo ou não, é uma parte
né, que... Principalmente quando é provocado. As mulheres, elas se retraem
mais, não é?” (Margarida)

“Eu acho que as enfermeiras têm que ser um pouco mais preparadas pra, é,
estarem abordando de forma mais humanizada a paciente.” (Acácia)

Através dos seus relatos, as enfermeiras deixam claro que a formação profissional
que receberam não foi suficiente para que elas se sentissem preparadas para trabalhar
de forma efetiva as questões subjetivas presentes durante o cuidado frente ao aborto
provocado, dando abertura para a desumanização.

Soares (2003) aponta que a temática do aborto está presente na formação


acadêmica de médicos e enfermeiros, porém muitas vezes essa formação encontra-se
fortemente influenciada por valores morais e religiosos, que podem trazer dificuldade
em compreender a temática de forma mais ampla.

Em sentido complementar, acredita-se que a formação mais voltada aos processos


biomédicos e norteada pelos valores acima descritos pode contribuir para que não haja
busca ou problematização pelas origens dos atributos morais, éticos e religiosos sobre
o aborto e de sua influência na prática cotidiana da assistência ao abortamento, ao
passo que também dificulta a percepção do problema social existente por trás do
aborto.

Para além das reflexões sobre o papel da formação, as enfermeiras também


colocam na estrutura de organização do serviço (estrutura física, recursos humanos,
66

entre outros) o motivo pelo qual não conseguem ampliar a abordagem aos aspectos
sociais e da subjetividade das mulheres trabalhadoras que abortam.

Durante a observação, constatou-se que as enfermeiras por diversas vezes não têm
condições de separar as mulheres atendidas em decorrência de aborto, seja ele
espontâneo ou provocado, das mulheres que estavam em trabalho de parto, ou das que
já haviam dado à luz e aguardavam com seus recém-nascidos o encaminhamento para
o alojamento conjunto.

Essa situação permite com que mulheres em estados emocionais às vezes até
antagônicos dividam o mesmo espaço, podendo gerar conflitos entre os sentimentos
vivenciados por elas. Esse potencial para o conflito psicológico das mulheres pode ser
inclusive intensificado em decorrência dos sentimentos de perda e luto, que estão
presentes não só nas mulheres que tiveram aborto espontâneo, mas também em
muitas das mulheres que o provocaram (GESTEIRA; BARBOSA; ENDO, 2006).

Além da estruturação física, o suporte emocional deficiente à mulher que aborta foi
colocado por boa parte das enfermeiras como resultante também do fator tempo,
revelando que a organização do trabalho da enfermeira é determinante no atendimento
às mulheres que abortam:

“Eu acho que primeiro teria que haver uma mudança de rotina [...] pra gente
poder dar uma assistência melhor em relação à essa parte que eu falei que
falta, que é da..., da..., do apoio psicológico, da conversa, que às vezes acaba
sendo é..., é..., esquecida, né? Assim, não é bem ‘esquecida’, você acaba não
podendo se deter muito nisso por conta do..., do serviço né, do restante do
serviço [...]” (Margarida).

“A gente faz o que, o que... Digamos assim, o básico de acordo com o que, o
que é fornecido pra gente, no caso é recursos humanos, tempo que às vezes é
curto, [... ] Mas em função do fluxo, do número de procedimento que é muito
grande [...].” (Jasmim)

A observação feita também foi capaz de revelar que boa parte das informações
contidas no prontuário das mulheres era produzida pelos médicos e restringia-se ao
quadro clínico da mulher. As anotações de enfermagem eram realizadas, em sua
maioria, pelas auxiliares e técnicas de enfermagem, e também se referiam aos
aspectos clínicos.
67

Em estudo realizado na região Sul do Brasil, verificou-se que nos prontuários das
mulheres atendidas em virtude de abortamento incompleto, a grande maioria por aborto
induzido, as informações eram voltadas para a compreensão e as demandas do
fenômeno biológico do abortamento, sem considerar a história ou fatores que
pudessem ter contribuído para a realização deste, além da falta de avaliação do Serviço
Social e da Psicologia e de anotações relacionadas ao uso de agentes analgésicos ou
anestésicos para os procedimentos (CARVALHO et al, 2008).

Na unidade constatou-se que as enfermeiras passavam pouco tempo junto às


mulheres em situação de abortamento, sendo que esse “tempo” estava mais
relacionado à necessidade de consulta dos prontuários e checagem das prescrições,
pois era priorizado o atendimento e o suporte a outros setores, como as salas cirúrgicas
e a unidade de gestação de alto risco, situação agravada pelo quantitativo insuficiente
de enfermeiras no setor.

O serviço também não oferece suporte para a realização da sistematização da


assistência de Enfermagem e nem da prescrição de cuidados para as mulheres no
setor, independente de seu quadro clínico, já que não dispõe de impressos de
Enfermagem específicos. A avaliação emocional da mulher conta apenas com um
pequeno espaço reservado ao final da folha de admissão de Enfermagem (onde é
realizada a anamnese), o qual pouquíssimas vezes é preenchido.

As enfermeiras também colocam que dificuldades externas ao serviço também são


barreiras ao atendimento:

“Falta um encaminhamento, algum lugar para onde a gente pudesse estar


encaminhando essas mulheres. Algum tipo de serviço, para que fosse feito
algum tipo de trabalho pra que esse aborto não aconteça novamente, pra que
ele não seja uma coisa recorrente.” (Dália)

As situações descritas acima são compreendidas pelas enfermeiras como


empecilhos para o cotidiano da assistência, no entanto percebe-se que essas questões
por si só não foram capazes de desencadear reflexões ou mudanças no serviço ou na
postura frente ao aborto, considerando que todas elas possuem pelo menos um ano em
atuação no setor. Mesmo sendo capazes de identificar esses fatores enquanto danosos
68

ao processo de cuidado, não foi possível perceber por parte das enfermeiras algo que
remetesse à insatisfação pelas limitações internas e externas das condições de atenção
às mulheres que praticaram aborto.

Não foi constatada nenhuma fala que remontasse à necessidade de reflexão política
sobre o tema. Somente uma enfermeira situou o aborto no plano de discussão
enquanto “um problema de saúde pública” que necessita de “uma atenção específica
por parte, né de nossos governantes” (Rosa). Esta enfermeira, inclusive, foi a única que
declarou ter participado de uma entidade de natureza política, no caso o Diretório
Acadêmico na época da graduação.

A baixa participação da categoria nas questões de natureza política evidenciada


durante a pesquisa é compreendida como um processo que remonta à história da
Enfermagem no Brasil. Esta questão toma maior evidência ao se analisar o atrelamento
de características como a disciplina, a obediência, a rigidez moral e a ausência de
leitura social crítica à consolidação da Enfermagem enquanto profissão, ideologia
norteadora de diversas instituições de ensino da Enfermagem (GERMANO, 2007).

A política de humanização, que deriva da concepção de qualidade na assistência, é


apontada pelo Governo Federal como instrumento de melhoria das relações existentes
entre os diversos sujeitos que participam da construção da saúde. No âmbito dos
serviços, se propõe a criação de uma nova cultura de atendimento, que valorize a
linguagem e estabeleça vínculos afetivos. Porém esta abordagem por si só não é capaz
de levar a humanização à sua concretude, sem que haja busca pela mudança das
bases estruturais da sociedade de classes, que sustenta todas as outras relações
(SANTOS, 2008), extrapolando a atenção clínica de qualidade e o apoio emocional.
69

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A discussão sobre o abortamento provocado envolve uma ampla gama de


concepções, sendo um assunto ainda muito polêmico para as enfermeiras que lidam
diariamente com essa prática. A exploração deste conteúdo desvelou uma realidade
onde as enfermeiras ainda possuem bastante dificuldade em refletir sobre o
abortamento provocado e sobre a sua prática profissional frente ao aborto, apesar
deste assunto fazer parte da sua rotina diária de trabalho.

Os discursos das enfermeiras expuseram a temática do abortamento provocado em


diversas vertentes, sejam elas do ponto de vista da saúde, político, sociológico, moral e
legalista, com influência marcante da religião e da moral burguesa sobre a construção
do significado ao qual elas relacionam a essa prática.

O abortamento provocado ganha caráter de problema de saúde pública devido à


sua condição ilegal, que expõe as mulheres a situações que colocam sua vida em risco
face a uma gravidez indesejada que, em grande parte, é impedida de ser evitada.
Mesmo percebendo a dificuldade de acesso aos serviços de saúde e às informações,
bem como limitações à garantia de bem estar social relacionados à situação de trabalho
e renda, situação conjugal e apoio familiar, as enfermeiras em sua maioria colocaram
na mulher a responsabilidade pela prática do aborto.

Ao considerar o aborto provocado como escolha da mulher por uma prática ilegal ou
pecaminosa, as enfermeiras realizaram julgamentos com base nos seus preceitos
morais e religiosos colocando a mulher como culpada pela sua realização. Dessa
forma, as questões morais e religiosas prevaleceram sobre o restante da problemática
que envolve o abortamento provocado, causando entraves na compreensão mais
profunda sobre a temática, além de interferências na assistência prestada.

Pode-se perceber que as construções pessoais trazidas não tiveram impacto no


aspecto técnico do cuidado, porém exerceu grande influência na abordagem emocional
e no cuidado individualizado à mulher que praticou o aborto, algumas vezes
70

sobrepondo-se às orientações técnicas do Ministério da Saúde sobre esse ponto, o que


permite demonstrar inclusive a insuficiência destas normas diante do problema. Assim,
a abordagem humanizada no serviço e o alcance da autonomia e da emancipação da
mulher da classe trabalhadora enquanto sujeito sócio-histórico ficam prejudicados.

A interferência dos significados atribuídos ao aborto e à mulher que o pratica


pareceu criar um distanciamento entre estas e as enfermeiras e a dificuldade de
reflexão sobre a temática e sobre a conduta profissional. Sendo assim, podemos
concluir que o aborto provocado não vem recebendo a devida atenção por parte do
Estado, já que a situação do aborto fica ainda mais agravada pela inadequação da
estrutura organizativa de trabalho das enfermeiras (estrutura da unidade e recursos
humanos) e da formação acadêmico-profissional às reais necessidades da mulher que
provoca o aborto.

O serviço, contudo, possui potencial para a realização de mudanças, tendo em vista


a percepção das enfermeiras sobre a situação de vida na qual se encontra as mulheres
que realizam o aborto e o reconhecimento das mesmas sobre as limitações que
impedem um serviço de maior qualidade, porém as profissionais não vêm conseguindo
estabelecer instrumentos ou dispositivos no seu cotidiano que dêem suporte a essa
necessidade, devido aos valores negativos atribuídos ao aborto e às mulheres que o
praticam, bem como à falta de reconhecimento desses elementos enquanto
extirpadores da qualidade da assistência e barreiras à atenção humanizada.

No entanto, tais considerações não devem ser feitas sem atentar-se à estrutura
ideológica e social que possibilita a criação destas construções valorativas
evidenciadas pelas enfermeiras nos seus relatos. A ilegalidade e o pecado atribuídos
ao aborto respectivamente pelo Estado e pela moral (burguesa e religiosa) colocam
para a mulher da classe trabalhadora o aprofundamento da situação de opressão, e da
manutenção da sua dominação de classe. As enfermeiras também acabam sendo
vítimas dessa superestrutura social, ao reproduzirem os valores hegemônicos perante o
aborto e os sobrepujarem à conduta profissional adequada.
71

Ao recorrer ao aborto, a mulher é enquadrada como pecadora ou criminosa; ao


manter a gravidez indesejada, aprofunda-se seu sofrimento social, físico ou psicológico.
De ambas as formas, não há liberdade nem autonomia de decisão da mulher sobre o
seu corpo, nem sobre sua vida, sem que se passe pelo crivo da Justiça ou da Igreja, a
não ser de forma clandestina. Além disso, é sobre as mulheres trabalhadoras que o
peso da ilegalidade mostra sua face mais cruel, agravando os problemas e a opressão
já enfrentados por sua condição de classe.

O estudo realizado não pretendeu a exaustão da discussão sobre o abortamento


e sua relação com os significados que permeiam trabalhadores de saúde que lidam
com a situação em seu cotidiano, nesse caso enfermeiras, porém foi capaz de abrir
pontos de reflexão onde será necessário um maior aprofundamento em futuros
trabalhos. Identificar como ocorre a formação de Enfermagem (e profissionais de
saúde) com relação ao aborto provocado e à saúde sexual e reprodutiva, conhecer as
reais demandas de saúde das mulheres que praticaram aborto, avaliar os fatores que
interferem no planejamento familiar oferecido pelo SUS e a diferença de sua efetividade
nas classes sociais, além de estudos sobre a ineficiência da proibição legal do aborto
são sugestões que podem contribuir no aprofundamento do tema.

Sendo assim, é necessário buscar a compreensão do abortamento numa esfera


maior que a do agravo à saúde, levando em consideração que a saúde é a expressão
das relações sociais e econômicas (e, porque não, políticas) do país, determinada e
condicionada por fatores como a educação, o trabalho e o acesso aos serviços
(BRASIL, 1990). A situação de abortamento não se deve apenas receber o título de
“problema de saúde pública”, mas deve ser tratada como um indício de que a estrutura
social colocada às mulheres trabalhadoras não vem satisfazendo as suas necessidades
de forma plena.

As discussões sobre a temática do abortamento provocado devem ser estimuladas


no âmbito do serviço, de forma a diminuir os tabus e preconceitos gerados pelos
valores morais e religiosos sobre o aborto e o impacto negativo destes sobre a
assistência, ampliando o entendimento sobre as reais necessidades das mulheres
frente ao processo de abortamento provocado. Dessa forma, contribui-se para a
72

sensibilização dos profissionais frente às questões que envolvem o aborto provocado


enquanto problema de saúde pública e social, sendo essas algumas das expressões do
histórico de opressão ao qual a mulher, sobretudo a trabalhadora, foi e ainda é
submetida.

A prática em saúde da Enfermagem deve colaborar para que a mulher consiga


interferir nas suas condições objetivas e subjetivas de vida, ajudando-a a despertar
consciência sobre o seu corpo e sobre a condição de opressão de gênero e classe na
qual se encontra. Além disso, qualificar a formação profissional, a estruturação da rede
de apoio do SUS ao abortamento e a organização interna do trabalho de Enfermagem e
dos serviços de atenção são tarefas colocadas na ordem do dia para a superação dos
entraves subjetivos (morais, éticos e religiosos) e objetivos colocados pela ideologia
dominante acerca do abortamento e da mulher que o pratica.

Mais do que nunca, é também preciso se construa uma prática e uma reflexão em
saúde emancipadoras, compreendendo o aborto para além do agravo à saúde das
mulheres, mas localizando sua discussão em meio à luta das mulheres da classe
trabalhadora pela superação dessa matriz social que o gera e o sustenta enquanto
problema.
73

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Paulo: Ediouro, 2000.
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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA – CAMPUS I
BACHARELADO EM ENFERMAGEM

APÊNDICE A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

Estamos desenvolvendo uma pesquisa com enfermeiras de maternidade integrante


da rede pública de atendimento do Sistema Único de Saúde – SUS. Para tanto,
gostaríamos de contar com sua participação respondendo um instrumento contendo um
conjunto de questões que visam compreender o significado da prática do aborto
provocado no contexto da opressão à mulher, na perspectiva de enfermeiras. O
conjunto de questões compreende itens de dados referentes ao conhecimento dos
significados da prática do aborto na perspectiva das enfermeiras e à identificação das
concepções das enfermeiras acerca da opressão feminina com relação à prática
abortiva.

A sua participação não envolve nenhum custo ou risco para sua pessoa, assim
como nenhuma interferência nas suas atividades. Sua identidade será mantida no
anonimato. Você tem toda a liberdade de recusar sua participação. Caso aceite
participar, você poderá, a qualquer momento, obter informações sobre o andamento
desta pesquisa e também retirar o seu consentimento mesmo que tenha antes se
manifestado favorável. Será garantido o sigilo das informações por você fornecidas
(COMISSÃO NACIONAL DE ÉTICA EM PESQUISA, 2000).

Eu, _______________________________________________________, tendo sido


informado (a) dos objetivos da pesquisa “ABORTO PROVOCADO E MULHERES
TRABALHADORAS: PERCEPÇÃO DE ENFERMEIRAS”, concordo em participar da
mesma, respondendo a uma entrevista aplicada pela estudante de Enfermagem
Monique França Carneiro, sob orientação da professora Maria da Conceição Costa
Rivemales.
81

Autorizo o uso das informações para fins de redação, divulgação e publicação de


artigos científicos do Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Enfermagem.
Estou ciente de que os dados serão tratados de forma confidencial, sem divulgação da
fonte e de que poderei desistir de participar da pesquisa em qualquer fase da mesma,
com exclusão das informações por mim prestadas sem que eu seja submetido (a) a
qualquer penalizarão. Aceito, livremente, participar da pesquisa, conforme os termos
acima apresentados.

______________________________ ______________________________
Monique França Carneiro Nome: ______________________
(71)8755-7347; 3117-2416; 3230-8937 Telefone: _______________________
___________________________
82

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA – CAMPUS I
BACHARELADO EM ENFERMAGEM

APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA

PESQUISA: “ABORTO PROVOCADO E MULHERES TRABALHADORAS:


PERCEPÇÃO DE ENFERMEIRAS”

OBJETIVO: Compreender o significado da prática do aborto provocado, no contexto da


opressão à mulher, na perspectiva de enfermeiras.

PESQUISADORA: Monique França Carneiro.

ORIENTADORA: Maria da Conceição Costa Rivemales.

I. DADOS GERAIS
a. Idade: _____ _____________________________
b. Situação conjugal: ___________________________
( ) Solteira ( ) Relacionamento g. Formação acadêmica:
estável ( ) Saúde coletiva
( ) Casada ( ) Divorciada ( ) Área clínica
( ) Viúva h. Atuação política
c. Número de filhos: _____ ( ) Nunca atuou
d. Religião/ crença: ( ) Atuou/atua. Local/atividade:
_________________________ ____________________________
e. Tempo de atuação na área: __________________________
_________ ( ) Movimento de gênero (somente
f. Vínculo empregatício: se atuou/ atua)

II. QUESTÕES DE PESQUISA


a. Qual sua opinião sobre a prática do aborto?
b. Para você, o que leva uma mulher a recorrer ao aborto?
c. Fale um pouco sobre como é a mulher que pratica o aborto.
d. Como você atua em relação à mulher que praticou o aborto?
83

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA VIDA – CAMPUS I
BACHARELADO EM ENFERMAGEM

APÊNDICE C – ROTEIRO DE OBSERVAÇÃO NÃO-PARTICIPANTE

 Observar:

o Como é o ambiente para realização do atendimento.

o Como as enfermeiras se dirigem às mulheres (observar o conteúdo da fala


dirigida à mulher e a postura assumida durante tal)?

 Verificar como ocorre a comunicação das enfermeiras com o restante da equipe,


sobre o atendimento à mulher que é admitida com quadro de abortamento.
84

ANEXOS

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