Sie sind auf Seite 1von 27

Conversação com São Serafim de Sarov (N. A.

Motovilov)

Era uma terça-feira de tempo sombrio. Havia uma camada de neve com vinte centímetros de
espessura lá fora e os flocos de neve miúdos caíam do céu, quando o Padre Serafim começou
sua conversação comigo, num campo próximo ao seu eremitério, junto ao rio Sarovka e ao pé
da colina que se elevava a partir da margem. Eu me sentei sobre um toco de árvore que ele
havia cortado, e ele acocorou-se diante de mim.

“O Senhor me revelou, disse o ancião, que em sua infância você mostrou um grande desejo de
abraçar nossa vida cristã, e que buscou respostas em muitas pessoas espirituais a este
respeito”.

De fato, desde os meus doze anos este pensamento ocupou minha mente. E, de fato, eu me
aproximei de muitos clérigos buscando respostas a este respeito; mas suas palavras nunca me
satisfizeram. O ancião não sabia disto.

“Mas ninguém, continuou o Padre Serafim, lhe deu uma resposta precisa. Eles lhe disseram:
‘Vá à igreja, ore a Deus, sega seus mandamentos, seja bom – estes são os objetivos de uma
vida cristã’. Alguns devem ter ficado indignados por você ter uma curiosidade profana, e lhe
disseram: ‘Não procure coisas que estão além de você’. Mas eles não falaram com
propriedade. E agora o pobre Serafim vai lhe explicar no que consiste realmente este objetivo
da vida cristã”.

“Orar, jejuar, fazer vigílias e outras atividades cristãs, por melhor que sejam em si, não
constituem a finalidade da vida cristã, embora possam servir como meios indispensáveis para
alcançar este fim. O verdadeiro objetivo de nossa vida cristã consiste na obtenção do Espírito
Santo de Deus. Assim sendo, os jejuns, as vigílias, a oração, a esmola e todas as boas ações
feitas em nome de Cristo, não passam de meios para se adquirir o Espírito Santo de Deus. Mas
lembre-se, filho meu, somente as ações feitas em nome de Cristo poderão nos trazer os frutos
do Espírito Santo. Tudo o que não é feito em nome de Cristo, por melhor que seja, não nos
trará as recompensas na vida futura nem a graça de Deus nesta vida. É por isso que nosso
Senhor Jesus Cristo disse: ‘Quem não recolhe comigo, dispersa[1]’. Não que uma boa ação
possa ser outra coisa senão uma colheita, e mesmo que não seja feita em nome de Cristo ela
permanece boa. A Escritura diz: ‘Pelo contrário, ele aceita quem o teme e pratica a justiça, seja
qual for a nação a que pertença[2]’”.

“Como vemos pela narrativa sagrada, o homem que trabalha corretamente é tão agradável a
Deus que o Anjo do Senhor apareceu no momento da oração a Cornelius, o centurião direito e
temente a Deus, e disse: ‘Envie Simão o curtidor a Joppa; lá ele encontrará a Pedro que lhe
dirá palavras de vida eterna, de modo que ele e toda sua casa serão salvos’. Assim usou o
Senhor de seus divinos meios para dar àquele homem, em retribuição ao seu trabalho, uma
oportunidade de não perder a recompensa na vida futura. Mas para tanto devemos começar
agora com a correta fé em nosso Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus, que veio a este mundo
para salvar os pecadores e que, por meio daquilo que adquirimos da graça do Espírito Santo,
leva o Reino de Deus aos nossos corações e abre para nós o caminho para que recebamos as
bênçãos da vida futura. Mas a aceitação por parte de Deus das boas ações que não são
realizadas em nome de Cristo se resume a isto: o Criador provê os meios para que a vida
continue[3]. É por isso que o Senhor disse aos judeus: “Se vocês fossem cegos, não teriam
nenhum pecado. Mas como vocês dizem: ‘Nós vemos’, o pecado de vocês permanece”. Se um
homem como Cornelius desfruta do favor de Deus por suas ações, ainda que não tenham sido
feitas em nome de Cristo, mas crê em Seu Filho, estas ações serão imputadas a ele como se
tivessem sido feitas em nome de Cristo apenas por sua fé nele. Mas no caso contrário o
homem não tem o direito de reclamar que sua boa ação tenha sido inútil. Todas as ações são
inúteis, exceto quando feitas em nome de Cristo, porque o bem feito em seu nome não apenas
merecem a coroa do direito no reino futuro, mas ainda cumulam com a graça do Espírito Santo
nesta vida. Como foi dito: ‘Deus concede o Espírito sem medida. O Pai ama o Filho, e entregou
tudo em sua mão’[4]”.

“É isto, Bem-Amado. É na aquisição deste Espírito de Deus que consiste o verdadeiro objetivo
de nossa vida cristã, enquanto que a oração, a vigília, o jejum, a esmola e outras boas ações
feitas em nome de Cristo são apenas meios para se adquirir o Espírito de Deus”.

“O que você quer dizer com aquisição? Não entendo o significado disto”, disse eu ao Padre
Serafim.

“Adquirir e obter são a mesma coisa, respondeu ele. Você entende, naturalmente, o
significado de adquirir dinheiro. Pois adquirir o Espírito de Deus é exatamente a mesma coisa.
Você entende perfeitamente o sentido mundano de adquirir, Bem-Amado. O objetivo
ordinário da vida mundana é adquirir ou obter dinheiro, e adicionalmente receber honrarias,
distinções e outras recompensas pelos serviços prestados, por exemplo, aos governos. A
aquisição do Espírito de Deus é como a obtenção de capital, mas é eterna e plena de graças, e
é obtida por meios bastante similares, que são quase os mesmos usados para se obter capital
monetário, social e temporal”.

“Deus o Verbo, o Homem Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, compara nossa vida com um
mercado, e o trabalho de nossa vida na terra ele chama de comércio, e nos diz: ‘Negociem até
que eu volte[5], aproveitando o tempo presente, porque os dias são maus[6]’. Isto quer dizer
que devemos ocupar o máximo de nosso tempo na obtenção de bênçãos celestiais por meio
dos bens terrestres. Os bens terrestres são as boas ações feitas em nome de Cristo, que nos
conferem a graça do Santíssimo Espírito”.

“Na parábola das virgens sábias e tolas, quando faltou azeite para as virgens tolas, foi dito a
elas: ‘Vão e busquem no mercado’. Mas quando elas retornaram do mercado, a porta da
câmara nupcial já estava fechada e elas não puderam entrar. Algumas pessoas dizem que a
falta de azeite nas lâmpadas das virgens tolas significa a falta de boas ações em suas vidas, mas
esta interpretação não é correta. Por que faltariam as boas ações, uma vez que elas eram
virgens, ainda que tolas? A virgindade é uma virtude suprema, um estado angélico, que
sozinho supera todas as demais boas ações”.

“Penso que o que lhes faltava era a graça do Espírito Santíssimo de Deus. Estas virgens haviam
praticado as virtudes, mas em sua ignorância espiritual imaginaram que a vida cristã consistia
simplesmente em fazer boas ações. Ao fazer o bem, pensavam estar fazendo as obras de Deus,
mas não se preocuparam em saber se aquilo lhes traria a graça do Espírito de Deus. Este modo
de vida baseado apenas em fazer o bem sem verificar se este bem traz a graça do Espírito de
Deus, é mencionado nos livros da Patrística: ‘Existe outro modo de fazer o bem, que funciona
no princípio, mas que termina no fundo dos infernos’”.

“Antônio o Grande dizia em suas cartas aos monges, a respeito destas virgens: ‘Muitos monges
e virgens não têm ideia das diferentes formas de vontade que agem no homem, nem sabem
que somos influenciados por três vontades: a primeira é a vontade de Deus, perfeita e
salvadora; a segunda é nossa própria vontade humana que, quando não é destrutiva,
tampouco é salvadora; e a terceira é a vontade do demônio, que é totalmente destruidora’.
Esta terceira forma de vontade ensina o homem tanto a não realizar boas obras – ou a fazê-las
apenas por vaidade – quanto a realizá-las em nome da virtude, mas não em nome de Cristo. A
segunda forma, nossa própria vontade, nos ensina a tudo fazer para satisfazer nossas paixões,
ou nos ensina, como a outra, a fazer as coisas em nome do bem sem nos preocuparmos com a
graça que poderia ser adquirida com isto. Mas a primeira, a vontade salvadora de Deus,
consiste em fazer o bem apenas para adquirir o Espírito Santo, como um tesouro eterno e
inexaurível cujo valor sequer conseguimos avaliar. É esta aquisição do Espírito Santo que está
representada no azeite que faltou às virgens tolas. Elas são chamadas de tolas porque
esqueceram o necessário fruto da virtude, a graça do Espírito Santo, sem a qual ninguém pode
ser salvo, pois ‘toda alma é estimulada pelo Espírito Santo e exaltada pela pureza e
misticamente iluminada pela Unidade Trinitária’[7].”

“Este é o azeite das lâmpadas das virgens sábias que queima e brilha luminosa e longamente, e
são estas virgens com suas lâmpadas acesas que podem penetrar na Câmara Nupcial para
encontrar o Noivo, que chegará à meia noite. Mas as virgens tolas, embora tendo corrido ao
mercado para comprar azeite quando viram que suas lâmpadas se apagavam, não
conseguiram retornar a tempo, e encontraram a porta fechada. O mercado é nossa vida; a
porta da Câmara Nupcial que se fechou e barrou a entrada às virgens tolas é a morte humana;
as virgens, tolas ou sábias, são as almas cristãs; o azeite é a graça do Espírito Santo que pode
ser adquirida por meio das boas obras e que transforma as almas de um estado em outro – ou
seja, da corrupção para a incorruptibilidade, da morte espiritual para a vida espiritual, das
trevas para a luz, do estábulo de nosso ser (onde as paixões permanecem amarradas como
animais estúpidos e bestas selvagens) para o Templo da Divindade, na Câmara luminosa da
eterna alegria em Jesus Cristo nosso Senhor, o Criador e Redentor, o eterno Noivo de nossas
almas.”

“Quão grande é a compaixão de Deus por nossa miséria, vale dizer, nossa desatenção por seus
cuidados para conosco, quando Ele próprio diz: ‘Vejam, eu estou à porta e bato[8]’,
significando, com ‘porta’, o curso de nossa vida ainda não fechada pela morte! Oh, como eu
gostaria, Bem-Amado, que em sua vida você pudesse estar sempre no Espírito de Deus! ‘Do
modo como eu o encontrar, assim você será julgado[9]’, disse o Senhor.”

“Desgraça será a nossa se Ele nos encontrar sobrecarregados com os cuidados e tristezas desta
vida! Pois quem poderá suportar sua ira, quem poderá resistir à fúria de seu semblante? Por
isso foi dito: ‘Vigiai e orai para não cairdes em tentação[10]’, para que não sejamos despojados
do Espírito de Deus, para que vigiemos e oremos para que Ele nos dê a sua graça.”

“Pois bem, se toda boa obra realizada em nome de Cristo nos traz a graça do Espírito Santo, a
oração nos é ainda mais benéfica, porque está sempre à mão, como um instrumento para
adquirir a graça do Espírito. Por exemplo, você gostaria de ir à igreja, mas não há nenhuma
aberta; você gostaria de ajudar um mendigo, mas não encontra nenhum em seu caminho, ou
você não tem nada para dar; você gostaria de preservar sua virgindade, mas não tem forças
para tanto devido ao seu temperamento, ou por causa da violência dos engodos do inimigo
que se aproveita de sua fraqueza humana para superar sua resistência; você gostaria de fazer
alguma outra boa ação em nome de Cristo, mas lhe faltam forças ou lhe falta a oportunidade.
Estas coisas certamente não acontecem com a oração. A oração é sempre possível para
qualquer um, rico ou pobre, nobre ou humilde, forte ou fraco, saudável ou doente, direito ou
pecador.”

“Você pode avaliar quão grande é o poder da oração mesmo para um pecador, quando
oferecida de todo coração, pelo exemplo a seguir, extraído da Santa Tradição. Uma mãe
desesperada chorava a morte de seu filho único, e uma prostituta a quem ela encontrara,
ainda manchada por seus pecados, compadeceu-se de sua dor e clamou ao Senhor: ‘Não em
nome desta pecadora que sou eu, mas em nome das lágrimas de uma mãe que chora seu filho
e que crê firmemente em Seu amor e em Seu Poder, ó Cristo nosso Deus, devolva a vida ao seu
filho, Senhor!’. E o Senhor devolveu a vida à criança.”
“Veja, Bem-Amado! Grande é o poder da oração, e ela traz, mais do que todas as outras coisas,
o Espírito de Deus, além de poder ser praticada com mais facilidade por qualquer um. Seremos
abençoados se o Senhor Deus nos achar vigilantes e cheios dos bens de seu Santo Espírito.
Então poderemos estar certos de que seremos ‘arrebatados e levados às nuvens ao encontro
do Senhor nos céus[11], que virá com grande poder e glória[12] para julgar os vivos e os
mortos[13] e para retribuir a cada homem de acordo com suas obras[14]’.”

“Ó Bem-Amado, digne-se a pensar que é uma grande alegria falar com o pobre Serafim, e
acredite que nem ele está despojado da graça do Senhor. O que diríamos então do próprio
Senhor, a infalível fonte de toda espécie de bênçãos, tantos celestiais quanto terrestres? De
fato, na oração nos é concedido conversar com ele, o Deus dispensador da vida e de todas as
graças e nosso Salvador. Mas mesmo aqui devemos orar a Deus apenas para que o Espírito
Santo desça sobre nós na medida de Sua divina graça conhecida por Ele. E quando ele se
dignar a nos visitar, devemos parar de pedir a ele, ‘vem e habita em nós, purifica-nos de toda
mancha e salva nossas almas, Tu que és bom’, porque na verdade ele já veio até nós que nele
acreditamos e que realmente chamamos por seu Santo Nome, que podemos recebê-lo com
humildade e amor, a ele o Consolador, na morada de nossas almas, com famintos e sedentos
por Sua vinda.”

“Explicarei isto a você, Bem-Amado, por meio de um exemplo. Imagine que você me convidou
para visitá-lo, que eu aceitei o convite e vim para conversar consigo. Mas você continua a me
convidar, dizendo: ‘Entre, por favor. Entre!’. Então eu serei obrigado a pensar: ‘Qual é o
problema com ele? Estará ele louco?’. O mesmo acontece com nosso Senhor e o Espirito
Santo. Por isso foi dito: ‘Rendam-se e conheçam que eu sou Deus; eu devo ser exaltado entre
os gentios, eu devo ser exaltado por toda a terra[15]’. Ou seja, ‘Eu virei e continuarei a vir para
todos os que acreditam em mim e que me chamam, e conversarei com cada qual como
conversei com Adão no Paraíso, com Abrahão e Jacó e com outros servidores meus, com
Moisés, Jó e outros como eles’.”

“Muitos explicam que esta paz se refere apenas às matérias terrestres; em outras palavras,
que durante sua conversa em oração com Deus você deve estar “em paz” apenas em relação
aos negócios do mundo. Mas eu lhe direi em nome de Deus que não apenas é preciso estar
morto para estes durante a oração, mas que também, quando pelo onipotente poder da fé e
da oração nosso Senhor Deus o Espírito Santo concede visitar-nos, e vem a nós na plenitude de
sua indizível bondade, devemos morrer também para a oração”.

“A alma fala e conversa durante a oração, mas no momento da descida do Espírito Santo
devemos nos manter em completo silêncio, de modo a escutar nítida e inteligivelmente todas
as palavras de vida eterna que ele se dignar a nos comunicar. É preciso uma sobriedade total
da alma e do espírito, e uma castidade e pureza do corpo. As mesmas exigências foram feitas
aos israelitas no Monte Horeb, quando eles foram proibidos inclusive de tocar suas esposas
durante três dias antes da aparição de Deus no Monte Sinai. Pois nosso Deus é um fogo que
consome tudo que não estiver limpo, e ninguém que estiver corrompido em corpo ou espírito
poderá entrar em comunhão com ele”.

“Sim, Padre, mas e com relação às demais boas obras feitas em nome de Cristo, para adquirir a
graça do Espírito Santo? Você só me falou da oração!”.

“Adquira a graça do Espírito Santo também praticando todas as outras virtudes em nome de
Cristo. Negocie espiritualmente com elas; comercie com as que lhe trouxerem mais benefícios.
Acumule o capital da superabundância da graça de Deus, deposite-o no banco do Deus eterno
que lhe devolverá dividendos imateriais, não a quatro ou seis por cento, mas a cem por cento
para cada centavo espiritual, e até infinitamente mais do que isto. Por exemplo, se a oração e
a vigilância lhe trazem mais graças de Deus, ore e vigie; se for o jejum, jejue; se a esmola,
distribua o quanto puder. Pese cada virtude exercida em nome de Deus, à sua maneira”.

“Agora vou lhe falar a respeito do pobre Serafim. Eu vim de uma família de comerciantes em
Kursk. Quando ainda não estava no mosteiro, costumávamos comerciar com mercadorias que
nos traziam bons lucros. Aja assim, meu filho. E, assim como no comércio o principal não é
simplesmente negociar, mas obter o maior lucro possível, nos negócios da vida cristã a
questão não é somente orar ou realizar qualquer outra boa obra. Pois o Apóstolo disse: ‘Orai
sem cessar[16]’, e, como você deve lembrar, ele acrescentou: ‘eu prefiro dizer cinco palavras
com minha consciência do que dez mil palavras apenas com a língua[17]’. E o Senhor disse:
‘nem todo o que me diz: Senhor, Senhor, será salvo, mas sim aquele que cumpre a vontade de
meu Pai[18]’, ou seja, aquele que realiza a obra de Deus, e que, mais do que isto, a cumpre
com reverência, pois ‘maldito é o que faz a obra do Senhor com negligência[19]’. E a obra de
Deus consiste em crer em Deus e naquele que foi por ele enviado, Jesus Cristo[20]. SE
entendermos os mandamentos de Cristo e os Apóstolos corretamente, nossos negócios
enquanto cristãos consistirão não apenas em aumentar o número de nossas ações – que são
apenas os meios para alcançar os objetivos de nossa vida cristã – mas em extrair delas o
máximo proveito, ou seja, obter as mais abundantes dádivas do Espírito Santo”.

“Como eu gostaria, Bem-Amado, que você próprio pudesse adquirir esta fonte inesgotável de
graça divina, e que pudesse sempre perguntar a si mesmo: estarei eu com o Espírito de Deus
ou não? E, caso você esteja no Espírito, bendito seja Deus!, você não terá nada a temer. Você
estará pronto para se apresentar diante do terrível julgamento de Cristo imediatamente.
Porque, ‘como Eu o encontrar, assim o julgarei’. Mas, se não estivermos no Espírito, devemos
descobrir porquê e por qual razão nosso Senhor e Deus o Espírito Santo preferiu nos
abandonar; e devemos buscá-lo novamente, e procurá-lo até encontrá-lo, e trazê-lo a nós
através de Sua bondade. E devemos atacar os inimigos que tentam nos desviar dele até que
desapareçam, como disse o Profeta Davi: ‘ Persegui e alcancei os meus inimigos, e não voltei
sem os ter consumido; eu os derrotei, e não puderam levantar-se; eles caíram debaixo dos
meus pés[21]’.”

“É isto, filho meu. É assim que você deve negociar espiritualmente com a virtude. Distribua o
presente das graças do Espírito àqueles que necessitam, assim como uma vela que queima
com o fogo terrestre ilumina a si própria e acende outras velas para que iluminem outros
lugares, sem diminuir sua própria luz. Se isto acontece com o fogo terrestre, o que diremos do
fogo da graça do Santíssimo Espírito de Deus? Porque as riquezas terrestres diminuem com a
distribuição, mas as riquezas celestiais de Deus, quanto mais são distribuídas, mais aumentam
nas mãos daqueles que as distribuem. Por isso o Senhor disse à samaritana: ‘quem beber desta
água voltará a ter sede; mas quem quer que beba da água que eu lhe der jamais voltará a ter
sede; e esta água que eu lhe darei se tornará nele uma fonte de água que jorrará até a vida
eterna[22]’.”

“Padre, disse eu, você fala todo o tempo na aquisição da graça do Espírito Santo como sendo o
objetivo da vida cristã. Mas como e onde poderei ver isto? As boas ações são visíveis, mas
pode o Espírito Santo ser visto? Como poderei eu saber se ele está comigo ou não?”

“Presentemente, replicou o ancião, devido à nossa quase universal frieza em relação à nossa
santa fé em nosso Senhor Jesus Cristo, e à desatenção para com o trabalho de sua Divina
Providência para conosco e para com a comunicação do homem com Deus, nos distanciamos
tanto que podemos dizer que praticamente abandonamos a verdadeira vida cristã. Os
testemunhos da Sagrada Escritura nos parecem estranhos, quando, por exemplo, pela boca de
Moisés o Espírito Santo diz: ‘e Adão viu que o Senhor passeava pelo Paraíso[23]’, ou quando
lemos as palavras do Apóstolo Paulo: ‘Chegamos a Acaia, e os Espírito de Deus não estava
conosco; voltamos para Macedônia, e o Espírito de Deus estava conosco[24]’. Mais de uma
vez, em outras passagens da Escritura, o aparecimento de Deus ao homem é mencionado”.

“É por isso que algumas pessoas dizem: ‘Estas passagens são incompreensíveis. Será possível
que as pessoas consigam ver a Deus tão abertamente?’. Mas não há nada de incompreensível
nisso. A dificuldade em compreender é devido ao fato de que abandonamos a simplicidade do
conhecimento original do Cristianismo. Sob o pretexto da educação, conseguimos chegar a
tamanha escuridão que, em nossa ignorância, aquilo que era claríssimo aos nossos ancestrais
nos parece quase inconcebível[25]. Mesmo numa conversa banal, a ideia de uma aparição de
Deus não parecia estranha aos nossos antepassados. Assim é que quando os amigos de Jó o
repreenderam por blasfemar Deus, ele lhes respondeu: ‘Como é possível ser assim, se eu sinto
o Espírito de Deus em minhas narinas?[26]’. Ou seja, como posso ser blasfemo quando o
Espírito de Deus habita em mim? Se eu tivesse blasfemado, o Espírito Santo teria me
abandonado, mas eu sinto seu sopro em minhas narinas”.

“Do mesmo modo se diz que Abrahão e Jacó viram a Deus e conversaram com ele, e que Jacó
chegou mesmo a lutar com ele. Moisés e todo o povo que estava com ele viram a Deus quando
ele recebeu as tábuas da Lei no monte Sinai. Uma coluna de fumaça e uma coluna de fogo, ou,
em outras palavras, a graça evidente do Espírito Sant, serviram de guias ao povo de Deus no
deserto. As pessoas viram a Deus e viram a graça de seu Espírito Santo, não adormecidas ou
em sonhos, ou excitadas por uma imaginação desordenada, mas verdadeira e abertamente”.

“Nós nos tornamos tão desatentos para o trabalho de nossa salvação que interpretamos
erradamente muitas outras passagens da Sagrada Escritura, apenas porque não buscamos
mais a graça de Deus e, no orgulho de nossas mentes, não permitimos que ela habite em
nossas almas. É por isso que perdemos a verdadeira iluminação do Senhor, aquela que ele
envia aos corações dos homens que têm, de todo coração, fome e sede da Justiça de Deus”.

“Muitos explicam que quando a Bíblia diz: ’Deus assoprou o hálito da vida no rosto de Adão ,
que fora por ele criado do barro do chão’, isto significaria que até então não haveria em Adão
nem alma humana nem espírito, mas apenas a carne criada do barro. Mas esta interpretação
está errada, porque o Senhor Deus criou Adão do barro do chão com uma constituição que
nosso paizinho e santo Apóstolo Paulo descreve: ‘Possa seu espírito, sua alma e seu corpo
serem preservados sem mácula até a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo[27]’. E estas três
partes de nossa natureza foram criadas do barro do chão, e Adão não foi criado morto, mas
como um ser vivo ativo como todas as demais criaturas animadas de Deus que viviam na terra.
A questão é que se o Senhor Deus não tivesse soprado em seu rosto o sopro da vida (ou seja, a
graça de nosso Senhor Deus o Espírito Santo que procede do Pai e perdura no Filho e que foi
enviado ao mundo por causa do Filho), Adão teria permanecido sem ter em si o Espírito Santo
que o elevou à dignidade divina. Por mais perfeito que ele tivesse sido criado, e por superior
que fosse em relação às outras criaturas de Deus, como o coroamento da criação terrestre, ele
seria como todas as outras criaturas que, embora tendo um corpo, uma alma e um espírito de
acordo com sua espécie, não possuem o Espírito Santo em si. Foi no instante em que o Senhor
Deus assoprou no rosto de Adão o sopro da vida que, segundo Moisés, ‘Adão se tornou uma
alma vivente[28]’, vale dizer, completamente e em todos os sentidos semelhante a Deus, e,
como Ele, para sempre imortal. Adão era a tal ponto imune à ação dos elementos que a água
não poderia afogá-lo, o fogo não poderia queimá-lo, a terra não poderia sepultá-lo em seus
abismos, nem poderia o ar feri-lo de qualquer maneira que fosse. Tudo estava submetido a ele
como amado por Deus que era, como rei e senhor de toda a criação, e tudo olhava para ele,
como o perfeito coroamento de todas as criaturas de Deus. Adão foi criado tão sábio por este
sopro de vida que recebeu no rosto dos lábios criadores de Deus, o Criador e Regente de todas
as coisas, que jamais houve na terra homem mais sábio ou inteligente do que ele, e
dificilmente haverá algum dia. Quando o Senhor lhe ordenou que desse nomes a todas as
criaturas, ele deu a cada uma um nome que expressava completamente suas qualidades,
poderes e propriedades que lhes haviam sido dadas por Deus em sua criação”.

“Devido a este presente da graça sobrenatural de Deus que infundiu nele o sopro da vida,
Adão podia ver e ouvir o Senhor caminhar pelo Paraíso, e compreender suas palavras, assim
como a conversa com os santos Anjos e a linguagem de todos os animais, pássaros e répteis e
tudo o mais que está para nós oculto, criaturas decaídas e pecadoras que somos, mas que era
claríssimo a Adão antes da queda. Também a Eva Deus concedeu a mesma sabedoria, força e
poder ilimitado, e todas as demais qualidades boas e santas. E ele a criou, não do barro do
chão, mas da costela de Adão no Jardim das Delícias, no Paraíso que ele plantara no meio da
terra”.

“Para que eles pudessem sempre manter em si as propriedades imortais, divinas e perfeitas
deste sopro de vida, Deus plantou no meio do jardim a árvore da vida e dotou seus frutos com
toda a essência e a plenitude de seu divino sopro. Se não tivessem pecado, tanto Adão e Eva
como toda a sua posteridade poderiam sempre comer do fruto da árvore da vida e teriam
mantido para sempre a força impulsionadora da graça divina”.

“Eles poderiam ter inclusive mantido por toda eternidade os plenos poderes de seus corpos,
almas e espíritos num estado de imortalidade e juventude permanente, e teriam permanecido
neste estado abençoado e imortal para sempre. Atualmente, é claro, e difícil mesmo imaginar
tamanha graça”.

“Mas quando, por haver provado do fruto da árvores do conhecimento do bem e do mal – que
era prematuro e contrário ao mandamento de Deus – eles aprenderam a diferença entre o
bem e o mal e ficaram sujeitos a todas as aflições que se seguiram à transgressão do
mandamento de Deus, eles perderam esta graça sem preço do Espírito de Deus, de tal modo
que, até a vinda ao mundo do Homem Deus Jesus Cristo, o Espírito de Deus não estava no
mundo porque Jesus ainda não havia sido glorificado[29]”.

“Entretanto, isto não significa que o Espírito de Deus não estivesse no mundo para todos, mas
que sua presença não era tão aparente como em Adão ou para os cristãos Ortodoxos. Ele se
manifestava apenas exteriormente; mas os sinais de sua presença no mundo era conhecidos
da humanidade. Assim é que, por exemplo, muitos mistérios relacionados à futura salvação da
raça humana foram revelados a Adão e Eva depois da queda. E para Caim, apesar de sua
impiedade e de sua transgressão, era fácil escutar a voz que manteve com ele uma
conversação suave e divina, embora condenatória. Noé conversou com Deus. Abrahão viu
Deus e seu dia e ficou alegre[30]. A graça do Espírito Santo agindo externamente também está
refletida em todos os profetas e santos de Israel do Antigo Testamento. Posteriormente os
hebreus estabeleceram escolas proféticas nas quais os filhos dos profetas deveriam discernir
os sinais da manifestação de Deus ou dos Anjos, bem como distinguir as operações do Espírito
Sant dos fenômenos comuns e naturais de nossa vida terrestre desprovida de graça. Simeão,
que carregou a Deus em seus braços, os avós de Cristo, Joaquim e Ana, e incontáveis outros
servos de Deus receberam abertamente inúmeras aparições divinas, vozes e revelações que se
justificaram por meio de eventos milagrosos. A presença do Espírito de Deus também agiu em
povos pagãos que não conheciam o Deus verdadeiro, embora sem a mesma força como agiu
entre o povo de Deus, porque mesmo entre eles Deus encontrou para si um povo escolhido. É
o que aconteceu, por exemplo, com as profetizas virgens chamadas Sibilas, que dedicaram sua
virgindade a um deus desconhecido, que era o mesmo Deus o Criador do universo, o todo-
poderoso Regente do mundo, tal como podia ser concebido pelos pagãos. Embora os filósofos
pagãos procurassem nas trevas da ignorância de Deus, também sua busca pela verdade foi
amada por Deus, e por conta disto eles receberam sua parte do Espírito de Deus, pois foi dito
que nações que não conheciam a Deus praticavam por natureza os mandamentos da lei e
deste modo agradaram a Deus[31]. Ao Senhor tanto agradava a verdade que ele próprio disse
por intermédio do Espírito Santo: ‘A verdade brotou da terra, e a justiça olhou desde os
céus[32]’.”

“Assim você pode ver, Bem-Amado, tanto no santo povo hebreu, a quem Deus amou, como
nos pagãos que não O conheciam, que o conhecimento de Deus foi preservado – e isto, meu
filho, é uma compreensão clara e racional sobre o modo pelo qual nosso Senhor e Deus o
Espírito Santo age no homem, e por meio de quais sentidos interiores e exteriores a pessoa
pode estar certa de que se trata realmente da ação de nosso Senhor e Deus o Espírito Santo e
não de uma ilusão do inimigo. É assim que foi desde a queda de Adão até a descida na carne
de nosso Senhor Jesus Cristo no mundo”.

“Sem esta realização perceptível das ações do Espírito Santo que sempre esteve preservado na
natureza humana, o homem não teria condições de conhecer com certeza que o fruto da
semente da mulher, que foi prometido a Adão e Eva, havia chegado ao mundo para esmagar a
cabeça da serpente[33].”

“Por fim o Espírito Santo prognosticou a são Simeão, que tinha então sessenta e cinco anos, o
mistério da concepção virginal e do nascimento de Cristo da Puríssima e sempre Virgem Maria.
Posteriormente, tendo vivido pela graça do Espírito Santíssimo de Deus por trezentos anos, no
tricentésimo sexagésimo quinto ano de sua vida ele pode dizer abertamente no Templo do
Senhor que havia conhecido com certeza, por uma dádiva do Espírito Santo, que aquele era o
verdadeiro Cristo, o Salvador do mundo, cuja concepção sobrenatural e nascimento a partir do
Espírito Santo havia sido prognosticado a ele por um Anjo trezentos anos antes”.
“Teve também Santa Ana, profetiza, filha de Fanuel, que em sua viuvez serviu ao Senhor Deus
no Templo por oito anos, conhecida como uma viúva respeitável, uma casta serva de Deus,
pelos dons especiais da graça que recebeu. Também ela anunciou que Jesus era de fato o
Messias que havia sido anunciado ao mundo, o verdadeiro Cristo, Deus e Homem, o Rei de
Israel, aquele que viria a salvar Adão e a Humanidade”.

“E quando o Senhor Jesus Cristo condescendeu em cumprir a totalidade da obra de salvação,


após sua Ressurreição, ele soprou sobre os Apóstolos, restaurando o sopro de vida perdido por
Adão, e concedeu a eles a mesma graça do Santíssimo Espírito de Deus de que desfrutara
Adão. Mas isto não foi tudo. Ele também disse a eles que era chegada a hora em que ele
deveria ir para o Pai, pois se não o fizesse, o Espírito de Deus não poderia vir a mundo. Mas
que quando ele, Cristo, fosse para o Pai, ele o enviaria ao mundo, e ele, o Consolador, guiaria a
todos os que seguissem seus ensinamentos em toda verdade e que ele os lembraria de tudo o
que Cristo lhes dissera enquanto ainda estava no mundo. E o que foi prometido então foi graça
sobre graça[34]”.

“Então, no dia de Pentecostes, ele enviou solenemente até eles, num vento tempestuoso, o
Espírito Santo em forma de línguas de fogo que iluminaram cada um, penetraram em cada um
e os encheram com uma força ardente de graça divina que desceu como um orvalho e agiu
com plena alegria nas almas que partilharam de seu poder e de suas operações[35]. E esta
mesma infusão de fogo que foi a graça dada pelo Espírito Santo a todos, a fé em Cristo pelo
sacramento do Santo Batismo, é selada pelo sacramento da Crisma nas partes principais de
nossos corpos, conforme determina a Santa Igreja, a eterna mantenedora desta graça.
Conforme é dito: ‘O selo da dádiva do Espírito Santo’. E onde colocamos nossos selos, Bem-
Amado, senão nos vasos que contém nossos tesouros mais preciosos? E o que pode ser mais
sublime e mais precioso do que as dádivas do Espírito Santo que foram enviadas para nós a
partir do Sacramento do Batismo? Esta graça batismal é tão imensa e tão indispensável, tão
vital para o homem, que mesmo um herético não é desprovido dela até sua morte, ou seja, até
o final do período apontado desde cima pela Providência de Deus como sendo a duração do
homem sobre a terra, para que se veja o que ele é capaz de adquirir (durante este período que
lhe é dado por Deus) por meio do poder da graça a ele concedido desde o alto”.

“E se pudéssemos nunca pecar depois do Batismo, permaneceríamos para sempre Santos de


Deus, santos, inculpáveis e livres de toda impureza de corpo ou espírito. Mas o problema é que
crescemos em estatura, mas não em graça e conhecimento de Deus, como nosso Senhor Jesus
Cristo cresceu; ao contrário, gradualmente nos tornamos mais e mais depravados e perdemos
a graça do Espírito Santíssimo de Deus, tornando-nos pecadores em diversos níveis, e os mais
pecadores de todos. Mas se um homem é movido e comovido pela sabedoria de Deus que
procura nossa salvação e abarca todas as coisas, se ele se decide por sua causa devotar suas
primeiras horas a Deus e a esperar para encontrar a salvação eterna, então, em obediência ao
seu comando, ele deve se apressar em oferecer um verdadeiro arrependimento por todos os
seus pecados e praticar as virtudes opostas aos pecados cometidos. Então, por meio das
virtudes praticadas em nome de Cristo ele irá adquirir o Espírito Santo que age em nós e
estabelece em nós o Reino de Deus. Não foi em vão que o Verbo de Deus disse: ‘O Reino de
Deus está dentro de vocês[36]’, e também que ‘ele sofrerá violência, e os violentos o tomarão
à força[37]’. Isto se refere às pessoas que, apesar dos laços do pecado que as estorvam e que,
seja pela violência, seja por incitá-las a novos pecados, as impedem de alcançar a Deus, nosso
Salvador, com perfeito arrependimento se obrigam a romper estes laços, desprezando a força
de suas ligações com o pecado: estas pessoas ao final se apresentarão diante da face de Deus
mais brancas do que a neve, por Sua graça. ‘Venham, disse o Senhor: pois ainda que seus
pecados sejam púrpura, eu os tornarei brancos como a neve[38]’.”

“Estas pessoas foram vistas pelo santo Profeta João o Divino como ‘vestidas com roupas
brancas’ (ou seja, com as roupas da justificação) e ‘palmas nas mãos’ (como sinal de vitória), e
elas cantavam a Deus esta maravilhosa canção: ‘Aleluia’. E ninguém conseguia imitar a beleza
de sua canção. Deles disse o Anjo de Deus: ‘Eram eles os que haviam chegado de uma grande
tribulação e que haviam lavado suas roupas e as tornado brancas pelo sangue do
Cordeiro[39]’. Elas foram lavadas por seus sofrimentos e tornadas brancas pela Comunhão dos
imaculados e vivificantes Mistérios do Corpo e Sangue do mais puro e imaculado Cordeiro –
Cristo – que foi sacrificado antes de todos os séculos por sua própria vontade pela salvação do
mundo, e que continua sendo sacrificado e dividido até agora, sem nunca se exaurir. Através
dos Santos Mistérios nos foi concedida nossa eterna e infalível salvação como um viático da
vida eterna, como uma resposta aceitável ao Seu temível julgamento e como um substitutivo
preciso acima de nossa compreensão para este fruto da árvore da vida, o qual Lúcifer, o
inimigo da Humanidade caído dos céus gostaria de despojar a espécie humana. Pois apesar de
o inimigo ter seduzido a Eva e feito com que Adão caísse junto com ela, o Senhor não apenas
concedeu a eles um Redentor por meio do fruto da semente da mulher, Redentor este que
esmagou a morte com a morte, mas ainda concedeu a todos nós por meio da mulher, a
Sempre-Virgem Maria Mãe de Deus, que esmagou a cabeça da serpente em si e para toda a
raça humana, a infalível mediadora perante seu Filho e nosso Deus, a invencível e insistente
intercessora até para os pecadores mais desesperados. É por isso que a Mãe de Deus é
chamada de “Flagelo dos Demônios”, pois não é possível a um demônio destruir um homem
que possui seu socorro na Mãe de Deus”.

“E eu devo explicar principalmente, Bem-Amado, a diferença entre as operações do Espírito


Santo que habita misticamente nos c orações dos que acreditam em nosso Senhor Deus e
Salvador Jesus Cristo e as operações do tenebroso pecado que, pela sugestão e instigação do
demônio, age predatoriamente em nós. O Espírito de Deus nos lembra das palavras de nosso
Senhor Jesus Cristo e sempre age triunfantemente junto com Ele, alegrando nosso coração e
guiando nossos passos no caminho da paz, enquanto que o espírito falso e diabólico trabalha
na direção oposta, e suas ações são sempre no sentido da rebelião, obstinadamente e cheia
das paixões da carne, das paixões dos olhos e do orgulho da vida”.
“’E todo aquele que viver e crer em Mim não morrerá jamais[40]’. Aquele que possuir a graça
do Espírito Santo em recompensa por sua reta fé em Cristo, mesmo, que levando em conta a
fragilidade humana, sua alma deverá morrer por um pecado ou outro, mesmo assim ele não
morrerá para sempre, mas será desperto pela graça de nosso Senhor Jesus Cristo que ‘retira o
pecado do mundo[41]’ e distribui graciosamente graça sobre graça. Desta graça, que se
manifestou ao mundo todo e à nossa raça pelo Homem Deus, o Evangelho diz: ‘Nele estava a
vida, e a vida era a luz dos homens[42]’; e mais: ‘E a luz brilhou nas trevas; e as trevas não a
reconheceram[43]’. Isto significa que a graça do Espírito Santo que é concedida no Batismo em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, apesar do homem cair em pecado, apesar da
escuridão que envolve nossas almas, não obstante brilha no coração com a luz divina (que
existe desde tempos imemoriais) dos inestimáveis méritos de Cristo. No evento da
impenitência d pecador, esta luz de Cristo clama ao Pai: ‘Abba, Pai! Não se zangue com esta
impenitência até o fim (de sua vida)[44]’. E então, com a conversão do pecador a caminho do
arrependimento, apagou-se todo traço dos pecados passados e o pecador foi vestido com
trajes de incorrupção tecidos com a graça do Espírito Santo, equivalente à sua aquisição,
conforme o objetivo da vida cristã de que eu venho falando desde o princípio, Bem-Amado”.

“Vou lhe dizer algo ainda, para que você possa entender de modo mais claro o que significa a
graça de Deus, como reconhecê-la e como se manifesta sua ação, particularmente naqueles
que são iluminados por ela. A graça do Espírito Santo é a graça que ilumina o homem. Toda a
Santa Escritura fala disto. Nosso Pai Davi disse: ‘Sua Palavra é lâmpada para os meus pés, e a
luz do meu caminho[45]’, e: ‘se Sua lei não fosse minha meditação, eu pereceria em
humilhação[46]’. Em outras palavras, a graça do Espírito Santo que está expressa na Lei pelas
palavras dos mandamentos do Senhor são minha lâmpada e minha luz. E se a graça deste
Santo Espírito (que eu tentei adquirir zelosa e cuidadosamente meditando sobre a justiça de
seus julgamentos sete vezes ao dia) não me iluminasse em meio às trevas das
responsabilidades que são inseparáveis das altas obrigações de minha realeza, onde poderia
eu obter uma faísca de luz para iluminar o caminho de minha vida que foi entenebrecido pelas
vontades distorcidas de meus inimigos?”.

“E de fato o Senhor frequentemente demonstrou diante de muitas testemunhas o modo pelo


qual a graça do Espírito Santo age nas pessoas que Ele santificou e iluminou por meio de sua
grande inspiração. Lembre-se de Moisés, depois de sua conversa com Deus no Monte Sinai. Ele
brilhava com uma luz tão extraordinária que as pessoas não conseguiam olhá-lo; ele precisou
colocar um véu para poder aparecer em público. Lembre-se da Transfiguração do Senhor sobre
o Monte Tabor. Uma luz fortíssima o envolveu, ‘e suas vestes começaram a brilhar, mais
brancas do que a neve[47]’, e seus discípulos caíram com o rosto ao chão de medo. Mas
quando Moisés e Elias apareceram para Ele nesta luz, uma nuvem os envolveu para esconder a
irradiação da luz da divina graça que teria cegado os olhos dos discípulos. Assim é que a graça
do Espírito Santíssimo de Deus aparece como uma luz inefável para todos a quem Deus revela
sua ação”.
“Mas como, perguntei ao Padre Serafim, posso eu saber se estou na graça do Espírito Santo?”.

“É muito simples, Bem-Amado, ele replicou. É por isso que o Senhor disse: ‘Todas as coisas são
simples para aqueles que buscam o conhecimento[48]’. O problema é que não buscamos este
conhecimento divino que não fumaceira, porque ele não é deste mundo. Este conhecimento
que está cheio do amor a Deus e ao próximo conduz todos os homens à salvação. Deste
conhecimento disse o Senhor que Deus ‘deseja que todos os homens sejam salvos, e que
alcancem o conhecimento da verdade[49]’. E da falta deste conhecimento ele falou aos
Apóstolos: ‘Vocês ainda não entenderam?[50]’. Em relação a este entendimento, foi dito a
respeito dos Apóstolos no Evangelho: ‘Então se abriu seu entendimento[51]’, e os Apóstolos
perceberam quando o Espírito de Deus habitava neles e quando não; e, cheios de
entendimento, eles viram a presença do Espírito Santo neles e declararam positivamente que
seu trabalho era santo e que agradava ao Senhor Deus. Isto explica o porquê terem escrito em
suas Epístolas: ‘Pareceu bom ao Espírito Santo e a nós[52]’. Apenas a partir deste fundamento
puderam eles oferecer suas Epístolas como uma verdade imutável para benefício de todos os
fiéis. Deste modo os santos Apóstolos estavam conscientemente seguros da presença neles do
Espírito de Deus. E você pode ver, Bem-Amado, como isto é simples!”.

“Não obstante, repliquei, eu não compreendo como posso eu estar certo de que estou no
Espírito de Deus. Como posso, por mim mesmo, discernir sua verdadeira manifestação em
mim?”.

O Padre Serafim respondeu: “Eu já lhe disse, Bem-Amado, que é muito simples e já relatei em
detalhes como as pessoas chegaram a estar no Espírito de Deus e o modo pelo qual podemos
reconhecer sua presença em nós. O que mais você quer?”.

“Eu quero entender isto direito”, disse eu.

Então o Padre Serafim segurou-me com firmeza pelo ombro e disse: “Nós dois estamos agora
no Espírito de Deus, meu filho. Por que você não olha para mim?”.

Eu lhe respondi: “Eu não posso olhar, Padre, porque seus olhos estão brilhando como
relâmpagos. Sua face se tornou mais brilhante do que o sol, e meus olhos doem”.
O Padre Serafim disse: “Não fique alarmado, Bem-Amado! Agora você próprio se tornou tão
brilhante quanto eu. Você está na plenitude do Espírito de Deus também; de outro modo, você
não poderia me ver como eu sou”.

Então, inclinando sua cabeça, ele segredou ao meu ouvido: “Agradeça ao Senhor Deus por sua
inexprimível misericórdia por nós! Você viu que eu sequer fiz o sinal da cruz; apenas, em meu
coração, eu orei mentalmente ao Senhor Deus e disse interiormente: ‘Senhor, conceda a ele
que veja claramente com seus olhos carnais a descida de Seu Espírito, que Você concede aos
seus servos quando deseja aparecer na luz de Sua glória magnificente’. E você vê, filho meu, o
Senhor imediatamente satisfez o humilde pedido do pobre Serafim. Como não agradecer a Ele
por sua indizível dádiva a nós? Mesmo para os maiores eremitas, meu filho, não é sempre que
o Senhor mostra sua misericórdia desta maneira. Esta graça de Deus, como uma mãe amorosa,
lhe foi concedida para confortar seu coração contrito pela intercessão da própria Mãe de
Deus. Mas por que, filho meu, você não olha nos meus olhos? Apenas olhe, e não tenha medo!
O Senhor está conosco!”.

Depois destas palavras eu mirei seu rosto e sobreveio-me uma enorme veneração. Imagine no
centro do sol, na luz ofuscante dos raios do meio dia, o rosto de um homem falando com você.
Você vê os movimentos de seus lábios e as mudanças de expressão de seus olhos, você ouve
sua voz, você sente que alguém segura seus ombros; mas você não vê estas mãos, você sequer
enxerga a si mesmo ou sua figura, mas apenas uma luz cegante espalhando-se ao redor por
muitas dezenas de metros e iluminando com seu halo a neve que cobre o chão da floresta e os
flocos que caem sobre tudo e sobre aquele Ancião. Você pode imaginar o estado em que eu
fiquei!

“Como você se sente agora?”, perguntou-me o Padre Serafim.

“Extraordinariamente bem”, disse eu.

“Como, exatamente, você se sente?”.

Eu respondi: “Eu sinto uma calma e paz em minha alma, que nenhuma palavra é capaz de
expressar”.

“Isto, Bem-Amado, disse o Padre Serafim, é a paz da qual disse o Senhor aos seus discípulos:
‘Eu lhes dou a minha paz; não a paz que o mundo dá, mas a que Eu dou[53]’. ‘Se vocês fossem
do mundo, o mundo amaria o que é dele; mas porque eu os escolhi fora do mundo, o mundo
odiará vocês[54]’. ‘Mas não desanimem: eu venci o mundo[55]’. E para aquelas pessoas a
quem o mundo odeia, mas que foram escolhidas pelo Senhor, o Senhor concede esta paz que
você sente agora, a paz que, sendo as palavras do Apóstolo, ‘ultrapassa todo
entendimento[56]’. O Apóstolo a descreve assim, porque é impossível expressar em palavras o
bem-estar espiritual que se produz naqueles em cujos corações o Senhor Deus infundiu esta
paz. Cristo o Salvador chama a isto a paz que ele concede por sua própria generosidade e que
não é deste mundo, porque nenhuma prosperidade terrestre e temporária pode dar esta paz
ao coração humano; ela é concedida desde o alto pelo próprio Senhor Deus, e por isso é
chamada de paz de Deus. O que mais você sente?” ,perguntou-me o Padre Serafim.

“Uma doçura extraordinária”, respondi.

Ele prosseguiu: “Esta é a doçura da qual se fala na Sagrada Escritura: ‘Eles ficarão inebriados
com a gordura de minha casa; me eu os farei beber da torrente de minhas delícias[57]’. E
agora esta doçura inunda nossos corações e corre por nossas veias com inexprimível delícia.
Nossos corações se confundem nesta doçura e ambos estamos cheios de uma alegria que a
língua não é capaz de contar. O que mais você sente?”.

“Uma extraordinária alegria no coração”.

E o Padre Serafim continuou: “Quando o Espírito de Deus desce até o homem e o cobre com a
plenitude de sua inspiração, a alma humana transborda com inexprimível alegria, porque o
Espírito de Deus enche de alegria tudo o que toca. É desta alegria que fala o Evangelho:
‘Quando a mulher está para dar à luz, sente angústia, porque chegou a sua hora. Mas quando
a criança nasce, ela nem se lembra mais da aflição, porque fica alegre por ter posto um
homem no mundo. Agora, vocês também estão angustiados. Mas, quando vocês tornarem a
me ver, vocês ficarão alegres, e essa alegria ninguém tirará de vocês[58]’. E por mais
reconfortante que seja a alegria que você sente em seu coração, ela não é nada em
comparação com aquela que o próprio Senhor mencionou pela boca de seu Apóstolo,
descrevendo-a como aquela ‘que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram e o coração do
homem não percebeu, foi isso que Deus preparou para aqueles que o amam[59]’. Amostras
desta alegria nos são dadas, e se elas enchem nossas almas com tamanha doçura, bem-estar e
felicidade, o que diremos da alegria que foi preparada no céu para aqueles que choraram aqui
na terra? E você, filho meu, chorou bastante nesta sua vida na terra; e veja com que alegria o
Senhor o consola ainda nesta vida! Agora cabe a nós, meu filho, acrescentar trabalho sobre
trabalho, de modo a irmos ‘de força em força[60]’, e ‘alcançarmos a medida da estatura da
plenitude de Cristo[61]’, de modo a que possamos nos encher com as palavras do Senhor:
‘Aqueles que esperaram pelo Senhor renovaram suas forças; eles cresceram asas como águias;
eles correrão e não serão fracos[62]’; ‘eles irão de força em força, e o Deus dos deuses
aparecerá para eles em Sião[63]’, na Sião da realização e das visões celestiais. Somente então
sua alegria atual (que nos visita pouco e brevemente) surgirá em sua plenitude, e ninguém a
tomará de nós, porque estaremos cheios e transbordando de delícias celestiais inexplicáveis. O
que mais você sente, Bem-Amado?”.

Eu respondi: “Um calor extraordinário”.

“Como você pode se sentir aquecido, meu filho? Veja, estamos sentados na floresta. É inverno,
e a neve cobre nossos pés. Estamos cobertos com uma polegada de neve, e os flocos
continuam caindo. Que calor pode haver aqui?”.

Eu respondi: “É como se eu estivesse numa sauna e a água tivesse acabado de ser vertida
sobre as pedras quentes, e o vapor tivesse subido neste momento”.

“E o perfume, ele me perguntou, é o mesmo da sauna?”.

"Não, repliquei, não existe nada na terra com esta fragrância. Quando minha mãe estava viva e
eu ia a bailes e festas, ela me perfumava com essências caras que ela adquiria nas melhores
lojas de Kazan. Mas nenhuma exalava uma fragrância como esta”.

Então o Padre Serafim, sorrindo prazerosamente, disse: “Eu sei bem disto, tanto quanto você
sabe, filho meu, mas pergunto para ver até que ponto você sente as mesmas coisas. É
absolutamente verdade, Bem-Amado! A mais suave fragrância terrestre não se compara
àquela que você sente agora, pois estamos envolvidos na fragrância do Espírito Santo de Deus.
O que na terra poderia ser igual? Observe, Bem-Amado, que você disse que ao nosso redor
está cálido como numa sauna; e veja, nem sobre você, nem sobre mim, a neve derrete, nem
sob nossos pés: porque o calor não está no ar, mas em nós. É sobre este calor que o Espírito
Santo nos ordena clamar ao Senhor: ‘Aqueça-me no calor de seu Espírito Santo!’. Por meio
dele os eremitas de ambos os sexos foram mantidos aquecidos e não temeram o frio do
inverno, cobertos, como se vestissem peles, por um manto de graças tecido pelo Espírito
Santo. E, de fato, é assim que acontece, porque a graça de Deus habita em nós, em nosso
coração, conforme disse o Senhor: ‘O Reino de Deus está dentro de vocês[64]’. Como ‘Reino
de Deus’ devemos entender a graça do Espírito Santo. Este Reino de Deus está agira dentro de
nós, e a graça do Espírito Santo brilha sobre nós e nos aquece também por fora. Ela enche o ar
ao redor com fragrâncias odoríficas, acaricia nossos sentidos com delícias celestiais e enche
nossos corações de uma alegria indizível. Nosso estado atual é aquele a respeito do qual o
Apóstolo disse: ‘O Reino de Deus não são comidas e bebidas, mas a justiça, a paz e a alegria do
Espírito Santo[65]’. Nossa fé não consiste em palavras plausíveis de uma sabedoria terrena,
mas na demonstração do Espírito e de sua força[66]. É neste estado que nos encontramos
agora. É dele que o Senhor disse: ‘Existem alguns que aqui estão e que não verão a morte
antes que o reino de Deus venha com seu poder[67]’. Veja, meu filho, com que indizível alegria
o Senhor nos presenteou! É isto que significa estar na plenitude do Espírito Santo, sobre a qual
são Macário do Egito escreveu: ‘Eu próprio estava na plenitude do Espírito Santo’. Com esta
plenitude de seu Espírito Santo o Senhor encheu até o transbordamento estas pobres
criaturas. Portanto, você não precisa mais perguntar, Bem-Amado, como as pessoas sabiam
estar na graça do Espírito Santo. Você se lembrará sempre desta manifestação da inefável
misericórdia de Deus que nos visitou?”.

“Eu não sei, Padre, disse eu, se o Senhor me concederá lembrar esta misericórdia de Deus tão
vívida e claramente como a sinto agora”.

“Eu penso, respondeu-me o Padre Serafim, que o Senhor o ajudará a reter isto na memória
para sempre, ou Sua bondade jamais se inclinaria instantaneamente assim à minha humilde
oração, atendendo ao pedido do pobre Serafim; ademais, porque não foi dado apenas a você
compreender isto, mas, através de você, o mundo todo, de modo a que você confirme a obra
de Deus e seja assim útil a muitos outros. O fato de que eu seja um monge e você um leigo
está absolutamente fora da questão. O que Deus nos pede é a fé verdadeira Nele e em seu
único Filho. Em troca a graça do Espírito Santo é abundantemente concedida desde o alto. O
Senhor procura um coração cheio de transbordante amor por Deus e o próximo; é neste trono
que ele deseja sentar-se e no qual Ele aparece na plenitude de Sua glória celestial. ‘Filho, dê-
me seu coração’, diz Ele, ‘e o resto lhe será dado em acréscimo[68]’, pois é no coração humano
que o Reino de Deus pode ser contido. O Senhor ordenou aos seus discípulos: ‘Busquem
primeiro o Reino de Deus e sua justiça, e o resto lhes será dado em acréscimo; porque o Pai
celeste sabe que vocês precisam destas coisas[69]’. O Senhor não nos repreende por
possuirmos bens terrestres, porque ele próprio disse a respeito das condições de nossa vida
terrestre, que precisamos de todas essas coisas; vale dizer, todas as coisas que tornam a vida
humana mais aprazível e pacífica, e que fazem com que nosso caminho para nossa morada
celestial mais leve e fácil. É por isso que o santo Apóstolo Paulo disse que em sua opinião nada
havia na terra de melhor do que a piedade e a suficiência[70]. E a Santa Igreja ora para que
estas coisas nos sejam concedidas pelo Senhor Deus; e embora as perturbações, os infortúnios
e as necessidades sejam inseparáveis de nossa vida na terra, o Senhor Deus nunca quis nem
quer que não tenhamos senão aflições e adversidades. Assim é que ele nos ordena por meio
dos Apóstolos a ‘suportarmos a carga uns dos outros para cumprir a plenitude do
mandamento de Cristo[71]’. O Senhor Jesus deu pessoalmente o mandamento que amemos
uns aos outros, de modo que, consolando-nos mutuamente com amor, possamos iluminar o
caminho doloroso e estreito de nossa jornada até nossa pátria celeste. Não desceu Ele do céu
com o propósito de tomar sobre Si nossa pobreza e nos tornar ricos de Sua bondade e indizível
generosidade? Ele não veio para ser servido pelos homens, mas para servi-los e dar Sua vida
pela salvação de muitos. O mesmo faz você, Bem-Amado, e, tendo visto a misericórdia que
Deus manifestou para com você, conte a todos os que desejam a salvação. ‘A colheita é
grande, disse o Senhor, e os operários são poucos[72]’. O Senhor Deus nos conduziu em nossa
obra e nos presenteou com a dádiva de sua graça de modo que, colhendo as espigas da
salvação de nossos irmãos e levando quantos pudermos para o Reino de Deus, possamos
apresentar a Ele o fruto – multiplicado por trinta, por sessenta ou por cem. Estejamos
vigilantes, filho meu, para que não sejamos condenados juntamente com o servo mau e
preguiçoso que enterrou sua moeda, mas para que tentemos imitar aqueles servos bons e fiéis
do Senhor que entregaram a seu Mestre quatro moedas ao invés de duas, e dez ao invés de
cinco[73]."

“Sobre a misericórdia do Senhor não existe sombra de dúvida. Você viu por si mesmo , Bem-
Amado, como as palavras do Senhor ditas pelo Profeta se cumpriram em nós: ‘Eu não sou um
Deus distante, mas um Deus próximo[74]’, e ‘a salvação está em minha boca[75]’. Eu sequer
tive tempo de fazer o sinal da cruz, mas apenas pedi em meu coração que o Senhor
concedesse a você ver Sua bondade em toda sua plenitude, e Ele quis satisfazer e realizar meu
desejo. Eu não estou me vangloriando ao falar assim, nem digo isto para mostrar minha
importância e levar você a ter inveja, ou para fazê-lo pensar que eu sou um monge e você um
mero leigo. Não, Bem-Amado! ‘O Senhor está perto de todos os que o chamam em
verdade[76]’, e ‘não existe parcialidade Nele[77]’. Porque o Pai ama o Filho e colocou tudo em
Suas mãos[78]. Ah, se pudéssemos apenas amar o Pai, com um amor filial! O Senhor ouve
igualmente o monge e o simples leigo, desde que sejam fiéis ortodoxos, e que amem a Deus
do fundo de suas almas, e que tenham fé Nele, ainda que do tamanho de um grão de
mostarda; e ambos serão capazes de mover montanhas. ‘Um poderá perseguir mil e por em
fuga vinte mil[79]’. O próprio Senhor disse: ‘Tudo é possível para aquele que crê’. E o santo
Apóstolo Paulo proclama em alta voz: ‘Tudo posso em Cristo que me fortalece’. E nosso Senhor
Jesus Cristo fala ainda mais maravilhosamente ainda sobre os que acreditam Nele: ‘Aquele que
crê em mim, não apenas minhas obras, mas outras maiores fará, porque eu vou para o meu
Pai. E eu rezarei por vocês para que sua alegria seja completa. Até agora vocês não pediram
nada em meu nome. Mas agira peçam...[80]’.”

“Então, filho meu, o que quer que você peça ao Senhor Deus você irá receber, se for para a
glória de Deus ou pelo bem de seu próximo, porque o que fazemos pelo bem do próximo é
feito por Sua glória. Por Ele disse: “Aquilo que fizerem ao menor deste, a Mim o terão
feito[81]’. Assim, não tenha dúvidas de que o Senhor Deus atenderá os seus pedidos, se eles
forem para a glória de Deus ou para a edificação e benefício dos seus irmãos. E, mesmo que
algo seja necessário para sua necessidade, uso ou benefício, também o Senhor rápida e
graciosamente o enviará a você, desde que seja de extrema urgência e necessidade. Porque o
Senhor ama aos que o amam. O Senhor é bom para todos os homens; ele dá abundantemente
para os que clamam por seu nome, e sua bondade está em todas as Suas obras. Ele atenderá
os desejos dos que o temem, ouvirá suas preces e cumprirá com seus projetos. O Senhor
atenderá a todos os pedidos[82]. Mas cuidado, Bem-Amado, para não pedir a Deus algo que
não seja de urgente necessidade. O Senhor não lhe recusará isto, até por causa de sua fé
Ortodoxa em Cristo Salvador, pois o Senhor não apoiará com sua justiça aos pecadores[83], e
ele atenderá rapidamente ao desejo de Seu servo Davi; mas Ele cobrará dele por ter sido
perturbado sem necessidade, e por ter sido incomodado com algo que poderia ter sido
arrumado com facilidade”.

“Assim sendo, Bem-Amado, eu lhe contei e lhe dei uma demonstração prática de tudo o que o
Senhor e a Mãe de Deus permitiram que eu dissesse e mostrasse a você por meu intermédio,
pobre Serafim. Agora, vá em paz. O Senhor e a Mãe de Deus estejam sempre com você, agora
e sempre, e pelos séculos dos séculos. Amém, Vá em paz”.

E durante todo o tempo, desde que o rosto do Padre Serafim começara a brilhar, a iluminação
continuou; e tudo o que ele me disse, desde o começo de sua narrativa, ele falou sem se
mover de sua posição. O halo inefável de luz que emanava dele, eu o vi com meus olhos. E
estou pronto a comprová-lo com meu juramento.

***

Transcrevemos abaixo alguns trechos que confirmam a exposição de São Serafim, extraídos da
própria Filocalia. Em todos eles, a manifestação da graça é descrita como uma luz brilhante,
que chega a cegar aqueles que a contemplam, corroborando a descrição que faz Motovilov de
sua experiência com o Padre Serafim.

Simeão o Novo teólogo, Discurso sobre a fé e o ensinamento:

Um homem chamado Jorge, na flor da idade – por volta de uns vinte anos – morava em
Constantinopla, em nosso tempo. Ele era muito bonito, e seus movimentos eram tão
estudados, que muitos levantavam suspeitas a seu respeito, principalmente aqueles que
tinham por hábito não ver senão o exterior das pessoas e que, sem conhecer os segredos de
cada um, condenam e julgam sem consideração aos demais. Este jovem soube de um monge
que morava em um mosteiro de Constantinopla. Tendo revelado a ele todos os segredos de
seu coração, ele acrescentou que desejava a salvação de sua alma e que tinha um grande
desejo de abandonar o mundo e se tornar monge. O venerável ancião louvou o seu desejo,
deu-lhe os conselhos necessários e confiou a ele o livro de são Marcos o Asceta, para que nele
pudesse ler o que o santo dizia da lei espiritual. O jovem recebeu o livro com tanto amor e
piedade como se viesse do próprio Deus, com a confiança e a esperança de extrair grandes
benefícios dali. Voltando à sua casa, pôs-se a ler o resto do dia com muita atenção. Depois
releu, piedosamente, umas três ou quatro vezes. E, como esperava, sentiu-se grandemente
confortado. Mas ele reteve principalmente três capítulos, que deixou impressos em seu
coração, e tomou a decisão de coloca-los em prática e observá-los atentamente. O primeiro
capítulo dizia o seguinte: “Se você busca a cura de sua alma, cuide para que sua consciência
não tenha do que acusa-lo. Tudo o que ela lhe mandar fazer faça, e você obterá disto um
grande benefício”. O segundo dizia: “Quem procura adquirir os carismas do Espírito Santo
antes de praticar os mandamentos de Deus é semelhante ao escravo que, no mesmo instante
em que é adquirido por seu senhor, reclama sua liberdade”. O terceiro dizia: “Quem reza
apenas com a boca e ainda não adquiriu o conhecimento espiritual nem sabe orar com seu
intelecto é semelhante ao cego que clamava: ‘Filho de Davi, tenha piedade de mim’. Mas
quem adquiriu o conhecimento espiritual, que ora com seu intelecto e que abriu os olhos de
sua alma, é semelhante a este mesmo cego depois que o Senhor o curou de sua cegueira: ele
recebeu a luz em seus olhos e viu o Senhor, de maneira que já não diz ‘Filho de Davi’, mas
‘Filho de Deus’, e ele o adora como convém”.

Estes três capítulos agradaram muito ao jovem. Ele ficou maravilhado, e recebeu uma certeza
plena em sua alma, e acreditou sem sombra de dúvida que ele obteria um grande benefício em
obedecer à sua consciência, como dizia são Marcos, que ele desfrutaria dos carismas do
Espírito Santo e de sua energia, se ele observasse os mandamentos de Deus, e que, enfim, pela
graça do Espírito Santo, ele se tornaria digno de abrir os olhos da alma e de ver o Senhor com
olhos de seu intelecto. Ele esperava contemplar esta indizível beleza do Senhor e foi ferido de
tanto amor quanto desejava. Entretanto, ele não fez nada além, como me afirmou mais tarde
sob juramento, do que rezar e se prosternar toda noite, antes de ir para cama dormir,
conforme o que lhe havia sido recomendado pelo ancião.

Algum tempo depois, numa noite em que ele seguia a regra ditada pelo ancião e sempre
atento à sua consciência, ela lhe ordenou que continuasse a rezar e a se prosternar, dizendo:
“Senhor Jesus Cristo, tenha piedade de mim”, por tanto tempo quanto pudesse. De bom
coração ele obedeceu e logo se pôs, sem a menor hesitação, a fazer o que lhe ordenava sua
consciência, persuadido de que era o próprio Deus quem lhe pedia que agisse assim. A partir
daí, ele nunca mais se deitou para dormir sem primeiro fazer o que lhe ordenara sua
consciência. E, como ele não cessava de escutá-la e ela não cessava de lhe pedir sempre mais,
em pouco tempo sua oração da noite se alongou grandemente. De fato, durante o dia ele
dirigia a casa de um patrício, ocupando-se de muitos negócios, ia cotidianamente ao Palácio, e
quase não lhe restava tempo para orar. Mas à noite, antes de se recolher, ele orava como
dissemos. Sem coração se enchia de calor e compunção, e as lágrimas escorriam de seus olhos.
Ele multiplicava as prosternações e, gemendo e chorando, rezava também à Mãe de Deus.
Parecia-lhe que o Senhor estava em pessoa diante dele, e ele se prosternava a seus pés e lhe
pedia que tivesse compaixão de si, como o cego de que fala o Evangelho, e que desse luz aos
olhos de sua alma. Assim, a prece que ele fazia alongava-se cada dia mais. Enquanto rezava,
ele se mantinha reto como uma coluna, sem mexer os pés ou qualquer membro de seu corpo
e sem voltar os olhos para olhar aqui ou ali, e permanecia imóvel, com grande temor e tremor.
Assim, numa noite em que ele orava e dizia em seu intelecto: “Deus, tenha compaixão de mim,
pecador”, um esplendor divino brilhou subitamente sobre ele e encheu de luz o quarto. O
jovem, extasiado, perdeu a consciência de si mesmo e até esqueceu que estava em uma casa.
Pois de todos os lados ele não via senão luz e já não sabia se tinha os pés no chão ou se
planava no ar, e em seu intelecto não havia a menor preocupação com seu corpo. Ele
esqueceu o mundo inteiro. Ele era uma coisa só com a luz divina, e parecia-lhe ter ele próprio
se tornado luz. Ele encheu-se de lágrimas e de uma alegria indizíveis. Então seu intelecto se
elevou aos céus e lá ele viu uma luz ainda mais radiante e, junto a esta luz, apareceu-lhe o
santo ancião que lhe havia dado o livro do abade Marcos e a regra.

Quando eu ouvi o relato do jovem, eu pensei que a intercessão do ancião foi de um grande
auxílio para ele, e que deste modo a providência de Deus lhe tinha mostrado em que altura de
virtude se encontrava este santo, permitindo a ele vê-lo junto a tamanha luz.

Passada a contemplação o jovem voltou a si, cheio de alegria e maravilhado. Ele chorou do
fundo de seu coração e suas lágrimas foram acompanhadas de uma doçura extrema.
Finalmente ele caiu sobre seu leito, e no mesmo instante o galo cantou. Pouco depois, as
igrejas soaram as matinais, e ele se levantou para salmodiar conforme seu costume. Durante
toda a noite ele não havia dormido, nem sequer cochilado um pouco.

Eis o que aconteceu ao jovem. Como ele próprio me afirmou, ele não fez nada além daquilo
que vocês ouviram. Simplesmente – e foi por isto que lhe foi concedida esta contemplação –
ele teve uma fé e uma esperança resolutas. E que ninguém diga que ele fez isto para tentar
uma experiência, pois conforme me relatou isto jamais lhe passou pela cabeça. Ele não teve
mais do que a resolução de sua fé. Ele apenas rejeitou de seu pensamento toda ideia relativa à
carne e ao mundo, e tomou tanto cuidado em guardar sua consciência e de seguir bem aquilo
que ela lhe dizia, que estava como que insensível a todas as coisas desta vida. Comer e beber
lhe eram indiferentes, e muitas vezes ele permanecia em jejum.

Calixto e Inácio Xanthopouloi, Centúria Espiritual:

O que é a graça, e como podemos descobri-la. O que a perturba e o que a purifica.

Mas o que é a graça, como podemos descobri-la, o que a perturba, o que ao contrário a torna
pura, isto tudo será revelado a você por aquele cuja alma e cuja língua são mais luminosas do
que todo o ouro do mundo, quando ele diz: “Refletindo como um espelho a glória do Senhor,
somos transfigurados nesta mesma imagem[84]”. O que isto significa? É o que ele mostrou
com maior clareza ainda ao suscitar a graça dos milagres. Entretanto, a quem possui os olhos
da fé, mesmo hoje em dia não é difícil ver coisa semelhante. Pois “ao mesmo tempo em que
somos batizados, a alma brilha mais do que o sol, purificada pelo Espírito. E não apenas nós
vemos a glória de Deus, como recebemos dela algum esplendor. Da mesma forma, com efeito,
que a prata pura brilha quando colocada sob a luz do sol – não só por sua natureza mas porque
ela reflete a irradiação solar – também a alma purificada e mais luminosa que toda prata do
mundo recebe um raio de glória do Espírito que dela se aproxima para cobri-la de glória[85]”,
desta glória que é conforme ao Espírito do Senhor[86].

Percebe você que eu lhe mostro isto da maneira mais sensível, partindo do testemunho dos
apóstolos? Lembre-se de Paulo, cujas vestes operavam milagres[87]. Lembre-se de Pedro, cuja
simples sombra tinha o mesmo poder[88]. Eles não poderiam fazer isto se não carregassem
em si a imagem do Rei, se a luz que saía deles não fosse a luz inacessível, a tal ponto que suas
vestes e suas sombras operavam milagres. Pois as vestes do Rei aterrorizam até os ladrões.

Você também quer ver a imagem de Deus irradiar através do corpo? Foi dito: “Contemplando
o rosto de Estevão, eles acreditavam ver a face de um anjo[89]”. Mas isto não é nada diante da
glória que irradia dentro. Pois aquilo que Moisés tinha em seu rosto[90], revestia sua alma, e
muito mais. A transfiguração de Moisés foi mais sensível, mas esta era incorpórea. Assim como
os corpos luminosos espalham sua luminosidade sobre aqueles que estão próximos,
transmitindo-lhes sua própria claridade, o mesmo acontece com os fiéis. É por isso que
aqueles que provaram desta luz se distanciam da terra e se revestem das coisas do céu; mas,
ora essa!, é bom estar aqui, e é amargo gemer. Pois nós desfrutamos de uma tal nobreza, e
não sabemos o que dizer, tanto se perdem as coisas rapidamente, e por tanto medo que
temos do que sentimos. Esta glória misteriosa e terrível, não permanece em nós mais do que
um ou dois dias. Nós a extinguimos quando entramos no inverno desta vida, recusando seus
raios sob a espessura das nuvens.

Também foi dito: “Os corpos daqueles que agradaram a Deus se revestirão de tamanha glória
que será impossível aos olhos da carne enxerga-los. Mas Deus fez com que nos tenham sido
dados, no Antigo e Novo Testamentos sinais e traços obscuros destes corpos. Lá o rosto de
Moisés irradiava tanta glória que era inacessível aos olhos dos Israelitas. Mas no Novo
Testamento o rosto de Cristo brilhava muito mais[91]”.

Ouviu as palavras do Espírito? Compreendeu o poder do mistério? Sabe você por quantas
dores surge em nós a nova criação espiritual, perfeita no banho sagrado do batismo, e quais
são os frutos, o cumprimento, as recompensas? Depende de nós fazer crescer ou diminuir esta
graça sobrenatural, depende de nós manifestá-la ou torná-la obscura, tal como o faz aquilo
que nos é peculiar: a tempestade de coisas desta vida, as trevas das paixões engendradas por
estas coisas. Elas nos arrastam, de fato, como o inverno ou a torrente selvagem. Elas engolem
a alma e não lhe permitem respirar nem contemplar a verdadeira beleza e a verdadeira
beatitude, para as quais ela foi feita: as paixões a entenebrecem, ela é sacudida e destroçada
sob o ruído e a fumaça dos prazeres, que a afogam nas suas águas. Mas o contrário destas
coisas, ou seja, aquilo que nasce dos mandamentos deificantes, é dado aos que caminham não
segundo a carne, mas segundo o Espírito. Pois foi dito: “Caminhem conforme o Espírito, e não
cedam à concupiscência da carne[92]”. É aí que encontra seu bem e sua salvação aquele que,
como a escada, leva consigo o cume e a extremidade dos degraus, o amor, que é Deus[93].

Gregório Palamas, 150 Capítulos Físicos, Teológicos, Éticos e Práticos:

146. O Senhor disse aos seus discípulos que alguns dos que estavam ali não conheceriam a
morte antes de ver o Reino de Deus chegar com seu poder[94]. Seis dias depois, ele tomou a
Pedro, Tiago e João e subiu ao Monte Tabor. Ele brilhou como o sol e suas vestes se tornaram
brancas como a luz[95]. Mas os discípulos não puderam ver imediatamente, ou antes,
incapazes de suportar tamanho esplendor, foram atirados à terra[96]. Porém, segundo a
promessa do Salvador, eles haviam visto o Reino de Deus, esta luz divina e misteriosa que os
grandes Gregório e Basílio chamaram de Divindade. De fato, o grande Basílio diz que essa luz é
a beleza de Deus, contemplada apenas pelos santos no poder do Espírito divino. É por isso que
ele diz também: “Pedro e o filho do trovão viram no topo da montanha sua beleza, mais
luminosa que a radiação solar e assim se tornaram dignos de receber com seus olhos as
premissas da parúsia[97]”. O teólogo Damasceno e João da língua de ouro chamaram esta luz
de irradiação natural da Divindade. Um – João Damasceno – escrevendo que o Filho nascido do
Pai fora de qualquer começo possui independente de qualquer começo a irradiação natural da
Divindade, e que a glória da Divindade se tornou a glória do seu corpo[98]. O outro – João
Crisóstomo – ao dizer que o Senhor, sobre a montanha, apareceu mais luminoso do que ele
próprio, quando a Divindade mostrou sua irradiação luminosa.

147. Esta luz divina e misteriosa – a Divindade e o Reino de Deus, a beleza e o esplendor da
natureza divina, a visão e o regozijo dos santos no século infinito, a irradiação e a glória natural
da Divindade – dela dizem os heréticos[99] falastrões ser um fantasma e uma criatura. E eles
proclamam, caluniando, que os que não blasfemam como eles essa luz divina e que
consideram que Deus é incriado em sua essência e em sua energia, são diteístas. Com efeito, a
partir do momento em que esta luz divina é incriada, Deus é, para nós, um na Divindade única.
Como já mostramos, a essência incriada e a energia incriada – ou seja, a graça divina e sua
irradiação – são próprias do Deus uno.

148. Daí que os hereges insensatos que ousaram dizer no Concílio e que tentaram demonstrar
que essa luz divina que irradiava do Senhor no Tabor era um fantasma e uma criatura, que
foram reprovados por muitos e não se retrataram, foram submetidos à excomunhão escrita a
ao anátema. Pois eles blasfemaram contra a economia de Deus na carne, disseram tolamente
que a Divindade de Deus é criada, e, ao menos no que lhes concerne, reduziram ao estado de
Criaturas o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Pois a Divindade dos três é uma só e mesma
Divindade. E, se eles dizem que veneram a Divindade incriada, devem reconhecer que existem
duas Divindades de Deus, uma criada e outra incriada. Assim, eles rivalizam com todos os
antigos desviados em matéria de erro, e os superam em impiedade.

149. Por outro lado, esforçando-se para dissimular o próprio erro, eles dizem que a luz que
brilha sobre o Tabor é incriada, e que ela é a essência de Deus, e, com isto, eles a blasfemam
ainda mais. Pois esta luz foi vista pelos Apóstolos: então, nossos adversários pensam que a
essência de Deus é visível. Que eles escutem o que foi dito: a ninguém, não apenas dentre os
homens, mas também entre os anjos, foi dado ver[100] ou revelar a essência e a natureza de
Deus. Pois mesmo os Serafins de seis asas, ao aproximarem este derramamento de esplendor
que é a irradiação de Deus no coração do mundo, cobrem seus rostos com as asas[101].
Portanto, como a supra-essencialidade de Deus jamais foi vista por ninguém, quando os
heréticos dizem que esta luz é a supra-essencialidade, eles atestam que ela é absolutamente
invisível, que não foi ela que os Apóstolos eleitos viram sobre a montanha, e que não falou a
verdade aquele que disse: “Vimos sua glória, nós que com ele estávamos sobre a montanha
santa”, e “permanecendo despertos, Pedro e os que com ele estavam viram sua glória[102]”.
O outro discípulo disse que João, a quem Cristo amava especialmente, viu esta Divindade do
Verbo revelada sobre a montanha. Portanto, eles viram, e verdadeiramente viram o esplendor
divino incriado, esta luz do Deus invisível que permanece no segredo supra-essencial, mesmo
que o tentem apagar os príncipes da heresia[103] e os que pensam como eles.

150. Quando interrogamos estes hereges, que afirmam que esta luz da Divindade é a essência,
e que a essência de Deus é visível, eles são obrigados a dissimular a mentira, dizendo que esta
luz é a essência, uma vez que é a essência de Deus que é visível nela, e que são as criaturas que
veem a essência de Deus. Novamente estes infelizes fazem da luz da transfiguração do Senhor
uma criatura. O que as criaturas veem não é a essência, mas a energia criadora de Deus. É,
portanto, de modo ímpio, também aí, que eles dizem, em acordo com Eunomo, que a essência
de Deus é vista pelas criaturas. É assim que eles colhem da colheita da impiedade. É preciso
fugir deles e de sua companhia, como da hidra de muitas cabeças que corrompe a alma, como
de um flagelo que, sob tantas e variadas formas, devasta a piedade.

Gregório Palamas, Tomo Hagiorítico:

Quem diz que a luz que brilhou ao redor dos discípulos no Tabor[104] era um fantasma e um
símbolo, que apareceu e desapareceu, que ela não existe por si própria e que não ultrapassa
todo entendimento, mas que se trata de uma banal projeção do pensamento, está em
manifesta contradição com as opiniões dos santos. Estes, com efeito, em seus cantos e seus
escritos, a chamam de misteriosa, incriada, eterna, intemporal, inacessível, imensa, infinita,
sem limites, invisível aos anjos e aos homens, beleza original e imutável, glória de Deus, glória
de Cristo, glória do Espírito, raio da Divindade e outros nomes semelhantes. Esta dito, com
efeito, que “a carne foi glorificada pela encarnação de Cristo, e que a glória da Divindade se
tornou a glória do corpo. Mas no corpo manifestado a glória não aparece para aqueles que não
trazem em si aquilo que mesmo para os anjos é invisível. Cristo se transfigurou, não por
assumir o que ele não era, nem por se transformar no que não era, mas manifestando aos
discípulos aquilo que ele é, abrindo os seus olhos e tornando videntes a eles que eram cegos.
Ao mesmo tempo em que permanecia no mesmo estado no qual antes lhes aparecera, ele
então se manifestou e se revelou aos discípulos. Pois ele é em si a verdadeira luz[105], a beleza
da glória. Ele brilhou como o sol[106]... A imagem não é justa, mas é impossível representar
corretamente o incriado na criação[107]”.

Simeão o Novo Teólogo, Capítulos Práticos:

68. Quem possui dentro de si a luz do Santíssimo Espírito, é como se não conseguisse suportar
vê-la; ele cai com o rosto por terra, chama e chora, no paroxismo do temor, a tal ponto
transtornado por ver e sentir uma coisa que ultrapassa a natureza, a razão e o entendimento.
Ele se torna como alguém cujas entranhas foram incendiadas por um fogo abrasador. Incapaz
de suportar a queimação da chama[108] ele fica fora de si e não consegue se dominar e é
inundado por lágrimas transbordantes que o refrescam. Ele atiça cada vez mais o fogo de seu
desejo e cada vez mais lágrimas correm. Banhado nesta torrente ele próprio brilha com uma
luz mais vívida. Depois de inteiramente inflamado ele se torna como que uma luz e então se
cumpre o que foi dito: “Deus unido aos deuses e dos deuses conhecido”, ao menos na medida
em que ele Deus já se encontra unido àqueles que foram abrasados e se revelou aos que o
conheceram.

Simeão o Novo Teólogo, Capítulos Teológicos:

52. Para aqueles que, juntamente com Pedro, progrediram na fé, que, com Tiago, se elevaram
na esperança, que com João se tornaram perfeitos no amor, o Senhor se transfigura depois de
haver subido a alta montanha da teologia[109]. Pela manifestação e a marca da palavra pura,
ele brilha diante deles como o sol. Pelos pensamentos da sabedoria misteriosa ele flameja
como luz. O Verbo se revela neles, no meio da Lei e da Profecia, legislando e ensinando as
coisas da Lei, e descobrindo os tesouros profundos e escondidos da sabedoria das coisas da
Profecia: então ele prevê e prediz. O Espírito os cobre com sua sombra como uma nuvem
luminosa, e desta nuvem a voz da teologia mística desce sobre eles, iniciando-os no mistério
da Trindade em três Hipóstases, dizendo-lhes: “Eis aqui meu Bem-Amado, o termo da palavra
de perfeição, em quem eu me comprazo[110]: tornem-se para mim filhos perfeitos no Espírito
perfeito”.

Gregório o Sinaíta, Sentenças diversas:


43. Segundo a lei de Moisés, o Reino dos céus é semelhante a uma tenda construída por Deus
e dividida em duas partes pelo véu do século futuro. Na primeira metade da tenda, todos os
que são sacerdotes da graça entrarão. Mas na segunda – a tenda espiritual – somente entrarão
aqueles que, desde já, nas trevas da teologia, vivem à perfeição a liturgia hierárquica e
trinitária, aqueles para quem Jesus, celebrando os mistérios, é o primeiro hierarca diante da
Trindade. Eles entram na tenda que ele fundou e brilham visivelmente com seu próprio
esplendor.

Macário o Egípcio, Sobre a elevação do intelecto:

62. Pela glória de Deus que brilhava em sua face e que nenhum homem conseguia fitar[111], o
bem-aventurado Moisés ilustrou o modo como os corpos dos santos, na ressurreição dos
justos, serão glorificados com esta glória que as almas fiéis dos santos são consideradas dignas
de carregar desde hoje no homem interior. Pois até nós, como foi dito, mesmo com o rosto
descoberto, mas no homem interior, refletimos a glória do Senhor, transfigurados na mesma
imagem, de glória em glória[112]. Também está escrito que Moisés não procurou alimento
nem bebida durante quarenta dias e quarenta noites[113]. Esta é uma obra impossível para a
natureza humana, a menos que ela comungue com a natureza espiritual, a mesma que os
santos já recebem do Espírito.

Das könnte Ihnen auch gefallen