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Aula 02
Ao romper definitivamente com a doutrina da situação irregular, até então admitida pelo Código de
Menores (Lei 6.697, de 10.10.79), e estabelecer como diretriz básica e única no atendimento de crianças e
adolescentes a doutrina de proteção integral, o legislador pátrio agiu de forma coerente com o texto
constitucional de 1988 (art. 227) e documentos internacionais aprovados com amplo consenso entre as
nações.
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos,
e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas
entre dezoito e vinte e um anos de idade.
A distinção entre "criança" e "adolescente", como etapas distintas da vida humana, tem importância
no Estatuto. Em geral, ambos gozam dos mesmos direitos fundamentais, reconhecendo-se sua condição
especial de pessoas em desenvolvimento, o que pode ser percebido principalmente no decorrer do Livro I.
O tratamento de suas situações difere, como é lógico, quando incorrem em atos de conduta descritos como
delitos ou contravenções pela lei penal (denominados atos infracionais pelo ECA). A criança infratora fica
sujeita is medidas de proteção previstas no art. 101, que implicam um tratamento através de sua própria
família ou na comunidade, sem que ocorra privação de liberdade. Por sua vez, o adolescente infrator pode
ser submetido a um tratamento mais rigoroso, como são as medidas sócio-educativas do art. 112, que
podem implicar privação de liberdade. Nesses casos, são asseguradas ao adolescente as garantias do
devido processo legal detalhadas no art. 111, observando, e no demais o procedimento dos arts. 171 e ss.
O art. 2º, parágrafo único, do ECA foi derrogado pelo Código Civil 2002 na matéria típica do Direito
Civil tratada no Estatuto, matéria em relação à qual o ECA não se aplicará mais 'as pessoas entre 18 e 21
anos. Isto em face da fixação da maioridade civil no patamar de 18 anos, regra à qual o Estatuto deve se
ajustar, já que a maioridade civil aos 18 anos é harmônica com o sistema Constituição Federal ECA (v. a
cristalina conceituação do ECA, art. 2º, caput) e o ponto não diz com o sistema constitucional especial de
proteção aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes. A derrogação, contudo, não é total:
continua perfeitamente possível a aplicação de medida sócio-educativa a pessoas que tenham entre 18 e
21 anos de idade, porque a matéria relativa ao ato infracional tem privilegiada natureza penal,
evidentemente especial em relação ao Código Civil.
O art. 3º, onde começa o elenco dos direitos assegurados aos sujeitos indicados no art. 2º, aparece
de fato como uma solene declaração de princípios, análoga a outras, contidas em Cartas Constitucionais e
convenções internacionais (como o preâmbulo da Convenção Internacional dos Direitos da Criança,
adotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 89).
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com
absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária.
Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à
juventude.
Há uma relação direta entre o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 227 da
Constituição Federal. Até certo ponto, o artigo do ECA é praticamente uma transcrição do dispositivo
constitucional, ao qual se adiciona a responsabilidade da comunidade e o direito ao esporte, e se esboça,
em seu parágrafo único, materializações para a garantia da prioridade absoluta.
Enquanto a Proteção Integral é traçada especialmente no caput do artigo 4º, a prioridade absoluta é
a marca do seu parágrafo único. Há de se observar que a 'primazia', a 'precedência', a 'preferência' e a
'destinação privilegiada', arroladas como mecanismos de garantia à prioridade absoluta no referido
parágrafo, não consubstanciam um rol taxativo, mas sim enunciativo. Este parágrafo ambiciona apenas
estabelecer um panorama de como se deve atuar para atender à normativa da prioridade absoluta.
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou
omissão, aos seus direitos fundamentais.
Considerando que negligência é descuido, incúria, desleixo, estes agentes sociais são
negligenciados de várias formas, que passam pela família, pelas relações de trabalho, por vários níveis da
vida em sociedade e, no limite, pelo Estado. Qualquer tipo de ação que não atenda às suas necessidades
básicas de alimentação, moradia, educação, saúde, lazer constitui descuido, incúria e desleixo e é,
portanto, considerada negligência.
A criança e o adolescente sofrem discriminação, ou seja, sofrem por atos de diferenciação que os
estigmatizam. Ao contrário do que se propala, que socialmente estariam guindados à categoria de cidadãos,
na prática, não são nada mais que cidadãos de segunda classe. Esta situação se agrava se pertencerem às
camadas mais pauperizadas da população - o que significa a grande maioria - e, mais ainda, se forem
negros.
A exploração na família, no trabalho, que as crianças e adolescentes sofrem, está ligada à intenção
de deles tirar proveito. As vítimas em que se transformam está demonstrado em pesquisas que se fazem no
meio acadêmico, que tenham como objeto as relações familiares, relações de trabalho, criança e
adolescente em estado de carência, abandono, ou ainda aquelas que estudam maus-tratos e violência.
Em relação à violência, entendida, em linhas gerais, como toda forma de constrangimento físico ou
moral, as crianças e adolescentes constituem o elo mais fraco do encadeamento das relações sociais.
Desde cedo, indefesas, são vítimas de várias formas de maus-tratos pela família, o que é comprovado por
vários trabalhos de investigação científica. Esta afirmação se reforça pelo elevado número de atendimentos
médicos de serviços públicos às crianças e adolescentes vitimizados por aqueles que, teoricamente,
deveriam ser os responsáveis pela sua formação, bem-estar, pela sua segurança afetiva.
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as
exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e
do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
Interpretar e aplicar a lei são tarefas distintas, pois a aplicação pressupõe o conhecimento do
sentido e alcance da norma jurídica, portanto, prévia interpretação. Por esta razão a ciência do direito não
pode prescindir de métodos de interpretação da lei para sua justa e perfeita aplicação. Tendo isso em vista,
muitos legisladores tomam a precaução de inserir o método de interpretação no próprio texto legal, como
forma de orientar o juiz, aquele que precisa compreender o intuito da lei e o seu alcance antes de aplicá-la.
Este artifício está presente, por exemplo, no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil, que assim
dispõe: na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem
comum. O artigo 6º do ECA, por sua vez, é igualmente fruto deste recurso. Inspirado no mencionado artigo
5º da Lei de Introdução, prega que a interpretação do Estatuto leve em conta os fins sociais a que ela se
dirige e as exigências do bem comum. Não existe norma que não contenha uma finalidade social imediata.
Entende-se por fim social o objetivo de uma sociedade, a somatória de atos que constituíram a razão de
sua composição, abrangendo assim seus anseios, o equilíbrio de interesses, etc. Ademais, entende-se por
elementos do bem comum a liberdade, a paz, a justiça, a segurança, a utilidade social e a solidariedade.
Mas além dos fins sociais e das exigências do bem comum, o artigo 6º preconiza que na interpretação do
ECA também sejam considerados a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento e os direitos e deveres individuais e coletivos.
2. Direitos Fundamentais
Direito à vida e à saúde: a proteção à vida e à saúde atribui às políticas sociais públicas a missão de
permitir o nascimento e o desenvolvimento sadio, harmonioso e digno. Tal proteção consiste na atribuição
de algumas garantias que antecedem mesmo o nascimento, assegurando à gestante o atendimento pré e
perinatal com fornecimento de alimentação e medicamentos, e outras garantias que são próprias da criança
e do adolescente.
Direito à liberdade, ao respeito e à dignidade: o direito à liberdade compreende os seguintes aspectos: ir, vir
e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais; opinião e
expressão; crença e culto religioso; brincar, praticar esportes e divertir-se; participar da vida familiar e
comunitária sem discriminação; participar da vida política, na forma da lei; buscar refúgio, auxílio e
orientação. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança
e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias
e crenças, dos espaços e objetos pessoais. O direito à dignidade determina ser dever de todos mantê-los a
salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Direito à convivência familiar e comunitária: crianças e adolescentes não devem ser separados dos pais
biológicos, ainda que a estes faltem ou sejam insuficientes os recursos materiais. Salvo a existência de
outra razão que justifique a adoção da medida de separação, a família sim é que deverá, obrigatoriamente,
ser encaminhada e incluída em programas oficiais de auxílio. Constitui ainda direito fundamental, quando
não for possível a convivência com a família natural, a colocação em família substituta, sob a modalidade de
guarda, tutela ou adoção.
Direito à profissionalização e proteção no trabalho: é proibido o trabalho infantil e aos adolescentes com
menos de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. A aprendizagem consiste na
formação técnicoprofissional ministrada segundo as diretrizes e bases da legislação educacional em vigor.
Ao jovem empregado ou aprendiz é vedado o trabalho noturno, insalubre, perigoso, penoso e prejudiciais à
formação e ao desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, e em circunstâncias que não permitam a
freqüência à escola. O direito à profissionalização e à proteção no trabalho do adolescente deve observar o
respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento e a capacitação profissional adequada ao
mercado de trabalho.
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de
políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em
condições dignas de existência.
Art. 8º É assegurado à gestante, através do Sistema Único de Saúde, o atendimento pré e perinatal.
§ 1º A gestante será encaminhada aos diferentes níveis de atendimento, segundo critérios médicos
específicos, obedecendo-se aos princípios de regionalização e hierarquização do Sistema.
§ 2º A parturiente será atendida preferencialmente pelo mesmo médico que a acompanhou na fase
pré-natal.
§ 3º Incumbe ao poder público propiciar apoio alimentar à gestante e à nutriz que dele necessitem.
§ 4º Incumbe ao poder público proporcionar assistência psicológica à gestante e a mãe, no período
pré e pós-natal, inclusive como forma de prevenir ou minorar as conseqüências do estado puerperal.
§ 5º A assistência referida no § 4º deste artigo deverá também ser prestada a gestantes ou mães que
manifestem interesse em entregar seus filhos para a adoção.
Uma leitura desatenta deste artigo nos leva a crer que a proteção lá contida se concentra
unicamente na gestante. Porém uma leitura mais minuciosa revela que o dispositivo legal assegura uma
dupla proteção da vida humana: ao garantir a proteção e o atendimento específico à gestante, acaba por
conseqüência protegendo o feto. Ao conferir esta proteção especial à gestante, a lei, automaticamente, cria
uma outra proteção ao embrião que se desenvolve, mas que ainda não nasceu, e conseqüentemente
protege todas as gerações futuras. Por esta concepção, mesmo antes do nascimento, a vida, ainda que
intra-uterina, já existe e deve ser preservada.
Art. 11. É assegurado atendimento integral à saúde da criança e do adolescente, por intermédio do
Sistema Único de Saúde, garantido o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção,
proteção e recuperação da saúde.
§ 1º A criança e o adolescente portadores de deficiência receberão atendimento especializado.
§ 2º Incumbe ao poder público fornecer gratuitamente àqueles que necessitarem os medicamentos,
próteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.
O dispositivo aplica-se a hospitais tanto da rede pública quanto privada, se bem que o verdadeiro
destinatário desse direito é o usuário da rede pública já que, por tradição, a rede privada de saúde sempre
adotou políticas nesse sentido.
Art. 13. Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão
obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras
providências legais.
Parágrafo único. As gestantes ou mães que manifestem interesse em entregar seus filhos para a
adoção serão obrigatoriamente encaminhadas à Justiça da Infância e da Juventude.
Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para
a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação
sanitária para pais, educadores e alunos.
Parágrafo único. É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades
sanitárias.
Esse direito está amplamente assegurado na Constituição Federal, no art. 200, I a IV. Garantia do
direito: Governo Federal, estadual e municipal. Remédio jurídico: ação civil pública, mandado de segurança
(art.5°, LXIX, da CF), mandado de segurança coletivo (art.5° LXX, da CF). Legitimidade pra propositura das
ações: art.201, V, IX e XI, e § 1°, e 210, I, II e III, do ECA e 5°, LXX, da CF.
OBSERVAÇÕES:
As partes grifadas são alterações trazidas com a Lei nº 12.010, de 29 de julho de 2009 .
REFERÊNCIAS
CURY, Munir (org.). Estatuto da Criança e do Adolescente – Comentários Jurídicos e Sociais. Editora
Malheiros. 9ª Edição. São Paulo, 2008.
DEL CAMPO, Eduardo Roberto Alcântara. Estatuto da Criança e do Adolescente. Editora Atlas. 4ª
Edição. São Paulo, 2009.
ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. Editora Atlas.
10ª Edição. São Paulo, 2009.