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Centro de Desenvolvimento Sustentável – Universidade de Brasília

“A expansão da economia social por meio da ação coletiva”

Trabalho apresentado como parte das


exigências para a conclusão da disciplina
Governança Ambiental pelo PPGCDS

Aluno: Márcio Lino de Almeida

Nível: Mestrado

Professor: Fabiano Toni

Brasília, 30 de janeiro de 2017


Trabalho Final

Os acontecimentos econômicos e políticos que marcaram o século XX,


especialmente o início da sua segunda metade, criaram, no imaginário social, a
crença no progresso material. Esses elementos imaginários serviram de base para a
construção de um ideal desenvolvimentista reduzido ao crescimento econômico, que
logo se tornou slogan político e objetivo hegemônico dos modelos econômicos no
mundo. Assim, a segunda metade do século XX foi um período de grande
crescimento econômico mundial, liderado pelos países de centro (MARTINS et al.,
2014; VEIGA, 2010). Este evento, entretanto, foi acompanhado de outros menos
virtuosos, como a degradação dos ecossistemas naturais, a exaustão dos recursos
naturais renováveis e não renováveis (MILLENNIUM ECOSYSTEM ASSESSMENT,
2005), a consciência da dependência dos países da periferia para com o modelo de
desenvolvimento dos países de centro (MARTINS et al., 2014) e o aumento do
endividamento público e privado (LÉNA, 2012). Consequentemente, a partir dos
anos 70 começaram a surgir críticas à concepção reducionista de desenvolvimento e
às políticas sociais e econômicas pautadas unicamente no crescimento econômico,
que ignoram os fatores sociais e ambientais necessários para uma verdadeira
prosperidade (MEADOWS et al., 2004). Movimentos ambientalistas (McCORMICK,
1992), novas teorias, como a do pós-desenvolvimento, críticas antiutilitaristas
(CAILLÉ, 1998) e bioeconômicas, e demandas por maior democracia e pela
recuperação do sentido da vida (DEMARIA et al., 2013; SCHNEIDER et al., 2010)
propõem o abandono da concepção de desenvolvimento e do modelo econômico
pautados no crescimento contínuo da produção material e demandam maior atenção
aos fatores culturais, étnicos e ambientais indispensáveis à sobrevivência e à
prosperidade das sociedades nacionais e globais. É neste contexto histórico que
surge, dentre outros movimentos, o Decrescimento.

Para ser preciso, o Decrescimento não é um conceito nem um modelo


econômico, mas sim uma “expressão ônibus” que acomoda sob si uma diversidade
de críticas e linhas de raciocínio que possuem em comum o reconhecimento dos
limites econômicos, sociais e ambientais do crescimento (NASCIMENTO e GOMES,
2009). Seus proponentes evidenciam as consequências negativas do crescimento
econômico excessivo, como a obsolescência programada, o excesso de
publicidades, o endividamento público e privado, os desastres ambientais, a
degradação dos laços sociais, os crescentes níveis de estresse, a instabilidade
econômica, dentre outras, e propõem, como forma de evita-las, a diminuição dos
níveis de produção e consumo por meio do abandono da ideologia do crescimento,
que iguala desenvolvimento social ao crescimento econômico (FOURNIER, 2008).
Apesar de a redução do PIB dos países desenvolvidos ser necessária a fim de evitar
uma catástrofe ambiental (JACKSON, 2009), os autores do Decrescimento não
defendem, cegamente, a contração econômica como um objetivo em si. Pelo
contrário, eles têm plena consciência das consequências negativas que uma
recessão tem sobre uma sociedade que se baseia numa economia de crescimento
(a chamada sociedade do crescimento), como o aumento do desemprego, o corte de
políticas sociais e o aprofundamento da degradação ambiental (LATOUCHE, 2009).
Decrescer nessa situação seria catastrófico. Assim, segundo Latouche (2009), um
decrescimento pacífico e sustentável só é possível numa sociedade que não priorize
o ganho econômico e a acumulação material, que abandone o reducionismo
econômico e a ideologia do crescimento e que valorize outras esferas da vida
humana, como a cultura, o contato com a natureza e os laços sociais. Nesse tipo de
sociedade, chamada de sociedade do decrescimento, os cidadãos deixariam de ser
meros consumidores passivos e repolitizariam questões importantes que se
encontram largamente sob júri da iniciativa privada, como a saúde ambiental, a
direção dos avanços tecnológicos e o propósito da economia. Nessa sociedade a
redução dos níveis de produção e consumo seria uma consequência natural da nova
forma de agir e pensar, e não uma medida normativa (LATOUCHE, 2009). Portanto,
para os decrescentistas, a saída das crises contemporâneas (ambiental, econômica
e social) encontra-se no abandono da economia de crescimento e na ascensão da
sociedade do decrescimento por meio de uma mudança radical de valores.

Tal mudança de valores por si só, entretanto, não é suficiente para escapar
da economia do crescimento. Isso porque esse tipo de economia não se baseia
apenas numa ideologia do crescimento ou no desejo dos acionistas em maximizar
seus lucros, mas também em mecanismos e instituições que incentivam ou forçam o
crescimento constante do PIB, como o endividamento privado, a estrutura
hierarquizada das empresas lucrativas (for-profit companies) e a própria dinâmica
competitiva da economia de mercado (FOTOPOULOS, 2005; JOHANISOVA et al.,
2013; JOHANISOVA e WOLF, 2012). Esta última é uma dinâmica marcada pela
competição entre atores egoístas e economicamente racionais numa corrida pela
maior eficiência econômica. Este aumento em eficiência por parte da oferta permite
que os vendedores aumentem suas margens de lucro e/ou que pratiquem preços
mais baixos e vendam mais. Aqueles que, dessa forma, aumentarem suas receitas
podem, consequentemente, aumentar seus investimentos em publicidade ou na
busca de maior eficiência, reiniciando o ciclo. Já aqueles menos eficientes, que não
conseguem os mesmos retornos que seus competidores, vão sendo esmagados
pelos seus concorrentes e podem, eventualmente, fechar as portas. Essa corrida por
maior eficiência, aliada à constante expansão dos mercados, leva, inevitavelmente,
ao aumento da produção e do consumo agregados e à eliminação daqueles
concorrentes que não acompanharem esse crescimento. Por conta disso,
Fotopoulos (2005) chama essa dinâmica de grow-or-die, e afirma ser essa uma
característica fundamental da economia de crescimento capitalista. Outra
característica negativa da dinâmica de mercado é a pressão exercida sobre a oferta
para que externalizem seus custos a fim de aumentarem sua eficiência e
competitividade, o que pode resultar, por exemplo, em exploração de trabalhadores
e poluição ambiental (JOHANISOVA e WOLF, 2012). Logo, para sair da economia
do crescimento e dar fim às crises contemporâneas não basta abandonar a ideologia
do crescimento: é preciso também abandonar a própria economia de mercado
(FOTOPOULOS, 2007) e reformar a estrutura organizacional de seus atores
(JOHANISOVA et al., 2013).

Um das propostas de caminhos que levariam à saída da economia de


mercado e ao decrescimento sustentável é a ênfase nos empreendimentos sociais
(social enterprises) ao invés das tradicionais empresas lucrativas (JOHANISOVA et
al., 2013). Um empreendimento social é um tipo de organização participante da
economia social, também chamada de terceiro setor, que inclui, além destes
empreendimentos, organizações sem fins lucrativos, ONGs, cooperativas e
sociedades mutualistas. Estas organizações se reúnem sob o arco da economia
social por compartilharem do seguinte conjunto de princípios éticos: o objetivo
principal de servir seus membros ou comunidade ao invés de gerar lucro; uma
gestão independente; um processo de tomada de decisão democrático e a primazia
das pessoas e do trabalho frente ao capital na distribuição da renda (BORZAGA e
DEFOURNY, 2001). Um empreendimento social, por sua vez, pode ser definido
como uma organização que possui certa autonomia das autoridades públicas;
apresenta um comprometimento com a criação de empregos; possui como um de
seus objetivos explícitos beneficiar a comunidade ou um grupo específico de
pessoas; tem uma estrutura de propriedade democrática (o poder de decisão não é
distribuído de acordo com a posse de capital); não assume o objetivo de
maximização do lucro¹ e, principalmente, participa do mercado em maior ou menor
grau; (BORZAGA et al., 2008). Por compartilharem dos mesmos princípios éticos
que definem a economia social, mas competirem no mercado, os empreendimentos
sociais podem ser localizados no limite entre o terceiro setor e a economia de
mercado (JOHANISOVA et al, 2013). Se tomarmos como referência o modelo
setorial de Pestoff (fig. 1), podemos localizar os empreendimentos sociais na zona
cinzenta entre os setores da comunidade e do mercado.

Johanisova e colaboradores (2013) afirmam que os empreendimentos sociais


se alinham aos objetivos do Decrescimento por se afastarem do imperativo do
crescimento e do reducionismo econômico ao negarem o princípio de maximização
dos lucros, democratizarem o processo de tomada de decisões, privilegiarem as
necessidades reais das comunidades e agirem localmente. Tal ênfase na produção
local de produtos e serviços importantes às comunidades se aproxima bastante do
conceito de relocalização proposto por Serge Latouche como uma medida
fundamental para o surgimento da sociedade do decrescimento (LATOUCHE, 2009).
Assim ele define a relocalização (2009, p. 49):

“Relocalizar” significa, é claro, produzir localmente, no que for


essencial, os produtos destinados à satisfação das necessidades da
população, em empresas locais financiadas pela poupança coletada
localmente.

Além disso, outro ponto importante são as suas externalidades positivas,


especialmente em relação à estabilidade da economia local. Empreendimentos
sociais de pequena escala se utilizam de fatores de produção locais (trabalho,
capital e matéria-prima) para abastecer a comunidade, fortalecendo, assim, a
economia local e tornando-a menos vulnerável às instabilidades dos mercados
externos (DOUTHWAITE, 1996). Outras externalidades positivas dos
empreendimentos sociais são a
criação de empregos estáveis,
a redistribuição mais justa da
renda, o fortalecimento da
democracia em nível local e o
desenvolvimento de capital
social (JOHANISOVA et al.,
2013). Assim, a ênfase nos
empreendimentos sociais em
detrimento das organizações
lucrativas pode significar, de
certa forma, uma tomada (ou
retomada), pela economia Figura 1: Modelo econômico setorial de Pestoff, adaptado por
social, de algumas atividades Huncova. O círculo branco representa o setor central não-lucrativo,
enquanto o anel cinza representa as organizações híbridas, que
hoje delegadas às empresas inclui os empreendimentos sociais. O setor central mais o anel
cinza formam a economia social. Retirado de JOHANISOVA et al.,
lucrativas e que antes eram 2013, p. 11.

realizadas pelas famílias e


comunidades em nível local. Tal expansão seria, obviamente, limitada, não podendo
ser confundida com uma completa substituição do setor do mercado pelo da
comunidade, situação que nem mesmo seria desejável, já que cada setor (Estado,
mercado e comunidade) possui suas qualidades e deve ser conservado em seu
lugar ideal. Entretanto, o excesso de qualquer um destes setores também é nocivo à
sociedade, e talvez seja esse o caso do mercado, evidenciado, por exemplo, pelas
críticas de Ivan Illich (1973) à comodificação e à modernização. Desse modo, talvez
seja mais realista esperar que a economia social (em especial os empreendimentos
sociais) retome apenas aquelas atividades mais básicas, imprescindíveis à
comunidade e possíveis de serem realizadas localmente, como a produção de
alimento, roupas, energia etc.

É razoável esperar que essa parcial sobreposição da economia social sobre o


mercado resulte numa diminuição das externalidades negativas das empresas
lucrativas e da dinâmica grow-or-die, e num aumento das externalidades positivas
dos empreendimentos sociais. Ela pode também resultar na reversão, em certo
grau, das consequências negativas do processo de comodificação, como a
desqualificação pessoal, a exclusão social, a perda de diversidade cultural e a
criação artificial de escassez (ILLICH, 1973). Assim, estando a economia de
mercado inevitavelmente ligada à ideologia e à dinâmica do crescimento, e sendo
este a fonte das crises atuais (segundo os decrescentistas), sua retração
concomitante à expansão da economia social deve vir acompanhada de impactos
positivos à sociedade e ao meio ambiente e talvez seja um possível caminho para a
saída da economia de crescimento e para o surgimento da sociedade do
decrescimento.

As externalidades positivas dos empreendimentos sociais, entretanto, se dão


ao custo de eficiência econômica e, portanto, de competitividade no mercado
(JOHANISOVA et al., 2013). Consequentemente, espera-se que tais
empreendimentos sejam esmagados pelos seus concorrentes quando inseridos na
dinâmica de mercado (grow-or-die). Logo, surge a dúvida: como é possível garantir a
sobrevivência e a reprodução dos empreendimentos sociais numa sociedade
fortemente marcada pela economia de mercado? A reposta mais certeira para essa
pergunta é simples: redução dos custos de produção, porém não à maneira
tradicional do mercado, o que pode gerar externalidades negativas. Tal redução
pode ser feita de maneira ética se contar com apoio da comunidade na qual atua o
empreendimento social, numa prática de cooperação e reciprocidade entre empresa
e comunidade. De forma mais detalhada, os custos de produção podem ser
reduzidos se forem empregados capitais não-mercantis (non-market capital)
(JOHANISOVA et al., 2013) e trabalho voluntário ou de baixo custo (DOUTHWAITE,
1996).

Um capital não-mercantil é aquele capital retirado do mercado e colocado sob


domínio democrático (BRUYN, 1992). Por “retirado do mercado” Bruyn não quer
dizer que este capital estará disponível a qualquer pessoa ou organização sem custo
algum, mas sim que ele estará fora da lógica de mercado de maximização dos
lucros e submetido às necessidades das comunidades locais (JOHANISOVA et al.,
2013). A gestão de tais capitais não-mercantis pode ser feita por um governo local
eleito democraticamente, mas essa não é a única opção, nem a ideal. Cooperativas
não-lucrativas ou empreendimentos sociais secundários (que dão suporte a outros
empreendimentos sociais) são exemplos de organizações da economia social que
podem participar desse processo de retirada de capitais do mercado. Assim
Johanisova e colaboradores comentam tal gestão (2013, p. 12):

Ao invés do controle estatal de cima para baixo, os capitais (como


terra, finanças, espaço de trabalho ou habitação, equipamentos
físicos, conhecimento, etc.) devem ser controlados
democraticamente sem fins lucrativos, idealmente pela comunidade
local.

Dessa forma, a associação entre capitais não-mercantis e empreendimentos


sociais pode ser ilustrada pela locação de um espaço de trabalho ou de um
maquinário a um empreendimento social por um custo abaixo do valor de mercado,
ou pela concessão de um empréstimo com taxas de juros abaixo daquelas
praticadas no mercado.

A outra forma de reduzir os custos é por meio do uso de trabalho voluntário,


algo que já é comum dentro da economia social (BORZAGA e DEFOURNY, 2001)
ou então pela redução voluntária dos salários dos membros do empreendimento em
prol da sobrevivência da empresa e da geração das externalidades positivas que
beneficiam toda a comunidade. Apesar de esta última alternativa parecer absurda,
existem estudos que sugerem que o motivador mais eficiente para um trabalhador
não é a remuneração financeira, mas o propósito de seu trabalho (LANE, 1991).
Além disso, os benefícios que o empreendimento social traz à comunidade talvez
superem as perdas com o corte de salário, de forma que tal sacrifício valha a pena.
Assim, contanto que o corte salarial não deixe nenhum dos membros em
dificuldades financeiras, ele pode ser aceito se for pela construção do bem estar
coletivo.

A finalidade da disponibilização de capitais não-mercantis e trabalho de baixo


custo aos empreendimentos sociais é reduzir seus custos de produção e, assim,
aumentar sua competitividade no mercado, compensando a perda de eficiência
econômica causada pelas externalidades positivas (JOHANISOVA et al., 2013).
Dessa forma, segundo os autores, os empreendimentos sociais teriam chance de
sobreviver numa dinâmica de mercado sem deixar de produzir suas externalidades
positivas e sem a necessidade de produzir externalidades negativas, algo que
beneficiaria toda a comunidade local. Em troca destes benefícios, os outros
membros da comunidade poderiam também cooperar com os empreendimentos
sociais por meio de trabalho voluntário, da oferta de produtos também abaixo do
preço de mercado, tornando-se clientes fieis da empresa ou mesmo aceitando pagar
um bônus pelos produtos ou serviços adquiridos a fim de dar um suporte adicional
aos empreendimentos sociais. Este último caso é especialmente importante porque
existem mercados nos quais as margens de lucro praticadas na comercialização de
capitais já são bastante estreitas, de forma que praticar preços abaixo do mercado
se torna inviável e impossibilita a oferta de capitais não-mercantis. Situação
semelhante pode acontecer com o trabalho caso os salários oferecidos no mercado
já sejam baixos demais. Assim, os custos dos empreendimentos sociais se mantêm
acima dos de seus concorrentes, de forma que sua sobrevivência só pode ser
assegurada pela aceitação de seus clientes em pagar preços mais elevados pelos
seus produtos e serviços.

Tal estratégia de sobrevivência, apesar de teoricamente plausível, encontra


desafios. Primeiramente porque ela impõe custos aos participantes dos
empreendimentos sociais, sejam eles membros, trabalhadores pagos ou
proprietários de capitais não-mercantis. Em segundo lugar porque ela depende da
organização dos membros de uma comunidade em torno da produção de um bem
comum. Ou seja, em última análise podemos dizer que a fuga da economia de
mercado por meio da expansão da economia social depende de uma ação coletiva
e, portanto, está sujeita às dificuldades e desafios que a acompanham.

O fortalecimento da economia local, a criação de empregos estáveis, a


redistribuição mais justa da renda, o aprofundamento da democracia em nível local,
o desenvolvimento de capital social e a oferta de produtos e serviços necessários à
comunidade são todos exemplos de resultados diretos da atuação dos
empreendimentos sociais na comunidade. Tais benefícios, quando produzidos,
estão disponíveis a todos os membros da comunidade, independentemente da
participação destes na produção dos mesmos. Ou seja, os benefícios dos
empreendimentos sociais são bens comuns, não-excluíveis e não-rivais. Contudo, a
produção destes bens não é sem custos, os quais são divididos somente entre
aqueles que participaram de sua produção. Dessa forma, surge o primeiro obstáculo
à sobrevivência dos empreendimentos sociais, já que não é preciso participar dos
custos para poder usufruir dos ganhos. Abre-se espaço para free-riders.
Olson (1999) argumenta que numa sociedade composta por indivíduos
economicamente racionais o compartilhamento de objetivos em comum não é
suficiente para que estes indivíduos se organizem e construam um bem coletivo de
maneira ótima. A justificativa do autor para tal argumento é que, por mais que do
ponto de vista da racionalidade coletiva o investimento no ganho coletivo faça
sentido, do ponto de vista da racionalidade individual a deserção sempre será a
alternativa mais vantajosa. Em outras palavras, quando deparados com o dilema do
prisioneiro, indivíduos racionais tem mais incentivos para desertar do que para
cooperar. Ainda segundo o autor, esses incentivos aumentam conforme o tamanho
do grupo cresce, pois a deserção de um membro não faz uma diferença perceptível
ao grupo, de forma que os free-riders podem passar despercebidos. Se levarmos em
consideração que uma comunidade não é composta de poucas pessoas, podemos
concluir que a tentação de desertar talvez seja um grande obstáculo para o sucesso
dos empreendimentos sociais². Por exemplo, um membro da comunidade,
proprietário de capital, poderia comercializa-lo ao preço de mercado com agentes
externos a fim de garantir retornos mais altos e ainda assim gozar da estabilidade
econômica local resultante das atividades dos empreendimentos sociais. Ou então
um trabalhador poderia vender seu trabalho pelo preço de mercado e mesmo assim
consumir os produtos e serviços oferecidos pelos empreendimentos sociais sem
maiores gastos. Assim, aqueles indivíduos que cooperarem com os
empreendimentos sociais são sobretaxados pela produção do bem comum. Caso
essa sobretaxa venha a superar os ganhos, os indivíduos podem abandonar o
empreendimento e levar ao fim da ação coletiva. A solução para grupos grandes,
segundo Olson (1999), é o estabelecimento de punições para os membros que
desertarem, como a aplicação de multas, e de incentivos exclusivos para que mais
pessoas juntem-se ao grupo, como descontos especiais, convênios com outros
provedores de serviços ou entrada franca em confraternizações organizadas pelos
grupos. Tais medidas têm como finalidade desencorajar o comportamento de free-
rider por meio do aumento dos ganhos com a cooperação e também dos custos da
deserção.

É importante destacar que no caso de comunidades muito grandes, mesmo


incentivos e punições talvez não sejam suficientes para impedir a ação de free-
riders, de forma que também seriam necessárias medidas e equipamentos de
monitoramento para flagrar e identificar os desertores do grupo. Tais medidas,
contudo, implicam novos custos de instalação e manutenção, ou seja, aumentam os
custos de participação, o que faz surgir um dilema do prisioneiro de segunda ordem
(Ostrom, 1990).

Por todas estas razões esta claro que uma ação coletiva é mais eficiente
quando organizada por pequenos grupos de pessoas (Olson, 1999). Logo, apoiar a
expansão da economia social com base numa ação coletiva que envolva
diretamente todos os empreendimentos sociais e outros membros da comunidade
não seria prudente, pois tal organização seria demasiadamente custosa e bastante
vulnerável aos free-riders, com grandes chances de fracassar. Por outro lado, caso
fragmentássemos todo esse conjunto em pequenos grupos que cooperam entre si,
poderíamos dar forma a uma ação coletiva que envolvesse toda a comunidade ao
mesmo tempo em que evitaríamos, ou ao menos amenizaríamos, os problemas
derivados da ação coletiva em grandes números. Uma comunidade não precisa,
necessariamente, compor um grande grupo unificado de colaboradores. Um
conjunto de grupos que cooperam entre si também forma uma comunidade.
Carregando essa ideia à economia social, poderíamos dizer que esta é mais
eficiente quando formada por um conjunto de empreendimentos sociais e outras
organizações independentes que cooperam entre si. Nesse cenário poderíamos
identificar dois níveis de interação: o primeiro, mais basal, formado por um conjunto
de ações coletivas, cada qual incluindo apenas aquelas pessoas envolvidas
diretamente com cada empreendimento social. O segundo nível seria formado por
todas essas ações em conjunto, numa associação de empreendimentos sociais.
Dentro dessa associação cada empreendimento seria representado por membros
eleitos democraticamente. Dessa forma é possível integrar toda a comunidade
dentro da economia social e ainda manter as ações coletivas limitadas a poucas
pessoas.

Poderíamos nos perguntar se tal fragmentação da economia social diminuiria


sua força frente à economia de mercado. Em resposta, digo que é improvável.
Axelrod (1984) mostra que a cooperação é capaz de sobreviver e se reproduzir num
meio dominado por indivíduos egoístas contanto que surja em grupo e que atenda
as seguintes condições: indivíduos devem apresentar comportamentos de
cooperação e reciprocidade entre si; interações futuras devem ser valorizadas;
cooperadores devem interagir entre si com certa frequência e devem ser
responsivos às tentativas de deserção dos outros. Tal análise de Axelrod, apesar de
ser construída sobre indivíduos, pode ser aplicada aos dois níveis de interação da
economia social descritos anteriormente. A diferença seria que, enquanto no
primeiro nível a unidade é o indivíduo, no segundo ela é o empreendimento social.
Com isso em mente é possível perceber que ambos os níveis atendem algumas das
condições de Axelrod para a sobrevivência e reprodução da cooperação: tanto os
membros dos empreendimentos sociais quanto os próprios empreendimentos
enquanto unidade apresentam comportamentos de cooperação e reciprocidade
entre si, valorizam as interações futuras e mantêm certa frequência de interações.
Fica faltando apenas certificarem-se de que são capazes de identificar indivíduos ou
empreendimentos desertores e reagir de acordo.

Por fim, é possível aproveitar, na esfera da economia social, as conclusões de


Ostrom (1990) quanto às características institucionais importantes para a
sobrevivência de longo prazo de uma ação coletiva. Apesar de o trabalho da autora
ter sido feito majoritariamente sobre comunidades de exploradores de recursos
naturais comuns, suas conclusões podem ser adaptadas ao caso dos
empreendimentos sociais, uma vez que estes são empresas de estrutura
democrática e seus rendimentos podem ser entendidos como recursos comuns
explorados pelos seus membros. Ostrom (1990) lista seis características importantes
para o bom funcionamento do grupo: a) saliência (dependência primária dos
exploradores para com o recurso); b) entendimento comum; c) baixa taxa de
desconto; d) confiança e reciprocidade; e) autonomia e f) experiência organizacional
prévia e liderança local. Algumas dessas características se assemelham às
condições de Axelrod (1984) para o surgimento da cooperação num mundo de
egoístas, como a baixa taxa de desconto, a confiança e a reciprocidade. Além disso,
a autonomia já faz parte dos princípios organizacionais da economia social. Dessa
forma percebemos que um empreendimento social, enquanto ação coletiva, já
possui em sua natureza algumas características relevantes para o sucesso de longo
prazo do grupo, o que é uma grande vantagem. Quanto ao restante dos pontos
destacados por Ostrom podemos ponderar que um empreendimento social tem
maiores chances de sobreviver caso seus membros dependam primariamente de
seus rendimentos como fonte de renda, estejam todos bem informados sobre as
funções de cada um na empresa e sobre como estas interagem e, finalmente,
tenham alguma experiência organizacional e/ou contem com uma boa liderança.

Conclusão

Os autores do Decrescimento localizam na economia e na ideologia do


crescimento as origens das crises econômica, social e ambiental atuais. Logo, para
dar fim a tais crises faz-se necessário construir uma sociedade do decrescimento,
que abandone não apenas a ideologia do crescimento, mas também as instituições
e dinâmicas próprias de uma economia de mercado.

Uma forma de dar espaço à formação dessa nova sociedade é pela expansão
da economia social sobre a economia de mercado por meio da ênfase em
empreendimentos sociais ao invés das tradicionais empresas lucrativas. Estes
empreendimentos produzem externalidades positivas que beneficiam as
comunidades locais e as poupa das externalidades negativas da economia de
mercado. Estes benefícios, entretanto, custam eficiência econômica aos
empreendimentos sociais, de forma que sua competitividade no mercado fica
prejudicada, o que pode leva-los à falência e ao fracasso da expansão da economia
social.

Contudo, a competitividade dos empreendimentos sociais pode ser


aumentada se reduzirmos os gastos com trabalho e capital, o que pode ser feito
eticamente pelo uso de trabalho voluntário ou de baixo custo e de capitais não-
mercantis. O uso destes, entretanto, requer o sacrifício dos ganhos individuais em
prol dos ganhos comuns, numa ação coletiva que envolve empreendimentos sociais
e membros da comunidade. Logo, a expansão da economia social sobre a de
mercado depende do sucesso de uma grande ação coletiva.

Tal tipo de ação possui diversos desafios e dificuldades que podem ser
amenizados caso o tamanho dos grupos de cooperadores seja pequeno. Grupos
pequenos, por sua vez, podem cooperar entre si, criando um segundo nível de
interação que inclui toda a comunidade, porém sem perder as vantagens da
organização em poucas unidades. Tal dinâmica pode permitir a sobrevivência e a
reprodução tanto de indivíduos quanto de empreendimentos sociais que cooperam
entre si, mesmo quando inseridos num ambiente repleto de egoístas, como a
economia de mercado.

Por fim, o sucesso dos empreendimentos sociais e, portanto, da economia


social, pode ser aprimorada caso os participantes das empresas dependam
primariamente de seus frutos para sobreviverem, possuam uma boa liderança e
compartilhem de um profundo entendimento sobre como o empreendimento
funciona na busca de seus objetivos.
Notas

1. A recusa do princípio de maximização dos lucros não deve ser confundida com a
recusa em lucrar. Empresas não-lucrativas e não-apenas-lucrativas, participantes da
economia social, podem obter lucro, porém este não é o seu principal objetivo,
diferentemente do caso das empresas lucrativas, cujas atividades são, antes de
tudo, formas de gerar ganhos econômicos aos acionistas. Além disso, o lucro
eventualmente obtido pelos empreendimentos sociais pode ser integralmente
reinvestido na empresa, como no caso das não-lucrativas, ou dividido entre os
membros da empresa de acordo com um critério que não seja a porcentagem da
posse de capital, como no caso das não-apenas-lucrativas (BORZAGA e
DEFOURNY, 2001).

2. Tal conclusão, contudo, pode estar precipitada. Antoni (2016), após analisar uma
porção de dados empíricos e experimentais, chegou à conclusão de que a
participação em empreendimentos sociais desenvolve, em seus membros, atitudes
pró-sociais de cooperação, reciprocidade e espírito público (public spiritedness).
Assim, tais empreendimentos se aproximam mais das abordagens propostas por
Tocqueville e Putnam do que por Olson, de forma que o comportamento de free-
rider nestas organizações pode ser mais incomum e menos tentador do que o
discutido aqui.
Referências

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