Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Nível: Mestrado
Tal mudança de valores por si só, entretanto, não é suficiente para escapar
da economia do crescimento. Isso porque esse tipo de economia não se baseia
apenas numa ideologia do crescimento ou no desejo dos acionistas em maximizar
seus lucros, mas também em mecanismos e instituições que incentivam ou forçam o
crescimento constante do PIB, como o endividamento privado, a estrutura
hierarquizada das empresas lucrativas (for-profit companies) e a própria dinâmica
competitiva da economia de mercado (FOTOPOULOS, 2005; JOHANISOVA et al.,
2013; JOHANISOVA e WOLF, 2012). Esta última é uma dinâmica marcada pela
competição entre atores egoístas e economicamente racionais numa corrida pela
maior eficiência econômica. Este aumento em eficiência por parte da oferta permite
que os vendedores aumentem suas margens de lucro e/ou que pratiquem preços
mais baixos e vendam mais. Aqueles que, dessa forma, aumentarem suas receitas
podem, consequentemente, aumentar seus investimentos em publicidade ou na
busca de maior eficiência, reiniciando o ciclo. Já aqueles menos eficientes, que não
conseguem os mesmos retornos que seus competidores, vão sendo esmagados
pelos seus concorrentes e podem, eventualmente, fechar as portas. Essa corrida por
maior eficiência, aliada à constante expansão dos mercados, leva, inevitavelmente,
ao aumento da produção e do consumo agregados e à eliminação daqueles
concorrentes que não acompanharem esse crescimento. Por conta disso,
Fotopoulos (2005) chama essa dinâmica de grow-or-die, e afirma ser essa uma
característica fundamental da economia de crescimento capitalista. Outra
característica negativa da dinâmica de mercado é a pressão exercida sobre a oferta
para que externalizem seus custos a fim de aumentarem sua eficiência e
competitividade, o que pode resultar, por exemplo, em exploração de trabalhadores
e poluição ambiental (JOHANISOVA e WOLF, 2012). Logo, para sair da economia
do crescimento e dar fim às crises contemporâneas não basta abandonar a ideologia
do crescimento: é preciso também abandonar a própria economia de mercado
(FOTOPOULOS, 2007) e reformar a estrutura organizacional de seus atores
(JOHANISOVA et al., 2013).
Por todas estas razões esta claro que uma ação coletiva é mais eficiente
quando organizada por pequenos grupos de pessoas (Olson, 1999). Logo, apoiar a
expansão da economia social com base numa ação coletiva que envolva
diretamente todos os empreendimentos sociais e outros membros da comunidade
não seria prudente, pois tal organização seria demasiadamente custosa e bastante
vulnerável aos free-riders, com grandes chances de fracassar. Por outro lado, caso
fragmentássemos todo esse conjunto em pequenos grupos que cooperam entre si,
poderíamos dar forma a uma ação coletiva que envolvesse toda a comunidade ao
mesmo tempo em que evitaríamos, ou ao menos amenizaríamos, os problemas
derivados da ação coletiva em grandes números. Uma comunidade não precisa,
necessariamente, compor um grande grupo unificado de colaboradores. Um
conjunto de grupos que cooperam entre si também forma uma comunidade.
Carregando essa ideia à economia social, poderíamos dizer que esta é mais
eficiente quando formada por um conjunto de empreendimentos sociais e outras
organizações independentes que cooperam entre si. Nesse cenário poderíamos
identificar dois níveis de interação: o primeiro, mais basal, formado por um conjunto
de ações coletivas, cada qual incluindo apenas aquelas pessoas envolvidas
diretamente com cada empreendimento social. O segundo nível seria formado por
todas essas ações em conjunto, numa associação de empreendimentos sociais.
Dentro dessa associação cada empreendimento seria representado por membros
eleitos democraticamente. Dessa forma é possível integrar toda a comunidade
dentro da economia social e ainda manter as ações coletivas limitadas a poucas
pessoas.
Conclusão
Uma forma de dar espaço à formação dessa nova sociedade é pela expansão
da economia social sobre a economia de mercado por meio da ênfase em
empreendimentos sociais ao invés das tradicionais empresas lucrativas. Estes
empreendimentos produzem externalidades positivas que beneficiam as
comunidades locais e as poupa das externalidades negativas da economia de
mercado. Estes benefícios, entretanto, custam eficiência econômica aos
empreendimentos sociais, de forma que sua competitividade no mercado fica
prejudicada, o que pode leva-los à falência e ao fracasso da expansão da economia
social.
Tal tipo de ação possui diversos desafios e dificuldades que podem ser
amenizados caso o tamanho dos grupos de cooperadores seja pequeno. Grupos
pequenos, por sua vez, podem cooperar entre si, criando um segundo nível de
interação que inclui toda a comunidade, porém sem perder as vantagens da
organização em poucas unidades. Tal dinâmica pode permitir a sobrevivência e a
reprodução tanto de indivíduos quanto de empreendimentos sociais que cooperam
entre si, mesmo quando inseridos num ambiente repleto de egoístas, como a
economia de mercado.
1. A recusa do princípio de maximização dos lucros não deve ser confundida com a
recusa em lucrar. Empresas não-lucrativas e não-apenas-lucrativas, participantes da
economia social, podem obter lucro, porém este não é o seu principal objetivo,
diferentemente do caso das empresas lucrativas, cujas atividades são, antes de
tudo, formas de gerar ganhos econômicos aos acionistas. Além disso, o lucro
eventualmente obtido pelos empreendimentos sociais pode ser integralmente
reinvestido na empresa, como no caso das não-lucrativas, ou dividido entre os
membros da empresa de acordo com um critério que não seja a porcentagem da
posse de capital, como no caso das não-apenas-lucrativas (BORZAGA e
DEFOURNY, 2001).
2. Tal conclusão, contudo, pode estar precipitada. Antoni (2016), após analisar uma
porção de dados empíricos e experimentais, chegou à conclusão de que a
participação em empreendimentos sociais desenvolve, em seus membros, atitudes
pró-sociais de cooperação, reciprocidade e espírito público (public spiritedness).
Assim, tais empreendimentos se aproximam mais das abordagens propostas por
Tocqueville e Putnam do que por Olson, de forma que o comportamento de free-
rider nestas organizações pode ser mais incomum e menos tentador do que o
discutido aqui.
Referências
BORZAGA, C., GALERA, G., NOGALES, R. (Eds.). Social Enterprise: a New Model for
Poverty Reduction and Employment Generation: An Examination of the Concept and
Practice in Europe and the Commonwealth of Independent States. EMES European
Research Network and UNDP Regional Centre for Europe and the CIS, Bratislava, 2008.
BRUYN, S. A new direction for community development in the United States. In: EKINS, P.,
MAX-NEEF, M. (Eds.), Real-Life Economics: Understanding Wealth Creation. Routledge,
London, 1992, p. 372-381.
FOURNIER, V. Escaping from the economy: the politics of degrowth. International Journal of
Sociology and Social Policy, v. 28, n. 11/12, p. 528-545, 2008.
ILLICH, I. Tools for Conviviality. Harper and Row, New York, 1973.
JACKSON, T., Prosperity without Growth: Economics for a Finite Planet. London: Earthscan,
2009.
JOHANISOVA, N.,WOLF, S. Economic democracy: a path for the future? Futures, v. 44, p.
562–570, 2012.
LANE, R. E. The Market Experience. New York: Cambridge University Press, 1991.
MEADOWS, D.; RANDERS, J.; MEADOWS, D. Limits to Growth. The 30-Year Update,
Chelsea Green Publishing, 2004.
OSTROM, E. Governing the Commons: the Evolution of Institutions for Collective Action.
Cambridge, Cambridge University Press, 1990.