Sie sind auf Seite 1von 264

Sociedade e

Contemporaneidade
???????????

Organizado por Universidade Luterana do Brasil

Sociedade e
Contemporaneidade

Arlete Aparecida Hildebrando de Arruda


Deivison Moacir Cezar de Campos
Everton Rodrigo Santos
Gabriela Ramos de Almeida
Honor de Almeida Neto
Julieta Beatriz Ramos Desaulniers
Paulo G. M. de Moura
Rodrigo Perla Martins

Universidade Luterana do Brasil – ULBRA


Canoas, RS
2016
Conselho Editorial EAD
Andréa de Azevedo Eick
Ângela da Rocha Rolla
Astomiro Romais
Claudiane Ramos Furtado
Dóris Gedrat
Honor de Almeida Neto
Maria Cleidia Klein Oliveira
Maria Lizete Schneider
Luiz Carlos Specht Filho
Vinicius Martins Flores

Obra organizada pela Universidade Luterana do Brasil.


Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores
a emissão de conceitos.
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida
por qualquer meio ou forma sem prévia autorização da
ULBRA.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na Lei
nº 9.610/98 e punido pelo Artigo 184 do Código Penal.

ISBN: 978-85-5639-192-6
Dados técnicos do livro
Diagramação: Marcelo Ferreira
Revisão: Geórgia Marques Píppi
Apresentação

N o Brasil, quem decide ser um profissional ou empreendedor com


formação em nível superior revela diversas expectativas. Quer que
seu currículo seja considerado diferenciado em meio a inúmeros outros
currículos profissionais. Quer ter maior satisfação em seu trabalho ou
empreendimento. Quer ganhar mais, seja como assalariado, seja como
empresário. Quer pautar seu exercício profissional por maior qualificação
em termos de conhecimento e prática, tornando-se, com isso, um agen-
te de transformação social, política, econômica e cultural. Quer tornar-se
um formador de opinião. Sem dúvida alguma, é muito provável que estas
e outras expectativas sejam alcançadas. De modo sistemático, estudos e
análises revelam que profissionais com formação em nível superior têm
grandes vantagens e destaque na sociedade, no ambiente empreendedor e
no mercado de trabalho no Brasil.

Os cursos de graduação da ULBRA são projetados tendo por referência


tais expectativas e querem acompanhar os estudantes que neles ingressam
para que elas sejam alcançadas. São quatro as diretrizes fundamentais
propostas pelos cursos:

1) Intermediar  conhecimento atualizado, pertinente à área profissio-


nal e pautado permanentemente por inovação;

2) Mover os estudantes a cultivarem de modo intensivo sua formação


pessoal (valores, princípios, caráter, hábitos e referências éticas);

3) Avaliar incessantemente seus conteúdos, práticas e formas sob o


critério da empregabilidade de seus egressos;

4) Valorizar o  empreendedorismo, ou seja, estabelecer em todos


os âmbitos do curso e da universidade as condições para que os
Apresentação  v

acadêmicos estejam imersos em uma cultura empreendedora e de-


senvolvam ou aperfeiçoem sua consciência empreendedora.

A disciplina Sociedade e Contemporaneidade está entre as que de


forma mais direta interpelam estudantes e professores em relação a essas
diretrizes fundamentais. Independente do curso de graduação, é essencial
que todos os envolvidos – estudantes, docentes e equipes administrativas
de suporte ao ensino – estejam referenciados em dois trilhos que correm
paralelamente de modo indissociado, orientando o processo de formação
como um todo: o projeto pedagógico do curso com sua matriz curricular
e todos os demais elementos que o compõem e a carreira profissional
a ser construída. Nesta disciplina, abre-se concretamente a possibilidade
de compreender no contexto social, seja no mais próximo ou naquele mais
amplo, levando em conta suas múltiplas facetas, as consequências e as
possibilidades para quem decidiu fazer um curso superior e construir uma
carreira profissional diferenciada no mercado de trabalho e no ambiente
empresarial.

Os conteúdos a seguir, cuidadosamente redigidos e sistematizados por


professores de alta qualificação e experiência, serão, por vezes, considera-
dos desafiadores e complexos quanto a sua compreensão. O foco perma-
nente na carreira que se está desenvolvendo, justamente por isso, será um
grande auxílio a iluminar os passos de cada estudante em seu progresso e
descobertas.

Prof. Dr. Ricardo Willy Rieth

Sociólogo, teólogo, professor do PPGEDU e vice-reitor da Universida-


de Luterana do Brasil
Sumário

1 A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica...............1


2 Redes Sociais na era Digital.................................................31
3 Novas Identidades em uma Sociedade em Transformação....55
4 Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais na
Sociedade Contemporânea..................................................75
5 Educação na era Digital.......................................................99
6 Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero e Religião......120
7 Trabalho e Emprego no Mundo das Novas
Tecnologias.......................................................................144
8 O Brasil no Cenário Internacional da Contemporaneidade.180
9 Organizações e Participação Política e Social no Mundo
Contemporâneo................................................................198
10 Meio Ambiente e Sustentabilidade.....................................223
Honor de Almeida Neto1

Capítulo 1

A Sociedade
Contemporânea: Uma
Rede Dinâmica1

1  Doutor em Serviço Social pela PUCRS (2004), Mestre (1999) e Graduado em


Ciências Sociais pela mesma Universidade (1995). Coordenador do curso CST
em Gestão Pública na modalidade EAD e do curso de Ciência Política da ULBRA
Canoas. Integra o grupo de pesquisa Sociedade Informacional, Individualidades,
Políticas Sociais da ULBRA. Pesquisador com experiência na área das Ciências Hu-
manas e Sociais com ênfase na análise de processos de formação da Criança e do
Adolescente e do impacto das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação
(NTIC) na qualidade das relações humanas e sociais.
2   Sociedade e Contemporaneidade

Introdução

Vivemos em um período marcado pela inovação tecnológica


cuja velocidade dos fenômenos e a complexidade, que envol-
ve toda e qualquer temática a ser pesquisada, deixa a todos
uma sensação de incerteza quanto ao futuro. Para um melhor
entendimento dos códigos que distinguem a era em que vi-
vemos - Era Digital- e o estágio atual do capitalismo, aponto
nesse capítulo alguns pressupostos. O objetivo é instrumentali-
zar você, aluno, para que possa apreender alguns princípios e
categorias teóricas contemporâneas das Ciências Sociais, ou
seja, para que tenha mais elementos para entender esse nosso
tempo, tempo em que nas palavras de Baumann “o homem
ganha em liberdade, mas perde em certezas [...]” (BAUMANN,
2001). Categorias de análise e conceitos são instrumentais das
ciências, sobretudo das ciências humanas e sociais, e funcio-
nam como “óculos”, como lentes que ampliam o nosso olhar
sobre a realidade aproximando-nos com mais rigor e objeti-
vidade desta realidade. Proponho nesse capítulo uma breve
análise do impacto das Novas Tecnologias de Informação e
Comunicação (NTIC) na qualidade das relações humanas e
sociais, uma análise sócio-técnica da sociedade contemporâ-
nea, que tenha como centro ou como nó central as mediações
sociais, os meios através dos quais nos comunicamos uns com
os outros.

A história das relações humanas e da construção social


dos fenômenos não pode ser desvinculada da história das me-
diações sociais, das técnicas, das tecnologias disponíveis em
cada período histórico, bem como, das rupturas que a pe-
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    3

netrabilidade dessas mediações instaura nas sociedades, em


todas as suas dimensões. Ao se complexificarem, as media-
ções instauram mudanças nas relações sociais e geram novas
possibilidades.

Mas então, quais são essas novas mediações? Quais são


as suas características? Qual é a penetrabilidade nas socieda-
des e quais os impactos e transformações que instauram?

1.1 Novas mediações tecnológicas: novas


revoluções

Jornais, revistas, programas de rádio e TV, simpósios acadê-


micos, filmes, documentários, sites, convergência de mídias e
inúmeros novos aplicativos móveis apontam para o fato de
que vivemos em uma sociedade da informação, era digital,
planetária, sociedade midiática, fluída, em rede. O conceito
de mídia, segundo Pierre Levy, refere-se “ao suporte ou veículo
da mensagem. O impresso, o rádio, a televisão, o cinema ou
a Internet, por exemplo, são mídias” (LEVY, p. 61).

Embora o acesso e a troca de informações sempre estives-


sem presentes na sociedade, hoje, as mediações disseminam a
informação de uma maneira inédita e com características que
a distinguem das mediações anteriores, instaurando profundas
mudanças na dinâmica dos fenômenos. Os dispositivos comu-
nicacionais, hoje disponíveis, possibilitam diferentes formas de
comunicação entre as pessoas, rompem com a comunicação
passiva, típica de mediações anteriores. Abrem novas possibi-
4   Sociedade e Contemporaneidade

lidades aos sujeitos cujas ações retroagem sobre a sociedade,


complexificando-a. Lembrem-se que o homem constrói a cul-
tura que constrói o homem e assim sucessivamente.

Quanto às características dessas mídias, Levy aponta para


três grandes categorias, um-todos, um-um e todos-todos. A
imprensa, o rádio e a televisão são estruturados de acordo
com o princípio um-todos: um centro emissor envia suas men-
sagens a um grande número de receptores passivos e disper-
sos. O correio ou telefone organizam relações recíprocas entre
interlocutores, mas apenas para contato indivíduo a indivíduo
ou ponto a ponto (LEVY, 1999). O advento das mídias inte-
rativas, como a Internet, trouxe de original, para as relações
sociais, a maior possibilidade de conexão entre as pessoas,
em tempo muitíssimo mais veloz e independente da distância,
do espaço. Ou seja, os computadores além de agregarem for-
mas de comunicação típicas de outras eras, como a escrita, a
imagem e o som, e acelerarem a velocidade das informações,
permitem uma interconexão planetária inédita que efetivamen-
te nos transforma em moradores de uma “aldeia global”.

O ciberespaço permite que comunidades constituam de


forma progressiva e de maneira cooperativa um contexto
comum (dispositivo todos-todos); [...] são os novos disposi-
tivos informacionais (mundos virtuais, informações em fluxo)
e comunicacionais (comunicação todos-todos) que são os
maiores portadores de mutações culturais (LEVY, 1999, p.
63). O ciberespaço, este novo espaço de troca, de relação,
é construído em função das novas tecnologias e de suas ca-
racterísticas. Na comparação com as mediações anteriores,
sobretudo a imprensa e a televisão, a Internet é potencialmen-
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    5

te transformadora, visto que, a televisão e a imprensa podem


impor uma visão da realidade e proibir a resposta, a crítica e
o confronto entre posições divergentes. [...] Em contrapartida,
a diversidade das fontes e a discussão aberta são inerentes
ao funcionamento de um ciberespaço2 que é incontrolável por
essência (LEVY, 1999). A Internet é um meio de comunicação
que permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos com
muitos e em escala global. Assim como a difusão da máquina
impressora no Ocidente criou o que MacLuhan chamou de a
Galáxia de Gutenberg, ingressamos agora num novo mundo
de comunicação: a Galáxia da Internet (CASTELLS, 2003).

O impacto das tecnologias é central para que possamos


entender o que define-se como Terceira Revolução Industrial
e/ou Era Digital, e as novas possibilidades associadas a esse
nosso tempo. Como tipo ideal, podemos identificar três gran-
des rupturas, três grandes revoluções. Motor da acumulação
e expansão capitalista, a máquina a vapor promoveu a revo-
lução tecnológica do Séc. XVIII. O mesmo ocorreu com a ele-
tricidade no século XIX e com a automação, que representam
o estágio mais recente da evolução tecnológica, ou a terceira
onda da Revolução Industrial (ALBORNOZ, 2000). Caracteri-
zada como um processo de mudança de uma economia agrá-
ria e manual para uma economia dominada pela indústria, a
Primeira Revolução Industrial tem início na Inglaterra em 1760
e se alastra para o resto do mundo, provocando profundas
mudanças na sociedade. Caracteriza-se pelo uso de novas
fontes de energia; invenção de máquinas que permitem au-

2  Ver conceito no glossário ao final do capítulo.


6   Sociedade e Contemporaneidade

mentar a produção com menor gasto de energia humana; di-


visão e especialização do trabalho; desenvolvimento do trans-
porte e da comunicação e aplicação da ciência na indústria.
A revolução também promove mudanças na estrutura agrária
e o declínio da terra como fonte de riqueza; a produção em
grande escala voltada ao mercado internacional; a afirmação
do poder econômico da burguesia; o crescimento das cidades
e o surgimento da classe operária, tendo como espaço de tra-
balho a fábrica. Segundo Lester Thurow (EXAME, 2001), se há
trezentos anos cerca de 90% da população vivia da agricultu-
ra, atividade que era exercida com a mesma tecnologia primi-
tiva - cavalos, bois, pessoas e fertilizantes de origem animal,
foi a invenção da máquina a vapor que fez com que 8 mil anos
de agricultura como atividade dominante da humanidade che-
gassem ao fim. E, em 30 anos, os industriais da Inglaterra
conseguiram reunir uma fortuna maior que a dos nobres, que
foram os homens mais ricos dos séculos anteriores.

A Primeira Revolução Industrial caracterizou-se pela con-


centração dos trabalhadores nas fábricas e pelas transforma-
ções na rotina das cidades e no próprio trabalho. O uso de
máquinas permitiu o ingresso de mulheres e de crianças no
mundo do trabalho, principais vítimas do trabalho precarizado
do começo do período de industrialização. Para aumentar o
desempenho dos operários, a produção foi dividida em várias
operações. O operário executava uma única etapa, sempre do
mesmo modo, o que o alienou do processo de trabalho, ou
seja, fez com que este perdesse a noção do produto final de
seu trabalho.
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    7

Entre a segunda metade do século XIX e a primeira meta-


de do século XX, após a Primeira Guerra Mundial, surgiu um
novo período denominado “Segunda Revolução Industrial”.
Uma das principais características deste período foi a crença
na lucratividade advinda da ciência, ao contrário do empiris-
mo tecnológico, avesso à ciência, típico da Primeira Revolução
Industrial. A invenção da eletricidade potencializou a capaci-
dade produtiva do homem, libertando-o dos limites da noite
e do dia. A energia elétrica esteve para a Segunda Revolução
Industrial como a máquina a vapor esteve para a Primeira.
Trouxe um enorme aumento da produção industrial e para au-
mentar a produtividade do trabalho, Frederick W. Taylor criou
o método de administração científica que se tornaria conheci-
do como taylorismo. Taylor apontava como grande problema
das técnicas administrativas existentes o desconhecimento pela
gerência, bem como pelos trabalhadores, dos métodos que
otimizassem o trabalho, tarefa que seria efetivada pela gerên-
cia, através de experimentações sistemáticas de controle de
tempos e de movimentos. Uma vez descobertos, os métodos
foram repassados aos trabalhadores que se transformaram em
executores de tarefas pré-definidas. Vê-se aqui a diminuição
de espaços voltados à auto-organização3 dos trabalhadores,
típicos da época e do então estágio de desenvolvimento das
forças produtivas4, rígidas, controladoras, hierarquizadas e
com tarefas compartimentadas e mecânicas. O salário tinha
uma relação estreita com o tempo de execução da tarefa, da

3   Ver glossário ao final do capítulo.


4 Ver glossário ao final do capítulo.
8   Sociedade e Contemporaneidade

jornada de trabalho. Veremos posteriormente que essa relação


entre tempo e salário modifica-se na atualidade.

Primeiro foi a substituição das ferramentas manuais pelas


máquinas; depois, a eletricidade e o motor de combustão in-
terna, bem como o início das tecnologias de comunicação,
como o telégrafo e o telefone, sendo ambos períodos mar-
cados por transformações constantes e de grande velocidade
(CASTELLS, 1999). A gênese da Terceira Revolução Industrial
encontra-se no período Pós Segunda Guerra Mundial, quando
as indústrias química e eletrônica desenvolveram-se. Tempo e
espaço são dimensões centrais para entendermos as mudan-
ças pelas quais a sociedade vem passando, o tempo hoje é
atemporal (as respostas se dão em tempo real) e o espaço é
desterritorializado (daí vivemos em uma aldeia global).

A transformação do modelo produtivo começou a se apoiar


nas tecnologias que já vinham surgindo nas décadas do pós-
-guerra e nos avanços das novas tecnologias da informação.
Em substituição ao taylorismo (americano), o método de pro-
dução japonês (toyotismo) combina máquinas de alta comple-
xidade com uma nova forma gerencial e administrativa de pro-
dução, menos hierarquizada. As empresas estão achatando
suas tradicionais pirâmides organizacionais e delegando, cada
vez mais, a responsabilidade pela tomada de decisão às equi-
pes de trabalho. Hoje, os computadores e dispositivos móveis
tornam-se a principal ferramenta em quase todos os setores
da economia, do conhecimento, da informação e, também,
requisito primordial ao trabalhador.
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    9

Na relação entre capital (recursos) e trabalho (mão


de obra), típica do nosso período histórico, um novo perfil de
trabalhador é exigido pelo mercado, com maior valorização
de sua capacidade criativa. As tecnologias, hoje disponíveis,
demandam novas competências aos trabalhadores, para além
de meras habilidades, restritas a tarefas repetitivas e rígidas. A
valorização de competências humanas, em meio ao proces-
so produtivo, leva diversos autores a denominar a sociedade
atual como sociedade do conhecimento. A maior exigência
de qualificação da mão de obra aumenta também o fosso
de desempregados e subempregados. Ou seja, a inclusão
social, hoje, passa pela inclusão digital.

Quanto aos pressupostos da Sociedade Informacional,


Castells (1999) distingue modo de desenvolvimento de modo
de produção. O modo de produção diz respeito à forma como
é distribuído o produto do trabalho, como são feitos a apro-
priação e o uso do excedente e podendo ser, portanto, capi-
talista (sob o domínio do capital), ou estadista (sob o domínio
e controle do Estado). Já o modo de desenvolvimento é deter-
minado pelo elemento principal para a produtividade, outrora
o modo de desenvolvimento agrário (cuja riqueza maior era a
posse da terra), depois a indústria (fontes de energia, industria-
lismo) e, hoje em dia, o controle e a produção de informação
(informacionalismo). Tratam-se de “procedimentos mediante
os quais os trabalhadores atuam sobre a matéria para gerar o
produto, em última análise, determinando o nível e a qualida-
de do excedente” (CASTELLS, 1999, p. 34).

Historicamente, os modos de desenvolvimento modelam o


comportamento social e, inclusive, a comunicação simbólica
10   Sociedade e Contemporaneidade

dos povos. No modo de desenvolvimento informacional, as


relações técnicas de produção difundem-se por todo o con-
junto de relações e estruturas sociais, ou seja, há uma íntima
ligação entre cultura e forças produtivas que tende a trazer o
surgimento de novas formas históricas de interação, controle
e transformação social. As instituições, as companhias e a so-
ciedade em geral transformam a tecnologia, qualquer tecno-
logia, apropriando-a, modificando-a, experimentando-a [...]
esta é a lição que a história social da tecnologia ensina [...].
A comunicação consciente (linguagem humana) é o que faz
a especificidade biológica da espécie humana. Como nossa
prática é baseada na comunicação, e a Internet transforma
o modo como nos comunicamos, nossas vidas são profun-
damente afetadas por essa nova tecnologia da comunicação
(CASTELLS, 2003).

Se, ao longo da história da humanidade, a riqueza este-


ve sempre ligada à posse e ao controle de recursos materiais
como a terra, o ouro, o petróleo (fonte de energia); hoje a
riqueza não é algo material, palpável, ela é imaterial: o co-
nhecimento. O conhecimento é a fonte primária de riqueza na
sociedade pós-industrial. A revolução tecnológica e a transfor-
mação social estão ligadas à penetrabilidade da informação
por toda a estrutura social, daí que o grau de desenvolvimento
das sociedades, atualmente no modo de desenvolvimento in-
formacional, tem no número de computadores por habitante
um indicador fundamental (CASTELLS, 1999). Ao transformar
e produzir tecnologia, em busca de novos conhecimentos e
novas formas de processamento das informações, nossa so-
ciedade acaba inevitavelmente se organizando em forma de
rede, sendo esta uma de suas características principais. Hoje,
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    11

com a acentuação da globalização através das NTIC, redi-


mensionam-se as noções de espaço e de tempo, e ao aproxi-
mar distâncias e comunicar os fatos em tempo real, as novas
mediações permitem que muitas intervenções no contato entre
as pessoas possam acontecer. O maior número de mediações
faz com que as pessoas interajam mais, o que aumenta a ve-
locidade dos fenômenos e a sua complexidade.

O que é inerente à sociedade informacional é o fato de


as tecnologias agora disponíveis ampliarem, em quantidades
impensáveis e imprevisíveis, as ações humanas e o seus alcan-
ces, quaisquer que sejam essas ações, boas ou ruins. Imagine,
por exemplo, que pela internet podemos realizar uma obra
social, mas também organizar uma briga de torcidas organi-
zadas de futebol. Imagine a extensão da ação de um pedófilo,
por exemplo, que antes tinha apenas os grupos familiares e os
vizinhos como potenciais alvos de sua ação. Hoje ele tem o
mundo todo.

Concomitantemente, novos espaços e formas de articula-


ção são potencializados pois a informação, fonte de poder na
sociedade informacional, é mais socializada fazendo com que
relações sociais antes desconhecidas, venham à tona modi-
ficando culturas. A maior visibilidade dos fenômenos sociais
faz com que estes sejam construídos através de relações cada
vez mais secundárias e menos primárias: “[...] vivemos numa
época de mundialização, todos os nossos grandes proble-
mas deixaram de ser particulares para se tornarem mundiais
[...]” (MORIN, 1999, p. 19). Os fenômenos sociais, hoje, são
construídos de forma cada vez mais complexa, necessitando
por parte do analista outros “óculos”, daí o uso da categoria
12   Sociedade e Contemporaneidade

de análise “Rede Dinâmica”. A “Rede Dinâmica” é um concei-


to que condensa a complexidade e a diversidade do mundo
atual, e os potenciais trazidos pelas novas mediações que ca-
racterizam a Terceira Revolução Industrial. Manuel Castells de-
monstra a lógica que rege a teia que une e move as inúmeras
mutações verificadas no social, estreitamente associadas ao
ritmo veloz com que ocorrem, denominadas por ele de socie-
dade informacional. Há uma lógica de funcionamento desse
nosso mundo aparentemente ilógico, mesmo construído com
um grau cada vez maior de imprevisibilidade e de incerteza.
Tal lógica é a lógica da rede à qual vivemos conectados, in-
terligados, interdependentes. Trata-se de um novo paradigma
que perpassa a dinâmica social. A figura abaixo apresenta as
dimensões do conceito de Rede Dinâmica:

O movimento de produção das sociedades sempre foi, ao


longo da História, auto-eco-organizativo, porém, na Tercei-
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    13

ra Revolução Industrial, ou era pós-industrial temos mais es-


paços para realizar os nossos potenciais, pois as mediações,
hoje, têm mais elementos voltados à autonomia, estão mais
de acordo com o ritmo de cada um. Por exemplo, não neces-
sitamos mais aguardar o ritmo e a boa vontade do caixa do
banco para pagarmos uma conta. Não precisamos sequer nos
deslocar até o banco (cujo atendimento presencial está, aliás,
em extinção), mas precisamos de conhecimento sobre como
operar uma transferência bancária pelo computador. Temos
hoje, potencialmente, melhores condições de interagir com o
social a partir de uma postura mais autônoma. O pressupos-
to de produção das sociedades, atualmente, constrói-se do
individual para o coletivo, através dos movimentos que desen-
cadeiam seus agentes, das energias e interesses dos agentes
individuais para o todo. Trata-se, também, por isso, de uma
sociedade eminentemente aprendente, no sentido de poder
constituir-se enquanto um espaço de formação para os seus
agentes (ALMEIDA NETO, 2007).

Há, hoje em dia, a necessidade de forjar um novo habitus5


no trabalhador, mais flexível e que acompanhe esse frenético
ritmo de inovações. Como as tecnologias rompem as barrei-
ras de tempo e de espaço, observa-se uma descentralização
crescente das tarefas no âmbito do trabalho (do emprego em
processo de extinção). A remuneração não se dá mais na re-
lação direta entre tempo e salário, ou seja, não se calcula
mais em função do tempo em que o trabalhador cumpre sua
jornada na empresa, fábrica, mas sim pelo produto do seu tra-

5  Ver glossário ao final do capítulo.


14   Sociedade e Contemporaneidade

balho. Assim, o controle do tempo passa à mão do trabalha-


dor. Emergem profissionais liberais com vários empregadores
e que têm na mobilidade de sua mão de obra um diferencial.
As tecnologias permitem essa fluidez nos locais de trabalho,
atualmente em grande parte restritos ao computador pessoal,
ou mesmo a um celular de última geração. Esse novo profis-
sional é ele próprio sua empresa.

Na sociedade informacional tende a envelhecer a organiza-


ção cuja capacidade de reestruturação, de desburocratização
das ações e agilidade na gestão sejam limitadas. Aqui, repor-
tamo-nos a uma outra dimensão que caracteriza a sociedade
do conhecimento, a de não se organizar em uma perspectiva
apenas local, mas sim glocal. A riqueza da sociedade em rede
está em sua diversidade e não na uniformidade, temos condi-
ções de explorar a diversidade dos agentes que a compõem,
os diversos e impensáveis capitais que possuem, que formam o
que Levy denomina de inteligência coletiva, coletivos inteligen-
tes a serem construídos de forma intencional pela Rede. Levy
refere a engenharia do laço social como “a arte de suscitar
coletivos inteligentes e valorizar ao máximo a diversidade das
qualidades humanas” (LEVY, 1998, p. 32). Quanto melhor os
grupos humanos conseguem se constituir em coletivos inteli-
gentes, em sujeitos cognitivos, abertos, capazes de iniciativa,
de imaginação e de reação rápidas, melhor asseguram seu su-
cesso no ambiente altamente competitivo que é o nosso (LEVY,
1998).

Outra dimensão da metáfora “Rede Dinâmica” é a visi-


bilidade, a “aldeia global” é possibilitada pelas NTIC que
permitem fazer circular as informações internas e externas, o
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    15

que a torna também cada vez mais interdependente e, por


isso, também, mais complexa. Quando Levy refere o potencial
democrático da sociedade informacional, ele fala da possibi-
lidade de construção de coletivos inteligentes que valorizem
a diversidade das inúmeras redes que a dinâmica do social
constrói e reconstrói, que escapem de controles verticalizados,
que misturem lazer, cultura, trabalho e produção, pois se inse-
rem na lógica econômica dos mercados. É importante ressal-
tar que, inevitavelmente, toda a sociedade está sendo afetada
pela nova dinâmica social, fato que reforça a importância de
lançar um olhar que dê conta destas transformações.

1.2 Movimentos Sociais: o poder em


xeque na Sociedade em Rede
Dinâmica

Como forma de materializar esse conceito abstrato na aproxi-


mação com a realidade contemporânea, podemos nos repor-
tar às manifestações que ocorreram no ano de 2013 no Brasil,
na esteira de outros movimentos sociais concomitantes que fo-
ram observados em outros países. Se as relações humanas e
sociais são relações de poder e de dominação, as relações de
poder na sociedade da informação são colocadas em xeque
frente ao potencial democrático e revolucionário da sociedade
em rede, inerente ao nosso novo ecossistema informacional,
digital. Em primeiro lugar, trata-se de uma relação horizonta-
lizada e não verticalizada. A informação que sempre foi fonte
de poder é hoje socializada e reconstruída a todo instante, sem
16   Sociedade e Contemporaneidade

um controle central. A Rede Dinâmica é horizontal, democrá-


tica, não linear.

A cultura associada às novas tecnologias é a cultura da


autonomia, muito presente na relação dos jovens (geração
internet), em relação às instituições e aos poderes instituídos
da sociedade. As práticas nas redes sociais materializam essa
cultura que se choca com a cultura, por exemplo, da sala de
aula, cujo tipo de organização (escola) é ainda vertical e tra-
dicional, assim como de outras tantas instituições tipicamente
modernas (rígidas, hierarquizadas, burocráticas, controlado-
ras). Nas palavras de Castells (2012) a nova cultura da auto-
nomia empodera os jovens e traz a eles felicidade. Traz felici-
dade, pois a internet aumenta duas áreas fundamentais para
isso, a sociabilidade e o empoderamento.

A Rede não tem centro, começo, nem fim, tem várias entra-
das e várias saídas. Sendo assim, os movimentos sociais que
emergiram em 2013 começaram na Internet, estes são: “espa-
ços de autonomia, muito além do controle de governos e em-
presas que monopolizavam os canais de comunicação como
alicerces de seu poder” (CASTELLS, 2012, p. 7). Assim, “indi-
víduos formaram redes [...] uniram-se e sua união os ajudou
a superar o medo, essa emoção paralisante em que poderes
constituídos se sustentam”. Bem de acordo com a velocidade
que distingue nosso tempo, “os movimentos espalharam-se
por contágio num mundo ligado pela internet caracterizado
pela difusão rápida, viral, de imagens e ideias”.

Como vivemos em uma aldeia global e em rede, podería-


mos perguntar onde começaram os movimentos? Desenvolve-
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    17

ram-se em rede: no mundo árabe, Espanha, Grécia, Portugal,


Itália, Grã-Bretanha, além de Israel e Estados Unidos, Ásia e
Brasil, Tunísia e Islândia.

Mas o que há de comum entre todos eles? Observa-se que


“em todos os casos, os movimentos ignoraram partidos polí-
ticos, desconfiaram da mídia, não reconheceram nenhuma li-
derança e rejeitaram toda a organização formal, sustentando-
-se na internet e em assembleias locais” (CASTELLS, 2012, p.
16). E de onde vêm os movimentos sociais? “São a resposta
às injustiças de todas as sociedades: exploração econômica;
pobreza desesperançada” (idem). São ainda frutos da “desi-
gualdade injusta; comunidade política antidemocrática; Esta-
dos repressivos; Judiciário injusto; racismo; xenofobia; nega-
ção cultural; censura; brutalidade policial; incitação à guerra;
fanatismo religioso; descuido com o nosso planeta azul; des-
respeito à liberdade pessoal; violação da privacidade; geron-
tocracia; intolerância; sexismo; homofobia e outras atrocida-
des que retratam os monstros que somos nós” (2012, p. 16).
Qualquer relação com o cenário político brasileiro atual, não
é mera coincidência.

Dessa forma, os movimentos transformaram o medo em


indignação e a indignação em esperança. Isso porque as re-
lações de poder são constitutivas da sociedade, pois aqueles
que têm o poder constroem as instituições conforme seus va-
lores e interesses. E quais as formas de exercer o poder? Pela
coerção (violência exercida pelo Estado) e/ou pela construção
de significados na mente das pessoas, mediante mecanismos
de manipulação simbólica. Até porque “torturar corpos é me-
nos eficaz que moldar mentalidades” (idem, p. 11). Mas onde
18   Sociedade e Contemporaneidade

há poder há também contrapoder, pois, “esse processamento


mental é condicionado pelo ambiente da comunicação, e a
mudança do ambiente (como observamos com as NTIC) afeta
diretamente as normas de construção de significado e, portan-
to, as relações de poder” (2012). Como vimos a comunicação
que temos hoje é de “todos com todos”, uma comunicação
em massa, baseada em redes horizontais de comunicação in-
terativa que, geralmente, são difíceis de controlar por parte de
governos ou empresas, “por isso empresas e governos temem
a internet” (idem, p. 12).

Se é verdade que o ciberespaço é também um espaço,


um lugar, é preciso que um movimento que ocorre neste novo
lugar, imaterial, materialize-se nos espaços públicos locais,
urbanos. Pois “ao assumir e ocupar o espaço urbano, os ci-
dadãos reivindicam sua própria cidade, uma cidade da qual
foram expulsos pela especulação imobiliária e pela burocracia
municipal”. Não é por acaso que observamos de forma cres-
cente a substituição de espaços públicos, voltados ao interesse
público (nem do Estado nem do mercado), por espaços de
consumo. Shoppings centers, por exemplo, não são espaços
públicos, são espaços privados e voltados ao consumo e não
à convivência social.

Se uma das características principais da rede dinâmica e


do nosso tempo é a velocidade, cabe ressaltar o quão efême-
ros foram e são esses movimentos, ”constituem assim, comu-
nidades instantâneas de prática transformadora”. Interessante
observar o poder de viralização de postagens e mobilizações
nas redes sociais, em torno de determinadas causas, a uma
velocidade impensada e atingindo um número expressivo de
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    19

pessoas. Essa é uma possibilidade associada a características


das novas tecnologias e do grau de comunicação e interação
que engendram. Ou seja, após postada uma mensagem na
rede, ela assume “vida própria”, não tem mais dono, é por
natureza imprevisível uma mensagem auto-eco-organizativa.

Lembro de um caso emblemático que ocorreu justamente


nesse período em sala de aula, quando uma aluna expressou
sua preocupação e pavor com o fato de que, na esteira das
mobilizações dos jovens que ocorreram concomitantemen-
te (em rede) em diversas cidades do Brasil e do Rio Grande
do Sul, ela havia proposto uma mobilização com o objetivo
de qualificar e garantir o transporte de sua cidade do inte-
rior gaúcho até a universidade e de forma gratuita. A aluna
relatou que em poucos minutos havia mais de 100 curtidas,
comentários e compartilhamentos e que, ao longo do dia, na
medida em que aumentavam as curtidas e interações a partir
de sua provocação, ela havia arrastado, involuntariamente,
uma multidão de jovens até a frente da prefeitura da cidade
para protestar e pressionar. Trata-se de um caso sintomático,
pois “no Brasil, sem que ninguém esperasse [...] sem líderes e
sem partidos nem sindicatos [...] um grito de indignação contra
o aumento do preço dos transportes reuniu multidões em mais
de 350 cidades” (CASTELLS, 2012, p. 178). Um dos motivos
das manifestações, mas não o único, foi a questão do preço
do transporte público, o Passe Livre, pois “ a mobilidade é um
direito universal e a imobilidade estrutural das metrópoles bra-
sileiras é resultado de um modelo caótico [...] produzido pela
especulação imobiliária e pela corrupção municipal” (idem,
anterior). E ainda, na esteira desse processo ”um transporte
20   Sociedade e Contemporaneidade

a serviço da indústria do automóvel, cujas vendas o governo


subsidia” (idem, anterior).

O movimento colocou em cheque o neopatrimonialismo


brasileiro, tanto a classe política como as instituições políti-
cas, modernas, burocráticas, morosas e que usam a demo-
cracia a serviço dos profissionais da política. Exigiu também
mais democracia não mais reduzida a “um mercado de votos
em eleições realizadas de tempos em tempos, mercado do-
minado pelo dinheiro e pelo clientelismo e pela manipulação
midiática” (idem, p. 179). Colocou em xeque a classe política
pela própria natureza e morfologia do movimento, em rede
dinâmica. Afinal: em uma manifestação sem líderes, ou com
inúmeros líderes, com quem negociar? Quem cooptar? Como
comprar o líder?

As lideranças, assim como o próprio movimento, são efê-


meras, fluidas. Por essa razão, essas manifestações pegaram
a todos desprevenidos: políticos, mídia, intelectuais (sobretu-
do os modernos) e sociedade como um todo: “milhares de
pessoas eram ao mesmo tempo indivíduos e coletivos, sempre
conectadas em rede e enredadas na rua, mão na mão, tuítes a
tuítes, post a post, imagem a imagem” (idem, 2012). Tratou-se
de um movimento dos jovens, da cultura da internet “[...] que
a gerontocracia dominante não entende e suspeita, quando
seus próprios filhos e netos se comunicam pela internet e ela
sente que está perdendo o controle” (idem, p. 179). E não há
mesmo como ter controle, imprevisibilidade é uma das dimen-
sões da rede dinâmica, “pois a autocomunicação de massas
é a plataforma tecnológica da cultura da autonomia” (idem,
p. 180).
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    21

Inúmeras foram as bandeiras desse movimento em rede,


bem de acordo com a diversidade e complexidade que carac-
terizam nosso tempo: transporte público gratuito; a corrupção
entre o Estado e a especulação imobiliária; o meio-ambiente
e a diversidade (inclusive o direito dos homossexuais); o di-
nheiro gasto na copa; a PEC 37 (proposta de emenda cons-
titucional); a saúde e a segurança pública; o salário do Ney-
mar. O movimento contemplava inúmeras bandeiras, inclusive
antidemocráticas. Mas havia algo ainda mais em comum: a
restrição aos políticos e aos partidos, essas estruturas políticas
tipicamente modernas (hierarquizadas, com caciques, chefes).
Todos disseram “chega” à política tradicional feita pelos e para
os políticos, para a elite econômica aliada ao Estado em todas
as suas formas.

Hoje a capacidade de mobilização das pessoas é espon-


tânea, não depende da permissão de um partido de massa,
como ocorria nas antigas manifestações. O paradoxo é que
temos instituições “democráticas” piramidais para atender as
demandas em rede (horizontais). Outro aspecto central à essa
análise está ligado à nova visibilidade típica da sociedade
contemporânea. O movimento não foi em nada pautado pela
mídia tradicional, aliás, de pouca importância na vida cada
vez mais individualista, customizada e autônoma dos jovens.
Assim, rompe-se o monopólio da opinião e da informação que
circula, pois cada elemento da rede é a mídia, com seu celular
ligado e registrando em tempo real os fatos, retroagindo sobre
outros fatos e outras postagens (informações), exercitando as-
sim a inteligência coletiva. Por fim o movimento, assim como
a rede, é fluído, flexível e efêmero, pode desaparecer, como
desapareceu realmente aqui no Brasil e reaparecer com outra
22   Sociedade e Contemporaneidade

roupagem, outros propósitos, novas bandeiras, afinal a rede


é dinâmica.

Finalizando esse capítulo aponto para a absoluta imprevisi-


bilidade que distingue nosso tempo e que desafia os intelectuais,
e a mudança radical que as novas mediações trouxeram e vêm
instaurando na vida das pessoas e das sociedades, pois “o que
é irreversível no Brasil e no mundo é o empoderamento dos
cidadãos, sua autonomia comunicativa e a consciência dos
jovens de que tudo que sabemos do futuro é que eles o farão”
(CASTELLS, 2012, p. 182). Mas fiquemos atentos, pois tudo
ainda está por se definir, o ciberespaço é também uma arena
de lutas, de disputas e as forças conservadoras têm uma ca-
pacidade imensa de reorganização e reestruturação. Assim ao
instrumentalizar os alunos e os jovens, sobretudo, a respeito
dos códigos que distinguem nosso tempo, neste diálogo ne-
cessário com a ciência, pensamos poder contribuir para esse
fazer e esse novo devir.

Glossário

Auto-organização - Os seres vivos são auto-organizadores


que se autoproduzem incessantemente. O princípio de auto-
-eco-organização vale, evidentemente, de maneira específica
para os humanos, que desenvolvem a sua autonomia na de-
pendência da cultura, e para as sociedades que dependem do
meio geoecológico (MORIN, 1999, p. 33).
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    23

Ciberespaço - É o novo meio de comunicação que surge


da interconexão mundial dos computadores. O termo espe-
cifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação
digital, mas também o universo oceânico de informações que
ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e ali-
mentam esse universo (LEVY, 1999, p. 17).

Força produtiva - Força produtiva não é senão a capaci-


dade de trabalhar real dos homens vivos: a capacidade de
produzir por meio do seu trabalho e com a utilização de de-
terminados meios materiais de produção, os meios materiais
para a satisfação das necessidades sociais da vida, o que quer
dizer em condições capitalistas, a capacidade de produzir mer-
cadorias. Tudo o que aumenta esse efeito útil da capacidade
humana de trabalhar (e portanto, em condições capitalistas,
inevitavelmente também o lucro dos seus exploradores) é uma
nova força produtiva social. Disponível em: <https://comu-
nism0.wordpress.com/o-conceito-de-forcas-produtivas/>.

Habitus - “é um sistema adquirido de preferências, de prin-


cípios de visão e de divisão (o que comumente chamamos de
gosto), de estruturas cognitivas duradouras (que são essencial-
mente produto da incorporação de estruturas objetivas e de
esquemas de ação que orientam a percepção da situação e a
resposta adequada). O habitus é essa espécie de senso práti-
co do que se deve fazer em dada situação [...]” (BOURDIEU,
1997, p. 42).
24   Sociedade e Contemporaneidade

Recapitulando

ÂÂA história da humanidade, das relações humanas e so-


ciais esteve sempre, senão determinada, altamente in-
fluenciada pelas tecnologias disponíveis em cada perío-
do.

ÂÂAs tecnologias mudam as formas de produção de rique-


za e de distribuição destas riquezas.

ÂÂNovas formas de produção engendram novas formas de


relações e modificam culturas, transformando socieda-
des.

ÂÂModos de produção são as formas como são produzi-


das e, sobretudo, distribuídas as riquezas de uma socie-
dade. Podem ser estatais (sobre o controle do estado,
estatismo) e capitalistas (sobre o controle das empresas
privadas).

ÂÂModo de desenvolvimento refere-se àquilo que produz


a riqueza de uma sociedade, podem ser agrário, cuja
maior fonte de riqueza é a terra; industrial (indústria) e
informacional (a informação).

ÂÂA revolução industrial teve três grandes rupturas, três


grandes transformações, todas associadas às tecnolo-
gias disponíveis nesses períodos históricos.

ÂÂVivemos no modo de desenvolvimento informacional


que rompe com as noções clássicas de tempo e de es-
paço, impondo uma nova velocidade aos fenômenos
sociais.
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    25

ÂÂOs dispositivos comunicacionais complexificam as rela-


ções humanas e sociais, pois se constroem na relação
todos-todos, sendo assim, essas relações são construí-
das de forma cada vez mais secundária e menos primá-
ria.

ÂÂVivemos na sociedade em rede com maior velocidade e


visibilidade nos fenômenos sociais.

ÂÂO indivíduo e a formação demandada a ele são centrais


para a nova produção do social, por isso “ganhamos
em liberdade, mas perdemos em certezas”.

ÂÂTemos a capacidade de disseminar e compartilhar nos-


sos conhecimentos, construindo coletivos inteligentes.

Referências

ALBORNOZ, Suzana. O que é trabalho. São Paulo: Brasilien-


se, 2000, Coleção Primeiros Passos.

ALMEIDA NETO, Honor de. Trabalho Infantil na Terceira


Revolução Industrial. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2007.
Disponível em E-book: <http://www.pucrs.br/edipucrs/on-
line/trabalhoinfantil.pdf>.

ASSMANN, Hugo; MO SUNG, Jung. Competência e sen-


sibilidade solidária - educar para a esperança. Rio de
Janeiro: Vozes, 2000.
26   Sociedade e Contemporaneidade

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. R.J.: Ed. Zahar,


2001.

BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação.


São Paulo: Papirus, 1997.

CAPRA Fritjof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1989.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede - A era da infor-


mação: economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paz e
Terra, 1999.

______________. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a


Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editora, 2003.

_____________. Redes de Indignação e Esperança: movi-


mentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar,
2013.

LÉVY, Pierre. As tecnologias da inteligência: o futuro do pen-


samento na era da informática. Rio de Janeiro: Editora 34,
1993.

______. O que é o virtual? São Paulo: Editora 34, 1996.

______. A inteligência coletiva. São Paulo: Loyola, 1998.

______. Cibercultura. São Paulo: Ed. 34, 1999.

MARIOTTI, Humberto. Autopoiese, Cultura e Sociedade.


IECPS (Instituto de Estudos de Complexidade e Pensamen-
to Sistêmico). Disponível em: < http://www.geocities.com/
complexidade>. Acesso em: 29 abr. 2004.
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    27

MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento com-


plexo. In: MARTINS, Francisco Menezes; SILVA, Juremir
Machado da. (ORGs.) Para navegar no século XXI: tecno-
logias do imaginário e cibercultura. Porto Alegre: Sulina/
EDIPUCRS, 1999.

THUROW, Lester. A Terceira Revolução Industrial. Entrevis-


tado por Nely Caixeta, Revista Exame, São Paulo, ideias, p.
100-108, 28 de nov. 2001.

REFÊNCIAS DIGITAIS:

A SEGUNDA revolução industrial. Disponível em: <http:/www.


ufv.br>Acesso em: 08 jan. 2004.

TERCEIRA Revolução Industrial e a Reengenharia. Disponível


em: <http:/www.ime.usp.br/projetos/fim-dos-empregos>
Acesso em: 08 jan. 2004.

Atividades

1) Assinale a alternativa incorreta:

a) As tecnologias são centrais para a produção das so-


ciedades, pois constituem-se em mediações, em meio
de comunicação entre os homens.

b) O que há de novo hoje, na sociedade informacional,


é o papel central que assume a mídia de massa como
a televisão, o jornal e o rádio.
28   Sociedade e Contemporaneidade

c) A internet revoluciona o mundo e a forma como nos


comunicamos uns com os outros, pois coloca em rela-
ção direta todos com todos.

d) Vivemos em um mundo onde a velocidade e a visibi-


lidade transformam as relações primárias em relações
construídas cada vez mais de forma secundária.

e) As novas mídias permitem a construção de uma Inte-


ligência coletiva pela maior possibilidade que cria de
conexão entre as pessoas.

2) Quanto à diferença entre modos de produção e modos de


desenvolvimento é correto afirmar que:

a) Modos de desenvolvimento referem-se à forma como


é distribuída a riqueza do trabalho do homem.

b) Informacionalismo é o modo de produção típico do


capitalismo industrial.

c) No modo de produção capitalista, o controle da distri-


buição do produto do trabalho é do Estado.

d) O modo de desenvolvimento é determinado pelo ele-


mento principal para a produtividade, antes agrário,
depois industrial e hoje informacional.

e) No modo de desenvolvimento agrário a principal fonte


de produção de riqueza foi a indústria.

3) A sociedade, atualmente, organiza-se em rede, em Rede


Dinâmica nas palavras de Castells. Quais das alternativas
Capítulo 1    A Sociedade Contemporânea: Uma Rede Dinâmica    29

abaixo não apresentam dimensões do conceito de Rede


Dinâmica?

a) Visibilidade, fluidez, velocidade.

b) Autonomia, aumento do potencial democrático, flui-


dez.

c) Rigidez, controle, relações verticalizadas.

d) Interdependência, auto-organização, complexidade.

e) Indeterminação, abertura, flexibilidade.

4) Não são características do novo mundo do trabalho hoje:

a) A demanda por trabalhadores com inúmeras compe-


tências, muito além de habilidades restritas a tarefas
pré-determinadas.

b) A remuneração em função do produto do trabalho em


detrimento ao tempo gasto na função.

c) A incerteza e a constante necessidade de reinvenção


de produtos e de trabalhadores.

d) O fim do emprego, mas não o fim do trabalho.

e) O controle cada vez mais rígido por parte das gerên-


cias das empresas, sobretudo empresas de ponta.

5) Quais das alternativas abaixo não são características da


cultura associada às novas mídias e à sociedade do co-
nhecimento?

a) Autonomia;
30   Sociedade e Contemporaneidade

b) Empoderamento;

c) Participação;

d) Passividade;

e) Democratização.
Gabriela Ramos de Almeida1

Capítulo 2

Redes Sociais na era


Digital1

1  Doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS (2015), Mestre em Comu-


nicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA (2009), Bacharel em Comunica-
ção Social com Habilitação em Jornalismo pelo Centro Universitário Estácio - FIB
(2004). Atualmente é professora e pesquisadora no curso de Comunicação Social
da ULBRA, nas habilitações em Jornalismo e Produção Audiovisual, e coordenado-
ra adjunta do curso de Jornalismo. Como pesquisadora e docente, atua na área
de Comunicação, com ênfase em Audiovisual, principalmente nos seguintes temas:
narrativas audiovisuais, cinema documentário, ensaio fílmico, poéticas contempo-
râneas, teorias do cinema, teorias da arte e jornalismo em vídeo e televisão.
32   Sociedade e Contemporaneidade

Introdução

A morte de uma dona de casa por espancamento, em 2014, no


Guarujá (São Paulo), após ter sido “condenada” pelo tribunal
popular das redes sociais e linchada brutalmente pelos conter-
râneos nas ruas do bairro onde vivia, se tornou paradigmático
ao revelar, a um só tempo, o poder de viralização da informa-
ção na Internet e os perigos decorrentes da falta de cuidado
e de critério ao tomar como verdade e passar adiante aquilo
que se lê online. Fabiane Maria de Jesus era casada, tinha dois
filhos ainda pequenos e foi vítima de um boato de uma página
do Facebook que publicou um suposto retrato falado de uma
mulher acusada de sequestrar crianças em Bonsucesso, no Rio
de Janeiro, para praticar rituais de magia negra. Fabiane foi
confundida com o desenho, atacada na rua e linchada por um
grupo de pessoas da sua própria cidade, que não questionou
a veracidade da informação, a data da publicação ou o local
onde teriam acontecido os crimes atribuídos à mulher (como
se soube posteriormente, toda a história era falsa: não havia
sequestro e nem magia negra, e um retrato falado relativo ao
caso não havia sido divulgado originalmente pela polícia).

Para aumentar os contornos brutais do acontecimento, os


algozes de Fabiane registraram o linchamento com celulares
e publicaram vídeos explícitos no YouTube, como se não hou-
vesse problema algum no justiçamento com as próprias mãos;
na execução sumária de uma pessoa que passa de suspeita
a culpada, e de culpada a condenada à pena de morte, sem
sequer saber do que estava sendo acusada, sem ser levada à
Justiça e sem possibilidade alguma de defesa (física e moral).
Capítulo 2    Redes Sociais na era Digital    33

Para piorar ainda mais, os vídeos se tornaram virais2, ou seja,


foram compartilhados por milhares de usuários de redes so-
ciais digitais.

A polícia identificou nos vídeos alguns dos agressores e


arrolou no processo também o administrador da página do
Facebook em que o retrato falado foi publicado, que foi res-
ponsabilizado pela divulgação do boato. No entanto, ainda
que não seja possível culpabilizar criminalmente os usuários
de redes sociais que compartilharam um boato como se fosse
verdade, podemos questionar se eles também não são res-
ponsáveis, em alguma medida, pelo trágico desfecho do caso.
O questionamento se torna ainda mais plausível quando se
considera que a página em questão não era de um jornal ou
meio qualquer de imprensa (ou seja, conteúdo produzido por
jornalistas profissionais) e sim, apenas uma página amadora
de divulgação de notícias policiais locais.

O exemplo que abre este texto permite iniciar uma discus-


são sobre diversos aspectos que envolvem a chamada sociabi-
lidade online e alguns fenômenos a ela associados, especial-
mente o consumo de notícias e de conteúdo de entretenimento;
a presença dos indivíduos nas redes sociais digitais; a criação
de narrativas pessoais sobre suas próprias vidas; os laços que

2  Mendes Júnior e Costa definem o viral como algo que “se refere à forma
de comunicação cuja dinâmica replica a da introdução de um vírus num
sistema, disseminação abrangente, veloz e fora de controle. Na era da
tecnologia, quando milhares de pessoas estão conectados à webesfera o
tempo todo, ideias são propagadas rapidamente nas redes sociais.” (MEN-
DES JÚNIOR e COSTA, 2014, s/p).
34   Sociedade e Contemporaneidade

estabelecem com outros usuários e os seus comportamentos


de produção e difusão de informações e conteúdos diversos.

Redes sociais “analógicas” sempre existiram em alguma


medida como espaços de sociabilidade envolvendo grupos
unidos por laços familiares, profissionais, de amizade ou in-
teresses em comum. Mas, ao mesmo tempo, o cenário que se
desenha após a popularização da Internet banda larga, das
redes sociais e dos dispositivos móveis de comunicação (como
smartphones, tablets e notebooks) embaralha alguns conceitos
e torna confusos alguns limites que dizem respeito aos fenôme-
nos mencionados acima como, por exemplo: as fronteiras en-
tre o público e o privado (muito mais fáceis de serem definidas
no passado, quando as pessoas se expunham prioritariamente
em seus círculos pessoais mais próximos); as diferenças entre
a notícia e o boato; entre um jornalista e um cidadão comum
que presencia um fato e o relata numa rede social; ou entre
uma rede social e um veículo de comunicação tradicionalmen-
te instituído. No entanto, antes de avançar, é necessário definir
o que são exatamente as redes sociais na era digital e estabe-
lecer alguns parâmetros que vão nortear a discussão proposta
pelo texto.

2.1 As redes sociais como espaços de


sociabilidade

Talvez as redes sociais não sejam responsáveis pela criação


de fenômenos sociais ou comunicacionais até então inexisten-
tes, mas certamente modificam seus modos de operação, ao
Capítulo 2    Redes Sociais na era Digital    35

afetar a sociabilidade humana ampliando exponencialmente


o seu alcance. Nossa perspectiva, alinhada com Manuel Cas-
tells, evita o dilema do determinismo tecnológico e considera
que “a tecnologia é a sociedade, e a sociedade não pode
ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecno-
lógicas” (CASTELLS, 2009, p. 43, grifo do autor). Entretanto,
algumas questões podem ser levantadas a respeito do modo
como a tecnologia, em sua inevitável inserção no cotidiano
dos indivíduos nas sociedades industrializadas, interfere nesta
sociabilidade.

Muitos exemplos podem ser convocados para exemplificar


a discussão ou iniciar um debate sobre as possibilidades da
comunicação pós-redes sociais digitais (qualquer usuário de
ferramentas e plataformas como Facebook, Instagram, Twitter
ou YouTube é capaz de citar um caso viralizado que tenha lhe
chamado muito a atenção). Como explica Raquel Recuero,
estes fenômenos representam mudanças nos modos de “orga-
nização, identidade, conversação e mobilização social”, pois
a comunicação passa a permitir uma capacidade de conexão
diferente: as redes conectam não apenas computadores, mas
pessoas (RECUERO, 2010, p. 16-17).

A autora aponta a possibilidade de expressão e sociabi-


lização por meio das ferramentas de comunicação mediada
pelo computador (e posteriormente pelos demais dispositivos
móveis, podemos acrescentar) como a principal mudança que
a Internet trouxe à sociedade. O que define uma rede social,
segundo Recuero, são seus elementos: “atores (pessoas, insti-
tuições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações
ou laços sociais)” (RECUERO, 2010, p. 24).
36   Sociedade e Contemporaneidade

Os sites de redes sociais, a exemplo do Facebook, permi-


tem a criação de espaços públicos mediados, ou seja, “am-
bientes onde as pessoas podem reunir-se publicamente através
da mediação da tecnologia” (BOYD apud RECUERO, 2009).
Estes ambientes guardam algumas características que são de-
finidas por Boyd e recuperadas por Recuero:

• Persistência: Refere-se ao fato de aquilo que foi dito


permanecer no ciberespaço. Ou seja, as informações,
uma vez publicadas, ficam no ciberespaço;

• Capacidade de Busca (searchability): Refere-se à capa-


cidade que esses espaços têm de permitir a busca e per-
mitir que os atores sociais sejam rastreados, assim como
outras informações;

• Replicabilidade: Aquilo que é publicado no espaço di-


gital pode ser replicado a qualquer momento, por qual-
quer indivíduo. Isso implica também no fato de que essas
informações são difíceis de ter sua autoria determinada;

• Audiências Invisíveis: Nos públicos mediados, há a


presença de audiências nem sempre visíveis através da
participação [...] (RECUERO, 2009).

Apesar do lugar de protagonismo que as redes sociais ocu-


pam na sociabilidade do nosso tempo, é importante lembrar
que elas se expandem fora e além do ambiente virtual, no
modo como os indivíduos se utilizam delas para criar novos
laços ou manter os já existentes – laços estes que irão afetar
a sua vida de forma concreta. E não apenas isso: as pessoas
passam boa parte do tempo em que estão acordadas aces-
Capítulo 2    Redes Sociais na era Digital    37

sando redes sociais para fins de relacionamento pessoal, mas


também para falar de si, trabalhar, se informar, divulgar, co-
mentar e compartilhar conteúdos, tornando mais complexa a
sua presença online.

Este comportamento contribui para a criação de comuni-


dades virtuais, definidas por André Lemos como agregações
“em torno de interesses comuns, independentes de fronteiras
ou demarcações territoriais fixas”, instituindo um território sim-
bólico e não físico (LEMOS, 1997, s/p). O alargamento dos
laços sociais em espaços que não são definidos geografica-
mente constitui uma mudança importante do cotidiano pós-
-redes sociais digitais, embora, como aponta Recuero (2010,
p. 135), tecnologias anteriores como o telefone e a carta já
proporcionassem a comunicação entre os indivíduos indepen-
dente de sua presença física num mesmo lugar.

O que ocorre, segundo Lemos, é que o ciberespaço (for-


mado pelas redes informáticas, a realidade virtual e o universo
multimídia) promove uma forma distinta de cultura que se de-
senha a partir da convergência do social com o tecnológico.
Como aponta o autor, não deixa de ser interessante que a tec-
nologia, vista historicamente como um instrumento de aliena-
ção, desencantamento e individualismo se torne a ferramenta
promotora de um novo tipo de sociabilidade: “A cibercultura
que se forma sob os nossos olhos mostra como as novas tec-
nologias são efetivamente ferramentas de compartilhamento
de emoções, de convivialidade e de retorno comunitário” (LE-
MOS, 1997, s/p).
38   Sociedade e Contemporaneidade

2.2 A construção da presença online

No presente, quando falamos em redes sociais, as referên-


cias imediatas são Facebook, Twitter e Instagram. No entan-
to, alguns anos antes da popularização destas ferramentas
já existiam outras plataformas de autopublicação e troca de
mensagens que permitiam a qualquer usuário da rede pro-
duzir e compartilhar seus próprios conteúdos e opiniões em
blogs e fotologs, bem como existiam sites, fóruns e serviços
de comunicação instantânea que os usuários utilizavam como
chats (a exemplo dos instant messengers como o extinto MSN
e de sites como Bate-Papo UOL ou Terra Chat, para ficar nos
brasileiros).

O tipo de uso que deles se fazia é semelhante ao que ocor-


re atualmente, embora as redes mais populares hoje operem
uma espécie de junção entre as funcionalidades das ferramen-
tas de autopublicação e os serviços de troca instantânea de
mensagens. Este uso que visa à exposição e ao relacionamento
interpessoal situa-se naquilo que Paula Sibilia (2003) nomeia
como “imperativo da visibilidade”, um desejo de exibição que
muitas vezes torna pouco definíveis as fronteiras entre o públi-
co e o privado, a depender de como um sujeito decide existir
e se expor nas redes sociais digitais. A existência de uma rede
específica para o compartilhamento de fotografias como o Ins-
tagram, por exemplo, denuncia e ao mesmo tempo alimenta a
lógica da exposição online baseada numa construção de si a
ser tornada pública.

Para Sibilia (2003, s/p), mais do que simplesmente respon-


der se os limites entre público e privado se apagaram, é im-
Capítulo 2    Redes Sociais na era Digital    39

portante considerar que a subjetividade contemporânea está


passando por um processo de alteração bastante significativo,
do qual as redes sociais são sintoma e fomentadoras, mas
que também aparece na busca por visibilidade presente em
publicações como revistas de celebridades, em reality shows,
documentários em primeira pessoa e biografias e autobiogra-
fias literárias. As chamadas “narrativas do eu” vivem transfor-
mações profundas, “acompanhando as mudanças que estão
acontecendo em todos os âmbitos – marcados pela acelera-
ção, a virtualização, a globalização, a digitalização” (SIBILIA,
2003, s/p).

A presença online é transformada, portanto, numa espécie


de “performance” em que o indivíduo alimenta uma projeção
de si num perfil de rede social (ou de várias, de forma com-
plementar). Há pessoas que passam inclusive a ganhar a vida
em função desta exposição, transformando seu cotidiano em
produto a ser consumido por outros usuários das mesmas re-
des: não são artistas, modelos, atletas, políticos ou figuras de
referência em qualquer área. São celebridades da Internet, e
hoje este título tem valor por si só, principalmente comercial.

Talvez a socialite norte-americana Kim Kardashian seja o


exemplo maior neste segmento que extrapola em muito as re-
des sociais digitais: ganhou fama após a divulgação de um
vídeo amador de sexo explícito que ela mesma tornou público
(nem a intimidade do ato sexual resistiu ao imperativo da vi-
sibilidade), expandiu sua presença da Internet à comunicação
massiva tradicional (especialmente a televisão e as publica-
ções impressas) e, enfim, passou a atuar como modelo e em-
presária, nunca deixando de alimentar os seus perfis nas redes
40   Sociedade e Contemporaneidade

sociais, principal espaço de divulgação do produto que ela


vende, que é a sua própria persona.

Diferentemente do que quer o senso comum, a ideia de


performance atrelada à presença online não está vinculada à
mentira ou ao fingimento, pois as coisas são mais complexas
do que nos diz o meme segundo o qual todas as pessoas são
felizes nas redes sociais. O fato de a presença online pressu-
por performance não significa necessariamente que as pesso-
as mintam em relação ao que expõem, mas sim que escolhem,
selecionam aquilo que querem tornar público a respeito da
sua vida, trabalho, convívio familiar, interesses pessoais, lazer
e dos diversos aspectos da sua rotina.

Mesmo que por vezes haja a impressão de superexposição,


os indivíduos fazem recortes segundo aquilo que consideram
suas maiores qualidades, ou ainda de acordo com o modo
como gostariam de ser vistos socialmente. E a partir deste re-
corte, cada um vai construindo as suas possibilidades de so-
cialização nas redes sociais digitais e constituindo grupos de
interesse. Como explica Recuero:

Judith Donath (1999) sustenta que a percepção do Outro


é essencial para a interação humana. Ela mostra que, no
ciberespaço, pela ausência de informações que geral-
mente permeiam a comunicação face a face, as pessoas
são julgadas e percebidas por suas palavras. Essas pala-
vras, constituídas como expressões de alguém, legitima-
das pelos grupos sociais, constroem as percepções que
os indivíduos têm dos atores sociais. É preciso, assim,
colocar rostos, informações que gerem individualidade e
Capítulo 2    Redes Sociais na era Digital    41

empatia, na informação geralmente anônima do ciberes-


paço (RECUERO, 2010, p. 27).

As pessoas constroem, assim, através da distinção, uma


persona pública “adequada” às redes sociais digitais que gosta
de algumas coisas e detesta outras (sim, falar do que se detes-
ta é tão importante quanto falar do que se ama na elaboração
desta performance); que frequenta determinados ambientes e
círculos sociais (embora certamente não apenas aqueles que
mostra); que manifesta opiniões políticas a partir de um deter-
minado lugar de fala; que tenta tomar cuidado com o que diz
a depender de quem vai ler. Mas não é esta, afinal, a forma
como todos nós tentamos nos expor e nos projetar enquanto
sujeitos nos mais diversos âmbitos da vida fora da Internet?

2.3 O consumo e a difusão da informação


com o advento das redes sociais
digitais

A seção anterior do texto foi iniciada com menções aos blogs


e fotologs, apontados como espaços de sociabilidade online
que antecederam as redes sociais que conhecemos e utiliza-
mos atualmente. É possível, no entanto, apontar uma diferen-
ça fundamental de alcance entre os conteúdos publicados nos
blogs dos primórdios da Internet e aquilo que circula nas re-
des sociais do presente: nos blogs, o usuário publicava algo e
esperava que alguém desempenhasse a ação de ir até a sua
página para ler o seu conteúdo (divulgado prioritariamente
por email e por messengers).
42   Sociedade e Contemporaneidade

Enquanto isso, redes sociais como Facebook e Twitter são


alimentadas de forma endógena pelos próprios usuários, que
produzem conteúdos ou compartilham conteúdos produzidos
por terceiros (que podem ou não ser empresas jornalísticas ou
de entretenimento formalmente constituídas), de acordo com
uma lógica segundo a qual basta estar online com estas pá-
ginas abertas para “receber” aquilo que seus contatos nestas
redes irão compartilhar.

A possibilidade de compartilhamento potencializa imensa-


mente o alcance dos conteúdos, e um post publicado numa
rede social pode se tornar viral em poucas horas (algo que
dificilmente acontecia com as publicações daqueles primeiros
blogs). Atualmente, o potencial de alcance dos blogs é maior
do que no passado em função da profissionalização do campo
e também da possibilidade de viralização dos seus links nas re-
des sociais mais populares. Os blogs foram vistos, inicialmen-
te, como uma forma amadora de divulgação de textos e ideias
ou como uma espécie de diário virtual, mas hoje, apesar de
seguirem abrigando conteúdos amadores e pessoais, também
formam, em sua vertente mais profissionalizada, um espaço
importante de produção de conteúdo e publicação fora do es-
paço convencional dos grandes veículos de comunicação (ou
mesmo hospedados nos portais destes veículos).

No entanto, o fato de, a princípio, qualquer pessoa poder


se tornar um produtor de conteúdo ao publicar um texto, fo-
tografia, vídeo ou informação numa rede social não significa
que todo usuário produza notícia ou possa ser considerado
um jornalista. A distinção entre informação e notícia é funda-
mental, especialmente em um momento em que a falta de cri-
Capítulo 2    Redes Sociais na era Digital    43

tério em relação àquilo que se decide passar adiante – seja no


Facebook, no Twitter ou mesmo no Whatsapp – pode resultar
em tragédias como a da dona de casa Fabiane de Jesus ou, de
forma menos grave, na destruição da reputação de indivíduos
e empresas em poucos minutos. Por este motivo é importante,
também, pensarmos no nosso próprio lugar enquanto consu-
midores e divulgadores de todo tipo de conteúdo nas redes
sociais, especialmente aqueles que incluem juízos de valor.

A Internet inaugurou possibilidades até então inéditas de


autopublicação, ou seja, qualquer pessoa que disponha de
um computador ou dispositivo móvel com acesso à rede e
um perfil em rede social ou plataformas de compartilhamento
como o YouTube pode divulgar o que quiser. Se, antes, tínha-
mos um cenário em que poucas empresas e grupos de comu-
nicação produziam quase todo o conteúdo e as informações
que eram consumidas pelas populações em escala mundial (o
que caracterizava a comunicação de massa), atualmente esta
produção é muito mais difusa e descentralizada, o que tem
inclusive provocado uma crise no jornalismo como o conhece-
mos e ocasionado enxugamentos em redações.

No entanto, quando se tem um volume de informações cir-


culando tão grande que inclusive supera as possibilidades de
que todas elas sejam efetivamente consumidas, o jornalismo
opera como um balizador fundamental no sentido de orien-
tar os cidadãos em relação à diferença entre notícias e meras
informações produzidas e divulgadas de forma amadora, que
não passaram pelos processos envolvidos na criação de con-
teúdo jornalístico. São algumas destas etapas: elaboração de
uma pauta, checagem e verificação, apuração, realização de
44   Sociedade e Contemporaneidade

entrevistas com todos os lados envolvidos e pesquisa docu-


mental, bem como a avaliação dos chamados “valores-notí-
cia” (conjunto de qualidades ou atributos de um fato, que são
levados em consideração no momento em que se analisa se
um acontecimento qualquer deve ou não ser noticiado, como
a quantidade de pessoas envolvidas e a sua importância so-
cial, fator tragédia, a proximidade local, atualidade, concor-
rência, perfil editorial da empresa, as chances de interessar a
um grande número de pessoas, entre outros)3.

É possível que o caso da dona de casa assassinada no


Guarujá não tivesse um fim trágico e cruel se a história do fal-
so retrato falado tivesse sido devidamente apurada. A notícia
não seria a suspeita de que uma mulher sequestrava crianças
para usá-las em rituais de magia negra, e sim que um perigo-
so boato envolvendo um crime falso estava mobilizando uma
cidade e poderia resultar numa tentativa de vingança por parte
da população.

Esse equilíbrio entre a liberdade proporcionada pela auto-


publicação na Internet e o respeito à informação de qualidade
é bastante difícil de ser alcançado, mas a função balizadora
do jornalismo segue forte: normalmente, quando queremos
verificar se uma informação publicada numa rede social é ver-
dadeira ou não, consultamos a imprensa tradicional, buscan-
do as rádios conceituadas na produção de notícias, acessando
os portais dos jornais de maior credibilidade ou mesmo aguar-
dando o noticiário televisivo. O problema ocorre quando o

3  Ver, a este respeito: TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: questões, teorias e estórias.


Lisboa: Vega, 1999.
Capítulo 2    Redes Sociais na era Digital    45

ímpeto de compartilhar se sobrepõe à necessidade de saber


se um fato qualquer é falso ou verdadeiro e quais são as suas
nuances, contribuindo para a circulação de boatos que só au-
mentam a sensação de confusão e excesso de informação que
é partilhada por muitos usuários das redes sociais.

A existência da imprensa e de veículos de comunicação


com grande credibilidade construída historicamente não quer
dizer que o jornalismo é infalível. É possível que o Jornalismo,
como instituição, nunca tenha sido tão criticado quanto no
presente. Se, antigamente, tínhamos um cenário em que se
tomava como verdade absoluta o que era noticiado pelo jor-
nalismo, atualmente as redes sociais não apenas ampliam a
circulação das notícias como também oferecem outras visões,
contrapontos, espaços de resposta e desmentidos, exigindo do
usuário um papel bastante ativo na filtragem e na avaliação
daquilo que ele consome e que vai ajudar a constituir a sua
experiência no mundo.

A relação do jornalismo com as redes sociais, portanto, é


de retroalimentação, tanto do ponto de vista de quem produz
notícias quanto de quem consome4: a imprensa baseia a sua
produção de notícias em parte na repercussão real ou poten-
cial de determinados assuntos nas redes sociais, de modo que
as redes pautam efetivamente o jornalismo. O contrário tam-
bém ocorre, e as discussões nas redes sociais são pautadas

4  Sobre a ausência de uma vocação essencialmente jornalística das redes


sociais digitais e sua relação de complementariedade com o jornalismo,
ver o artigo Redes Sociais na Internet, Difusão de Informação e Jornalismo:
Elementos para discussão, de Raquel Recuero (2009).
46   Sociedade e Contemporaneidade

pelo que o jornalismo noticia, especialmente no âmbito da


política e dos costumes.

Ao mesmo tempo, como consumidores, quando lemos algo


numa rede social que pode ser conteúdo amador ou falso,
buscamos acessar o portal da Folha de São Paulo, da Globo,
ou localmente da Zero Hora ou da rádio Gaúcha para veri-
ficar se aquilo é verdade; em seguida, voltamos para a rede
social e somos expostos ao compartilhamento massivo destas
mesmas notícias, acompanhado de comentários que confir-
mam, problematizam, desmentem ou complementam aquela
informação que acabamos de consumir, num fluxo bastante
complexo e circular. Ocorre que esse fluxo será quase sempre
determinado por aquilo que cada um escolhe consumir nas re-
des sociais, a depender de quem sejam as suas conexões nas
redes e do tipo de conteúdo publicado pelas páginas e perfis
que o indivíduo segue.

Em outros tempos, o máximo que o consumidor de notícias


e conteúdos podia fazer era trocar de canal, de estação, desli-
gar a TV ou o rádio e fechar o jornal/revista (mas nunca alterar
aquilo que tinha sido produzido e estava sendo exposto). Hoje
em dia, o usuário pode selecionar de forma mais ativa os con-
teúdos e as notícias com os quais deseja ter contato de acordo
com diversos critérios, como o interesse pessoal por um con-
junto de assuntos, o seu posicionamento político-ideológico,
seus valores familiares, religiosos etc. Assim se decide, por
exemplo, quais páginas e perfis cada um quer acompanhar.

No entanto, quando as pessoas aplicam esses filtros, por


vezes acabam restringindo também o seu universo informativo
Capítulo 2    Redes Sociais na era Digital    47

e de referências, fazendo com que a experiência de consu-


mo de notícias e conteúdos se baseie somente no que seus
contatos nas redes e as páginas que segue compartilham. Ao
mesmo tempo em que esta abertura representa uma possibili-
dade de autonomia do indivíduo que passa a ser responsável
pelo seu consumo de bens simbólicos, também pode significar
uma restrição da sua “dieta” informacional e cultural, levando
a uma interpretação do mundo pouco tolerante e aberta à
diferença, já que é possível que a pessoa receba apenas con-
teúdos com os quais concorda de antemão e que dialogam
com a sua própria visão de mundo.

Isto pode acontecer a partir do momento em que as pessoas


passam a tomar como universais alguns conjuntos de parâme-
tros e valores que na verdade são individuais ou, no máximo,
dizem respeito apenas àquele grupo de pessoas que são suas
conexões nas redes, criando falsos consensos. É importante
considerar a existência de uma relação pendular e dialética
entre a experiência individual e a coletividade. Do contrário,
ao restringir o nosso consumo de informações apenas ao que
nos interessa pessoalmente ou a pessoas e páginas que di-
vulgam notícias alinhadas à nossa visão de mundo, podemos
passar a achar que esses valores são universais.

O consenso sobre um assunto qualquer nas minhas redes


sociais não significa que aquela é a visão geral da opinião
pública, apenas que é a visão compartilhada pelos meus con-
tatos (que pode condizer com a visão da opinião pública, mas
não o vai necessariamente). É fundamental, portanto, que os
indivíduos sejam capazes de dialogar, inclusive, com outros
que comungam valores distintos, mas que habitam o mesmo
48   Sociedade e Contemporaneidade

bairro, cidade, estado, país, contribuindo para a formação de


uma experiência coletiva mais plural.

A ideia de performance e de produção de uma projeção de


si que aparece no uso que é feito das redes sociais digitais está
associada não apenas àquilo de muito pessoal que um sujeito
publica (como relatos de viagens, impressões sobre lugares
e produtos ou fotografias de momentos íntimos e familiares).
O que ele comenta, opina e compartilha nas redes também
constitui uma parte importante desta performance, pois ajuda
a construir uma persona que comunga de uma determinada
visão de mundo e utiliza o espaço das redes para manifestá-la.

O modo como nos relacionamos com os indivíduos que


nos são próximos no contato físico (como parentes, colegas de
trabalho ou da universidade, amigos etc.) também é afetado
por essa projeção, pois, ao estabelecer conexões nas redes
sociais com as pessoas que conhecemos pessoalmente, toma-
mos contato com opiniões e interesses que por vezes nos eram
desconhecidos, descortinando outras facetas destas pessoas,
para o bem e para o mal. Podemos dizer que a experiência
da rede social não se encerra no ambiente virtual, e sim trans-
cende a vida concreta. E porque, também, é fundamental agir
nas redes sociais com a mesma responsabilidade e critério que
pautam a vida fora delas.
Capítulo 2    Redes Sociais na era Digital    49

Recapitulando

Este capítulo buscou discutir a participação dos usuários nas


redes sociais digitais a partir de algumas noções centrais, a sa-
ber: a rede social como espaço de sociabilidade; a construção
da presença online; a exposição de si e o consumo e difusão
da informação. Estes aspectos estão todos articulados entre
si, pois é justamente em função da organização de uma rede
social como espaço de sociabilidade que o indivíduo ao mes-
mo tempo se informa, difunde informações e performatiza, ou
seja, se expõe no nível pessoal e usa as próprias informações
que difunde como forma de construir uma imagem de si.

A ideia de performance online não se dá apenas em função


do borramento das fronteiras entre público e privado, como na
exposição pessoal, na publicação de fotos ou no ato de tornar
público aspectos e fatos da vida íntima. Aquilo que compar-
tilhamos em termos de conteúdo, o cuidado que temos (ou
que nos falta) no momento de difundir informações e o que
aprovamos ou rechaçamos no momento em que manifesta-
mos nossas opiniões também constituem a nossa presença nas
redes sociais.

Referências

CANCLINI, Néstor Garcia. A globalização imaginada. São


Paulo: Iluminuras, 2010.
50   Sociedade e Contemporaneidade

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede (A era da informa-


ção: economia, sociedade e cultura; v. 1). São Paulo: Paz
e Terra, 2010.

LEMOS, André. Ciber-socialidade: tecnologia e vida so-


cial na cultura contemporânea. Logos: Comunicação e
universidade. N. 1, vol. 4, 1997. Disponível em <http://
www.e-publicacoes.uerj.br/ojs/index.php/logos/article/
view/14575/11038>.

MENDES JÚNIOR, Hélio, COSTA, Alfredo. A Comunicação


Viral nas redes sociais da internet: Estudo de dois casos
de repercussão. Comunicação, Cultura e Sociedade. n. 3,
vol. 3, Jan-Ago 2014. Disponível em <http://periodicos.
unemat.br/index.php/ccs/article/view/63/51>.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet, Difusão de


Informação e Jornalismo: Elementos para discussão.
In: SOSTER, Demétrio de Azeredo; FIRMINO, Fernando.
(Org.). Metamorfoses jornalísticas 2: a reconfiguração da
forma. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2009. Disponível em
<http://www.raquelrecuero.com/artigos/artigoredesjorna-
lismorecuero.pdf>.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na Internet. Porto Alegre:


Sulina, 2010.

SIBILIA, Paula. Os diários íntimos na Internet e a crise da


interioridade psicológica. Anais do XII Encontro da Com-
pós (Recife), 2003. Disponível em <http://www.compos.
org.br/data/biblioteca_1049.PDF>.
Capítulo 2    Redes Sociais na era Digital    51

TRAQUINA, Nelson. Jornalismo: questões, teorias e estórias.


Lisboa: Vega, 1999.

Atividades

1) Assinale a alternativa FALSA:

a) As redes sociais digitais amplificam o alcance da co-


municação humana.

b) A possibilidade de expressão e sociabilização por meio


das ferramentas de interação mediada por computa-
dor foi a principal mudança que a internet trouxe à
sociedade.

c) Os elementos das redes sociais são as pessoas e suas


conexões.

d) Não existiam redes sociais antes do surgimento das


redes sociais digitais.

e) As redes sociais funcionam para que os indivíduos


criem novos laços e mantenham os já existentes.

2) Assinale a alternativa FALSA:

a) Comunidades virtuais são agregações em torno de in-


teresses comuns, independentes de fronteiras ou de-
marcações territoriais fixas.

b) Comunidades virtuais não foram a primeira tecnologia


que tornou possível a comunicação entre os indivídu-
52   Sociedade e Contemporaneidade

os, independente de sua presença física num mesmo


lugar.

c) O ciberespaço é formado por redes informáticas, rea-


lidade virtual e universo multimídia.

d) A tecnologia é um instrumento de alienação, desen-


cantamento e individualismo.

e) As tecnologias alteram o compartilhamento de emo-


ções, o convívio e a vida em comunidade.

3) Assinale a alternativa VERDADEIRA:

a) As redes sociais são a primeira ferramenta de auto-


publicação de conteúdos na internet de que dispõe o
usuário “comum” (ou seja, aquele que não faz parte
de um grupo de comunicação instituído).

b) Antes das redes sociais não existiam outros espaços de


busca por visibilidade individual.

c) O imperativo da visibilidade é o desejo de exibição


que borra as fronteiras entre o público e o privado.

d) A ideia de performance online está ligada à constru-


ção de uma imagem de si que não condiz com a rea-
lidade, ou seja, que é falsa.

e) A construção de uma persona pública para as redes


sociais é maléfica para as relações entre os indivíduos.
Capítulo 2    Redes Sociais na era Digital    53

4) Assinale a alternativa FALSA:

a) Blogs, fotologs, fanpages e canais no Youtube de usuá-


rios “comuns” normalmente não têm o mesmo alcance
dos conteúdos produzidos pelos meios de comunica-
ção tradicionais.

b) As redes sociais contribuem para a viralização dos


conteúdos publicados em blogs e assim para a sua
audiência.

c) Os blogs começaram como uma espécie de diário vir-


tual.

d) Os blogs são uma forma amadora de produção de


conteúdo.

e) A lógica de compartilhamentos de conteúdo em redes


como Facebook e Twitter é endógena, pois basta estar
online para receber o conteúdo, sem precisar buscá-lo
fora da rede social.

5) Assinale a alternativa verdadeira:

a) Qualquer pessoa pode publicar conteúdo informativo


numa rede social, logo, qualquer pessoa é um jorna-
lista em potencial.

b) Não existe diferença entre informação e notícia.

c) O jornalismo não possui mais função social e baliza-


dora num mundo com tamanha quantidade de infor-
mações circulando.
54   Sociedade e Contemporaneidade

d) Os valores-notícia são um conjunto de qualidades


ou atributos de um fato que fazem com que ele tenha
mais chances de virar notícia do que outro.

e) A imprensa não se baseia nos conteúdos publicados e


compartilhados em redes sociais.
Julieta Beatriz Ramos Desaulniers1

Capítulo 3

Novas Identidades em
uma Sociedade em
Transformação1

Novas Identidades em uma Sociedade ...

1  Graduada em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Unisinos (1973). Mes-


tre em Sociologia pela UFRGS (1984) e Doutora em Ciências Humanas – Educação,
pela UFRGS e Sorbonne/Paris. Integra o Banco de Avaliadores (BASis), vinculado
ao (INEP/SINAES), atuando como Avaliadora de IES. Tem interesse pelo aprimora-
mento e/ou implantação de práticas e iniciativas voltadas à gestão estratégica de
competências & formação de individualidades e suas articulações com tecnologias
de informação e comunicação (TICs), tecnologias relacionais (TRs), inteligência co-
letiva, responsabilidade social e sustentabilidade.
56   Sociedade e Contemporaneidade

Introdução

Sabemos, por experiência própria, que o ritmo de mudanças


em relação a tudo que nos rodeia parece intensificar-se a cada
dia. E, para quem ainda não se deu conta disso, na prática,
basta apenas lembrar um aspecto que é indicador por excelên-
cia da passagem do tempo – data de validade: seja de aconte-
cimentos, artefatos, alimentos ou idade de seres vivos (huma-
nos ou não). Refletir sobre o quanto isso mobiliza as pessoas
na contemporaneidade parece suficiente para nos flagrarmos
de que estamos passando por profundas transformações.

Esse fenômeno intensifica-se com a última revolução tec-


nológica, a partir da segunda metade do século XX, quando
se instauram novas formas de comunicação, que se esten-
dem rapidamente por todo o tecido social, gerando profun-
das mudanças nas relações que fundamentam a produção da
sociedade. Tais tecnologias sintetizam o conjunto de saberes
acumulados pelas iniciativas e ações desenvolvidas pela hu-
manidade, constituindo novos suportes à interação social.

Nesse contexto, a todo e qualquer processo, impõe-se


mais velocidade, independente de área ou campo em que ele
se situe no espaço social, já que agora os eventos disseminam-
-se ao mesmo tempo e para todos os lugares. Assim, rompe-se
o paradigma que se sustenta na especialização associado à
visão linear e fragmentada, passando a predominar a perspec-
tiva da complexidade, que se apoia em princípios vinculados
à digitalidade. Instaura, igualmente, a “incerteza como forma
social” (KOKOREFF & RODRIGUES, 2005, p. 6), tanto que as
“leis da física quântica exprimem possibilidades e não mais
Capítulo 3    Novas Identidades em uma Sociedade ...    57

certezas” (PRIGOGINE, 1996, p. 13). Ou seja, as ciências an-


tes tidas e classificadas como exatas, na prática, não apontam
certezas e sim probabilidades.

3.1 Indivíduo, individualidades,


individualização2

Afinal, do que se está falando?

Trata-se da era digital, na contemporaneidade, que se


constitui pelo conjunto de transformações provocadas pela in-
trodução de novas tecnologias de informação e comunicação
(NTIC). Esse processo impõe uma reflexão em busca de uma
explicação para a singularidade dos seres que lhe facultam,
concedem, outorgam a sua crescente autonomia. Desse ponto
de vista, a questão do indivíduo parece igualmente assumir
sentido de desafio à análise no campo das ciências huma-
nas e sociais, e, por isso, os debates são ainda mais intensos
(MOLÉNAT, 2006, p. 38).

Indaga-se, então: tal fenômeno pode ser considerado


como produto de um processo de evolução histórica ou libe-
rado das tradições? Reflexivo ou pressionado pela urgência?
Identidade(s), individualidade(s) e/ou indivíduo – como cate-
gorias de análise –, estão para se tornar o tema predileto de
análises de cientistas sociais?

2  Mais detalhes referentes a esse item, consultar DESAULNIERS, Julieta Beatriz Ra-
mos. Formação e cidadania em tempos líquidos: desafios e possibilidades. Traba-
lho apresentado no ISA, 2/2008.
58   Sociedade e Contemporaneidade

ÂÂIndivíduo

Pode-se dizer que “vivemos em uma sociedade onde o in-


divíduo ganhou em liberdade, mas perdeu em certezas”. De
um lado, o indivíduo se emancipa por dispor de meios para re-
alizar e cumprir o que se apresenta como seu destino pessoal
(no consumo, em comunicação e mobilidade etc.). Mas, de
outro lado, evolui também num universo em que as regras se
tornam mais frouxas ou instáveis (KOKOREFF & RODRIGUES,
2005).

É consenso, entre pensadores, que o conjunto de muta-


ções que colocam em jogo posições e tomadas de posição
dos agentes sociais “navega para longe [...] para além do al-
cance do controle dos cidadãos, para a extraterritorialidade
das redes eletrônicas” (BAUMAN, 2001, p. 50). Quando fa-
lamos em extraterritorialidade, estamos nos referindo à ideia
de que, com a internet, os territórios hoje são redefinidos, não
são mais limitados ao espaço físico, demarcado, delimitado.
Em outros termos, parece decisivo o papel que as NTIC assu-
mem nesse processo, como principal mediação nas relações
desencadeadas pelos indivíduos na construção do social em
tempos líquidos.

Afinal, “numa sociedade de indivíduos cada um deve ser


um indivíduo” e, “ser um indivíduo significa ser diferente de
todos os outros” (BAUMAN, 2007, p. 25-26). E ser um indiví-
duo é aceitar uma responsabilidade inalienável pela direção e
pelas consequências da interação. E “A livre escolha pode ser
uma ficção, mas a presunção do direito de escolher livremen-
te transforma essa ficção numa realidade” (BAUMAN, 2007).
Capítulo 3    Novas Identidades em uma Sociedade ...    59

Ficção, no sentido de que somos induzidos a escolher, dentre


opções predeterminadas e, não só fogem necessariamente do
nosso controle, como não nos trazem garantia nenhuma de
sucesso. É certo que, para ser um indivíduo “numa sociedade
de indivíduos custa dinheiro, muito dinheiro” (p. 37), mas “ren-
der-se às pressões da globalização, nos dias de hoje, tende a
ser uma reivindicação em nome da autonomia individual e da
liberdade de autoafirmação” (BAUMAN, 2007, p. 53).

Por isso, a autonomia do indivíduo é uma exigência, co-


locando-o muitas vezes em uma situação de ansiedade, já
que cada ser não dispõe dos mesmos recursos para enfrentar
possíveis mudanças com as quais venha a se deparar. Nessa
perspectiva, a produção do social tende a se apoiar cada vez
mais no potencial do indivíduo que, por sua vez, passa a de-
pender de suas possibilidades para interagir e, assim, construir
sua(s) identidade(s), visando fortalecer a sua individualidade.
Vale observar que tal processo é permeado por mobilidade,
desejos voláteis, flexibilidade, capacidade para assumir riscos,
responsabilidade por si, atuação em rede, identidade constru-
ída de valores “líquidos”, tensão entre escolhas (contraditó-
rias), desejo de errância (BAUMAN, 2000).

Hoje, quando se ouve a palavra indivíduo, dificilmente se


pensa em indivisibilidade, se é que se chega a pensar nisso.
“Pelo contrário, indivíduo (tal como o átomo da física química)
se refere a uma estrutura complexa e heterogênea com ele-
mentos notoriamente separáveis mantidos juntos numa unida-
de precária” (BAUMAN, 2007). E, ainda, “bastante frágil por
uma combinação de gravitação e repulsão de forças centrípe-
60   Sociedade e Contemporaneidade

tas e centrífugas num equilíbrio dinâmico, mutável e continua-


mente vulnerável” (BAUMAN, 2007).

Enfim, nesses tempos, conforme Bauman, “tudo corre ago-


ra por conta do indivíduo”. Cabe a ele descobrir o que é capaz
de fazer, [...] “esticar essa capacidade ao máximo e escolher
os fins a que essa capacidade poderia melhor servir” (2001).
Pois, “numa sociedade de consumo, compartilhar a depen-
dência de consumidor – a dependência universal das compras
– é a condição sine qua non de toda liberdade individual; aci-
ma de tudo da liberdade de ser diferente, de ter identidade”
(BAUMAN, 2001, p. 98).

ÂÂIndividualidade

Autores apontam para o seguinte paradoxo: ao contrário


da sociedade industrial, que produzia produtos e indivíduos,
“a sociedade de consumo revela-se incapaz de produzir indi-
víduos que sirvam a ela e de servir-se dos indivíduos que ela
produz”. Por isso, “não há, simplesmente, sociedade o bastan-
te para que os indivíduos possam definir-se pela maneira pela
qual servem a ela”. Então, “no lugar de servir, trata-se agora
de produzi-la” (GORZ, 2004, p. 77). Por isso, “devemos nos
emancipar, ‘libertar-nos da sociedade’, mesmo se [...] poucas
pessoas desejam ser libertadas” (BAUMAN, 2001). Ou seja,
não há opção.

Nessa perspectiva, “a individualidade é uma fatalidade,


não uma escolha” (2001, p. 43) e a “liberdade louvada pelos
libertários não é, ao contrário do que eles dizem, uma garantia
de felicidade. Vai trazer mais tristeza que alegria” (BAUMAN,
2001). Ou seja, em outras palavras, enquanto indivíduo eu
Capítulo 3    Novas Identidades em uma Sociedade ...    61

sou aquilo que eu posso ser, e não há modelo pronto de como


eu deva ser. Por exemplo, as organizações procuram empre-
endedores, procuram pessoas que empreendam, mas não há
um modelo de como ser e não será você, mesmo que seja um
empreendedor de sucesso, um modelo aos outros. O ritmo
de mudanças e a complexidade dos fatores que incidem em
uma determinada realidade é muito grande e crescente. Em
outras palavras, individualidade [...] “significa em primeiro lu-
gar a autonomia da pessoa, a qual, por sua vez, é percebida
simultaneamente como direito e dever” (BAUMAN, 2007). Ou
seja, “antes de qualquer outra coisa, a afirmação ‘eu sou um
indivíduo’ significa que sou responsável por meus méritos e
meus fracassos e que é minha tarefa cultivar os méritos e re-
parar os fracassos” (BAUMAN, 2007). É preciso apropriar-se
de si mesmo.

Em mais detalhes, significa dizer que a “responsabilidade


em resolver os dilemas gerados por circunstâncias voláteis e
constantemente instáveis é jogada sobre os ombros dos indi-
víduos”, assim como “a virtude que se proclama servir melhor
aos interesses do indivíduo não é a conformidade às regras,
mas a flexibilidade: a prontidão em mudar repentinamente de
táticas e de estilos, abandonar compromissos e lealdades sem
arrependimento – e buscar oportunidades mais de acordo com
sua disponibilidade atual do que com as próprias preferên-
cias” (BAUMAN, 2007b, p. 10).

Tudo isso porque “a força da sociedade e o seu poder so-


bre os indivíduos agora se baseiam no fato de ela ser ‘não
localizável’ em sua atitude evasiva, versátil e volátil, assim
como na imprevisibilidade desorientadora de seus movimen-
62   Sociedade e Contemporaneidade

tos” (BAUMAN, 2005, p. 58-59). Exemplo disso é o efeito que


as eleições norte-americanas podem desencadear na vida do
cidadão brasileiro, na relação com o Estado brasileiro e sua
enorme carga tributária, com os serviços básicos, com a bolsa
de valores e com a própria natureza. Estamos interligados e
inter-relacionados com tudo e com todos, interdependentes.

ÂÂIndividualização

Tal processo consiste em “transformar a identidade hu-


mana de um ‘dado’ em uma ‘tarefa’” (2001, p. 40), já que
“numa sociedade líquido-moderna, as realizações individuais
não podem solidificar-se em posses permanentes porque, em
um piscar de olhos, os ativos se transformam em passivos, e as
capacidades, em incapacidades” (BAUMAN, 2007, p. 7). Por
isso que vida em tempos líquidos “significa constante autoexa-
me, autocrítica e autocensura”, que “alimenta a insatisfação
do eu consigo mesmo” (BAUMAN, 2007, p. 19).

Bauman observa que a “sociedade de consumo líquido-


-moderna despreza os ideais de longo prazo e da totalidade”
(2001, p. 63) e, do mesmo modo, se engana quem “espera
encontrar um lugar, um futuro balizado, uma segurança, uma
utilidade na sociedade – a sociedade do trabalho –, pois ela
está morta”. Por isso, “é preciso que as mentalidades mudem
para que a economia e a sociedade possam mudar” (GORZ,
2004, p. 69-71). A ideia de totalidade reporta-nos a um es-
tágio do desenvolvimento capitalista que hoje está superado.
Reporta-nos à sociedade industrial, que não existe mais, na
qual a sociedade estruturava o indivíduo.
Capítulo 3    Novas Identidades em uma Sociedade ...    63

3.2 Identidades: uma categoria, várias


abordagens

Identidades assumem novas configurações, visto que passam


a ganhar “livre curso, e agora cabe a cada indivíduo, homem
ou mulher, capturá-las em pleno voo, usando seus próprios
recursos e ferramentas. O anseio por identidade vem do dese-
jo de segurança, ele próprio um sentimento ambíguo” (BAU-
MAN, 2005, p. 35).

Concebe-se identidade como algo que nos é revelado so-


mente através de um processo de invenção; “como alvo de um
esforço, ‘um objetivo’; como uma coisa que ainda se precisa
construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então
lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais” (2005, p. 21-
22).

Provavelmente, “fiquemos divididos entre o desejo de uma


identidade de nosso gosto e a escolha e o temor de que, uma
vez assumida essa identidade, possamos descobrir, como se
não existisse uma ‘ponte se tivéssemos que bater em retira-
da’” (2005, p. 105), pois identidade é uma ideia inescapavel-
mente ambígua, uma faca de dois gumes (BAUMAN, 2005, p.
82). Além disso, “mudar de identidade pode ser uma questão
privada, mas sempre inclui a ruptura de certos vínculos e o
cancelamento de certas obrigações”. E, ainda, “os que estão
do lado que sofrem nunca são consultados, e menos ainda
têm chance de exercitar sua liberdade de escolha” (BAUMAN,
2001). É essencial, nesse sentido, tomar conta de sua vida e
suas escolhas.
64   Sociedade e Contemporaneidade

Igualmente, de acordo com a abordagem de Stuart Hall,


o sujeito pós-moderno “não tem uma identidade fixa, essen-
cial ou permanente”, já que está em processo constante de
formação. Afirma que, embora a noção de identidade esteja
relacionada a “pessoas que se parecem”, “sentem a mesma
coisa” ou “chamam a si mesmas pelo nome”, estes elementos
são referenciais insuficientes, pois não satisfazem aos pressu-
postos necessários à compreensão adequada do fenômeno da
identidade (HALL, 1998, p. 45).

Como um processo, assim como uma narrativa ou como


um discurso, “a identidade é sempre vista da perspectiva do
outro” (HALL, 1998, p. 45). Essa é uma formulação funda-
mental, porque nos leva a considerar que identidades só po-
dem ser vislumbradas no que têm a dizer – sobre si e sobre o
seu outro, na relação com o outro.

Hall argumenta que a formação de nossas identidades se


dá culturalmente, ou seja, passa por uma escolha pessoal,
mas fundamentalmente passa pela mediação de aspectos ob-
jetivos, presentes em normas, instituições, e atividades, enfim,
nas ações e estruturas sociais contextualizadas em um determi-
nado tempo e lugar.

Um tipo diferente de mudança estrutural está transforman-


do as sociedades modernas no final do século XX. Isso frag-
menta as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade,
etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, forneciam a
todos sólidas localizações como indivíduos sociais. Essas
transformações estão também mudando nossas identidades
Capítulo 3    Novas Identidades em uma Sociedade ...    65

pessoais, abalando a ideia que temos de nós próprios como


sujeitos integrados à sociedade.

Para Hall, um processo irreversível de fluidez das culturas


vem desenvolvendo o estreitamento das nações, pondo em
evidência o vínculo do homem com as sociedades, testando-
-os como seres que se localizam em meio a um campo social
e cultural indefinido. Nesse sentido, alerta sobre o papel da
tecnologia para o cerco perante as identidades tácitas, nos
mostrando como o impacto da globalização está mudando as
identidades culturais nacionais, raça, gênero, etnia, na medi-
da em que os avanços da globalização vêm fragmentando as
regulações culturais das identidades a ponto do surgimento de
uma “crise de identidade”.

Tal perda de um “sentido de si” estável é chamada, algu-


mas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito. Esse
duplo deslocamento – descentração dos indivíduos tanto de
seu lugar no mundo social e cultural quanto de si mesmos –
constitui uma “crise de identidade” para o indivíduo. Como
observa o crítico cultural Kobena Mercer, “a identidade so-
mente se torna uma questão quando está em crise, quando
algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado
pela experiência da dúvida e da incerteza” (MERCER, 1990
apud HALL, 1997, p. 07-22). Esses processos de mudança,
tomados em conjunto, representam um processo de transfor-
mação tão fundamental e abrangente que somos compelidos
a perguntar se não é a própria modernidade que está sendo
transformada (HALL, 1997, p. 07-22).
66   Sociedade e Contemporaneidade

Vale destacar a influência da última fase da globalização


sobre as identidades no que tange aos sistemas de represen-
tação, pois, ao acelerar processos de tal forma que se sente
que o mundo é menor e as distâncias mais curtas, faz com que
os eventos em um determinado lugar tenham impacto imedia-
to sobre pessoas e lugares situados a uma grande distância.
Isso produziu a “compressão espaço-tempo”, pois “o espaço
se encolhe para se tornar urna aldeia ‘global’ de telecomuni-
cações e uma ‘espaçonave planetária’ de interdependências
econômicas e ecológicas” (HARVEY, 1989).

Mais recentemente, Canclini também considera a mo-


bilidade identitária tendo muito a ver com as possibilidades
de conexão e desconexão das comunicações, ou das redes
de informação, entretenimento e participação social ou uma
combinação dessas modalidades (CANCLINI, 2005). Antony
Giddens igualmente observa que o processo migratório de
culturas passou a testar a estabilidade da identidade, possibili-
tada principalmente a partir da diminuição da relação tempo/
espaço (GIDDENS, 2002). Assim, verificam-se formas de clas-
sificação de como as identidades se constroem nesse processo.

Pesquisas têm relacionado identidade e diferença, enfati-


zando que a migração produz identidades plurais, mas tam-
bém identidades contestadas, em um processo que é caracte-
rizado por grandes desigualdades. A tendência das culturas se
aproximarem diminuindo a disparidade entre tempo e espaço,
se inicia a partir da flexibilização das relações sociais, bem
como de uma “modernização das instituições”, abordada por
Giddens (2002).
Capítulo 3    Novas Identidades em uma Sociedade ...    67

Dentre as perspectivas até aqui expostas, é oportuno con-


siderar as ideias de Canevacci, em especial, quando se refe-
re a “um novo sentido de identidade: uma identidade móvel,
fluída, que incorporou os muitos fragmentos que – no espaço
temporário de suas relações possíveis com o seu eu ou com
o outro – se ‘veste’ ou se ‘traveste’ de acordo com as circuns-
tâncias”. Por isso, “a chamada personalidade narcisista emer-
gente, que, em nossa sociedade, expressaria uma estrutura de
caráter que perdeu interesse pelo futuro [...]” (CANEVACCI,
2005, p. 34).

Nesse contexto, alonga-se a fase mais móvel e criativa


do sentir-se jovem – tornar-se um jovem interminável. Assim,
“os jovens são atemporais no sentido de que ninguém pode
sentir-se como excluído desse horizonte geracional” (CANE-
VACCI, 2005, p. 35-6).

Ao finalizar, mencionam-se argumentos que, em vez de


identidades, herdadas ou adquiridas, defendem a utilização
da categoria de análise identificação por estar mais próxima
da realidade do mundo globalizado. É concebida como uma
atividade que nunca termina, sempre incompleta, na qual to-
dos nós, por necessidade ou escolha, estamos engajados. Há
pouca chance de que as tensões, os confrontos e os conflitos
que essa atividade gera irão subsistir. A busca frenética por
identidade não parece ser um resíduo dos tempos pré-globali-
zação que ainda não foram totalmente extirpados, que tendem
a se tornar extintos conforme a globalização avança. Pelo con-
trário, essa guerra de identificação está em plena marcha na
contemporaneidade.
68   Sociedade e Contemporaneidade

Recapitulando

O capítulo aponta para as implicações que as novas tecno-


logias de informação e comunicação impõem à sociedade,
trazendo novo ritmo e nova velocidade aos fenômenos sociais,
complexificando-os. Especificamente trata das mudanças ins-
tauradas na relação entre o indivíduo e a sociedade. Pois, em
função de suas características, as novas técnicas impõem ao
indivíduo a necessidade de tornar-se autônomo, livre, mes-
mo contra sua vontade. Por isso, nas palavras de Baumann,
“ganhamos em liberdade, mas perdemos em certezas”. Pois,
ao contrário do que ocorria nas sociedades industriais, cujos
processos de formação de trabalhadores para o mundo do
trabalho, por exemplo, eram claros e definidos, frente ao rit-
mo frenético de mudanças que caracteriza nosso tempo, esta
nova sociedade não consegue preparar o tipo de trabalhador
(ou produtor do social) de que necessita para seguir girando
a roda do consumo. Trata-se deste novo estágio do capitalis-
mo, da transição da sociedade industrial para a sociedade do
consumo e das implicações para a construção de identidades.
Trata-se hoje de uma sociedade de indivíduos, e ser indivíduo
significa ser diferente dos outros, pois as tecnologias permitem
e obrigam a todos que sejam diferentes.

A produção do social hoje depende cada vez mais da capa-


cidade individual de cada um em ser capaz de sintonizar-se
com esse novo tempo. E isso gera cada vez mais exclusão
e ansiedade, pois não temos todos as mesmas capacidades
de lidar, por exemplo, com o movimento e a necessidade de
reinvenção e de readaptação que as novas técnicas e, por
Capítulo 3    Novas Identidades em uma Sociedade ...    69

conseguinte, a nova sociedade demandam. E não temos saí-


da, estamos todos entregues a nós mesmos e dependentes da
forma como fomos formados. Nesse processo de construção e
reconstrução em ritmo frenético, formamos nossa identidade,
hoje em crise permanente, pois nessa sociedade não sobrevi-
vem ideais de longo prazo, a tradição e os valores permanen-
tes estão em xeque, tudo é fluido, volátil, em movimento. Por
isso, as novas configurações culturais de classe, gênero, sexu-
alidade, etnia, raça e nacionalidade, que, nessa sociedade é
líquida, não é sólida. Ser um indivíduo, atualmente, significa
cada um ser responsável por seus méritos e seus fracassos e é
sua, e somente sua a tarefa de cultivar os méritos e reparar os
fracassos. Este novo estágio do capitalismo vem trazendo mais
exclusão, e mais tristeza.

Referências

BAUMAN, Zygmunt. A sociedade individualizada. Rio de Ja-


neiro: Zahar, 2008.

______. Vida líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.

______. Tempos líquidos. Rio de Janeiro: Zahar, 2007b.

______. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

______. Amor líquido – sobre a fragilidade dos laços huma-


nos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

______. Globalização – as consequências humanas. Rio de


Janeiro: Zahar, 2001.
70   Sociedade e Contemporaneidade

______. Em busca da política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

CANEVACCI, M. Culturas extremas, mutações juvenis nos


corpos das metrópoles. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

CANCLINI, Nestor García. Diferentes, desiguais e desco-


nectados. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2005.

CORCUFF, Philippe. As novas sociologias – construções da


realidade social. Bauru/SP: Edusc, 2001.

DESAULNIERS, Julieta B. R. Formação e cidadania em tem-


pos líquidos: desafios e possibilidades. Trabalho apresen-
tado no ISA, 02/2008.

GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Pau-


lo: Martins Fontes, 1989.

GORZ, André. Misérias do presente, riquezas do possível.


São Paulo: AnnaBlume, 2004.

HALL, Stuart. Identidades culturais na pós-modernidade.


Rio de Janeiro: DP&A, 1997. Disponível em: <http://www.
angelfire.com/sk/holgonsi/hall1.html>.

HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa so-


bre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola,
1989.

KOKOREFF, Michel; RODRIGUES, Jacques. Une société de


l’incertitude. In: Revue Sciences Humaines, sept-oct 2005.

MERCER, Kobena. Marginalization and contemporary cul-


tures. In: HALL, Stuart. Identidades culturais na pós-moder-
nidade. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.
Capítulo 3    Novas Identidades em uma Sociedade ...    71

MOLÉNAT, Xavier. Quel individu pour la sociologie? In:


DORTIER, Jean-François (coord.). La pensée éclatée – la
chronique des idées d’aujour’hui. In: Revue S. Humaines,
n.167, jan. 2006.

PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas – tempo, caos e leis da


natureza. São Paulo: Inesp, 1996.

Atividades

1) Assinale a alternativa incorreta. Dentre os aspectos que


distinguem a sociedade de consumidores podemos desta-
car:

a) as novas tecnologias de informação e comunicação


que ao romperem as barreiras de tempo e espaço im-
põem novo ritmo e velocidade aos fenômenos sociais.

b) a demanda por autonomia imposta aos agentes so-


ciais pela característica das novas mediações, novas
mídias.

c) a centralidade da figura do indivíduo em detrimento


da sociedade, pois o indivíduo produz a sociedade
como nunca antes na história.

d) o papel central da mídia de massa, sobretudo a tele-


visão que forma e molda as mentalidades de forma
híbrida e volátil.
72   Sociedade e Contemporaneidade

e) identidade(s), individualidade(s) e/ou indivíduo – como


categorias centrais de análise para entender a socie-
dade contemporânea.

2) Assinale a alternativa incorreta. Nas palavras de Bauman


na sociedade líquida moderna “ganhamos em liberdade,
mas perdemos em certezas”, ou seja:

a) as tecnologias permitem uma maior autonomia aos


agentes sociais.

b) a velocidade e complexidade do nosso tempo trazem


cada vez mais imprevisibilidade e incapacidade de
“prever” as novas demandas sociais em todas as áre-
as.

c) os valores tradicionais, hoje, estão em xeque perma-


nentemente.

d) estamos entregues a nossa capacidade de nos adap-


tarmos às mudanças frenéticas do nosso tempo e não
teremos garantias nenhuma de sucesso.

e) a liberdade e a felicidade em, finalmente, nos tornar-


mos autônomos e livres da opressão da sociedade so-
bre os indivíduos.

3) Assinale a alternativa incorreta. São exemplos da crise das


identidades típicas da sociedade líquido-moderna:

a) as novas configurações familiares não mais restritas à


figura da mãe, do pai e dos filhos.

b) o fim do emprego típico da sociedade industrial.


Capítulo 3    Novas Identidades em uma Sociedade ...    73

c) a necessidade constante de readaptação e reconstru-


ção individual.

d) os valores tradicionais (permanentes) hoje colocados


em xeque.

e) o fato de que a sociedade, atualmente, não produz


os indivíduos de que necessita, diferente da sociedade
industrial.

4) Quanto ao conceito de indivíduo, ser indivíduo significa


essencialmente:

a) ser diferente do outro.

b) ter características comuns: o engenheiro, o advogado,


o médico, o pai de família.

c) pertencer a uma classe social determinada.

d) compartilhar valores religiosos e morais.

e) nenhuma das alternativas anteriores define o conceito


de indivíduo.

5) Assinale a alternativa incorreta. Quanto à ideia de indiví-


duo autônomo, na sociedade líquida-moderna isso signifi-
ca:

a) ser responsável pelos seus sucessos e pelos seus fra-


cassos.

b) não ter opção, pois as tecnologias e a própria socie-


dade do consumo impõem essa necessidade.
74   Sociedade e Contemporaneidade

c) conhecer-se, apoderar-se de si mesmo, de suas capa-


cidades e incapacidades.

d) ter flexibilidade e capacidade para assumir riscos.

e) Nenhuma das alternativas anteriores está correta.


Paulo G. M. de Moura1

Capítulo 4

Jogo de Espelhos: A
Crise das Identidades
Sociais na Sociedade
Contemporânea1

Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais ...

1 Bacharel em Ciências Sociais (1992), mestre em Ciência Política pela UFRGS


(1998); doutor em Comunicação Social pela PUCRS (2004) e especialista em Edu-
cação à Distância pelo Senac/RS (2009). Professor Adjunto com Doutorado da
ULBRA. Atua na área de Ciência Política com ênfase em Estudos Eleitorais e Partidos
Políticos e na Área de Comunicação Política e Marketing Político.
76   Sociedade e Contemporaneidade

Introdução

A sociedade contemporânea apresenta um alto grau de com-


plexidade, e a compreensão das transformações pela qual ela
passa requer um olhar igualmente complexo e multidimensio-
nal. Isto é, precisamos analisar os acontecimentos e fenôme-
nos sociais por diversos ângulos e recorrendo a diversos instru-
mentos teóricos para podermos compreender o que se passa
em todas as suas dimensões.

Uma dimensão muito importante das transformações em


curso na sociedade atual diz respeito à chamada “crise das
identidades culturais”. O conceito de identidade diz respeito à
forma como nos percebemos ou somos percebidos em socie-
dade. Formamos nossas identidades por reflexo em relação às
pessoas e meios sociais nos quais vivemos. O ambiente social
contemporâneo é constantemente bombardeado pelos estímu-
los da mídia. Consequentemente, nossas identidades sociais
experimentam profundas transformações. Entender esse pro-
cesso é fundamental para compreender a sociedade em que
vivemos.
Capítulo 4    Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais ...    77

4.1 De que cultura estamos falando?

Ao consultarmos o verbete “identidade” no Dicionário Aurélio


Século XXI2, dentre as possíveis definições encontram-se as se-
guintes: “Conjunto de caracteres próprios e exclusivos de uma
pessoa: nome, idade, estado, profissão, sexo, defeitos físicos,
impressões digitais etc.; ou, ainda, aspecto coletivo de um
conjunto de características pelas quais algo é definitivamente
reconhecível, ou conhecido”.

Já o verbete “cultura”, na mesma fonte, nos revela uma


quantidade bem maior de possíveis definições, dentre as quais
se destacam: “O conjunto de características humanas que
não são inatas e que se criam e se preservam ou aprimoram
através da comunicação e da cooperação entre indivíduos em
sociedade [Nas ciências humanas, opõe-se por vezes à ideia
de natureza, ou de constituição biológica, e está associada a
uma capacidade de simbolização considerada própria da vida
coletiva e que é a base das interações sociais.]; a parte ou o
aspecto da vida coletiva, relacionados à produção e transmis-
são de conhecimentos, à criação intelectual e artística etc.; o
processo ou estado de desenvolvimento social de um grupo,
um povo, uma nação, que resulta do aprimoramento de seus
valores, instituições, criações etc.; civilização, progresso; ati-
vidade e desenvolvimento intelectuais de um indivíduo; saber,
ilustração, instrução; refinamento de hábitos, modos ou gostos;
apuro, esmero, elegância; Antropologia: o conjunto complexo

2 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio eletrônico


século XXI versão 3.0. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. 1CD ROM.
Produzido por Lexikon Informática.
78   Sociedade e Contemporaneidade

dos códigos e padrões que regulam a ação humana individual


e coletiva, tal como se desenvolvem em uma sociedade ou
grupo específico, e que se manifestam em praticamente todos
os aspectos da vida: modos de sobrevivência, normas de com-
portamento, crenças, instituições, valores espirituais, criações
materiais etc. [Como conceito das ciências humanas, esp. da
antropologia, cultura pode ser tomada abstratamente, como
manifestação de um atributo geral da humanidade (cf. acepç.
5), ou, mais concretamente, como patrimônio próprio e distin-
tivo de um grupo ou sociedade específica (cf. acepç. 6).]; Filos:
categoria dialética de análise do processo pelo qual o homem,
por meio de sua atividade concreta (espiritual e material), ao
mesmo tempo em que modifica a natureza, cria a si mesmo
como sujeito social da história”.

Se procedermos à conversão do verbete “identidade” à


condição de “conceito sociológico”, isto é, de ferramenta para
a compreensão científica de um determinado fenômeno social,
podemos dizer, então, que esse conceito define a forma como
indivíduos e coletividades se veem ou são percebidas social-
mente. O mesmo procedimento aplicado ao verbete “cultura”
revela-nos dois tipos de definições para o termo; um que se
refere à cultura como atividade elitista relacionada à atividade
artística ou à erudição de indivíduos ou grupos sociais com
acesso à educação e ao conhecimento artístico e de atividades
do gênero, e outro, que se refere a uma interpretação mais
geral do termo, e que se relaciona a dimensões mais amplas
da atividade humana em sociedade, envolvendo hábitos, cos-
tumes, valores e práticas sociais generalizadas e acessíveis a
quaisquer indivíduos ou grupos sociais, independentemente
do acesso que tenham à formação educacional ou ao conhe-
Capítulo 4    Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais ...    79

cimento erudito do mundo das artes. Essa segunda definição


do verbete é a que se aplica à conversão em conceito socioló-
gico para fins de estudo da crise das identidades culturais na
sociedade contemporânea.

4.2 O que se entende por “crise das


identidades sociais contemporâneas”

Um dos autores de maior destaque no estudo desse assunto


é o cientista social jamaicano radicado na Inglaterra, Stuart
Hall, que, num artigo sobre o tema3, argumenta que “as ve-
lhas identidades, que por tanto tempo estabilizaram o mundo
social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e
fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um
sujeito unificado”. Para Hall, a “crise de identidade” individual
e coletiva tem origem no impacto das mudanças decorrentes
do processo de globalização em curso, que estaria “deslocan-
do estruturas e processos centrais das sociedades modernas e
abalando os quadros de referência que forneciam aos indiví-
duos uma ancoragem estável no mundo social”.

A globalização é comumente analisada pelo viés econô-


mico. No entanto, ela é, também, um processo complexo e
inseparável de suas dimensões de integração social, política
e cultural, que decorre da interconexão de todas as regiões
e comunidades do planeta Terra, por sistemas de comunica-
ção on-line, em tempo real. Segundo Hall, esse processo de

3  HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. São Paulo: DP&A, 1999.


80   Sociedade e Contemporaneidade

integração estaria fragmentando as “paisagens culturais de


classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade”, que
forneciam “sólidas localizações aos indivíduos sociais” aos
indivíduos e coletividades no período antecedente da história.

Identidades individuais contemporâneas estariam receben-


do o impacto dessas mudanças. Nesse contexto, desestrutura-
-se a percepção que os indivíduos contemporâneos têm de
si mesmos. Antes nos percebíamos como sujeitos integrados,
unos e harmônicos. Já não é mais assim. Segundo estudos
contemporâneos, estaria em curso uma desestruturação das
identidades dos indivíduos a partir de seu lugar no mundo so-
cial e cultural e dos indivíduos propriamente ditos. Esse proces-
so deu origem aos estudos contemporâneos sobre a “crise das
identidades culturais” (HALL, 1999).

4.3 Sujeitos sociais modernos e


contemporâneos

Stuart Hall nos mostra, em seu estudo, que a maneira como a


condição de sujeito social é percebida na sociedade moderna
evoluiu com o passar do tempo, passando por três diferentes
definições:

a) sujeito do Iluminismo;

b) sujeito sociológico;

c) sujeito pós-moderno.
Capítulo 4    Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais ...    81

Para Hall, o sujeito do Iluminismo partia de uma concep-


ção de indivíduo autocentrado, segundo a qual a pessoa hu-
mana seria totalmente unidimensional, racional e absoluta-
mente consciente de suas ações, orientadas a partir de num
núcleo que emergia de seu interior a partir do nascimento, e
desenvolvia-se ao longo de sua vida, permanecendo, em es-
sência, inalterada.

A noção posterior, de sujeito sociológico, partia da com-


preensão de a identidade dos sujeitos sociais decorrer de um
processo de construção interativa da personalidade dos indiví-
duos, e refletia a complexidade do mundo moderno emergen-
te. Ou seja, a evolução da sociedade moderna levou à com-
preensão de que aquele “núcleo interior” do sujeito Iluminista
não possuía a suposta autonomia e autossuficiência, sendo
formado na interação com os indivíduos com quem se convive
socialmente, estabelecendo-se, assim, relações de mediação
social, a partir das quais se constroem os valores, sentidos e
símbolos sociais; isto é, a cultura que envolve a vida dos indi-
víduos em sociedade.

Os sujeitos sociais modernos, então, não perderiam sua


“essência interior”, mas agregariam a ela novos ingredientes
através da interação com o mundo exterior e as identidades
que a ele se expõe ao longo da vida. Estabelece-se, dessa
forma, uma conexão entre os processos psíquicos individuais e
os processos político-sociais e culturais nos quais o indivíduo
se insere. A identidade, portanto, articula sujeito e estrutura,
e “estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que
eles habitam, tornando ambos reciprocamente mais unificados
e predizíveis” (HALL, 1999, p. 12).
82   Sociedade e Contemporaneidade

Para Stuart Hall, o impacto da globalização sobre a vida


dos indivíduos e das coletividades da sociedade contemporâ-
nea estaria transformando essa concepção de identidade do
sujeito moderno, levada à crise em função das mudanças es-
truturais e institucionais do mundo em processo de globaliza-
ção cultural.

O sujeito da sociedade pós-moderna, então, deveria ser


compreendido como alguém que não tem identidade fixa,
nem essência una, estável e imutável. O sujeito pós-moderno,
dessa forma, se comporia de múltiplas identidades fragmenta-
das, por vezes até contraditórias ou mesmo não completamen-
te autodefinidas pelo indivíduo.

Imerso num oceano de referências externas, composto de


infinitas combinações de imagens, sons, informações e indiví-
duos multifacetados e globalmente inseridos, real ou virtual-
mente, em seus círculos de convivência, o indivíduo da so-
ciedade contemporânea estaria assistindo seus sistemas de
classificação e construção de significados e representações
culturais se multiplicarem e assumirem um grau de comple-
xidade nunca antes experimentado. Dessa forma, o sujeito
contemporâneo teria sua identidade lapidada em contextos
historicamente circunstanciados, e assumiria, em diferentes
momentos e ambientes, identidades múltiplas, não necessaria-
mente ancoradas em suportes individuais, coerentes, estáveis
e autodefinidos a partir do seu nascimento e preservado até
sua morte.

Para o sociólogo Émile Durkheim (1858/1917), é a organi-


zação e a ordenação das coisas através de sistemas classifica-
Capítulo 4    Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais ...    83

tórios que leva à construção de significados, pois nas relações


sociais as formas de diferenciação simbólica e social (nós/eles;
sagrado/profano; brasileiros/não brasileiros) estabelecem-se,
em parte, através deles.

Para a cientista social Katherine Woodward, as formas pelas


quais a cultura estabelece limites e distinções são fundamen-
tais para compreendermos como se constroem as identidades
sociais e individuais, pois: “cada cultura tem suas próprias e
distintivas formas de classificar o mundo. É pela construção de
sistemas de classificação que a cultura propicia os meios pelos
quais podemos dar sentido ao mundo social e construir signifi-
cados. Há, entre os membros de uma sociedade, certo grau de
consenso sobre como classificar as coisas a fim de manter uma
ordem social. Esses sistemas partilhados de classificação são,
na verdade, o que se entende por cultura” (WOODWARD,
2000, p. 40).

Já, segundo o sociólogo Anthony Giddens, na sociedade


moderna, ao contrário do que ocorre nas sociedades tradi-
cionais, o processo de transformação social se processa de
forma constante, rápida e permanente. Para ele: “[...] nas so-
ciedades tradicionais, o passado é venerado e os símbolos
são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência de
gerações. A tradição é um meio de lidar com o tempo e o
espaço, inserindo qualquer atividade ou experiência particular
na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por
sua vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes”.4 E

4  GIDDENS, A. The Consequences of Modernity. Cambridge: Polity Press, 1990,


p. 37-38.
84   Sociedade e Contemporaneidade

mais, segundo Giddens, “à medida que áreas diferentes do


globo são postas em interconexão umas com as outras, ondas
de transformação social atingem virtualmente toda a superfície
da terra”5 e a natureza das instituições contemporâneas.

As sociedades que passaram por processos de desenvolvi-


mento urbano e industrial tardio se comparadas aos países di-
tos “desenvolvidos”, são trespassadas por múltiplas divisões e
antagonismos que geram uma variedade expressiva de identi-
dades individuais e coletivas. Para o autor Ernesto Laclau, seria
a capacidade de articular de forma conjunta esses diferentes
elementos de identidade que possibilitaria evitar a desintegra-
ção dessas sociedades, ainda que esse poder de articulação
seja apenas parcial, o que, para esse autor, permite explicar-
mos a dinâmica evolutiva da história6. Para melhor compre-
ender sobre o que estamos falando, vamos nos concentrar na
análise da questão das “identidades nacionais”.

4.4 A crise das identidades nacionais

O Estado-nação, juridicamente definido como unidade cons-


tituída pelo agregado povo-território-governo, é resultado de
uma construção histórica e cultural resultante do processo de
transição da sociedade feudal para a sociedade urbano-in-
dustrial. No mundo moderno, as identidades nacionais, isto
é, o conjunto de elementos que compõem a forma como de-

5  Ibid., 1990, p. 6.
6  LACLAU, E. New Reflections on the Resolution of our Time. Londres: Verso, 1990..
Capítulo 4    Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais ...    85

terminadas sociedades nacionais se diferenciam das demais,


constitui-se numa das principais âncoras da identidade cultural
dos sujeitos modernos. Assim, os indivíduos tendem a definir-
-se e a apresentar-se publicamente perante o mundo que os
cerca, a partir de sua identidade nacional, percebida como
parte imanente de suas naturezas essenciais e como elemento
estabilizador de seu psiquismo individual e social.

O filósofo Roger Scruton, por exemplo, aborda essa mes-


ma questão afirmando que: “A condição de homem (sic) exige
que o indivíduo, embora exista e aja como ser autônomo, faça
isso somente porque ele pode primeiramente identificar a si
mesmo como algo mais amplo – como um membro de uma
sociedade, grupo, classe, estado ou nação, de algum arranjo,
ao qual ele pode até não dar um nome, mas que ele reconhe-
ce instintivamente como seu lar”7.

Para Stuart Hall, “as identidades nacionais não são coisas


com as quais nós nascemos, mas são formadas e transforma-
das no interior da representação. [...] a nação não é apenas
uma entidade política mas algo que produz sentidos – um sis-
tema de representação cultural” (HALL, 1999, p. 48-49). As
identidades culturais nacionais, portanto, seriam construções
sociais modernas, e os sentimentos de “lealdade e identifica-
ção que numa era pré-moderna ou em sociedades mais tra-
dicionais eram dados à tribo, ao povo, à religião e à região
foram transferidas, gradualmente, nas sociedades ocidentais,
à cultura nacional” (HALL, 1990, p. 49).

7  SCRUTON, R. Authority and allegiance. In: DONALD, J.; HALL, S. (orgs.). Politics
and Ideology. Milton Keynes: Open University Press, 1986.
86   Sociedade e Contemporaneidade

Dessa forma as diferenças regionais e étnicas, caracterís-


ticas culturais das sociedades antigas, foram gradualmente
sendo reconstruídas e redefinidas a partir da demarcação dos
contornos da formação política nova e emergente com a so-
ciedade moderna: o estado nacional. O Estado-nação, então,
se converteu na nova e poderosa fonte de significados para as
identidades culturais modernas.

Para Stuart Hall, símbolos e representações compõem as


culturas nacionais tanto quanto as instituições culturais. Uma
cultura nacional é um discurso, um modo de construir sentidos
que influencia e organiza tanto nossas ações quanto a con-
cepção que temos de nós mesmos (HALL, 1990, p. 50-51).
As culturas nacionais, nesse contexto, seriam representações
construídas ao longo da história, que conferem sentidos à per-
cepção que os indivíduos têm em relação à nação com a qual
se identificam.

No contexto das transformações em curso na sociedade


contemporânea, a globalização, entendida como processo
multidimensional, estaria pressionando as estruturas do esta-
do moderno e provocando seu redimensionamento tanto no
sentido vertical (político, jurídico, institucional e administrativo)
como horizontal (geográfico), o que estaria provocando mu-
danças que explicam boa parte das crises sociais contempo-
râneas.

Assim, assistimos simultaneamente à desestruturação e


reestruturação das fronteiras físicas e imaginárias dos Estados-
-nação, tal como se pode constatar pelas transformações em
curso na comunidade europeia. Ocorre, de forma concomi-
Capítulo 4    Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais ...    87

tante, o deslocamento do poder antes soberano e monopolista


do estado nacional para instâncias regionais e locais de poder,
dando origem a movimentos separatistas, políticas públicas de
descentralização administrativa, ou, ainda, manifestações de
xenofobia, ódio racial e fanatismo religioso, impulsionados
por forças sociais em busca dos novos poderes da sociedade
em transformação.

A unificação dos mercados nacionais no processo de for-


mação dos estados nacionais e da sociedade urbana e in-
dustrial moderna originou as estruturas jurídicas e políticas
do estado moderno, e, consequentemente, de seu sistema de
crenças e valores, de representação e identidade cultural. A
globalização em suas diversas dimensões, fortemente influen-
ciada pelo processo de transnacionalização do capital, em
muitos casos, está levando ao ressurgimento e à reconstrução
de identidades culturais tradicionais que foram deslocadas de
suas funções de identificação social no período de ascensão
do estado nacional moderno.

Quando esse processo começou a revelar contornos mais


claros, alguns autores imaginaram que o efeito desses proces-
sos levaria ao enfraquecimento ou destruição das formas na-
cionais de identidade cultural. O processo, no entanto, parece
mais complexo do que puderam perceber esses autores. As
transformações ocorrem em vários sentidos e produzem resul-
tados diversos, nem todos conforme as primeiras impressões
sugeriram. Influenciadas pela dinâmica da globalização, en-
tão, as identidades nacionais, estariam sofrendo pressões no
sentido de sua readequação a essa nova realidade.
88   Sociedade e Contemporaneidade

4.5 Avanços ou retrocessos?

Segundo Hall, o discurso da identidade nacional seria uma re-


presentação construída pelas estórias, mitos, crenças e valores
das sociedades, “[...] se equilibra entre a tentação de retornar
a glórias passadas e o impulso por avançar ainda mais em
direção à modernidade. As culturas nacionais são tentadas,
algumas vezes, a se voltar para o passado, a recuar defensi-
vamente para aquele ‘tempo perdido’, quando a nação era
‘grande’; são tentadas a restaurar as identidades passadas”
(HALL, 1999, p. 56).

A crise em curso na Europa, da virada da primeira para


a segunda década deste século, parece comprovar as análi-
ses do autor, que aponta nesses comportamentos o “elemento
regressivo, anacrônico, da estória da cultura nacional”. Se-
gundo Hall, em geral, movimentos sociais amparados nesses
sentimentos nostálgicos ocultariam lutas por poder que bus-
cam mobilizar a sociedade com discursos de combate às su-
postas ameaças que viriam de fora e ameaçariam a “pureza”
da identidade nacional “ameaçada”, com vistas a influenciar
o destino das coletividades em direção ao futuro (HALL, 1999,
p. 56).

Dessa forma, sustentadas pelas memórias do passado; no


desejo por viver em conjunto; no impulso pela perpetuação da
herança, as identidades culturais nacionais não devem ser in-
terpretadas como limitados pontos de lealdade, união e iden-
tificação simbólica, mas também, como estruturas de poder
cultural. Para Hall, então, as identidades culturais nacionais
devem ser pensadas como “constituindo um dispositivo discur-
Capítulo 4    Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais ...    89

sivo que representa a diferença como unidade ou identidade.


[...] sendo ‘unificadas’ apenas através do exercício de diferen-
tes formas de poder cultural” (HALL, 1999, p. 62).

Para esse autor, então, as culturas nacionais galvaniza-


ram socialmente aquilo que se entende por “modernidade”,
e as identidades nacionais se sobrepuseram a outras fontes
de identificação social, tais como, a noção que os indivíduos
tinham com relação à classe social, ideologias, formas parti-
dárias, origens étnicas, dentre outras.

No contexto das transformações decorrentes do processo


de globalização, então, esses elementos que compunham a
identidade individual e social do sujeito moderno estariam
deslocando o poder que identidades culturais nacionais ti-
nham como elementos organizadores da sociedade urbana e
industrial.

4.6 As três tendências

Ao aprofundar seus estudos sobre a questão das identidades


culturais em transformação, Hall constata pelo menos três pos-
síveis desdobramentos desse processo. Para ele:

a) as identidades nacionais estão se desintegrando,


como resultado do crescimento da homogeneização cul-
tural do “pós-moderno” global; b) as identidades nacio-
nais e outras identidades “locais” ou particularistas estão
sendo reforçadas pela resistência à globalização; e c)
as identidades nacionais estão em declínio, mas novas
90   Sociedade e Contemporaneidade

identidades – híbridas – estão tomando seu lugar (HALL,


1999, p. 69).

O racismo protagonizado por grupos étnicos predominan-


tes em certas sociedades, e que se sentem ameaçados pela
presença, em “seus” territórios, de contingentes populacionais
migrantes num mundo em que o sistema de comunicação e
transportes democratizou o acesso à informação e à mobili-
dade de segmentos sociais que, no passado tenderiam a se
manter fixos em seus territórios de origem, é apenas uma das
dimensões desse processo. A “invasão” da Europa Ocidental
e dos EUA por contingentes de migrantes vindos da África, da
América do Sul ou da Ásia, então, está na raiz de muitas das
manifestações de racismo, xenofobia e intolerância cultural
que vemos no noticiário com frequência hoje em dia.

Para Stuart Hall, o ressurgimento do nacionalismo na Eu-


ropa Oriental, assim como o crescimento de grupos funda-
mentalistas em diversas correntes religiosas, talvez sejam mais
bem compreendidos se vistos como tentativas para reconstituir
identidades supostamente “puras” de quem se sente ameaça-
do pelas mudanças e busca restaurar seus poderes e a coesão
dos grupos sociais que se veem contagiados pelo hibridismo
resultante da mistura de múltiplas e mútuas influências cultu-
rais em contato no mundo globalizado, em função das novas
tecnologias de comunicação e transportes.
Capítulo 4    Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais ...    91

Recapitulando

O capítulo aborda uma dimensão muito importante das trans-


formações em curso na sociedade atual, que diz respeito à
chamada “crise das identidades culturais”. Pois, se as tecno-
logias sempre foram determinantes para a formação da iden-
tidade dos agentes sociais, atualmente, as novas mediações
sociais rompem e modificam as identidades, complexificando-
-as. Do ponto de vista sociológico, a identidade define a forma
como indivíduos e coletividades se veem ou são percebidos
socialmente e, as “velhas identidades”, que por tanto tempo
estabilizaram o mundo social estão em declínio, fazendo surgir
novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno que
até aqui era “visto” como um “sujeito unificado”. A globaliza-
ção fragmenta a cultura antes estabelecida e rompe com as
noções de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionali-
dade. Se até o período conhecido como modernidade, a iden-
tidade articulava e estabilizava a relação sujeito e estrutura,
hoje, o sujeito contemporâneo encontra-se imerso num ocea-
no de referências externas, composto de infinitas combinações
de imagens, sons, informações e indivíduos multifacetados e
globalmente inseridos, real ou virtualmente, em seus círculos
de convivência. O indivíduo da sociedade contemporânea as-
siste atônito aos seus sistemas de classificação e construção de
significados e às representações culturais se multiplicarem e se
complexificarem. À medida que áreas diferentes do globo são
postas em interconexão, ondas de transformação social atin-
gem virtualmente toda a “superfície da terra” e a natureza das
instituições contemporâneas. E, nesse sentido, a tradição não
é mais valorizada, ao contrário, constitui-se em um entrave,
92   Sociedade e Contemporaneidade

por isso a crise a que o capítulo se refere e que se estende à


própria noção de identidade nacional.

Referências

CASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e


cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio


eletrônico século XXI. Versão 3.0. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999. 1CD ROM. Produzido por Lexikon In-
formática.

GAXIE. D. Le cens caché. Inégalités culturelles et ségrea-


tion politique. Paris: Du Soleil, 1978; e SOFRES. Opinion
publique 1984. Paris: Gallimard, 1984.

GIDDENS, A. The Consequences of Modernity. Cambridge:


Polity Press, 1990.

GAY, Paul du; HALL, Stuart et al. Doing Cultural Studies:


the story oh the Sony Walkman. Sage Publications: Lon-
don-Thousand Oaks-New Delhi in association with The
Open University, 1977.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade.


São Paulo: DP&A, 1999.

HALL, Stuart. Identidade cultural e diáspora. Revista do


Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 24, 1996, p.
68-76.
Capítulo 4    Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais ...    93

LACLAU, E. New Reflections on the Resolution of our Time.


Londres: Verso, 1990.

MCGREW, A. A global society? In: HALL, Stuart; HELD, Da-


vid; MCGREW, Tony (orgs.). Modernity and its futures. Cam-
bridge: Polity Press/Open University Press, 1992.

SMITH, A. La identidad nacional. Madrid, Trama Editorial,


1991.

SMITH, Anna M. Rastafarian as Resistance and the Ambi-


guities of Essentialism in the “New Social Movements”.
In: LACLAU, Ernesto (Org.). The Making of Political Identi-
ties. London and New York: Verso, 1994.

SCRUTON, R. Authority and allegiance. In: DONALD, J.;


HALL, S. (orgs.). Politics and Ideology. Milton Keynes: Open
University Press, 1986.

TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. São Paulo: Record, 1980.

______. Powershift – As mudanças no poder. São Paulo: Re-


cord, 1990.

WALLERSTEIN, I. The Capitalist Economy. Cambridge: Cam-


bridge University Press, 1984.

WOODWARD, K. Identidade e diferença: uma introdução.


In: SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença
– a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis/RJ: Vozes,
2000.
94   Sociedade e Contemporaneidade

Atividades

1) Quanto ao conceito de CULTURA, assinale a alternativa


incorreta.

a) Refere-se ao conjunto de características humanas que


não são inatas e que se criam e se preservam ou apri-
moram através da comunicação e da cooperação en-
tre indivíduos em sociedade.

b) É biologicamente construído, refere-se à herança ge-


nética do sujeito e que, portanto, é de difícil modifica-
ção e transformação pelo meio social.

c) Opõe-se por vezes à ideia de natureza, ou de consti-


tuição biológica, e está associada a uma capacidade
de simbolização considerada própria da vida coletiva
e que é a base das interações sociais.

d) É a parte ou o aspecto da vida coletiva relacionados à


produção e transmissão de conhecimentos, à criação
intelectual e artística, por exemplo.

e) É o processo ou estado de desenvolvimento social de


um grupo, um povo, uma nação que resulta do apri-
moramento de seus valores, instituições e criações.

2) Assinale a alternativa incorreta. Para entendermos a crise


de identidade do sujeito contemporâneo é preciso, primei-
ramente, entendermos o próprio conceito de IDENTIDA-
DE, que:
Capítulo 4    Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais ...    95

a) Como “conceito sociológico”, que é, trata-se de uma


ferramenta para a compreensão científica de um de-
terminado fenômeno social.

b) Esse conceito define a forma como indivíduos e coleti-


vidades se veem ou são percebidas socialmente.

c) Como é construído socialmente, rompe-se e modifica-


-se de acordo com o ritmo de mudanças sociais e,
sobretudo, pela capacidade das pessoas interagirem,
relacionarem-se entre si.

d) Trata-se de uma visão sobre si mesmo estritamente


pessoal e individual, que em nada tem a ver com a
forma como as pessoas e a sociedade definem esse
indivíduo.

e) É um elemento importante no que diz respeito à coe-


são, integração e estabilização de uma sociedade.

3) Quanto à crise das identidades na contemporaneidade é


correto afirmar que:

a) “As velhas identidades, que por tanto tempo estabiliza-


ram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir
novas identidades e fragmentando o indivíduo moder-
no, até aqui visto como um sujeito unificado.”

b) A “crise de identidade” individual e coletiva tem origem


no impacto das mudanças decorrentes do processo de
globalização em curso, que estaria “deslocando estru-
turas e processos centrais das sociedades modernas e
96   Sociedade e Contemporaneidade

abalando os quadros de referência que forneciam aos


indivíduos uma ancoragem estável no mundo social.

c) É fruto do processo de globalização em todas as suas


dimensões, pois ao colocar todos os sujeitos em rela-
ção, as tecnologias deslocam sentidos pré-estabeleci-
dos e rompem com tradições culturais, gerando incer-
tezas e desestabilizações aos sujeitos.

d) Ocorre em função do impacto das tecnologias que


complexificam a sociedade e impõem nova velocida-
de aos fenômenos. Esta velocidade não consegue ser
acompanhada pela assimilação dessas mudanças na
forma de valores fixos e duráveis.

e) Todas as alternativas acima estão corretas.

4) Stuart Hall nos mostra, em seu estudo, que a maneira


como a condição de sujeito social é percebida na socie-
dade moderna evoluiu com o passar do tempo. Quanto a
isso está correto afirmar que:

a) O autor aponta para três tipos de sujeitos definidos ao


longo da história: sujeito do iluminismo, sujeito socio-
lógico e sujeito pós-moderno.

b) O conceito de sujeito do iluminismo partia de uma


concepção de indivíduo autocentrado, segundo a
qual a pessoa humana seria unidimensional, racional
e consciente de suas ações, orientadas a partir de um
núcleo que emergia de seu interior a partir do nasci-
mento, e desenvolvia-se ao longo de sua vida, perma-
necendo, em essência, inalterada.
Capítulo 4    Jogo de Espelhos: A Crise das Identidades Sociais ...    97

c) O sujeito sociológico partia da compreensão de que a


identidade dos sujeitos sociais decorre de um processo
de construção interativa da personalidade dos indiví-
duos e, reflete a complexidade do mundo moderno
emergente à época.

d) O sujeito da sociedade pós-moderna é compreendido


como alguém que não tem identidade fixa, nem essên-
cia una, estável e imutável. É composto de múltiplas
identidades fragmentadas, por vezes até contraditórias
ou mesmo não completamente autodefinidas pelo in-
divíduo.

e) Todas as alternativas acima estão corretas.

5) Quanto ao conceito de IDENTIDADE NACIONAL é cor-


reto afirmar que:

a) O Estado-nação, juridicamente definido como unida-


de constituída pelo agregado povo-território-governo,
é resultado de uma construção histórica e cultural re-
sultante do processo de transição da sociedade feudal
para a sociedade urbano-industrial.

b) No mundo moderno é o conjunto de elementos que


compõe a forma como determinadas sociedades na-
cionais se diferenciam das demais, assim, os indiví-
duos tendem a definir-se e a apresentar-se perante o
mundo que os cerca, a partir de sua identidade nacio-
nal percebida como parte imanente de suas naturezas
essenciais e como elemento estabilizador de seu psi-
quismo individual e social.
98   Sociedade e Contemporaneidade

c) As identidades culturais nacionais são construções so-


ciais modernas e os sentimentos de “lealdade e iden-
tificação que numa era pré-moderna ou em socie-
dades mais tradicionais eram dados à tribo, ao povo,
à religião e à região (grifo nosso), foram transferidas,
gradualmente, à cultura nacional”.

d) Das transformações em curso na sociedade contem-


porânea, a globalização, entendida como processo
multidimensional, estaria pressionando as estruturas
do estado moderno e provocando seu redimensiona-
mento tanto no sentido vertical (político, jurídico, ins-
titucional e administrativo) como horizontal (geográfi-
co), o que estaria provocando mudanças que explicam
boa parte das crises sociais contemporâneas.

e) Todas as alternativas acima estão corretas.


Julieta Beatriz Ramos Desaulniers1
Honor de Almeida Neto2

Capítulo 5

Educação na era
Digital12

1  Graduada em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Unisinos (1973). Mes-


tre em Sociologia pela UFRGS (1984) e Doutora em Ciências Humanas – Educação,
pela UFRGS e Sorbonne/Paris. Integra o Banco de Avaliadores (BASis), vinculado
ao (INEP/SINAES), atuando como Avaliadora de IES. Tem interesse pelo aprimora-
mento e/ou implantação de práticas e iniciativas voltadas à gestão estratégica de
competências & formação de individualidades e suas articulações com tecnologias
de informação e comunicação (TICs), tecnologias relacionais (TRs), inteligência co-
letiva, responsabilidade social e sustentabilidade.
2  Doutor em Serviço Social pela PUCRS (2004), Mestre (1999) e Graduado em
Ciências Sociais pela mesma Universidade (1995). Coordenador do curso CST
em Gestão Pública na modalidade EAD e do curso de Ciência Política da ULBRA
Canoas. Integra o grupo de pesquisa Sociedade Informacional, Individualidades,
Políticas Sociais da ULBRA. Pesquisador com experiência na área das Ciências Hu-
manas e Sociais com ênfase na análise de processos de formação da Criança e do
Adolescente e do impacto das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação
(NTIC) na qualidade das relações humanas e sociais.
100   Sociedade e Contemporaneidade

Introdução

As tecnologias digitais têm apresentado uma intensa evolução,


desde o surgimento da microinformática, do computador pes-
soal (PC), até o presente, a era da hiperconexão planetária,
possibilitada pela internet e os dispositivos móveis de comu-
nicação. Seremos profundamente diferentes daqui a alguns
anos, considerando as transformações que vêm ocorrendo em
nosso comportamento, produzidas por tais mediações. Nossa
mobilidade física e informacional aumenta a cada dia. Redes
sociais conectam a todos, mídias de massa perdem espaço
para internet, pessoas ficam viciadas em tecnologia e games,
crianças aprendem a ler em tablets e músicos ficam famosos
sem o intermédio de gravadoras.

Estamos chegando, efetivamente, na condição cyborg –


organismo cibernético formado por natureza e artifício –, em
que o corpo funde-se com objetos da técnica, tornando-se,
portanto, um híbrido. Há vários exemplos de cyborgs. Dentre
os denominados cyborgs protéticos, há os mais radicais, tais
como o famoso físico inglês Stephen Hawking, que vive numa
cadeira de rodas motorizada e sua voz é gerada por circuitos
digitais. E o cyber-artista australiano Sterlac, que utiliza o cor-
po como palco para experiências, transformando-o em uma
espécie de novo corpo; metade carne, metade ciberespaço.

A maioria dos casos é menos evidente, mas um olhar mais


atento denuncia a sua condição cyborg. Como exemplo, te-
mos as pessoas que utilizam próteses em seus corpos: silico-
nes, dentes postiços, marca-passos, lentes e outros artifícios
Capítulo 5   Educação na era Digital   101

em que se associa o biológico ao tecnológico, natureza e arti-


fícial (LEMOS, 2008).

É incontornável, de acordo com estudiosos, que esse pro-


cesso remodela em ritmo acelerado, os fundamentos materiais
da sociedade (CASTELLS, 1998). E, ao longo de toda a evolu-
ção da espécie humana, no decorrer da História, nunca houve
mutações tão profundas e rápidas (ASSMANN, 1998). Nesse
sentido, é oportuno assinalar que, como afirma Lévy:

[...] se medirmos simultaneamente o surgimento de uma


nova temporalidade, o salto para dentro da acumula-
ção e processamento das informações, a reformulação
dos saberes e do saber-fazer, a mudança dos hábitos,
da sensibilidade e da inteligência, e, por fim, a univer-
salidade envolvida pela cultura informática, então não
parece absurdo fazer a comparação com a passagem
da pré-história. Estamos entrando na era pós-história.
Uma forma cultural inédita está emergindo da indefinida
recursão de um tipo novo de comunicação e processa-
mento simbólico (LÉVY, 1998, p. 37).

É sabido que “cada ser, principalmente o vivo, para existir,


para viver, tem que se flexibilizar, adaptar-se, reestruturar-se,
interagir, criar e coevoluir. Tem que se fazer um ser aprenden-
te. Caso contrário, morre” (ASSMANN, 1998). Essas são as
condições vitais a todo ser humano e, por extensão, às or-
ganizações em que ele atua. É, igualmente, o caso daquelas
entidades e/ou iniciativas que se dedicam e estão inseridas no
campo educativo.
102   Sociedade e Contemporaneidade

5.1 Era digital: pressupostos e


possibilidades

Digital, digitalidade, vida digital etc. Tais fenômenos são de-


sencadeados por uma revolução tecnológica e cultural sem
precedentes, a partir da transformação de átomos em bits
(NEGROPONTE, 1996). A codificação digital envolve o cará-
ter plástico, fluido, hipertextual, interativo e tratável em tempo
real do conteúdo da mensagem. Transitar do ambiente ana-
lógico para o digital permitiu a criação e estruturação de ele-
mentos de informação, simulações e formatações evolutivas
para os ambientes on-line de informação e comunicação que
permitem criar, gerir, organizar, fazer movimentar uma docu-
mentação completa com base em textos, imagens e sons.

É importante salientar que digital significa:

[...] uma nova materialidade das imagens, sons e textos


que, na memória do computador, são definidos matema-
ticamente e processados por algoritmos, que são conjun-
tos de comandos com disposição para múltiplas formata-
ções - intervenções - navegações operacionalizadas pelo
computador. Uma vez que a imagem, o som e o texto,
em sua formas digitais, não têm existência material, po-
dem ser entendidos como campos de possibilidades para
a autoria dos interagentes. Isto é, por não terem ma-
terialidade fixa, podem ser manipulados infinitamente,
dependendo apenas de decisões que cada interagente
toma ao lidar com seus periféricos de interação como
mouse, tela tátil, joystick, teclado (SILVA, 2010, p. 210).
Capítulo 5   Educação na era Digital   103

Esse intenso processo de mudanças na contemporanei-


dade, que envolve o indivíduo como o principal protagonista
das práticas sociais e, por consequência, das práticas peda-
gógicas em seu conjunto, conta com um poderoso vetor – as
novas tecnologias da informação e da comunicação (NTIC).
São mediações que se caracterizam pelo ritmo acelerado ao
produzirem as relações sociais, nas quais se formam as indi-
vidualidades, bem como pela sua velocidade na implantação
desses processos estimulando a inovação.

Nesse contexto, rompe-se com o paradigma que se susten-


ta na especialização associado à visão linear e fragmentada,
passando a predominar a perspectiva da complexidade, que
se apoia em princípios vinculados à digitalidade. E, assim, os
processos educativos dispõem de um conjunto de possíveis
para se constituírem como “emergentes, abertos, contínuos,
em fluxos, não lineares, que podem se reorganizar conforme
os objetivos ou contextos, onde cada um ocupa uma posição
singular e evolutiva”. (LÉVY, 1998, p. 1 e 2)

Conforme Lévy, é o advento do ciberespaço que:

[...] dissolve a pragmática da comunicação que, desde


a invenção da escrita, havia reunido o universal e a to-
talidade. Ele nos leva, de fato, à situação existente antes
da escrita – mas em outra escala e em outra órbita –, na
medida em que a interconexão e o dinamismo, em tem-
po real, das memórias on-line tornam novamente possí-
vel para os parceiros da comunicação, compartilhar o
mesmo contexto, o mesmo imenso hipertexto vivo (LÉVY,
1998, p. 118).
104   Sociedade e Contemporaneidade

Assim, esse contexto compartilhado é um imenso hipertex-


to, mas, o leitor mantém sua autonomia, desde o ponto em
que ele entra no hipertexto tomando uma decisão em meio a
muitas opções. Como o hipertexto não é lido sequencialmen-
te, é possível construir vínculos automáticos entre diferentes
partes do texto e realizar anotações de diferentes tipos. Com a
digitalização do texto, ele pode ser composto também por sons
e imagens animadas, além de ser estruturado em rede. Como
diz Levy: “O hipertexto digital seria, portanto, definido como
uma coleção de informações multimodais disposta em rede
para a navegação rápida e intuitiva” (LÉVY, 1996).

Dessa forma, só é possível alguma compreensão se o


leitor entrar no mundo do autor (através do hipertexto) e re-
criar, mental e emocionalmente, os sentidos dispostos através
das informações, imagens, sons. Mas, ao mesmo tempo, ele
reescreve o texto, já que tece uma teia diferente da original,
ligando pontos remotos a partir da sua experiência com texto
e, percorrendo de uma forma diferente, estabelece uma com-
preensão única.

Em outros termos, no ciberespaço ou no hipertexto mundial


interativo, cada um pode adicionar, retirar e modificar partes
da estrutura telemática, como um texto vivo, constituindo um
organismo auto-organizante. É, igualmente, um ambiente que
tende a promover competências múltiplas, reforçá-las e/ou até
substituí-las, assim como gerar laços comunitários e instaurar
a inteligência coletiva (LEMOS, 2002).

Por isso, Lévy afirma que “toda e qualquer reflexão séria


sobre o devir dos sistemas educativos na cibercultura, que se
Capítulo 5   Educação na era Digital   105

fundamentam nas NTIC, prescindem de uma análise prévia


sobre a mutação contemporânea da relação com o saber”.
Assinala que, “pela primeira vez na história da humanidade,
a maioria das competências adquiridas por uma pessoa no
começo do seu percurso profissional serão obsoletas no fim
de sua carreira”. Como o conhecimento não para de crescer,
“trabalhar equivale cada vez mais a aprender, transmitir sabe-
res e produzir conhecimentos”. O trabalho não possui mais a
conotação de gerar bens duráveis, embora ao gerá-los, eles
são decorrência natural da produção de conhecimento (LÉVY,
1998, p. 1-2).

É o que Bauman também diz, quando se refere à sociedade


líquido-moderna, onde “as realizações individuais não podem
se solidificar em posses permanentes porque, em um piscar de
olhos, os ativos transformam-se em passivos, e as capacidades
em incapacidades. E ainda refere o autor que “as condições
de ação e as estratégias de reação envelhecem rapidamente e
se tornam obsoletas antes de os atores terem uma chance de
aprendê-las efetivamente” (BAUMAN, 2007, p. 7).

Destaca-se que as NTIC, na condição de mediações que


distinguem a sociedade informacional, como toda mediação,
vêm despertando sentimentos (e mesmo práticas) paradoxais
no cotidiano dos indivíduos. Em outros termos, a nova era dis-
põe ao mesmo tempo de possibilidades inéditas, tanto para
um novo salto à hominização quanto para provocar depen-
dência e liberdade, violência e autonomia, medo e segurança.
Isso vai depender do tipo de decisões de quem for utilizá-las
(ASSMANN, 2002; MATURANA, 2000; LÉVY, 2001).
106   Sociedade e Contemporaneidade

5.2 Sistema educativo e novas mediações

Experimentamos, atualmente, um salto qualitativo em relação


ao tipo de comunicação de massa que prevaleceu até o final
do século XX. Verifica-se um deslocamento da lógica unívo-
ca da mídia de massa, pautada na recepção passiva, para o
modo de comunicação interativa. Afinal, vivemos a cada dia
mais intensamente o predomínio da modalidade comunicacio-
nal que caracteriza a cibercultura fundamentada na interativi-
dade, que se distingue por uma comunicação entendida como
cocriação da mensagem, produto de emissão e recepção (SIL-
VA, 2010, p. 262-263).

Em outros termos, os sistemas educativos nessa era da ci-


bercultura são desafiados a se engajarem na dinâmica comu-
nicacional, entendida como colaboração todos-todos e como
faça você mesmo operativo. Nessa lógica, a mensagem não é
mais emitida, não é mais um mundo fechado, paralisado, imu-
tável, intocável, sagrado, é um mundo aberto em rede, modifi-
cável na medida em que responde às solicitações daquele que
a consulta. O receptor, agora, é convidado à livre criação, e a
mensagem ganha sentido sob sua intervenção.

Nesse contexto, a interatividade manifesta-se em práticas,


tais como: e-mails, listas, blogs, videologs, jornalismo on-line,
Wikipédia, YouTube, MSN Messenger, Orkut, chats, MP3, Fa-
cebook e novos empreendimentos que aglutinam grupos de
interesse como cibercidades, games, softwares livres, ciberati-
vismo, webarte, música eletrônica etc. No ciberespaço, cada
sujeito pode adicionar, retirar e modificar conteúdos dessa
estrutura; pode disparar informações e não somente receber,
Capítulo 5   Educação na era Digital   107

uma vez que o polo da emissão está liberado; pode alimentar


laços comunitários de troca de competências, de coletivização
dos saberes, de construção colaborativa de conhecimento e de
sociabilidade (LEMOS, 2002).

Obviamente, o computador on-line não é um meio de


transmissão de informação como a televisão, mas um espaço
de adentramento e manipulação em janelas móveis, plásticas
e abertas a múltiplas conexões entre conteúdos e interagentes
geograficamente dispersos. Para além das interferências, ma-
nipulações e modificações nos conteúdos presentes na tela do
computador off-line, os interagentes podem interagir realizan-
do compartilhamentos e encontros de colaboração síncronos
e assíncronos (SILVA, 2010, p. 269).

Por isso, a aprendizagem digital e on-line é exigência da


cibercultura, isto é, do novo ambiente comunicacional que
surge com a interconexão mundial de computadores em forte
expansão no início do século XXI; novo espaço de comunica-
ção, de sociabilidade, de organização, de informação, de co-
nhecimento e de educação. A aprendizagem digital e on-line
é demanda do novo contexto socioeconômico-tecnológico
engendrado a partir do início da década de 1980, cuja ca-
racterística geral não está mais na centralidade da produção
fabril ou da mídia de massa, mas na informação digitalizada
em rede como nova infraestrutura básica, como novo modo
de produção.

Devido às profundas transformações instauradas nos meios


de comunicação, informação e transmissão (NTIC), fundadas
nos códigos da digitalidade, novas demandas se impõem a
108   Sociedade e Contemporaneidade

toda organização, em especial à organização escolar, que tem


no fazer pedagógico o processo de produção que lhe distingue
como campo educativo frente aos demais campos que consti-
tuem o espaço social. Nessa perspectiva, são inúmeras as me-
diações disponíveis para incrementar os processos educativos,
comentados a seguir.

ÂÂInternet

A internet configura-se como a mídia de convergência, ofe-


recendo recursos fundamentais para a aplicação de estraté-
gias de comunicação, em que emissor e receptor deixam de
ser compreendidos como polos estáticos e hibridizam-se em
suas funções. Como um sistema essencialmente aberto, a web
(World Wide Web – www) possibilita a busca de informações
em toda a rede, num fluxo constante, aumentando a força
de uma comunicação interativa, individualizada e, ao mesmo
tempo, coletiva. Saad (2003) acredita que os diferenciais da
World Wide Web são: interatividade, conectividade, flexibili-
dade, formação de comunidades e arquitetura informacional.

Essa grande rede composta por vários sistemas – a web –,


caracteriza-se por um conjunto de servidores que suportam do-
cumentos formatados em linguagem HTML (HyperText Markup
Language). Suportam links para outros documentos, gráficos,
áudio e arquivos de vídeo. Possibilita ao usuário “passar de um
documento para outro simplesmente clicando em links”. Ou-
tros servidores da internet não fazem parte da World Wide Web
e, dentre os mais populares, destacam-se o Netscape Navi-
gator e o Microsoft Internet Explorer (STASIAK & BARICHELLO,
2010, p. 18).
Capítulo 5   Educação na era Digital   109

Vale considerar os avanços significativos nas gerações da


web. A atual, web 3.0, apresenta um sistema que inclui desde
redes sociais, serviços empresariais on-line até sistemas GPS e
televisão móvel, assim como etiquetas inteligentes, que permi-
tem lidar com a informação de forma mais acessível. Cientistas
destacam como principal característica da web 3.0 a questão
da convivência on-line, como acontece com os avatares em
jogos virtuais, por exemplo (STASIAK & BARICHELLO, 2010,
p. 19).

Indiscutivelmente, a web torna-se cada vez mais uma rea-


lidade em nossas vidas. O aumento do número de usuários
é constante. De acordo com pesquisa do Ibope, em parceria
com a Nielsen Online, no primeiro trimestre de 2012, o núme-
ro de pessoas com acesso à internet no Brasil chegou a 82,4
milhões.

5.3 Impacto das novas mediações ao


campo educativo

Investigações têm demonstrado o enorme potencial cognitivo


das novas tecnologias, destacando as possibilidades de desen-
volvimento de competências bastante sofisticadas (metacogni-
tivas, afetivas, sociais etc.), desde que o contexto humano lhes
sejam favoráveis. Aliás, tal contexto “[...] é essencial, pois de-
pendem de sua qualidade e pertinência, os benefícios que se
pode obter de um ambiente informatizado”. Vale também ob-
servar que “[...] uma mesma tecnologia resultará em efeitos
110   Sociedade e Contemporaneidade

cognitivos diversos, dependendo do contexto humano em que


for utilizado” (DEPOVER, KARSENTI, KOMIS, 2007, p. 4).

De acordo com Silva, processos educativos na era digital


dispõem da “infotecnologia em rede, favorável à proposição
do conhecimento à maneira do hipertexto” em que não há
mais a prevalência da distribuição de informação para recep-
ção solitária e em massa. Computadores, laptops, celulares,
palmtops, tablets, iPhones conectados em rede mundial favo-
recem e intensificam a mediação, instaurando uma produção
complexa do conhecimento, com participação colaborativa
dos participantes envolvidos na aprendizagem, em redes que
conectam textos, áudios, vídeos, gráficos e imagens em links
na tela tátil (SILVA, 2005).

É fundamental perceber a nova ambiência comunicacio-


nal, que emerge com a cibercultura, e as possibilidades de
interatividade e de criação coletiva nela disponíveis ao mundo
educativo. Isso supõe colocar-se “a par da atualidade socio-
técnica informacional e comunicacional definida pela codifica-
ção digital (bits), a digitalização que garante o caráter plástico,
hipertextual, interativo e tratável do conteúdo”, em tempo real.
Desse modo, processos educativos passam a contemplar “ati-
tudes cognitivas e modos de pensamento” em sintonia com a
contemporaneidade. Ou seja, contempla o novo espectador,
a geração digital e, consequentemente, a qualidade em edu-
cação efetiva, que supõe participação, compartilhamento e
colaboração (SILVA, 2005).
Capítulo 5   Educação na era Digital   111

5.3.1 Geração Internet


Há uma geração denominada de digital ou geração internet,
que se constitui a partir do deslocamento da tela da TV (de
massa) para a tela do computador on-line, passando a reque-
rer novas disposições comunicacionais do conjunto de agentes
que atuam no âmbito do sistema educativo. Perfil e caracte-
rísticas dessa geração foram detalhados em obra publicada
por Tapscott, onde destaca suas posturas quanto a: liberdade;
integridade; colaboração; entretenimento; velocidade; inova-
ção (TAPSCOTT, 1999, p. 92). Nesse sentido, constam abaixo
algumas afirmações por ele emitidas em A hora da geração
digital:

– [...] Eles estão buscando liberdade [...] (p. 93); [...]
insistem na liberdade de escolha. Trata-se de uma ca-
racterística básica da mídia que consomem (p. 95);

– [...] usam a tecnologia para fugir do escritório e do


expediente tradicionais; e que integram a vida domés-
tica e social à vida profissional [...] vejo sinais de uma
tendência geracional (p. 93);

– Eles preferem um horário flexível e uma remuneração


baseada em seu desempenho e valor de mercado – e
não no tempo em que ficam no escritório (p. 93);

– [...] Eles parecem ter uma forte consciência do mundo


à sua volta e querem saber mais sobre o que está acon-
tecendo (p. 99);

– A geração Internet se importa com a integridade [...];


[...] e esperam que as outras pessoas também tenham
112   Sociedade e Contemporaneidade

integridade (p. 105), que significa, sobretudo, dizer a


verdade e cumprir seus compromissos (p. 106);

– [...] são colaboradores naturais em todas as esferas da


vida (p. 112);

– Essa é a geração do relacionamento (p. 110);

– Por terem crescido em um ambiente digital, eles con-


tam com a velocidade. Estão acostumados a respostas
instantâneas, 24 horas por dia, sete dias por semana (p.
115);

– Essa geração foi criada em uma cultura de invenção.


A inovação acontece em tempo real (p. 117).

A dinâmica que vem possibilitando a construção de uma


geração digital, a qual se distingue radicalmente das gerações
de todos os tempos, até aqui, desencadeia também transfor-
mações na educação. De acordo com Tapscott, a geração in-
ternet “[...] tem na ponta dos dedos, acesso a boa parte do
conhecimento do mundo. Para eles, o aprendizado deve acon-
tecer onde e quando quiserem” (TAPSCOTT, 1999, p. 95-96).
Neste sentido também rompe-se com a educação tradicional
pois:

[...] ir a uma aula expositiva de um professor medíocre


em um lugar e horário específicos, em uma sala na qual
eles são receptores passivos, parece estranhamente an-
tiquado, ou até totalmente inapropriado. O mesmo vale
para a política. Será que um modelo de democracia que
oferece apenas duas opções e os obriga a ouvir duran-
te quatro anos, entre uma eleição e outra, políticos que
Capítulo 5   Educação na era Digital   113

repetem infinitamente os mesmos discursos vai realmente


satisfazer as suas necessidades? (TAPSCOTT, 1999, p.
95-96).

Por fim, parece mesmo que a educação necessita reinven-


tar-se para dar conta dos anseios e demandas de formação da
geração digital.

NOTAS
- Parte de nosso mundo se tornou ciberpunk:

(http://www.momentumsaga.com/2012/09/o-que-e-cy-
berpunk.html /).

- O termo cyberpunk aparece para designar um movimento


literário no gênero da ficção científica, nos Estados Unidos,
unindo altas tecnologias e caos urbano, sendo considerado
como uma narrativa tipicamente pós-moderna. O termo pas-
sou a ser usado também para designar os ciber-rebeldes, o
underground da informática, com os hackers, crackers, cyber-
punks, ctakus, zippies. Esses seriam os cyberpunks reais. As-
sim, o termo cyberpunk é, ao mesmo tempo, emblema de uma
corrente da ficção científica e marca dos personagens do sub-
mundo da informática.

(http://www.academia.edu/1771479/Ficcao_cientifica_
cyberpunk_o_imaginario_da_cibercultura).
114   Sociedade e Contemporaneidade

Recapitulando

O capítulo aponta para o impacto da tecnologia na forma


como indivíduos e sociedades sabem e aprendem. Ser apren-
dente é condição para pessoas e organizações sobreviverem e
é característica da sociedade pós-moderna. Nunca na história
humana as mutações se deram em ritmo tão veloz, e nós, se-
res humanos seremos muito diferentes daqui a alguns anos,
pois estamos nos tornando cyborgs (o corpo mais a técnica).
Estamos diante de um novo tipo de processamento simbólico
associado à nova natureza das técnicas. Teremos de ser cada
vez mais aprendentes, caso contrário ”morreremos”. Flexibili-
dade, adaptação e reestruturação são características do nosso
tempo, das tecnologias e são demandas para os seres vivos
humanos. O ciberespaço ou hipertexto mundial interativo é
como um organismo vivo e auto-organizante e por isso, toda
a discussão sobre educação que pretenda ser minimamente
séria deve fundar-se nas novas tecnologias.

Trabalhar significa, hoje, aprender saberes e produzir co-


nhecimentos. Pela primeira vez na história, as competências
adquiridas no começo de uma carreira profissional tornar-se-
-ão obsoletas no seu final. O vetor das novas práticas pedagó-
gicas são as novas tecnologias de informação e comunicação.
Trata-se de um novo paradigma, da complexidade e não mais
da especialização associada a uma visão linear e fragmenta-
da. O ciberespaço ou hipertexto mundial interativo, compar-
tilhado por todos via internet, é produzido por todos que com
ele interagem, onde cada um pode adicionar, retirar partes
constituindo um organismo auto-organizante. A nova era traz
Capítulo 5   Educação na era Digital   115

inúmeras e inéditas possibilidades (hominização, dependên-


cia e liberdade, violência e autonomia, medo e segurança).
Trata-se de uma nova ambiência comunicacional com intera-
tividade e criação coletivas, que cria e recria novos modos de
pensamento que aumentam as distâncias entre as gerações,
pois as novas gerações têm na ponta dos dedos o acesso a
boa parte do conhecimento do mundo, sem limites de tempo
e espaço.

Referências

ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação. Rio de Janeiro:


Vozes, 1998.

BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Rio de Janeiro: Zahar,


2007.

______. Comunidade: a busca por segurança no mundo


atual. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

CASTELLS, M. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra,


2005.

DEPOVER, Christian; KARSENTI, Thierry; KOMIS, Vassilis. En-


seigner avec les tecnologies – favoriser les apprentis-
sages, developper des competences. Quebec: Presses de
Univ. du Québec, 2007.

HALL, S. Identidade cultural na pós-modernidade. Rio de


Janeiro: DP&A, 2000.
116   Sociedade e Contemporaneidade

LEMOS, A. Cultura das redes: ciberensaios para o século XXI.


Salvador: EDUFBA, 2002.

NEGROPONTE, N. A vida digital. São Paulo: Companhia


das Letras, 1996.

TAPSCOTT, Don. A hora da geração digital. Rio de Janeiro:


Agir Neg, 1999.

Referências Digitais

SILVA, Marco. Educação na cibercultura: o desafio comuni-


cacional do professor presencial e on-line. In Revista da FA-
EEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v.12,
n.20, p. 261-271, jul./dez., 2003. Disponível em: <http://
www.uneb.br/revistadafaeeba/files/2011/05/numero20.
pdf)>.

______. O desafio comunicacional da cibercultura à edu-


cação via internet. In: STASIAK, Daiana; BARICHELLO,
Eugenia M. da R. Estratégias comunicacionais em portais
institucionais: apontamentos sobre as práticas de relações
públicas na internet brasileira. In: STASIAK, Daiana; SAN-
TI, Vilso Junior (orgs.). Estratégias e identidades midiáticas:
matizes da comunicação contemporânea. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2011. Disponível em <http://www.pucrs.br/
orgaos>.

Site com glossário. Disponível em <http://www.paraenten-


der.com/internet/rede-social>.

TRIVINHO, Eugênio; DOS REIS, Angela Pintor; Equipe do Cen-


cib/PUCSP. A cibercultura em transformação: poder, li-
Capítulo 5   Educação na era Digital   117

berdade e sociabilidade em tempos de compartilhamento,


nomadismo e mutação de direitos. São Paulo: ABCiber;
Instituto Itaú Cultural, 2010. Disponível em <http://www.
abciber.org/publicacoes/livro2>.

Atividades

1) Qual é o principal vetor para entendermos o novo papel


da educação e as novas formas de aprender na contem-
poraneidade?

a) O papel central do professor e sua capacidade de


transmitir conhecimentos e habilidades.

b) A escola e a universidade, casa por natureza do saber.

c) As novas tecnologias de informação e comunicação


que permitem um conhecimento autônomo e um saber
ilimitado e interativo.

d) A demanda por um saber especializado e linear que


identifique causas e efeitos nos fenômenos educacio-
nais.

e) O papel central dos governos e o investimento em


educação, sobretudo educação de massa.

2) São aspectos relacionados às novas formas de aprender e


produzir conhecimentos nesta nossa era digital:

a) O fato de que hoje nos tornamos cyborgs (parte ho-


mens parte máquinas).
118   Sociedade e Contemporaneidade

b) O ritmo intenso e a nova velocidade dos fenômenos


que demandam ao homem flexibilidade, capacidade
de readaptação e aprendizado constante.

c) Autonomia e conhecimento disseminados e acessíveis


e modificáveis em tempo real.

d) O fato de sermos mais autônomos para produzirmos e


compartilharmos conhecimentos e novos saberes.

e) Todas as alternativas estão corretas.

3) Assinale verdadeiro (V) ou falso (F).

( ) Para sobreviverem nesses novos tempos seres huma-


nos e organizações (quaisquer que sejam) precisam
tornar-se aprendentes.

(  ) Nunca antes na história da humanidade passamos por


mutações tão profundas e rápidas.

(  ) As tecnologias determinam por si só os rumos da his-


tória, estamos, portanto, diante de um novo determi-
nismo tecnológico que tende a trazer liberdade, auto-
nomia e segurança.

(  ) A cibercultura tem na interatividade e na capacidade


de cocriação de mensagens uma de suas característi-
cas principais.

(  ) As formas de ação e as estratégias de reação na socie-


dade líquida-moderna tornam-se obsoletas antes mes-
mo dos atores sociais terem chances de aprendê-las.
Capítulo 5   Educação na era Digital   119

4) Assinale as alternativas abaixo que não se constituem em


características da Geração Digital ou Geração Internet se-
gundo Tapscott:

a) Liberdade;

b) Integridade;

c) Colaboração;

d) Velocidade;

e) Resistência à inovação.

5) Assinale qual alternativa não está de acordo com a forma


como a geração internet relaciona-se com as tecnologias:

( ) Insiste na liberdade de escolha, característica básica


da mídia que consome.

(  ) Prefere trabalhar em casa em horário flexível, seu es-


critório pode ser o seu próprio telefone celular.

(  ) Quanto à remuneração de seu trabalho opta por re-


ceber por produto/tarefa e não pelo tempo gasto para
executá-las.

(  ) Tem consciência do mundo a sua volta, não é em nada


alienada.

(  ) Tem restrição à colaboração de qualquer tipo em fun-


ção de ser extremamente competitiva.
Deivison Moacir Cezar de Campos1

Capítulo 6

Fronteiras da Tolerância:
Etnicidade, Gênero e
Religião 1

Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...

1 Doutor em Ciências da Comunicação. Mestre em História Social. Jornalista.


Coordenador do Bacharelado em Jornalismo e do Núcleo de Estudos Afro-brasi-
leiro e Indígena da Ulbra.
Capítulo 6    Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...    121

Introdução

O último século é determinante para se pensar na questão


da tolerância. Se por um lado, ocorre neste período a des-
naturalização discursiva e social da diferença, principalmente,
étnico-racial, registrou episódios em que a intolerância foi so-
cialmente acolhida e, mesmo prevista, é regulada em lei, pro-
movendo um rastro de desigualdade, perseguição e violência.
O imperialismo Europeu, os regimes fascistas, a Guerra Fria e
o atual conflito cultural, que têm como marca o 11 de setem-
bro, podem ser considerados não somente episódios tópicos,
mas a manifestação de um sistema mundo, que articula o po-
der a partir da ideia de opressão da diferença. No cotidiano,
essas relações de poder marcam igualmente as dinâmicas so-
ciais, fazendo com que essa lógica igualmente esteja na base
das interações pessoais. Desta forma, preconceitos herdados
de períodos anteriores e aprofundados neste período histórico
mediam as vivências cotidianas e são negados sob discursos
de igualdade e universalidade.

O processo de expansão do domínio da Europa, a par-


tir das navegações e das ocupações territoriais, denominadas
equivocadamente como descobrimentos, demandou a cons-
trução de discursos que sustentassem a exploração desses ter-
ritórios e de outros. Suportado pelo discurso evangelizador,
construiu-se o entendimento de que as outras civilizações eram
inferiores à Europeia e por isso poderiam e deveriam ser sub-
metidas aos colonizadores. Consequentemente, há uma nega-
ção dessas outras culturas e mesmo dos indivíduos diferentes.
Neste processo, os indígenas americanos são considerados
122   Sociedade e Contemporaneidade

seres naturais e os africanos tidos como sem alma, ou seja,


inumanos, inaugurando um imaginário que será aprofundado
durante o período de exploração escravista dessas populações
e depois mantido através do racismo simbólico, estereótipos
negativos e concreto, barreiras sociais que mantêm em sua
maioria os descendentes indígenas e de africanos à margem
social.

Esse imaginário ganhou estatuto de ciência no século XIX,


numa perspectiva evolucionista. A justificativa científica da su-
perioridade branca sobre as outras raças teve como represen-
tantes principais o inglês Robert Knox, que escreveu Races of
Men em 1850, e o francês Arthur de Gobineau, cujo texto Essai
sur l’inegalité dês Races humaines foi produzido em 1855). O
primeiro criou o mito racial saxão e o segundo, o mito ariano.
Defendiam que as raças ocupavam posições diferentes dentro
da natureza humana. Segundo Martiniano Silva:

Ambos os mitos tinham uma finalidade ideológica. Knox


defendendo a expansão do imperialismo procurava pro-
var que o homem saxão era democrata por natureza e,
por isso, o futuro dominador da terra. Gobineau, por ou-
tro lado, não gostava da democracia e procurou provar
que o seu surgimento e, conseqüentemente, o do impe-
rialismo, era um sinal da morte iminente da ‘civilização’
(1987, p. 29).

A preocupação surgiu, segundo Barracloug (1976), nas


colônias das potências imperialistas. Enquanto a população
branca da Europa mantinha índices decrescentes de natali-
dade, a população não branca no mundo apresentava altos
Capítulo 6    Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...    123

índices de crescimento. As medidas adotadas a partir dessas


concepções vão levar à constituição das desigualdades socio-
culturais e econômicas e produzir um rastro de violência du-
rante todo o século, seja pelo Imperialismo que perdurou até
os anos 1960 na Ásia e na África e manteve sistemas como o
Apartheid, ou pelas grandes Guerras, originadas pela disputa
territorial e da hegemonia política do Ocidente, que produzi-
ram o holocausto judeu.

Os avanços obtidos após o período de Guerra, principal-


mente através de documentos internacionais como a Declara-
ção Universal dos Direitos Humanos, não alcançaram a todas
as culturas discriminadas e identidades coletivas vítimas de
intolerância da mesma maneira. A proposição de universali-
dade, neste sentido, garante discursivamente a igualdade de
direitos e acesso à cidadania plena. Na prática, no entanto,
a intolerância às diferenças produz perseguições e impõe vio-
lências física e simbólica contra os grupos identificados como
diferentes. A questão da tolerância perpassa, portanto, a dis-
cussão sobre as identidades étnico-culturais onde estão guar-
dadas as diferenças.

6.1 A identidade étnica e a constituição


dos movimentos pela diferença

A identidade étnica refere-se a uma forma de pertencimento


coletivo que se caracteriza pela partilha de valores culturais e
que se identificam e são identificados a partir da diferença de
outros grupos étnicos. Desta maneira, a diferença estabele-
124   Sociedade e Contemporaneidade

cida pela relação entre “nós e eles” (BARTH, 1998), ao mes-


mo tempo que identifica essa forma de pertencimento, produz
as reações diversas que se materializam de forma negativa
como intolerância. Atualmente, a identificação com grupos so-
cialmente marginalizados tornou-se um ato político, mas por
muito tempo foi encoberta pelo silêncio e pela opressão. Mes-
mo marginalizados a tomada de posição vai coincidir com a
ampliação da esfera pública, num primeiro momento, com a
inserção da nova classe surgida com a Revolução Industrial –
os operários. O processo vai ser aprofundado com um novo
tensionamento da esfera pública e a entrada de novos atores
organizados quando o projeto da grande revolução se mostra
utópico.

Os movimentos contemporâneos, pela diferença, são mar-


cados em sua origem pelo rompimento com os partidos tradi-
cionais de esquerda - comunistas e socialistas, nos anos 1960.
Enquanto alguns dissidentes optaram pela justificativa teórica
da violência2, paralelamente ao recrudescimento da luta ar-
mada e da guerrilha em vários lugares do Terceiro Mundo3,
outros grupos optaram pela reivindicação de uma democracia
direta e participativa, politizando a “valorização do cotidiano,
do indivíduo, das relações pessoais, a valorização dos senti-
mentos e das emoções” (ARAÚJO, 2000, p. 43).

2  Hannah Arendt produziu um estudo referencial sobre a tendência de valorização


e justificação teórica da violência no período. Para mais detalhes, ler ARENDT, Han-
nah. Sobre a violência [1969]. Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1994.
3  São desse período as guerras de descolonização dos países africanos, a Revolu-
ção Cubana, Revolução Chinesa, Vietnã e países latino-americanos. Neste sentido,
surgem movimentos de minorias em países considerados desenvolvidos, como os
Panteras Negras, nos EUA, ou o Exército Republicano Irlandes, o IRA, na Inglaterra.
Capítulo 6    Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...    125

Até este período, as questões específicas convergiam para


a luta pela transformação global da sociedade, a grande Revo-
lução Socialista. A emergência das questões particulares leva
ao surgimento de novos sujeitos e à valorização da diferença
em detrimento da universalidade durante os anos 1970. O
movimento feminista foi referencial no processo de reconfigu-
ração política, alertando para a existência de uma identidade
feminina e formas de opressão a que somente as mulheres são
socialmente submetidas (ARAÚJO, 2000).

Tendo como contexto a revolução de costumes e padrões


de comportamento, movimentos alternativos constituídos por
grupos que enfatizam a diferença, construirão, a partir de de-
mandas específicas, propostas de democracia participativa,
confrontando a diluição e a burocratização promovidas pela
democracia representativa. Ao mesmo tempo, vão inserir no
campo político um novo conceito de esquerda e de represen-
tação política. Esses grupos propuseram como postulados a
recusa à representação unificadora, o direito à voz, à valoriza-
ção de especificidades de sua condição minoritária, além da
politização dos sentimentos e emoções. Desta maneira, pas-
saram a pensar o mundo, as interações e a política a partir
de demandas específicas (ARAÚJO, 2000), produzindo novas
formas de pertencimento.

Esses pertencimentos possibilitaram a construção de agen-


das políticas a fim de reivindicar as demandas por direitos e
cidadania de maneira específica, mas ao mesmo tempo arti-
culada. Em sentido contrário, o processo de Globalização re-
legou essas demandas a um segundo plano (BAUMAN, 2005;
SANTOS, 2000). Entendida como processo de internaciona-
126   Sociedade e Contemporaneidade

lização do Capital, a Globalização tem sido potencializada


pelas novas condições tecnológicas. A emergência de um mer-
cado global, em que empresas articulam os fluxos econômicos
e não há uma esfera real de regulação desse mercado, pro-
voca um estímulo ao consumo, que sobrepõe as questões de
pertencimento e principalmente as reivindicações de direito à
cidadania plena.

A ideia de identidade contemporânea, caracterizada pela


fluidez e pelo movimento, surge dessa crise do pertencimento
e do esforço em estabelecer a relação entre o que deve ser
e o que é (BAUMAN, 2005). As narrativas resultantes desse
processo de disputa através dos meios técnicos, principalmen-
te, as redes sociais, constroem “vínculos que conectam o eu
a outras pessoas e um pressuposto de que tais vínculos são
fidedignos e gozam de estabilidade com o passar do tempo”
(BAUMAN, 2005, p. 75). Com isso, produzem sentidos para
a relação entre identidade e diferença colocados em crise por
uma organização mundo, que busca incluir pelo consumo.

6.2 A Globalização e a crise do


pertencimento

As identidades étnico-culturais têm sido impactadas e redefini-


das na contemporaneidade pelo mercado (CANCLINI, 1998;
FURTADO, 1983). O principal elemento é a dicotomia existen-
te entre uma estrutura coordenada a partir de iniciativas nacio-
nais que contrapõe o fluxo econômico transnacional, ou seja,
a relação entre Estado e o capital internacional desterritoria-
Capítulo 6    Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...    127

lizado (FURTADO, 1983). Soros (2001) alerta, neste sentido,


que o sistema capitalista global não possui uma contrapartida
política, esvaziando os debates sobre os grandes temas. O
econômico passa a tornar-se central na vida das pessoas e os
tributos deslocam-se do capital para os consumidores, restrin-
gido a cidadania a lógicas de mercado.

No entanto, essa fluidez desse tempo e as formas de orga-


nização impostas pela Globalização fazem com que as pes-
soas tenham necessidade de identificação coletiva, transcen-
dendo em direção à liberdade e ao direito de ser (SANTOS,
2000). Igualmente, as demandas que se referiam exclusiva-
mente ao local agregam questões globais aumentado, dessa
forma, a importância dos movimentos sociais que buscam a
constituição de uma cidadania que não se restrinja a inclu-
são econômica. Por outro lado, as incertezas fazem com que
a intolerância seja aprofundada e manifestada em diferentes
aspectos do social. Segundo Martin-Barbero (2006, p. 63),
“Os nacionalismos, as xenofobias ou os fundamentalismos re-
ligiosos não se esgotam no cultural, pois eles remetem, em
períodos mais ou menos longos de sua história, a exclusões
sociais e políticas, a desigualdades e a injustiças acumuladas
e sedimentadas”.

O 11 de Setembro, como marco de início de novas rela-


ções no mercado globalizado, problematizou ainda mais essa
relação espacial, impactando diretamente nas concepções de
cidadania e pertencimento, introduzindo o fundamentalismo
da segurança que transformaram as relações de fronteiras e as
vias de comunicação (MATIN-BARBERO, 2006). A desconfian-
ça torna-se então método, a violação do direito à privacidade
128   Sociedade e Contemporaneidade

e à liberdade torna-se regra, desencadeando um agravamento


dos preconceitos, apartheid e fanatismos (2006). Com isso,
muitos dos avanços conquistados nas últimas décadas pelos
movimentos sociais, pautados pela Declaração dos Direitos
Humanos, sofreram um retrocesso.

No novo sistema mundo, o fechamento das fronteiras, ini-


ciado pelo 11 de setembro, pode ser usado como metáfora
para que se observe as fronteiras estabelecidas entre as dife-
rentes identidades nas relações cotidianas. Historicamente re-
primidos em suas diferenças, o corpo e as manifestações cultu-
rais que não atendem aos padrões normatizados pela cultura
Ocidental, ao mesmo tempo que não são tolerados, resistem a
partir de seu lugar identitário, essa mesma diferença pelo qual
são socialmente discriminados. Em relação ao corpo, a iden-
tidade étnico-racial negra e a identidade de gênero são ques-
tões centrais nesse processo de intolerância. No que se refere
às identidades culturais, as religiões são um âmbito em que há
pouca e por vezes nenhuma tolerância entre denominações.

6.3 Intolerância ao negro

A exclusão do negro do projeto de desenvolvimento econô-


mico remonta ao final do século XIX. A ideologia do trabalho
livre, pensada sob os símbolos da civilização (ordem) e do pro-
gresso, numa perspectiva positiva, contribuiu para a margina-
lização dos negros libertos, que no imaginário herdado do es-
cravismo e das teorias evolucionistas representavam barbárie
e primitivismo. Reforçado pelos estereótipos, marcas invisíveis
Capítulo 6    Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...    129

deixadas pela escravidão, a marca visível da cor da pele liga o


presente e o passado, demarcando o lugar social relegado ao
indivíduo negro na sociedade brasileira.

No Brasil, por exemplo, a mestiçagem, imposta como uma


síntese da nacionalidade, “é uma antiga concessão, incorpo-
rada no decorrer dos anos pelo senso comum, à presença ma-
ciça de não brancos em uma sociedade que valoriza a bran-
quitude” (SOVIK, 2009, p. 39). Essa valorização é constitutiva
não só da cultura brasileira, mas da modernidade Ocidental
e persiste nas culturas contemporâneas. Nesse sentido, Gil-
roy (2001) aponta que “o estranho prestígio ligado ao valor
metafísico da brancura ainda são correntes e circulam bem”
(p. 52). Referindo Franz Fanon, diz ainda que a “desgraça da
dominação racial não é a condição de ser negro, mas de ser
negro em relação ao branco” (p. 63).

Dessa forma, a necessidade de adequação aos padrões


etnocêntricos europeus tornou-se elemento repressor do per-
tencimento afro, levando a um processo de integração social
pela assimilação cultural. Historicamente, no entanto, obser-
vam-se estratégias e movimentos de resistência ao projeto
unificador de identidade nacional, principalmente através de
práticas e vivências comunitárias, culturais e discursivas, ge-
radas inicialmente dentro das comunidades negras. Essa tra-
dição e identidade têm sido permanente presentificadas por
suas características desterritorializadas. A dissociação entre
referências simbólicas e territoriais, provocada pelas diásporas
globais, e a condição de ser e não pertencer possibilitou essa
condição de contra-modernidade (GILROY, 2001) à negritude.
130   Sociedade e Contemporaneidade

Neste sentido, a intolerância contra o negro é um dos ele-


mentos que estão na base do Ocidente, acabando por ser
naturalizado. Com isso, a maioria da população foi relega-
da à marginalização socioeconômica, à criminalização e, em
muitos casos, à eliminação sistemática do indivíduo negro. Em
todo o planeta, mesmo na África, todos os índices sociais rea-
firmam essa situação. Nas relações cotidianas essas formas
de intolerância transformam-se principalmente em violência. A
persistência dessa forma de controle e até mesmo intolerância
à diferença podem ser observadas através do lugar do jovem
negro na sociedade brasileira.

As poucas fotografias de um tumbeiro mostram que os


escravizados na África eram predominantemente jovens sau-
dáveis do sexo masculino. Esses mesmos que até o início do
século XX eram compulsoriamente enviados às guerras e para
servirem na Marinha, que mesmo depois da Abolição mante-
ve a chibata, como forma de controle e racismo. Durante o
século XX, os jovens negros foram excluídos do ensino e do
mercado de trabalho, frequentemente presos, muitos sem co-
meter crimes, em função das delegacias de costumes e da lei
de vadiagem.

Essa falta de oportunidade levou ao envolvimento de parte


dos jovens com a criminalidade, resultando nos altos índices
de detenções, prisões e assassinatos registrados nas últimas
décadas. Atualmente, em função do controle e pressão dos
movimentos sociais, tem-se acesso aos dados que apontam
para o genocídio dos jovens negros no Brasil, o que mobili-
zou até mesmo a Anistia Internacional e a Organização das
Nações Unidas. Aproximadamente 77% dos assassinados têm
Capítulo 6    Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...    131

como vítima negros e, na maioria, jovens. São aproximada-


mente 150 mortos a cada dia.

As discussões sobre políticas afirmativas também indicam


um nível de intolerância quanto à integração dos negros nas
esferas da cidadania. O debate público, principalmente a par-
tir dos meios de comunicação, reforça a perspectiva sobre ca-
pacidade e meritocracia. As medidas, no entanto, propõem-se
a oferecer oportunidades de estudo e inserção no mercado de
trabalho, a fim de quebrar o ciclo que historicamente mantém
a população negra marginalizada, conforme referido acima.
Observa-se, portanto, nesta discussão, uma incoerência entre
contexto e discurso. Enquanto socialmente a população negra
enfrenta barreiras simbólicas, através de estereótipos, como o
da malandragem, da preguiça e da incapacidade de realizar
atividades complexas e reflexivas, as medidas adotadas para
construir oportunidades e superar essas barreiras são negadas.

6.4 Intolerância religiosa

A religião tem sido, durante a história da humanidade, um


foco permanente de conflito principalmente em função da do-
minação de territórios, ou mesmo por transposição espacial.
A religião tem, também, sofrido com a intolerância. Pode-se
referir a perseguição sofrida pelo Cristianismo no Império Ro-
mano, das religiões chamadas pagãs pelo Cristianismo, assim
como as Cruzadas, a perseguição aos Reformadores e à In-
quisição. Também se registrou o combate às tradições indíge-
nas e africanas no período de colonização. A religião judaica
132   Sociedade e Contemporaneidade

igualmente tem sido vítima de perseguição nas mais diversas


partes do Ocidente, tendo sido responsabilizada a partir de
argumentos políticos e econômicos, pelos mais diferentes pro-
blemas sociais. Recentemente, tem-se em pauta o conflito de
cunho cultural entre Ocidente e fundamentalistas da religião
muçulmana, que justificam a partir da religião seus atos polí-
ticos.

No Brasil, o número de denúncias sobre intolerância reli-


giosa tem crescido nos últimos anos também pelo surgimento
de Canais de denúncia. Mesmo que a Constituição garanta a
liberdade religiosa, desde o início do período republicano, as
religiões de matriz africana são o principal alvo de intolerân-
cia. A perseguição se deu principalmente pela igreja Católica,
no período escravista, sob a justificativa de evangelização dos
negros que pelo trabalho se redimiriam dos pecados. O Esta-
do foi responsável pela perseguição no início da era Vargas e,
atualmente, o embate tem sido travado com algumas novas
igrejas evangélicas e se dá politicamente pelo fato de disputa-
rem a atenção e a crença de um mesmo público.

Simbolicamente, as religiões de matriz africana por suas


características não cristãs e não dogmáticas acabam, muitas
vezes, em função do desconhecimento, sendo confundidas
com magia negra – esta última originária da Europa, e ado-
ração do Diabo, numa referência Cristã que não faz sentido
na cosmovisão original. A sacralização de animais e o uso
de instrumentos de percussão têm sido permanentemente ten-
sionados pelos detratores e mesmo pelo Estado. São muitas
as decisões judiciais que, em função da lei do silêncio, prin-
cipalmente, proíbem o toque de tambores. Cultos indígenas
Capítulo 6    Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...    133

de outras matrizes que não cristãs têm, igualmente, sofrido


perseguição.

De outro lado, observa-se atos de intolerância discursivos


contra igrejas evangélicas, principalmente as referenciadas
como neopentecostais. A atuação de algumas igrejas em re-
lação às outras, e a outras religiões acabam, por generaliza-
ção, sendo vistas como intolerantes. Esse processo leva a um
fenômeno de intolerância pela acusação de intolerância. O
desconhecimento de princípios e dos ritos das outras igrejas/
religiões está na base da intolerância religiosa, assim como a
falta de alteridade na relação estabelecida a partir dessa for-
ma de pertencimento.

6.5 A intolerância de gênero

As normatividades sobre o corpo estão diretamente relacio-


nadas com a discussão sobre a questão de gênero, entendida
como as sociedades definem masculino e feminino. Na pers-
pectiva das Ciências Naturais, principalmente as Biológicas,
as características são apontadas como naturais, ou seja, ge-
neticamente codificadas. Nas Ciências Humanas e Sociais, no
entanto, pesquisadores defendem que se trata de uma constru-
ção social em determinados momentos históricos, sendo este o
motivo pelo qual as noções tendem a se transformar em dife-
rentes épocas históricas (LOURO, 1997). Vem desta perspec-
tiva a frase de Simone de Beauvoir, “Ninguém nasce mulher,
torna-se mulher”, utilizada em uma prova do Exame Nacional
do Ensino Médio e que tem circulado amplamente na internet.
134   Sociedade e Contemporaneidade

No entanto, as marcações de gêneros normatizadas a par-


tir da perspectiva biológica fomentam a intolerância a qual-
quer corpo que não atenda a esses princípios. A discussão
sobre o tema ganha cunho político a fim de desconstruir os
lugares sociais reservados ao masculino e ao feminino e, por
outro, para desconstruir a crença de que existe somente uma
maneira de existir socialmente enquanto homem ou mulher.

O principal argumento apresentado, principalmente pelos


movimentos feministas, é de que existe uma grande diferença
entre ser mulher no Brasil e na China, por exemplo, o que
reforça que as normas são social e culturalmente construídas.
Desta maneira, a discussão sobre identidade de gênero con-
tém em si a eliminação dos marcadores normativos sobre ser
homem e mulher, a fim de que as barreiras simbólicas e sociais
impostas por essas referências sejam superadas.

6.6 A tolerância como dever na


contemporaneidade

A tolerância é um dos suportes a partir dos quais as demo-


cracias modernas foram constituídas. As características repre-
sentativas e de universalidade do modelo político estabelecido
no Ocidente não se mostraram historicamente inclusivos à di-
ferença, privilegiando um discurso único de matriz europeia.
O debate sobre tolerância desta maneira tem que levar em
conta as relações de poder social (FORST, 2009). Por isso, o
princípio de tolerância tem em si a questão de autoridade de
um grupo, que tolera, sobre outro que venha a ser tolerado.
Capítulo 6    Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...    135

São contra essas normatividades que os movimentos sociais


têm militado.

A presença negra nas sociedades fora do continente afri-


cano originou-se num processo de desumanização. A inserção
do corpo negro, nos períodos posteriores à exploração escra-
vista, manteve as barreiras simbólicas que erigiram as barrei-
ras legais e socioeconômicas ainda mantidas. Esse lugar so-
cial construído como projeto, portanto, é a principal fonte de
intolerância que afeta a todos que buscam novos espaços, ou
simplesmente para a manutenção do controle social. A aceita-
ção da diferença nesse caso desestabiliza o status quo vigente.

A intolerância religiosa acaba por ter um complicador, o


campo que se organiza a partir da crença. Inserir-se num sis-
tema de crença provoca, necessariamente, a recusa de outras
crenças possíveis. No entanto, a ideia de alteridade está pre-
sente em todo sistema de pensamento religioso, o que pode
acionar se não a aceitação dos princípios de crença da outra
igreja/religião, a aceitação da diferença.

Da mesma maneira, as normas estabelecidas sobre o que


é masculino e feminino tensionam a identidade de gênero no
sentido de pressionar os indivíduos a ocuparem papeis pre-
viamente estabelecidos. Os avanços nesse sentido têm sido
conquistados frente a violências físicas e simbólicas, mas en-
contram respaldo legal, como a Lei Maria da Penha, e na acei-
tação da diferença.

Apesar da crise do pertencimento aprofundada pela Glo-


balização, é possível observar que algumas das questões ain-
da são demandas apresentadas pelos grupos identitários e têm
136   Sociedade e Contemporaneidade

obtido respostas mais imediatas do mercado de consumo do


que sócio-políticas. Isso acaba por gerar um dissociamento
entre a vivência cotidiana e a cidadania. Os movimentos so-
ciais tomaram para si o projeto de construção da tolerância
em relação à diferença e da construção de uma sociedade
realmente democrática e cidadã.

Recapitulando

ÂÂA intolerância às diferenças produz perseguições e im-


põe violências física e simbólica contra os grupos identi-
ficados como diferentes.

ÂÂAtualmente, a identificação com um grupo socialmente


marginalizado tornou-se um ato político, mas por muito
tempo foi encoberta pelo silêncio e pela opressão.

ÂÂOs movimentos contemporâneos pela diferença são


marcados em sua origem pelo rompimento com os par-
tidos tradicionais de esquerda - comunistas e socialistas,
nos anos 1960. Enquanto alguns optaram pela violên-
cia, outros reivindicaram a construção de uma demo-
cracia direta e participativa.

ÂÂTendo como contexto a revolução de costumes e padrões


de comportamento, movimentos alternativos, constituí-
dos por grupos que enfatizam a diferença, construirão, a
partir de demandas específicas, propostas de democra-
cia participativa, confrontando a diluição e a burocrati-
zação promovida pela democracia representativa.
Capítulo 6    Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...    137

ÂÂA fluidez do contemporâneo e as formas de organização


impostas pela Globalização fazem com que as pessoas
tenham necessidade de identificação coletiva, transcen-
dendo em direção ao direito de ser.

ÂÂA intolerância contra o negro é um dos elementos basi-


lares do Ocidente, acabando por ser naturalizado. Com
isso, a maioria da população foi relegada à margina-
lização socioeconômica, à criminalização e em muitos
casos à eliminação sistemática do indivíduo negro.

ÂÂAs religiões organizam-se a partir de um sistema de


crença que provoca necessariamente a recusa de ou-
tras crenças possíveis. No entanto, a ideia de alteridade
está presente em todo sistema de pensamento religioso
o que pode acionar se não a aceitação dos princípios
de crença da outra igreja/religião, a aceitação da dife-
rença.

ÂÂAs normatividades sobre o corpo estão diretamente rela-


cionadas à discussão sobre questão de gênero, entendi-
do como as sociedades definem masculino e feminino,
produzindo a intolerância.

ÂÂOs movimentos sociais tomaram para si o projeto de


construção da tolerância em relação à diferença e da
construção de uma sociedade realmente de igualdade
de direitos.
138   Sociedade e Contemporaneidade

Referências

ARAÚJO, Maria Paula do Nascimento. A utopia fragmenta-


da. As novas esquerdas no Brasil e no mundo na década
de 70. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.

BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à História Contem-


porânea. Rio de Janeiro: Editora Guanabara, 1983.

BARTH, Fredrik. Grupos étnicos e suas fronteiras. In POU-


TIGNAT, P.; STREIFF-FENART, J. Teorias da etnicidade. São
Paulo: Ed. Unesp, 1998.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade: entrevista a Benedetto Vec-


chi. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Ed., 2005.

CANCLINI, Nestor Garcia. Culturas híbridas: estratégias


para entrar e sair da modernidade. 2. ed. São Paulo: Edi-
tora da Universidade de São Paulo, 1998.

FORST, Rainer. Os limites da tolerância. Trad. Mauro Victoria


Soares. Novos Estudos: nº 84, julho, 2009.

FURTADO, Celso. Celso Furtado: Economia. (Org.). Francis-


co de Oliveira. São Paulo: Ática, 1983.

GILROY, Paul. O Atlântico Negro. Modernidade e dupla


consciência. São Paulo: Ed. 34, 2001.

LOURO, Guacira. Gênero, sexualidade e educação: uma


perspectiva pós-estruturalista. Petrópolis: Vozes, 1997.
Capítulo 6    Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...    139

MARTIN-BARBERO, Jesús. Tecnicidade, identidades, alteri-


dades: mudanças e opacidades da Comunicação no novo
século. In: MORAES, Denis de (Org.). Sociedade midiatiza-
da. Rio de Janeiro: Mauad, 2006.

SILVA, Tomaz Tadeu da (Org.). Identidade e diferença: a


perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes,
2000.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. Do pen-


samento único à consciência universal. Rio de Janeiro:
Record, 2000.

SILVA, Martiniano José da. Racismo à brasileira – raízes his-


tóricas. SP: Thesaurus Editora, 1987.

SOROS, George. A crise do capitalismo global: os perigos


da sociedade globalizada. Rio de Janeiro: Campus, 2001.

Atividades

1) “O último século é determinante para se pensar a ques-


tão da tolerância. Se por um lado, ocorre neste período a
desnaturalização discursiva e social da diferença, princi-
palmente, étnico-racial, registrou episódios em que a in-
tolerância foi socialmente acolhida e, mesmo prevista, é
regulada em lei, promovendo um rastro de desigualdade,
perseguição e violência.”

A partir da afirmação acima é possível afirmar que a sen-


tença verdadeira é:
140   Sociedade e Contemporaneidade

a) (  ) As Grandes Guerras não estão relacionadas com o


sistema Imperialista que aprofundou a diferença étni-
co-racial a partir de teorias científicas.

b) (  ) O aumento da população europeia e o decréscimo


de natalidade entre a população não branca possibi-
litou um domínio territorial europeu, baseado na dife-
rença.

c) (  ) As teorias raciais vigentes na primeira metade do


século XX defendiam a igualdade entre as raças.

d) (  ) O Imperialismo produziu desigualdades sociocultu-


rais e econômicas, além de um rastro de violência que
perdurou até os anos 1990 com o Apartheid.

e) ( ) O holocausto judeu não tem relação direta com


discursos de intolerância racial.

2) A partir da leitura do texto, considere se as afirmações


abaixo são verdadeiras (V) ou falsas (F).

a) (  ) A identidade étnica refere-se a uma forma de per-


tencimento coletivo que se caracteriza pela partilha de
valores culturais e que se identificam e são identifica-
dos a partir da diferença de outros grupos étnicos.

b) (  ) Atualmente, a identificação com grupos socialmen-


te marginalizados tornou-se um ato político, mas por
muito tempo foi encoberta pelo silêncio e pela opres-
são.
Capítulo 6    Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...    141

c) (  ) Os movimentos pela diferença surgem no início do


século XX, fomentados pelos tradicionais partidos de
esquerda.

d) (  ) O movimento ecológico foi referencial no processo


de reconfiguração política nos anos 1970.

e) (  ) Os movimentos pela diferença propõem a constru-


ção de uma democracia participativa, confrontando a
diluição e a burocratização promovidas pela demo-
cracia representativa.

3) A intolerância à diferença esteve historicamente acompa-


nhada pela violência. Qual dos acontecimentos referidos
abaixo não tem relação com intolerância à diferença?

a) (  ) Escravismo mercantil.

b) (  ) Holocausto judeu.

c) (  ) Apartheid.

d) (  ) Revolução Russa.

e) (  ) 11 de Setembro.

4) A partir da leitura do texto, considere as questões abaixo:

I – A exclusão do negro do projeto de desenvolvimento


econômico remonta ao final do século XIX.

II – A valorização da branquitude é constitutiva não só da


cultura brasileira, mas da modernidade Ocidental e
persiste nas culturas contemporâneas.
142   Sociedade e Contemporaneidade

III – O movimento negro criou nas últimas décadas estra-


tégias de integração e adesão ao projeto unificador de
identidade nacional.

IV – Nas relações cotidianas, as diferentes formas de in-


tolerância contra a população negra manifestam-se,
principalmente, através de violência simbólica ou físi-
ca.

A partir das afirmações acima, podem ser consideradas


corretas as questões:

a) (  ) I, II e III.

b) (  ) I, II e IV.

c) (  ) II, III e IV.

d) (  ) I, III e IV.

e) (  ) Todas estão corretas.

5) As discussões sobre políticas afirmativas também indicam


um nível de intolerância quanto à integração dos negros
nas esferas de cidadania. Considerando a leitura do texto
e as questões abaixo é possível afirmar que a afirmação
que não está correta é:

a) (  ) O debate público, principalmente a partir dos meios


de comunicação, reforça a perspectiva sobre capaci-
dade e meritocracia.

b) ( ) O debate público sobre políticas afirmativas,


principalmente a partir dos meios de comunicação,
Capítulo 6    Fronteiras da Tolerância: Etnicidade, Gênero...    143

baseia-se na perspectiva de construção de oportuni-


dade.

c) (  ) As políticas afirmativas propõem-se a oferecer aos


negros oportunidades de estudo e inserção no merca-
do de trabalho.

d) ( ) As políticas afirmativas objetivam quebrar o ciclo


socioeconômico e cultural que historicamente mantêm
a população negra marginalizada.

e) (  ) Enquanto socialmente a população negra enfrenta


barreiras simbólicas, através de estereótipos negativos,
as medidas adotadas para construir oportunidades e
superar essas barreiras são negadas.
Everton Rodrigo Santos1

Capítulo 7

Trabalho e Emprego
no Mundo das Novas
Tecnologias1

1  Graduado em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela UNISINOS (1992),


mestre (1996) doutor (2005) e pós-doutor (2012-2013) em Ciência Política pela
UFRGS. É consultor e avaliador da Capes, professor e pesquisador da ULBRA e da
Universidade Feevale, atuando na graduação e pós-graduação stricto sensu. Como
pesquisador é vinculado ao Grupo de Pesquisa Capital Social e Desenvolvimento
Sustentável na América Latina da UFRGS, ao Grupo Metropolização e Desenvolvi-
mento Regional da Feevale e ao Grupo Sociedade Informacional, Individualidades,
Políticas Sociais da ULBRA. Trabalha na área das Ciências Sociais e interdisciplinar,
tendo publicado inúmeros artigos, capítulos de livros e livros. Tem como suas princi-
pais preocupações a temática da democracia, da cultura política, do capital social
e das políticas públicas.
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    145

Empregabilidade/empreendedorismo/desafios e oportuni-
dades ao profissional do século XXI.

Everton Rodrigo Santos

Introdução

O Brasil vem despontando no cenário internacional como a


sexta economia mundial aliada a um relativo declínio das de-
sigualdades sociais, a partir de seu crescimento econômico e
da redução dos juros de nossa economia. Esta oportunidade,
singular na história recente do país, abriu-se justamente num
contexto novo, do fim da rivalidade entre o capitalismo e o
comunismo e ao mesmo tempo do declínio dos EUA como
superpotência hegemônica, dando vazão aos ditos “países
emergentes”, entre eles o Brasil.

Para o País isto tem significado oportunidades de emprego


e renda, diminuição da pobreza e o aumento da chamada
“classe média”, que tem na sua obtenção de título de curso
superior sua principal realização profissional. Neste sentido,
cumpre ressaltar os fluxos migratórios tradicionais de brasi-
leiros. A procura de emprego em países ditos desenvolvidos
diminuiu significativamente, havendo, em alguns casos, um
efeito reverso, não só com a fixação de cidadãos no País, mas
a existência de imigração de norte-americanos e europeus
(apesar da crise da economia norte-americana e da Europa)
para países como o Brasil, vindo ocupar postos de trabalho
que demandam boa qualificação profissional. É sintomático
146   Sociedade e Contemporaneidade

este efeito, uma vez que os dados divulgados pelos órgãos ofi-
ciais do próprio governo têm apontado para uma discrepância
entre o crescimento de nosso PIB (Produto Interno Bruto) e o
parco investimento em pesquisa e ensino para acompanhar
devidamente nosso desenvolvimento nacional. Há, portanto,
um hiato entre um país que “parece querer emergir”, uma
economia que clama por mão de obra qualificada e as pos-
sibilidades deste desenvolvimento ameaçado justamente pela
falta desta “mão de obra”.

Assim, este capítulo “Trabalho e emprego no mundo das


novas tecnologias” tem por objetivo apresentar as novas con-
dições de empregabilidade neste mundo de novas tecnologias
que está se descortinando, portanto, de novas oportunidades
e ameaças para o Brasil e os brasileiros, num contexto novo
da economia do conhecimento. Então, a pergunta provocativa
para abrir nosso capítulo é: como se caracteriza este novo
cenário da economia do conhecimento? Quais as condições
de empregabilidade nesta nova economia num mundo de no-
vas tecnologias? Quais são as competências necessárias, as
qualidades imprescindíveis para o profissional do século XXI
conectar-se neste país, neste mundo?

Para responder a estas questões, dividimos este capítulo em


três partes interdependentes. Na primeira parte, “Economia do
conhecimento”, vamos caracterizar o contexto em que vivemos
como um momento novo de uma sociedade pós-industrial des-
te início de século, que não é mais a economia de exploração
do início de nossa colonização, nem mesmo a economia agro-
exportadora da primeira metade do século passado ou mesmo
a economia industrial recente, mas uma economia que tem
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    147

no conhecimento e no avanço tecnológico extraordinário sua


principal mola propulsora para o desenvolvimento. Na segun-
da parte, tendo como base esta compreensão, discutiremos a
“Empregabilidade na era da economia do conhecimento”, ou
seja, a empregabilidade passará necessariamente pela rede-
finição das carreiras, passando-se das “carreiras organizacio-
nais” tradicionais às “carreiras sem fronteiras”.

Num terceiro momento, “Planejamento e gestão de carrei-


ra – o profissional do século XXI”, discutiremos a necessária
gestão e planejamento de sua carreira, a necessidade de au-
tonomia no planejamento profissional dando ênfase na res-
ponsabilidade individual, propondo ao final do capítulo uma
metodologia mínima para o começo do seu planejamento.

7.1 A economia do conhecimento

O Brasil, como sabemos, foi uma colônia portuguesa que


desde o século XV, com a chegada dos primeiros europeus,
teve seu processo de colonização marcado pela exploração
de seus recursos naturais nos primeiros séculos de sua história.
Este processo foi fruto da política mercantilista europeia colo-
nialista que impulsionou as grandes navegações na procura
de novas terras e riquezas na expansão ultramarítima.

As extrações do pau-brasil nas costas litorâneas com a


utilização da mão de obra indígena, num primeiro momen-
to, abasteceram a coroa portuguesa com recursos naturais
que caracterizaram uma economia de exploração (RIBEIRO,
148   Sociedade e Contemporaneidade

2000), em que as riquezas do País eram transladadas da colô-


nia para a Europa. Tal economia significava o enriquecimento
da metrópole portuguesa em prejuízo da colônia e de seus
habitantes autóctones.

Posteriormente, na sequência histórica e dado o início da


colonização propriamente dito, a partir de 1530, os ciclos da
cana-de-açúcar e do ouro (nos séculos XVI a XVIII) com a uti-
lização da mão de obra escrava africana, e, a partir do início
do século XIX, o ciclo do café com a ajuda da mão de obra de
imigrantes alemães e italianos, caracterizariam uma economia
de produtos primários para a exportação.

Alguns estudiosos argumentavam que o Brasil exportava


produtos primários para os países centrais e em troca impor-
tava produtos industrializados no final do século XIX e início
do XX, justamente porque a Europa já havia se constituído em
uma importante região industrializada nesta época. Dada esta
divisão internacional do trabalho, com o Brasil exportando
produtos primários e importando produtos industrializados,
nós teríamos “vantagens comparativas” em relação a eles,
pois nossos produtos agrícolas seriam vendidos mais caro em
comparação com a importação dos produtos industrializa-
dos deles (países centrais) mais baratos, pois o uso de no-
vos maquinários industriais tenderia a baratear os preços dos
produtos industrializados importados em comparação com o
não uso destes maquinários nos produtos primários. Assim, ex-
portar produtos primários e importar produtos industrializados
davam “vantagens comparativas” para o Brasil, pois vendería-
mos caro e importaríamos barato.
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    149

Todavia, uma forte crítica dos estudos da Cepal (Comissão


Econômica para a América Latina) demonstrou que este racio-
cínio estava equivocado, pois as exportações de produtos pri-
mários teriam um limite, “as pessoas não podem comer mais
do que a sua barriga suporta”, mas os produtos industrializa-
dos podem ser comprados de maneira abundante (MANTE-
GA, 1990). Ou seja, a demanda por produtos industrializados
tende a ser maior do que a demanda por produtos primários
e, assim, teríamos uma alta no preço dos produtos industria-
lizados europeu-americanos e uma queda nos produtos pri-
mários exportados (a lei da oferta e da procura). Um mau
negócio para nós! Dada esta constatação, o Brasil passa a
investir pesadamente numa política para a industrialização do
País, principalmente a partir dos anos 1930, buscando recupe-
rar este gap com a criação de um parque industrial brasileiro
capitaneado pelo Estado.

O Brasil passou, ao longo do século XX, a consolidar-se


como um país de economia industrial. Com um êxodo rural
expressivo de agricultores para os centros urbanos, a expan-
são da mão de obra assalariada, a criação do salário mínimo,
da carteira de trabalho e toda legislação trabalhista moderna
edificada a partir da Era Vargas. O processo de industrializa-
ção brasileiro se tornou irreversível já nos anos 1940 e 1950.

Quando o Brasil se consolida como uma nação industrial,


os países centrais, que até então eram países industriais, pas-
sam paulatinamente a exportar suas indústrias para os paí-
ses ditos “periféricos”, de “terceiro mundo”, como os países
latino-americanos, não só porque encontram uma mão de
obra barata, uma legislação flexível, tributos menores, mas,
150   Sociedade e Contemporaneidade

também, a inexistência de uma legislação ambiental que puna


indústrias poluentes. Todavia, estes países centrais passam a
concentrar-se cada vez mais na produção do conhecimento.

Na verdade, a nova divisão internacional do trabalho, prin-


cipalmente na segunda metade do século XX, passa a ocorrer
entre aqueles países que produzem o conhecimento, tecno-
logia e inovação, e aqueles que são os consumidores deste
conhecimento e destas tecnologias. Neste caso, tanto os EUA
quanto a Europa e posteriormente alguns países asiáticos fo-
ram os grandes produtores de conhecimento, não só pelos
investimentos e o acúmulo de capital que realizaram em pris-
cas eras, como pelo acúmulo de conhecimento através do de-
senvolvimento de pesquisas e inovações tecnológicas no pós-
-guerra.

Este padrão de consumidores de tecnologia e pesquisa,


pelos países “periféricos”, “emergentes”, ficou mais ou menos
estável até o final dos anos 1980, quando a divisão do mun-
do entre capitalistas pró Estados Unidos e os comunistas pró
União Soviética era vigente. Contudo, três grandes impactos
de proporções tectônicas mudaram a ordem política, a ordem
econômica e a ordem tecnológica, alterando o panorama in-
ternacional de maneira significativamente profunda, segundo
ZaKaria (2008).

O fim da União Soviética e a queda do muro de Berlim


simbolizaram a mudança da ordem política, com o colapso de
um modelo de sociedade dita “comunista”, que tinha no par-
tido único e na economia centralizada e planificada seu mote
central, alterando a ordem mundial na qual a rivalidade entre
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    151

o mundo capitalista e o mundo comunista passa a dar lugar à


liberalização dos regimes autoritários, a difusão da democra-
cia liberal, tornando-se ponto de pauta principal na agenda
internacional de países que até então viviam sob os auspícios
da União Soviética, entre eles os países do leste europeu.

Na ordem econômica, intensificou-se a livre movimentação


do capital e do dinheiro, agora não mais restrita aos países ca-
pitalistas, mas a todos aqueles que se aventurarem a ingressar
nesta ordem “por livre e espontânea pressão”, dadas as novas
circunstâncias econômicas, que não deixavam margem para o
isolamento. Neste sentido, houve a difusão de bancos centrais
independestes em diferentes países e um forte controle da in-
flação em países da América Latina como o Brasil e a Argenti-
na, por exemplo, que enfrentavam altos índices inflacionários.
Certamente, o controle desta inflação possibilitou equilibrar
estas economias, estabilizando-as politicamente. A Índia e a
China, neste sentido, foram duas grandes nações dignas de
nota na contribuição para a contenção da inflação mundial
produzindo produtos de custo barato para o mundo ociden-
tal de maneira abundante. Atualmente, não se consegue mais
comprar uma “lembrancinha” de nenhum país no mundo que
não tenha um made in China. Até a loja oficial dos Beatles na
Baker Street em Londres é made in China.

Junto a estas mudanças de ordem econômica e política,


também a mudança tecnológica tornou este mundo mais
conectado, interligado como uma “aldeia global”, como diz
Friedman (2000), “o mundo é plano”. Desde as grandes na-
vegações, temos uma intensificação destes processos de inter-
conexão entre os povos sob a face da Terra. O desenvolvimen-
152   Sociedade e Contemporaneidade

to tecnológico das comunicações com o acesso aos telefones


móveis, a banda larga dando acesso à rede internacional de
computadores (internet), a TV digital, as viagens intercontinen-
tais mais rápidas, mais baratas e acessíveis, certamente, torna-
ram este mundo muito menor, “muito frequentado”.

Estas três ordens de mudanças deixaram o mundo mais


aberto, é verdade, mais conectado e, portanto, mais exigen-
te, na medida em que permitiram pela instantaneidade e vi-
sibilidade dos acontecimentos mundiais a comparação entre
países, regiões, pessoas e empresas, abrindo a competição in-
ternacional para muitos países, inclusive os ditos “países emer-
gentes”, como nós. É verdade, também, que esta conexão
internacional alargou os mercados, diversificou os produtos,
aumentou os concorrentes levando à destruição de muitos em-
pregos, inclusive redesenhando-os numa nova era econômica,
que chamaremos aqui de “economia do conhecimento”, cujas
fontes de riqueza não são mais os recursos naturais ou o tra-
balho físico dos séculos pretéritos, mas o conhecimento e a co-
municação (STEWART, 1998). Nesta nova economia, a disputa
agora é pela posse, produção e distribuição do conhecimento
em escala global.

Este, evidentemente, sempre foi um componente importante


na história da evolução da humanidade. Desde a pré-história,
na passagem do período da pedra lascada ao período da pe-
dra polida, no domínio manual de determinadas técnicas para
o fabrico de instrumentos, avançando-se à revolução industrial
inglesa, com a mecanização do trabalho, lá estava o conheci-
mento como mola propulsora dos avanços científicos e tecno-
lógicos. Contudo, nunca anteriormente visto, o conhecimento
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    153

tomaria a centralidade que tem na contemporaneidade, por


esta razão a denominação de economia do conhecimento.

Do acúmulo de ferramentas, máquinas, capital econômico,


passamos à busca de acúmulo de conhecimento, de “capital
intelectual” 2. Como argumenta Stewart (1998), a Volkswagen
havia declarado nos anos 1990 que precisava de dois ter-
ços de seus funcionários para manter sua produtividade, e os
empregos na indústria, nos EUA, caíram de 34% da força de
trabalho em 1950 para 16% em 1996 e atualmente chegam
a 12%.

É lugar-comum constatar que cada vez mais as empresas


têm investido em tecnologias de ponta, substituindo trabalha-
dores, operários das linhas de montagens por robôs, compu-
tadores e equipamentos mais sofisticados. Se, por um lado,
este fenômeno destruiu vários empregos, por outro, criou uma
série de oportunidades para gerentes, projetistas, comercian-
tes e operadores. As empresas passaram a depender cada vez
mais da produção do conhecimento, de patentes e pesquisas.
Indústrias que transportam informações estão crescendo mais
rápido do que aquelas que transportam mercadorias, o tráfe-
go internacional de telefone vem aumentando 16% ao ano e
30% do tráfego da internet (STEWART, 1998).

Dentro desta perspectiva, há o surgimento das chamadas


“indústrias culturais”, “indústrias criativas” que têm na explo-
ração da criatividade e do talento individual, capacidade para
a criação de riqueza e trabalho. Entretanto, esta exploração

2  Veremos no item seguinte a definição de “capital intelectual”.


154   Sociedade e Contemporaneidade

econômica diferencia-se daquela meramente industrial, por-


que passa obrigatoriamente pela devida apropriação dos di-
reitos de propriedade intelectual. Assim, um filme, um livro,
um CD, um software podem ser agregadores expressivos de
valores tanto quanto produtos clássicos como carros ou ele-
trodomésticos de um país ou região. Tudo isso num mundo
em que as pessoas estão menos pobres e mais propensas ao
consumo de massa.

Apesar das oportunidades que se abriram neste início de


século, o professor Zakaria (2008), da Universidade de Har-
vard, tem apontado que a proporção de pessoas que vivem
apenas com 1 dólar ou menos por dia no mundo despencou
de 40% em 1981 para 18% em 2004, e estima-se que cairá a
patamares de 15% de 2015 em diante. O fato é que a miséria
está diminuindo em países que abrigam 80% da população
mundial. Em 142 países, que incluem a China, Índia, Brasil,
Rússia, Indonésia, Turquia, Quênia e África do Sul, as popula-
ções pobres estão sendo absorvidas por economias produtivas
e crescentes. Este fenômeno está criando uma situação em
que os países que outrora eram apenas observadores no ce-
nário internacional passam a ser agora atores protagonistas.
Assim, complementa o autor, há evidências destas oportunida-
des quando verificamos que o edifício mais alto do mundo fica
em Dubai e não em Nova York, o homem mais rico do mundo
é um mexicano, o maior avião do mundo está sendo fabrica-
do na Ucrânia e na Rússia, a maior indústria cinematográfica
do mundo (dentro da perspectiva da indústria criativa) não é
Hollywood nos EUA, mas Bollywood na Índia.
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    155

Então, sinteticamente, para fecharmos este ponto, pode-


mos dizer que, passada a fase da economia de exploração no
Brasil, com a exploração de nossos recursos naturais, tivemos
uma relação de dependência com os produtos industrializados
das nações centrais pela exportação de nossos produtos pri-
mários, constituindo-nos como uma economia agroexportado-
ra. Posteriormente, com o processo de industrialização no Bra-
sil, ou seja, quando o Brasil consegue tornar-se uma economia
industrializada, passamos a ser dependentes do conhecimento
dos países centrais capitalistas. Na contemporaneidade, com
as principais economias do mundo constituindo-se como eco-
nomia do conhecimento, a disputa passa a ser agora pela
produção e distribuição deste conhecimento. Nós vivemos um
delay no Brasil em relação a estas economias, mas precisamos
e devemos nas próximas décadas recuperar esta distância, a
fim de podermos avançar.

7.2 Empregabilidade na era da economia


do conhecimento

Se estamos vivendo um processo de mudança para uma nova


era da economia do conhecimento, evidentemente precisare-
mos repensar também o emprego nesta nova ordem das coi-
sas. Os especialistas têm provocado o debate dizendo que,
atualmente, não podemos mais falar em “mão de obra do
trabalhador”, mas em “cérebro de obra do trabalhador”, pois
o mercado passa a exigir cada vez mais trabalhadores qua-
156   Sociedade e Contemporaneidade

lificados que usam, por sua vez, cada vez mais o cérebro e
menos as mãos.

Há um aumento nos empregos que pagam bem aos tra-


balhadores do conhecimento, como cargos executivos, admi-
nistrativos, gerenciais e consultorias, ou seja, aqueles cargos
que criam e agregam valor. Por outro lado, há uma queda no
número de cargos de apoio administrativo, burocrático, aque-
les cargos que não criam valor e que podem ser facilmente
substituídos por um bom software (STEWART, 1998). De fato, o
“capital intelectual” passa a ser uma propriedade central nesta
nova economia para aqueles que desejam ingressar, perma-
necer ou ascender neste novo ambiente. Mas o que é o capital
intelectual? O capital intelectual aqui não é o capital como
usualmente conhecemos, o capital material, capital financeiro.

Quando nós compramos uma empresa, por exemplo, de


remédios, não estamos comprando propriamente o seu capi-
tal físico, seus pavilhões, escritórios, ferramentas, laboratórios,
mas, sobretudo, estamos comprando seus talentos, capacida-
des e habilidades em produzir e fabricar remédios, segundo
Stewart (1998). Dessa forma, o capital intelectual é o conheci-
mento existente em uma organização que pode ser usado para
obter uma vantagem competitiva, o chamado conhecimento
útil, a inteligência aplicada como um ativo para criar ou agre-
gar valor.

Se analisarmos a economia doméstica de uma pessoa de


ensino superior completo, com um emprego estável para dar
outro exemplo, veremos que provavelmente o grande percen-
tual de capital que esta pessoa possui não é o capital econô-
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    157

mico dela, seu carro (às vezes financiado) ou mesmo sua casa
própria, mas possivelmente seu capital intelectual. Seis meses
ou um ano de desemprego podem solapar o patrimônio de
uma vida. Claro, este trabalhador gera ao mês quantias signi-
ficativas de valor através de seu salário. O maior patrimônio
que alguém pode ter nesta nova economia é o seu capital
intelectual, sua formação, é ele que gera valor e que, portan-
to, deve ser cuidado, fomentado, estimulado, ele se constitui
em um ativo, em outras palavras, ele é um investimento, pois
é gerador de renda e receita, ao contrário de uma casa ou
carro, que, aliás, de maneira geral, são passivos, criadores de
despesas3.

Se o sujeito investisse em um curso de pós-graduação ao


invés de trocar de carro, a sua empregabilidade não só au-
mentaria, como seu salário, de acordo com pesquisas recen-
tes divulgadas pelos órgãos oficiais, aumentaria em cerca de
101%. Com o salário dobrado, aí sim ele poderia desfrutar da
compra de um carro melhor. Mas como o investimento não foi
feito, o salário não vai dobrar e suas receitas tenderão a min-
guar, pois suas perspectivas de futuro serão, previsivelmente,
aumento de despesas e diminuição de receitas.

3  É muito comum as pessoas acharem que casa e carro são investimentos, que são
ativos. Ledo engano, não são. Eles só poderiam ser um ativo, ou seja, geradores
de renda e receita, se a casa fosse de aluguel e o carro fosse um táxi, por exemplo.
De fato, a casa para moradia e o carro da família são passivos, são geradores de
despesas. Inclusive, a classe média no mundo é uma classe que adora, via de regra,
quando recebe um aumento de salário, aumentar as suas despesas comprando um
carro novo, comprando uma casa maior, quando não uma casa na praia, aumen-
tando suas despesas, diminuindo ainda mais suas receitas e comprometendo seu
futuro.
158   Sociedade e Contemporaneidade

Na era da economia do conhecimento, portanto, a empre-


gabilidade vai passar necessariamente por investimentos em
“ativos intelectuais”, cursos de graduação, cursos de extensão,
pós-graduação, aprendizado de línguas etc. Todavia, dada a
história recente do Brasil, que se constituiu ao longo do século
passado em um país de base industrial, principalmente a partir
da década 1970, com um crescimento econômico expressi-
vo, podemos constatar que os investimentos em formação não
eram o mote principal daqueles trabalhadores, via de regra a
mão de obra tinha baixa qualificação. O emprego passava tão
somente pela ideia de treinamento, e a empregabilidade em
uma organização era para toda a vida. Na década de 1980,
foi a chamada “década perdida”, marcada pela estagnação
da economia, planos econômicos e inflação galopante. O
emprego dentro de uma empresa seguia a sequência de car-
gos. Temos, assim, as chamadas “carreiras organizacionais”.
Segundo este conceito, estas carreiras seriam ligadas às gran-
des organizações, grandes empresas concebidas para revelar
um único cenário de emprego, cujas características, segundo
Veloso (2012), sintetizando autores especializados, seriam:

ÂÂambiente estável e dinâmico;

ÂÂa economia é subordinada às grandes firmas que geram


oportunidades de emprego;

ÂÂmudanças nas firmas geram mudanças de carreiras;

ÂÂhá interdependência entre empresa e pessoa;

ÂÂas empresas oferecem carreiras para toda a vida;


Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    159

ÂÂo empreendimento é uma opção e não um elemento


necessário;

ÂÂos empregados são parte da organização;

ÂÂa carreira é predeterminada pela empresa e não pelo


indivíduo.

Nos anos 1990, o avanço tecnológico, a necessidade de


competitividade, a redução dos postos de trabalho e as priva-
tizações mudaram este panorama. A reengenharia, a terceiri-
zação, o downsizing4, fizeram com que o emprego passasse a
ser representado por novas possibilidades e empregabilidade
(VELOSO, 2012). Nos anos 2000, com a intensificação da
globalização, um ambiente marcado por fusões, aquisições,
responsabilidade social e ambiental, busca-se o alinhamento
entre vida pessoal e profissional.

Nos anos 2010, tivemos um crescimento econômico no


País que foi capaz de proporcionar uma relativa queda no
desemprego e na desigualdade social no País, aliados a um
aumento do crédito pessoal e imobiliário, o crescimento de
pequenas e médias empresas jogaram água no moinho das
novas “carreiras sem fronteiras”. Que carreira é essa? Carrei-
ras que vêm se constituindo a partir dos anos 1990 em diante.
Segundo Veloso (2012), são carreiras que não têm a fronteira
da organização como parâmetro, ou seja, o desenvolvimen-
to profissional não está ligado a somente uma organização,
como era antes, portanto trabalhar pode não significar ter um

4  É a racionalização da estrutura organizacional que implica a diminuição de ní-


veis hierárquicos e custos nas empresas.
160   Sociedade e Contemporaneidade

emprego fixo em uma empresa estruturada. Elas surgem não


somente porque os trabalhadores mudaram, mas porque as
próprias organizações passaram a necessitar de quadros pro-
fissionais mais flexíveis. Portanto, a história de uma pessoa que
passa a maior parte da sua vida em uma única empresa vai ser
cada vez mais rara na contemporaneidade, segundo a auto-
ra. Sintetizando autores consagrados, as características destas
carreiras são:

ÂÂter a pessoa como principal responsável pela carreira;

ÂÂapresentar condições de mobilidade por meio de fron-


teiras organizacionais e valor do trabalho, independente
do empregador;

ÂÂser subsidiada por informações sobre o mercado de


trabalho e redes de relacionamento (networks, capital
social);

ÂÂreconhecer formas de progressão e de continuidade in-


dependente da hierarquia organizacional, bem como
ser permeada pela conciliação entre necessidades pro-
fissionais, pessoais e familiares;

ÂÂter condições de se organizar por meio do indivíduo e


não somente mediante possibilidades oferecidas pela
organização;

ÂÂreconhecer possibilidades de atuação em pequenos


projetos;

ÂÂconsiderar a aprendizagem como fator para o desenvol-


vimento profissional e para a continuidade da carreira;
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    161

ÂÂter a ação e participação não contratual como elemen-


tos essenciais ao seu desenvolvimento.

Como podemos ver, a ideia de estabilidade no emprego é


substituída pela ideia de empregabilidade, em outras palavras,
a pessoa perde a segurança de que vai estar empregada ama-
nhã naquela empresa, porém ganha com a possibilidade, não
somente de estar empregada em duas ou mais organizações,
mas também de ser facilmente empregada em outra organiza-
ção porque é ela mesma quem faz a gestão de sua carreira.
Não se monitora mais o seu cargo hierárquico dentro da em-
presa (sua função), mas o grau de sua colaboração para levar
adiante os projetos da organização. Nesta ordem das coisas,
perde-se a ideia do salário, daquele ganho único e certo de
uma determinada organização. Agora, as pessoas passam a
ter renda, que se constitui na composição de ganhos, quer seja
com consultoria, palestras, empregos por determinadas horas,
semanas ou meses sazonais ou até mesmo a aposentadoria
pública ou privada que se soma a esta renda (dada a amplia-
ção da expectativa de vida).

Neste tipo de carreira, torna-se imperativo a pessoa ser um


empreendedor de sua própria vida profissional. Neste sentido,
segundo Veloso (2012), devemos atentar para os ganhos que
podem ter as pessoas e as organizações.

O que pode ganhar uma pessoa com esta modalidade de


carreira:

ÂÂautonomia e auto-organização na composição de seus


horários e dias de trabalho;
162   Sociedade e Contemporaneidade

ÂÂconhecimento acumulado em diferentes organizações;

ÂÂganhos maiores na composição da renda final;

ÂÂtolerância, adaptabilidade, flexibilidade;

ÂÂstatus e respeitabilidade profissional são ampliadas;

ÂÂrelacionamentos mais horizontalizados dentro das pró-


prias organizações.

O que pode ganhar uma organização com esta carreira:

ÂÂquadros mais qualificados, com experiências diversifica-


das;

ÂÂquadros mais motivados devido aos ganhos maiores;

ÂÂconhecimento, pois quando o indivíduo deixar a organi-


zação, parte do seu conhecimento ficará;

ÂÂexperiência, pois ao se mover entre organizações, o in-


divíduo leva o benefício de sua experiência para outro
cenário;

ÂÂeconomia na qualificação de quadros que muitas vezes


já entram na organização altamente capitalizados.

Portanto, como podemos constatar, as “carreiras sem fron-


teiras” vieram como uma tendência tímida nos anos 1990,
mas vêm se consolidando no contexto dessa nova economia
do conhecimento. As perspectivas para 2020 são bastante oti-
mistas, especialistas têm apontado que o mercado consumidor
brasileiro irá quase dobrar de tamanho, passando dos atuais
2,2 trilhões para 3,5 trilhões de reais até o final da década,
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    163

chegando o consumo no Brasil a 65% do PIB, numa clara ex-


pansão de renda do brasileiro das regiões metropolitanas em
direção ao interior. Parte desta expansão pode ser explicada
pelo fato de que o número de pessoas inativas (crianças e ido-
sos) tende a diminuir gradativamente, chegando em 2022 ao
auge do chamado “bônus demográfico”, quando, de cada 10
pessoas, 6 estarão no mercado de trabalho produzindo e con-
sumindo5. A classe média brasileira, que em 2002 correspon-
dia a 38% da população, hoje está em 53% e deve chegar a
patamares em torno de 60% até 2022. Junto destas mudanças
houve um aumento dos anos de escolarização, de 8 para 12
anos de estudo, passando-se da escolarização de ensino fun-
damental completo para o ensino superior incompleto desta
nova classe média, segundo dados da Secretaria de Assuntos
Estratégicos (SAE), bem como o aumento na intensificação das
viagens nacionais e internacionais. Assim, ao que tudo indica,
haverá uma tendência no aprofundamento das “carreiras sem
fronteiras”, em que os indivíduos passam a primar, agora com
maior renda e escolarização, pela sua autorrealização e o su-
cesso psicológico e não mais meramente o sucesso externo,
da “carreira pela carreira”6. Neste sentido, as “carreiras sem
fronteiras” tenderão também a ultrapassar de forma mais visí-
vel as fronteiras não só organizacionais, mas também nacio-
nais, da empregabilidade continental e intercontinental.

5  Ver Revista Exame. Edição 1.022. Ano 46, n. 16, 22/8/2012.


6 Semelhante à “carreira sem fronteiras” existe a “carreira proteana”, que pres-
supõe também a autonomia das pessoas em relação à organização, a busca por
empregabilidade e não estabilidade no trabalho e também desenvolvimento psi-
cológico.
164   Sociedade e Contemporaneidade

7.3 Planejamento e gestão de carreira – o


profissional do século XXI

De posse da compreensão das características da economia do


conhecimento, bem como das condições que dão empregabi-
lidade às pessoas neste novo contexto, passemos agora para
o planejamento e a gestão propriamente ditos da sua carreira
profissional. Partindo do pressuposto de que na “carreira sem
fronteiras” a responsabilidade com a sua gestão e o planeja-
mento são das pessoas e não mais das organizações, teremos
uma tarefa nova e dificultosa diante da tradição brasileira de
ver as carreiras gestadas e planejadas somente pelas empre-
sas.

Atualmente, é falsa a ideia de que há uma escolha em


encontrar um bom emprego com uma carreira segura e linear
ou trabalhar por conta própria tendo mais autonomia e liber-
dade para empreender. Na economia do conhecimento, todos
trabalhamos por “conta própria” de forma autônoma e em-
preendedora7. Em outras palavras, o ato de empreender está
intrinsecamente ligado às profissões do presente e vão estar no
futuro próximo. O empreendedor aqui não é aquele dos anos
1980, em que o sujeito resolve abrir seu próprio negócio e ele
resolve abrir uma pousada na “Praia do Rosa” para ganhar di-

7  A não ser que você faça um concurso público em carreiras altamente estrutura-
das. Todavia, mesmo assim, é comum nesta opção profissional de carreira as pes-
soas estrategicamente optarem por fazer vários concursos até chegarem naquele
desejado, havendo, assim, espaços bem claros de autonomia. Não é raro pessoas
provenientes das forças policiais que se aposentam cedo, constituindo-se em con-
sultores na área de segurança, ou mesmo pilotos das forças armadas, passando
para a iniciativa privada após a aposentadoria.
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    165

nheiro nos verões com os turistas. Não, o empreendedorismo


de que estamos falando aqui é aquele que mobiliza recursos
externos para crescer e alcançar seus objetivos, na esteira de
Drucker, porém, voltados para sua carreira e não necessaria-
mente para “abrir uma empresa”. Imaginem que profissionais
na área da saúde como enfermeiros, médicos, odontólogos,
fisioterapeutas, que não tiverem nenhum traço empreendedor,
não investirem em equipamentos, livros, revistas especializadas
para se atualizarem ao longo de suas carreiras, vão ter que es-
perar que o Hospital, a Empresa, a Universidade, a Organiza-
ção o faça? Não! A carreira é sua não da empresa, lembram
da “carreira sem fronteiras”?! Um turismólogo, um arquiteto,
um urbanista vão ter que viajar por algumas das cidades mais
importantes do mundo em virtude de suas formações e para se
atualizarem. Viajar para eles é um investimento. Quem paga-
rá a viagem deles(as) a Paris, a Barcelona, a Buenos Aires? A
empresa? Você confiaria o planejamento de sua viagem a um
profissional da área do turismo que nunca viajou ali na esqui-
na? É preciso planejar e investir na sua carreira, é preciso ter
uma estratégia de carreira.

7.3.1 Estratégia de carreira


Primeiramente, é preciso dizer que escolher um curso de nível
superior não é necessariamente escolher uma carreira. Certo?!
Há especialistas na área de RH que afirmam que a ordem
correta seria escolher primeiro a carreira e só depois o curso.
Por exemplo, eu posso escolher fazer uma carreira como cor-
retor de imóveis e fazer um curso de direito, ou mesmo fazer
a carreira como gestor numa empresa de calçados ou metal
166   Sociedade e Contemporaneidade

mecânica e ter feito engenharia, administração, contabilidade


etc. Posso escolher fazer uma carreira no setor público e fazer
uma graduação em gestão pública, mas também em medicina
ou engenharia de trânsito. O curso escolhido não necessaria-
mente me coloca na carreira. Qual é a sua carreira?

Qualquer que seja a carreira escolhida será preciso que


você saiba de antemão que o mercado de trabalho precisa e
vai precisar cada vez mais de pessoas “qualificadas e inteligen-
tes”! Sim, mas vamos substituir estes dois clichês pelo conceito
de competência. Em outras palavras, o mercado de trabalho
precisa de pessoas competentes, pessoas capazes de serem
“CHA”. Primeiro, que tenham Conhecimento, ou seja, que te-
nham “saber” apreendido na escolarização formal e informal,
mas não necessariamente posto em prática. Segundo, que te-
nham Habilidade, que “saibam fazer”, que tenham experiên-
cia, que saibam, sobretudo, colocar em prática o conhecimen-
to. Terceiro, é a Atitude, é o “querer fazer”, a disposição que
articula o conhecimento e a habilidade. Portanto, a “era do
Coeficiente de Inteligência elevado”, da inteligência cognitiva,
por si só, hoje em dia, não diz absolutamente mais nada.

Feito esta primeira e importante observação é necessário


traçarmos um plano de ação para nossa carreira, uma estra-
tégia. A estratégia aqui é entendida como um conjunto de de-
cisões, e escolha de caminhos por meio dos quais as pessoas
buscarão atingir seus objetivos, fundamentalmente, a estraté-
gia é tomar decisões pensadas (ROSA, 2011), é o seu plano.
É a partir dela que será possível ampliar as possibilidades de
seu êxito profissional.
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    167

7.3.2 Formulando sua estratégia


7.3.2.1 Objetivos
Primeiramente, a pessoa deve considerar o que quer. O objeti-
vo de fazer a gestão da sua carreira é conseguir sua realização
pessoal, sua felicidade e o que isso significa na sociedade con-
temporânea, implicadas aqui as realizações de ordem material
e imaterial.

7.3.2.2 Potencial – forças e fraquezas


Definida a etapa dos objetivos, o indivíduo deve avaliar suas
potencialidades, isto são suas forças e fraquezas. Segundo
Rosa (2011), a ideia de que todos podem é falsa, algumas
pessoas terão uma enorme dificuldade para atuar em uma
determinada área e outras mais facilidade. Assim, olhe-se com
seus próprios olhos, conheça seus defeitos, suas qualidades,
seus limites de talento, “inteligência” e motivações. Olhe-se
com os olhos dos outros, veja o que eles pensam de você, qual
é a imagem que você transmite, quais qualidades provocam
admiração e quais causam rejeição? O senso comum diz, não
me interessam o que os outros pensam de mim, interessa o
que eu sou. Ledo engano, do ponto de vista social, “você é o
que a sociedade diz que você é. A sociedade é Deus” dizia um
grande sociólogo francês.

Quais são as suas forças? Você é disciplinado, estudioso,


conciliador, articulado, “educado”? Quais são suas fraque-
zas? Você tem gostos inadequados, gosta de fazer piadas, faz
comentários deselegantes sobre o comportamento dos outros
ou tem explosões de raiva? Independente de quem quer que
168   Sociedade e Contemporaneidade

você seja, peça sempre a opinião dos de “fora” sobre você,


pare para refletir, faça terapia para se conhecer melhor.

7.3.2.3 Ambiente – oportunidades e ameaças


Segundo Rosa (2011), o mundo traz para cada pessoa um
conjunto específico de oportunidades e ameaças. Nesse sen-
tido, a pessoa deve identificar os fatores positivos e negativos
que estão à sua volta, desde as transformações no mundo do
emprego e da tecnologia às demandas sociais. Assim, é preci-
so atentar-se para as forças econômicas que podem aumentar
ou diminuir a renda de determinadas classes sociais, abrindo-
-se oportunidades de novos empregos ou mesmo ameaçando
os já existentes, mudanças tecnológicas que podem melhorar
o desempenho no trabalho ou levar a obsolescência de de-
terminada profissão. Também cumpre lembrar que é preciso
atentar para o mercado específico que determinada categoria
se refere, digamos o campo de atuação e as alterações deste.

Uma profissão importante hoje pode não ser amanhã. Um


arquiteto que esteja numa área de mercado saturada, por
exemplo, deverá procurar uma outra região, estado ou mesmo
buscar alternativas de profissão no limite.

Uma empresa onde você trabalha ou quer trabalhar, tem


futuro, vai crescer, há boas condições de ambiente de traba-
lho? Funções dentro das empresas podem ser tornar mais ou
menos importantes dependendo do macroambiente, finanças,
marketing, produção ou mesmo se extinguir (ROSA, 2011).

Como está a sua rede social (social network, seu capital


social), a rede de pessoas com quem você se relaciona? De
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    169

nada adianta aquele facebook, blog, twitter, que você despen-


de horas atualizando com fotos, frases e mensagens, se de
nada ajudarão na hora de achar um emprego, ter indicação
para alguma oportunidade, pois a “qualidade” das pessoas
que você adiciona, que “te seguem”, não tem nenhum impac-
to sobre sua vida profissional, mesmo que tenha para sua vida
pessoal. Cuidado com o desperdício de seu tempo e talento.

Abaixo, observe o Quadro Swot Pessoal para realizar a aná-


lise de potencial e análise ambiental, conforme Rosa (2011).
170   Sociedade e Contemporaneidade

Quadro Swot Pessoal

Análise do Pró- Forças (Strengths) Fraquezas (Weaknesses)


prio Potencial
Características e situações Características e situa-
pessoais que facilitarão a re- ções pessoais que di-
alização dos objetivos de car- ficultarão a realização
reira. dos objetivos de carrei-
ra.
Análise do Am- Oportunidades (Opportunities) Ameaças (Threats)
biente. Situação
Situações ou eventos do am- Situações ou eventos
atual e Tendên-
biente (mercado) que facilita- do ambiente (mercado)
cias
rão a realização dos objetivos que dificultarão a reali-
de carreira. zação dos objetivos de
carreira.

Este quadro proporciona um exercício bem prático para


o início da formulação de sua estratégia. Uma vez feito este
exercício, passemos agora as dicas, observações e os retoques
que ajudarão no desenho de sua carreira profissional.

7.3.3 Inteligência emocional e etiqueta


profissional
Foram abundantemente divulgados nos últimos anos os con-
ceitos do psicólogo americano Daniel Goleman que diferen-
ciam a inteligência cognitiva, aquela inteligência baseada no
saber de conteúdos, teorias, resolução de equações, daquela
inteligência emocional ou social que está ligada à capacidade
das pessoas saberem conviver com os outros, administrarem
seus conflitos. Pesquisas organizacionais destacaram que esta
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    171

inteligência emocional teria mais peso para definir o sucesso


profissional de um indivíduo do que a outra. Como dizem os
especialistas em administração e psicologia, um funcionário
pode ser treinado, ensinado cognitivamente, mas não com
tanta facilidade consegue-se mudar comportamentos sociais,
como um desvio de conduta, por exemplo.

Atualmente, torna-se extremamente importante saber ad-


ministrar as emoções, aquele profissional que quer ampliar seu
potencial de crescimento na carreira terá necessariamente que
se qualificar emocional e socialmente. Neste sentido, segundo
Rosa (2011), há algumas emoções que derrubam e outras que
promovem as pessoas nas organizações:

Emoções que promovem Emoções que derrubam


Amor Ódio
Alegria Tristeza
Felicidade Infelicidade
Admiração Inveja
Coragem Medo
Autoestima Autorrejeição
Crença(em si mesmo, nas Descrença
possibilidades) Pessimismo
Otimismo Desconfiança
Confiança (nas pessoas) Ansiedade
Tranquilidade Mal Humor
Bom Humor

De posse deste quadro você pode fazer também o exercício


de mapear quais destas emoções (checando com você mes-
mo ou com a ajuda de pessoas próximas) são predominantes
em sua atuação profissional. Uma vez identificadas podem
172   Sociedade e Contemporaneidade

ser melhor trabalhadas para seu aperfeiçoamento emocional.


Juntamente com a inteligência emocional está também a eti-
queta profissional. Etiqueta? Sim, aqui entendida como “um
conjunto de regras criadas a fim de que a interação entre os
seres humanos aconteça dentro de princípios que trazem o
respeito mútuo”(LEÃO, 2005). Vamos lá?!

ÂÂCumprimentos

Cumprimente todas as pessoas que passar pelo seu ca-


minho no trabalho, do segurança ao presidente da empresa.
O cumprimento sempre deve partir da pessoa que tem a pri-
mazia. Mulher estende a mão para o homem, os mais velhos
estendem a mão para os jovens, o superior hierárquico na
empresa estende a mão para aquele mais baixo na hierarquia.
Homens sempre se levantam para apertar a mão, mulheres
podem ficar sentadas, bem como pessoas idosas. Mulheres
só levantam para cumprimentar idosos ou autoridades (LEÃO,
2005). Beijos não existem em ambientes profissionais formais.

ÂÂConversação

Segundo Leão (2005), saber ouvir é a virtude das pessoas


elegantes e inteligentes, fale, mas dê chance para os outros
também falarem, pergunte sobre a pessoa, assim esta se sen-
tirá incluída e com interesse em você. Evite palavrões, gírias,
fofocas, cuidado com piadas sobre etnias, religião, time de
futebol, a chance de um escorregão é sempre iminente, bem
como o tom e o volume de sua fala. Se tiver que atender a um
chamado no celular peça licença para seu interlocutor, mas dê
a preferência a quem está fisicamente com você.
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    173

Seus problemas pessoais, são pessoais, não profissionais!


Jamais perca a noção exata da distância que deve haver entre
seus superiores e você, em ambiente profissional temos cole-
gas, não necessariamente amigos. Isso vale para o ambiente
acadêmico. Uma relação mais fraterna e menos formal sem-
pre deve partir do superior hierárquico.

ÂÂConvites

Todas as vezes que você receber um convite de alguém ou


de uma organização agradeça, se for pedida a confirmação
o faça o mais breve possível. Se não puder comparecer, não
hesite em negar. Pior do que não ir é confirmar a presença e
depois não comparecer. Se for seu líder, chefe, então...

A retribuição de um convite se faz com outro convite. Sem-


pre que for convidado a ir a casa de alguém pela primeira vez
leve um presente, é absolutamente elegante. Quando convi-
dar alguém para sair a regra é: “quem convida dá banquete”,
pague a conta! A não ser que combinem ir juntos ao local ou
estejam em horário de almoço na empresa. Nestas circunstân-
cias, pagar a conta de um colega, por exemplo, de trabalho,
pode parecer presunçoso.

ÂÂRoupas

O ambiente, bem como a atividade que vamos desenvolver


sempre é determinante das roupas que vamos usar. Evidente-
mente, se você trabalha numa loja como uma SurfShop sua
roupa será completamente diferente daquela se você traba-
lhasse em uma loja clássica que vende roupas masculinas for-
mais, quer seja o gerente ou vendedor. Observe o seu ambien-
174   Sociedade e Contemporaneidade

te de trabalho, observe como seus colegas se vestem. Cuidado


para não usar a roupa para expressar-se, por mais difícil que
seja, isso pode ser feito nas horas vagas, no ambiente de tra-
balho o que conta é a discrição e adequação (ROSA, 2011).
Por quê? Porque você está representando muitas vezes a orga-
nização, seus colegas e não a você mesmo.

ÂÂFacebook, Twitter, e-mails, blogs etc. (Redes Sociais)

Atualmente, com as novas tecnologias, há um nível de


exposição dos indivíduos jamais visto na história recente da
humanidade. Vivemos uma perda de privacidade, ao mesmo
tempo em que somos chamados e compelidos a refletirmos
eticamente sobre nossos comportamentos que se tornaram
cada vez mais públicos, por sua vez. Assim, sua imagem está
diretamente relacionada com aquilo que você posta, tecla, fo-
tografa, segue etc. Ao colocar em seu currículo acadêmico,
em sua netaula, uma foto sua na praia em trajes de banho
tomando uma cerveja com amigos, você está querendo co-
municar exatamente o quê? Que imagem? De um estudante
de matemática, de marketing, de engenharia de trânsito, de
tecnologia da informação, disciplinado, organizado? A foto
não está indicando isso. Certas fotos devem ser guardadas
para a intimidade.

Se tiver um Facebook, ele deve ser construído de tal ma-


neira que sua mãe, sua mulher, seu marido e ou mesmo seu
superior hierárquico possam olhá-lo a qualquer momento e
não cause espanto algum. Hoje em dia, as empresas vascu-
lham sempre as redes sociais antes da contratação de qual-
quer pessoa. Seus e-mails em ambientes acadêmicos e profis-
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    175

sionais devem conter assinatura, credenciais e cuidados com o


português. Sempre iniciando com Caro, Prezado(a), Senhor(a),
Estimado(a), pode ser finalizado com Atenciosamente, Cordial-
mente, Obrigado, Abraço etc. Não encha a caixa de e-mail
dos seus colegas com “correntes da sorte”, poesias de gosto
duvidoso com Power Points que saltam na tela com musiqui-
nhas de igual teor. Quando você precisar realmente de uma
ajuda ou da solidariedade destes colegas, não será levado a
sério. Inclusive, a partir de certo momento, as pessoas come-
çarão a deletar você, sem sequer abrir seu e-mail. Para fina-
lizar este capítulo, mas não a discussão do “Trabalho e Em-
prego no Mundo das Novas Tecnologias”, queremos salientar
que este capítulo teve tão somente a ideia de provocá-lo para
entrar nesta interessante e imprescindível discussão sobre você
e seu futuro profissional!

Recapitulando

O capítulo tratou sobre o trabalho e o emprego no mundo


das novas tecnologias. Neste sentido, demonstrou que nós
transitamos de uma economia de exploração lá em nossos
primórdios da colonização portuguesa para outras formas de
economia até chegarmos à economia do conhecimento, cuja
exigência, de trabalho e emprego, é completamente diferente
na contemporaneidade. 

Nesta nova economia, o conhecimento e a informação


(capital intelectual) são fundamentais para podermos ter em-
pregabilidade. O emprego passa a ser além de temporário,
176   Sociedade e Contemporaneidade

não mais para a vida toda, também “sem fronteiras”. Este


novo “trabalhador” não faz mais uma “carreira organizacio-
nal”, subindo postos dentro da empresa na qual trabalha, mas
exercendo atividades para além das fronteiras da organiza-
ção, ou seja, fazendo uma “carreira sem fronteiras”. Este novo
trabalhador terá de ser, acima de tudo, um empreendedor na
sua profissão, investindo na sua formação permanente, plane-
jando sua carreira, que exigirá para além de uma inteligência
cognitiva, uma inteligência emocional.

Referências

FRIEDMAN, Thomas. O mundo é plano. Uma breve História


do século XXI. 3. ed. Lisboa: Actual, 2006.

MANTEGA, Guido. A economia política brasileira. Petrópo-


lis/RJ: Vozes, 1990.

PINSKY, Jaime (Org.). Cultura e elegância. São Paulo: Con-


texto, 2005.

REVISTA EXAME. Edição 1.022. Ano 46, n. 16, 22/8/2012.

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro. A formação e o sentido


do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 2005.

ROSA, José Antonio. Carreira: planejamento e gestão. São


Paulo: Editora Série Profissional, 2013.

STEWART, Thomas A. Capital intelectual. A nova vantagem


competitiva das empresas. São Paulo: Campus, 1998.
Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    177

VELOSO, Elza Fátima Rosa. Carreiras sem fronteiras e tran-


sição profissional no Brasil. São Paulo: Atlas, 2012.

ZAKARIA, Fareed. O mundo pós-americano. São Paulo:


Companhia das Letras, 2008.

Atividades

1) De acordo com o texto, o Brasil passou pela transição en-


tre vários modelos de economia, entre eles, a economia
baseada nas extrações do pau-brasil nas costas litorâneas
com a utilização da mão de obra indígena no início da
colonização. Posteriormente, no século XX, com êxodo ru-
ral expressivo de agricultores para os centros urbanos, a
expansão da mão de obra assalariada, a criação do salá-
rio mínimo, da carteira de trabalho e de toda a legislação
trabalhista moderna edificada a partir da Era Vargas, o
país teve outro modelo de economia. São respectivamente
dois modelos descritos acima:

a) Economia agroexportadora e industrial.

b) Economia de exploração e industrial.

c) Economia do Conhecimento e industrial.

d) Economia de exploração e agroexportadora.

e) Economia de exportação e agroexportação.

2) Com base neste capítulo, as fontes de riqueza, no Brasil


contemporâneo, não são mais os recursos naturais ou o
178   Sociedade e Contemporaneidade

trabalho físico dos séculos pretéritos, mas o conhecimento


e a comunicação, o capital intelectual. Nessa nova econo-
mia, a disputa, agora, é:

a) Pela posse, produção e distribuição de bens agrícolas


em escala global.

b) Pela posse, produção e distribuição de mercadorias


em escala global.

c) Pela posse, produção e distribuição de commodities


em escala global.

d) Pela posse, produção e distribuição do conhecimento


em escala global.

e) Pela posse, produção e distribuição de bens duráveis


em escala global.

3) De acordo com o texto, as emoções que derrubam qual-


quer um no ambiente profissional são:

a) Amor - Alegria - Felicidade.

b) Admiração - Coragem - Autoestima.

c) Ódio - Tristeza - Infelicidade.

d) Ódio - Tristeza - Amor.

e) Desconfiança - Ansiedade - Bom humor

4) De acordo com o que foi lido neste capítulo, o uso das


novas tecnologias nos permite:

a) Uma sempre completa e segura privacidade.


Capítulo 7    Trabalho e Emprego no Mundo das Novas Tecnologias    179

b) Uma não exposição de nossas vidas.

c) Um anonimato completo daquilo que postamos e se-


guimos.

d) Uma completa privacidade e não exposição de nossas


vidas.

e) Uma exposição jamais vista dos indivíduos e uma


completa perda de privacidade que nos obriga a pen-
sarmos eticamente sobre aquilo que postamos e segui-
mos.

5) De acordo com este capítulo, o empreendedorismo pode


ser visto como:

a) O ato de empreender um negócio, uma empresa ou


um comércio.

b) O ato de empreender um negócio, um comércio ou


uma loja.

c) O ato de mobilizar recursos externos para crescer e


alcançar seus objetivos na carreira.

d) O ato de mobilizar recursos externos para crescer e


alcançar objetivos para sua empresa.

e) O ato de empreender um pequeno negócio comercial


ou industrial.
Rodrigo Perla Martins1

Capítulo 8

O Brasil no Cenário
Internacional da
Contemporaneidade 1

O Brasil no Cenário Internacional...

1  Professor de História, Doutor em História pela PUCRS e Mestre em Ciência Polí-


tica pela UFRGS.
Capítulo 8    O Brasil no Cenário Internacional...    181

Introdução

O ano 2000 chegou para o Brasil como um misto de espe-


rança e preocupação. A desvalorização da moeda – um ano
antes – a inserção externa brasileira, a desigualdade social e
um número expressivo de pobres fazia com que o cenário na-
cional não fosse o que se almejava.

Desde a década de 50 se tinha a percepção que o Brasil


seria “o país do futuro”. Mas no princípio do novo século pa-
recia que o futuro tinha chegado, mas não ao Brasil... Pelo
menos era isso que se percebia no país, já que havia incer-
tezas econômicas, reformas sociais reprimidas e faltava – de
uma maneira geral – mais protagonismo externo para o país
inserir-se de maneira mais altiva no cenário internacional. Isto
é, não aceitando imposições políticas e econômicas sem ne-
nhum tipo de crítica e proposição.

Apesar disso, lentamente, o país tinha iniciado uma gui-


nada em suas opções externas de inserção internacional, bem
como iniciou uma reorganização interna (política, econômica
e social) forte. Politicamente falando, novos agentes atuavam
no cenário nacional tentando construir uma agenda onde seus
interesses estivem contemplados em uma democracia relativa-
mente consolidada. Economicamente, o Plano Real passava
por uma reorganização importante e, de uma certa maneira,
demandada pela população. E socialmente, políticas públicas
importantes que buscavam uma inclusão e que respondiam a
anseios historicamente devidos à maioria dos brasileiros.
182   Sociedade e Contemporaneidade

A articulação entre o cenário interno e externo foi o que


diferenciou o país a partir dos anos 2000. Isto é, as ques-
tões internas refletiram no cenário internacional e vice-versa.
Não que isso seja uma novidade na história do país, mas sim,
parece que um certo protagonismo externo em suas posições
políticas muitas vezes carregaram consigo as opções internas
no campo social, político e econômico.

Especificamente na questão social e política interna a


Constituição de 88 pode ser considerada um marco histórico.
Conforme José Murilo de Carvalho, a consolidação democrá-
tica aconteceu na Carta de 1988. Nela, grupos sociais (Sem
Terras, Negros, Índios e excluídos em geral) conquistaram o
direito de ocupar a agenda pública com suas demandas so-
ciais. Apesar disso, muitas medidas necessitavam ser tiradas
do papel de maneira objetiva. Isto é, transformar o texto cons-
titucional em políticas públicas de qualidade.

Desse conjunto de expectativas, desejos e consolidações


sociais, como o Brasil articulou, no período histórico, entre o
ano 2000 e 2014, as questões internas e de inserção externa
necessárias no cenário internacional? Para essa pergunta ire-
mos elencar, a seguir, dois momentos que dividimos em ques-
tões internas e externas. Isto é, apontaremos questões brasi-
leiras do período que se articulam à questão externa. Isto é,
como o país inseriu-se no cenário internacional a partir de
decisões de cunho interno que influenciaram no cenário inter-
nacional.
Capítulo 8    O Brasil no Cenário Internacional...    183

8.1 Brasil – questões internas

Internamente o país também sofreu mudanças interessantes.


Primeiramente o debate de ideias - que influenciaram grupos
progressistas mundialmente – no I Fórum Social Mundial (FSM)
que aconteceu na cidade de Porto Alegre – no Rio Grande do
Sul - no verão de 2001. O mesmo discutiu e refletiu sobre “um
outro mundo possível”. Esse encontro percorreu diversas cida-
des do mundo – derivando muitas vezes em fóruns temáticos
– e enfrentando debates e políticas com ideias de contracor-
rente. De alguma forma a sociedade organizada brasileira foi
propositiva e não somente reativa em relação ao debate sobre
o capitalismo mundial.

Do ponto de vista eleitoral, podemos afirmar que a corre-


lação de forças políticas na sociedade brasileira alterou-se e,
a eleição presidencial de 2002, definiu – de alguma forma – a
mudança do grupo político no poder. Luiz Inácio Lula da Silva
assumiu a presidência da República e com ele houve conti-
nuidades e alterações de opções que fizeram com que o país
se apresentasse ao mundo de maneira diferente – inclusive
propondo alternativas a impasses diplomáticos, servindo de
exemplo para construção de políticas de combate à fome e à
pobreza no mundo.

As correções de rumo que a moeda (Real) sofreu serviram


de base para até mesmo as reformas sociais que aconteceram
no período. Isso, de alguma forma, é a evidência de continui-
dade possível entre o período FHC e Lula. A desvalorização de
1999 e os ajustes de rota de 2000 até 2005 fizeram com que
184   Sociedade e Contemporaneidade

o país conseguisse manter inflação baixa e contas públicas


organizadas.

Socialmente as políticas públicas, a partir de 2000, imple-


mentadas atenderam demandas históricas de grande parte da
população mais carente do país. Fome Zero (depois substi-
tuído pelo programa de renda “Bolsa Família”), Lei 10639,
PROUNI, FIES, Minha Casa – Minha Vida, REUNI, Ciências
sem Fronteiras. Pretendemos aqui mostrar as possíveis conti-
nuidades de tais políticas. As mesmas podem ter mudado de
nome ao longo do processo e até mesmo terem alterado seus
conteúdos. Mas a perspectiva aqui colocada tem como base a
necessidade de políticas públicas e não se a mesma foi criada
por este ou por aquele governo. Assim, os programas e políti-
cas públicas, de uma maneira geral, atenderam as demandas
dos movimentos sociais organizados e também a população
que necessita das mesmas demandas, mas sem uma organi-
zação direta.

Se pegarmos o exemplo da questão étnico-racial no Brasil


(especificamente a questão negra), a partir da lei 10639/2003,
veremos que à Secretaria de Políticas Públicas de Promoção da
Igualdade Racial (SEPPIR), criada em março de 2003, “com-
pete assessorar direta e imediatamente o Presidente da Repú-
blica na formulação, coordenação e articulação de políticas e
diretrizes para a promoção da igualdade racial [...]”. A partir
daí propõe uma forma de tratamento para a questão racial no
cotidiano escolar ao estabelecer “novas diretrizes e recomen-
dar práticas pedagógicas que reconheçam a importância dos
africanos e afro-brasileiros no processo de formação nacio-
nal”.
Capítulo 8    O Brasil no Cenário Internacional...    185

O PROUNI, data do ano de 2005 e financia integralmente


as vagas aos estudantes ou 50% do curso em instituições pri-
vadas de ensino superior no Brasil (MEC – site: prouniportal.
mec.gov.br). Criado no primeiro governo de Luiz Inácio Lula
da Silva, o programa trabalha nos parâmetros da renúncia
fiscal por parte do Estado para financiar o custeio das vagas
compradas nas instituições de ensino superior. As instituições
de ensino recebem isenção de impostos. Esta compra de va-
gas pelo Estado colaborou sobremaneira para o maior acesso
ao ensino superior por parte da população de baixa renda.
Estima-se que passados 10 anos de implementação do pro-
grama, mais de 1 milhão de egressos tenham sido formados
nas IES privadas e comunitárias em todo Brasil.

Este programa atende a população jovem e universitária


que estava fora do ensino superior. O FIES atende aqueles que
acessam o ensino privado superior e recebem um financia-
mento do Estado brasileiro. Com carência e pagamentos com
juro baixo, o programa sofre ajustes constantes e atinge boa
parte da população excluída dessa etapa de ensino.

Até o início do ano 2000, o Brasil tinha menos alunos que


o Paraguai – em números relativos – no quesito ocupação do
ensino superior. De uma maneira geral, é somente depois do
PROUNI – em um primeiro momento – e do FIES (a partir de
2010) que o Brasil consegue aproximar e até mesmo superar
aquele país (MEC – site: prouniportal.mec.gov.br).

Já o FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) é um pro-


grama também do MEC que tem como objetivo financiar a
graduação no ensino superior em instituições privadas e co-
186   Sociedade e Contemporaneidade

munitárias. Por sua vez, o mesmo tem taxas atraentes para


os alunos. Com pagamentos simbólicos trimestrais e carência
de 18 meses para começar a pagar depois do fim do curso.
Sendo que o pagamento do mesmo será feito em três vezes o
tempo financiado do curso acrescido de 12 meses (MEC – site:
sisfiesportal.mec.gov.br). De maneira específica os cursos de
licenciatura ainda tem mais uma vantagem. Esta versa sobre o
abatimento de 1% do total devido caso seja professor em rede
pública com no mínimo 20 horas de contrato (MEC – site: sis-
fiesportal.mec.gov.br).

O crescimento da rede federal pública de ensino superior


contribuiu de maneira determinante para alcançar a meta de
estudantes brasileiros no ensino superior. Rapidamente pode-
mos citar o caso do REUNI (Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais) nas IES
públicas federais, a criação dos cursos tecnólogos em todas
IES (públicas, privadas e comunitárias) e a disseminação dos
cursos à distância que fizeram crescer a oferta de ensino supe-
rior no país.

O aumento de estudantes na educação superior foi resul-


tado direto das políticas criadas. Dois programas proporciona-
ram isso na questão do acesso de cidadãos ao ensino superior
privado, assim como o aumento de vagas públicas no sistema
federal de ensino a partir da construção de institutos federais
de ensino e até mesmo da criação de novas universidades pú-
blicas federais.

Politicamente as continuidades entre o governo de Fer-


nando Henrique Cardoso e Lula – em um primeiro momen-
Capítulo 8    O Brasil no Cenário Internacional...    187

to consolidou a democracia. Isso porque muitas ações foram


mantidas, outras alteradas e novas propostas. Estas últimas de
cunho social que foram bem recebidas no planeta. O exem-
plo do Bolsa Família até hoje recebe premiações pelo mundo,
bem como é copiado por diversos países – até mesmo euro-
peus. Inclusive teve ampliação a partir de 2009 para combater
a crise econômica internacional. Em 2009 chegou-se a 12,4
milhões de famílias que acessavam tal política.

Em 2015 o Brasil saiu do mapa da fome no mundo, con-


forme a ONU. E o programa Bolsa família teve papel prepon-
derante nesta conquista da sociedade brasileira.

8.2 Brasil – Questões externas

No sistema internacional, o Brasil se colocou como fornecedor


de matérias-primas importantes para parceiros políticos e até
mesmo antigos mercados externos. Apesar do volumoso tama-
nho de recursos financeiros que o Brasil prospectou com essa
venda, ainda se faz necessário uma política industrial coerente
e consolidada para que o perfil econômico brasileiro mude de
fato.

As commodities vendidas, ao longo do período aqui estu-


dado, estavam valorizadas comercialmente e o Brasil aprovei-
tou o momento. Os preços das mesmas eram altos e a deman-
da pelos produtos também.

Os Jogos Pan Americanos no Rio em 2007, a Copa do


Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2015 “trouxeram” o mun-
188   Sociedade e Contemporaneidade

do ao Brasil e, este, aos olhos do mundo. Dentro de um cir-


cuito de eventos estrangeiros, o país consolidou posição de
importância entre os países que podem receber esse tipo de
evento. Apesar de manifestações democráticas discutindo a
validade dos mesmos em um país ainda com muitas carências.

Temos ainda a questão do descobrimento do pré-sal e de


sua importância econômica para o Brasil. Apesar da desvalori-
zação do preço de mercado do produto, a reserva encontrada
abre possibilidades de futuro para o Brasil na autossuficiência
do produto na questão interna e uma certa independência ex-
terna.

A aproximação do Brasil com os países do sul do mundo


– sem deixar de atentar para as relações com o norte – fez
com que o país mudasse suas relações políticas, comerciais e
estratégicas na inserção internacional. As empresas brasileiras
foram estimuladas a exportar para mercados abertos por essa
nova inserção externa. O Brasil forneceu mercadorias para
África e Ásia. Estimulou contatos a partir de pontos convergen-
tes com países estrategicamente interessantes (Rússia, Índia,
China e África do Sul). Não teve preconceito em relação à
aproximação com países fora do eixo ocidental. Muitas vezes
financiando obras onde as empresas brasileiras foram deman-
dadas a atuar, gerando emprego e renda no Brasil. Além dis-
so, conseguiu uma inserção externa – politicamente falando
– que não se tinha registro em tempos atuais. Um aumento
significativo de embaixadas (na África, principalmente) que fi-
zeram com que o Brasil aumentasse seu peso no cenário in-
ternacional. Isso sem contar as inúmeras viagens presidenciais
aos países parceiros. Dentre as tantas aberturas de janelas de
Capítulo 8    O Brasil no Cenário Internacional...    189

oportunidade para o país, essa atuação trouxe também mer-


cados externos de consumo de produtos brasileiros.

Essa questão até trouxe novamente a demanda de ocupar


um cargo no Conselho de Segurança da ONU (demanda bra-
sileira ainda da década de 90) e com isso, propor um reforma
não só deste Conselho, mas também da ONU como um todo.
Também na questão internacional, o Brasil atuou em fóruns ex-
ternos tentando liderar discussões que colocaram o país com
perfil de liderança no cenário externo exercendo um grande
protagonismo. Essa liderança construída trouxe demandas
maiores no cenário internacional. Até mesmo mediações em
conflitos em regiões que o Brasil tinha pouca influência.

A proposição de grupos diplomáticos paralelos aos exis-


tentes fez do Brasil uma liderança internacional de grande
respeito por parte de seus pares. A figura do presidente Lula
era respeitada por líderes internacionais. E contíguo a isso, as
políticas sociais brasileiras ficaram conhecidas pelos impactos
na realidade nacional, mas também através de discursos pre-
sidenciais em fóruns internacionais, onde as mesmas foram
copiadas e adaptadas em outros países.

Além disso, pelo lado político da inserção externa, o Brasil


propôs articulações entre países que ficavam à beira de deci-
sões internacionais. E a partir de então eram até mesmo ouvi-
dos e propositivos. Os casos do G20 e dos BRICS são exemplo
desta atuação brasileira. O século XXI chegou ao Brasil, mas
o país também alterou seu perfil interno e externo e, assim,
conseguiu influenciar decisões em fóruns externos de grande
importância no sistema internacional.
190   Sociedade e Contemporaneidade

Os programas de envio de alunos brasileiros para o ex-


terior (Ciências sem Fronteiras) e a chegada de estrangeiros
nos intercâmbios colocaram o Brasil no cenário internacional
de mobilidade acadêmica. As trocas entre ida de alunos bra-
sileiros para universidades estrangeiras e a cooperação com
outros países a partir da chegada ao Brasil de alunos estran-
geiros (principalmente na colaboração com países africanos
ao receber estudantes deste continente – onde até mesmo
universidades foram criadas com auxílio do Brasil), proporcio-
naram uma abertura do país para o mundo. A diversidade
interna foi reforçada e o Brasil, assim, pode afirmar que está
conectado ao mundo nessas vagas de cooperação científica
internacional.

Isso sem falar na chegada de trabalhadores estrangeiros


para morar no Brasil. Refugiados e migrantes do mundo, bem
como trabalhadores da Europa e dos EUA, que aportaram no
Brasil, atraídos pelas grandes obras e pelo crescimento econô-
mico dos últimos anos e até mesmo, fugindo de crises de todas
ordens em seus países.

O início do século XXI trouxe ainda a reaproximação do


Brasil com o continente africano. A eleição do primeiro presi-
dente operário, no Brasil, também trouxe retomadas e inova-
ções nesta relação. A partir de um padrão de conduta externa
– construído desde 1960 – passando por relações low profile
ente 1990 e 2002 – o Brasil procurou reconstruir as relações
com o continente em um novo patamar.

Ao contrário da década de 70 que o discurso da africa-


nidade era somente para estabelecer relações econômicas
Capítulo 8    O Brasil no Cenário Internacional...    191

e comerciais, a política externa brasileira do governo Lula


(2003-2010) buscava apresentar o Brasil como um parceiro
para estabelecer relações com base na dívida histórica que o
Brasil tem com a população afrodescendente nativa e com a
África de uma maneira geral, além, é claro, da perspectiva de
colaboração acima de questões ideológicas ou diretamente
econômica.

Não somente o pragmatismo dos anos 1970 se fazia pre-


sente nos contatos com o continente, mas também e principal-
mente pelas novas concepções nesta aproximação. Se antes
o continente era visto somente como mero fornecedor de ma-
térias-primas e consumidor de manufaturados, agora, a pro-
posta brasileira era: “vamos juntos buscar o desenvolvimento
em todos níveis”. Tanto é que esta reaproximação tinha base
social ampla na sociedade brasileira e propunha uma agenda
envolvente que tratava de diversas questões importantes para
sociedades do continente africano e do Brasil.

Neste governo o mote foi a abertura de embaixadas e con-


sulados ao longo do continente, sendo que a dita diplomacia
presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva pode ter sido deter-
minante para a aproximação Brasil-África neste momento. As
parcerias econômicas, retomada de contatos e abertura de
mercados para produtos brasileiros e presença comercial de
empresas privadas do Brasil proporcionaram um estreitamento
de relações.

Pelo lado científico, podemos dizer que houve um incenti-


vo, por parte do Brasil, de viagens e intercâmbio de estudantes
africanos para universidades brasileiras. Cabe ressaltar, tam-
192   Sociedade e Contemporaneidade

bém, a criação de laboratórios para produção de remédios na


África no combate à AIDS.

Empresas estatais brasileiras também se instalaram no con-


tinente para capacitação agrícola como no caso da EMBRAPA
(Empresa brasileira de pesquisa agropecuária) e até mesmo o
SEBRAE (Serviço brasileiro de apoio a micro e pequenas em-
presas) atuando como capacitadores de mão de obra na Áfri-
ca, entre outras ações dos Ministérios da Educação, da Cultura
e da Ciência e Tecnologia que estabelecem vários programas
de cooperação.

Por último, cabe lembrar do bloco econômico e político


que inclui Brasil e um país africano, no caso específico, a Áfri-
ca do sul, a partir do BRICS. O mesmo nasceu de maneira
informal a partir de atuação com agenda comum em foros in-
ternacionais. Esta agenda externa comum que inclui questões
comerciais, políticas e econômicas (dentre outras) permitiu a
criação deste grupo que atua junto em demandas específicas
no sistema internacional dominado por potências econômicas.

Como finalização, podemos apontar que o futuro do Brasil


foi construído a partir da década de 90 – quando as questões
econômicas começaram a ser resolvidas e depois nos anos
2000 quando a questão social e democrática foi consolidada.
As articulações que podemos apontar entre cenário interno e
externo ou então a base do protagonismo brasileiro no exte-
rior foi resultado das mudanças que ocorreram ao longo do
ano 2000, principalmente no que tange às políticas públicas
objetivadas.
Capítulo 8    O Brasil no Cenário Internacional...    193

Apesar de tudo, o Brasil continua sendo uma sociedade


com desigualdades sociais extremas, com níveis de pobreza
inaceitáveis (alguns números falam em 20 milhões de brasilei-
ros que ainda não acessaram as políticas públicas vigentes).
Enfim, uma realidade inaceitável e o enfrentamento em seu
início.

Se na década de 50 o Brasil era o país do futuro, parece


que entre os anos 2000 e 2014 o futuro chegou. E esta maio-
ridade trouxe muita responsabilidade para toda a nação.

Recapitulando

Vimos no texto que a primeira década do século XXI, no Brasil,


foi marcada por desafios e avanços, bem como esperanças e
algumas mudanças em questões sociais clássicas no país. Ao
longo do século passado buscamos avanços de ordem econô-
mica que resultariam em alterações sociais. O ano de 1988
é a chave para entendermos as mudanças que construímos
enquanto nação. A constituição cidadã foi projetada como um
instrumento indicador de mudanças. Mas isso não foi possível
em um primeiro momento, já que as mesmas não surgem de
maneira mágica. A partir do Fórum Social Mundial se refletiu
a respeito daquilo que se queria construir socialmente para a
maioria da população. Obviamente que o Brasil não é, nem
nunca foi uma ilha. Assim, suas opções políticas sempre esti-
veram articuladas a questões externas importantes para a rea-
lidade brasileira.
194   Sociedade e Contemporaneidade

Parece que a chegada de Lula ao poder, em 2003, colocou


em prática algumas demandas há muito exigidas pela cidada-
nia como um todo. Foi possível colocar uma certa agenda so-
cial em primeiro plano da política nacional até 2010. Diversas
políticas públicas (Bolsa Família, Cotas raciais, PROUNI, FIES,
Minha Casa - Minha Vida etc.) foram executadas bem como a
economia interna do país foi dinamizada a partir de uma maior
ação do Estado. Dessa forma, em torno de 40 milhões de pes-
soas foram incluídas ao mercado de consumo, ao sonho da
casa própria e ao ensino superior. Assim como questões raciais
foram colocadas em evidência no país a partir das Cotas Racias
no ensino público. Pelo lado externo, um maior protagonismo
do país acelerou contatos com países de mesmo perfil e arti-
culou medidas de cunho integrador. A África foi um dos alvos
na perspectiva externa de inserção brasileira e de integração.
Se iniciamos o século com certo ceticismo, penso que chega-
mos ao final da primeira década com um perfil diferenciado
do país.

Referências

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo


caminho. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2015.

CERVO, Amado L. Inserção Internacional. Formação dos


conceitos brasileiros. São Paulo: Saraiva, 2008.

GRABOWSKI, Gabriel. Políticas públicas, Estado e socieda-


de. In: MARTINS, Rodrigo Perla e MACHADO, Carlos R. S.
Capítulo 8    O Brasil no Cenário Internacional...    195

Identidades, Movimentos e Conceitos: Fundamentos para


realidade brasileira. Novo Hamburgo: Ed. Feevale, 2013.

VIZENTINI, Paulo G. F. Política externa brasileira: De Vargas


a Lula. São Paulo: Perseu Abramo, 2003.

Atividades

Marque a alternativa conforme solicitado.

1) Qual o lema do Fórum Social Mundial (FSM) e qual a ci-


dade do Brasil o mesmo foi criado? Respectivamente.

a) Um outro planeta é possível - Rio de Janeiro.

b) Um outro mundo é possível - Porto Alegre.

c) Mudança mundial é possível - Curitiba.

d) Uma outra cidade é possível - São Paulo.

e) Nenhuma das respostas acima.

2) Sobre a Constituição de 1988 - a mesma é conhecida


como:

a) Constituição de Direitos.

b) Constituição dos Cidadãos.

c) Constituição Cidadã.

d) Constituição da Cidade.

e) Constituição pós-Ditadura.
196   Sociedade e Contemporaneidade

3) Principal política pública brasileira reconhecida e premia-


da por diversos países que ajudou a combater a fome e a
miséria no Brasil:

a) Fome Zero.

b) Vale Gás.

c) PROUNI.

d) Bolsa de doutorado.

e) Bolsa família.

4) O protagonismo externo brasileiro, a partir de 2003, teve


como um de seus principais objetivos:

a) A Europa e seu mercado interno.

b) Os EUA e seu mercado interno.

c) A Ásia e seus recursos naturais.

d) A África e as parcerias de desenvolvimento.

e) Nenhuma das respostas acima.

5) Desde o período da escravidão, no Brasil, existem mo-


vimentos sociais que lutaram pelo fim do trabalho escra-
vo. Atualmente, os mesmos conquistaram avanços sociais
importantes para as populações afrodescendentes, desde
1988. Assinale a alternativa que apresenta um avanço es-
pecífico relacionado com essa temática.

a) Política de cotas raciais.

b) Bolsa escola.
Capítulo 8    O Brasil no Cenário Internacional...    197

c) Programa universidade para poucos.

d) Bolsa de mestrado.

e) Nenhuma das respostas acima.


Paulo G. M. de Moura1

Capítulo 9

Organizações e
Participação Política
e Social no Mundo
Contemporâneo

1 Bacharel em Ciências Sociais (1992), mestre em Ciência Política pela UFRGS


(1998); doutor em Comunicação Social pela PUCRS (2004) e especialista em Edu-
cação à Distância pelo Senac/RS (2009). Professor Adjunto com Doutorado da
ULBRA. Atua na área de Ciência Política com ênfase em Estudos Eleitorais e Partidos
Políticos e na Área de Comunicação Política e Marketing Político.
Capítulo 9    Organizações e Participação Política e Social no...    199

“É óbvio que as elites organizadas existentes em todas as


sociedades humanas desde o princípio da história” sem-
pre tentaram se apropriar de todos os recursos para “con-
quistar e/ou preservar o poder. Dizer isso é o mesmo que
dizer que em todas as sociedades humanas (excetuando-
-se o breve intervalo dos gregos ou, mais propriamente,
dos atenienses dos séculos VI e V antes da Era Comum e,
em parte, algumas sociedades dos últimos dois séculos)
tivemos regimes autocráticos e não democráticos. Todo
o tempo histórico (considerando como início da chama-
da história o surgimento do primeiro sistema autocrático
estável, com o advento do Estado sumeriano, provavel-
mente em Kish, na antiga Mesopotâmia, há cerca de seis
milênios) foi, praticamente, tempo de autocracia; não
de democracia. Se pudéssemos contar o tempo histórico
(das chamadas civilizações) como um dia de 24 horas,
tivemos democracia (ou melhor, experiências localizadas
de democracia), apenas por 96 minutos (e olhe lá!).” Au-
gusto de Franco2

Introdução

O exercício da liderança é uma marca das sociedades huma-


nas. Na pré-história, quando a humanidade vivia em bandos
nômades, a hierarquia de poder e a estratificação social eram
extremamente simples. Cada sociedade cria o seu subsistema

2 www.diegocasagrande.com.br, coluna de Augusto de Franco acessada em


4/5/2007.
200   Sociedade e Contemporaneidade

político. Tal como acontece entre lobos e leões, havia um líder


sobre o bando de liderados e vigorava a lei do mais forte. Na
medida em que a humanidade foi caminhando em direção à
civilização, foi também, gradativamente, sofisticando as estru-
turas dos sistemas sociais e políticos; desenvolvendo formas
específicas de organização e de exercício do poder.

A liderança social e o poder político ao longo da história,


sempre estiveram associados às formas de organização social
e ao nível de distribuição do direito de participação da socie-
dade nas decisões coletivas que lhe dizem respeito. Se o poder
se encontra mais concentrado nas mãos de um indivíduo, de
grupos oligárquicos, ou do Estado do que distribuído na socie-
dade, o sistema político pode ser considerado autoritário, ou,
autocrático, e vice e versa, se mais distribuídos para um gran-
de número ou para a maioria dos membros dessa sociedade,
seu sistema político é considerado democrático.

Assim como acontece nas esferas econômica, social e cul-


tura, também a esfera política da sociedade contemporânea
passa por profundas transformações. Entender o que se passa
nessa dimensão da nossa vida em sociedade também é impor-
tante para sabermos nos situar nesse mundo em constante e
acelerada mudança.

9.1 O poder nas sociedades antigas

Nas sociedades antigas, excetuados os casos referidos por Au-


gusto de Franco na citação acima, predominava o exercício
Capítulo 9    Organizações e Participação Política e Social no...    201

do poder despótico ou oligárquico, exercido com predomínio


do uso da força. Os governantes eram vistos como deuses ou
intermediários da relação entre o povo e os deuses, e, como
consequência, o povo não participava das tomadas de deci-
sões sobre seu destino, já que a justificativa para o poder dos
governantes era de origem religiosa. Isto é, entendia-se que o
direito ao poder era desígnio divino. Religião e poder cami-
nharam juntos ao longo de séculos. Na sociedade ocidental
a separação entre o Estado e a Igreja somente aconteceu no
final da Idade Média, quando teve início a Era Moderna.

Na Idade Média o sistema social organizava-se a partir da


propriedade da terra e os senhores feudais, seus proprietários,
deliberavam os assuntos políticos (guerra, impostos, punição
de crimes, etc.), por sua livre vontade, mas sempre aconse-
lhados por membros da hierarquia da Igreja, que, com eles
compartilhavam o exercício do poder e se constituía na úni-
ca organização hierarquizada e presente em todo o território
europeu e parte das regiões antes integrantes do Império Ro-
mano, das quais os europeus não haviam sido expulsos pelos
antigos povos bárbaros, civilizados por gregos e romanos nos
séculos anteriores.

9.2 O poder na sociedade moderna

Com a irrupção da Era Moderna, o ressurgimento do fenôme-


no urbano na esteira das revoluções comercial e industrial, as
formas de organização dos sistemas social, econômico, políti-
co e cultural, típicos da sociedade Antiga, de base econômica
202   Sociedade e Contemporaneidade

agrícola e artesanal, foram desestruturadas pelas mudanças


provocadas pelas revoluções Comercial e Industrial.

O sistema de produção industrial baseado na especializa-


ção do trabalho, na produção através de linhas de montagem
e no uso intensivo de máquinas, então, substituiu o modo de
produção feudal, desencadeando o surgimento do modo de
produção capitalista, e depois do socialista. Estes dois sistemas
econômicos e seus respectivos regimes políticos, embora ideo-
logicamente diferentes do pondo de vista da relação do Estado
com a economia e a sociedade, tinham seus sistemas econô-
micos baseados na produção fabril. O surgimento e a expan-
são do comércio, a mecanização da agricultura e o surgimen-
to das fábricas deslocaram o meio de sobrevivência do povo
para as cidades. Em pouco tempo, a população, que antes era
pouco numerosa e vivia isolada e fragmentada nas proprie-
dades feudais, migrou para as cidades, concentrando-se no
entorno dos palácios e catedrais, sedes do poder. Tornou-se,
então, necessário criar formas de organização e participação
dessas pessoas nas decisões sobre o seu destino coletivo das
sociedades urbanas.

As sociedades capitalista e socialista desenvolveram, en-


tão, organizações sociais e sistemas de participação do povo
nas decisões coletivas, cuja essência baseava-se na legitima-
ção pelo apoio da maioria. Surgiu, dessa maneira, a chamada
democracia representativa. Essa forma de participação polí-
tica baseia-se na realização de eleições periódicas, às quais
concorrem candidatos inscritos em partidos políticos, na busca
de votos para receberem o aval do povo ao seu acesso ao
exercício do poder nos parlamentos, tribunais e governos. Nos
Capítulo 9    Organizações e Participação Política e Social no...    203

regimes socialistas, os mecanismos de votação e delegação


de representação são um pouco diferentes. Enquanto nos re-
gimes de tipo liberal-democrático a votação é direta, secreta
e universal, nos regimes socialistas as votações e escolhas de
representantes ocorrem em assembleias, e os representantes,
originalmente, eram eleitos como delegados de seu local de
trabalho, ou moradia. Além dessas diferenças, sob o socia-
lismo existe apenas um partido e há restrições às liberdades
democráticas, o que não acontece nas democracias liberais.

Para viabilizar o funcionamento desse sofisticado sistema


criou-se um enorme aparato burocrático encarregado da ad-
ministração. Aos representantes eleitos caberia a função de le-
gislar, estabelecer diretrizes políticas e administrativas e tomar
decisões, e ao quadro de funcionários permanentes caberia a
responsabilidade de garantir a continuidade do funcionamen-
to dos serviços públicos, independentemente dos representan-
tes eleitos periodicamente para definir os rumos políticos dos
governos.

Nos regimes socialistas, varia a forma como essas peças se


encaixam como engrenagens do sistema, pois, não havendo
alternância de partidos no poder, devido à existência de um
partido tido como detentor do conhecimento sobre os rumos
que a sociedade deve tomar, em geral, os representantes elei-
tos se convertem em homologadores das decisões do partido.
Essa distorção, inicialmente mais evidente nos regimes socia-
listas, no entanto, se instalou também nas democracias libe-
rais, com a intromissão cada vez maior dos governos sobre
as funções dos legisladores através de artifícios normativos e
políticos.
204   Sociedade e Contemporaneidade

A finalidade desse aparato, na teoria, tanto em um caso


como no outro, seria a de redistribuição dos recursos públicos
arredados como impostos ou como resultado das empresas
do Estado. Nas democracias liberais esses recursos são dispu-
tados pelas forças sociais organizadas em sindicatos, grupos
de pressão e partidos, dentre outras formas de associação.
Nos regimes socialistas os planejadores da economia à testa
do Estado são os tomadores de decisões sobre o destino dos
investimentos e do gasto público.

A origem dessas estruturas de gestão política e administrati-


va da sociedade moderna é o modelo de estrutura administra-
tiva que surgiu nas fábricas, no momento em que as empresas
foram crescendo e necessitando cada vez mais de especialistas
em administração para dar conta da crescente complexida-
de provocada pela proliferação do trabalho especializado e a
decorrente compartimentalização das estruturas de produção.
Aos administradores, portanto, caberia a função de integrar e
intermediar as relações entre os tomadores e executores das
decisões, separados por tarefas, atividades e departamentos
responsáveis pelas diferentes funções na cadeia produtiva ou
burocrática.

O sociólogo alemão Max Weber foi quem primeiro perce-


beu que esse tipo de sistema, que foi criado para tornar as or-
ganizações modernas mais eficientes e produtivas, apresenta-
va distorções que tenderiam a produzir o resultado oposto ao
esperado por quem o inventou e desenvolveu. Com o tempo,
todas as estruturas administrativas das organizações modernas
foram assumindo esse modelo.
Capítulo 9    Organizações e Participação Política e Social no...    205

9.3 A lógica do sistema

A radiografia da estrutura é a de um organograma com uma


cabeça no topo, onde se situa o comando central da organiza-
ção, que no passado se compunha, em geral, pelos donos do
negócio nas empresas privadas. Dessa cúpula parte o fluxo de
comandos. O sentido das informações partidas desse núcleo
decisor era vertical, unidirecional e descendente.

No miolo do organograma, isto é, nas estruturas interme-


diárias situadas no espaço entre quem decide e quem faz, as
ordens disparadas pela cúpula caem num labirinto de depar-
tamentos especializados que, em tese, deveriam torná-la mais
nítida, adequada e exequível, do ponto de vista do objetivo de
quem deu origem ao comando. No entanto, tal como acon-
tece na brincadeira de “telefone sem fio”, na qual crianças
sentam-se uma ao lado da outra em sequência, a primeira
conta uma pequena história que deve ser recontada para o
amigo sentado logo ao lado, e assim por diante, até que o
último da fila, depois de ouvir a história que lhe é repassada
pelo penúltimo, expõe a todos o que ouviu. Como diz o ditado
popular, “quem conta um conto aumenta um ponto”, a história
contada no fim da fila raramente coincide com as informações
que deram origem no outro extremo da linha.

Dessa forma, ao percorrerem os labirintos dos departamen-


tos administrativos das organizações modernas, as decisões
e comandos que deveriam gerar um determinado resultado
executado pelos integrantes da base do organograma, rara-
mente se traduziram naquilo que o emissor esperava ao emitir
o comando, pois as informações contidas nas ordens são di-
206   Sociedade e Contemporaneidade

luídas e distorcidas em seu conteúdo estratégico no trâmite da


mensagem da cúpula que a produz ou reproduz para a base
que deve obedecer aos comandos superiores.

Os indivíduos da base do organograma devem exercer


suas funções como engrenagens de uma esteira mecânica
sem precisar saber quais os motivos que originaram o coman-
do, o contexto e os objetivos gerais que sua tarefa, articulada
com as demais tarefas sincronizadas das outras engrenagens,
deve gerar como resultado final. As peças inferiores dessa es-
teira são alimentadas com informações parciais e elementa-
res, apenas suficientes para a execução repetitiva de ações
sincronizadas com outros integrantes de seu nível na estrutura
hierárquica do organograma. As atividades das engrenagens
da base do organograma devem ser padronizadas nos movi-
mentos e sincronizadas no tempo de execução, tornando-se,
praticamente, uma extensão da máquina.

O tráfego das informações entre a cúpula e a base do or-


ganograma percorre caminhos tortuosos de um intrincado sis-
tema cujo fim seria planejar, gerenciar, controlar e supervisio-
nar o funcionamento eficiente da estrutura. Mas, com o tempo,
a burocracia que se desenvolveu no espaço entre a base e
a cúpula das organizações modernas foi sofrendo atrofias e
distorções.

Os diferentes departamentos burocráticos dessas estruturas


passaram a disputar entre si o poder de acesso e controle de
cada vez mais funções, recursos e informações, com o objetivo
de adquirir poder, importância estratégica e vantagens funcio-
nais. Com isso, os diferentes escaninhos do organograma bu-
Capítulo 9    Organizações e Participação Política e Social no...    207

rocrático passaram a filtrar, politizar e distorcer informações e


ordens, visando valorizar sua posição estratégica na estrutura
das organizações, e, assim, tentar prejudicar seus adversários
internos que lutam pelos mesmos fins, com os mesmos méto-
dos. Controlando recursos e informações os burocratas, na
prática, usurpam o poder de fato da cúpula do organograma.

O efeito de acumulação das disfunções das engrenagens


e do sistema como um todo, introduziu irracionalidade no fun-
cionamento das organizações e no fluxo de informações que
deveria fazer com que se produzissem os resultados previstos
por seu objetivo. Dessa maneira, as soluções propostas pelos
burocratas, invariavelmente levam à necessidade de amplia-
ção das estruturas burocráticas. Mais e mais burocratas são
contratados, levando à criação de mais departamentos com
a suposta atribuição de resolver os problemas que proliferam
justamente devido ao excesso de burocracia.

O gigantismo tornou-se, então, um problema adicional às


demais distorções, criando um círculo vicioso entrópico e auto-
fágico. A burocracia resiste às mudanças e inovações, pois es-
sas são percebidas como ameaças às suas posições de poder
nas estruturas; perde-se nas atividades meio em prejuízo da
missão precípua da organização a que pertence, e apresenta
resistência e rigidez diante de situações que requerem soluções
não previstas em regras, mesmo que não ilegais. Desperdício,
lentidão, ineficiência e corrupção tornam-se consequências
inevitáveis dessas disfunções sistêmicas.

Ainda que competindo internamente com os demais setores


burocráticos, o comportamento coletivo dos integrantes dessas
208   Sociedade e Contemporaneidade

estruturas é corporativo. Isto é, os interesses de todos na pre-


servação da estrutura que lhes garante a sobrevivência coin-
cidem nos conflitos com agentes externos, formando uma teia
invisível em defesa do sistema, aí sim de forma ágil e eficaz.

Essas distorções ocorrem em organizações públicas e pri-


vadas. No entanto, nas empresas privadas o imperativo do
lucro e a competição no mercado, assim como a presença de
um proprietário no controle da organização, contribuem para
minimizar as distorções. No setor público não há concorrência
e nem “dono do negócio” ao alcance dos olhos dos funcio-
nários burocráticos. A rotatividade dos administradores polí-
ticos e a propriedade pública dificultam os controles, tornam
a organização mais suscetível às pressões e impõem maiores
obstáculo às correções. Dado o caráter aparentemente “gra-
tuito” dos serviços públicos, e a natureza política e, teorica-
mente, democrática da função do Estado, além da constante
permanência dos funcionários junto aos gestores eleitos, e a
permeabilidade dos políticos à pressão dos interesses corpo-
rativos, somam-se para agravar as distorções, tornando-as um
problema mais grave do que aqueles que afetam as organiza-
ções privadas.

Max Weber constatou que essa lógica se apresenta em


todas as organizações complexas nascidas com a sociedade
moderna. Todas elas, conforme a Sociologia da Burocracia
de Weber, requerem lideranças administrativas especializadas.
O autor descreve a burocratização como uma mudança da
organização baseada na autoridade tradicional para outra
voltada para metas e ações racionais e legais. No caso da
Alemanha, conforme constatou em seu estudo, a burocracia
Capítulo 9    Organizações e Participação Política e Social no...    209

prussiana assumiu o comando político da nação, dando ori-


gem a um sistema de dominação política de tipo burocrático
que ele caracterizou como patrimonialista.

9.4 A crise das instituições da era


moderna

As organizações criadas pela sociedade ao longo da era mo-


derna tornaram-se ineficientes, lentas, grandes e excessiva-
mente burocráticas. A falência financeira e a corrupção são
os sintomas mais visíveis de muitas delas. O descrédito da po-
pulação nos políticos está nas primeiras páginas dos jornais
na maior parte dos países do mundo. Como consequência,
as instituições encarregadas da tomada de decisões coletivas
criadas pela sociedade moderna, tais como partidos, parla-
mentos, governos, tribunais e demais órgãos estatais sofrem
crises causadas pela ineficiência, que leva à falta de legitimi-
dade e credibilidade perante a sociedade.

A crise das instituições políticas encarregadas de processar


as decisões coletivas na sociedade atual, é, ao mesmo tempo,
causa e efeito dos deslocamentos de poder provocados pelo
impacto das novas tecnologias e das transformações por elas
geradas. Sob circunstâncias normais, as deliberações políti-
cas dos governos e suas instituições cumprem suas atividades
até o fim. Atualmente, essas estruturas políticas não cumprem
suas funções. O dinheiro público se perde na burocracia e
na corrupção. Cada vez mais impostos são cobrados da so-
ciedade, que não vê o retorno em serviços públicos de segu-
210   Sociedade e Contemporaneidade

rança, educação, saúde e infraestrutura. As vítimas, em geral,


são aquelas que mais necessitam desses serviços e que menos
condições têm de obtê-los pelos próprios meios.

O tipo de liderança baseada no poder burocrático, impes-


soal e abstrato, que decide sobre muitos assuntos, tornou-se
inadequado à nova realidade. A execução das decisões de-
pende de órgãos executores que não as executam. A autori-
dade é constrangida por leis superadas e fiscalizada por orga-
nismos corrompidos e ineficientes. A legitimidade da liderança
precisa se legitimar pelo voto da maioria, mas a população se
abstém de participar.

O novo sistema econômico que emerge com a sociedade


contemporânea compõe um sistema social cujo nível de diver-
sidade e complexidade é infinitamente maior do que o existen-
te no período anterior. As decisões políticas e administrativas,
agora, dependem de corpos técnicos sofisticados que abaste-
cem o líder de informações sobre áreas que este desconhece
se não estudá-las e não se preparar para não errar. A alta
especialização do conhecimento, a complexidade, o volume
e a velocidade das informações que envolvem a tomada de
decisões, limitam o poder da liderança nas organizações da
sociedade contemporânea, tornando-a mais temporária, flexí-
vel, colegiada e consensual.

As estruturas estatais da sociedade moderna foram construí-


das na época em que o principal meio de transporte e troca
de mensagens à distância era o cavalo. Os estados nacio-
nais estavam recém se formando nessa época. As diferentes
regiões do mundo eram isoladas umas das outras e as econo-
Capítulo 9    Organizações e Participação Política e Social no...    211

mias eram mais protegidas por leis vigentes dentro das frontei-
ras nacionais. As decisões a serem tomadas por governantes
num contexto como esse envolviam um volume muito menor
de variáveis, que demandavam mais tempo de quem precisava
decidir. As decisões tomadas de forma relativamente isoladas
pela distância geográfica e pela lentidão dos sistemas de co-
municação e transportes, pouca ou nenhuma consequência
causavam além das fronteiras territoriais de cada Estado na-
cional.

As instituições políticas remanescentes da sociedade mo-


derna (governos, parlamentos, tribunais) também refletem
uma forma obsoleta de lidar com o conhecimento. Este tipo
de estrutura anacrônica produz intermináveis problemas jurídi-
cos, disputas interburocráticas e o consequente aumento dos
custos do Estado. A ineficiência do Estado, por sua vez, leva
à geração de efeitos secundários adversos, às vezes piores do
que a tentativa inicial de solucionar um determinado problema
na sua origem. A centralização do poder não funciona. Os
governos e as instituições jurídicas e políticas da sociedade
moderna foram pensados para tomar decisões num ambiente
em que uma informação poderia levar dias para atingir cír-
culos mais amplos da sociedade. As reações eventualmente
adversas eram mais raras e mais fáceis de contornar.

9.5 A emergência de um novo sistema

Assim como acontece com o sistema econômico interligado


por redes de comunicação em tempo real, o sistema políti-
212   Sociedade e Contemporaneidade

co também reflete a aceleração generalizada das mudanças,


intensificando o colapso das estruturas burocráticas. A veloci-
dade com que as informações circulam é maior do que o po-
der de resposta das estruturas burocráticas. Mais inteligência e
criatividade e menos burocracia é a nova regra.

O sistema econômico da sociedade moderna criou a pro-


dução e o consumo de massas. Enormes quantidades de pro-
dutos seriados, jogados ao mercado consumidor, influenciaram
o surgimento do comportamento social de massas. O compor-
tamento das audiências dos canais de televisão abertos, que
recebem a mesma programação transmitida para milhões de
telespectadores, simultaneamente, induzem ao comportamen-
to de massas. Essa característica surgiu, também, no sistema
político da sociedade moderna, dando origem a organizações
de massas, tais como os partidos e os sindicatos e seus líderes
de massas (Hitler, Stalin, Mussolini) com suas ideologias de
massas.

As tecnologias contemporâneas estão criando um sistema


oposto, no qual a regra é a segmentação da produção e do
consumo. Os produtos cada vez mais são feitos para segmen-
tos específicos de consumidores com demandas específicas.
Os meios digitais de comunicação em rede produzem conteú-
dos segmentados. A indústria da mídia produz estilos musicais
diversos que influenciam e são influenciados por estilos de vida
grupal também diversos no jeito de vestir, de agir socialmente
e de comportar-se nos grupos de convivência. Como conse-
quência, o sistema social está se fragmentando ao refletir essa
tendência da produção e do consumo.
Capítulo 9    Organizações e Participação Política e Social no...    213

O ambiente político faz parte do sistema social e foi, em


seguida, contagiado pelo impacto dessas transformações. No-
vas organizações minoritárias, que agem em âmbito local, em-
bora articuladas em redes que geram influência para além das
fronteiras nacionais surgem no mundo todo. Ambientalistas,
pacifistas, gays, feministas, e outros, com formas inovadoras
de manifestação de suas insatisfações e reivindicações, inva-
diram o palco antes monopolizado pelos sindicatos e pelos
partidos.

A velocidade e a abrangência dos novos sistemas de comu-


nicação em rede, a diversidade desses grupos e organizações
de novo tipo estão dando origem à criação de um sistema
político de contornos ainda indefinidos. A desmassificação das
organizações políticas reflete as tendências tecnológicas da
produção simbólica, das comunicações em rede e da cultura
tribal, devastando a capacidade dos políticos tradicionais de
tomarem decisões com base na mentalidade e nos paradig-
mas do passado.

A formação de maiorias estáveis, necessárias para a le-


gitimação do poder dos governos, ao longo da história da
sociedade moderna, está cada vez mais difícil e sujeita às ins-
tabilidades. Por vezes, formar maiorias estáveis é impraticável.
As circunstâncias podem ser diferentes de país a país, mas a
crise das organizações modernas é transversal a todos os que
não conseguem acompanhar a velocidade das mudanças e a
se adaptar à nova realidade supercomplexa.

As novas maiorias, quando se tornam possíveis, cada vez


mais se articulam como uma colcha de retalhos de grupos
214   Sociedade e Contemporaneidade

minoritários, que se conectam e se desconectam em torno de


causas pontuais em curtos espaços de tempo. A diversidade
social é tão grande que a lógica da representação de mas-
sas não consegue gerar consensos em nome de uma suposta
“vontade geral”, na qual se baseia a ideia de “democracia
representativa” inventada pela sociedade moderna. A própria
democracia representativa está em crise.

As novas e velozes tecnologias da informação geraram


uma correspondente sofisticação e diversificação dos proble-
mas sobre os quais os governantes precisam decidir. Um siste-
ma político eficiente precisa operar na escala correspondente
aos problemas sobre os quais decide, integrando diretrizes dís-
pares, decidindo no momento certo e refletindo a diversidade
da sociedade que lhe dá sustentação.

O ativismo de minorias reflete as demandas de um novo


sistema econômico que requer, para sua existência, um siste-
ma social mais diversificado do que qualquer outro que já exis-
tiu. A capacidade de negociação e articulação entre os grupos
minoritários de interesses diversos precisa ser incorporada ao
sistema normativo e ao formato das instituições para permitir a
construção de uma nova democracia.

Atualmente, grupos de pressão bem organizados têm mais


poder sobre as decisões governamentais do que as amplas
maiorias do passado. Controlar o poder de influência das
tecnocracias superespecializadas sobre os gestores públicos é
outro cuidado fundamental. Por isso, talvez seja o caso de des-
locarem-se algumas decisões hoje nas mãos dos “representan-
tes”, para o eleitorado, rompendo os círculos tecnocráticos de
Capítulo 9    Organizações e Participação Política e Social no...    215

decisão e recorrendo às novas tecnologias de comunicação


como forma de consultar à população criando-se, assim, no-
vas formas de processar decisões coletivas que contemplem
os interesses das pessoas diretamente atingidas pelas decisões
em questão. Plebiscitos e referendos são cada vez mais usa-
dos para legitimar decisões controvertidas com apoio social
amplo.

Deslocar o poder de decisão para instituições mais próxi-


mas das causas de cada problema pode ser uma alternativa
viável já que há problemas que não podem ser resolvidos no
nível local e outros que não podem ser resolvidos no nível
nacional, além de outros que requerem respostas em diversos
níveis. Fazem-se necessárias novas instituições mundiais capa-
zes de gerenciar soluções para problemas mundiais que não
mais podem ser resolvidos por governos nacionais de forma
isolada, sem causar consequências sobre a população de ou-
tros países.

As grandes catástrofes ambientais, os problemas com o cli-


ma do planeta, o combate ao terrorismo e ao crime organi-
zado; a administração das crises do mercado financeiro inter-
nacional, dentre outros, são exemplos desse tipo de problema
global que requer soluções globais. A descentralização das
estruturas de decisão e gestão econômica pode dar origem a
novas unidades econômicas regionais livres da configuração
interna dos mapas nacionais. Movimentos de pressão inver-
sa pela integração do mundo em bloco, seguidos de crises
e tendências protecionistas e de “fechamento de fronteiras”
estão transformando os sistemas econômicos, políticos e so-
ciais e requerendo flexibilidade e criatividade na criação de
216   Sociedade e Contemporaneidade

novos arranjos institucionais dos agentes políticos mundiais.


As decisões econômicas isoladas, eventualmente tomadas por
governos nacionais em benefício de uma região podem gerar
impactos negativos sobre outras, no contexto da interdepen-
dência de um sistema econômico e social articulado em rede.

Na sociedade contemporânea, as decisões precisaram


ser compartilhadas através de novos sistemas de participação
democrática e representação por organismos colegiados. O
novo sistema político não poderá funcionar sem democracia,
mas precisará de uma nova democracia sustentada em valores
e ideias adequadas às novas instituições políticas.

A lógica que rege o funcionamento das redes sociais,


potencializadas pelo uso em escala da tecnologia digital, é
radicalmente diferente das estruturas burocráticas das orga-
nizações do passado industrial. O caráter democrático do co-
nhecimento faz com que a riqueza simbólica do novo sistema
econômico circule em alta velocidade nas redes digitais de
comunicação, impondo a criatividade, a agilidade e a flexibili-
dade como requisitos imprescindíveis à sobrevivência no novo
ambiente competitivo. Para isso, a descentralização das deci-
sões e ações e a eliminação de estruturas intermediárias entre
os que executam e os que decidem; a assincronia e a aleato-
riedade das relações entre os componentes dos sistemas-rede
são fundamentais.

Esses princípios foram assimilados rapidamente pelas or-


ganizações empresariais, que criaram novos métodos de ges-
tão da produção e novas formas de organização do trabalho.
Corporações transnacionais incorporaram técnicas gerenciais
Capítulo 9    Organizações e Participação Política e Social no...    217

adaptadas à lógica da economia que se articula em rede, den-


tro e fora das organizações. Milhões de colaboradores diretos
e indiretos dessas organizações se conectam ao novo sistema
por imposição do novo mundo do trabalho.

As empresas-rede conectam-se com consumidores-rede


através de técnicas de marketing de rede. As redes invadiram
também o mundo do entretenimento e das diversões do indi-
víduo contemporâneo no momento em que as tecnologias de
comunicação digital invadiram os lares dos cidadãos comuns.
A telefonia celular, a Internet, a TV a Cabo, os computadores
portáteis interligam e outros aparatos tecnológicos interligam
cada vez mais indivíduos na malha digital.

Sob a óptica desse novo sistema, a diversidade cultural é


consequência inevitável. A permanente fragmentação do te-
cido social e a produção de diversidade respondem à nova
lógica da criação e da circulação do capital simbólico que
converte ideias em valor ao lançá-las à rede de trocas midiáti-
cas em escala global.

A matriz sistêmica e os sistemas de participação democrá-


tica dos cidadãos nas decisões coletivas sobre o destino da
sociedade em que vivem devem se adaptar a essas mudanças.
Só seremos capazes de criar soluções inovadoras para esses e
outros problemas que estão surgindo se soubermos entendê-
-los.
218   Sociedade e Contemporaneidade

Recapitulando

O capítulo “Organizações e Participação Política e Social no


Mundo Contemporâneo” tratou das formas de participação
política e social ao longo da história humana.

ÂÂÀ medida que a sociedade evolui, também evoluem as


formas de participação.

ÂÂNas sociedades antigas os governantes eram vistos


como deuses e intermediários das relações entre povo
e Deus.

ÂÂNa era moderna houve a separação da Igreja e Estado,


o desenvolvimento do comércio e da indústria e surgiu a
ideia da representação política. Políticos que represen-
tavam o povo.

ÂÂEste sistema, atualmente, está em crise devido a sua


crescente burocracia e distanciamento das demandas
populares.

ÂÂA nova sociedade contemporânea com as novas tecno-


logias e formas de participação em rede exigem uma
outra arquitetura institucional, uma outra estrutural or-
ganizacional mais próxima da população.

ÂÂNesta ordem das coisas há uma crise da democracia


representativa que precisa ser se não resolvida, enca-
minhada, sob pena de perdermos o “trem da história”.
Capítulo 9    Organizações e Participação Política e Social no...    219

Referências

CASTELLS, M. A era da informação: economia, sociedade e


cultura. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

GIDDENS, Anthony. Sociologia. 6. ed. Porto Alegre: Artmed,


2005.

TOFFLER, Alvin. A Terceira Onda. São Paulo: Record, 1980.

______. Powershift – as mudanças no poder. São Paulo: Re-


cord, 1990.

WEBER, M. A objetividade do conhecimento nas ciências


sociais. In: COHN, G. (Org.). Max Weber. 4. ed. São Pau-
lo: Ática, 1991.

______. Conceptos sociológicos fundamentales. In: ______.


Economía y sociedad: esbozo de sociología comprensiva.
México: Fondo de Cultura Económica, 1996.

______. A ética protestante e o espírito do capitalismo.


Tradução de A. F. Bastos e L. Leitão. 4. ed. Lisboa: Editorial
Presença, 1996b.

Atividades

1) O exercício da liderança é uma marca das sociedades hu-


manas. Na pré-história, quando a humanidade vivia em
bandos nômades, a hierarquia de poder e a estratificação
social eram extremamente simples. Cada sociedade cria o
220   Sociedade e Contemporaneidade

seu subsistema político. Tal como acontece entre lobos e


leões, havia um líder sobre o bando de liderados e vigora-
va a lei do mais forte. Na medida em que a humanidade
foi caminhando em direção à civilização:

a) foi também, gradativamente, sofisticando as estruturas


dos sistemas culturais e econômicos.

b) foi também, gradativamente, sofisticando somente as


estruturas dos sistemas sociais.

c) foi também, gradativamente, sofisticando somente as


estruturas políticas.

d) foi também, gradativamente, sofisticando as estruturas


dos sistemas sociais e políticos.

e) não foi gradativamente, sofisticando as estruturas dos


sistemas sociais e políticos.

2) O poder nas sociedades antigas, excetuados os casos


referidos por Augusto de Franco na citação acima, pre-
dominava o exercício do poder despótico ou oligárquico,
exercido com predomínio do uso da força. Neste sentido
os governantes eram vistos como:

a) déspotas esclarecidos.

b) deuses ou intermediários das relações entre povo e


deuses.

c) democratas esclarecidos.

d) fascistas e totalitários.
Capítulo 9    Organizações e Participação Política e Social no...    221

e) Autoritários e Democratas.

3) Com a irrupção da Era Moderna, o ressurgimento do fe-


nômeno urbano na esteira das revoluções comercial e
industrial, as formas de organização dos sistemas social,
econômico, político e cultural, típicos da sociedade Anti-
ga, de base econômica agrícola e artesanal, foram deses-
truturadas pelas mudanças provocadas pelas revoluções
Comercial e Industrial. Neste sentido foram desenvolvidas:

a) formas de participação somente para os líderes reli-


giosos.

b) formas de participação somente para as mulheres na


organização destas pessoas nas decisões coletivas.

c) formas de não participação e não organização destas


pessoas nas decisões coletivas.

d) formas de participação e organização destas pessoas


nas decisões coletivas.

e) Todas as alternativas estão corretas.

4) É correto afirmar que nos regimes socialistas os planejado-


res da economia que estão à testa do Estado são:

a) os tomadores de decisão sobre o destino dos investi-


mentos e do gasto público.

b) os tomadores de decisão somente sobre os investimen-


tos públicos.

c) os tomadores de decisão somente sobre os gastos pú-


blicos.
222   Sociedade e Contemporaneidade

d) os tomadores de decisão somente sobre o destino dos


investimentos referentes à população pertencente ao
partido do governo.

e) Todas as alternativas estão incorretas.

5) De acordo com o capítulo “Organizações e Participação


Política e Social no Mundo Contemporâneo”, há uma crise
das instituições modernas. Assim seria correto afirmar que:

a) O novo sistema social que emerge com a sociedade


contemporânea é extremamente simples e infinitamen-
te menor do que o período existente.

b) O novo sistema social que emerge com a sociedade


contemporânea é extremamente complexo, mas infini-
tamente menor do que o período existente.

c) O novo sistema social que emerge com a sociedade


contemporânea é extremamente simples e único que
pode ser comparado ao sistema moderno.

d) O novo sistema social que emerge com a sociedade


contemporânea é antigo e baseado em crenças reli-
giosas pré-existentes.

e) O novo sistema social que emerge com a sociedade


contemporânea é extremamente complexo e infinita-
mente maior do que o período existente.
Arlete Aparecida Hildebrando de Arruda1

Capítulo 10

Meio Ambiente e
Sustentabilidade1

1  Graduada em Licenciatura Plena em Ciências Sociais pela Uniplac (1975), mes-


trado em Antropologia, Política e Sociologia pela UFRGS (1983) e doutorado em
Ciências Sociais Aplicadas pela Unisinos (2010). Atualmente, é professora/pesqui-
sadora da ULBRA Canoas, atuando principalmente nos seguintes temas: prevenção
coletiva, riscos socioambientais, riscos urbanos, gestão pública urbana, pensamen-
to político brasileiro, política latino-americana, desastres naturais, planejamento
urbano, participação política e projetos em políticas públicas.
224   Sociedade e Contemporaneidade

Águas que movem moinhos


São as mesmas águas
Que encharcam o chão
E sempre voltam humildes
Pro fundo da terra
Terra! Planeta Água.

(Guilherme Arantes)

Introdução

Qual é a possível relação existente entre o restaurante Noma (o


melhor do mundo) e a Conferência de Copenhague (COP.15)
sobre mudanças climáticas?

Para tecer a resposta à indagação inicial, transcreve-se a


fala do genial chef de cozinha René Redzepi (2012): “O pen-
samento dos dinamarqueses foi expandido quando passamos
a utilizar produtos locais em receitas já existentes, mas antes
preparadas com ingredientes de outras culturas”.

Essa postura de escolher produtos locais para seus fabu-


losos pratos está de acordo com as proposições de que só
haverá um freio no aquecimento global se forem reduzidos os
transportes de mercadorias e houver um aproveitamento dos
recursos locais. Observa-se aqui um dos princípios do desen-
volvimento sustentável aplicado a um negócio.
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   225

A disposição de agir no local também está dentro de outro


movimento global, trata-se da preocupação com a diversida-
de biológica. Se há consumo e apreço somente para certos
produtos e animais no mundo, muitas espécies de seres vivos,
plantas, animais, insetos, flores são desprezados e, logo, são
consentidas suas extinções. Reconhecer a biodiversidade de
cada localidade ou região faz parte também dos princípios da
sustentabilidade.

A ONU sofreu pressão de cientistas e movimentos ambien-


talistas mundiais e, por isso, decretou para valorizar os diver-
sos biomas no período 2011/2020 como sendo a Década da
Biodiversidade. Para que esses objetivos sejam alcançados até
2020, já em 2010, na cidade de Nagoya, no Japão, chegou-
-se por consenso a um Plano estratégico de Conservação da
Biodiversidade (CDB), onde os países signatários adotarão
medidas para preservação de ambientes terrestres, aquáticos
e marinhos.
226   Sociedade e Contemporaneidade

Retomando a indagação inicial, pode-se dizer que há uma


relação sim, entre os lucros do restaurante Noma (e a fama
trazida para a Dinamarca) e a questão ambiental. A identida-
de nacional e regional tem em um dos seus pilares a gastro-
nomia – a comida (italiana, japonesa, tailandesa etc.). Ela se
expressa pela variedade de produtos. Isso se chama biodiver-
sidade (ou diversidade da natureza viva). A perda da biodiver-
sidade, aliada às mudanças climáticas são preocupações não
só dos cientistas, ambientalistas mas dos empresários, econo-
mistas, engenheiros, médicos, sociólogos, publicitários, comu-
nicadores, religiosos, que pressionam e gestionam junto aos
governos, parlamentos e instituições públicas e privadas, por
mudanças nos planos de intervenção e na regulamentação de
ações que afetam ao meio ambiente local, regional, nacional
ou planetário. Por isso, nas pautas de noticiários, programas e
reportagens os temas como economia verde, responsabilidade
ambiental, novo Código Florestal, degelo do ártico, sustenta-
bilidade nas empresas, bancos verdes, ecovilas, cidades sus-
tentáveis estão cada dia com maior frequência presentes nas
mídias. E, em tempo, convém lembrar que o Brasil tem 25% da
biodiversidade mundial.

A ONU sofre pressões para realizar convenções e confe-


rências que levem à assinatura de do-
cumentos e protocolos sobre temas
que preocupam segmentos importan-
tes das sociedades. Essas conferên-
cias têm uma enorme influência sobre
as nações, porque o que é protocola-
do passa a ser exigência internacio-
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   227

nal e repercute no comércio mundial. Nos países tornam-se


leis e regulamentos.

As conferências que trataram do meio ambiente buscaram


garantir a qualidade de vida no planeta e a sustentabilidade
da terra. Conhecer as principais conferências e os conceitos
que nelas foram estabelecidos é da maior importância para
compreender o tempo atual. Uma forma clássica de organizar
as convenções, fóruns e conferências da ONU é a apresenta-
ção de documentos e, sobre eles, se ajustam os termos para
que os chefes de Estado os assinem após debates e chegada
ao consenso dos signatários.

Inicialmente, esses documentos são rascunhos (já acertados


entre os diplomatas e os técnicos dos altos escalões dos gover-
nos dos países envolvidos. Em cada documento há um slogan
que o resume. Nosso futuro comum foi o da conferência de
1972 e o futuro que queremos em 2012. Em cada documento
há posicionamentos que se expressam em conceitos, que levam
a disputas para qual conceito deverá predominar. Em 1972 os
países desenvolvidos defendiam um “desenvolvimento zero” e
os países chamados na época subdesenvolvidos, defendiam
“o desenvolvimento a qualquer custo”. Preparando a Rio92, o
debate era entre Ecodesenvolvimento e Desenvolvimento Sus-
tentável. E vinte anos após, os documentos trouxeram novas
disputas. Os conceitos foram: desenvolvimento sustentável e
economia verde ou justiça ambiental e economia verde.

O texto que veremos a seguir esclarecerá as razões dessas


disputas conceituais. A importância desses documentos tem a
ver tanto com a vida cotidiana como a produção, comerciali-
228   Sociedade e Contemporaneidade

zação, consumo, descarte, reciclagem, tipo de emprego que


teremos, ar que respiramos, qualidade da vida urbana e op-
ções de alimentos e do tipo de saúde que nos reserva o meio
ambiente. O slogan da Agenda 21 “Pense globalmente e aja
localmente”, convida a todos e a cada um em particular a
calcular o que pessoalmente estamos “gastando do planeta”
com o cálculo da pegada ecológica, e por outro lado estimula
a participar e “formar uma aliança global para cuidar da terra
e um dos outros ou arriscar a nossa destruição e a diversidade
da vida” (Carta da Terra).

10.1 J ustiça socioambiental X O precificar


a natureza

A polêmica na conferência chamada Rio+20, no ano de


2012, teve grande repercussão na mídia. As indagações nas
manchetes dos jornais eram: economia verde ou desenvolvi-
mento sustentável; ambientalismo de mercado ou justiça am-
biental? Para entendermos esses posicionamentos, o marco é
o momento atual do sistema capitalista mundial. Nos países
emergentes, grandes empreendimentos estão sendo construí-
dos visando alcançar o chamado crescimento econômico. A
reação por parte dos movimentos pela justiça ambiental, se-
gundo Henri Acselrad (2011) é de que tais projetos são respon-
sáveis pelo deslocamento compulsório de grandes contingen-
tes populacionais, pelo aniquilamento de grupos indígenas e
por impactos irreversíveis dos ecossistemas, nos quais vivem e
se reproduzem uma ampla diversidade de grupos e formações
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   229

socioculturais. Para os países chamados desenvolvidos que vi-


vem uma crise econômica desde 2008, a forma de voltar o sis-
tema capitalista de obter crescimento será da financeirização
e a colocação de preços a todos os serviços e produtos am-
bientais, com isso voltando a movimentar bilhões e lançando
novas formas de mercados, como já aconteceu anteriormente
com o mercado de carbono. Partem do princípio de que a
toxicidade e a poluição atingem a todos, indistintamente. Para
os movimentos da justiça ambiental, a exposição de grupos
sociais aos riscos ambientais não é equitativa. São desiguais
as condições de acesso dos diferentes setores da população à
proteção ambiental.

Posicionam-se contra o discurso científico de que a “polui-


ção é democrática”. E que a sociedade atual, também cha-
mada de “sociedade de riscos” afeta a todos, não importando
de que maneira ou onde as pessoas vivem. Guidens (2000) e
Beck (2004).

Por justiça ambiental entende-se:

A condição de existência social em que se verifica igual


proteção aos distintos grupos sociais com relação aos
danos ambientais, por intermédio de leis e regulações
democraticamente concebidas, que impeçam ao merca-
do impor decisões discriminatórias com base em raça,
cor, nacionalidade ou status socioeconômico. Ela resulta
de um tratamento justo e de um envolvimento efetivo de
todos os grupos sociais, no desenvolvimento, implemen-
tação e respeito a leis, normas e políticas ambientais.
Por tratamento justo, define-se que nenhum grupo de
230   Sociedade e Contemporaneidade

pessoas, seja ele definido por raça, etnia ou classe so-


cioeconômica, deve arcar de forma concentrada e desi-
gualmente distribuída com as consequências ambientais
negativas resultantes de operações industriais, agrícolas,
comerciais, de obras de infraestrutura ou da implemen-
tação de programas e políticas federais, estaduais, muni-
cipais e locais (ACSELRAD, 2011, p. 45).

A ideia de que o bem-estar social depende do crescimento


econômico e de que as empresas somente se envolvem com
a questão ambiental se ela movimentar o mercado. Desde os
anos 1990, para controlar a poluição atmosférica, surgiu o
mercado de carbono e agora a nova proposta que veio no
Relatório da Economia verde (REV).

Está definida como uma economia que resulta do bem es-


tar da humanidade e da qualidade social, ao mesmo tempo
em que reduz, significativamente, riscos ambientais e escassez
ecológica. O desenvolvimento deve manter, aprimorar e re-
construir bens naturais, vendo-os como um bem econômico.

A natureza para a economia verde é fragmentada em bens


e serviços ambientais. O rio, o córrego, o bioma, a paisagem
podem ter preços diferentes e valorização distinta no mercado
e deverão esses os ganhos econômicos para gerarem empre-
gos chamados verdes.

Distinta é a posição para os que veem a natureza como


bens comuns. Para Bollier os bens comuns se referem a:

Recursos compartilhados que uma comunidade constrói


e mantém (biblioteca, parque, rua), os recursos nacionais
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   231

que pertencem a todos (lagos, florestas, vida silvestre,


espaço radioelétrico) e os recursos mundiais dos quais os
seres vivos necessitam para poder sobreviver (atmosfera,
água, biodiversidade) (BOLLIER 2008, p. 38).

Para Leroy (2011, p. 4):

Estamos tão envolvidos na sociedade capitalista, domi-


nada por noções como propriedade privada, consumo e
mercado, e tão saturados pela informação e pela publici-
dade dominantes, que não percebemos espontaneamen-
te que há ainda uma porção grande da nossa realidade e
do planeta que está situada fora dos circuitos mercantis.
Paradoxalmente, é a fome voraz do mercado, na busca
da apropriação privada e da mercantilização do que ain-
da lhe escapa, que contribui para dar maior atenção e
valorizar a reflexão sobre os bens comuns. Entretanto, se
de fato o mercado se interessa e avança sobre todos os
ecossistemas e recursos mencionados, em contrapartida
devemos reconhecer e afirmar que a humanidade atual e
futura precisa e precisará desses bens e que, nesse senti-
do, eles não são a nossa propriedade particular, com os
quais podemos fazer o que queremos. São bens comuns
da humanidade, tanto no sentido espacial, superando
fronteiras (p. ex., é importante lembrar que a Amazônia
exerce um papel no clima continental e, provavelmente,
mundial e que as sementes que são a base da segurança
alimentar mundial, cruzaram os oceanos), quanto tem-
poral, para as gerações futuras.

Para os defensores da economia verde, o patrimônio am-


biental precisa ser contabilizado, cada bem natural ser avalia-
232   Sociedade e Contemporaneidade

do e dado um preço. Pela precificação dos bens ambientais


se poderia dar maior valor ao patrimônio natural do país e
provocar uma mudança nos hábitos de consumo, evitando o
desperdício. Para essa visão, se a sociedade é mercantil e se
temos hoje uma economia qualificada de marrom – a “econo-
mia marrom” (baseada no petróleo e gás ou economia fóssil),
esta deverá ser transmutada via uma transição tecnológica e
financeira para a “economia verde”.

No Brasil, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) lan-


çou um documento no dia 14/06/2012 para uma plateia de
800 representantes da indústria nacional, informando à socie-
dade o desempenho sustentável dos seus filiados. Segundo o
presidente da CNI, Sr. Robson Braga de Andrade, que repre-
senta 27 federações de indústrias nos estados e no Distrito
Federal, são mais de 1 mil sindicatos patronais associados e
196 mil estabelecimentos industriais. A sustentabilidade pas-
sou a fazer parte da agenda estratégica das empresas. Disse
ele em entrevista ao Jornal O Globo, em 20/06/2012: “hoje,
as indústrias brasileiras não tratam da sustentabilidade como
manifestação de boas intenções. Elas incorporam seus princí-
pios nos planos de negócios”. Para a CNI a economia verde já
é uma realidade nacional.
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   233

10.2 O
 s principais impactos trazidos pela
sustentabilidade

Os principais impactos, desde a ECO-92,


ocorreram na redução das emissões de ga-
ses de efeito estufa, graças à reciclagem,
uso de insumos renováveis e reaproveita-
mento da água.

A Confederação Nacional da Indústria


(CNI) fez uma pesquisa inédita com 60
executivos de grandes empresas do país,
a qual aponta que, para a maioria deles, ser sustentável tem
impacto positivo na competitividade. E, por outro lado, não
aderir a essa postura, para 39%, coloca em risco a sobrevi-
vência da empresa no mercado. Outros 18% temem imagem
negativa da corporação.

Vemos, abaixo, os principais resultados da pesquisa sobre


sustentabilidade empresarial:

ÂÂ70% dizem que ser sustentável representa custo adicio-


nal para a empresa. Geralmente, gera custos e reduz
rentabilidade no curto prazo, mas compensa em médio
e longo prazo (Custo, nesse caso, deve ser visto como
investimento em consultorias especializadas, P&D, ino-
vação, capacitação, treinamento, entre outros).

ÂÂ93% consideram alto o impacto da sustentabilidade nas


políticas de inovação da empresa – como a procura por
soluções de eficiência para o menor uso de recursos na-
234   Sociedade e Contemporaneidade

turais e para o atendimento de demanda dos consumi-


dores.

ÂÂ83% relacionam sustentabilidade à economia verde ou


aos três pilares do conceito de sustentabilidade (ambien-
tal, econômico e social) – o que demonstra visão mais
contemporânea e consciente em relação ao tema, em
que já se superou a dicotomia crescimento econômico X
preservação do meio ambiente.

ÂÂ86% das empresas ouvidas monitoram suas ações de


sustentabilidade. Muitas utilizam ferramentas sofistica-
das – seja por sistemas próprios ou se submetem às re-
gras rígidas de programas internacionais (como Global
Reporting Initiative).

Há consenso de que o papel do governo é importantíssi-


mo nesse processo, em particular na criação de instrumentos
formais que possam garantir condições de competitividade às
empresas que abraçam a lógica da sustentabilidade.

10.3 E
 conomia verde: mais inclusão
social, menos impacto ambiental

Para os executivos entrevistados pela CNI, a economia ver-


de, de forma simplificada, significa: produzir mais para aten-
der às demandas da humanidade, dos mercados emergentes,
dos mais excluídos, com mais inteligência e menos impacto.
E, principalmente, deve-se desenvolver ações em três frentes:
políticas de inovação e de incentivo para a adoção de novos
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   235

padrões de produção e mudança cultural, em especial no que


diz respeito ao comportamento de consumo.

As principais correntes econômicas que defendem a Eco-


nomia verde são:

10.3.1 Em economia não existe almoço grátis


O Relatório Economia Verde da ONU, que tenta apontar al-
guns caminhos para uma nova abordagem da economia e da
questão ambiental não escapou às críticas. Considera possível
236   Sociedade e Contemporaneidade

conciliar crescimento econômico, sustentabilidade e inclusão


social, embora não apresente estimativas para os custos da
inclusão social. Para Mário Ramos Ribeiro, pesquisador e pro-
fessor da Universidade Federal do Pará (UFPA),

o Relatório começa a ficar assustador quando se debruça


sobre a agricultura e defende a retirada imediata de todos
os subsídios fiscais concedidos à energia de combustível
fóssil do setor pesqueiro e diversos subsetores da agri-
cultura. Um período de transição e de adaptação, nem
pensar [...] Em economia não existe almoço grátis. Al-
guém sempre está pagando. É um equívoco cruel preten-
der convencer os países emergentes de que não existem
elevados custos de transição e que sem transferência de
recursos financeiros e tecnologias, o “desemprego verde”
virá. (O artigo foi publicado no sítio ECO Agência, em
7/2/2012.)

O debate ambiental quase nunca é imune a divergências


pontuais, dentre elas destacam-se as que afirmam a geração
de empregos relacionados à sustentabilidade, em contrapar-
tida há os que temem que aumentará a fome no mundo, por-
que ela é uma tragédia que a cada seis segundos mata uma
criança por causa da desnutrição. Em um cenário de escassez
de alimentos, devido à mudança climática, redução da água
potável, preços dos bens naturais e falta de proteção aos ecos-
sistemas, a fome vai aumentar.

Para pensar em vivenciar a sustentabilidade, temos que ir


além de fechar a torneira ou usar uma sacola de pano. Para
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   237

ser sustentável a exigência é: repensar padrões éticos e, sobre-


tudo, hábitos de consumo.

10.4 O preço da preservação

As políticas voltadas para a preservação do ambiente estão


amarradas a uma lógica de mercadores nos Fóruns multila-
terais, especialmente nas reuniões voltadas para o clima. O
mais importante acordo climático multilateral foi assinado na
cidade de Kyoto, no Japão. O pacto trouxe limites e volume
determinado para as emissões de gases de efeito estufa (GEES)
feitos pelos países desenvolvidos. Caso o limite seja ultrapas-
sado, abre-se a possibilidade de compra de créditos de carbo-
no nos países em desenvolvimento, num sistema em que sujar
o planeta compensa as más práticas pagando para que outros
façam a faxina atmosférica, no dizer de Verena Glass para a
revista Desafios do Desenvolvimento/IPEA (2012).

Mercado de carbono é o termo genérico utilizado para de-


nominar os sistemas de negociação de certificados de redução
de emissões de GEES: um crédito de carbono equivale a uma
tonelada de CO2 que deixou de ser produzida. Para Jutta Kill
(2012), líder da entidade que monitora as políticas europeias
para florestas, a ONG Fern, a economia verde tem um lado
B, devido ao mecanismo para o desenvolvimento limpo (MDL)
que, com a crise econômica, fez com os créditos de carbono
ficarem mais baratos nos países em desenvolvimento do que a
permissão. Assim diz ela: “poluir se torna uma ação mais van-
238   Sociedade e Contemporaneidade

tajosa do que investir em tecnologias que reduzam as emissões


de GEES” (2012, p. 31).

Para o grupo de pesquisa em Ecologia política do Conselho


Latino-Americano de Ciências Sociais (CLACSO), “uma tônica
crescente no discurso da sociedade civil vem sendo a denún-
cia, em vários espaços internacionais, da captura corporativa
da crise ambiental e climática, causada pelo modelo vigente de
produção e consumo, e sua cooptação pelas corporações, com
vistas a maquiar de verde uma nova etapa de acumulação e
apropriação dos bens comuns”, falou a representante do GT,
Camila Moreno (2012).

10.5 Rousseau e o futuro que queremos

Neste ano de 2012 há muitas profecias e também muitas co-


memorações. Tratar sobre as profecias que têm como foco
esse ano não cabe neste artigo. Embora o fundador da socio-
logia Auguste COMTE (1798-1857) afirmava que usando o
método sociológico, podia-se fazer previsões, resumindo neste
slogan: “Ver para prever. Prever para Prover”. Mas, aqui se
quer enfatizar a concepção de igualdade, fraternidade, con-
ceitos fixados no livro: “Contrato Social”, de Rousseau, bem
antes da revolução francesa.

Dentre as comemorações de 2012 que se quer enfatizar,


destaca-se a do tricentenário do nascimento do pensador
Jean-Jacques Rousseau. Essa data passou a ser uma inspira-
ção para um movimento que quer refletir um jeito diferente de
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   239

os seres humanos se relacionarem tanto entre si, como com


a natureza e, especialmente, com instituições, denominado o
movimento “DAY AFTER”, ou Rio+20+um dia, este tem como
princípio a solidariedade com os seres vivos, o oposto do indi-
vidualismo atual, em que cada um puxa para si os benefícios
e vantagens, mesmo de questões que deveriam ser de todas as
pessoas, países e do planeta.

Jean Jacques Rousseau servirá como âncora, porque, já no


século XVIII, ele não só falava de solidariedade, como também
chamava a atenção para uma nova relação do homem com
a natureza e, por conseguinte, com a educação e com a eco-
nomia. O famoso escritor e ecossocioeconomista polonês Ig-
nacy Sachs (um dos primeiros organizadores das conferências
sobre meio ambiente) diz: “Daqui para frente poderemos dar
forma a um novo Contrato Social do século XXI e ter um mega
contrato social em nível internacional” (2012), considerando
as cinco dimensões do ecodesenvolvimento: social, econômi-
ca, ecológica, espacial e cultural. Associa a obra de Rousseau
aos compromissos coletivos, porque o contrato social repousa
sobre o princípio da mutualidade. “Os compromissos que nos
ligam ao corpo social não são obrigatórios, senão porque são
mútuos, e sua natureza é tal, que ao cumpri-los não se pode
trabalhar para outro sem trabalhar também para si” (Contrato
Social, livro II, cap. IV).

“O estabelecimento do contrato social é um pacto de es-


pécie particular, por ele cada qual se compromete com todos,
de onde resulta o compromisso recíproco de todos para com
cada um, que é o objeto imediato da união” (Cartas escritas
desde a montanha, parte I, carta VI).
240   Sociedade e Contemporaneidade

E para educar-se para o convívio com a pluralidade de


crenças, de valores, de ideias dentro da democracia, enfim,
aprender a tolerância, propõe um tratado de educação cujo
personagem é Emílio, o qual deve ser educado junto à natu-
reza. “É dentro do coração do homem que o espetáculo da
natureza existe; para vê-lo, é preciso senti-lo” (Rousseau).

O documento da Assembleia da ONU, sobre desenvolvi-


mento sustentável, tem como título: “O futuro que queremos”,
e foi aprovado por 188 delegações dos Estados Membros na
Rio+20, no dia 22/06/2012, após decisão consensual em
assembleia, como resultado dos esforços multilaterais. “Hoje
é tempo de multilateralismo, que se constroem consensos his-
tóricos, o consenso possível. Não há método único. Tenho
que respeitar quem pensa diferente de mim” (Presidente Dilma
Rousseff).

10.6 Q
 uais ações serão desenvolvidas
como prioritárias, após a Rio+20?

Primeiramente, foram definidas as áreas temáticas e as ques-


tões transversais, são elas: a erradicação da pobreza, a se-
gurança alimentar, a nutrição/agricultura sustentável, a água
e o saneamento, energia, o turismo sustentável, o transporte
sustentável, cidades sustentáveis e assentamentos humanos,
saúde e população, promoção do emprego pleno e produtivo,
do trabalho digno para todos, e das proteções sociais, ocea-
nos e mares, pequenos Estados insulares em desenvolvimento
(SIDS), países menos desenvolvidos, países em desenvolvimen-
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   241

to sem litoral, África, os esforços regionais, redução do risco


de desastres naturais, as mudanças climáticas, florestas, bio-
diversidade, desertificação, degradação do solo e seca, mon-
tanhas, produtos químicos e resíduos, consumo e produção
sustentáveis, mineração, Educação, a igualdade de gênero e
empoderamento das mulheres.

Os temas acima estão descritos no documento, assim


como são definidos os meios de implementação e formas de
financiamentos para se alcançar as metas propostas até o ano
de 2015. O documento aprovado é bastante esclarecedor da
situação mundial em face de como se encontra cada um dos
conceitos e temas alocados acima. Vale a pena conferir o do-
cumento “O Futuro que queremos” completo e em português
que contém 55 páginas e está nos site: www.rets.org.br/sites/
default/files/ofuturoquequeremos.

10.6.1 Cúpula dos povos: venha reinventar o


mundo
O slogan acima foi o chamado à participação da sociedade
civil. Movimento paralelo, contrapondo-se ao que estaria sen-
do debatido na Rio+20 com os representantes dos países e
dos chefes de Estado.

Já em 1992, para pressionar o que estaria sendo decidido


para a Agenda 21, formou-se o Fórum Global que, em 45
tendas instaladas no Aterro do Flamengo, debateram e gera-
ram Tratados entre ONGs e movimentos sociais, independen-
tes dos governantes, mas articuladas a lutas e agendas socio-
242   Sociedade e Contemporaneidade

ambientais que questionaram o modelo de desenvolvimento


em curso.

Já naquela época, vozes do Fórum Global denunciavam:


“Recusamos energicamente que o conceito de Desenvolvimen-
to Sustentável seja transformado em mera categoria econômi-
ca, restrita às novas tecnologias e subordinada a cada novo
produto no mercado” (Declaração do Rio de Janeiro, Fórum
Global, ECO 92).

Para as mesmas ONGs da época, o termo Desenvolvimen-


to Sustentável foi tão amplamente utilizado para encobrir vio-
lações de direitos e injustiças ambientais que hoje não quer
dizer mais nada. Para Fátima Mello, do Núcleo de Justiça Am-
biental e Direitos, FASE: “De novo nós, a Cúpula dos Povos,
afirmamos que a economia verde é mais uma tentativa das
corporações legitimarem a supressão de direitos e a apropria-
ção privada da natureza para manterem suas taxas de lucro”
(2012, p. 10).

Esses movimentos mostram que há semelhanças entre o


que ocorreu há vinte anos. Também consideram as dinâmicas
que diferenciam a lógica do Fórum Global 92 e a Cúpula dos
Povos de 2012.

Destacam-se que, atualmente, há solidez nas práticas que


respeitam as pessoas e o ambiente, como a produção de ali-
mentos saudáveis na agroecologia. Na Cúpula essas práticas,
vivências e experiências foram apresentadas nas tendas e esse
espaço chamou-se Territórios do Futuro, porque aconteceram
em territórios de resistência.
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   243

Nas plenárias, debates, assembleias na Cúpula dos Povos,


buscou-se a aproximação de visões comuns e uma forma de
juntar forças para agirem no plano político. A principal afir-
mação para que se possa reinventar o mundo é que a huma-
nidade precisa ser regida sob o signo dos bens comuns, dos
direitos, da justiça social e ambiental.

10.6.2 Da ação do ambientalista Lutzemberger


à criação do MMA
No ano de 2012 homenageou-se a memória e o legado do am-
bientalista José Lutzemberger, que faleceu no dia 14/5/2002.
Tivemos no Brasil a atuação de grandes conservacionistas,
preservacionistas, porém com uma visão da ação sobre o mo-
delo capitalista o mais ousado foi Lutzemberger. Formado em
agronomia, fluente em cinco idiomas, possuía grande capaci-
dade de comunicação, executivo da BASF, empresa de defen-
sivos agrícolas, por mais de 10 anos. Ao conhecer os traba-
lhos de Rachel Carson sobre os efeitos dos produtos químicos
no planeta, pede demissão e torna-se consultor, empresário e
pesquisador de alternativas para a produção saudável de ali-
mentos. Funda, com outros pesquisadores e estudiosos, uma
ONG para divulgar e pressionar os governos local, regional e,
posteriormente, o nacional, para a criação de reservas e/ou a
proibição de produtos cancerígenos na alimentação humana
ou de animais.

Recebeu inúmeros prêmios e ao ser convidado para assu-


mir a Secretaria Especial do Meio Ambiente, em 1990, conse-
guiu trazer para o Brasil, no Rio de Janeiro, a 1ª grande Con-
ferência Mundial, chamada ECO 92 ou Rio 92. A partir dessa
244   Sociedade e Contemporaneidade

data, o governo federal começa a institucionalizar a questão


ambiental, com a criação do Ministério do Meio Ambiente,
diretorias e Fundações. A missão do Ministério é: promover
a adoção de princípios e estratégias para o conhecimento, a
proteção e a recuperação do meio ambiente, o uso sustentável
dos recursos naturais, a valorização dos serviços ambientais e
a inserção do desenvolvimento sustentável na formulação e na
implementação de políticas públicas, de forma transversal e
compartilhada, participativa e democrática, em todos os níveis
e instâncias de governo e sociedade.

No organograma do Ministério do Meio Ambiente pode-se


ver as várias funções e as obrigações que pretende desempe-
nhar junto à nação brasileira.
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   245

A partir desta data, organiza-se nos estados e municípios


as secretarias de meio ambiente, as fundações, como a Fe-
pam (Fundação Estadual de Proteção Ambiental) no RS, Fatma
(Fundação do Meio Ambiente) em SC, a Cetesb (Companhia
Ambiental do Estado de São Paulo) e outros. Em cada estado
e município existem as Comissões de Meio Ambiente, e nelas
são representados os órgãos públicos e entidades, universida-
des e ONGs locais ou estaduais.

“Lutzemberger falava que gostaria de voltar de tanto em tan-


to tempo, pois tinha curiosidade para ver como estaria o pla-
neta” (Lilian Dreyer, biógrafa do ecologista, C.P., 14/2/2012).
Caso isso fosse possível, Lutz veria que há muitos movimentos
que convergem para o princípio do cuidado, da convivência e
do compartilhamento de todos os seres vivos no planeta cha-
mado GAIA2, pelos antigos.

10.7 As políticas e as leis ambientais

As conferências mundiais, os movimentos ambientais, as orga-


nizações de consumidores, todos pressionam poderes execu-
tivo, legislativo, judiciário para apresentação e o desenvolvi-
mento de políticas ambientais. O ministério do meio ambiente,
cumprindo a Agenda 21, realizou conferências consultivas e

2  Divindade Grega – Gaia, Geia, Gea ou Gê era a deusa da Terra, a Mãe


Terra, como elemento primordial e latente de uma potencialidade geradora
quase absurda. Segundo Hesíodo, no princípio surge o Caos, e do Caos
nascem Gaia, Tártaro, Eros (o amor), Érebo e Nix (a noite) (Wikipédia, a
enciclopédia livre).
246   Sociedade e Contemporaneidade

participativas nos estados brasileiros. A partir dessa foram


apresentados planos, programas e ações que se expressam
nas políticas e setores no organograma do Ministério do MMA.

Destacamos abaixo as principais políticas e as respectivas


leis:

ÂÂPolítica Nacional do Meio Ambiente

LEI Nº 6.938, DE 31 DE AGOSTO DE 1981.

ÂÂPolítica Nacional de Educação Ambiental

LEI Nº 9.795, DE 27 DE ABRIL DE 1999.

ÂÂPolítica Nacional de Resíduos sólidos

LEI Nº 12.305, DE 2 DE AGOSTO DE 2010.

ÂÂPolítica Nacional de Mudanças climáticas

LEI Nº 12.187, DE 29 DE DEZEMBRO DE 2009.

ÂÂCódigo Florestal

18 DE OUTUBRO DE 2012 – A SER SANCIONADO PELA


PRES. DILMA ROUSSEFF.

No momento em que todos os países, todos os setores da


economia, da cultura, dos governos falam em sustentabilida-
de, responsabilidade socioambiental, consumo consciente,
mercado ético, conservação ambiental, impactos ambientais,
bens comuns e tantos outros conceitos associados a estes e
a outros que exigem cumprimentos de políticas, de leis, e de
regulamentações nacionais e globais e a demanda por pro-
fissionais que compreendam a contemporaneidade. Vemos
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   247

que nos negócios, os clientes, os consumidores, as instituições


financeiras exigem práticas de corresponsabilidade no desen-
volvimento social e na preservação do meio ambiente.

Na Revista Época Negócios (2009, p. 126) consta que:


“diante de uma agenda de negócios que foi invadida por te-
mas antes periféricos, como meio ambiente e relações com a
sociedade, o desafio agora é encontrar pessoas para a área
da sustentabilidade”. No mesmo artigo lemos: “o profissio-
nal tem que ter uma visão de toda a cadeia produtiva, ter a
competência de compreender o negócio de forma holística,
mostrar resultados concretos e saber se relacionar com os no-
vos atores da cena dos negócios. Dar atenção às ONGs, às
comunidades afetadas pela localização e pelo negócio e à
atuação da mídia”.

Para a cientista política Carla Duprat, diretora de sustenta-


bilidade do grupo Camargo Correia, “é preciso uma capaci-
dade enorme de organização e comunicação, além de buscar
soluções dentro e fora da empresa e valorizar o conhecimento
existente” (2009, p. 126). A tarefa dessa executiva e de sua
equipe, a qual são chamados de “guardiões da sustentabilida-
de”, é disseminar o conceito e colocar mudanças em prática
nas doze empresas do grupo, cujos negócios vão da engenha-
ria e construção civil à fabricação das sandálias havaianas.

Assim, as possibilidades e as potencialidades de trabalho


na área da sustentabilidade e da avaliação ambiental são
enormes. No entanto, a sociedade é uma rede e um inter-
cruzamento de interesses, de visões, de crenças, de poderes
que se manifestam em contradições, tensões, conflitos que não
248   Sociedade e Contemporaneidade

se resolvem com soluções tecnicistas, legalistas e que desco-


nhecem as desigualdades sociais, as injustiças ambientais e
autoritarismos herdados de um passado colonial, tirânico, pa-
trimonialista e paternalista.

Assim, com a constituição de 1988, incluíram as questões


de participação pública, institucional e política. As audiências
públicas vieram para serem considerados os efeitos sociais,
culturais, econômicos, ambientais e institucionais, vivenciados
pelos grupos atingidos, de qualquer atividade pública ou pri-
vada que altere de maneira indesejada a forma como as pes-
soas moram, trabalham, se relacionam umas com as outras,
elaboram sua expressão coletiva e seus modos próprios de
subjetivação. Para Henri Acselrad “a dimensão ambiental não
pode ser avaliada de modo separado da dimensão social e
cultural”.

Recapitulando

As questões ambientais iniciam-se nos locais mais próximos


das pessoas, desde a casa, passando pelo trabalho, lazer e a
cidade onde residem. Mas, como vivemos em uma casa co-
mum (o Planeta Terra), no dizer dos documentos das Confe-
rências Mundiais do Meio Ambiente, o cuidado com o meio
ambiente é global.

A Agenda 21, um plano acordado entre todos os países


signatários da ECO-92, orienta quais são as ações promoto-
ras e fiscalizadoras que devem ser realizadas em cada locali-
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   249

dade para se obter a sustentabilidade da terra. O slogan da


agenda é: “Pense globalmente e aja localmente”. É um convite
– compromisso de todos e a cada um em particular de calcular
o quanto de nosso consumo pessoal está “gastando do pla-
neta”. A ferramenta para essa verificação do rastro pessoal do
que a terra nos oferta se faz através do chamado cálculo da
pegada ecológica. Deste modo, a busca pela sustentabilida-
de leva à inovação no aproveitamento dos resíduos, a novas
formas de comércio, à criação de materiais biodegradáveis,
assim como retorno a alimentos orgânicos e, especialmente,
uma dupla preocupação de um lado com o luxo, que trata de
ofertar vivências saudáveis, com a pobreza para que ocorra a
justiça socioambiental.

Referências

ACSELRAD, Henri. Conflitos ambientais no Brasil. Rio de Ja-


neiro: Relume Dumará. Fundação Heinrich Böll, 2004.

BECK, Ulrich. O que é globalização? – Equívocos do glo-


balismo, respostas à globalização. São Paulo: Paz e Terra,
1999.

______. Liberdade ou Capitalismo – Ulrich Beck conversa


com Johannes Wilms. São Paulo: Unesp, 2003.

BOFF, Leonardo. Saber cuidar – ética do humano – compai-


xão pela terra. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999.
250   Sociedade e Contemporaneidade

CARSON, Rachel. Primavera silenciosa. São Paulo: Edições


Melhoramentos, 1962.

FREITAS, Juarez. Sustentabilidade – direito ao futuro. Belo


Horizonte: Fórum, 2011.

GIDDENS, Anthony; PIERSON, Christopher. Conversas com


Anthony Giddens – o sentido da modernidade. Rio de
Janeiro: FGV, 2000.

GONZÁLES, Amélia. Entrevista ao jornal O Globo, 21/6/2012,


p. 86.

GRZYBOWSWKI, Cândido. Desafios éticos no caminho da


biocivilização. Revista Proposta 2012 – Revista trimes-
tral de debate da Fase. Instituto Betinho – Ibase. Ano 36,
n. 125, p. 46.

IOSCHPE, Evelyn Berg (Org.). 3º setor – desenvolvimento so-


cial sustentado. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

KILL, Jutta. In: GLASS, Verena. O lado B da economia verde.


Revista Desafios do Desenvolvimento. Ano 9, n. 72, 2012.

LEFF, Enrique. Saber ambiental. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.

LEITE, Carlos. Cidades sustentáveis, cidades inteligentes


– desenvolvimento sustentável num planeta urbano. Porto
Alegre: Bookman, 2012.

LENZI, Cristiano Luis. Sociologia ambiental – risco e susten-


tabilidade na modernidade. Edição 2005. Bauru/SP: Edusc
– Anpocs, 2006.
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   251

LEROY, Jean-Pierre. Agriculturas. v. 8, n. 4, dezembro de


2011.

LEROY, Jean-Pierre; BERTUCCI, Ademar de Andrade; ACSEL-


RAD, Henri; PÁDUA, José Augusto; SCHLESINGER, Sérgio;
PACHECO, Tânia. Tudo ao mesmo tempo agora – de-
senvolvimento, sustentabilidade, democracia: por que isso
tem a ver com você? Petrópolis/RJ: Vozes, 2003.

LOUREIRO, Carlos Frederico B.; LEROY, Jean-Pierre (Orgs.).


Pensamento complexo, dialética e educação ambien-
tal. São Paulo: Cortez, 2006.

PETRELLA, Riccardo. O Manifesto da água – argumentos


para um contrato mundial. Petrópolis/RJ: Vozes, 2002.

RELATÓRIO SÍNTESE. Projeto Avaliação de Equidade Am-


biental como instrumento de democratização dos
procedimentos de avaliação de impacto de projetos
de desenvolvimento. Fase – Solidariedade e Educação e
Ettern – Laboratório Estado, Trabalho e Natureza do Institu-
to de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/
UFRJ), Rio de Janeiro, 2011.

RIBEIRO, Mário Ramos. Em economia não existe almoço


grátis. Disponível em: <http://www.ecoagencia.com.br.>
Texto publicado em 7/2/2012. Acesso em: 1/11/2012.

SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Produzir para viver –


os caminhos da produção não capitalista. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2002.
252   Sociedade e Contemporaneidade

VOLTOLINI, Ricardo. Conversas com líderes sustentáveis.


São Paulo: Ed. SENAC, 2001.

WEFFORT, Francisco C. Os clássicos da política – Maquia-


vel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Rousseau, “O Federalis-
ta”. 1º Volume. São Paulo: Ática, 1995.

Atividades

1) Assinale F (falso) ou V (verdadeiro) ao lado das assertivas


abaixo:

a) (  ) Há uma relação entre alimentação e pegada eco-


lógica.

b) (  ) Justiça socioambiental quer dizer colocar preço em


todos os serviços ambientais.

c) ( ) Desenvolvimento sustentável quer dizer a mesma


coisa que Economia Verde.

d) (  ) A ECO-92 foi a maior conferência voltada para a


questão ambiental e dela saiu o documento chamado
AGENDA 21.

e) (  ) Não há uma relação entre alimentação e pegada


ecológica.

2) Leia as assertivas abaixo e identifique as corretas com um


X:
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   253

a) (  ) Para passar a viver mais a sustentabilidade, temos


que ir além de fechar a torneira ou usar uma sacola de
pano. Para ser sustentável, a exigência é de repensar
os padrões éticos e sobretudo o hábito de consumo.

b) (  ) Mercado do carbono é o termo genérico utilizado


para denominar os sistemas de negociação de certifi-
cados de redução de emissões de GEES: um crédito
de carbono equivale a uma tonelada de CO2 que dei-
xou de ser produzida.

c) ( ) As ações do ambientalista Lutzemberger geraram


mudanças na organização do Estado brasileiro pela
criação do Ministério do Meio Ambiente.

d) (  ) O Ministério do Meio Ambiente é voltado somente


para a preocupação climática.

e) (  ) Todas as alternativas acima estão incorretas.

3) Assinale, abaixo, as políticas corretas: As políticas e as leis


ambientais que orientam os Princípios, programas e ações
são:

a) (  ) Política Nacional do Meio Ambiente;

b) (  ) Política Nacional de Economia Criativa;

c) (  ) Política Nacional de Resíduos sólidos;

d) (  ) Política Nacional de Educação Ambiental;

e) (  ) Nenhuma das alternativas acima está correta.


254   Sociedade e Contemporaneidade

4) Os clientes e os consumidores estão mais exigentes em re-


lação às mercadorias e aos produtos a serem adquiridos.
Assinale com F (Falso) ou V (Verdadeiro) as razões para
essas exigências:

a) (  ) A preocupação com o meio ambiente.

b) (  ) A preocupação com a saúde pessoal.

c) (  ) A educação ambiental já chegou a todos.

d) (  ) Os produtos são mais baratos e acessíveis ao poder


de compra.

e) (  ) Nenhuma das alternativas acima está correta.

5) Aprofundando o conceito de Justiça Ambiental para


ACSELRAD:

I - A condição de existência social em que se verifica igual


proteção aos distintos grupos sociais com relação aos
danos ambientais, por intermédio de leis e regulações
democraticamente concebidas, que impeçam ao mer-
cado impor decisões discriminatórias com base em
raça, cor nacionalidade ou status socioeconômico. Ela
resulta de um tratamento justo e de um envolvimento
efetivo de todos os grupos sociais, no desenvolvimen-
to, implementação e respeito a leis, normas e políticas
ambientais.

II- Para LEROY, estamos tão envolvidos na sociedade


capitalista dominada por noções como propriedade
privada, consumo e mercado e tão saturados pela
informação e pela publicidade dominantes, que não
Capítulo 10   Meio Ambiente e Sustentabilidade   255

percebemos espontaneamente que há ainda uma por-


ção grande da nossa realidade e do planeta que está
situada fora dos circuitos mercantis.

III- Para BOLLIER, recursos compartilhados são o que uma


comunidade constrói e mantém (biblioteca, parque,
rua), os recursos nacionais que pertencem a todos
como lagos, florestas, vida silvestre, espaço radioelé-
trico e os recursos mundiais dos quais os seres vivos
necessitam para poder sobreviver (atmosfera, água,
biodiversidade).

IV- A Poluição é democrática, afeta todas as classes so-


ciais, não importando onde moram e quanto ganham.

As correlações corretas entre as citações de autores são:

a) (  ) I, II e IV

b) (  ) II, III e IV

c) (  ) I, II e III

d) (  ) Nenhuma correlação está correta.

e) (  ) Todas as correlações acima estão corretas.


256  Gabarito

Gabarito

Capítulo 1
1) b

2) d

3) c

4) e

5) d

Capítulo 2
1) d

2) d

3) c

4) d

5) d

Capítulo 3
1) d

2) e

3) b

4) a

5) e

Capítulo 4
1) b
Gabarito  257

2) d

3) e

4) e

5) e

Capítulo 5
1) c

2) e

3) a-V, b-V, c-F, d-V, e-V

4) e

5) a-V, b-V, c-V, d-V, e-F

Capítulo 6
1) a

2) a-V, b-V, c-F, d-F, e-V

3) d

4) b

5) b

Capítulo 7
1) b

2) d

3) c

4) e
258  Gabarito

5) c

Capítulo 8
1) b

2) c

3) e

4) d

5) a

Capítulo 9
1) d

2) b

3) d

4) a

5) e

Capítulo 10
1) a-V, b-F, c-F, d-V, e-F

2) a, b, c

3) a, c, d

4) a-V, b-V, c-F, d-F, e-F

5) c

Das könnte Ihnen auch gefallen