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Autor
KURT MAHR
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
O planeta Peregrino desapareceu — será
que os imortais terão de morrer?
O cabo da grossura de um braço humano, que corria por uma fenda no trilho do
hangar e terminava num recipiente em forma de tubo, preso à nave esférica, fornecia
todas as informações necessárias à K-238. Nas telas da nave, que deveriam estar
apagadas, uma vez que as escotilhas da comporta do gigantesco hangar ainda estavam
fechadas, via-se um tapete luminoso formado por inúmeros pontos, que cobriam o fundo
negro do espaço infinito. Dos receptores saíam os ruídos que enchiam a sala de comando
da Drusus, em cujo hangar continuava guardada a K-238.
O zumbido monótono foi cortado por outro som, quando os aparelhos geradores do
campo de reflexão entraram em funcionamento. Nas telas da K-238 surgiram vestígios de
um corpo nebuloso de formato circular. Parecia que naquele lugar o espaço vazava,
deixando penetrar um pouco de vapor vindo de outro Universo. O estranho anel cresceu e
tornou-se cada vez mais nítido.
Os cinco homens na pequena sala de comando da K-238 olhavam-no atentamente.
Não havia nada em seus rostos ou atitudes que revelasse que aquele estranho anel os
atemorizasse. Era da existência desse anel e da força concentrada nele que dependeria,
dali em diante e por um tempo indeterminado, a vida do grupo.
Perry Rhodan apoiava a cabeça nas mãos e dedicava sua atenção à pequena tela do
receptor de telecomunicação.
Subitamente, sem qualquer aviso prévio, a tela iluminou-se. Com um movimento
indiferente da mão direita, estabeleceu o contato e viu a enorme cabeça de Sikermann na
tela.
— Pronto, chefe — anunciou Sikermann. — O comando pode ser dado.
“Há quanto tempo está conosco?”, indagou-se mentalmente Rhodan. “Há dezoito
anos. Bem que poderia falar um inglês melhor. Ainda continua com um forte sotaque da
Europa Continental.”
É estranho que muitas vezes, nos momentos de maior tensão, a gente pensa em
ninharias.
Rhodan respondeu:
— Está bem, Sikermann. Decolaremos daqui a doze minutos, exatamente às 20:45,
tempo de bordo. Transmita as necessárias instruções. Use a catapulta. Quero ficar com as
mãos livres.
Sikermann fez continência. De repente disse:
— Sir.
— Pois não.
— Eu... quero dizer, todos nós lhe desejamos êxito total.
Rhodan acenou com a cabeça. Em seus lábios havia um sorriso.
— Obrigado. Se tivermos um pouco de sorte, deveremos conseguir.
A imagem apagou-se. Alguém suspirou, como se naquele instante se desse conta de
que, por muito tempo, esta seria a última comunicação mantida pela K-238 com qualquer
ser humano que se encontrasse fora de suas paredes de metal plastificado.
Outra pessoa praguejou. Era Reginald Bell.
Rhodan fechou os olhos e pensou, analisando o caminho que haviam percorrido até
então:
“Será que o que fizemos foi correto? Será que as hipóteses estão certas? Será que
há uma base para nossas suposições e para as conclusões arrojadas que Atlan, o
arcônida, extrai das suposições?”
Os relógios de bordo da K-238 mostravam o dia 17 de janeiro de 2.042 do
calendário terrano.
Como foi mesmo que a história começou?
Foi no dia cinco de janeiro, a algumas centenas de anos-luz dali, no planeta Vênus...
***
— Cruzador Solar System, comandado por Bell, anuncia regresso do setor quatro,
órbita vinte e um — disse uma voz áspera e retumbante. — Cautelas usuais. Setores um a
sete devem ser evacuados imediatamente. Desligo.
Na periferia do gigantesco campo de pouso, havia uma série de edifícios iguais aos
que eram encontrados nas proximidades de qualquer espaçoporto: alojamentos dos
homens das equipes de manutenção, depósitos de materiais, um pequeno hospital e um
edifício baixo e comprido, que abrigava o escritório do oficial de serviço e de sua equipe.
Tudo parecia simples e prático sob o céu quente e encoberto. O espaçoporto no grande
continente do hemisfério norte de Vênus estava reservado exclusivamente à frota de
guerra terrana. Seus construtores não tiveram necessidade de quebrar a cabeça sobre os
gigantescos prédios de recepção, postos aduaneiros e edifícios destinados aos
passageiros.
Nas montanhas que ficavam ao norte do espaçoporto, estava oculta a antiga base
arcônida, que Perry Rhodan havia descoberto há setenta anos e cujo único construtor,
Atlan, o imortal, começava a fazer amizade com o administrador. Uma das peças
componentes da base era o gigantesco centro positrônico de computação: o cérebro e o
coração incumbidos de todos os cálculos físicos e políticos do Império Solar. E,
principalmente, era o único aparelho de sua espécie capaz de calcular a órbita do mundo
artificial que a algumas centenas de anos-luz descrevia uma órbita sinuosa em torno de
vários centros de gravidade. O cálculo era feito num curto espaço de tempo, usando
apenas um pequeno trecho dessa órbita e alguns dados adicionais.
Era a órbita do planeta Peregrino.
Numa pequena sala do edifício de escritórios, surpreendentemente confortável,
Perry Rhodan e Atlan, o arcônida, estavam sentados frente a frente. Cada qual estava
imerso em seus pensamentos e demonstrava pouca receptividade para o panorama —
grandioso na sua solidão — oferecido pelo amplo espaçoporto com os traços retos e
negros, representando a selva venusiana que começava em sua periferia.
Bem acima do campo espacial surgiu um ponto luminoso que cresceu rapidamente e
começou a descer. Uma forte onda de vento varreu toda a área, e foi seguida pelo ruído
trovejante de uma espaçonave que avançava apressadamente pelas camadas densas da
atmosfera.
— Estão com pressa — disse Atlan. Rhodan levantou-se e foi até a janela, como se
dali pudesse ver melhor a bola luminosa, formada pela nave que pousava naquele
instante.
— Também já adivinhei isso — respondeu em tom distraído.
— Administrador, se você lhes tivesse permitido transmitir uma mensagem de
hipercomunicação, poderia ter-se poupado dois longos dias de espera — disse Atlan em
tom irônico.
Rhodan virou-se e encostou-se ao peitoril da janela.
— Só assim seu chefe supremo, almirante, poderia captar a mensagem e, por meio
de sua genial capacidade de adição, subtração, potenciação e... de correntes positrônicas,
determinar pelo meio mais rápido a posição galáctica da Terra, não é?
O arcônida fez um gesto de desprezo.
— A chance seria muito reduzida. Não é fácil captar uma mensagem direcional.
— A chance seria reduzida, mas existia. Acontece que não quero dar-lhe nenhuma
chance.
Atlan também se levantou.
— Certo; você tem razão, bárbaro. Apenas sinto que você está muito nervoso.
Qualquer um vê sua exaltação.
Rhodan bateu com o dedo na vidraça.
— O que está lá fora irá tranqüilizar-me — disse com um sorriso.
Cerca de quinhentos metros acima do campo espacial, os fenômenos luminosos e o
ruído provocado pela Solar System e pela pressão das camadas de ar que preenchiam o
vácuo formado por seu deslocamento atingiram o auge. A incandescência das partículas
ionizadas cessou no momento em que a nave atingiu a velocidade usual de descida e
pousou suavemente sobre a área cinzenta.
Uma coluna de veículos-plataforma, abertos, saiu dos edifícios em que ficavam os
depósitos e parecia querer passar velozmente por baixo da nave que estava pousando. No
entanto, acabou parando próxima do passadiço que saía da escotilha da nave.
— Estão desenvolvendo uma atividade incrível — disse Atlan.
Pelo tom de sua voz percebia-se que realmente estava admirado.
O carro parou junto à entrada principal. Dois homens saltaram. Ambos eram de
estatura mediana e ruivos. O mais “robusto” ostentava as insígnias de comandante,
enquanto o outro, um tipo corriqueiro, envergava o uniforme de capitão.
Passos ruidosos soaram no corredor. A porta que dava para a pequena sala
confortável abriu-se violentamente. Reginald Bell parou no limiar e, em vez de
cumprimentar, disse:
— Nada, absolutamente nada!
O silêncio que se seguiu a estas palavras foi quase completo.
Atlan, o arcônida, continuava de pé nas proximidades da janela. Parecia alheio e
desinteressado. Dedicava sua atenção a Rhodan, cujas reações observava.
Mas não viu em Perry outra coisa senão um ligeiro entesamento dos músculos do
queixo, fazendo com que, por alguns segundos, as maçãs do rosto ficassem bastante
salientes. Dali a pouco, Rhodan apresentava o aspecto de quem acabava de receber uma
notícia insignificante e pouco interessante.
— Entre — disse. — O senhor também, capitão. Gostaria de ouvir um relatório
detalhado.
Reginald Bell deixou-se cair numa poltrona.
O Capitão Gorlat ficou de pé. Atlan tirou uma garrafa bojuda e alguns copos de um
pequeno armário, encheu-os e ofereceu-os a Bell e ao capitão.
Bell esvaziou seu copo de uma só vez. Depois disse:
— Não há muita coisa para contar. Quando chegamos ao ponto indicado nos
cálculos do computador positrônico, não encontramos nada. Não havia absolutamente
nada num raio de mais de seis anos-luz.
“É claro que procuramos encontrar uma pista. O planeta solta hidrogênio enquanto
percorre o espaço. Acontece que não encontramos uma única molécula de hidrogênio
pelo caminho. Ficamos um dia inteiro junto aos instrumentos de localização. Com
exceção de um único bólido, mais nada apareceu nas telas. O planeta Peregrino
desapareceu.”
Rhodan fitou Gorlat. O capitão compreendeu o olhar.
— O mecanismo propulsor está em bom estado, Sir. Não existe a menor
possibilidade de ter havido uma falha no salto. Realizamos duas transições experimentais,
e sempre atingimos o ponto previsto. O espaço em torno do ponto indicado pelo
computador positrônico estava livre de qualquer perturbação. Não havia tempestades
magnéticas, colisões de planos temporais, absolutamente nada. A única conclusão que se
pode tirar de tudo isso é a que já foi exposta pelo comandante Bell.
— Peregrino desapareceu — repetiu Reginald Bell, depois de ter esvaziado mais um
copo. — O velho pregou-nos uma peça.
Talvez queira que resolvamos as mesmas charadas de sessenta e seis anos atrás.
Rhodan sacudiu a cabeça. Deu alguns passos, cruzou as mãos nas costas e parou
diante de Atlan. Este ainda segurava a garrafa. Rhodan fitou-o e disse com um sorriso:
— Dê-me um copo. Estou precisando.
***
Peregrino desaparecera. O mundo que, segundo as palavras de seu criador e dono,
garantiria a vida eterna a Rhodan, não foi encontrado.
No ano de 1.976, Rhodan fizera a primeira visita a esse mundo e a seu dono — a
consciência acumulada de uma raça há muito desaparecida. Essa visita teve uma
importância decisiva...
Ele e Reginald Bell, seu companheiro de lutas desde os primeiros dias do vôo
histórico à Lua, foram julgados dignos da ducha celular que representaria sessenta e dois
anos de vida sem qualquer envelhecimento. Findo esse tempo, o Ser estranho — senhor
do planeta Peregrino — ordenou-lhes que deveriam aparecer de novo no planeta, a fim de
serem presenteados com mais sessenta e dois anos. Havia uma tolerância de três meses.
Em virtude de um retardamento do fluxo temporal que os atingira por ocasião de sua
primeira viagem ao planeta Peregrino, só voltaram à Terra no ano de 1.980.
Agora, no ano de 2.042, o prazo havia chegado ao fim. Para sermos mais exatos, o
dia 1o de fevereiro de 2.042 e o dia 1o de maio de 2.042 seriam as datas-limite para a ida
ao planeta Peregrino. Se ultrapassassem o prazo, as funções corporais diminuiriam
imediatamente. Se não houvesse outra ducha celular, o organismo recuperaria em poucos
dias a decadência que fora detida durante sessenta e dois anos. Uma semana depois do dia
1o de maio, Perry Rhodan e Reginald Bell seriam anciãos de mais de cem anos de idade,
que já se encontrariam com um pé na cova.
Porém o planeta Peregrino havia desaparecido.
— Tenho certeza de que o velho nos está tapeando — afirmou Reginald Bell em tom
obstinado.
Dormira ininterruptamente durante dez horas, e o descanso lhe restituíra a
combatividade e seu enorme otimismo.
Aquilo que ele designava como o velho era o Ser do planeta Peregrino, um
verdadeiro monstro de força espiritual. Incorporara todo o saber de uma raça e não estava
ligado a qualquer corpo.
Rhodan não era da mesma opinião de Bell.
— Afinal, ele nos garantiu a ativação celular — ponderou, sacudindo a cabeça. —
Por que iria mentir?
— Sei lá! — esbravejou Bell. — De qualquer maneira, não confio nesse sujeito.
Nunca confiei.
Encontravam-se agora num recinto subterrâneo da velha base arcônida. A alguns
corredores adiante ficava o centro de controle do grande computador positrônico. Mas,
mesmo aqui, ouvia-se o zumbido das máquinas que trabalhavam no limite máximo de sua
potência.
— Não — disse Rhodan em tom decidido. — O desaparecimento do planeta
Peregrino deve ter outro motivo, ou melhor, outra causa.
Atlan, que até então se mantivera em silêncio, olhou de esguelha para Rhodan.
— Até parece que você suspeita de alguma coisa — disse.
Rhodan deu de ombros.
— Por que vamos falar sobre suposições, se daqui a alguns minutos a máquina
concluirá o processamento dos dados?
Atlan respondeu com um sorriso:
— Apenas estaria interessado em saber se você pensa a mesma coisa que eu,
bárbaro.
Mantiveram silêncio sobre seus pensamentos. Mas o computador positrônico
expeliu suas idéias francas perfuradas numa placa metálica, conforme correspondia a seu
“caráter”.
Peregrino fora vitimado por uma superposição de dois planos temporais. Segundo as
indicações da máquina, a probabilidade de que a informação era correta chegava a mais
de oitenta e um por cento.
— Foi disso que você desconfiou? — perguntou Atlan.
— Naturalmente — respondeu Rhodan. — Os druufs “engoliram” Peregrino, tal
qual fizeram com Mirsal e outros mundos. Apenas estranho uma coisa.
— O que é?
— Será que o ser que habita o planeta Peregrino não teve nenhuma possibilidade de
defender-se dos druufs? Será que não pôde esboçar a menor defesa ao ser engolido?
Atlan parecia pensativo. Depois de algum tempo, respondeu:
— Sei perfeitamente que nas cabeças de vocês anda a idéia de que o dono do planeta
Peregrino é um ser quase onipotente. Acontece que você geralmente costuma agir como
um homem razoável e, por isso mesmo, já deveria ter compreendido, administrador, que
evidentemente essa onipotência não passa de ficção. Todo poder tem seus limites, e não é
nada difícil imaginar que os druufs sejam superiores ao ser que Bell designa como o
velho.
Rhodan sacudiu energicamente a cabeça.
— Quanto a mim, não consigo imaginar uma coisa dessas. Meu caro, você não viu o
que nós vimos no planeta Peregrino. Não; para mim existe outro mistério a ser
solucionado.
— Pois esforce-se para solucioná-lo, bárbaro — disse o arcônida com uma
risadinha. — Você não tem muito tempo para adivinhar. Hoje é o dia 6 de janeiro,
segundo o calendário terrano.
***
O passo seguinte estava perfeitamente traçado.
O computador positrônico calculou o trecho de órbita que o planeta Peregrino
deveria ter percorrido desde o momento em que os druufs apareceram pela última vez até
o dia 5 de janeiro de 2.042.
Rhodan mandou equipar às pressas uma nave auxiliar do tipo girino com geradores
de campo de refração. Eram os únicos aparelhos que permitiam a passagem para o outro
plano temporal, abrindo, por assim dizer, uma porta que ligava as duas dimensões do
tempo. Depois, Perry pôs-se a caminho com a Drusus, que levava a bordo o girino com
esse equipamento, dirigindo-se ao setor em que o planeta Peregrino deveria ter percorrido
sua órbita.
O couraçado Drusus já fora equipado durante uma operação anterior com o gerador
de campo de refração. Se alguma das naves da frota terrana era capaz de enfrentar o
perigo representado pelos druufs essa nave só poderia ser a Drusus.
A tecnologia terrana ligada à criação de campos de refração fora descoberta há mais
de um ano, de certa forma por acaso. No curso dos acontecimentos que se desenrolaram
no mundo de cristal foi aperfeiçoada. O aperfeiçoamento chegou a tal ponto que agora
permitia a passagem para outro plano temporal em qualquer lugar onde a superposição
dos dois planos houvesse ocorrido ou estivesse ocorrendo.
Portanto, a tarefa da Drusus consistiria exclusivamente em percorrer a órbita do
planeta Peregrino com os campos de refração ativados. Se realmente ocorrera uma
superposição dos dois planos, conforme afirmava o computador positrônico, e se o
planeta Peregrino fora atingido pela mesma, a nave penetraria no outro plano temporal,
utilizando seu campo de refração, assim que atingisse a área de superposição.
E foi o que aconteceu...
A Drusus penetrou num espaço cheio de luminosidade vermelho-escura, observada
antes, e que, segundo tudo indicava, não preenchia outra finalidade senão abrigar um sol
que emitia uma luminosidade verde-cinza.
Os estranhos fenômenos luminosos não abalaram ninguém, pois já haviam sido
observados antes. Os instrumentos da Drusus determinaram a distância entre a nave e o
sol verde: quarenta e cinco unidades astronômicas. Rhodan teve todo motivo para
desconfiar desse resultado, pois por várias vezes já se constatara que as medidas
convencionais do contínuo einsteiniano têm uma validade bastante restrita ou mesmo
nula, quando trasladadas para outro plano temporal.
Em hipótese alguma, Rhodan queria expor a Drusus aos riscos de correntes do
ajuste temporal, motivo por que, depois de uma ligeira permanência no universo
vermelho, retornou através da lente formada pelos campos de refração.
Já se sabia em que ponto se verificara o desaparecimento do planeta Peregrino.
Também se sabia que, no plano temporal normal, nada se poderia descobrir sobre o
paradeiro do planeta artificial.
O girino K-238, equipado com geradores de campos de refração, foi preparado para
a decolagem. Rhodan preferiu não levar a tripulação normal numa operação arriscada
como aquela. Em caso de necessidade todas as funções do girino, inclusive as do posto de
artilharia, poderiam ser executadas por cinco homens.
Além de Atlan, o arcônida, e de Reginald Bell, escolheu como companheiros de
viagem o Capitão Gorlat e o Tenente Tompetch.
Eram estes os cinco homens que no dia 17 de janeiro de 2.042 se encontravam na
pequena sala de comando da nave K-238, suspirando, praguejando ou fitando
ansiosamente a tela de imagem.
2
A decolagem foi realizada automaticamente, assim que o relógio atingiu a marca das
20 horas e 45 minutos. O cabo que até então mantivera a ligação com o Interior da nave
soltou-se. Na tela panorâmica da K-238, surgiu o quadro iluminado, mas insignificante,
do grande hangar de naves auxiliares. Na extremidade oposta deste hangar, a escotilha
interna da comporta começava a abrir-se.
Depois de alguns segundos, a K-238 entrou em movimento. Sustentada por um
campo artificial de gravitação, planou para o interior da comporta e ali permaneceu,
enquanto a escotilha interna se fechava e a externa começava a abrir-se.
O anel do campo de refração voltou a aparecer; seu centro coincidiu com o ponto
central da tela de proa.
Rhodan viu a escotilha encostar-se à parede da nave; a luz verde, que liberava a
decolagem, acendeu-se.
Com um súbito solavanco, a escotilha da comporta deslizou para o lado. O anel do
campo de deflexão parecia saltar sobre a nave auxiliar. Mas, num instante tudo
desapareceu: o anel, o tapete luminoso formado pelas inúmeras estrelas, a Drusus.
Um vermelho-carregado passou a envolver a pequena nave, e das profundezas de
um espaço desconhecido e apavorante brilhava a bola de fogo ofuscante do sol verde.
O salto fora bem sucedido.
***
Sabiam que, dali em diante, tinham de contar com uma dimensão temporal
diferente. Talvez o termo contar não fosse adequado, pois os fenômenos que se
verificavam no mundo purpúreo eram tão variados, estranhos e muitas vezes
aparentemente contraditórios, que nem mesmo os matemáticos haviam conseguido obter
uma imagem nítida, pela qual os homens pudessem guiar-se.
Uma coisa era certa: a dimensão temporal em que a K-238 se movia naquele
momento era diferente da anterior.
Só depois do regresso ao espaço einsteiniano, saberiam se essa diferença significaria
um fluxo temporal mais lento ou mais rápido.
Rhodan procurou descobrir em primeiro lugar se o sol verde era na realidade um
astro que justificava o nome que apressadamente lhe fora dado. E, em caso afirmativo, se
esse sol possuía planetas.
À bordo da K-238, as tarefas haviam sido cuidadosamente distribuídas. Rhodan
acumulava as funções de comandante e piloto; Atlan, o arcônida, estava sentado junto ao
computador positrônico e calculava o curso da nave ou interpretava os resultados
indicados pelos instrumentos de localização; Reginald Bell manipulava esses
instrumentos; o Capitão Gorlat ocupava o posto de artilheiro, e o Tenente Tompetch
ficava na reserva.
Dentro de trinta minutos, a partir da trasladação para o plano temporal estranho, os
instrumentos haviam registrado o espectro do sol verde e forneceram um diagrama,
segundo o qual o diferencial de intensidade nas radiações se verificava em função do
comprimento das respectivas ondas. Atlan, que foi o primeiro a examinar o diagrama,
soltou uma risada de deboche e disse que um espectro como este só poderia servir para
enlouquecer um espectroscópio. Dali a pouco, Rhodan confirmou que esse espectro podia
corresponder ao de um pedaço de arame enferrujado e incandescente, nunca ao de um sol.
Em vez da curva regular que o diagrama deveria apresentar, viu-se uma linha que
corria junto à abcissa, e que, no conjunto, seguia a direção horizontal, apresentando a
espaços irregulares ressaltos elevados e pontudos. Um desses ressaltos foi registrado no
comprimento de onda de 5.600 angstrom e, ao que tudo indicava, constituía a origem da
cor verde do corpo luminoso.
Antes que fosse formulada a conclusão de que não se tratava de um sol, mas de
outro fenômeno ainda desconhecido, os instrumentos registraram mais um resultado. O
corpo verde irradiava um campo de gravitação.
A distância entre a nave K-238 e o sol verde era pouco superior a dezoito unidades
astronômicas. Face ao valor da gravitação medido pelos instrumentos, e considerada a
distância já referida, concluiu-se que sua massa era de 9 vezes IO30 quilogramas, ou seja,
a metade da do sol terrano.
Só mesmo um sol poderia ter uma massa como esta. E a constatação desse fato
pesou mais que o estranho espectro.
Mas o fator decisivo foi uma descoberta que Reginald Bell fez dali a quinze
minutos, por meio de uma série de instrumentos ultra-sensíveis. Estes registraram uma
interferência no campo de gravitação, que só poderia provir de outro campo, menos
intenso. Após alguns instantes, se demonstrou que o segundo campo gravitacional se
deslocava em relação ao primeiro. Com base na interferência inicial e em sua alteração ao
longo do tempo, calculou-se que o corpo do qual provinha o segundo campo de
gravitação devia ter uma massa de cerca de 5 vezes 10 24 quilogramas, o que correspondia
a 0,83 vezes a massa da Terra.
Ninguém teve a menor dúvida de que os instrumentos de Bell haviam descoberto
um planeta, e de que a luminosidade verde correspondia a seu sol.
Rhodan decidiu imediatamente aproximar-se do planeta, até então invisível, e tentar
o pouso.
***
***
***
O alarma foi observado com a rapidez que geralmente se observa numa nave de
guerra. No momento em que as sereias silenciavam, Reginald Bell irrompeu na sala de
comando.
Foi seguido de perto pelo Capitão Gorlat. O último a entrar foi o Tenente Tompetch.
— Algum dos senhores notou uma coisa extraordinária nesta última hora? —
perguntou Rhodan em tom oficial.
Reginald Bell sacudiu a cabeça; parecia contrariado.
— E o senhor, capitão?
— Não senhor, não notei nada. Estava dormindo.
— Tenente...
— Não senhor. Também estava dormindo.
Rhodan relatou era rápidas palavras o que ele e Atlan haviam observado.
— Não sabemos se por acaso sofremos uma alucinação — concluiu. — Aqui em
Solitude pode acontecer muita coisa que não corresponde às nossas idéias. É claro que
precisamos ter certeza. Capitão Gorlat, reviste o camarote em que foi visto o
homenzinho. Faça um trabalho meticuloso. O senhor sabe o que está em jogo. Bell, você
asssumirá o comando da nave. Enquanto isso Atlan e eu daremos uma olhada no lugar em
que vi o desconhecido. Tenente Tompetch, você se manterá em contato conosco pelo
rádio.
Ao anoitecer, o céu cobriu-se com um estranho marrom que, de início, tinha a
aparência de azeitonas sujas, mas aos poucos foi perdendo essa tonalidade e cambiando
para o vermelho.
“É uma mistura de cores”, penso Rhodan. “O verde do dia e o vermelho púrpura do
espaço se misturam, produzindo o marrom. Quando o sol tiver aparecido veremos
apenas o vermelho.”
Constatou que cometera um erro considerável enquanto observara a estranha figura
negra entre as árvores. A distância não fora a que calculara. Em vez de quatrocentos
metros, teve de percorrer oitocentos antes de atingir, juntamente com o arcônida, as duas
árvores entre as quais se encontrara o estranho.
— Atingi o lugar, tenente — disse Rhodan, falando para dentro do pequeno aparelho
de rádio. — O senhor nos vê?
— Sim senhor — respondeu Tompetch — Por enquanto ainda os vejo muito bem
Mas está escurecendo depressa.
— Muito bem. Qual é o nosso tamanho?
— Diria que são do tamanho de dedo polegar.
— Obrigado; isso basta. Mantenha-si em recepção.
Fitou Atlan.
— Que pena, almirante! Pensei que se anão se tivesse transformado num gigante.
Acontece que, quando o vi, também tinha o tamanho de um polegar.
Procuraram descobrir alguma pista. Quando escureceu a ponto de não enxergarem
nada, Rhodan tirou uma lanterna pequena, mas potente, e iluminou o chão.
— O capim é muito duro — murmurou o arcônida. — Não poderia ter deixado uma
pista igual às que estamos acostumados a ver. O capim não cede nem ao peso de um
homem.
Rhodan iluminou o caminho que haviam percorrido. Estava assinalado por ta-los de
capim quebrados, como se uma ceifadeira tivesse aberto uma trilha estreita.
— Ceder não cede — disse. — Mas quebra. É duro e quebradiço. Se aqui tivesse
estado alguém que pesasse mais de cinqüenta gramas, deveríamos descobrir algum sinal.
Atlan ergueu-se com um suspiro.
— Acontece que não se vê nada, administrador. Qual é a conclusão que se deve tirar
disso?
Rhodan sorriu.
— É melhor que você mesmo tire suas conclusões, amigo. Não gosto de abrir a boca
antes da hora.
Atlan sacudiu os ombros e espalmou as mãos.
— Que conclusão poderíamos tirar? Foi uma alucinação; só isso.
Rhodan esteve a ponto de responder. Pretendia dizer que não acreditava ter sido uma
alucinação, que devia haver outra explicação. Mas, nesse momento, sentiu que havia
alguma coisa atrás dele. Chegou sentir quase fisicamente que estava sendo observado de
dentro da escuridão marrom.
Sua reação foi puramente automática. Agiu instintivamente e seu gesto foi tão
rápido que se verificou antes que o susto atingisse o cérebro e paralisasse o raciocínio. O
largo feixe de luz atingiu um vulto que parecia flutuar acima do solo a alguns metros do
lugar em que se encontrava. Parecia balouçar-se suavemente no vento. Num vento que
não existia em Solitude.
Rhodan ficou espantado ao constar que a luz da lâmpada atravessava o vulto Ao
menos, parte dela desenhou um círculo num tronco de árvore que ficava atrás do...
— O que é isso?
Atlan pôs a mão no cinto e arrancou arma, antes que Rhodan tivesse tempo de fazer
um gesto de advertência e gritar:
— Não se precipite! Ainda não sabemos o que ele quer.
Enquanto proferia estas palavras, procurou descobrir quem era “ele”, que
continuava a balouçar-se num vento imaginário e não se incomodava com a luz ofuscante
da lanterna; parecia até que nem a percebia.
Envergava o macacão cinzento que os tripulantes das naves terranas costumam usar
em serviço. Acontece que esse macacão, que costumava ser feito de fazenda grosseira e
resistente, era transparente. Usava as mesmas botas de cano alto e fecho magnético que
Rhodan trazia nos pés. Mas estas não atingiam o chão que se encontrava embaixo deles,
enquanto, sob os pés de Rhodan, os talos de capim quebravam-se com leves estalidos.
Parecia ter uma cabeleira bastante espessa; mas não havia como reconhecer-lhe o rosto.
— Está bem, meu caro — disse Atlan em tom irônico. — O fato é que temos de
fazer alguma coisa. Não nos adiantará nada ficar apenas olhando. Ei, quem é você?
O forte grito provocou um eco grotesco, refletido pelos troncos lisos e duros como
diamantes. Mas o vulto não reagiu.
Rhodan avançou um passo; o vulto moveu-se, afastando-se igual distância. Não
caminhava, mas deslizava por cima do capim. Rhodan deu mais um passo, e o resultado
foi o mesmo.
— Se eu desse uma volta, talvez pudéssemos pegá-lo — disse Atlan.
— Pegá-lo com quê? Ele escaparia entre nossos dedos como uma nuvem de vapores
frios.
— Que diabo! Temos de fazer alguma coisa!
Sua voz parecia nervosa e irritada. Antes que concluísse a frase, o vulto moveu-se
pela terceira vez, sem que ninguém se tivesse aproximado.
Rhodan fez com que o raio de luz seguisse o desconhecido. Passou por uma árvore e
saiu para o campo aberto. Manteve o rosto esquisito e grosseiro voltado para trás, como
se quisesse ver se alguém o seguia.
— Vamos atrás dele! — decidiu Rhodan. — Seria interessante descobrir aonde vai.
Informou Tompetch sobre o incidente e mandou que, dali em diante, usasse o
aparelho de localização de luz infravermelha.
— Procure não nos perder de vista — concluiu. — Talvez precisemos de auxílio.
Seguiu o vulto juntamente com Atlan. O fato de que alguém vinha atrás dele não
parecia incomodar o desconhecido. Não aumentou de velocidade e continuou a deslizar
por cima do capim, sem deixar qualquer pista.
Não foi nada fácil segui-lo. O capim era quebradiço, mas assim mesmo dava a
impressão de se tratar de um exército enorme de anões que apontava as lanças de aço
para os intrusos. Uma única folha que penetrasse por uma emenda mal feita do sapato
poderia provocar ferimentos graves.
Pelos cálculos de Rhodan, já se haviam afastado cerca de três quilômetros da nave
K-238. O amplo feixe de luz mostrou uma elevação que atravessava o campo de visão em
altura uniforme. O desconhecido subiu pela encosta e desapareceu atrás do cume. Atlan e
Rhodan continuaram a segui-lo. Quando chegaram ao cume, viram que o ser estranho
parará na outra encosta. Aos seus pés, havia uma mancha escura. Talvez ali o capim
estivesse queimado.
O desconhecido parecia apenas esperar que a luz da lanterna de Rhodan surgisse no
topo da colina e o iluminasse. Quando isso aconteceu, desceu lentamente para dentro da
mancha escura, como se quisesse fazer uma demonstração de seu ato. Desapareceu em
alguns segundos.
— Pegue a arma, almirante! — disse Rhodan sem olhar para o arcônida.
Desceram pela encosta e, quando haviam vencido metade do caminho, viram à luz
da lanterna que a mancha escura não era outra coisa que uma abertura que parecia descer
verticalmente no solo. Era quase circular e tinha um diâmetro de aproximadamente um
metro e meio. Pararam na borda e Rhodan dirigiu a luz para o interior da abertura. Viram
que a abertura só descia verticalmente por um metro e meio e, depois disso, seguia para
um lado. Não se sabia para onde conduzia.
— Vamos descer — sugeriu Atlan.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— É muito perigoso — disse. — Precisamos pelo menos de um homem que monte
guarda aqui em cima.
Chamou Tompetch.
— Siga-nos! — ordenou. — Pegue um desintegrador e um aparelho de rádio portátil
e venha até aqui. Será fácil reconhecer nossa pista no capim. Para facilitar a orientação,
dirigirei a luz da lanterna para cima.
Tompetch confirmou o recebimento da ordem e disse que dentro de trinta minutos, o
mais tardar, chegaria ao lugar em que Rhodan se encontrava.
3
***
O elemento mais importante de que dispunha Rhodan eram dois diagramas
funcionais; um provinha do psicógrafo e outro, do registro acoplado ao
microcomunicador do veículo.
O psicógrafo funcionara durante 15 minutos e registrara um diagrama que, uma vez
efetuada uma redução de 1:72.000 na respectiva abscissa, constituía prova evidente de
que na caverna subterrânea “alguma coisa” pensara.
No fundo, o psicógrafo era um aparelho primitivo. Registrava os débeis campos
eletromagnéticos que acompanham toda e qualquer atividade intelectual. Até certo ponto,
a intensidade e a freqüência desses campos davam a medida da inteligência do ser
pensante. O psicógrafo não era capaz de decifrar pensamentos; apenas constatava a
presença da atividade intelectual. Em virtude dessa capacidade, alguns engraçadinhos o
brindaram com o apelido de “radar intelectual”.
O segundo elemento oferecido por Rhodan foi o diagrama funcional do
microcomunicador. Esse aparelho registrara um sinal que tivera a duração de cinco
segundos e meio, e que se desdobrara em dois grupos de hiperondas, reproduzidos no
diagrama sob a forma de ressaltos pontudos. Na outra dimensão temporal a duração do
sinal fora de cerca de setenta e seis microssegundos.
Por maior que fosse o desdobramento, as duas pontas não apresentavam a menor
articulação. Representavam apenas dois impulsos energéticos que o receptor captara a um
curto intervalo. Concluía-se que a transmissão não tinha a finalidade de comunicar
alguma coisa ao receptor.
Era apenas um sinal, e Rhodan não tinha a menor dúvida de ser este o sinal que
provocou a explosão subterrânea.
— Primeiro: no interior da caverna, vivia um ser pensante e inteligente. É de se
supor que procurou comunicar-se comigo por via telepática. Mas, em virtude da diferença
das dimensões temporais, senti a mensagem telepática apenas sob a forma de uma dor de
cabeça.
“Segundo: no interior da caverna, estava escondido algum explosivo. No momento
em que o ser desconhecido estava entrando em contato comigo, ou melhor, tentava
estabelecer o contato, o explosivo foi detonado por meio de um impulso vindo de fora. A
hipótese mais plausível é a de que algum desconhecido teve conhecimento do contato e
que este não lhe agradou. Sua reação foi imediata: fez ir pelos ares a caverna juntamente
com a inteligência desconhecida. Provavelmente pretendia destruir-nos também. Porém,
nossa dimensão temporal é muito mais rápida que a dele, e conseguimos safar-nos em
tempo.”
Ficou em silêncio.
— E o fantasma? — perguntou Atlan.
— Não sabemos — confessou Rhodan. — Ao que parece, pertence à inteligência
desconhecida destruída pela explosão. Evidentemente quis levar-nos para junto dele.
Atlan fez um gesto afirmativo.
— Há outro detalhe — acrescentou. — Você teve dor de cabeça? Quando foi que
sentiu-se melhor?
Rhodan parecia esperar por essa pergunta.
— No momento em que peguei a corda e comecei a subir — respondeu
prontamente. — Acho que o alcance da capacidade telepática da inteligência
desconhecida é bastante limitado.
O arcônida respirou profundamente.
— Quer dizer que só falta descobrir quem ou o que é o fantasma, qual é a ligação
entre ele e os fatos que se verificaram e para onde desapareceu. O certo é que na caverna
não conseguimos encontrá-lo.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Isso e mais uma coisa — acrescentou. — Por que a caverna tinha uma entrada?
Atlan lançou-lhe um olhar de espanto.
— Por quê...? Ah, sim. Você acha que um fantasma não precisa de um caminho
aberto. Ele se move através de paredes sólidas com o mesmo desembaraço com que nós
atravessamos o ar. É isso que você quer dizer?
— Mais ou menos — confirmou Rhodan. — No interior da caverna, não havia
nenhum aparelho móvel. Tudo estava firmemente pregado ou embutido. Acontece que o
fantasma passou por uma série de escotilhas fechadas. Para que serve, ou melhor, para
que serviu, a galeria?
“É claro que as hipóteses são numerosas. Poderia ter servido, por exemplo, à
renovação de ar. Mas, para isso, não seria necessário cavar uma galeria de um metro e
meio. Talvez também tivesse servido para introduzir os aparelhos, que evidentemente no
se encontravam lá a partir de certo momento. Porém para introduzir os aparelhos, teriam
construído uma galeria reta, nunca uma galeria curva.
“Quer dizer que estas hipóteses não nos satisfazem. Tenho certeza de que havia um
motivo bem forte para que a caverna tivesse um acesso desse tipo.”
Fez uma pausa e depois recomeçou sorrindo:
— Posso formular uma suposição. É claro que, por enquanto, esta não se apóia em
qualquer prova; mas é possível que ainda acabemos encontrando essa prova. Na minha
opinião os habitantes da caverna eram inteligências nativas, subjugadas por algum
desconhecido. Não sabemos que serviço prestavam ao ser que as oprimia. De qualquer
maneira, procuraram entrar em contato conosco. Talvez tivessem mesmo o desejo de que
nós as libertássemos. Mas o desconhecido ficou sabendo disso, e sua reação foi rápida e
brutal.
Atlan ouvira-o atentamente. Depois de algum tempo, ponderou:
— Isso é apenas uma hipótese, não é? Se nos guiarmos estritamente pela mesma e
daqui por diante admitirmos que qualquer fantasma é o espírito de uma inteligência
oprimida de Solitude, poderemos sair prejudicados. Concorda?
Rhodan soltou uma risada.
— Não se preocupe, almirante. Sei perfeitamente qual é o valor de uma hipótese.
Apenas pensei que deve haver um motivo para que o desconhecido procurasse evitar o
contato. E o motivo mais simples seria este: a inteligência de Solitude sabia alguma coisa
que nós não devemos saber. Por isso, devemos procurar descobrir outro fantasma e cuidar
para que desta vez o desconhecido não possa interromper nossa palestra.
Atlan não fez nenhuma objeção.
— É claro que só poderemos fazer isso se em Solitude houver outros seres dessa
espécie — disse.
Rhodan lançou-lhe um olhar de desconfiança.
— Ninguém me convencerá, almirante, de que qualquer raça que tenha uma
existência física, seja ela qual for, seja representada por um único exemplar.
4
***
Por enquanto, a K-238 não tinha muita coisa a fazer. Limitou-se a esperar. O
aparelho de localização registrou as trajetórias dos objetos desconhecidos e concluiu que
deviam ser tripulados, ou então estavam equipados com mecanismos de pilotagem
automática muito sofisticados, pois manobravam ininterruptamente. Não havia nenhum
motivo para acreditar na existência de mecanismos automáticos de pilotagem, motivo por
que a primeira hipótese foi considerada mais provável.
Uma hora depois do primeiro alarma, as naves desconhecidas praticamente não
haviam chegado mais perto, isso porque se deslocavam a uma velocidade não superior a
trezentos metros por segundo. Convertida para a dimensão temporal dos objetos, isso
correspondia a uma velocidade de 22 mil quilômetros por segundo, que era
extraordinariamente elevada para uma unidade que se encontra nas imediações de um
planeta. Chegou-se a conclusão de que os desconhecidos estavam com muita pressa.
Duas horas se passaram sem que se conseguisse descobrir quais eram as intenções
das naves. O nervosismo começou a espalhar-se pela sala de comando da K-238.
Dentro de três horas e meia, quatro das oito naves iniciaram uma manobra de
frenagem a mais de seis mil quilômetros, imobilizando-se algum tempo depois disso.
As quatro naves restantes mantiveram a velocidade inicial e, dali a mais duas horas,
desapareceram na sombra de Solitude. Ao que tudo indicava, pretendiam pousar na face
diurna do planeta.
Foi só então que Rhodan começou a agir. No momento em que não havia mais
dúvida de que as primeiras quatro naves se conservavam na mesma posição, a K-238
decolou. A intenção do inimigo era formar uma espécie de cordão de segurança bem
acima das camadas mais elevadas da atmosfera, a fim de garantir a retirada das outras
naves.
Enquanto o girino subia obliquamente, Atlan deu ordem para que o computador
positrônico interrompesse seus cálculos a fim de, com base na rota registrada pelos
instrumentos, apurar o local provável onde pousariam as quatro naves inimigas. Uma vez
que dispunha de todos os dados necessários, o problema já estava resolvido com pequena
margem de erro, quando a nave saiu da atmosfera de Solitude e prosseguiu na horizontal.
Atlan não fez nenhuma objeção a que o computador voltasse a dedicar-se à sua tarefa
primitiva, isto é, calcular o momento em que o planeta Peregrino passou perto de
Solitude.
Rhodan imprimiu à nave uma velocidade de quinze quilômetros por segundo. Para
poder seguir a curvatura da superfície do planeta, viu-se obrigado a imprimir à nave uma
aceleração radial, que a evitaria derivar para o espaço.
Uma vez estabilizada a rota, julgou chegado o momento de explicar o que pretendia
fazer.
— Vamos dar uma olhada nas quatro naves desconhecidas — disse. — Isso não
representará o menor risco, pois face à sua dimensão temporal muito mais lenta estarão
praticamente indefesas diante de nós. O assunto não tem a menor ligação com a tarefa
propriamente dita que nos trouxe para cá: a localização do planeta Peregrino. Mas acho
que não devemos perder a oportunidade de ver de perto esses seres desconhecidos, que
provavelmente não são outros senão os druufs.
Dali a pouco, a K-238 sobrevoou o limite das zonas noturna e diurna, e voltou a
mergulhar na luz verde do sol que se destacava contra o fundo purpúreo do espaço. O
dispositivo automático iniciou a manobra de frenagem antes que fosse atingido o ponto
anteriormente determinado. Desacelerando fortemente, a nave voltou a penetrar na
atmosfera, seguindo uma rota retilínea em direção à superfície do planeta.
Nas telas, surgiu uma planície imensa, coberta principalmente de arbustos e cortada
por uma série de largos rios. Rhodan fitou o terreno com certo desagrado e, dirigindo-se a
Atlan, disse:
— Até parece que estamos numa bandeja. Não estou gostando nem um pouco. Se
descobrir um bom esconderijo, não deixe de avisar, almirante.
Acontece que nem o almirante, nem o detector de contornos, que funcionava como
uma espécie de sonda de microondas, conseguiu descobrir qualquer irregularidade do
terreno que representasse uma diferença superior a quinze metros em relação ao nível
geral da planície. E a K-238 tinha a altura nada desprezível de sessenta metros. Mesmo
na hipótese mais favorável, quarenta e cinco metros sobressairiam do esconderijo.
De repente, este ponto perdeu todo interesse, pois Reginald Bell anunciou que seus
instrumentos não conseguiam localizar as quatro naves que deveriam pousar nesta área,
nem as outras quatro, que haviam permanecido lá em cima. O espaço adjacente estava
vazio, como se as naves desconhecidas tivessem sido varridas dali.
Rhodan fez uma ligeira inspeção do mecanismo de localização e constatou que este
continuava a funcionar impecavelmente. Mas não conseguiu descobrir qualquer
explicação para o desaparecimento repentino dos oito veículos espaciais. Quando disse
isso, Atlan sorriu e respondeu:
— O fato faz crescer minha autoconfiança, bárbaro. Qual é mesmo a velocidade da
luz neste universo?
— 4,17 quilômetros por segundo — respondeu Rhodan em tom de perplexidade. —
Por quê... Ah, sim! Devemos considerar estes fenômenos.
Bell e Tompetch fitaram-no com uma expressão de espanto. Até no rosto sorridente
de Gorlat, surgiu uma expressão que parecia ser de incompreensão.
— É claro que a velocidade da luz sofre a mesma alteração que todos os valores
ligados ao tempo — explicou Rhodan. — Em Solitude, e de modo geral em todo este
espaço, esta é, conforme já disse, de 4,17 km/seg. Durante o vôo que acabamos de
realizar, a K-238 desenvolveu uma velocidade muito maior. Quer dizer que houve um
fenômeno estranho. Sem recorrer a um meio de transporte de grau superior, como o
hiperespaço, um objeto deslocou-se a uma velocidade maior que a velocidade-limite
permitida pela natureza. O que se conclui dali?
— Para realizar um exercício intelectual, direi que, quando um objeto ultrapassa a
velocidade da luz sem utilizar um meio de transporte de ordem superior acarretará uma
perda de causalidade — pelo tom da voz de Bell, deduzia-se que havia decorado o texto,
fato que não deixou de confessar: — Para dizer a verdade, li isto no manual. Gostaria que
alguém me explicasse o que significa.
Piscou para Rhodan, e este perguntou a si mesmo o que realmente pretendia.
Reginald Bell, que havia adquirido com Perry Rhodan todo o conjunto do saber arcônida,
por meio do processo de aprendizagem hipnótica, não seria incapaz de dar resposta às
perguntas-limite da natureza. Queria que alguém tivesse oportunidade de salientar-se.
Quem seria?
— Posso explicar, Sir — disse Tompetch, que se encontrava num ponto mais
afastado. — A perda de causalidade manifesta-se da seguinte forma: se aciono uma chave
e posso fazer com que a corrente elétrica se desloque à velocidade superior à da luz, a
lâmpada se acenderá antes que eu tenha acionado a chave.
Bell sorriu de maneira que Tompetch não o viu.
— Muito bem, tenente — disse Rhodan com um sorriso. — Quer dizer que, embora
não estejamos assistindo propriamente a uma inversão no tempo, defrontamo-nos com
um fenômeno que traz as mesmas conseqüências. A perda de causalidade não pode ser
explicada por meio de um exemplo concreto; ao menos não em todo o conjunto do
fenômeno. Mas pode-se inventar exemplos, como o que o Tenente Tompetch acaba de
citar, ou o de oito naves espaciais que há pouco ainda estavam ali, mas subitamente
desapareceram.
— O último exemplo é mais elucidativo — disse o arcônida — já que não é
inventado, conforme acabamos de ver.
Bell fez menção de falar, mas o imortal prosseguiu:
— Para encerrar o assunto, direi que não sabemos até que ponto eliminamos a
causalidade. Ignoramos se as oito naves estiveram aqui muito antes de nós e
desapareceram ou se virão depois, talvez dentro de algumas horas ou daqui a vários
milênios. São coisas que não sabemos. Acho que, apesar de tudo, devemos pousar e dar
uma olhada. Isso porque, de qualquer maneira, pretendíamos procurar uma segunda
inteligência do planeta Solitude.
— Nenhuma objeção, almirante — disse Rhodan com uma risada. — Vamos pousar.
***
A K-238 estava pousada numa depressão do terreno. Não era a mais profunda que
existia na área, mas foi aquela em que a nave pôde ser introduzida com maior facilidade.
E pouco importava que o topo da nave se erguesse quarenta e cinco ou cinqüenta metros
acima da planície.
Desta vez, Reginald Bell e Rhodan deixaram a K-238 num Câmbio para fazer seu
reconhecimento. Atlan, Gorlat e Tompetch permaneceram a bordo.
Rhodan ainda não se dera o trabalho de equipar seu relógio com um conversor e um
novo mostrador, para que indicasse o tempo de Solitude. Teve de verificar a posição do
sol para constatar que já estava no fim da tarde, e que poderiam contar no máximo com
três horas de luz do sol. Depois teriam de usar os aparelhos de luz infravermelha.
No início, a grande planície apresentou-se com uma monotonia cansativa. Os
arbustos que a cobriam quase sem a menor interrupção nunca se erguiam a mais de dois
metros acima do solo. As árvores eram tão raras que facilmente poderiam servir de
pontos de referência ao caminhante solitário.
O veículo cruzou dois rios, que eram de uma largura extraordinária, mas não
introduziram nenhuma variedade no quadro monótono.
Depois de uma hora e meia de viagem, Rhodan fez meia-volta e dirigiu o veículo
para a K-238. Mas seguiu por outra rota mais curta, a fim de não perder tempo. Quando
seus olhos já estavam tão cansados e começavam a doer, descobriram uma abertura no
solo.
Era uma abertura pequena, que mal aparecia em meio aos arbustos e à folhagem.
Rhodan baixou o veículo e manteve-o suspenso por cima dos arbustos, pois não
encontrou nenhum local adequado para pousar. Bell saltou ao solo, praguejou por causa
dos espinhos que lhe arranharam o rosto e examinou cuidadosamente a abertura.
Constatou que as paredes internas desta estavam revestidas da mesma massa plástica
vitrificada que cobria o recinto onde haviam descoberto os seres de Solitude.
— Tudo em ordem! — gritou Bell. — Vamos logo, senão os druufs ainda acabarão
desconfiando.
Bell esforçou-se o mais que pôde para subir por um galho bem grosso, a fim de
poder alcançar ao menos a borda inferior do veículo. Assim que conseguiu, lançou um
olhar de recriminação para Rhodan e disse:
— Tomara que da próxima vez você não se prevaleça da diferença de graduação e
vá pessoalmente.
***
***
Mike Tompetch estava sentado à frente do pequeno aparelho de localização. Viu que
quatro das oito naves desconhecidas desapareciam, enquanto as quatro restantes
começavam a descer, segundo lhe parecia, exatamente em direção ao lugar em que se
encontrava.
Naquele instante, os arbustos começaram a estalar perto dele e Rhodan surgiu à sua
frente, seguido de perto por Gorlat. Com um movimento rápido, Tompetch enxugou o
suor da testa e levantou-se de um salto.
Rhodan explicou em palavras ligeiras o que havia acontecido e disse que, em sua
opinião, os fenômenos eram devidos à igualização das duas dimensões temporais.
Tompetch disse que, embora sentisse muito calor, estava passando bem; não havia
motivo para preocupar-se com ele. Avisaria assim que as quatro naves desconhecidas se
aproximassem a menos de cinqüenta quilômetros.
Rhodan e Gorlat entraram no veículo. Rhodan foi na direção, levantou o veículo
verticalmente entre os arbustos e dirigiu-o em meio à noite para a K-238.
— Posso fazer uma pergunta? — disse Gorlat de repente.
— Fique à vontade — disse Rhodan. — O que deseja saber?
— A temperatura subiu de repente — disse Gorlat — assim que se verificou a
igualização das dimensões temporais. Isso é perfeitamente lógico; evidentemente, em
nossa dimensão temporal as moléculas se movem mais rapidamente que na outra. Mas se
a esse fenômeno se aplicasse o fator de distorção geral, que é de setenta e dois mil, a esta
hora já devíamos estar assando, não é?
Rhodan sorriu.
— Fico satisfeito em notar que o senhor me faz uma pergunta que não sei responder
— disse. — O senhor tem toda razão. A temperatura subiu, mas não na medida que seria
de esperar — deu de ombros. — É de supor que o fator de distorção não atinge todos os
fenômenos com igual intensidade. Não sei se esta resposta lhe serve; acontece que não
tenho outra, ao menos por enquanto.
Gorlat deu-se por satisfeito e olhou pela janela do veículo, procurando descobrir a
K-238 em meio à escuridão. Notou que a escuridão já não era marrom, mas negra ou
azul-escura. No entanto, é difícil atribuir qualquer cor à escuridão, e por isso resolveu
guardar essa idéia para si.
O que o deixou muito mais exaltado foi o fato de que não se via a K-238. Estava
escuro; mas um colosso como a nave devia ser visto mesmo na escuridão.
Sem dizer uma palavra, Rhodan virou a direção e fez o veículo descrever uma curva
fechada. O rastreador mostrou uma depressão larga, de dez metros de profundidade. Era a
depressão em que a K-238 havia pousado. Gorlat lembrou-se de que estivera num lugar
em que a depressão apresentava uma espécie de alargamento, numa extensão de algumas
centenas de metros. Esse alargamento foi projetado com toda nitidez na tela do rastreador.
Acontece que a nave não estava lá!
Rhodan parou o veículo e deixou-o descer lentamente na depressão. Gorlat dirigiu a
luz da lanterna para fora da janela e viu que não havia o menor sinal no chão. Os suportes
hidráulicos, que haviam sustentado a nave, não deixaram qualquer impressão no solo.
A K-238 desaparecera!
— Chame Tompetch! — disse Rhodan de sopetão. — Quero que ele nos diga o que
é feito das quatro naves desconhecidas.
Gorlat obedeceu.
A voz potente de Tompetch respondeu.
— Desceram a oitenta quilômetros — disse, respondendo à pergunta de Gorlat. —
Ali pararam e, depois de algum tempo, voltaram a subir. No momento, encontram-se a
duzentos quilômetros e sua velocidade é tamanha que até chego a supor que não têm a
intenção de voltar a Solitude.
— Não viu uma quinta nave? — perguntou Rhodan, inclinando-se de lado para
aproximar a boca do microfone que Gorlat segurava na mão.
— Não senhor — respondeu Tompetch em tom de espanto. — As outras quatro
naves continuam abaixo da linha do horizonte.
— Pois pegue seu aparelho — pediu Rhodan — e procure localizar a entrada da
caverna. Assim que tiver descoberto o lugar, queime alguns arbustos, com o
desintegrador, para que possamos pousar. Já não precisamos de qualquer posto avançado.
Entendido?
— Sim senhor — respondeu Tompetch. Rhodan moveu a direção, fez o veículo
subir rapidamente e, voando alto por cima dos arbustos, levou-o em direção à entrada da
caverna. Depois de algum tempo, viram uma sombra escura lá embaixo; era Tompetch,
que caminhava em meio à vegetação, arrancando ou empurrando para o lado tudo que se
interpunha em seu caminho. O vento soprava mais suavemente que antes, movendo agora
os arbustos.
Tompetch chegou à entrada da caverna. Fez o que Rhodan havia mandado: pegou o
desintegrador e, dentro de poucos segundos, limpou uma área de cerca de trinta metros
quadrados. Rhodan fez o veículo descer lentamente e pousou junto à entrada da caverna.
Tompetch aproximou-se do veículo, como se quisesse formular uma porção de
perguntas.
— A K-238 desapareceu — disse Rhodan. — Teremos de elaborar outro plano de
batalha. Chame Bell e o arcônida.
5
***
A “sessão”, nome que Reginald Bell daria mais tarde ao intercâmbio telepático,
durara mais de três horas. Depois de ter subido pela corda, Rhodan estava exausto quando
saiu da galeria. Mesmo assim, começou a contar aos companheiros o que conseguira
descobrir.
— As inteligências de Solitude são seres unissexuais e não-humanóides, dos quais
este planeta abriga cerca de um milhão. Não sei nada sobre o estágio de sua civilização,
seu avanço tecnológico e outras coisas deste tipo.
“De qualquer maneira, levavam vida feliz, até que, há cerca de três anos, algumas
naves dos druufs surgiram em Solitude. Verdadeiros exércitos de robôs capturaram os
seres nativos do planeta, o que não foi difícil, já que as inteligências de Solitude viviam
em grandes manadas, e os colocaram nas cavernas que, ao contrário do que se supunha,
tiveram de ser cavadas pelos robôs, pois não existiam.
“Cada ser de Solitude foi dividido em seis partes, fato que parece indicar que a
matemática dos druufs funciona na base seis, ou outra base semelhante. Os seis pedaços
de cada ser foram guardados numa caverna, cada pedaço num caixão diferente. A divisão
tinha por fim imobilizar os prisioneiros e impedir sua fuga das cavernas. É bem verdade
que a divisão não acarretou a morte das capacidades espirituais. Era precisamente isso
que os druufs desejavam.
“É que as inteligências de Solitude possuem uma estranha faculdade. Trata-se da
faculdade de separar o espírito, ou melhor, a inteligência e o corpo. Enquanto o
prisioneiro permanecia na caverna, sem poder fazer coisa alguma, poderia enviar a
inteligência para fora e verificar o que acontecia nas imediações e nos lugares mais
afastados de sua prisão.
“Era exatamente essa faculdade que interessava aos druufs. As inteligências de
Solitude passaram a desempenhar as funções de aparelhos de localização muito baratos.
Ao que tudo indica, os druufs sabiam que o planeta Solitude estava na periferia de seu
plano temporal e faziam questão de ser informados sobre qualquer ser que penetrasse
nesse plano, vindo da outra dimensão. Os seres de Solitude reconheceriam imediatamente
a presença de qualquer desconhecido, e esse reconhecimento provocaria em seus corpos
uma reação de surpresa, que era registrada por meios bem primitivos, transmitida por um
hiperemissor e assim levada ao conhecimento dos druufs. Estes apenas precisavam ficar
de olhos nos instrumentos de registro. Assim que estes mostravam uma reação mais forte,
sabiam que em Solitude alguma coisa não estava em ordem.
“É esta a situação, descrita em traços ligeiros. É de supor que os druufs estejam em
condições de estabelecer distinção entre vários tipos de reação de seus prisioneiros. Sem
dúvida, perceberão se uma inteligência de Solitude ficou assustada com uma tempestade,
ou se descobriu um ser estranho, como nós. Mas isso é coisa que diz respeito aos druufs;
nosso amigo, que está lá embaixo, não sabe nada a este respeito.
“Bem, acho que é só. Ah, sim! É claro que o corpo dos seres de Solitude tem de ser
mantido vivo. Uma vez que não exerce qualquer atividade mecânica, seu consumo de
alimentos e oxigênio é extremamente I reduzido. Os aparelhos que vimos na caverna têm
por fim evitar que o prisioneiro morra. Uma série de dutos leva alimento sintético e
oxigênio a cada um dos caixões.
“Há outro detalhe. Apesar de todos os recursos técnicos, o corpo do prisioneiro
morrerá depois de algum tempo. Os druufs sabiam disso. Ainda sabiam que só existe uma
possibilidade de evitar essa morte. Os prisioneiros deviam ser libertados a intervalos
regulares. Pelo que entendi, a cada três meses, por alguns dias ou algumas horas. Nessas
oportunidades, as seis partes do corpo eram reunidas e as inteligências podiam passear
fora das cavernas. Naturalmente eram mantidas sob vigilância, pois os prisioneiros não
estão nada satisfeitos com a vida que levam.
“É esta a explicação para o formato estranho do acesso das cavernas. Os seres de
Solitude precisam de uma via para sair e entrar na caverna.”
Manteve-se calado; os ouvintes também permaneceram em silêncio.
— Aliás — disse Rhodan de repente, como se só agora se lembrasse — é claro que
Atlan e eu abrimos os seis caixões. Não tivemos nenhum motivo para deixar nosso amigo
preso por mais tempo. Ele precisa de algum tempo para reunir os seis pedaços. Depois
aparecerá por aqui.
“Já lhes disse que não é um ser humanóide. Tompetch, esta observação dirige-se ao
senhor, que é o menos experimentado de nós. Não se assuste ao ver nosso amigo, e não
pense nada que possa ofendê-lo. Da capacidade de separar a inteligência do corpo
decorre, de certa forma, o dom da telepatia.”
Tompetch confirmou com um aceno de cabeça.
***
A primeira coisa que perceberam foi um chiado que saiu da galeria. Rhodan
explicou:
— Trata-se de um dispositivo muito bem pensado, que suga o ar e o expele na outra
extremidade, sob alta pressão. Com isso, a pressão no interior da caverna vai
aumentando. Como o corpo de nosso amigo preenche todo o espaço da galeria, a pressão
interna empurra-o para fora. Pelo que diz, o processo é bastante rápido.
Todos os olhares estavam fitos na saída da galeria. Na borda da mesma, surgiu uma
peça de matéria cinzenta, que ninguém saberia dizer o que era. Por algum tempo, a peça
cinzenta manteve-se imóvel, sobressaindo apenas alguns centímetros da entrada da
galeria. Ouviu-se outro chiado, e, de repente, o corpo estranho ergueu-se um metro acima
da entrada da galeria.
O chiado repetiu-se várias vezes. Subitamente a coluna, que já adquirira a altura
respeitável de três metros, caiu para o lado com um ruído surdo sobre o chão que
Tompetch limpara com o desintegrador, enquanto a pressão mais elevada do interior da
caverna se adaptava imediatamente à pressão ambiente, produzindo um chiado e
expelindo poeira.
Tompetch arregalou os olhos ao ver aquele objeto cilíndrico e cinzento deitado no
chão. Viu que se movia, rolando e escorregando, permanecendo em repouso quando uma
das extremidades quase chegava a tocar Rhodan.
Espantou-se ao ver que Rhodan conseguiu acariciar a coisa cinzenta como quem
acaricia um cão. Sua voz parecia vir de longe:
— É claro que nossa colaboração apenas está começando. Procuraremos explicar ao
nosso amigo que nos sentiríamos muito gratos se procurasse localizar os druufs.
Conforme sabemos, seu espírito, ou sua inteligência, conforme queiramos, não está
submetido a qualquer dimensão temporal, sendo capaz de mover-se com a velocidade que
melhor lhe aprouver. Se conseguirmos convencê-lo a ajudar-nos, teremos o melhor aliado
que poderíamos desejar.
Aos olhos de Tompetch, aquilo era muito estranho. Viu Rhodan colocar o arco do
amplificador telepático sobre a cabeça e conversar por horas a fio com o cilindro
cinzento, sem obter qualquer resposta audível. Apesar disso, viu pelo rosto de Rhodan
que este conseguia bons progressos, tanto que vez por outra o ouvia dizer:
— Muito bem, amigo. Conseguimos entender-nos cada vez melhor.
Tompetch também viu o sol nascer e notou que já não era verde, mas branco. E o
céu não era de cor turquesa, mas de um azul radiante.
Tompetch assistiu a tudo isso como se não estivesse presente.
Porém acabou provando que era um oficial da Frota Espacial Terrana. Chamou-se de
idiota, tomou alguns goles de uísque de sua ração de emergência e passou a sentir-se
melhor; pelo menos já não estava tão confuso como antes.
Durante as últimas horas da noite e as primeiras horas do dia, não prestara muita
atenção ao instrumento de localização. Vez por outra, lançava um olhar para a tela,
sempre vazia, e isso bastou para que tivesse certeza de que nenhum perigo os ameaçava
ou ameaçaria num futuro próximo.
Agora, quando de repente viu a tela verde-escura, salpicada de um número enorme
de pontinhos junto à margem inferior, sentiu-se como alguém que dormiu enquanto
estava de sentinela. Por isso, levou algum tempo antes que, gaguejando de susto, pudesse
anunciar a novidade.
Eram quarenta pontos no total, e sua disposição na tela provava que já haviam
cercado totalmente o pequeno acampamento montado junto à entrada da caverna.
Rhodan não teve a menor dúvida de se tratar de corpos metálicos, mais
precisamente, de robôs, que haviam sido enviados para capturar ou matar os homens do
grupo.
Isso não era de admirar! Os druufs deviam estar tão interessados em conhecer o
mais implacável de seus inimigos.
Rhodan não tinha muitos receios em relação ao confronto que se aproximava. Numa
série de lutas, especialmente nas travadas juntamente com Mareei Rous, no mundo de
cristal, constatara-se que as armas dos robôs dos druufs eram muito inferiores às armas
terranas.
As preocupações de Rhodan eram bem diferentes. Tratava-se de uma coisa sobre a
qual até então ninguém falara: o desaparecimento da K-238 e as conseqüências que
resultariam daí. Um colosso metálico como a K-238 não poderia ter deixado de lançar um
reflexo sobre a tela de Tompetch, por mais rapidamente que se afastasse do local em que
estivera pousada. Mas não aconteceu nada disso: portanto...
Agora, ninguém mais precisaria quebrar a cabeça para descobrir as intenções dos
druufs, pois estas estavam sendo manifestadas de forma inequívoca. Então Rhodan
combinou com a inteligência de Solitude para que esta procurasse localizar a nave dos
inimigos que, sem dúvida, teria trazido os robôs. Devia encontrar-se em local próximo,
no máximo a cem quilômetros, pelos cálculos de Rhodan.
O contingente de robôs inimigos aproximava-se cada vez mais. Assim mesmo,
Rhodan teve tempo para observar que, de repente, o corpo do ser de Solitude se tornou
flácido e sem vida, quando a inteligência — ou o espírito — se separou do mesmo.
Agora o estranho ser não estava submetido a qualquer dimensão temporal, e movia-
se aproximadamente à velocidade com que Rhodan e os homens de seu grupo se haviam
movido antes da igualização das dimensões temporais. Em outras palavras, seus
movimentos eram tão rápidos que um olho submetido à dimensão temporal de Solitude
não conseguiria vê-lo.
Rhodan levantou-se e fez um sinal para o Tenente Tompetch.
— Pegue um desintegrador pesado — ordenou. — Vamos ver as linhas inimigas de
cima.
Tompetch sentiu-se entusiasmado. Teria oportunidade de dar uma prova de seu
valor. Procurou às pressas uma pesada arma automática de desintegração no montão de
armas que se encontrava junto aos arbustos e entrou no Câmbio. Também armado,
Rhodan tomou lugar à direção.
Ao que parecia, os outros já sabiam o que fazer. Reginald Bell mandou que o
arcônida e o Capitão Gorlat ocupassem seu lugar entre os arbustos e avisou-os para que
se mantivessem totalmente escondidos.
O corpo imóvel da inteligência de Solitude também foi arrastado até os arbustos.
***
***
— Aliás — disse o Capitão Gorlat em tom de tédio — a rotação do planeta não
corresponde à respectiva dimensão temporal. Quando pousamos, o tempo de rotação de
Solitude era de dezoito horas. Agora, que vivemos em outra dimensão temporal, esse
tempo deveria ser setenta e duas mil vezes menor, não é? Em outras palavras, deveria ser
inferior a um segundo. Quando discutirmos o tema da igualização das dimensões
temporais, não me deixe esquecer este detalhe.
Tompetch, que pilotava o veículo, parecia perplexo.
— Era isso que o senhor esperava? Um tempo de rotação inferior a um segundo.
Ora essa! Gostaria de ver aonde a força centrífuga já nos teria atirado se isso tivesse
acontecido.
Soltou uma gostosa gargalhada. Gorlat deu uma palmadinha em seu ombro.
— Não se exceda, meu caro. Cuide do caminho. Se levantar demais a proa, os robôs
nos verão, e nesse caso nossas férias cairão na água.
Tompetch fez descer o veículo até que a parte mais baixa roçasse ruidosamente nas
pontas dos galhos.
Gorlat procurou enxergar através da escuridão. Acreditava que os robôs
trabalhassem de noite e, como nem todos são equipados com olhos infravermelhos — o
que seria muito caro — o local da construção devia estar iluminado. Sem dúvida podia-se
vê-la ao longe, desde que sua suposição fosse correta.
Não se entusiasmara muito com a tarefa que lhe fora confiada: capturar vivo um dos
robôs e levá-lo intacto ao acampamento.
Como se faz para pegar um robô “vivo”? Ainda mais um robô cuja forma de
construção é totalmente desconhecida, e do qual nem sequer se sabe se possui uma
ligação de emergência.
Nesse instante, Tompetch disse:
— Ali na frente há luzes, capitão. Gorlat pôs a mão em cima dos olhos a fim de
protegê-los contra a luz interna do veículo e olhou atentamente pelo pára-brisa. Tompetch
tinha razão. No horizonte, surgiu uma mancha de luz confusa. Por enquanto era fraca,
quase imperceptível. Tratava-se do local da construção!
Procurou avaliar a distância. Seriam uns dez ou quinze quilômetros.
Tompetch reduziu a velocidade. O terreno começou a ficar acidentado. Percebia-se a
proximidade das montanhas. Tompetch encontrou uma depressão que corria diretamente
para o local da construção e por ela entrou.
— Excelente! — elogiou Gorlat. — Se isto continuar assim, poderemos chegar bem
perto com o Câmbio.
Agora, que se achavam fora do alcance dos instrumentos de localização do inimigo
— se é que estes existiam — Tompetch imprimiu maior velocidade ao veículo. A abóbada
luminosa, da qual só viam um pequeno setor, por se encontrarem numa depressão do
terreno, tornava-se cada vez mais intensa.
Chegaram a um lugar em que o fundo da depressão começava a subir, e esta se
adaptava ao terreno adjacente. Sem aguardar novas ordens, Tompetch parou o veículo e
fê-lo pousar suavemente.
— Acho que daqui em diante teremos de ir a pé, capitão — disse.
Desceram do veículo, pegaram as armas e subiram à borda da depressão. Não
pensavam que estivessem tão perto da construção. Tompetch soltou um grito de surpresa
quando viu a algumas centenas de metros um mastro, de cuja ponta uma luz branca e
ofuscante era derramada sobre um verdadeiro exército de robôs reluzentes.
— Não seria nada mau se o senhor também deitasse — disse Gorlat, que já se
encontrava no chão. — Com essa figura hercúlea o senhor pode ser visto de longe.
Tompetch atirou-se ao solo. Perplexo, contemplou a escavação que os robôs de
formato estranho já haviam revestido. Um grupo de cerca de cem máquinas desse tipo
juntava, por meio de um guindaste, peças pré-fabricadas que serviriam de base à
construção. A base era quadrada, tal qual a escavação, e tinha cerca de cinqüenta metros
de lado.
Gorlat tivera sua atenção despertada para algo situado além da escavação, mais
precisamente, para o corpo fosco de uma gigantesca nave, que se erguia para o céu com o
formato de um grande charuto; era pontuda em ambas as extremidades. Teve de esforçar-
se para reprimir uma idéia que lhe ia pela cabeça. Que sensação não causaria se em vez
de um robô aprisionado aparecesse no lugar combinado com uma nave inteira.
“Meu amigo, você é capitão, não chefe de bando de assaltantes”, pensou.
— Bem — resmungou Tompetch de repente. — Pelo que vejo, um grupo de robôs
se instalou na borda da escavação, do mesmo lado em que nos encontramos. Se é que
temos alguma chance, só poderá ser por ali.
Gorlat olhou na direção em que Tompetch apontava. À pequena distância do mastro
de iluminação, na área limítrofe entre a luz e a escuridão, seis robôs estavam agachados
em torno de alguma coisa estendida no solo, que parecia ser de papel.
“Talvez seja uma planta da construção”, pensou Gorlat.
Tompetch tinha razão. Os seis robôs vistos diante de si eram os únicos de que
poderiam aproximar-se sem serem pressentidos. E apresentavam outra vantagem em
relação à enorme quantidade dos que trabalhavam na escavação. Um deles era maior que
os outros. Provavelmente era um robô especializado. Se algum dos robôs sabia por quê,
como e quando Solitude foi arrancado da órbita, seria aquele.
— Precisamos agarrar aquele — resmungou Gorlat. — Vamos!
***
***
Gorlat soltou um urro de alegria ao ver que quatro robôs do grupo de seis se
afastavam, deixando para trás apenas o maior deles, com um único companheiro.
Provavelmente os quatro que se haviam afastado eram robôs-feitores, que explicariam
aos companheiros o que deveriam fazer.
Mesmo entre os robôs existe uma diferença de posições e uma hierarquia. Ao que
parecia, neste ponto os druufs não se distinguiam dos terranos. Cada inteligência
construía o robô à sua imagem.
O objeto sobre o qual os dois robôs se inclinavam realmente parecia ser uma planta
da construção. Gorlat, que se encontrava a apenas dez metros do mastro de iluminação,
reconheceu algumas linhas e viu um dos órgãos preênseis do grande robô passar pelas
mesmas, provavelmente no intuito de explicar alguma coisa ao outro.
Gorlat olhou para o relógio.
Faltavam cinco segundos!
O tiro energético foi disparado pontualmente por Tompetch e produziu o efeito
desejado. Dali a alguns segundos, a parte da escavação que ficava mais perto de Gorlat
estava totalmente vazia. Os robôs haviam saído e procuravam encontrar, na escuridão, o
sujeito que se atrevera a perturbá-los no trabalho.
O robô maior, que estava inclinado sobre a planta, juntamente com o outro, menor,
não deu o menor sinal de “nervosismo”. Gorlat teve a impressão de que nem sequer
levantou os olhos quando o tiro foi disparado.
“Ora, levantar os olhos, esta é boa”, pensou. “Nem sequer sei onde ficam seus
olhos.”
De qualquer maneira, continuou inclinado sobre a planta, e um dos seus braços
passou pelas linhas que estavam desenhadas no papel, ou fosse lá qual fosse o material.
Ainda bem que mesmo entre os robôs existem generais, que são de opinião que a
tarefa de lutar cabe aos elementos de graduação inferior. Gorlat não pôde deixar de
confessar que teria passado por maus bocados se o robô maior saísse correndo com os
outros.
Avançou mais um pouco, saiu de baixo dos arbustos e com um tiro do desintegra-
dor pesado transformou o robô menor numa nuvem de vapores metálicos.
Desta vez, o robô maior parecia realmente perturbado. Ergueu-se e virou para Gorlat
uma das “faces”.
Gorlat fez pontaria sobre a parte mais estreita do conjunto de rodas e esteiras. Uma
das esteiras foi destruída, e o robô começou a girar em torno de seu eixo. Gorlat viu-o
levantar um dos instrumentos preênseis — talvez fosse uma arma — e destruiu-o com
outro disparo.
O robô ficou parado. Mantendo a arma apontada e com os olhos bem atentos, para
não perder qualquer movimento do monstro multifacetado, Gorlat caminhou em sua
direção. Pela primeira vez se deu conta de que a altura do robô era cerca de quarenta
centímetros superior à sua. Seria ainda mais difícil de colocar na plataforma de carga do
que a inteligência cilíndrica de Solitude.
Gorlat constatou que os robôs no interior da escavação cuidavam exclusivamente de
seu trabalho. Se é que haviam percebido alguma coisa do segundo incidente, certamente
eram de opinião que os companheiros que haviam saído em perseguição de Tompetch
também cuidariam desse caso.
Gorlat parou a dois metros do robô. Viu alguns braços que pendiam imóveis ao lado
do estranho corpo. Cortou-os a tiro. Pelo que via, o robô já não tinha a menor
possibilidade de agarrá-lo.
Contornou-o e tentou empurrá-lo em direção aos arbustos. Seus esforços tiveram um
êxito apenas parcial. Como a esteira do lado direito tivesse sido destruída, o robô sofria
um desvio para esse lado. Gorlat endireitou-o um pouco e surpreendeu-se ao perceber que
isso não lhe causava maiores dificuldades. Depois continuou a empurrá-lo. Dali a dois
minutos, chegou ao lugar em que estivera escondido.
Olhou para trás e ficou apavorado ao ver que os robôs que se encontravam no
interior da escavação estavam desconfiando de alguma coisa. Interromperam o trabalho e
viraram-se para o lugar em que Gorlat e seu companheiro estiveram escondidos entre os
arbustos. Dali a pouco, uns cinqüenta robôs se puseram em movimento, em direção ao
lugar em que Gorlat se encontrava.
Este deixou o grande robô imobilizado entregue à sua própria sorte e atirou-se ao
solo. Apontou a arma.
“Enquanto não souberem estabelecer uma formação mais inteligente”, pensou,
“poderei defender-me até que Tompetch chegue.”
Mas antes que tivesse tempo de disparar o primeiro tiro ouviu um leve zumbido
atrás de si; era o veículo dirigido por Tompetch. Este pousou entre os arbustos e saltou da
cabine.
— Vamos depressa! — cochichou. — Não demorarão em encontrar minha pista.
Onde está a geringonça?
Gorlat levantou-se de um salto.
— Ali. Já ativou o campo antigravitacional? O robô é muito pesado para ser
levantado com as mãos.
— Já — disse Tompetch apressadamente. — Ajude-me a empurrá-lo para junto do
veículo.
Fizeram força. Quando os primeiros robôs surgiram atrás deles, já haviam colocado
o pesado corpo sobre a plataforma de carga. Gorlat foi diretamente da plataforma para a
cabine, enquanto Tompetch saltou do lado de fora e se deixou cair no assento do piloto
com um suspiro de alívio.
No mesmo instante, o veículo subiu verticalmente. Um único disparo de raios chiou
atrás deles, mas passou a mais de dez metros do alvo. Dentro de alguns segundos, o
veículo colocou-se fora do alcance da vista dos robôs e dos tiros disparados pelos
mesmos.
***
Rhodan examinou o céu. Notou uma mancha um pouco mais clara. Era o primeiro
reflexo do sol nascente.
— Não acredite que tenham necessidade de seguir sua pista, tenente — disse. —
Não terão a menor dúvida de que só nós poderíamos ter seqüestrado seu mestre-de-obras.
Virão pelo caminho mais rápido. Até estou admirado de que ainda não estejam aqui.
Tompetch lançou um olhar desconfiado para o robô imobilizado, que jazia no solo.
— Provavelmente estão procurando lá adiante — respondeu. — Ainda não sabem
que transferimos nosso acampamento para cá.
Enquanto Gorlat e Tompetch executavam sua tarefa, Rhodan, Bell e o arcônida
prosseguiram em sua marcha, em direção à depressão em que estivera a K-238. Rhodan
ficou muito satisfeito com o resultado do trabalho dos dois oficiais. Perry tinha a mesma
opinião de Gorlat: o robô sabedor daquilo que queriam descobrir, só poderia ser o maior.
Mas, até então, não havia contado a ninguém o que estava procurando nas
proximidades do antigo local de pouso da K-238.
Dali a uma hora, nasceu o sol. A temperatura subiu rapidamente de trinta e oito
graus para quarenta e cinco. Os homens procuraram abrigar-se sob os galhos espinhentos
dos arbustos.
A inteligência cinzenta de Solitude mantinha-se imóvel na poeira. Seu espírito
andava por aí, à procura dos robôs dos druufs. Retornou meia hora depois do nascer do
sol, o que foi notado pelos movimentos que, de repente, o cilindro cinzento começou a
executar. Informou que um grupo de cem robôs se aproximava, vindo da caverna, e que
vira outros robôs — cinco ao todo — que se moviam muito mais depressa que os outros.
Eram estes cinco robôs que preocupavam Rhodan. Um inimigo rápido representava
um empecilho para aquilo que pretendia fazer.
Já recolhera o emissor de código que fora enterrado junto ao local de pouso. Era um
pequeno instrumento com o formato de uma caixa de fósforos que possuía um único
botão. Uma pressão sobre esse botão fazia com que a caixinha expedisse o sinal-código
que levaria a K-238 a desativar os campos defensivos e deixar livre o acesso às
comportas.
“Admitamos que a K-238 realmente volte”, pensou Rhodan. “Nesse caso gastarei
cerca de dez segundos, a partir da emissão do sinal, para entrar na comporta e fechar a
escotilha. E dez segundos sempre são duzentas horas ou mais de oito dias para os robôs
mais rápidos.”
***
O cilindro asseverou que uma simples subdivisão não afetaria suas faculdades
mentais. Sim, naturalmente era capaz de produzir dois espíritos, fazendo uso da
capacidade de projetar sobre cada espírito o aspecto de alguma pessoa. Então, poderia
perfeitamente dar a esses espíritos a aparência de Rhodan e do Capitão Gorlat. Não havia
o menor problema.
Rhodan deu-se por satisfeito. Pegou o desintegrador pesado e fez quatro covas.
Cobriu-as com galhos, deixando apenas uma entrada bem estreita; os galhos, por sua vez,
foram cobertos com terra.
Depois familiarizou Bell, Atlan e Tompetch com seu plano. Gorlat e a inteligência
de Solitude, que seriam os participantes principais, já haviam sido informados antes.
— Gostaria de saber por que você tem tanta certeza de que a K-238 vai voltar —
disse Bell.
Rhodan deu de ombros.
— É tudo cálculo, meu caro, apenas cálculo — respondeu Rhodan.
Dali a alguns minutos, os cem robôs lentos, vindos da caverna, viram três pessoas
num veiculo planador que saía do acampamento situado junto à depressão do solo.
Já os robôs rápidos viram cinco pessoas no veiculo que se deslocava com tamanha
lentidão que parecia parado no ar. É que para os robôs rápidos as figuras imateriais,
projetadas sobre o veiculo pela inteligência do ser de Solitude, eram perfeitamente
visíveis.
Os robôs rápidos não tiveram a menor dúvida de que o inimigo abandonara seu
acampamento, fugindo do exército de robôs lentos. Porém não ficaram sabendo que os
robôs lentos só viram três pessoas no veículo. Se tivessem sabido, provavelmente nem
teriam quebrado a cabeça sobre isso.
***
***
Deu certo. E deu certo porque era um acontecimento previamente estabelecido que,
segundo se verificou posteriormente, quando a teoria das diversas dimensões temporais
foi divulgada, não poderia ocorrer de forma diferente daquela que Perry Rhodan
imaginara.
Subitamente, a K-238 estava de volta.
Com uma rapidez de que só era capaz nos momentos de grande perigo, Perry saltou
do buraco onde se escondera e desceu pela encosta que levava ao fundo da depressão.
Dali a um segundo, viu que a luminosidade produzida pelos campos defensivos cessou.
Perry Rhodan comprimiu o botão do instrumento que transmitiria o código. Na
parede da nave, surgiu uma abertura, que antes não existira, e os campos defensivos
apagaram-se.
Rhodan saltou para a abertura, rolou pelo soalho da comporta e voltou a comprimir
o botão. Lá fora os campos defensivos voltaram a isolar a K-238 do mundo exterior.
Mas a tarefa de Rhodan ainda não estava concluída. Tirou a arma do cinto e abriu
um buraco de dez centímetros na parede interna da comporta.
Muito cansado, levantou-se e abriu a escotilha interna depois de ter fechado a
externa. Passando pelo corredor que se seguia à comporta, dirigiu-se à sala de comando.
Apesar do cansaço chegou depressa à sala de comando, e com a mesma rapidez
manipulou os controles que, em sua opinião, se tornavam necessários para que o êxito
fosse completo. Ligou os geradores de campo de refração, e não se espantou ao notar que
não os ouvia. É que as freqüências do som da outra dimensão temporal ficavam além de
todas as faixas perceptíveis a seu ouvido.
Mas viu o anel que se espalhou lá fora, além dos campos defensivos. Girou
lentamente um botão do painel que parecia mole como borracha, tal qual o da caixinha do
transmissor de código, e depois de algum tempo conseguiu que o campo de refração
circular, criado pelos geradores, fosse projetado para dentro da sala de comando.
Colocou-se à frente do anel leitoso, hesitou por um instante, e atravessou-o.
***
***
***
Dali a cinco horas, notou-se pela primeira vez que o Capitão Gorlat se movia. Mais
um tanto de sua cabeça já saíra do buraco.
Nesse meio tempo, Rhodan não vira nenhum robô rápido ou lento dos druufs nas
proximidades da nave. Segundo sua teoria, os robôs rápidos já não poderiam existir
depois do reaparecimento da K-238. O fato de Rhodan não ver nenhum não provava a
exatidão de sua teoria, mas proporcionava certo apoio à mesma.
Depois de oito horas, Perry ficou sabendo como acelerar o retorno de Gorlat para a
dimensão temporal terrana. Esperou até que Gorlat tivesse saltado de vez para fora do
buraco e parecia pairar imóvel no ar. Pegou uma vara comprida de plástico, saiu da nave
e, segurando o colarinho do uniforme de Gorlat com o gancho, que havia na ponta da
vara, puxou-o através do círculo formado pelo campo de refração. Teve o cuidado de
fazer com que Gorlat não entrasse em contato com o solo ou com as bordas do campo de
refração. Face à velocidade enorme com que o movimento foi executado na dimensão
temporal mais lenta, qualquer tipo de contato teria produzido sérios ferimentos.
Assim que acabou de passar pelo círculo, Gorlat caiu no chão e olhou em torno,
perplexo. Levantou-se e disse:
— Obrigado; estou contente porque este maldito calor acabou.
***
O resto foi fácil. Uma vez fechado o buraco na escotilha interna da comporta da K-
238, esta seguiu o veículo em que estavam Bell, Atlan, Tompetch e os dois fantasmas. A
seguir, arrastou seus ocupantes, com exceção dos fantasmas, através do campo de
refração, trazendo-os de volta para a dimensão temporal que lhes era própria.
Os dois fantasmas voltaram para as respectivas metades da inteligência de Solitude,
e a K-238 voltou a pousar junto à depressão, perto dos quatro buracos no solo. O ser de
Solitude levou algumas horas para recuperar o formato primitivo de seu corpo. Depois
também foi adaptado à dimensão temporal terrana, por meio do campo de refração.
Rhodan ficou refletindo sobre se valeria a pena procurar localizar mais uma caverna
de Solitude, retirar o hipertransmissor e verificar-lhe a regulagem direcional. Chegou à
conclusão de que agora, que a teoria das duas dimensões temporais já era conhecida e
provavelmente os matemáticos saberiam fazer muita coisa com a mesma, não havia mais
nada que impedisse que as naves terranas passassem à vontade de um plano temporal a
outro. A tarefa mais urgente seria a partir desse momento encontrar o planeta Peregrino. A
posição do mundo dos druufs poderia ser determinada em outra oportunidade.
Quanto ao mais, Reginald Bell formulou exatamente as perguntas que Rhodan
esperara. E deu-se por satisfeito e parou de perguntar exatamente no ponto em que
Rhodan esperara que isso acontecesse. Apenas fizera mais uma observação:
— Acho que está na hora de aposentar-me. Há setenta e cinco anos ainda me sentia
satisfeito por saber calcular de cabeça quanto eram dezessete vezes dezoito, e hoje tenho
que me martirizar com teorias como a das duas dimensões temporais. Para mim é demais.
A inteligência de Solitude não tinha vontade de permanecer em seu mundo natal.
Temia as perseguições dos robôs. De bom grado concordou com a proposta de Rhodan,
que pretendia levá-la à Drusus e posteriormente à Terra.
Finalmente a K-238 decolou e iniciou o vôo de regresso, sem preocupar-se com os
robôs inimigos, que se haviam espalhado por toda a área, à procura do inimigo
desaparecido.
No hangar da K-238, estava guardado o robô aprisionado, condenado à imobilidade
em virtude de sua dimensão temporal mais lenta. Só a bordo da Drusus lhe seria
proporcionada a transferência para a dimensão temporal terrana, a fim de que os técnicos
em eletrônica pudessem desmontá-lo e investigar o conteúdo de sua memória.
Rhodan teve a impressão de que não havia por que preocupar-se com o planeta
Solitude. Este era um posto avançado tão importante para os druufs, que os mesmos não
deixariam de fazer tudo para recolocá-lo numa órbita estável.
Poucas horas após a decolagem, a K-238 atingiu o ponto do Universo purpúreo em
que o campo de refração projetado pela Drusus formava uma superfície elíptica e
brilhante. A nave atravessou-a e passou imediatamente a um Universo cujo fundo era de
uma agradável negritude e cujas estrelas emitiam uma luz branca, com exceção de
algumas que brilhavam em outras cores.
Conseguiram voltar. Restava saber quanto tempo durara a missão segundo o
calendário terrano.
***
***
**
*
Rhodan e sua equipe conseguiram um êxito
provisório contra os druufs. Entretanto ainda não
alcançaram o planeta Peregrino.
Em A Morte Espera no Semi-Espaço, título do
próximo livro, vão desenrolar-se lances de grande
emoção.