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A CAÇA DAS DIMENSÕES

Autor
KURT MAHR

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
O planeta Peregrino desapareceu — será
que os imortais terão de morrer?

O ano 2.042 representa um marco decisivo na vida dos


dois homens mais proeminentes do Império Solar. É este o
ano, durante o qual Perry Rhodan e Reginald Bell têm de
tomar outra ducha celular, pois do contrário morrerão dentro
de poucos dias...
A órbita elíptica do planeta Peregrino foi calculada com
toda a precisão. No entanto, algo de estranho aconteceu: o
planeta da fonte da vida eterna havia desaparecido...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Perry Rhodan — Administrador do Império Solar.
Reginald Bell — Principal colaborador de Rhodan.
Atlan — O arcônida imortal.
Gorlat — Bravo capitão terrano.
Tompetch — Tenente, um tanto inexperiente.
A inteligência do planeta Solitude — Ser cilíndrico e cinzento, de
grandes dimensões.
1

O cabo da grossura de um braço humano, que corria por uma fenda no trilho do
hangar e terminava num recipiente em forma de tubo, preso à nave esférica, fornecia
todas as informações necessárias à K-238. Nas telas da nave, que deveriam estar
apagadas, uma vez que as escotilhas da comporta do gigantesco hangar ainda estavam
fechadas, via-se um tapete luminoso formado por inúmeros pontos, que cobriam o fundo
negro do espaço infinito. Dos receptores saíam os ruídos que enchiam a sala de comando
da Drusus, em cujo hangar continuava guardada a K-238.
O zumbido monótono foi cortado por outro som, quando os aparelhos geradores do
campo de reflexão entraram em funcionamento. Nas telas da K-238 surgiram vestígios de
um corpo nebuloso de formato circular. Parecia que naquele lugar o espaço vazava,
deixando penetrar um pouco de vapor vindo de outro Universo. O estranho anel cresceu e
tornou-se cada vez mais nítido.
Os cinco homens na pequena sala de comando da K-238 olhavam-no atentamente.
Não havia nada em seus rostos ou atitudes que revelasse que aquele estranho anel os
atemorizasse. Era da existência desse anel e da força concentrada nele que dependeria,
dali em diante e por um tempo indeterminado, a vida do grupo.
Perry Rhodan apoiava a cabeça nas mãos e dedicava sua atenção à pequena tela do
receptor de telecomunicação.
Subitamente, sem qualquer aviso prévio, a tela iluminou-se. Com um movimento
indiferente da mão direita, estabeleceu o contato e viu a enorme cabeça de Sikermann na
tela.
— Pronto, chefe — anunciou Sikermann. — O comando pode ser dado.
“Há quanto tempo está conosco?”, indagou-se mentalmente Rhodan. “Há dezoito
anos. Bem que poderia falar um inglês melhor. Ainda continua com um forte sotaque da
Europa Continental.”
É estranho que muitas vezes, nos momentos de maior tensão, a gente pensa em
ninharias.
Rhodan respondeu:
— Está bem, Sikermann. Decolaremos daqui a doze minutos, exatamente às 20:45,
tempo de bordo. Transmita as necessárias instruções. Use a catapulta. Quero ficar com as
mãos livres.
Sikermann fez continência. De repente disse:
— Sir.
— Pois não.
— Eu... quero dizer, todos nós lhe desejamos êxito total.
Rhodan acenou com a cabeça. Em seus lábios havia um sorriso.
— Obrigado. Se tivermos um pouco de sorte, deveremos conseguir.
A imagem apagou-se. Alguém suspirou, como se naquele instante se desse conta de
que, por muito tempo, esta seria a última comunicação mantida pela K-238 com qualquer
ser humano que se encontrasse fora de suas paredes de metal plastificado.
Outra pessoa praguejou. Era Reginald Bell.
Rhodan fechou os olhos e pensou, analisando o caminho que haviam percorrido até
então:
“Será que o que fizemos foi correto? Será que as hipóteses estão certas? Será que
há uma base para nossas suposições e para as conclusões arrojadas que Atlan, o
arcônida, extrai das suposições?”
Os relógios de bordo da K-238 mostravam o dia 17 de janeiro de 2.042 do
calendário terrano.
Como foi mesmo que a história começou?
Foi no dia cinco de janeiro, a algumas centenas de anos-luz dali, no planeta Vênus...
***
— Cruzador Solar System, comandado por Bell, anuncia regresso do setor quatro,
órbita vinte e um — disse uma voz áspera e retumbante. — Cautelas usuais. Setores um a
sete devem ser evacuados imediatamente. Desligo.
Na periferia do gigantesco campo de pouso, havia uma série de edifícios iguais aos
que eram encontrados nas proximidades de qualquer espaçoporto: alojamentos dos
homens das equipes de manutenção, depósitos de materiais, um pequeno hospital e um
edifício baixo e comprido, que abrigava o escritório do oficial de serviço e de sua equipe.
Tudo parecia simples e prático sob o céu quente e encoberto. O espaçoporto no grande
continente do hemisfério norte de Vênus estava reservado exclusivamente à frota de
guerra terrana. Seus construtores não tiveram necessidade de quebrar a cabeça sobre os
gigantescos prédios de recepção, postos aduaneiros e edifícios destinados aos
passageiros.
Nas montanhas que ficavam ao norte do espaçoporto, estava oculta a antiga base
arcônida, que Perry Rhodan havia descoberto há setenta anos e cujo único construtor,
Atlan, o imortal, começava a fazer amizade com o administrador. Uma das peças
componentes da base era o gigantesco centro positrônico de computação: o cérebro e o
coração incumbidos de todos os cálculos físicos e políticos do Império Solar. E,
principalmente, era o único aparelho de sua espécie capaz de calcular a órbita do mundo
artificial que a algumas centenas de anos-luz descrevia uma órbita sinuosa em torno de
vários centros de gravidade. O cálculo era feito num curto espaço de tempo, usando
apenas um pequeno trecho dessa órbita e alguns dados adicionais.
Era a órbita do planeta Peregrino.
Numa pequena sala do edifício de escritórios, surpreendentemente confortável,
Perry Rhodan e Atlan, o arcônida, estavam sentados frente a frente. Cada qual estava
imerso em seus pensamentos e demonstrava pouca receptividade para o panorama —
grandioso na sua solidão — oferecido pelo amplo espaçoporto com os traços retos e
negros, representando a selva venusiana que começava em sua periferia.
Bem acima do campo espacial surgiu um ponto luminoso que cresceu rapidamente e
começou a descer. Uma forte onda de vento varreu toda a área, e foi seguida pelo ruído
trovejante de uma espaçonave que avançava apressadamente pelas camadas densas da
atmosfera.
— Estão com pressa — disse Atlan. Rhodan levantou-se e foi até a janela, como se
dali pudesse ver melhor a bola luminosa, formada pela nave que pousava naquele
instante.
— Também já adivinhei isso — respondeu em tom distraído.
— Administrador, se você lhes tivesse permitido transmitir uma mensagem de
hipercomunicação, poderia ter-se poupado dois longos dias de espera — disse Atlan em
tom irônico.
Rhodan virou-se e encostou-se ao peitoril da janela.
— Só assim seu chefe supremo, almirante, poderia captar a mensagem e, por meio
de sua genial capacidade de adição, subtração, potenciação e... de correntes positrônicas,
determinar pelo meio mais rápido a posição galáctica da Terra, não é?
O arcônida fez um gesto de desprezo.
— A chance seria muito reduzida. Não é fácil captar uma mensagem direcional.
— A chance seria reduzida, mas existia. Acontece que não quero dar-lhe nenhuma
chance.
Atlan também se levantou.
— Certo; você tem razão, bárbaro. Apenas sinto que você está muito nervoso.
Qualquer um vê sua exaltação.
Rhodan bateu com o dedo na vidraça.
— O que está lá fora irá tranqüilizar-me — disse com um sorriso.
Cerca de quinhentos metros acima do campo espacial, os fenômenos luminosos e o
ruído provocado pela Solar System e pela pressão das camadas de ar que preenchiam o
vácuo formado por seu deslocamento atingiram o auge. A incandescência das partículas
ionizadas cessou no momento em que a nave atingiu a velocidade usual de descida e
pousou suavemente sobre a área cinzenta.
Uma coluna de veículos-plataforma, abertos, saiu dos edifícios em que ficavam os
depósitos e parecia querer passar velozmente por baixo da nave que estava pousando. No
entanto, acabou parando próxima do passadiço que saía da escotilha da nave.
— Estão desenvolvendo uma atividade incrível — disse Atlan.
Pelo tom de sua voz percebia-se que realmente estava admirado.
O carro parou junto à entrada principal. Dois homens saltaram. Ambos eram de
estatura mediana e ruivos. O mais “robusto” ostentava as insígnias de comandante,
enquanto o outro, um tipo corriqueiro, envergava o uniforme de capitão.
Passos ruidosos soaram no corredor. A porta que dava para a pequena sala
confortável abriu-se violentamente. Reginald Bell parou no limiar e, em vez de
cumprimentar, disse:
— Nada, absolutamente nada!
O silêncio que se seguiu a estas palavras foi quase completo.
Atlan, o arcônida, continuava de pé nas proximidades da janela. Parecia alheio e
desinteressado. Dedicava sua atenção a Rhodan, cujas reações observava.
Mas não viu em Perry outra coisa senão um ligeiro entesamento dos músculos do
queixo, fazendo com que, por alguns segundos, as maçãs do rosto ficassem bastante
salientes. Dali a pouco, Rhodan apresentava o aspecto de quem acabava de receber uma
notícia insignificante e pouco interessante.
— Entre — disse. — O senhor também, capitão. Gostaria de ouvir um relatório
detalhado.
Reginald Bell deixou-se cair numa poltrona.
O Capitão Gorlat ficou de pé. Atlan tirou uma garrafa bojuda e alguns copos de um
pequeno armário, encheu-os e ofereceu-os a Bell e ao capitão.
Bell esvaziou seu copo de uma só vez. Depois disse:
— Não há muita coisa para contar. Quando chegamos ao ponto indicado nos
cálculos do computador positrônico, não encontramos nada. Não havia absolutamente
nada num raio de mais de seis anos-luz.
“É claro que procuramos encontrar uma pista. O planeta solta hidrogênio enquanto
percorre o espaço. Acontece que não encontramos uma única molécula de hidrogênio
pelo caminho. Ficamos um dia inteiro junto aos instrumentos de localização. Com
exceção de um único bólido, mais nada apareceu nas telas. O planeta Peregrino
desapareceu.”
Rhodan fitou Gorlat. O capitão compreendeu o olhar.
— O mecanismo propulsor está em bom estado, Sir. Não existe a menor
possibilidade de ter havido uma falha no salto. Realizamos duas transições experimentais,
e sempre atingimos o ponto previsto. O espaço em torno do ponto indicado pelo
computador positrônico estava livre de qualquer perturbação. Não havia tempestades
magnéticas, colisões de planos temporais, absolutamente nada. A única conclusão que se
pode tirar de tudo isso é a que já foi exposta pelo comandante Bell.
— Peregrino desapareceu — repetiu Reginald Bell, depois de ter esvaziado mais um
copo. — O velho pregou-nos uma peça.
Talvez queira que resolvamos as mesmas charadas de sessenta e seis anos atrás.
Rhodan sacudiu a cabeça. Deu alguns passos, cruzou as mãos nas costas e parou
diante de Atlan. Este ainda segurava a garrafa. Rhodan fitou-o e disse com um sorriso:
— Dê-me um copo. Estou precisando.
***
Peregrino desaparecera. O mundo que, segundo as palavras de seu criador e dono,
garantiria a vida eterna a Rhodan, não foi encontrado.
No ano de 1.976, Rhodan fizera a primeira visita a esse mundo e a seu dono — a
consciência acumulada de uma raça há muito desaparecida. Essa visita teve uma
importância decisiva...
Ele e Reginald Bell, seu companheiro de lutas desde os primeiros dias do vôo
histórico à Lua, foram julgados dignos da ducha celular que representaria sessenta e dois
anos de vida sem qualquer envelhecimento. Findo esse tempo, o Ser estranho — senhor
do planeta Peregrino — ordenou-lhes que deveriam aparecer de novo no planeta, a fim de
serem presenteados com mais sessenta e dois anos. Havia uma tolerância de três meses.
Em virtude de um retardamento do fluxo temporal que os atingira por ocasião de sua
primeira viagem ao planeta Peregrino, só voltaram à Terra no ano de 1.980.
Agora, no ano de 2.042, o prazo havia chegado ao fim. Para sermos mais exatos, o
dia 1o de fevereiro de 2.042 e o dia 1o de maio de 2.042 seriam as datas-limite para a ida
ao planeta Peregrino. Se ultrapassassem o prazo, as funções corporais diminuiriam
imediatamente. Se não houvesse outra ducha celular, o organismo recuperaria em poucos
dias a decadência que fora detida durante sessenta e dois anos. Uma semana depois do dia
1o de maio, Perry Rhodan e Reginald Bell seriam anciãos de mais de cem anos de idade,
que já se encontrariam com um pé na cova.
Porém o planeta Peregrino havia desaparecido.
— Tenho certeza de que o velho nos está tapeando — afirmou Reginald Bell em tom
obstinado.
Dormira ininterruptamente durante dez horas, e o descanso lhe restituíra a
combatividade e seu enorme otimismo.
Aquilo que ele designava como o velho era o Ser do planeta Peregrino, um
verdadeiro monstro de força espiritual. Incorporara todo o saber de uma raça e não estava
ligado a qualquer corpo.
Rhodan não era da mesma opinião de Bell.
— Afinal, ele nos garantiu a ativação celular — ponderou, sacudindo a cabeça. —
Por que iria mentir?
— Sei lá! — esbravejou Bell. — De qualquer maneira, não confio nesse sujeito.
Nunca confiei.
Encontravam-se agora num recinto subterrâneo da velha base arcônida. A alguns
corredores adiante ficava o centro de controle do grande computador positrônico. Mas,
mesmo aqui, ouvia-se o zumbido das máquinas que trabalhavam no limite máximo de sua
potência.
— Não — disse Rhodan em tom decidido. — O desaparecimento do planeta
Peregrino deve ter outro motivo, ou melhor, outra causa.
Atlan, que até então se mantivera em silêncio, olhou de esguelha para Rhodan.
— Até parece que você suspeita de alguma coisa — disse.
Rhodan deu de ombros.
— Por que vamos falar sobre suposições, se daqui a alguns minutos a máquina
concluirá o processamento dos dados?
Atlan respondeu com um sorriso:
— Apenas estaria interessado em saber se você pensa a mesma coisa que eu,
bárbaro.
Mantiveram silêncio sobre seus pensamentos. Mas o computador positrônico
expeliu suas idéias francas perfuradas numa placa metálica, conforme correspondia a seu
“caráter”.
Peregrino fora vitimado por uma superposição de dois planos temporais. Segundo as
indicações da máquina, a probabilidade de que a informação era correta chegava a mais
de oitenta e um por cento.
— Foi disso que você desconfiou? — perguntou Atlan.
— Naturalmente — respondeu Rhodan. — Os druufs “engoliram” Peregrino, tal
qual fizeram com Mirsal e outros mundos. Apenas estranho uma coisa.
— O que é?
— Será que o ser que habita o planeta Peregrino não teve nenhuma possibilidade de
defender-se dos druufs? Será que não pôde esboçar a menor defesa ao ser engolido?
Atlan parecia pensativo. Depois de algum tempo, respondeu:
— Sei perfeitamente que nas cabeças de vocês anda a idéia de que o dono do planeta
Peregrino é um ser quase onipotente. Acontece que você geralmente costuma agir como
um homem razoável e, por isso mesmo, já deveria ter compreendido, administrador, que
evidentemente essa onipotência não passa de ficção. Todo poder tem seus limites, e não é
nada difícil imaginar que os druufs sejam superiores ao ser que Bell designa como o
velho.
Rhodan sacudiu energicamente a cabeça.
— Quanto a mim, não consigo imaginar uma coisa dessas. Meu caro, você não viu o
que nós vimos no planeta Peregrino. Não; para mim existe outro mistério a ser
solucionado.
— Pois esforce-se para solucioná-lo, bárbaro — disse o arcônida com uma
risadinha. — Você não tem muito tempo para adivinhar. Hoje é o dia 6 de janeiro,
segundo o calendário terrano.
***
O passo seguinte estava perfeitamente traçado.
O computador positrônico calculou o trecho de órbita que o planeta Peregrino
deveria ter percorrido desde o momento em que os druufs apareceram pela última vez até
o dia 5 de janeiro de 2.042.
Rhodan mandou equipar às pressas uma nave auxiliar do tipo girino com geradores
de campo de refração. Eram os únicos aparelhos que permitiam a passagem para o outro
plano temporal, abrindo, por assim dizer, uma porta que ligava as duas dimensões do
tempo. Depois, Perry pôs-se a caminho com a Drusus, que levava a bordo o girino com
esse equipamento, dirigindo-se ao setor em que o planeta Peregrino deveria ter percorrido
sua órbita.
O couraçado Drusus já fora equipado durante uma operação anterior com o gerador
de campo de refração. Se alguma das naves da frota terrana era capaz de enfrentar o
perigo representado pelos druufs essa nave só poderia ser a Drusus.
A tecnologia terrana ligada à criação de campos de refração fora descoberta há mais
de um ano, de certa forma por acaso. No curso dos acontecimentos que se desenrolaram
no mundo de cristal foi aperfeiçoada. O aperfeiçoamento chegou a tal ponto que agora
permitia a passagem para outro plano temporal em qualquer lugar onde a superposição
dos dois planos houvesse ocorrido ou estivesse ocorrendo.
Portanto, a tarefa da Drusus consistiria exclusivamente em percorrer a órbita do
planeta Peregrino com os campos de refração ativados. Se realmente ocorrera uma
superposição dos dois planos, conforme afirmava o computador positrônico, e se o
planeta Peregrino fora atingido pela mesma, a nave penetraria no outro plano temporal,
utilizando seu campo de refração, assim que atingisse a área de superposição.
E foi o que aconteceu...
A Drusus penetrou num espaço cheio de luminosidade vermelho-escura, observada
antes, e que, segundo tudo indicava, não preenchia outra finalidade senão abrigar um sol
que emitia uma luminosidade verde-cinza.
Os estranhos fenômenos luminosos não abalaram ninguém, pois já haviam sido
observados antes. Os instrumentos da Drusus determinaram a distância entre a nave e o
sol verde: quarenta e cinco unidades astronômicas. Rhodan teve todo motivo para
desconfiar desse resultado, pois por várias vezes já se constatara que as medidas
convencionais do contínuo einsteiniano têm uma validade bastante restrita ou mesmo
nula, quando trasladadas para outro plano temporal.
Em hipótese alguma, Rhodan queria expor a Drusus aos riscos de correntes do
ajuste temporal, motivo por que, depois de uma ligeira permanência no universo
vermelho, retornou através da lente formada pelos campos de refração.
Já se sabia em que ponto se verificara o desaparecimento do planeta Peregrino.
Também se sabia que, no plano temporal normal, nada se poderia descobrir sobre o
paradeiro do planeta artificial.
O girino K-238, equipado com geradores de campos de refração, foi preparado para
a decolagem. Rhodan preferiu não levar a tripulação normal numa operação arriscada
como aquela. Em caso de necessidade todas as funções do girino, inclusive as do posto de
artilharia, poderiam ser executadas por cinco homens.
Além de Atlan, o arcônida, e de Reginald Bell, escolheu como companheiros de
viagem o Capitão Gorlat e o Tenente Tompetch.
Eram estes os cinco homens que no dia 17 de janeiro de 2.042 se encontravam na
pequena sala de comando da nave K-238, suspirando, praguejando ou fitando
ansiosamente a tela de imagem.
2

A decolagem foi realizada automaticamente, assim que o relógio atingiu a marca das
20 horas e 45 minutos. O cabo que até então mantivera a ligação com o Interior da nave
soltou-se. Na tela panorâmica da K-238, surgiu o quadro iluminado, mas insignificante,
do grande hangar de naves auxiliares. Na extremidade oposta deste hangar, a escotilha
interna da comporta começava a abrir-se.
Depois de alguns segundos, a K-238 entrou em movimento. Sustentada por um
campo artificial de gravitação, planou para o interior da comporta e ali permaneceu,
enquanto a escotilha interna se fechava e a externa começava a abrir-se.
O anel do campo de refração voltou a aparecer; seu centro coincidiu com o ponto
central da tela de proa.
Rhodan viu a escotilha encostar-se à parede da nave; a luz verde, que liberava a
decolagem, acendeu-se.
Com um súbito solavanco, a escotilha da comporta deslizou para o lado. O anel do
campo de deflexão parecia saltar sobre a nave auxiliar. Mas, num instante tudo
desapareceu: o anel, o tapete luminoso formado pelas inúmeras estrelas, a Drusus.
Um vermelho-carregado passou a envolver a pequena nave, e das profundezas de
um espaço desconhecido e apavorante brilhava a bola de fogo ofuscante do sol verde.
O salto fora bem sucedido.

***

Sabiam que, dali em diante, tinham de contar com uma dimensão temporal
diferente. Talvez o termo contar não fosse adequado, pois os fenômenos que se
verificavam no mundo purpúreo eram tão variados, estranhos e muitas vezes
aparentemente contraditórios, que nem mesmo os matemáticos haviam conseguido obter
uma imagem nítida, pela qual os homens pudessem guiar-se.
Uma coisa era certa: a dimensão temporal em que a K-238 se movia naquele
momento era diferente da anterior.
Só depois do regresso ao espaço einsteiniano, saberiam se essa diferença significaria
um fluxo temporal mais lento ou mais rápido.
Rhodan procurou descobrir em primeiro lugar se o sol verde era na realidade um
astro que justificava o nome que apressadamente lhe fora dado. E, em caso afirmativo, se
esse sol possuía planetas.
À bordo da K-238, as tarefas haviam sido cuidadosamente distribuídas. Rhodan
acumulava as funções de comandante e piloto; Atlan, o arcônida, estava sentado junto ao
computador positrônico e calculava o curso da nave ou interpretava os resultados
indicados pelos instrumentos de localização; Reginald Bell manipulava esses
instrumentos; o Capitão Gorlat ocupava o posto de artilheiro, e o Tenente Tompetch
ficava na reserva.
Dentro de trinta minutos, a partir da trasladação para o plano temporal estranho, os
instrumentos haviam registrado o espectro do sol verde e forneceram um diagrama,
segundo o qual o diferencial de intensidade nas radiações se verificava em função do
comprimento das respectivas ondas. Atlan, que foi o primeiro a examinar o diagrama,
soltou uma risada de deboche e disse que um espectro como este só poderia servir para
enlouquecer um espectroscópio. Dali a pouco, Rhodan confirmou que esse espectro podia
corresponder ao de um pedaço de arame enferrujado e incandescente, nunca ao de um sol.
Em vez da curva regular que o diagrama deveria apresentar, viu-se uma linha que
corria junto à abcissa, e que, no conjunto, seguia a direção horizontal, apresentando a
espaços irregulares ressaltos elevados e pontudos. Um desses ressaltos foi registrado no
comprimento de onda de 5.600 angstrom e, ao que tudo indicava, constituía a origem da
cor verde do corpo luminoso.
Antes que fosse formulada a conclusão de que não se tratava de um sol, mas de
outro fenômeno ainda desconhecido, os instrumentos registraram mais um resultado. O
corpo verde irradiava um campo de gravitação.
A distância entre a nave K-238 e o sol verde era pouco superior a dezoito unidades
astronômicas. Face ao valor da gravitação medido pelos instrumentos, e considerada a
distância já referida, concluiu-se que sua massa era de 9 vezes IO30 quilogramas, ou seja,
a metade da do sol terrano.
Só mesmo um sol poderia ter uma massa como esta. E a constatação desse fato
pesou mais que o estranho espectro.
Mas o fator decisivo foi uma descoberta que Reginald Bell fez dali a quinze
minutos, por meio de uma série de instrumentos ultra-sensíveis. Estes registraram uma
interferência no campo de gravitação, que só poderia provir de outro campo, menos
intenso. Após alguns instantes, se demonstrou que o segundo campo gravitacional se
deslocava em relação ao primeiro. Com base na interferência inicial e em sua alteração ao
longo do tempo, calculou-se que o corpo do qual provinha o segundo campo de
gravitação devia ter uma massa de cerca de 5 vezes 10 24 quilogramas, o que correspondia
a 0,83 vezes a massa da Terra.
Ninguém teve a menor dúvida de que os instrumentos de Bell haviam descoberto
um planeta, e de que a luminosidade verde correspondia a seu sol.
Rhodan decidiu imediatamente aproximar-se do planeta, até então invisível, e tentar
o pouso.

***

O mundo desconhecido só surgiu nas telas quando a nave K-238 se havia


aproximado cerca de oitocentos mil quilômetros.
Rhodan reduziu a velocidade da nave a um nível que, em condições normais, seria
considerado ridículo. Mas, na situação em que se encontravam, toda cautela era pouca.
Observava a estranha imagem do planeta e ouvia distraidamente os resultados das
medições anunciados por Bell. Viu grandes massas de nuvens, que se destacavam
debilmente em sua cor turquesa contra a superfície do planeta. Na própria superfície,
constatou a presença de linhas, que pareciam indicar uma espécie de articulação.
— Diâmetro: cerca de onze mil quilômetros. Gravitação superficial 1,12 G; valor
normal. Camadas de absorção de nitrogênio, oxigênio e argônio. Composição sessenta,
trinta e cinco e quatro por cento, respectivamente. Restante desconhecido.
“A atmosfera tem um bom teor de oxigênio, e deve ser perfeitamente respirável”,
pensou Rhodan. “Ao menos é uma coisa que à primeira vista significa algo.”
Quando a nave K-238 começou a penetrar nas camadas superiores da atmosfera, os
instrumentos de Bell constataram uma rotação do planeta em torno de seu eixo. Efetuava
uma rotação completa em dezoito horas e alguns minutos.
De repente, tudo aquilo já não parecia tão estranho assim.
Ao menos no lugar em que a K-238 resolvera pousar, a superfície do planeta era
coberta por florestas de aspecto agradável, que se assemelhavam a parques, grandes
prados e pequenos rios. Estes corriam todos na mesma direção e, ao que parecia,
pretendiam unir-se em algum ponto situado além da linha do horizonte.
Tinha-se a impressão de que a K-238 acabara de descobrir um novo paraíso. Mas
havia outro fator que, ao menos nos primeiros minutos, representou uma perturbação
sensível dessa impressão. A atmosfera continha traços de ácido sulfídrico. Esses traços
constituíam parte da parcela de um por cento que Bell não conseguira identificar durante
a manobra de aproximação, e causavam um cheiro nauseabundo.
Uma análise cuidadosa revelou que a quantidade do gás venenoso era suficiente para
ativar os órgãos do olfato, mas não representava qualquer perigo, motivo por que não
havia a necessidade de utilizar filtros.
Além disso, o mau cheiro provocado pelo ácido sulfídrico é perfeitamente
suportável; depois de um tempo de adaptação o olfato humano nem o percebe mais.
Foi exatamente o que aconteceu com Rhodan e seus companheiros. Dali a uma hora,
quando haviam dado uma volta a pé pelos arredores da nave auxiliar, nem sentiam mais o
cheiro. Assim, voltaram a acreditar que haviam descoberto um mundo paradisíaco.
A proposta original de Reginald Bell, que sugeriu dar ao planeta o nome de
Fedorento, não provocou o menor comentário.
Rhodan voltou à nave, depois de ter constatado que nas imediações desta não havia
nada que fosse digno de nota. Nesse meio tempo, o computador positrônico concluíra a
interpretação dos dados reunidos durante a manobra de aproximação, e chegara à
conclusão de que, em nenhum ponto da superfície desse planeta, havia vestígios de vida
inteligente. Face a isso Rhodan disse:
— Nestas condições, não vale a pena perdermos mais tempo por aqui. Um planeta
sem vida não poderá dar-nos qualquer informação sobre o paradeiro do planeta Peregrino.
Não houve nenhuma objeção. A K-238 foi preparada para a decolagem. Enquanto
isso, com base no trecho da trajetória conhecida do planeta, o computador procurou
calcular se em algum lugar havia outras interferências gravitacionais ou, em outras
palavras, se outro mundo gravitava em torno do sol verde.
O resultado foi interessante. A trajetória do mundo verde era instável. A velocidade
de seu movimento de translação era elevada demais face ao diâmetro. Dali se concluía
que, num tempo previsível, o mundo verde se afastaria de seu astro central e vagaria só
pelo espaço purpúreo.
À primeira vista, parecia não haver nada de extraordinário nisso. A qualquer
momento, se encontraria no Universo conhecido maior número de órbitas instáveis que
de órbitas estáveis. Isso decorria da lei física segundo a qual o estado desorganizado é
muito mais provável que o estado organizado.
Uma coisa, porém, era estranha.
— Acho que todo mundo está de acordo sobre uma coisa — disse Rhodan. — A
instabilidade da órbita deste planeta deve ter surgido há pouco tempo. Se tivesse existido
sempre, neste mundo não se teria desenvolvido qualquer vegetação. O surgimento de toda
forma de vida, mesmo as mais primitivas, exige um estado ordenado. Segundo meus
cálculos, a vida neste planeta só existe há algumas centenas de milhões de anos.
Lançou um olhar indagador em torno; mas, ao que parecia, só Atlan soube
interpretar sua observação.
— Quer dizer que em sua opinião houve uma influência súbita? — perguntou com
um sorriso. — Uma irrupção gravitacional cm algum lugar do espaço cósmico, que
produziu uma aceleração do movimento do planeta, ou então...?
Rhodan interrompeu-o com um gesto.
— A coisa deve ter sido muito menos dramática, almirante — disse com uma risada.
— Para ser mais claro, acredito que o planeta Peregrino deve ter surgido neste plano
temporal próximo ao lugar em que nos encontramos. Se passou bastante perto, pode ter
provocado a interferência.
Atlan acenou com a cabeça, como se não esperasse outra resposta.
— Você é um homem que não demora em tirar suas conclusões, bárbaro. E agora?
Em vez de responder, Rhodan colocou todos os controles dos propulsores na posição
zero. As luzes de controle apagaram-se.
— É isto — disse Rhodan. — Ficaremos aqui. Se conseguirmos descobrir quando se
verificou a interferência, poderemos calcular a órbita do planeta Peregrino.
— Oba! — disse Atlan, erguendo as sobrancelhas. — Isso representa vinte e seis
equações com vinte e sete incógnitas. Trata-se de um problema de três corpos, que faria
os matemáticos mais geniais arrancarem os cabelos.
Rhodan sorriu e moveu a mão em direção ao painel de controle do computador
positrônico.
— Pois que arranquem os cabelos!

***

Agora, que resolveram ficar, deram um nome a esse mundo. Chamaram-no de


Solitude, porque não poderiam imaginar um lugar mais solitário, cheio de lindas plantas,
no qual havia apenas seres parecidos com aranhas e besouros.
Ninguém tinha muita coisa a fazer, com exceção do computador positrônico, que
realizou as mais variadas combinações dos dados relativos à intensidade integral das
radiações do sol verde, à temperatura superficial de Solitude, à sua massa e à velocidade
com que percorria sua trajetória, a fim de apurar a órbita originária desse planeta. Se
conseguisse descobrir isso, não seria difícil calcular o tempo em que houvera a
interferência na órbita. E, dali em diante só restaria um único passo, embora complicado,
para determinar a órbita percorrida por Peregrino, desde que a hipótese de Rhodan e
Atlan correspondesse aos fatos.
Rhodan não fez a menor objeção quando Bell, Gorlat e Tompetch resolveram dormir
e se retiraram para seus camarotes. Atlan permaneceu acordado, mas depois de algum
tempo também se retirou. Conforme disse, desejava refletir sobre certas coisas.
Enquanto atrás dele o computador positrônico trabalhava intensamente, Rhodan
contemplou a paisagem verde que se estendia além das paredes da nave, e sobre a qual o
sol começava a descer. Estudou os formatos estranhos das árvores e concluiu que se
pareciam simultaneamente com carvalhos, pinheiros e gigantescos rabos-de-cavalo. Cada
uma dessas espécies vegetais parecia ter-lhes conferido algumas das suas características.
Era um mundo maravilhoso para os biólogos galácticos interessados pela botânica.
As plantas não se moviam. Ao que parecia, nenhum vento soprava. Quem tocasse os
estranhos talos ou as folhas das árvores teria a impressão de pegar peças de metal duro.
Rhodan já se familiarizara com o fenômeno no mundo ao qual Rous dera o nome de
Planeta de Cristal.
Mergulhou em reflexões sobre o problema insolúvel dos diversos planos temporais.
Subitamente viu uma mancha escura surgida entre duas robustas árvores, a cerca de
quatrocentos metros de distância. Tinha certeza de que há pouco não estivera lá.
O fato despertou sua atenção. Num mundo em que o tempo corre setenta e duas mil
vezes mais devagar que em outros lugares, não há nada que possa aparecer dentro de
poucos minutos, nem mesmo uma mancha escura entre duas árvores.
“Quem dera que não houvesse esse verde,” pensou Rhodan. “Parece que essa cor
não faz bem aos meus olhos.”
Demarcou um pequeno quadrado n tela e modificou a regulagem das lentes da;
objetiva, a fim de que o respectivo setor fosse ampliado. À medida que a escala
aumentava, Rhodan teve a impressão cada vez mais nítida de que aquilo visto entre as
árvores era um ser humano. Não se movia e parecia olhar em direção à nave. Não se
reconhecia seu rosto, nem se poderia dizer que tipo de roupa usava.
“Um dos quatro deve ter saído sem me avisar”, pensou Rhodan.
Mas como não tivesse certeza absoluta, chamou todos os camarotes. Reginald Bell,
que podia permitir-se essa liberdade, não se mostrou nada satisfeito por ter sido
incomodado; o Capitão Gorlat anunciou sua presença segundo os regulamentos e Mike
Tompetch estava tão sonolento que nem chegou a compreender o que desejavam dele.
Mas no camarote de Atlan ninguém respondeu.
— Você não perde por esperar, almirante! — disse Rhodan com um sorriso. — Onde
já se viu alguém sair da nave sem permissão do comandante?
Levantou-se e foi até o posto de comando da artilharia.
“Seria bem feito para o arcônida se um disparo de desintegrador com boa pontaria
derrubasse uma árvore perto dele e lhe metesse um tremendo susto”, pensou Rhodan.
Antes que Rhodan chegasse ao lugar que costumava ser ocupado pelo Capitão
Gorlat, a escotilha abriu-se com um ligeiro ruído, mostrando Atlan, o arcônida.
Embora houvesse um sorriso em seu rosto, parecia um tanto perturbado. Rhodan
lançou um olhar ligeiro para a tela e viu que o vulto escuro continuava parado entre as
árvores.
Então realmente era...!
— Receio que preciso de um bom gole, Perry — disse Atlan.
O simples fato de chamar Rhodan pelo primeiro nome provava que estava muito
perturbado.
— Por quê? — perguntou Rhodan. Atlan sacudiu a cabeça.
— Nem me pergunte. Você poderia pensar...
— Diga logo!
Atlan arregalou os olhos vermelhos, nos quais se notava uma expressão de
perplexidade.
— Vi um homenzinho; no meu camarote! — disse em voz baixa e em tom hesitante.
Para seu espanto, a reação de Rhodan foi de tranqüilidade total. Virou-se e apontou
para a tela.
— Será que foi este? — perguntou e, ao mesmo tempo, soltou um resmungo de
surpresa.
O vulto que vira entre as duas árvores desaparecera.
Um bom gole de uísque bem forte não teve outros efeitos sobre o estado psicológico
do arcônida senão os que teria produzido num terrano. Atlan contemplou o copo vazio e
disse:
— É impossível. Por mais que você fale, não acredito. Foi um homenzinho tão
pequeno! — suas mãos indicaram uma altura de cerca de vinte e cinco centímetros. — E
era inteiramente humanóide. Usava o traje de tripulante de nave terrana. Se além de tudo
considerarmos a escotilha fechada...
— Como era ele? — perguntou Rhodan. — Conseguiu ver seu rosto?
Atlan deu de ombros.
— Não sei. Não consegui vê-lo muito bem. Mas era muito estranho. Era como... ah,
sim! Era como uma escultura ainda não concluída.
— Sei. Como foi que entrou?
— Não sei. Estava de costas para a escotilha, olhando para a tela. Quando virei a
cabeça, estava lá. Não fez o menor ruído. Ficou de pé junto à mesa.
— O que foi que ele fez?
— Nada. Apenas olhou para trás. Movia-se com certa rapidez, ou melhor, com uma
rapidez espantosa para um ser do mundo em que nos encontramos.
— E depois? Foi embora?
— Não se pode dizer que tenha ido — objetou o arcônida. — Mal me recuperei da
surpresa e quis formular uma pergunta, ele desapareceu. De um instante para outro, que
nem um dos seus teleportadores.
— Hum! — fez Rhodan. — Talvez seja um teleportador. Com isso também se
explicaria como conseguiu entrar pela escotilha fechada. Mas depois? O que foi que você
fez? Veio até aqui?
Atlan fez um gesto afirmativo.
— Quer saber de uma coisa? — disse. — É possível que seja um teleportador. Mas
será que entre seus mutantes existe um homem que tenha apenas palmo e meio de altura?
Rhodan riu baixinho.
— É claro que não. Acontece que Solitude é um mundo estranho. Não precisamos
perder a cabeça por causa disso. Talvez exista...
— Você está com a razão, bárbaro — disse Atlan com a voz retumbante. Ao que
parecia, acabara de recuperar o equilíbrio. — Talvez exista uma explicação natural.
— Isso mesmo — confirmou Rhodan e comprimiu o botão de alarma.
No momento em que as sereias começaram a uivar, o arcônida estremeceu. O
incidente parecia tê-lo deixado muito nervoso, embora a essa altura procurasse transmitir
a expressão de tranqüilidade absoluta.

***

O alarma foi observado com a rapidez que geralmente se observa numa nave de
guerra. No momento em que as sereias silenciavam, Reginald Bell irrompeu na sala de
comando.
Foi seguido de perto pelo Capitão Gorlat. O último a entrar foi o Tenente Tompetch.
— Algum dos senhores notou uma coisa extraordinária nesta última hora? —
perguntou Rhodan em tom oficial.
Reginald Bell sacudiu a cabeça; parecia contrariado.
— E o senhor, capitão?
— Não senhor, não notei nada. Estava dormindo.
— Tenente...
— Não senhor. Também estava dormindo.
Rhodan relatou era rápidas palavras o que ele e Atlan haviam observado.
— Não sabemos se por acaso sofremos uma alucinação — concluiu. — Aqui em
Solitude pode acontecer muita coisa que não corresponde às nossas idéias. É claro que
precisamos ter certeza. Capitão Gorlat, reviste o camarote em que foi visto o
homenzinho. Faça um trabalho meticuloso. O senhor sabe o que está em jogo. Bell, você
asssumirá o comando da nave. Enquanto isso Atlan e eu daremos uma olhada no lugar em
que vi o desconhecido. Tenente Tompetch, você se manterá em contato conosco pelo
rádio.
Ao anoitecer, o céu cobriu-se com um estranho marrom que, de início, tinha a
aparência de azeitonas sujas, mas aos poucos foi perdendo essa tonalidade e cambiando
para o vermelho.
“É uma mistura de cores”, penso Rhodan. “O verde do dia e o vermelho púrpura do
espaço se misturam, produzindo o marrom. Quando o sol tiver aparecido veremos
apenas o vermelho.”
Constatou que cometera um erro considerável enquanto observara a estranha figura
negra entre as árvores. A distância não fora a que calculara. Em vez de quatrocentos
metros, teve de percorrer oitocentos antes de atingir, juntamente com o arcônida, as duas
árvores entre as quais se encontrara o estranho.
— Atingi o lugar, tenente — disse Rhodan, falando para dentro do pequeno aparelho
de rádio. — O senhor nos vê?
— Sim senhor — respondeu Tompetch — Por enquanto ainda os vejo muito bem
Mas está escurecendo depressa.
— Muito bem. Qual é o nosso tamanho?
— Diria que são do tamanho de dedo polegar.
— Obrigado; isso basta. Mantenha-si em recepção.
Fitou Atlan.
— Que pena, almirante! Pensei que se anão se tivesse transformado num gigante.
Acontece que, quando o vi, também tinha o tamanho de um polegar.
Procuraram descobrir alguma pista. Quando escureceu a ponto de não enxergarem
nada, Rhodan tirou uma lanterna pequena, mas potente, e iluminou o chão.
— O capim é muito duro — murmurou o arcônida. — Não poderia ter deixado uma
pista igual às que estamos acostumados a ver. O capim não cede nem ao peso de um
homem.
Rhodan iluminou o caminho que haviam percorrido. Estava assinalado por ta-los de
capim quebrados, como se uma ceifadeira tivesse aberto uma trilha estreita.
— Ceder não cede — disse. — Mas quebra. É duro e quebradiço. Se aqui tivesse
estado alguém que pesasse mais de cinqüenta gramas, deveríamos descobrir algum sinal.
Atlan ergueu-se com um suspiro.
— Acontece que não se vê nada, administrador. Qual é a conclusão que se deve tirar
disso?
Rhodan sorriu.
— É melhor que você mesmo tire suas conclusões, amigo. Não gosto de abrir a boca
antes da hora.
Atlan sacudiu os ombros e espalmou as mãos.
— Que conclusão poderíamos tirar? Foi uma alucinação; só isso.
Rhodan esteve a ponto de responder. Pretendia dizer que não acreditava ter sido uma
alucinação, que devia haver outra explicação. Mas, nesse momento, sentiu que havia
alguma coisa atrás dele. Chegou sentir quase fisicamente que estava sendo observado de
dentro da escuridão marrom.
Sua reação foi puramente automática. Agiu instintivamente e seu gesto foi tão
rápido que se verificou antes que o susto atingisse o cérebro e paralisasse o raciocínio. O
largo feixe de luz atingiu um vulto que parecia flutuar acima do solo a alguns metros do
lugar em que se encontrava. Parecia balouçar-se suavemente no vento. Num vento que
não existia em Solitude.
Rhodan ficou espantado ao constar que a luz da lâmpada atravessava o vulto Ao
menos, parte dela desenhou um círculo num tronco de árvore que ficava atrás do...
— O que é isso?
Atlan pôs a mão no cinto e arrancou arma, antes que Rhodan tivesse tempo de fazer
um gesto de advertência e gritar:
— Não se precipite! Ainda não sabemos o que ele quer.
Enquanto proferia estas palavras, procurou descobrir quem era “ele”, que
continuava a balouçar-se num vento imaginário e não se incomodava com a luz ofuscante
da lanterna; parecia até que nem a percebia.
Envergava o macacão cinzento que os tripulantes das naves terranas costumam usar
em serviço. Acontece que esse macacão, que costumava ser feito de fazenda grosseira e
resistente, era transparente. Usava as mesmas botas de cano alto e fecho magnético que
Rhodan trazia nos pés. Mas estas não atingiam o chão que se encontrava embaixo deles,
enquanto, sob os pés de Rhodan, os talos de capim quebravam-se com leves estalidos.
Parecia ter uma cabeleira bastante espessa; mas não havia como reconhecer-lhe o rosto.
— Está bem, meu caro — disse Atlan em tom irônico. — O fato é que temos de
fazer alguma coisa. Não nos adiantará nada ficar apenas olhando. Ei, quem é você?
O forte grito provocou um eco grotesco, refletido pelos troncos lisos e duros como
diamantes. Mas o vulto não reagiu.
Rhodan avançou um passo; o vulto moveu-se, afastando-se igual distância. Não
caminhava, mas deslizava por cima do capim. Rhodan deu mais um passo, e o resultado
foi o mesmo.
— Se eu desse uma volta, talvez pudéssemos pegá-lo — disse Atlan.
— Pegá-lo com quê? Ele escaparia entre nossos dedos como uma nuvem de vapores
frios.
— Que diabo! Temos de fazer alguma coisa!
Sua voz parecia nervosa e irritada. Antes que concluísse a frase, o vulto moveu-se
pela terceira vez, sem que ninguém se tivesse aproximado.
Rhodan fez com que o raio de luz seguisse o desconhecido. Passou por uma árvore e
saiu para o campo aberto. Manteve o rosto esquisito e grosseiro voltado para trás, como
se quisesse ver se alguém o seguia.
— Vamos atrás dele! — decidiu Rhodan. — Seria interessante descobrir aonde vai.
Informou Tompetch sobre o incidente e mandou que, dali em diante, usasse o
aparelho de localização de luz infravermelha.
— Procure não nos perder de vista — concluiu. — Talvez precisemos de auxílio.
Seguiu o vulto juntamente com Atlan. O fato de que alguém vinha atrás dele não
parecia incomodar o desconhecido. Não aumentou de velocidade e continuou a deslizar
por cima do capim, sem deixar qualquer pista.
Não foi nada fácil segui-lo. O capim era quebradiço, mas assim mesmo dava a
impressão de se tratar de um exército enorme de anões que apontava as lanças de aço
para os intrusos. Uma única folha que penetrasse por uma emenda mal feita do sapato
poderia provocar ferimentos graves.
Pelos cálculos de Rhodan, já se haviam afastado cerca de três quilômetros da nave
K-238. O amplo feixe de luz mostrou uma elevação que atravessava o campo de visão em
altura uniforme. O desconhecido subiu pela encosta e desapareceu atrás do cume. Atlan e
Rhodan continuaram a segui-lo. Quando chegaram ao cume, viram que o ser estranho
parará na outra encosta. Aos seus pés, havia uma mancha escura. Talvez ali o capim
estivesse queimado.
O desconhecido parecia apenas esperar que a luz da lanterna de Rhodan surgisse no
topo da colina e o iluminasse. Quando isso aconteceu, desceu lentamente para dentro da
mancha escura, como se quisesse fazer uma demonstração de seu ato. Desapareceu em
alguns segundos.
— Pegue a arma, almirante! — disse Rhodan sem olhar para o arcônida.
Desceram pela encosta e, quando haviam vencido metade do caminho, viram à luz
da lanterna que a mancha escura não era outra coisa que uma abertura que parecia descer
verticalmente no solo. Era quase circular e tinha um diâmetro de aproximadamente um
metro e meio. Pararam na borda e Rhodan dirigiu a luz para o interior da abertura. Viram
que a abertura só descia verticalmente por um metro e meio e, depois disso, seguia para
um lado. Não se sabia para onde conduzia.
— Vamos descer — sugeriu Atlan.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— É muito perigoso — disse. — Precisamos pelo menos de um homem que monte
guarda aqui em cima.
Chamou Tompetch.
— Siga-nos! — ordenou. — Pegue um desintegrador e um aparelho de rádio portátil
e venha até aqui. Será fácil reconhecer nossa pista no capim. Para facilitar a orientação,
dirigirei a luz da lanterna para cima.
Tompetch confirmou o recebimento da ordem e disse que dentro de trinta minutos, o
mais tardar, chegaria ao lugar em que Rhodan se encontrava.
3

— O que será isso? — perguntou Atlan depois de um silêncio prolongado. — O que


se poderia imaginar atrás de uma formação imaterial que tem a aparência de homem e usa
o macacão da Frota Espacial Terrana?
— Para dizer a verdade, nem sei o que pensar — respondeu Rhodan. — Faço votos
de que lá embaixo encontremos uma explicação — apontou para dentro da galeria.
Depois de algum tempo, acrescentou:
— Cabe ponderar que não se trata simplesmente de fenômeno imaterial. Não é uma
projeção muito sofisticada. Aquilo possui inteligência; parece ser um verdadeiro espírito.
— Um fantasma, não é? — disse Atlan em tom irônico.
— Talvez. Resta saber o que devemos entender por fantasma.
A palestra parecia resvalar para o campo da metafísica, em virtude da falta de dados.
Naquele instante, os passos ruidosos do Tenente Tompetch soaram no topo da
colina. Aproximou-se, parou à luz da lanterna e fez uma continência impecável.
— Tompetch, vamos descer neste buraco. Mantenha a arma preparada para disparar
e fique de ouvido encostado no receptor. Não sei o que nos espera lá embaixo — disse
Rhodan.
Tompetch agachou-se junto à abertura, enquanto Rhodan descia, segurando-se na
borda e soltando as mãos assim que sentiu que seus pés haviam encontrado apoio. Mas o
chão da galeria era inclinado e não proporcionava o necessário apoio aos seus pés...
Desceu por um tobogã poeirento, mas surpreendentemente liso, precipitou-se com
velocidade cada vez maior para o interior da terra.
Só parou quando a galeria passou a deslocar-se na horizontal. Rhodan arrastou-se
apressadamente. Naquele instante, praguejando, o arcônida descia pela estranha galeria.
Só foi parar junto aos pés de Rhodan.
Ergueu-se rapidamente o mais que permitia a altura reduzida da galeria e examinou
o caminho que acabara de percorrer.
— Gostaria de saber como vamos subir ali — murmurou.
Rhodan prosseguiu rastejando.
— Por enquanto, sinto-me satisfeito por estar aqui — disse. — Mais tarde pensarei
na maneira de voltar.
A lanterna resistira muito bem à queda. Seu potente feixe iluminava as paredes lisas
da galeria. Mais adiante atravessou uma abertura circular e penetrou num recinto
subterrâneo que, segundo tudo indicava, era tão grande que a lanterna não podia iluminá-
lo de uma só vez.
A galeria era baixa, mas ainda permitia que um homem se deslocasse por ela com
certo conforto. Enquanto iam para diante, a fim de examinar o recinto escuro, Rhodan
passou a mão pela parede da galeria. Constatou, então, que o revestimento liso era uma
massa plástica dura e livre de emendas, que provavelmente fora aplicada por um processo
de borrifamento.
Assim que chegaram à extremidade da galeria, a lanterna iluminou um recinto
amplo, cheio de estranhos aparelhos. Uma série de instrumentos em forma de caixa
estava ligada a outros aparelhos por meio de fios e tubos. No centro do recinto, havia
recipientes em forma de ataúde, nos quais se notava um número maior de fios e tubos.
Rhodan começou a interessar-se pelos ataúdes nos quais terminava a maior parte dos
dutos. Saltou da galeria para o chão do recinto, situado um metro abaixo, espremeu-se
entre uma série de aparelhos e parou junto ao primeiro ataúde para examiná-lo. Ao que
parecia, era feito de metal.
Rhodan apalpou a tampa e sentiu-a pulsar lentamente. Um dos tubos que
terminavam nesse ataúde parecia comunicar-lhe uma série de vibrações. Eram cerca de
duas por segundo. Convertido no outro plano temporal, esse período correspondia a uma
freqüência de aproximadamente trinta e seis mil hertz, que se situava na faixa do ultra-
som.
Rhodan procurou levantar a tampa, mas não conseguiu. Perry fez o feixe de luz
circular e notou que o recinto não possuía outra porta ou entrada. A única via de acesso ao
local era a galeria onde Atlan estava agachado com a arma na mão.
O espírito — ou fantasma — devia estar por perto, a não ser que tivesse
“desaparecido” pelas paredes.
Mas onde estava? E, principalmente, o que significava tudo isso?
Ao formular em sua mente as duas perguntas, Rhodan começou a perceber que sua
cabeça doía. Era uma dor martirizante, como a que se sente depois de uma noite de
bebedeira.
Rhodan ficou espantado, pois o ar lá embaixo era fresco e puro como na superfície.
A dor de cabeça não poderia ter sido causada pelo ar.
Rhodan recuou até a parede para verificar se a dor diminuía. Depois de algum
tempo, parecia amainar; reduziu-se ainda mais quando se deslocou até o ângulo formado
pela parede lateral e longitudinal.
Notou que este era o lugar em que a distância entre ele e as seis caixas em forma de
ataúde era maior.
Concluiu que a força misteriosa provocadora das dores saía dos ataúdes. O fato de
não ter sentido nada, quando pela primeira vez se viu junto a elas, explicava-se pela
diferença das dimensões temporais. Até mesmo a dor demorava mais para manifestar-se
do que em condições normais.
— Há alguma coisa dentro desses caixões — disse em tom pensativo, dirigindo-se a
Atlan. — Gostaria de saber o que é.
Pegou o pequeno transmissor.
— Tompetch, o senhor ainda está aí?
— Sim senhor.
— Chame a nave e peça que Gorlat venha até aqui. Diga-lhe que deve trazer um
psicógrafo.
— Entendido, Sir — respondeu Tompetch.
Enquanto os minutos se passavam, Rhodan ficou refletindo sobre se convinha abrir
à força um dos ataúdes, para verificar o que havia em seu interior. Mas logo abandonou a
idéia. Esses ataúdes irradiavam uma força que provocava dor de cabeça nele; nele, e não
no arcônida. Por isso mesmo, a idéia de que os mesmos continham alguma coisa viva não
era tão absurda. Nesse caso, a abertura forçada do ataúde poderia causar um dano
irreparável ao que estava contido em seu interior.
Rhodan resolveu que dali em diante usaria a palavra caixão, e não ataúde.
Quinze minutos depois, o Capitão Gorlat anunciou sua presença junto à entrada da
galeria. Rhodan pediu-lhe que trouxesse o psicógrafo, e ordenou a Tompetch que pegasse
um dos cabos que pertencia ao equipamento-padrão do Câmbio, o veículo versátil, e o
prendesse e colocasse no interior da galeria, de tal maneira que Gorlat pudesse descer
pela mesma sem expor o aparelho ultra-sensível aos riscos de uma série de quedas e
escorregadelas.
Dali a pouco, o Capitão Gorlat surgiu na galeria.
Rhodan pegou o aparelho, colocou-o no chão e ligou-o. O aparelho registraria
qualquer irradiação de pensamentos articulados que houvesse nas proximidades. Era bem
verdade que não se poderia deixar de considerar a diferença das dimensões temporais.
Para formar um pensamento breve o cérebro humano precisa de um lapso de cerca
de um centésimo de segundo. Se os desconhecidos encontrados nos caixões pensassem na
mesma velocidade, isso corresponderia a um lapso de 720 segundos, ou doze minutos, na
dimensão temporal em que funcionava o psicógrafo.
Mesmo então só se conseguiria registrar o mais breve dos pensamentos de que o
cérebro humano é capaz. O registro de uma emissão telepática que porventura existisse
por ali consumiria dias, semanas ou até meses.
De repente Rhodan se lembrou de que o fantasma se deslocara com bastante
rapidez. Parecia não estar sujeito à outra dimensão temporal.
Poder-se-ia admitir razoavelmente que a formação de pensamentos se processaria
com a lentidão costumeira?
Havia um argumento de peso a favor dessa hipótese. A dor sentida por Rhodan não
começara no instante em que penetrou no recinto ou se colocou pela primeira vez junto
aos seus caixões. Só começara bem depois, uns quinze minutos após o momento em que
saltara da galeria para dentro do recinto. Dali se concluía sem a menor dúvida que a
inteligência desconhecida precisava de um tempo correspondente à dimensão estranha
para perceber e formular seus pensamentos. Ao que tudo indicava, o fantasma e sua
mobilidade eram fenômenos distintos.
Rhodan olhou para o relógio. Dez minutos já se haviam passado desde o momento
em que ligara o psicógrafo. Atlan, o arcônida, continuava agachado na saída do corredor,
enquanto o Capitão Gorlat se encontrava de pé, meio abaixado em virtude da pouca altura
da galeria, olhando para o recinto.
Mais cinco minutos se passaram. O silêncio só era interrompido vez por outra por
um pé que arrastava o chão, por um suspiro mais forte ou um pigarreio.
Subitamente o arcônida levantou-se de um salto, fitou a parte dos fundos do recinto
com os olhos semicerrados e murmurou em tom de perplexidade:
— Alguma coisa não está certa! Rhodan sabia que os arcônidas tinham um sentido
adicional, que lhes abria possibilidade para vários tipos de percepção. Atlan reconhecia
coisas que eram tão pequenas ou tão distantes que o olho humano não conseguiria
enxergá-las; e a mesma coisa se aplicava, em extensão ainda maior, em sentido figurado.
Rhodan sentiu uma lufada de ar quente que parecia sair dos seis caixões e, quase ao
mesmo instante, ouviu um crepitar. Viu que as tampas dos caixões se abaulavam, como se
alguém tivesse acendido um fogo sob as mesmas. A rapidez com que aquilo acontecia,
apesar da outra dimensão temporal, não permitia a menor dúvida de que a situação era de
perigo.
— Vamos dar o fora! — gritou para Gorlat e o arcônida.
A reação de ambos foi imediata. Quando Rhodan terminou de desligar o psicógrafo
e se dispunha a entrar na galeria, os dois já se encontravam bem longe. Rhodan deu mais
alguns passos e descobriu a ponta da corda, que balançava lentamente, o que provava que
Gorlat ou Atlan já estavam subindo por ela.
Quando a subida se tornou tão íngreme que Rhodan não poderia vencê-la sem o
auxílio da corda, ele prendeu o psicógrafo ao cinto, segurou a corda e puxou-se para cima
com as mãos.
Gorlat já chegara em cima e ligara o motor do Câmbio. Tompetch encontrava-se no
assento de trás, com o rosto triste de quem não compreende o que está acontecendo.
Naquele instante, Atlan subia ao veículo.
— Vamos embora! — fungou Rhodan; pegou a borda do veículo e deixou que o
impulso do veiculo que se afastava o puxasse para cima. Gorlat não precisou de novas
ordens para saber o que devia fazer. O veículo subiu obliquamente pela encosta,
distanciando-se vertical e horizontalmente da caverna.
Gorlat deixou que o veículo passasse pela encosta e lançou um olhar indagador para
Rhodan.
— Espere! — ordenou este. Tirou o psicógrafo do cinto e guardou-o na caixa de
ferramentas, saltou do veículo e rastejou até o topo da colina, que o veículo deixara para
trás.
Antes que chegasse ao alto, o chão começou a tremer a seus pés. O tremor era de
uma lentidão grotesca, como todos os fenômenos desenrolados em Solitude e neste
universo. Era antes uma série de solavancos.
Dali a alguns segundos, uma coluna de luz verde-pálida surgiu no pé da colina.
Rhodan, que já chegara ao topo, viu-a sair preguiçosamente do solo e subir lentamente.
Não havia a menor dúvida: a caverna subterrânea e seus habitantes — se é que a
mesma realmente tinha habitantes — foram destruídos por uma explosão de proporções
consideráveis.
Rhodan permaneceu por mais de meia hora no topo da colina, e a explosão ainda
não havia chegado ao fim. Era bem verdade que a coluna de fogo já atingira o ponto
máximo, e estava baixando tão lentamente como subira. Rhodan viu que no lugar em que
antes ficava a abertura de um metro e meio de diâmetro agora se abria uma cratera
afunilada com quinze metros de diâmetro.
Rhodan levantou-se e voltou ao veículo. Viu olhos indagadores dirigidos para si.
— Tudo arrebentado — disse em tom lacônico.
— Sim senhor — irrompeu Tompetch, que não conseguiu dominar o nervosismo.
— Foi a explosão mais esquisita que já vi.
Gorlat voltou a colocar o veículo em movimento. Tomou a direção da nave sem que
ninguém lhe tivesse ordenado isto; Rhodan estava de acordo.
— O que foi isso, Sir? — perguntou Tompetch. — Quem provocou a explosão?
Rhodan deu de ombros.
— Não sei — respondeu.
— Lá embaixo devem ter encontrado alguma indicação, Sir — prosseguiu
Tompetch. — O que quero dizer é... ah, agora me lembro. Pouco antes de o senhor sair do
buraco, houve um chamado do...
— Cale a boca, Mike! — gritou Gorlat. — Você ainda nos deixa loucos com essa
conversa.
Tompetch calou-se; parecia ofendido. Mas conseguira despertar a atenção de
Rhodan.
— Quem chamou, tenente?
— O microcomunicador instalado no veículo, Sir — respondeu Tompetch. —
Estava querendo fazer a ligação, pois pensava que era Bell que chamava da nave. Mas,
nesse instante, o capitão saiu do buraco e tudo foi tão rápido que nem sei mais o que
aconteceu.
Rhodan inclinou-se para a frente e ligou o microcomunicador. Irradiou a mensagem
usual de “chamado, favor responder”. A resposta foi imediata. A voz nervosa de Bell
perguntou:
— O que houve? Por que não deram nenhum sinal de vida?
— Não houve necessidade — respondeu Rhodan. — Você chamou há pouco?
— Não — respondeu Bell prontamente. — Fiquei sentado diante dos instrumentos,
prestando a maior atenção. Por quê?
— Depois explico. Daqui a pouco estaremos de volta.
Desligou e virou-se para Tompetch:
— O senhor disse que o microcomunicador chamou. Como foi mesmo?
A pergunta deixou Tompetch confuso.
— Bem, foi a mesma coisa de sempre. A luz de aviso acendeu-se.
— Por muito tempo?
— Sim, naturalmente. Isto é... não sei dizer exatamente. Como já falei, o Capitão
Gorlat saiu do buraco que nem um louco, e depois foi aquela confusão.
Alguém riu. Foi Atlan, o arcônida.
— Procure lembrar-se — insistiu Rhodan. — No momento em que Gorlat entrou no
carro, a lâmpada ainda estava acesa?
— Não senhor—respondeu Tompetch. — Estava muito nervoso, mas tenho certeza
de que teria notado a luz-aviso, se estivesse acesa.
Alguém o interrompeu. Tompetch bateu na testa e disse:
— Mas é claro! Como sou idiota! Estava pensando: quando Gorlat chegar, poderá
receber o chamado. Sabe, Sir, quando há um capitão por perto, um tenente não deve
responder ao chamado. Quando entrou no carro ia avisá-lo; na verdade, não entrou
propriamente, e sim voou para dentro do carro. Mas, em primeiro lugar, tinha coisa mais
importante a fazer e, além disso, vi que a lâmpada não estava mais acesa. Agora me
lembro perfeitamente, Sir.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Ainda bem — suspirou em tom irônico.
— Isso tem algum significado especial? — perguntou Tompetch imediatamente. —
O que quero perguntar é se existe uma relação entre isso e a explosão...
— Por favor, Sir — disse Gorlat, dirigindo-se a Rhodan. — Avise-me assim que ele
o deixar nervoso. Acho que só eu conseguirei reduzi-lo ao silêncio.
Rhodan soltou uma risada.
— Deixe para lá, capitão. Ele nos proporcionou uma pista muito importante. Quanto
à sua pergunta, Tompetch, a resposta é a seguinte: Ainda não sei.
Dali a alguns segundos, uma esfera de sessenta metros de altura emergiu da
escuridão; era a K-238. Reginald Bell já recebera ordens de abrir a comporta de carga.
Gorlat fez subir o veículo e deixou-o entrar pela grande escotilha.
Rhodan pegou o psicógrafo e pediu aos companheiros que comparecessem quanto
antes à sala de comando.

***
O elemento mais importante de que dispunha Rhodan eram dois diagramas
funcionais; um provinha do psicógrafo e outro, do registro acoplado ao
microcomunicador do veículo.
O psicógrafo funcionara durante 15 minutos e registrara um diagrama que, uma vez
efetuada uma redução de 1:72.000 na respectiva abscissa, constituía prova evidente de
que na caverna subterrânea “alguma coisa” pensara.
No fundo, o psicógrafo era um aparelho primitivo. Registrava os débeis campos
eletromagnéticos que acompanham toda e qualquer atividade intelectual. Até certo ponto,
a intensidade e a freqüência desses campos davam a medida da inteligência do ser
pensante. O psicógrafo não era capaz de decifrar pensamentos; apenas constatava a
presença da atividade intelectual. Em virtude dessa capacidade, alguns engraçadinhos o
brindaram com o apelido de “radar intelectual”.
O segundo elemento oferecido por Rhodan foi o diagrama funcional do
microcomunicador. Esse aparelho registrara um sinal que tivera a duração de cinco
segundos e meio, e que se desdobrara em dois grupos de hiperondas, reproduzidos no
diagrama sob a forma de ressaltos pontudos. Na outra dimensão temporal a duração do
sinal fora de cerca de setenta e seis microssegundos.
Por maior que fosse o desdobramento, as duas pontas não apresentavam a menor
articulação. Representavam apenas dois impulsos energéticos que o receptor captara a um
curto intervalo. Concluía-se que a transmissão não tinha a finalidade de comunicar
alguma coisa ao receptor.
Era apenas um sinal, e Rhodan não tinha a menor dúvida de ser este o sinal que
provocou a explosão subterrânea.
— Primeiro: no interior da caverna, vivia um ser pensante e inteligente. É de se
supor que procurou comunicar-se comigo por via telepática. Mas, em virtude da diferença
das dimensões temporais, senti a mensagem telepática apenas sob a forma de uma dor de
cabeça.
“Segundo: no interior da caverna, estava escondido algum explosivo. No momento
em que o ser desconhecido estava entrando em contato comigo, ou melhor, tentava
estabelecer o contato, o explosivo foi detonado por meio de um impulso vindo de fora. A
hipótese mais plausível é a de que algum desconhecido teve conhecimento do contato e
que este não lhe agradou. Sua reação foi imediata: fez ir pelos ares a caverna juntamente
com a inteligência desconhecida. Provavelmente pretendia destruir-nos também. Porém,
nossa dimensão temporal é muito mais rápida que a dele, e conseguimos safar-nos em
tempo.”
Ficou em silêncio.
— E o fantasma? — perguntou Atlan.
— Não sabemos — confessou Rhodan. — Ao que parece, pertence à inteligência
desconhecida destruída pela explosão. Evidentemente quis levar-nos para junto dele.
Atlan fez um gesto afirmativo.
— Há outro detalhe — acrescentou. — Você teve dor de cabeça? Quando foi que
sentiu-se melhor?
Rhodan parecia esperar por essa pergunta.
— No momento em que peguei a corda e comecei a subir — respondeu
prontamente. — Acho que o alcance da capacidade telepática da inteligência
desconhecida é bastante limitado.
O arcônida respirou profundamente.
— Quer dizer que só falta descobrir quem ou o que é o fantasma, qual é a ligação
entre ele e os fatos que se verificaram e para onde desapareceu. O certo é que na caverna
não conseguimos encontrá-lo.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Isso e mais uma coisa — acrescentou. — Por que a caverna tinha uma entrada?
Atlan lançou-lhe um olhar de espanto.
— Por quê...? Ah, sim. Você acha que um fantasma não precisa de um caminho
aberto. Ele se move através de paredes sólidas com o mesmo desembaraço com que nós
atravessamos o ar. É isso que você quer dizer?
— Mais ou menos — confirmou Rhodan. — No interior da caverna, não havia
nenhum aparelho móvel. Tudo estava firmemente pregado ou embutido. Acontece que o
fantasma passou por uma série de escotilhas fechadas. Para que serve, ou melhor, para
que serviu, a galeria?
“É claro que as hipóteses são numerosas. Poderia ter servido, por exemplo, à
renovação de ar. Mas, para isso, não seria necessário cavar uma galeria de um metro e
meio. Talvez também tivesse servido para introduzir os aparelhos, que evidentemente no
se encontravam lá a partir de certo momento. Porém para introduzir os aparelhos, teriam
construído uma galeria reta, nunca uma galeria curva.
“Quer dizer que estas hipóteses não nos satisfazem. Tenho certeza de que havia um
motivo bem forte para que a caverna tivesse um acesso desse tipo.”
Fez uma pausa e depois recomeçou sorrindo:
— Posso formular uma suposição. É claro que, por enquanto, esta não se apóia em
qualquer prova; mas é possível que ainda acabemos encontrando essa prova. Na minha
opinião os habitantes da caverna eram inteligências nativas, subjugadas por algum
desconhecido. Não sabemos que serviço prestavam ao ser que as oprimia. De qualquer
maneira, procuraram entrar em contato conosco. Talvez tivessem mesmo o desejo de que
nós as libertássemos. Mas o desconhecido ficou sabendo disso, e sua reação foi rápida e
brutal.
Atlan ouvira-o atentamente. Depois de algum tempo, ponderou:
— Isso é apenas uma hipótese, não é? Se nos guiarmos estritamente pela mesma e
daqui por diante admitirmos que qualquer fantasma é o espírito de uma inteligência
oprimida de Solitude, poderemos sair prejudicados. Concorda?
Rhodan soltou uma risada.
— Não se preocupe, almirante. Sei perfeitamente qual é o valor de uma hipótese.
Apenas pensei que deve haver um motivo para que o desconhecido procurasse evitar o
contato. E o motivo mais simples seria este: a inteligência de Solitude sabia alguma coisa
que nós não devemos saber. Por isso, devemos procurar descobrir outro fantasma e cuidar
para que desta vez o desconhecido não possa interromper nossa palestra.
Atlan não fez nenhuma objeção.
— É claro que só poderemos fazer isso se em Solitude houver outros seres dessa
espécie — disse.
Rhodan lançou-lhe um olhar de desconfiança.
— Ninguém me convencerá, almirante, de que qualquer raça que tenha uma
existência física, seja ela qual for, seja representada por um único exemplar.
4

Durante todo esse tempo, o computador positrônico trabalhava ininterruptamente.


A uma indagação intermediária respondeu que só dali a cinco ou seis horas seriam
fornecidos os primeiros resultados parciais.
Rhodan mandou que os homens descansassem. Não se surpreendeu quando Atlan
não concordou com a sugestão, dizendo que preferia ficar na sala de comando a ser
surpreendido mais uma vez por um pequeno homem em seu camarote.
Rhodan sabia que o verdadeiro motivo não era este. Atlan tinha uma idéia e não
queria guardá-la para si por muito tempo.
— Administrador, você já pensou — disse em tom bem-humorado — que o
desconhecido opressor das pobres inteligências de Solitude talvez não fique satisfeito
com o resultado alcançado? É possível que não acredite piamente que a explosão nos
tenha reduzido a pó, e venha dar uma olhada. Pode ser que já esteja por perto, preparando
seus foguetes.
Rhodan sorriu.
— A idéia não deixa de ser brilhante, almirante. Se você não tivesse lembrado essa
possibilidade, eu teria esquecido.
Atlan piscou os olhos.
— Tomara que você engasgue com a mentira, bárbaro — resmungou com uma
contrariedade fingida. — Por que não nos preparamos?
— Porque temos tempo de sobra — respondeu Rhodan.
— Por que tem tanta certeza disso? Se estiver por perto, poderá atacar a qualquer
momento.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Admitamos que esteja por perto. A que distância? Mil quilômetros? Pois bem. O
que poderá fazer? Poderá disparar foguetes ou outras armas contra nós. Admitamos a pior
das hipóteses: que tenha um desintegrador, cujo campo de descristalização se expanda à
velocidade da luz. Qual é a velocidade da luz?
Atlan levou algum tempo para compreender a finalidade da pergunta. Quando a
entendeu, ficou aborrecido de verdade.
— Como pude ser tão idiota!? — exclamou, interrogando-se e batendo contra a
testa. — Neste universo o tempo corre setenta e duas mil vezes mais devagar que no
nosso. É claro que essa variação também atinge a velocidade da luz. Quer dizer que por
aqui é pouco superior a quatro quilômetros por segundo, não é?
— Quatro vírgula dezessete quilômetros para sermos mais exatos — respondeu
Rhodan. — Quer dizer que se alguém disparar contra nós de mil quilômetros de distância,
de uma nave espacial, por exemplo, a respectiva energia se deslocará à velocidade da luz,
e quatro minutos se passarão entre o momento do disparo e o do impacto. Isso será mais
que suficiente para que nossos instrumentos façam a detecção do ataque e a nave se
afaste. Ainda acontece que uma nave que se aproximasse a mil quilômetros seria
localizada mesmo que não disparasse.
Atlan gemeu.
— Onde estive com minha inteligência? Não é nada agradável ser sobrepujado por
um bárbaro.
— Existe coisa muito pior — disse Rhodan com uma risada. — Mas deixemos as
brincadeiras de lado. Até parece que em Solitude poderemos matar dois coelhos de uma
cajadada. Em primeiro lugar, temos chance de descobrir onde ficou o planeta Peregrino;
e, em segundo lugar, teremos oportunidade de ver os druufs. Acho que não há a menor
dúvida de que foram eles que hoje de noite mataram as inteligências de Solitude de forma
tão cruel.
— Não há mesmo — concordou o arcônida. — A não ser que se admita que as
inteligências de Solitude se identificam com os druufs. Mas essa hipótese dificilmente
será sustentável depois de tudo que já sabemos.
— Nesse caso — completou Rhodan — teríamos de admitir que existe alguém mais
poderoso que os druufs. E só de pensar isso começo a transpirar de medo.
Atlan fez um gesto de concordância.
Naquele instante, o aparelho automático de localização deu o alarma. Rhodan fez
uma rápida leitura e transmitiu o alarma para toda a nave.
— Oito unidades desconhecidas acabam de emergir por trás do sol e aproximam-se
de Solitude — disse, dirigindo-se ao arcônida. — Distância de dez mil quilômetros.

***

Por enquanto, a K-238 não tinha muita coisa a fazer. Limitou-se a esperar. O
aparelho de localização registrou as trajetórias dos objetos desconhecidos e concluiu que
deviam ser tripulados, ou então estavam equipados com mecanismos de pilotagem
automática muito sofisticados, pois manobravam ininterruptamente. Não havia nenhum
motivo para acreditar na existência de mecanismos automáticos de pilotagem, motivo por
que a primeira hipótese foi considerada mais provável.
Uma hora depois do primeiro alarma, as naves desconhecidas praticamente não
haviam chegado mais perto, isso porque se deslocavam a uma velocidade não superior a
trezentos metros por segundo. Convertida para a dimensão temporal dos objetos, isso
correspondia a uma velocidade de 22 mil quilômetros por segundo, que era
extraordinariamente elevada para uma unidade que se encontra nas imediações de um
planeta. Chegou-se a conclusão de que os desconhecidos estavam com muita pressa.
Duas horas se passaram sem que se conseguisse descobrir quais eram as intenções
das naves. O nervosismo começou a espalhar-se pela sala de comando da K-238.
Dentro de três horas e meia, quatro das oito naves iniciaram uma manobra de
frenagem a mais de seis mil quilômetros, imobilizando-se algum tempo depois disso.
As quatro naves restantes mantiveram a velocidade inicial e, dali a mais duas horas,
desapareceram na sombra de Solitude. Ao que tudo indicava, pretendiam pousar na face
diurna do planeta.
Foi só então que Rhodan começou a agir. No momento em que não havia mais
dúvida de que as primeiras quatro naves se conservavam na mesma posição, a K-238
decolou. A intenção do inimigo era formar uma espécie de cordão de segurança bem
acima das camadas mais elevadas da atmosfera, a fim de garantir a retirada das outras
naves.
Enquanto o girino subia obliquamente, Atlan deu ordem para que o computador
positrônico interrompesse seus cálculos a fim de, com base na rota registrada pelos
instrumentos, apurar o local provável onde pousariam as quatro naves inimigas. Uma vez
que dispunha de todos os dados necessários, o problema já estava resolvido com pequena
margem de erro, quando a nave saiu da atmosfera de Solitude e prosseguiu na horizontal.
Atlan não fez nenhuma objeção a que o computador voltasse a dedicar-se à sua tarefa
primitiva, isto é, calcular o momento em que o planeta Peregrino passou perto de
Solitude.
Rhodan imprimiu à nave uma velocidade de quinze quilômetros por segundo. Para
poder seguir a curvatura da superfície do planeta, viu-se obrigado a imprimir à nave uma
aceleração radial, que a evitaria derivar para o espaço.
Uma vez estabilizada a rota, julgou chegado o momento de explicar o que pretendia
fazer.
— Vamos dar uma olhada nas quatro naves desconhecidas — disse. — Isso não
representará o menor risco, pois face à sua dimensão temporal muito mais lenta estarão
praticamente indefesas diante de nós. O assunto não tem a menor ligação com a tarefa
propriamente dita que nos trouxe para cá: a localização do planeta Peregrino. Mas acho
que não devemos perder a oportunidade de ver de perto esses seres desconhecidos, que
provavelmente não são outros senão os druufs.
Dali a pouco, a K-238 sobrevoou o limite das zonas noturna e diurna, e voltou a
mergulhar na luz verde do sol que se destacava contra o fundo purpúreo do espaço. O
dispositivo automático iniciou a manobra de frenagem antes que fosse atingido o ponto
anteriormente determinado. Desacelerando fortemente, a nave voltou a penetrar na
atmosfera, seguindo uma rota retilínea em direção à superfície do planeta.
Nas telas, surgiu uma planície imensa, coberta principalmente de arbustos e cortada
por uma série de largos rios. Rhodan fitou o terreno com certo desagrado e, dirigindo-se a
Atlan, disse:
— Até parece que estamos numa bandeja. Não estou gostando nem um pouco. Se
descobrir um bom esconderijo, não deixe de avisar, almirante.
Acontece que nem o almirante, nem o detector de contornos, que funcionava como
uma espécie de sonda de microondas, conseguiu descobrir qualquer irregularidade do
terreno que representasse uma diferença superior a quinze metros em relação ao nível
geral da planície. E a K-238 tinha a altura nada desprezível de sessenta metros. Mesmo
na hipótese mais favorável, quarenta e cinco metros sobressairiam do esconderijo.
De repente, este ponto perdeu todo interesse, pois Reginald Bell anunciou que seus
instrumentos não conseguiam localizar as quatro naves que deveriam pousar nesta área,
nem as outras quatro, que haviam permanecido lá em cima. O espaço adjacente estava
vazio, como se as naves desconhecidas tivessem sido varridas dali.
Rhodan fez uma ligeira inspeção do mecanismo de localização e constatou que este
continuava a funcionar impecavelmente. Mas não conseguiu descobrir qualquer
explicação para o desaparecimento repentino dos oito veículos espaciais. Quando disse
isso, Atlan sorriu e respondeu:
— O fato faz crescer minha autoconfiança, bárbaro. Qual é mesmo a velocidade da
luz neste universo?
— 4,17 quilômetros por segundo — respondeu Rhodan em tom de perplexidade. —
Por quê... Ah, sim! Devemos considerar estes fenômenos.
Bell e Tompetch fitaram-no com uma expressão de espanto. Até no rosto sorridente
de Gorlat, surgiu uma expressão que parecia ser de incompreensão.
— É claro que a velocidade da luz sofre a mesma alteração que todos os valores
ligados ao tempo — explicou Rhodan. — Em Solitude, e de modo geral em todo este
espaço, esta é, conforme já disse, de 4,17 km/seg. Durante o vôo que acabamos de
realizar, a K-238 desenvolveu uma velocidade muito maior. Quer dizer que houve um
fenômeno estranho. Sem recorrer a um meio de transporte de grau superior, como o
hiperespaço, um objeto deslocou-se a uma velocidade maior que a velocidade-limite
permitida pela natureza. O que se conclui dali?
— Para realizar um exercício intelectual, direi que, quando um objeto ultrapassa a
velocidade da luz sem utilizar um meio de transporte de ordem superior acarretará uma
perda de causalidade — pelo tom da voz de Bell, deduzia-se que havia decorado o texto,
fato que não deixou de confessar: — Para dizer a verdade, li isto no manual. Gostaria que
alguém me explicasse o que significa.
Piscou para Rhodan, e este perguntou a si mesmo o que realmente pretendia.
Reginald Bell, que havia adquirido com Perry Rhodan todo o conjunto do saber arcônida,
por meio do processo de aprendizagem hipnótica, não seria incapaz de dar resposta às
perguntas-limite da natureza. Queria que alguém tivesse oportunidade de salientar-se.
Quem seria?
— Posso explicar, Sir — disse Tompetch, que se encontrava num ponto mais
afastado. — A perda de causalidade manifesta-se da seguinte forma: se aciono uma chave
e posso fazer com que a corrente elétrica se desloque à velocidade superior à da luz, a
lâmpada se acenderá antes que eu tenha acionado a chave.
Bell sorriu de maneira que Tompetch não o viu.
— Muito bem, tenente — disse Rhodan com um sorriso. — Quer dizer que, embora
não estejamos assistindo propriamente a uma inversão no tempo, defrontamo-nos com
um fenômeno que traz as mesmas conseqüências. A perda de causalidade não pode ser
explicada por meio de um exemplo concreto; ao menos não em todo o conjunto do
fenômeno. Mas pode-se inventar exemplos, como o que o Tenente Tompetch acaba de
citar, ou o de oito naves espaciais que há pouco ainda estavam ali, mas subitamente
desapareceram.
— O último exemplo é mais elucidativo — disse o arcônida — já que não é
inventado, conforme acabamos de ver.
Bell fez menção de falar, mas o imortal prosseguiu:
— Para encerrar o assunto, direi que não sabemos até que ponto eliminamos a
causalidade. Ignoramos se as oito naves estiveram aqui muito antes de nós e
desapareceram ou se virão depois, talvez dentro de algumas horas ou daqui a vários
milênios. São coisas que não sabemos. Acho que, apesar de tudo, devemos pousar e dar
uma olhada. Isso porque, de qualquer maneira, pretendíamos procurar uma segunda
inteligência do planeta Solitude.
— Nenhuma objeção, almirante — disse Rhodan com uma risada. — Vamos pousar.

***

A K-238 estava pousada numa depressão do terreno. Não era a mais profunda que
existia na área, mas foi aquela em que a nave pôde ser introduzida com maior facilidade.
E pouco importava que o topo da nave se erguesse quarenta e cinco ou cinqüenta metros
acima da planície.
Desta vez, Reginald Bell e Rhodan deixaram a K-238 num Câmbio para fazer seu
reconhecimento. Atlan, Gorlat e Tompetch permaneceram a bordo.
Rhodan ainda não se dera o trabalho de equipar seu relógio com um conversor e um
novo mostrador, para que indicasse o tempo de Solitude. Teve de verificar a posição do
sol para constatar que já estava no fim da tarde, e que poderiam contar no máximo com
três horas de luz do sol. Depois teriam de usar os aparelhos de luz infravermelha.
No início, a grande planície apresentou-se com uma monotonia cansativa. Os
arbustos que a cobriam quase sem a menor interrupção nunca se erguiam a mais de dois
metros acima do solo. As árvores eram tão raras que facilmente poderiam servir de
pontos de referência ao caminhante solitário.
O veículo cruzou dois rios, que eram de uma largura extraordinária, mas não
introduziram nenhuma variedade no quadro monótono.
Depois de uma hora e meia de viagem, Rhodan fez meia-volta e dirigiu o veículo
para a K-238. Mas seguiu por outra rota mais curta, a fim de não perder tempo. Quando
seus olhos já estavam tão cansados e começavam a doer, descobriram uma abertura no
solo.
Era uma abertura pequena, que mal aparecia em meio aos arbustos e à folhagem.
Rhodan baixou o veículo e manteve-o suspenso por cima dos arbustos, pois não
encontrou nenhum local adequado para pousar. Bell saltou ao solo, praguejou por causa
dos espinhos que lhe arranharam o rosto e examinou cuidadosamente a abertura.
Constatou que as paredes internas desta estavam revestidas da mesma massa plástica
vitrificada que cobria o recinto onde haviam descoberto os seres de Solitude.
— Tudo em ordem! — gritou Bell. — Vamos logo, senão os druufs ainda acabarão
desconfiando.
Bell esforçou-se o mais que pôde para subir por um galho bem grosso, a fim de
poder alcançar ao menos a borda inferior do veículo. Assim que conseguiu, lançou um
olhar de recriminação para Rhodan e disse:
— Tomara que da próxima vez você não se prevaleça da diferença de graduação e
vá pessoalmente.

***

A apenas oitenta metros da abertura, Rhodan encontrou um local para pousar.


Tratava-se de uma das raras clareiras em meio aos arbustos, que mal podia abrigar o
veículo, desde que esse empurrasse para o lado alguns dos galhos. Assim que pousou,
informou Atlan sobre a descoberta e pediu-lhe que preparasse o equipamento já
combinado, e que ele e Gorlat atentassem para o momento em que viriam buscá-los.
Reginald Bell descarregou as armas que se encontravam no Câmbio. Uma vez feito
isso, Rhodan voltou ao girino a fim de trazer os três homens e os equipamentos.
O Capitão Gorlat tomara todas as cautelas durante o tempo de sua ausência.
No momento em que o Câmbio saiu da comporta de carga, os campos defensivos
que isolavam por completo a nave das áreas adjacentes fecharam-se automaticamente. Só
seriam desativados por meio de um código de que só existiam dois exemplares. Um deles
encontrava-se no bolso de Rhodan, enquanto o outro foi depositado em local seguro, nas
proximidades da K-238.
O Tenente Tompetch permanecera até o último instante junto aos instrumentos de
localização, e constatara que as oito naves desconhecidas não voltaram a aparecer.
Quando o veículo pousou na pequena clareira, Reginald Bell continuava sentado ao
lado das armas descarregadas do mesmo. Até parecia que o curto momento de solidão
bastara para fazê-lo mergulhar num estado de melancolia provocado pela paisagem
desolada.
De início, os aparelhos foram deixados na área em que o veículo acabara de pousar.
Rhodan não se apressou. Preferiu expor mais uma vez todos os detalhes de seu plano.
— Nosso objetivo principal consiste em evitar qualquer interferência dos druufs
enquanto estivermos em contato com as inteligências de Solitude — disse. — Isso
significa que não devemos deixar o sinal de rádio de duas pontas detonar o explosivo que
provavelmente também está depositado nesta caverna. Por certo conseguiremos atingir
esse objetivo, usando um emissor de interferência. Esse emissor trabalha em nossa
dimensão temporal, o que significa que é muito mais rápido que o transmissor dos
desconhecidos. Foi regulado de maneira a irradiar o sinal de interferência assim que
chegue o sinal de detonação. Os dois sinais neutralizam-se mutuamente. Para não correr o
menor risco, ainda criaremos um campo defensivo em torno da entrada da caverna, que
impedirá a penetração de qualquer interferência vinda de fora.
“Além de tudo, um de nós ficará constantemente junto ao pequeno aparelho de
localização que trouxemos. Se as oito naves desconhecidas voltarem a aparecer, teremos
de ser informados imediatamente.
“Por fim, dispomos dos mecanismos de que precisamos para estabelecer contato
com as inteligências de Solitude: um psicógrafo, um reforçador telepático, um
armazenador de dados e um aparelho de condensação, que reduzirá a transmissão
telepática que for captada e armazenada a uma dimensão temporal aceitável.
“Antes de mais nada conviria dizer: a tarefa que temos diante de nós talvez exija
algumas semanas. Se os contatos com as inteligências de Solitude se revelarem
promissores, o que verificaremos dentro de dois dias, talvez possamos deixar o aparelho
de armazenamento na caverna e cuidar de outra coisa. Afinal, não é de esperar que,
depois de terem tomado conhecimento de nossa presença, os druufs nos deixem em paz
para todo o sempre.”
Fitou os companheiros um por um e viu que ninguém queria dizer nada.
— Será preferível começarmos logo — disse. — Só dispomos de alguns minutos de
luz solar.
Colocaram o transmissor de interferência e o gerador de campo de bloqueio junto à
entrada da caverna. O transmissor foi colocado cerca de dez metros do gerador, a fim de
que os dois aparelhos não se influenciassem mutuamente através de efeitos colaterais.
O Tenente Tompetch já havia assumido seu posto junto ao aparelho de localização;
Reginald Bell, que serviria de elemento de ligação, também se manteve fora do campo de
bloqueio. O Capitão Gorlat postou-se no interior desse campo, junto à entrada da caverna.
A Rhodan e ao arcônida, caberia entrar em contato com as inteligências de Solitude.
Muito curioso, Rhodan penetrou na galeria sem esperar o arcônida e avançou até o
fim, onde encontrou um recinto igualzinho ao que descobrira perto do lugar onde haviam
pousado pela primeira vez.
Atlan seguiu-o. Rhodan saltou para o chão do recinto, parou diante dos caixões e,
dali a alguns minutos, sentiu a mesma dor de cabeça que na noite anterior lhe incutira a
idéia de que nesse subterrâneo devia estar escondido um ser pensante.
Ligou o aparelho de armazenamento com o condensador temporal e colocou-o junto
ao caixão mais próximo. Regulou-o de tal maneira que o aparelho de reforço telepático
recolhia os impulsos expedidos, reproduzindo o pensamento original por meio do
condensador. Inverteu os pontos de entrada e saída deste último, motivo por que o
aparelho deixou de servir de condensador, passando a desempenhar as funções de
amplificador, que adaptava a velocidade do pensamento à dimensão temporal das
inteligências de Solitude.
Depois de convencer-se de que os aparelhos funcionavam perfeitamente, colocou na
cabeça o arco metálico de reforço telepático e procurou formular o pensamento:
— Somos seus amigos. Queremos ajudar.
Achou mais fácil pronunciar as palavras. Atlan, que também já havia descido da
galeria e examinava as paredes do recinto, virou-se espantado.
Rhodan tirou o arco metálico.
— Até que ele compreenda isso, deverá passar-se pelo menos uma hora.
— Nesse caso você tem tempo para dar uma olhada nisto — disse Atlan, fazendo
um gesto com a mão. — Venha cá. Acho que encontrei uma coisa interessante.
Rhodan espremeu-se entre os fios pendurados e os aparelhos amontoados e, quando
se encontrava ao lado do arcônida, viu uma caixinha, do tamanho aproximado de um
armário de remédios, que estava pendurada na parede. Um único fio penetrava pela parte
lateral da caixinha. Seguiu o fio e descobriu que saía de um aparelho formado
exclusivamente por duas bobinas. Numa delas, o fio estava enrolado densamente,
enquanto na outra estava bem frouxo.
— Não! — disse em tom incrédulo e enfático. — A coisa não pode ser tão simples
assim.
— De qualquer maneira, aposto que a bomba está nesta caixinha — disse Atlan,
tocando o “armário de remédios”.
Rhodan voltou a examinar o aparelho formado por duas bobinas. Verificou que não
havia dúvida de se tratar de uma espécie de indutor de faísca, ou seja, um mecanismo que
transforma a corrente alternada de baixa tensão em corrente de alta tensão; o trecho
destinado à faísca estava incluído no duto secundário. A bobina primária recebia a
corrente de um pequeno gerador, que era colocado em movimento pelo sinal de rádio de
duas pontas.
A trajetória da faísca ficava no interior do corpo explosivo, guardado na caixinha
presa ao armário. Bastaria interromper qualquer dos dois dutos de energia para desativar
a bomba. Rhodan pegou o fio que levava do gerador à bobina primária do indutor e
arrancou-o.
— Muito bem — disse. — Isso está liquidado.
No mesmo instante, a dor de cabeça que até então sentira ininterruptamente cessou.
Sentiu-se perplexo e, por algum tempo, pensou que a ruptura do fio poderia ter
perturbado alguma função vital da inteligência do planeta Solitude. Mas logo se deu
conta de que esse ser evidentemente teria de irradiar pensamentos assim que captasse os
impulsos transmitidos pelo condensador temporal. A coincidência no tempo foi
puramente casual.
Suspirou aliviado e, apontando para os seis caixões, disse a Atlan:
— Começo a compreender.
O arcônida ergueu as sobrancelhas, num gesto de espanto.
— Como sabe disso? A dor de cabeça acabou?
— Isso mesmo.
Atlan olhou para o relógio.
— Ainda falta uma hora — murmurou.
— Podemos aproveitar o tempo para compreender melhor as coisas que existem
aqui embaixo.
O arcônida virou a cabeça e passou os olhos de um instrumento para outro. Escolheu
um que lhe parecia relativamente pouco complicado. Aproximou-se e examinou-o
atentamente.
Rhodan ouviu-o resmungar, mas não compreendeu uma palavra do que dizia. Achou
que a idéia de Atlan, de que não deveriam perder tempo, era perfeitamente razoável.
Olhou em torno para descobrir outro aparelho que pudesse examinar com alguma
possibilidade de êxito.
Mal acabara de escolher um deles, aconteceu uma coisa que frustrou todos os
planos.
Foi tudo tão rápido que mais tarde nem Rhodan, nem o arcônida saberiam dizer
como haviam percebido a súbita alteração. Numa fração de segundo, a temperatura no
interior do recinto subiu de tal forma que os dois homens quase não conseguiram respirar.
Ao mesmo tempo, um rugido surdo encheu o recinto. Com o rosto voltado para a parede
lateral, Rhodan notou que o fio que levava para a bobina primária do indutor, e que fora
arrancado poucos segundos antes, caíra ao chão.
Foi este o fator decisivo, ao menos para ele...
No mundo estranho, muito mais lento, o fio teria levado algumas horas para atingir
o solo. Não sabia o que havia acontecido, mas intuía que houvera uma modificação das
dimensões temporais.
Com Atlan, o arcônida, as coisas foram diferentes. Lembrou-se de já ter sentido uma
elevação tão súbita da temperatura como esta. Foi no momento em que a explosão teve
início na outra caverna. Passou agilmente entre os fios e aparelhos, tendo o cuidado de
não danificar nada, e subiu à galeria.
— Rhodan! — gritou. — Mexa-se, homem! A bomba está explodindo.
Só então percebeu o ruído surdo que enchia o recinto e percebeu que este de forma
alguma combinava com o quadro que tinha na lembrança. A calma de Rhodan, que
continuava parado, foi a gota que fez o caldo entornar. Saltou da boca da galeria,
encostou a mão a uma caixa metálica alta e sentiu-a vibrar. Encostou o ouvido ao metal e
escutou um zumbido grave.
O ruído vinha dos aparelhos.
Viu que Rhodan tirara o pequeno rádio e falava apressadamente. Compreendeu parte
da resposta, que vinha da boca do Capitão Gorlat.
— De repente esquentou muito. Há uma tempestade forte...
Rhodan acenou com a cabeça e disse:
— Vamos subir.
Atlan voltou à galeria e subiu. Rhodan seguiu-o.
— O que houve? — perguntou o arcônida. — O que significa tudo isso?
Com uma estranha calma na voz, Rhodan respondeu:
— Ou alguém nos atirou para a outra dimensão temporal, ou então alguma coisa fez
com que todo o planeta Solitude passasse à nossa dimensão. É claro que não tenho
certeza sobre qual das duas alternativas é a correta. Lá em cima veremos.
Um véu parecia cair dos olhos de Atlan.
Naturalmente; só podia ser isso. A dimensão temporal dos terranos já não era
diferente daquela que regia os aparelhos e a inteligência de Solitude, nem daquela que
guiava os arbustos e outras plantas que cresciam na planície. Por isso, voltaram a ouvir o
zumbido dos aparelhos e a sentir o vento. Eram coisas que até então se processavam tão
devagar que não conseguiam ouvi-las.
E o calor surgido de repente? Atlan enxugou o suor da testa e, muito espantado,
contemplou a mão molhada.
“De onde vinha esse calor?”, pensou. “O que é a temperatura? Apenas a medida da
velocidade média das moléculas. É claro que agora as mesmas se movem com maior
rapidez que antes, e assim a temperatura tem de subir abruptamente no momento em que
as duas dimensões temporais se igualam. Que diabo! Quem as igualou?”
Naquele momento, uma corda bateu em seu rosto. Sem interromper seu raciocínio,
segurou-a e puxou-se para cima. O Capitão Gorlat, que se encontrava junto à entrada da
galeria, já recuperara a calma. Em seu rosto, via-se um sorriso amável.
Atlan afastou-se da entrada da galeria e admirou-se com a maciez do capim.
“É uma tolice a gente admirar-se com isso”, pensou no mesmo instante. “É claro
que o capim também não escapa aos efeitos da modificação de sua dimensão temporal.”
Rhodan saiu da galeria atrás dele.
— Desligue o campo de bloqueio! — gritou para Gorlat antes de vir à tona.
Gorlat obedeceu. O ligeiro tremeluzir, que até então cobria a entrada da caverna
como uma abóbada brilhante, cessou de repente. Por cima do farfalhar do vento, ouviu-se
o estalo dos arbustos e uma voz inconfundível, que praguejava:
— Que diabo! Não há quem agüente este calor.
— Venha cá! — chamou Rhodan. — O campo de bloqueio já foi desligado.
Reginald Bell saiu de entre os arbustos.
— Antes que você comece a falar, é bom que saiba que as oito naves voltaram a
aparecer nas telas de Tompetch! — exclamou.
Rhodan acenou com a cabeça como quem não esperava outra coisa.
— É evidente — disse. — E agora elas se deslocam com maior rapidez, não é?
— Isso mesmo; são muito mais rápidas — respondeu Bell.
— Preste atenção, Bell — disse Rhodan. — Quero que você e Atlan entrem no
buraco. Você já sabe o que aconteceu. Não precisamos mais do condensador temporal
para entrar em contato com a inteligência de Solitude. As duas dimensões temporais
foram igualadas. Um de vocês lhe explicará que somos seus amigos e queremos ajudar;
naturalmente procurarão descobrir se sabem alguma coisa sobre a passagem do planeta
Peregrino ou sobre os druufs. Tudo isso deve ser feito com a maior rapidez. Já não temos
a vantagem do tempo em relação aos druufs.
— O que pretende fazer? — perguntou Bell.
— Preciso cuidar da nave — respondeu Rhodan, que já estava de saída. — Não
sabemos o que aconteceu por lá. Gorlat, venha comigo. Atlan, explique-lhe que não
precisa preocupar-se com a bomba.
Desapareceu entre os arbustos, seguido pelo Capitão Gorlat.

***

Mike Tompetch estava sentado à frente do pequeno aparelho de localização. Viu que
quatro das oito naves desconhecidas desapareciam, enquanto as quatro restantes
começavam a descer, segundo lhe parecia, exatamente em direção ao lugar em que se
encontrava.
Naquele instante, os arbustos começaram a estalar perto dele e Rhodan surgiu à sua
frente, seguido de perto por Gorlat. Com um movimento rápido, Tompetch enxugou o
suor da testa e levantou-se de um salto.
Rhodan explicou em palavras ligeiras o que havia acontecido e disse que, em sua
opinião, os fenômenos eram devidos à igualização das duas dimensões temporais.
Tompetch disse que, embora sentisse muito calor, estava passando bem; não havia
motivo para preocupar-se com ele. Avisaria assim que as quatro naves desconhecidas se
aproximassem a menos de cinqüenta quilômetros.
Rhodan e Gorlat entraram no veículo. Rhodan foi na direção, levantou o veículo
verticalmente entre os arbustos e dirigiu-o em meio à noite para a K-238.
— Posso fazer uma pergunta? — disse Gorlat de repente.
— Fique à vontade — disse Rhodan. — O que deseja saber?
— A temperatura subiu de repente — disse Gorlat — assim que se verificou a
igualização das dimensões temporais. Isso é perfeitamente lógico; evidentemente, em
nossa dimensão temporal as moléculas se movem mais rapidamente que na outra. Mas se
a esse fenômeno se aplicasse o fator de distorção geral, que é de setenta e dois mil, a esta
hora já devíamos estar assando, não é?
Rhodan sorriu.
— Fico satisfeito em notar que o senhor me faz uma pergunta que não sei responder
— disse. — O senhor tem toda razão. A temperatura subiu, mas não na medida que seria
de esperar — deu de ombros. — É de supor que o fator de distorção não atinge todos os
fenômenos com igual intensidade. Não sei se esta resposta lhe serve; acontece que não
tenho outra, ao menos por enquanto.
Gorlat deu-se por satisfeito e olhou pela janela do veículo, procurando descobrir a
K-238 em meio à escuridão. Notou que a escuridão já não era marrom, mas negra ou
azul-escura. No entanto, é difícil atribuir qualquer cor à escuridão, e por isso resolveu
guardar essa idéia para si.
O que o deixou muito mais exaltado foi o fato de que não se via a K-238. Estava
escuro; mas um colosso como a nave devia ser visto mesmo na escuridão.
Sem dizer uma palavra, Rhodan virou a direção e fez o veículo descrever uma curva
fechada. O rastreador mostrou uma depressão larga, de dez metros de profundidade. Era a
depressão em que a K-238 havia pousado. Gorlat lembrou-se de que estivera num lugar
em que a depressão apresentava uma espécie de alargamento, numa extensão de algumas
centenas de metros. Esse alargamento foi projetado com toda nitidez na tela do rastreador.
Acontece que a nave não estava lá!
Rhodan parou o veículo e deixou-o descer lentamente na depressão. Gorlat dirigiu a
luz da lanterna para fora da janela e viu que não havia o menor sinal no chão. Os suportes
hidráulicos, que haviam sustentado a nave, não deixaram qualquer impressão no solo.
A K-238 desaparecera!
— Chame Tompetch! — disse Rhodan de sopetão. — Quero que ele nos diga o que
é feito das quatro naves desconhecidas.
Gorlat obedeceu.
A voz potente de Tompetch respondeu.
— Desceram a oitenta quilômetros — disse, respondendo à pergunta de Gorlat. —
Ali pararam e, depois de algum tempo, voltaram a subir. No momento, encontram-se a
duzentos quilômetros e sua velocidade é tamanha que até chego a supor que não têm a
intenção de voltar a Solitude.
— Não viu uma quinta nave? — perguntou Rhodan, inclinando-se de lado para
aproximar a boca do microfone que Gorlat segurava na mão.
— Não senhor — respondeu Tompetch em tom de espanto. — As outras quatro
naves continuam abaixo da linha do horizonte.
— Pois pegue seu aparelho — pediu Rhodan — e procure localizar a entrada da
caverna. Assim que tiver descoberto o lugar, queime alguns arbustos, com o
desintegrador, para que possamos pousar. Já não precisamos de qualquer posto avançado.
Entendido?
— Sim senhor — respondeu Tompetch. Rhodan moveu a direção, fez o veículo
subir rapidamente e, voando alto por cima dos arbustos, levou-o em direção à entrada da
caverna. Depois de algum tempo, viram uma sombra escura lá embaixo; era Tompetch,
que caminhava em meio à vegetação, arrancando ou empurrando para o lado tudo que se
interpunha em seu caminho. O vento soprava mais suavemente que antes, movendo agora
os arbustos.
Tompetch chegou à entrada da caverna. Fez o que Rhodan havia mandado: pegou o
desintegrador e, dentro de poucos segundos, limpou uma área de cerca de trinta metros
quadrados. Rhodan fez o veículo descer lentamente e pousou junto à entrada da caverna.
Tompetch aproximou-se do veículo, como se quisesse formular uma porção de
perguntas.
— A K-238 desapareceu — disse Rhodan. — Teremos de elaborar outro plano de
batalha. Chame Bell e o arcônida.
5

— Na verdade, a pergunta “quem é o responsável pela igualização das dimensões


temporais?” não assume maior importância — disse Rhodan ao concluir seu relato
lacônico. — É de supor que os druufs tenham um meio que lhes permita transferir para
sua dimensão temporal qualquer ser que se encontre em outra dimensão. No fundo, isso é
totalmente indiferente para nós.
“O fato é que temos de nos conformar com a idéia de que estamos vivendo na
dimensão temporal de Solitude. Enquanto aqui se passam vinte e quatro horas, lá fora, em
nosso Universo, só se passam 1,2 segundos. Mas não sabemos quais serão os efeitos do
deslocamento temporal, que se verificarão quando sairmos daqui.
“Ainda acontece que nossa nave desapareceu. A tarefa mais urgente a ser cumprida
consiste em encontrar um meio de sair de Solitude e voltar à Drusus. O problema de
descobrir a localização do planeta Peregrino ou saber novidades sobre os druufs é
secundário, embora seja de supor que eles se interessarão por nós. Ao que parece, alguns
deles ainda se encontram em Solitude. Sem dúvida, a K-238 não pode ter saído sozinha;
Tompetch não conseguiu localizá-la no espaço.”
“Estão todos com a cabeça abaixada”, pensou Rhodan, constatando. “Não estão
gostando da situação em que se encontram. Não é de admirar.”
Mudando de assunto, perguntou a Reginald Bell:
— Como estão as coisas lá embaixo? O ser de Solitude já mostrou alguma reação?
Bell fez que sim.
— Já. Captou os primeiros pensamentos emitidos por você e acredita que somos
seus amigos. Depois veio uma massa enorme de pensamentos estranhos, que não
compreendi. Acho que você devia descer.
Atlan interveio:
— Também não faço a menor idéia. Rhodan levantou-se.
— Muito bem; descerei para fazer outra tentativa. Pelo menos três homens deverão
ficar de guarda aqui em cima. Sei perfeitamente que todos não dormem há bastante
tempo, mas apesar disso peço-lhes que fiquem com os olhos bem abertos. É preferível
não dormir agora para não termos de dormir para sempre, não é?
Rhodan entrou na caverna. Atlan, o arcônida, seguiu-o.
Sem a menor hesitação, Rhodan saltou da galeria para o chão do recinto
subterrâneo. A primeira coisa que lhe chamou a atenção foi que, nesse meio tempo,
alguém colocara em funcionamento o pequeno gerador de corrente alternada. Fazia pelo
menos trinta rotações por segundo.
“Se não tivesse cortado o fio”, pensou Rhodan, “a esta hora já teríamos voado
pelos ares.”
Ouviu o arcônida saltar para fora da galeria.
— Foram vocês que ligaram? — perguntou Rhodan.
Atlan não sabia do que estava falando. Rhodan apontou para o gerador.
— Ah, o gerador? Não. Ora, veja só. Nossos amigos, os druufs, não gostam que
façamos uma visita ao nosso companheiro dos seis caixões.
Rhodan confirmou com um gesto.
— A esta hora, já devem ter descoberto que alguma coisa não deu certo com sua
bomba — disse. — É possível que não demorem em aparecer aqui para verificar o que
houve.
— Bem que eu gostaria que isso acontecesse — disse Atlan em tom zangado. —
Seria um prazer explicar-lhes o que acho desses ladrões de naves.
Rhodan sentou-se no chão, perto dos seis caixões, colocou o reforçador telepático,
segurou o arco metálico e colocou-o na cabeça. Depois fechou os olhos, para concentrar-
se, e disse:
— Sou seu amigo. Diga alguma coisa. No início, não houve nada além da escuridão
impenetrável.
Mas, subitamente, houve um clarão, que parecia rolar de um lado para outro,
conforme se notava de sua contextura apagada. A mancha luminosa tinha o formato de
um cilindro que tivesse sido aquecido várias vezes a ponto de derreter em alguns lugares,
mas que a essa hora já endurecera de novo.
Depois surgiu outra imagem: a imagem de um homem. No início, foi uma imagem
pálida, mas logo se tornou nítida, como se o pensamento fosse formulado de forma mais
enfática. Rhodan não se surpreendeu ao perceber que o homem era ele mesmo. Procurou
perceber o que estava fazendo. Não conseguiu, mas teve a impressão de que a
representação mental do encontro verificado entre ele e a inteligência de Solitude era
totalmente amistosa.
Compreendeu o sentido da primeira imagem: também sou seu amigo.
Sentiu-se satisfeito com o êxito tão rápido, e o ser de Solitude parecia ter notado a
satisfação; uma forte luminosidade passou pela imagem que Rhodan trazia na mente.
A luminosidade desapareceu, sendo substituída por outra imagem. Rhodan viu um
grande prado com um número imenso de vacas-marinhas que rolavam alegremente no
chão e, no que parecia, não tinham outra coisa a fazer senão deixar que o sol lhes
esquentasse a barriga.
“É uma simplificação”, pensou Rhodan imediatamente. “É claro que têm mais o que
fazer senão rolar pelo capim. A imagem quer dizer que são ou já foram felizes.”
De repente, a imagem sofreu uma modificação. No início, um setor da mesma foi
amplificado e logo após um objeto em forma de fuso surgiu junto a esse setor. Rhodan
não viu logo de que se tratava. Mas quando surgiu uma abertura nesse objeto, e uma série
de pontos luminosos passou a descer por uma rampa, teve a impressão de que devia ser
uma nave espacial. O que o irritou foi a perspectiva falsa. A imagem reproduzia a vaca-
marinha com o mesmo tamanho da nave.
O quadro deixou-o bastante excitado. Se não estivesse muito enganado, dali a pouco
teria oportunidade de ver alguns druufs a não ser que a inteligência de Solitude não
continuasse a projetar-se com o mesmo tamanho de uma nave espacial, e os druufs com o
tamanho de uma cabeça de alfinete.
A imagem sofreu outra modificação. Um dos pontos reluzentes foi alcançado pela
objetiva mental, e ampliado. Rhodan reteve a respiração, mas a única coisa que viu foi
um dos estranhos robôs dos druufs. O que era reproduzido na imagem possuía a forma de
um diamante que tivesse sido trabalhado por um lapidador embriagado. Era feito de uma
série de superfícies planas, todas elas diferentes umas das outras, formando os ângulos
mais diversos.
Outra imagem. O exército de robôs precipita-se sobre as vacas-marinhas que não
desconfiam de nada. Nem pensaram em defender-se, mesmo quando perceberam que
estavam sendo atacadas. Rhodan teve a impressão de notar que, toda vez que os robôs
pegavam uma das vacas-marinhas, enfiavam um objeto com o aspecto de termômetro
clínico numa das aberturas de seu corpo, que poderia corresponder à boca ou ao nariz.
Depois a respectiva vaca-marinha sempre se mantinha bem quieta.
“Provavelmente ficou inconsciente”, pensou Rhodan.
Ao que parecia, a inteligência de Solitude não guardava a menor lembrança do que
aconteceu depois. Essa circunstância foi assinalada por alguns segundos de escuridão
mental. Quando Rhodan teve a impressão de que o intercâmbio telepático chegara ao fim,
percebeu outra imagem: a do recinto em que se encontrava.
A imagem não era bem exata. Sobre os seis caixões que se encontravam no recinto
pairava uma vaca-marinha; tinha-se a impressão de que não pertencia ao quadro, tendo
sido sobreposta ao mesmo. Subitamente seu corpo começou a esfacelar-se. Um dos
pedaços caiu no primeiro caixão, outro no segundo, e assim por diante, até que o corpo,
decomposto em seis partes, estivesse distribuído pelos seis caixões.
Rhodan não soube o que fazer com a imagem.
Será que significava que os druufs, ou seus robôs, haviam cortado cada inteligência
de Solitude em seis pedaços, e colocado esses pedaços em seis caixões diferentes? Em
caso afirmativo, por que teriam procedido dessa forma?
Ao que parecia, o amplificador transmitiu fielmente a pergunta. Em resposta,
seguiu-se em rápida sucessão o mesmo grupo de imagens. A primeira mostrava uma
vaca-marinha inteira, que se movia como uma cobra, enquanto a outra reproduzia uma
vaca-marinha despedaçada, cujas partes se mantinham completamente imóveis.
Rhodan compreendeu. O esfacelamento do corpo impedia as funções orgânicas da
vaca-marinha. Provavelmente só as funções espirituais prosseguiam normalmente.
Assim que este pensamento surgiu em sua mente, a sucessão de imagens chegou ao
fim. A inteligência de Solitude percebeu que havia compreendido o que desejava dizer-
lhe. Rhodan ficou tão satisfeito que, para o espanto de Atlan, disse:
— Tudo bem!

***

A “sessão”, nome que Reginald Bell daria mais tarde ao intercâmbio telepático,
durara mais de três horas. Depois de ter subido pela corda, Rhodan estava exausto quando
saiu da galeria. Mesmo assim, começou a contar aos companheiros o que conseguira
descobrir.
— As inteligências de Solitude são seres unissexuais e não-humanóides, dos quais
este planeta abriga cerca de um milhão. Não sei nada sobre o estágio de sua civilização,
seu avanço tecnológico e outras coisas deste tipo.
“De qualquer maneira, levavam vida feliz, até que, há cerca de três anos, algumas
naves dos druufs surgiram em Solitude. Verdadeiros exércitos de robôs capturaram os
seres nativos do planeta, o que não foi difícil, já que as inteligências de Solitude viviam
em grandes manadas, e os colocaram nas cavernas que, ao contrário do que se supunha,
tiveram de ser cavadas pelos robôs, pois não existiam.
“Cada ser de Solitude foi dividido em seis partes, fato que parece indicar que a
matemática dos druufs funciona na base seis, ou outra base semelhante. Os seis pedaços
de cada ser foram guardados numa caverna, cada pedaço num caixão diferente. A divisão
tinha por fim imobilizar os prisioneiros e impedir sua fuga das cavernas. É bem verdade
que a divisão não acarretou a morte das capacidades espirituais. Era precisamente isso
que os druufs desejavam.
“É que as inteligências de Solitude possuem uma estranha faculdade. Trata-se da
faculdade de separar o espírito, ou melhor, a inteligência e o corpo. Enquanto o
prisioneiro permanecia na caverna, sem poder fazer coisa alguma, poderia enviar a
inteligência para fora e verificar o que acontecia nas imediações e nos lugares mais
afastados de sua prisão.
“Era exatamente essa faculdade que interessava aos druufs. As inteligências de
Solitude passaram a desempenhar as funções de aparelhos de localização muito baratos.
Ao que tudo indica, os druufs sabiam que o planeta Solitude estava na periferia de seu
plano temporal e faziam questão de ser informados sobre qualquer ser que penetrasse
nesse plano, vindo da outra dimensão. Os seres de Solitude reconheceriam imediatamente
a presença de qualquer desconhecido, e esse reconhecimento provocaria em seus corpos
uma reação de surpresa, que era registrada por meios bem primitivos, transmitida por um
hiperemissor e assim levada ao conhecimento dos druufs. Estes apenas precisavam ficar
de olhos nos instrumentos de registro. Assim que estes mostravam uma reação mais forte,
sabiam que em Solitude alguma coisa não estava em ordem.
“É esta a situação, descrita em traços ligeiros. É de supor que os druufs estejam em
condições de estabelecer distinção entre vários tipos de reação de seus prisioneiros. Sem
dúvida, perceberão se uma inteligência de Solitude ficou assustada com uma tempestade,
ou se descobriu um ser estranho, como nós. Mas isso é coisa que diz respeito aos druufs;
nosso amigo, que está lá embaixo, não sabe nada a este respeito.
“Bem, acho que é só. Ah, sim! É claro que o corpo dos seres de Solitude tem de ser
mantido vivo. Uma vez que não exerce qualquer atividade mecânica, seu consumo de
alimentos e oxigênio é extremamente I reduzido. Os aparelhos que vimos na caverna têm
por fim evitar que o prisioneiro morra. Uma série de dutos leva alimento sintético e
oxigênio a cada um dos caixões.
“Há outro detalhe. Apesar de todos os recursos técnicos, o corpo do prisioneiro
morrerá depois de algum tempo. Os druufs sabiam disso. Ainda sabiam que só existe uma
possibilidade de evitar essa morte. Os prisioneiros deviam ser libertados a intervalos
regulares. Pelo que entendi, a cada três meses, por alguns dias ou algumas horas. Nessas
oportunidades, as seis partes do corpo eram reunidas e as inteligências podiam passear
fora das cavernas. Naturalmente eram mantidas sob vigilância, pois os prisioneiros não
estão nada satisfeitos com a vida que levam.
“É esta a explicação para o formato estranho do acesso das cavernas. Os seres de
Solitude precisam de uma via para sair e entrar na caverna.”
Manteve-se calado; os ouvintes também permaneceram em silêncio.
— Aliás — disse Rhodan de repente, como se só agora se lembrasse — é claro que
Atlan e eu abrimos os seis caixões. Não tivemos nenhum motivo para deixar nosso amigo
preso por mais tempo. Ele precisa de algum tempo para reunir os seis pedaços. Depois
aparecerá por aqui.
“Já lhes disse que não é um ser humanóide. Tompetch, esta observação dirige-se ao
senhor, que é o menos experimentado de nós. Não se assuste ao ver nosso amigo, e não
pense nada que possa ofendê-lo. Da capacidade de separar a inteligência do corpo
decorre, de certa forma, o dom da telepatia.”
Tompetch confirmou com um aceno de cabeça.

***
A primeira coisa que perceberam foi um chiado que saiu da galeria. Rhodan
explicou:
— Trata-se de um dispositivo muito bem pensado, que suga o ar e o expele na outra
extremidade, sob alta pressão. Com isso, a pressão no interior da caverna vai
aumentando. Como o corpo de nosso amigo preenche todo o espaço da galeria, a pressão
interna empurra-o para fora. Pelo que diz, o processo é bastante rápido.
Todos os olhares estavam fitos na saída da galeria. Na borda da mesma, surgiu uma
peça de matéria cinzenta, que ninguém saberia dizer o que era. Por algum tempo, a peça
cinzenta manteve-se imóvel, sobressaindo apenas alguns centímetros da entrada da
galeria. Ouviu-se outro chiado, e, de repente, o corpo estranho ergueu-se um metro acima
da entrada da galeria.
O chiado repetiu-se várias vezes. Subitamente a coluna, que já adquirira a altura
respeitável de três metros, caiu para o lado com um ruído surdo sobre o chão que
Tompetch limpara com o desintegrador, enquanto a pressão mais elevada do interior da
caverna se adaptava imediatamente à pressão ambiente, produzindo um chiado e
expelindo poeira.
Tompetch arregalou os olhos ao ver aquele objeto cilíndrico e cinzento deitado no
chão. Viu que se movia, rolando e escorregando, permanecendo em repouso quando uma
das extremidades quase chegava a tocar Rhodan.
Espantou-se ao ver que Rhodan conseguiu acariciar a coisa cinzenta como quem
acaricia um cão. Sua voz parecia vir de longe:
— É claro que nossa colaboração apenas está começando. Procuraremos explicar ao
nosso amigo que nos sentiríamos muito gratos se procurasse localizar os druufs.
Conforme sabemos, seu espírito, ou sua inteligência, conforme queiramos, não está
submetido a qualquer dimensão temporal, sendo capaz de mover-se com a velocidade que
melhor lhe aprouver. Se conseguirmos convencê-lo a ajudar-nos, teremos o melhor aliado
que poderíamos desejar.
Aos olhos de Tompetch, aquilo era muito estranho. Viu Rhodan colocar o arco do
amplificador telepático sobre a cabeça e conversar por horas a fio com o cilindro
cinzento, sem obter qualquer resposta audível. Apesar disso, viu pelo rosto de Rhodan
que este conseguia bons progressos, tanto que vez por outra o ouvia dizer:
— Muito bem, amigo. Conseguimos entender-nos cada vez melhor.
Tompetch também viu o sol nascer e notou que já não era verde, mas branco. E o
céu não era de cor turquesa, mas de um azul radiante.
Tompetch assistiu a tudo isso como se não estivesse presente.
Porém acabou provando que era um oficial da Frota Espacial Terrana. Chamou-se de
idiota, tomou alguns goles de uísque de sua ração de emergência e passou a sentir-se
melhor; pelo menos já não estava tão confuso como antes.
Durante as últimas horas da noite e as primeiras horas do dia, não prestara muita
atenção ao instrumento de localização. Vez por outra, lançava um olhar para a tela,
sempre vazia, e isso bastou para que tivesse certeza de que nenhum perigo os ameaçava
ou ameaçaria num futuro próximo.
Agora, quando de repente viu a tela verde-escura, salpicada de um número enorme
de pontinhos junto à margem inferior, sentiu-se como alguém que dormiu enquanto
estava de sentinela. Por isso, levou algum tempo antes que, gaguejando de susto, pudesse
anunciar a novidade.
Eram quarenta pontos no total, e sua disposição na tela provava que já haviam
cercado totalmente o pequeno acampamento montado junto à entrada da caverna.
Rhodan não teve a menor dúvida de se tratar de corpos metálicos, mais
precisamente, de robôs, que haviam sido enviados para capturar ou matar os homens do
grupo.
Isso não era de admirar! Os druufs deviam estar tão interessados em conhecer o
mais implacável de seus inimigos.
Rhodan não tinha muitos receios em relação ao confronto que se aproximava. Numa
série de lutas, especialmente nas travadas juntamente com Mareei Rous, no mundo de
cristal, constatara-se que as armas dos robôs dos druufs eram muito inferiores às armas
terranas.
As preocupações de Rhodan eram bem diferentes. Tratava-se de uma coisa sobre a
qual até então ninguém falara: o desaparecimento da K-238 e as conseqüências que
resultariam daí. Um colosso metálico como a K-238 não poderia ter deixado de lançar um
reflexo sobre a tela de Tompetch, por mais rapidamente que se afastasse do local em que
estivera pousada. Mas não aconteceu nada disso: portanto...
Agora, ninguém mais precisaria quebrar a cabeça para descobrir as intenções dos
druufs, pois estas estavam sendo manifestadas de forma inequívoca. Então Rhodan
combinou com a inteligência de Solitude para que esta procurasse localizar a nave dos
inimigos que, sem dúvida, teria trazido os robôs. Devia encontrar-se em local próximo,
no máximo a cem quilômetros, pelos cálculos de Rhodan.
O contingente de robôs inimigos aproximava-se cada vez mais. Assim mesmo,
Rhodan teve tempo para observar que, de repente, o corpo do ser de Solitude se tornou
flácido e sem vida, quando a inteligência — ou o espírito — se separou do mesmo.
Agora o estranho ser não estava submetido a qualquer dimensão temporal, e movia-
se aproximadamente à velocidade com que Rhodan e os homens de seu grupo se haviam
movido antes da igualização das dimensões temporais. Em outras palavras, seus
movimentos eram tão rápidos que um olho submetido à dimensão temporal de Solitude
não conseguiria vê-lo.
Rhodan levantou-se e fez um sinal para o Tenente Tompetch.
— Pegue um desintegrador pesado — ordenou. — Vamos ver as linhas inimigas de
cima.
Tompetch sentiu-se entusiasmado. Teria oportunidade de dar uma prova de seu
valor. Procurou às pressas uma pesada arma automática de desintegração no montão de
armas que se encontrava junto aos arbustos e entrou no Câmbio. Também armado,
Rhodan tomou lugar à direção.
Ao que parecia, os outros já sabiam o que fazer. Reginald Bell mandou que o
arcônida e o Capitão Gorlat ocupassem seu lugar entre os arbustos e avisou-os para que
se mantivessem totalmente escondidos.
O corpo imóvel da inteligência de Solitude também foi arrastado até os arbustos.

***

Do lado de fora, o termômetro atingira a marca dos quarenta e cinco graus. Em


comparação com essa temperatura, os trinta e oito graus produzidos pelo aparelho de
condicionamento de ar representavam um verdadeiro conforto.
Duas alternativas se ofereciam a Rhodan: voar rente ao solo ou a grande altitude.
Rhodan escolhera a segunda, que lhe ofereceria melhor visão. Para o veículo versátil com
seu propulsor antigravitacional não havia a menor dificuldade em deslocar-se a dois mil
metros do solo, como se fosse um avião.
Nessa altura, os enormes robôs dos druufs, que já formavam um círculo de
seiscentos metros em torno do acampamento, transformaram-se em pontinhos reluzentes.
Ao que parecia, não notaram a presença do veículo, ou então não se interessaram pelo
mesmo. De qualquer maneira, na opinião de Tompetch, seu procedimento era estranhável.
Não havia a menor dúvida de que o alcance de suas armas, que eram semelhantes aos
radiadores térmicos terranos, era suficiente para atingi-los e, por certo, sabiam que as
armas terranas também seriam capazes de atingi-los lá embaixo.
— O que acha disso, Tompetch? — perguntou Rhodan de repente, como se
adivinhasse o assunto sobre o qual o tenente estava quebrando a cabeça.
— É estranho, Sir — respondeu Tompetch. — São robôs, e já devíamos saber que
um robô nunca deixa de perceber qualquer coisa. Se não atiram contra nós, isso...
Lá embaixo surgiu um lampejo, como que para escarnecer das palavras de
Tompetch. Um feixe energético branco-incandescente passou a vinte metros do veículo,
produziu um chiado no ar aquecido e um solavanco no carro.
Rhodan fez uma manobra e o disparo seguinte passou pelo menos a duzentos metros
do veículo.
— Isso o quê? — perguntou, como se nada tivesse acontecido.
— Isso nos deveria levar a supor — prosseguiu Tompetch — que não nos querem
fazer nada. Talvez estejam realizando apenas uma manobra... Mas esta opinião já está
superada. Afinal, estão atirando.
Viu-se outro lampejo produzido por um tiro. Sua trajetória passou perto da carlinga
de plástico, fazendo com que o termômetro desse um salto rápido para além dos quarenta
graus. Com um ribombo, o ar aquecido voltou a ocupar a trajetória do tiro.
Rhodan desviou-se.
— A coisa está ficando muito arriscada — disse. — Dê-lhes aquilo que lhes cabe.
Tompetch enfiou a arma pesada na abertura existente abaixo da janela da carlinga.
Enquanto Rhodan manobrava o aparelho e uma série de disparos de radiações passava
por eles sem produzir o menor dano, Tompetch dirigiu a mira automática para um denso
grupo de robôs e apertava o gatilho toda vez que a luz vermelha indicava que conseguira
fazer pontaria sobre um alvo.
A luz acendeu-se por oito vezes, e oito pontos reluzentes desapareceram de entre os
arbustos. Oito nuvens de poeira metálica subiram ao ar.
— Agora só restam trinta e dois — disse Tompetch laconicamente.
Os robôs, que pareciam perceber o perigo que os ameaçava, abrigaram-se entre os
arbustos. Mas não contavam com a perfeição da tecnologia terrana. A tela de localização
continuava a mostrar os pontinhos reluzentes da mesma forma que antes; a vegetação não
representava qualquer obstáculo. Tompetch acoplou a mira automática ao mecanismo de
localização, e fez o círculo vermelho parar sobre um grupo de cinco pontinhos.
Dali a algum tempo, anunciou:
— Ainda restam vinte e sete, Sir.
Os disparos inimigos diminuíram. Ao que parecia, os robôs estavam preocupados
em abrigar-se e escapar ao fogo muito bem dirigido de Tompetch.
Tompetch transformou mais de metade dos robôs inimigos em nuvens de gás. Os
outros fugiram desabaladamente; até mesmo o robô possui o instinto de autoconservação,
muito embora seja um instinto artificial, criado pelo construtor no intuito de evitar, na
medida do possível, a perda da construção. Naquela altura, Reginald Bell e seu grupo,
orientados pelas indicações de Rhodan, ajudaram a combatê-los.
Por estranho que possa parecer, os robôs fugiram em todas as direções, muito
embora, via de regra, esses mecanismos possuíssem um ótimo senso de orientação, e
soubessem melhor que qualquer ser orgânico que rumo deveriam tomar. Rhodan concluiu
que o inimigo não tinha o menor interesse em revelar a posição de sua nave.
Ao que tudo indicava, contava com a possibilidade de que o veículo de Rhodan
pudesse descobri-la. O motivo disso poderia consistir no fato de que a nave dos druufs
não estava muito bem escondida, ou então os robôs sabiam que os terranos não poderiam
destacar um homem para localizar a nave.
Enquanto refletia sobre essas coisas, Rhodan voltou a pousar seu veículo na clareira
que Tompetch havia queimado em meio aos arbustos. Reginald Bell recebeu-o numa
disposição eufórica. Com o rosto sujo e coberto de poeira, trazia a arma a tiracolo e,
levantando os braços, gritou:
— Nós os mandamos para o inferno.
Rhodan desceu e esteve a ponto de responder. Mas, nesse instante, teve uma idéia. E
essa idéia foi tão nítida que até parecia que já se encontrava há bastante tempo nos
escaninhos da consciência, aguardando o momento em que sua presença fosse notada.
A bomba!
Por que não pensara nisso antes? Por que não se lembrara de que os robôs dos
druufs poderiam tirar proveito da nova situação?
Por um instante, fitou a entrada da galeria. Depois virou-se abruptamente e gritou
para o rosto radiante de Bell:
— Coloquem o cilindro no carro! Vamos logo! Rápido!
Bell não sabia o que estava acontecendo, mas suas reações costumavam ser rápidas.
Gorlat e Tompetch também apressaram-se. Os movimentos de Atlan, o arcônida, eram
mais lentos, mas um gesto ríspido de Rhodan avisou-o de que deveria ser mais ligeiro.
O corpo cilíndrico da inteligência de Solitude era tão pesado que, mesmo em cinco,
mal conseguiram movê-lo. Rolaram-no até junto ao veículo, mas só conseguiram colocá-
lo na plataforma depois que Rhodan criou um campo gravitacional bem espalhado, que
erguia todos os objetos por ele atingidos. Depois bastava um homem para mover o
cilindro; mas três homens tiveram de segurar o veículo que, liberado de seu peso,
pretendia esquivar-se à carga.
— Amarrem-no! — ordenou Rhodan depois que o cilindro fora colocado no lugar.
Tompetch pegou a corda que ainda pendia na galeria e deu várias voltas em torno da
plataforma de carga e do cilindro, até que se pudesse supor razoavelmente que, por mais
violentos que fossem os movimentos do veículo, o corpo imóvel da inteligência de
Solitude não cairia.
— Entre, Tompetch! — ordenou Rhodan. — Leve-nos a uma distância de
quinhentos metros, na direção em que ficava a nave, e procure um lugar onde possa
pousar!
Tompetch obedeceu. Revelando grande perícia, levantou o veículo, que, sob o peso
de várias toneladas do corpo cilíndrico, pendia para trás e, voando rente aos arbustos,
seguiu na direção indicada.
— Nós vamos a pé! — ordenou Rhodan.
Pegaram o equipamento e puseram-se a caminho. Até o lugar em que antes estivera
o veículo, a caminhada foi confortável. Mas além desse lugar a vegetação estava intacta.
Carregando o pesado gerador de campo de bloqueio no ombro, Rhodan abriu
caminho com o desintegrador, queimando a vegetação numa largura que mal e mal era
suficiente para que os homens não ficassem presos nos espinhos.
Prosseguiram aos gemidos. A temperatura havia subido a quarenta e nove graus.
O calor infernal fez com que se enganassem quanto à extensão do trecho percorrido.
Uma pessoa que acreditava estar caminhando há duas horas, e que cairia ao dar o passo
seguinte, na verdade apenas deixara atrás de si pouco mais de cem metros.
Rhodan só parou quando se haviam afastado duzentos metros da caverna.
Descansou cautelosamente o gerador e atirou-se ao solo, na sombra de alguns arbustos.
Fungava e estava com a boca seca. Quis dizer alguma coisa, mas não conseguiu falar
nada.
E nem teve necessidade! Momentos depois que seu corpo tocou o chão, um forte
solavanco voltou a erguê-lo ligeiramente e, dali a alguns segundos, o ribombo de uma
forte explosão percorreu o ar aquecido. No lugar do qual haviam vindo, ergueu-se uma
coluna de terra marrom, que logo se desmoronou ruidosamente.
A bomba acabara de explodir.
Reginald Bell lançou um olhar espantado e um tanto desconfiado para Rhodan.
— Então você é o grande rei do feitiço, não é? — disse depois de algum tempo. —
Previu tudo! Como?
Rhodan enfiara na boca um tablete de alimento concentrado e fez um esforço para
engoli-lo. A sede começou a amainar.
— A K-238 — começou — desapareceu sem deixar o menor vestígio. Para onde
foi?
Bell deu de ombros.
— Não sei.
— Tompetch nem sequer conseguiu vê-la na tela. Desapareceu sem mais nem
menos. O que se conclui disso?
Bell arregalou os olhos quando começou a compreender.
— Os druufs transferiram-nos para sua dimensão temporal e... transferiram a si
mesmos para nossa dimensão. Será que é isso?
— É mais ou menos isso. A K-238 permaneceu onde estava, ou seja, em nossa
dimensão temporal. Enquanto isso nós fomos transferidos para a outra dimensão, onde
tudo corre muito mais devagar. Ao mesmo tempo, alguns druufs, ou alguns de seus robôs,
foram transferidos para nossa dimensão. Seus movimentos são setenta e duas mil vezes
mais rápidos que os nossos, e por isso nos são invisíveis. Quando perceberam que
penetramos na caverna, procuraram fazer detonar a bomba pela maneira usual. Não
conseguiram, porque arranquei o fio. Por isso, puseram-se a caminho para detonar a
bomba pessoalmente. A explosão não poderia causar-lhes nenhum dano, não é mesmo?
Foi como a primeira explosão, da qual conseguimos escapar sem maior esforço.
Bell sacudiu a cabeça; parecia espantado.
— Bem, eles entraram na caverna — começou parecendo entender a ação inimiga
— emendaram o fio e deram um “empurrão” no gerador. Quando saltou a faísca, a
explosão começou a desenvolver-se na dimensão temporal em que nos encontramos, ou
seja, tão devagar que os druufs ou seus robôs puderam sair tranqüilamente da caverna e
colocar-se em segurança. Mas por que detonaram a bomba? Eles sabiam que nós não
estávamos mais lá, quando chegaram à caverna. Não poderiam fazer-nos coisa alguma.
Rhodan acenou com a cabeça. Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Atlan
interveio na palestra:
— Não querem que descubramos para que ponto do Universo está dirigido o
pequeno hipertransmissor. Eles o instalaram na caverna para manter-se a par das reações
da inteligência de Solitude.
Bell pôs a mão na cabeça.
— Oh! Como sou idiota! — gemeu. — Naturalmente. Foi isso que aconteceu
também na primeira caverna, não foi?
— A esta hora acredito que sim — admitiu Rhodan. — Não existe nenhum segredo
relativo aos druufs que as inteligências de Solitude nos possam revelar, pois os cilindros
também não sabem mais nada. Mas o transmissor poderia fornecer alguma indicação
sobre o lugar em que fica o mundo dos druufs.
Ninguém perguntou por que não se haviam lembrado de procurar o transmissor,
retirá-lo da caverna e desmontá-lo, a fim de descobrir a direção para a qual estava
regulado. Se o mecanismo do transmissor direcional eletromagnético é complicado, o do
hipertransmissor é muito mais complicado ainda. Não tiveram tempo de cuidar disso,
mesmo quando começaram a desconfiar de que, na realidade, era o transmissor que
permitia aos druufs fazer detonar a bomba para evitar que fossem descobertos.
Bell olhou em torno.
— Não podemos vê-los — disse em tom desconfiado. — Podem estar aqui, ali ou
acolá — disse, apontando em três direções diferentes. — Por que não atiram contra nós?
Rhodan sorriu.
— Provavelmente a esta hora já desistiram. Já devem ter sentido o espanto causado
pelo fato de não termos sido mortos por seus tiros. É possível que já soubessem antes que
não nos podem fazer coisa alguma, enquanto permanecem na outra dimensão temporal.
Bell ergueu os olhos.
— Sabiam? Sabiam o quê? Por que não nos podem fazer nada?
— Porque usam armas de radiações, cuja energia se desloca a uma velocidade maior
que a permitida neste universo. Trata-se de uma hipótese de perda de causalidade; apenas
isso. Comprimam o botão, e pode acontecer qualquer coisa; o fluxo determinado dos
acontecimentos não pode verificar-se. O raio que se propaga à velocidade superior à da
luz não pode fazer-nos qualquer mal.
Reginald Bell pôs-se a rir. De início, foi uma risada hesitante, como se ainda não
soubesse por que estava rindo, mas logo se transformou numa estrondosa gargalhada.
Gorlat também riu. O rosto de Atlan contorceu-se e, depois de algum tempo, todos
estavam rindo. Riam por causa dos rostos espantados dos druufs, se é que tinham rostos.
Riam por causa da idéia maluca de que em torno deles corriam seres ultra-rápidos e
invisíveis, que comprimiam ininterruptamente os botões de suas armas, mas não
conseguiam fazer mal a ninguém.
A risada aliviou-os e tornou mais suportável o ambiente.
Quando as risadas amainaram, Rhodan retomou o fio de suas considerações:
— Os druufs que trabalham em Solitude estão divididos em dois grupos. Um desses
grupos transferiu-se para nossa dimensão temporal primitiva, roubou a K-238 e fez
explodir a bomba no interior da caverna. Provavelmente o outro grupo pousou com uma
nave nas proximidades do lugar em que nos encontramos, e dá apoio ao primeiro. Para
isso, por exemplo, desvia nossa atenção por meio de um ataque desfechado por quarenta
robôs, evitando que examinemos detidamente o hipertransmissor. O que eu gostaria de
saber é o seguinte: por que os druufs vieram para Solitude?
Os rostos exprimiam perplexidade.
— As primeiras naves — prosseguiu — apareceram na noite que se seguiu ao nosso
pouso, ou seja, no máximo dez horas depois do momento em que chegamos neste
planeta. Na dimensão temporal primitiva dos druufs, dez horas correspondiam a meio
segundo. Ninguém é capaz de reagir num tempo tão curto. Já deviam estar a caminho
quando pousamos, pois foram informados, através do transmissor instalado na primeira
caverna, que havíamos chegado.
“É claro que, dali em diante, passaram a interessar-se por nós. Não podem permitir
que o inimigo pouse em um dos seus postos avançados. Transferiram-nos para outra
dimensão temporal, enquanto eles mesmos, ou ao menos parte deles, passou à nossa
dimensão. Roubaram nossa nave, e com isso ficamos isolados. A esta hora, devem
acreditar que não somos muito perigosos. A única coisa que têm que fazer é cuidar para
que descubramos o segredo do hipertransmissor. Assim que chegarem à conclusão de que
este segredo não nos servirá de nada, já que não temos possibilidade de transmitir
qualquer mensagem para fora deste mundo, provavelmente nos deixarão em paz.
Reginald Bell mudou de posição.
— Não deixarão, não. As oito naves vieram por um motivo bem diferente. Gostaria
de saber qual é esse motivo.
— É claro que você gostaria de saber — disse. — Acontece que ninguém poderá
contar-lhe. Que calor infernal! Será que Tompetch não poderia...
Até parecia que Tompetch apenas esperava que seu nome fosse mencionado. O
pequeno receptor que Rhodan trazia no bolso emitiu um sinal. Tirou-o e fez a ligação.
Todos ouviram a voz de Tompetch, quando o tenente disse em tom exaltado:
— O cilindro voltou a mover-se, Sir. Provavelmente o espírito voltou.
— Muito bem. Descarregue-o e venha buscar-nos. Daremos um sinal.
6

O cilindro — ou melhor, a parte do cilindro que podia destacar-se do corpo —


descobrira uma coisa. Uma nave dos druufs, em forma de fuso, encontrava-se a oitenta
quilômetros dali, no lugar onde terminava a planície e começavam as montanhas. Uns
duzentos robôs estavam fazendo uma escavação baixa e quadrada e consolidando-lhe as
paredes. Ao que tudo indicava, em cima da escavação seria erguido um edifício e, pela
feitura dos alicerces, concluía-se que o edifício seria grande e pesado.
Isso representava outro problema para Rhodan e os homens de seu grupo. Mas, para
sua satisfação, o problema aparentemente não lhes dizia respeito. Que os robôs dos
druufs construíssem casas ou mesmo cidades, a tripulação da K-238 não teria nada com
isso.
Rhodan era o único que possuía uma hipótese. E comentou-a com Atlan.
— Há um detalhe de que ninguém se lembrou, almirante — principiou. — Em
virtude de seu encontro com o planeta Peregrino, Solitude afasta-se de sua órbita e vai
deixando seu sol. Ao que tudo indica, a construção que está sendo levantada pelos robôs
deverá abrigar um mecanismo destinado a colocar o planeta novamente numa órbita
estável.
O arcônida lançou um olhar em direção às montanhas, como se dali pudesse ver a
construção.
— Se forem capazes disso, deverão ter uma tecnologia bastante avançada —
murmurou em tom pensativo. — Não é nada fácil mover um planeta.
— É difícil, mas não é impossível. Aliás, não é bem isso que eu quero dizer. Se
realmente pretendem recolocar Solitude numa órbita estável, alguns deles devem saber
aquilo que procuramos descobrir a respeito do planeta Peregrino.
Atlan ergueu as sobrancelhas brancas.
— O bárbaro raciocina depressa — disse em tom irônico, mas sério. — É possível
que você tenha razão. Se querem mover Solitude, devem saber quando e por que este foi
arrancado de sua órbita. O que é que o cilindro diz? Sabe alguma coisa a respeito do
planeta Peregrino?
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— Peregrino ficou visível durante três noites, enquanto passava perto de Solitude, a
aproximadamente duzentos mil quilômetros. A esta hora, já conhecemos com uma boa
dose de precisão o momento em que teve início a influência exercida por esse planeta.
Mas a indicação da distância resultou apenas de uma estimativa. Não temos tempo para
cálculos complicados e demorados. Por isso, talvez seja preferível capturarmos um dos
robôs e levá-lo. A esta hora, o computador positrônico da K-238 já concluiu seus
cálculos. Dessa forma, teríamos três dados diferentes, que poderiam ser comparados.
Os olhos avermelhados de Atlan exprimiram o mais puro espanto.
— A K-238! Você acredita que voltaremos a pôr as mãos nessa nave?
Rhodan sorriu.
— Precisamos pôr as mãos nela — respondeu. — De outra forma nunca poderemos
voltar.

***
— Aliás — disse o Capitão Gorlat em tom de tédio — a rotação do planeta não
corresponde à respectiva dimensão temporal. Quando pousamos, o tempo de rotação de
Solitude era de dezoito horas. Agora, que vivemos em outra dimensão temporal, esse
tempo deveria ser setenta e duas mil vezes menor, não é? Em outras palavras, deveria ser
inferior a um segundo. Quando discutirmos o tema da igualização das dimensões
temporais, não me deixe esquecer este detalhe.
Tompetch, que pilotava o veículo, parecia perplexo.
— Era isso que o senhor esperava? Um tempo de rotação inferior a um segundo.
Ora essa! Gostaria de ver aonde a força centrífuga já nos teria atirado se isso tivesse
acontecido.
Soltou uma gostosa gargalhada. Gorlat deu uma palmadinha em seu ombro.
— Não se exceda, meu caro. Cuide do caminho. Se levantar demais a proa, os robôs
nos verão, e nesse caso nossas férias cairão na água.
Tompetch fez descer o veículo até que a parte mais baixa roçasse ruidosamente nas
pontas dos galhos.
Gorlat procurou enxergar através da escuridão. Acreditava que os robôs
trabalhassem de noite e, como nem todos são equipados com olhos infravermelhos — o
que seria muito caro — o local da construção devia estar iluminado. Sem dúvida podia-se
vê-la ao longe, desde que sua suposição fosse correta.
Não se entusiasmara muito com a tarefa que lhe fora confiada: capturar vivo um dos
robôs e levá-lo intacto ao acampamento.
Como se faz para pegar um robô “vivo”? Ainda mais um robô cuja forma de
construção é totalmente desconhecida, e do qual nem sequer se sabe se possui uma
ligação de emergência.
Nesse instante, Tompetch disse:
— Ali na frente há luzes, capitão. Gorlat pôs a mão em cima dos olhos a fim de
protegê-los contra a luz interna do veículo e olhou atentamente pelo pára-brisa. Tompetch
tinha razão. No horizonte, surgiu uma mancha de luz confusa. Por enquanto era fraca,
quase imperceptível. Tratava-se do local da construção!
Procurou avaliar a distância. Seriam uns dez ou quinze quilômetros.
Tompetch reduziu a velocidade. O terreno começou a ficar acidentado. Percebia-se a
proximidade das montanhas. Tompetch encontrou uma depressão que corria diretamente
para o local da construção e por ela entrou.
— Excelente! — elogiou Gorlat. — Se isto continuar assim, poderemos chegar bem
perto com o Câmbio.
Agora, que se achavam fora do alcance dos instrumentos de localização do inimigo
— se é que estes existiam — Tompetch imprimiu maior velocidade ao veículo. A abóbada
luminosa, da qual só viam um pequeno setor, por se encontrarem numa depressão do
terreno, tornava-se cada vez mais intensa.
Chegaram a um lugar em que o fundo da depressão começava a subir, e esta se
adaptava ao terreno adjacente. Sem aguardar novas ordens, Tompetch parou o veículo e
fê-lo pousar suavemente.
— Acho que daqui em diante teremos de ir a pé, capitão — disse.
Desceram do veículo, pegaram as armas e subiram à borda da depressão. Não
pensavam que estivessem tão perto da construção. Tompetch soltou um grito de surpresa
quando viu a algumas centenas de metros um mastro, de cuja ponta uma luz branca e
ofuscante era derramada sobre um verdadeiro exército de robôs reluzentes.
— Não seria nada mau se o senhor também deitasse — disse Gorlat, que já se
encontrava no chão. — Com essa figura hercúlea o senhor pode ser visto de longe.
Tompetch atirou-se ao solo. Perplexo, contemplou a escavação que os robôs de
formato estranho já haviam revestido. Um grupo de cerca de cem máquinas desse tipo
juntava, por meio de um guindaste, peças pré-fabricadas que serviriam de base à
construção. A base era quadrada, tal qual a escavação, e tinha cerca de cinqüenta metros
de lado.
Gorlat tivera sua atenção despertada para algo situado além da escavação, mais
precisamente, para o corpo fosco de uma gigantesca nave, que se erguia para o céu com o
formato de um grande charuto; era pontuda em ambas as extremidades. Teve de esforçar-
se para reprimir uma idéia que lhe ia pela cabeça. Que sensação não causaria se em vez
de um robô aprisionado aparecesse no lugar combinado com uma nave inteira.
“Meu amigo, você é capitão, não chefe de bando de assaltantes”, pensou.
— Bem — resmungou Tompetch de repente. — Pelo que vejo, um grupo de robôs
se instalou na borda da escavação, do mesmo lado em que nos encontramos. Se é que
temos alguma chance, só poderá ser por ali.
Gorlat olhou na direção em que Tompetch apontava. À pequena distância do mastro
de iluminação, na área limítrofe entre a luz e a escuridão, seis robôs estavam agachados
em torno de alguma coisa estendida no solo, que parecia ser de papel.
“Talvez seja uma planta da construção”, pensou Gorlat.
Tompetch tinha razão. Os seis robôs vistos diante de si eram os únicos de que
poderiam aproximar-se sem serem pressentidos. E apresentavam outra vantagem em
relação à enorme quantidade dos que trabalhavam na escavação. Um deles era maior que
os outros. Provavelmente era um robô especializado. Se algum dos robôs sabia por quê,
como e quando Solitude foi arrancado da órbita, seria aquele.
— Precisamos agarrar aquele — resmungou Gorlat. — Vamos!

***

Deitado atrás de uma moita, Tompetch olhou para o relógio.


Faltavam cinqüenta segundos até o momento combinado.
Pela décima vez fez pontaria por cima da arma térmica automática e chegou à
conclusão de que tudo estava em ordem. O primeiro disparo atingiria a parede oposta da
escavação, queimaria o revestimento e levaria os robôs a procurar o autor do atentado na
direção da qual viera o disparo.
“É só o que eu tenho a fazer. O que tenho a fazer aqui”, pensou retificando. “Uma
vez feito o disparo, e desde que sua ação seja bem sucedida, eu corro para o carro,
coloco-o em movimento e saio em ajuda do Capitão Gorlat, que já terá se apoderado do
robô maior.”
Mais quinze segundos.
Tompetch fez pontaria pela décima primeira vez. Mas, desta vez, não baixou o cano
da arma. Contou mentalmente de vinte e um a trinta e cinco, já que não podia olhar mais
para o relógio, e apertou o gatilho.
Uma carga energética chiou pelo ar, atingiu a parede da escavação, derreteu o
revestimento e evaporou-o numa questão de segundos. Num instante, formou-se um
buraco profundo, pelo qual penetrava a terra que, atingida pelo raio escaldante, também
se derretia.
A confusão entre os robôs no interior da escavação só durou alguns segundos. Certo
número deles prosseguiu no trabalho, enquanto os que se encontravam mais próximos de
Tompetch — cerca de oitenta — se puseram em movimento e foram subindo pela borda
da escavação. Segundo Tompetch e Gorlat já haviam constatado antes, deslocavam-se
sobre um conjunto de rodas e esteiras, que é o sistema mais conveniente para um robô de
trabalho.
Tompetch teve a impressão de que estava na hora de abandonar o local. Pegou a
arma e saiu correndo o mais rápido que pôde. Lançou um olhar por cima do ombro e
ficou satisfeito ao constatar que, ao menos por enquanto, os robôs se deslocavam muito
mais devagar que ele. Os raios energéticos fulgurantes cortavam o ar em todas as
direções; Tompetch percebeu que os robôs ainda não tinham a menor idéia do lugar onde
se encontrava.
Correu um bom trecho, fungando sob a carga da arma térmica automática e banhado
em suor. Nem mesmo de noite, o calor diminuíra. Finalmente a depressão surgiu à sua
frente. Escorregou para dentro da mesma e, reunindo as últimas forças, saltou para o
veículo. Quando os primeiros robôs surgiram no início da escavação, já se havia afastado.
Planando rente aos arbustos, dirigiu-se ao lugar de encontro combinado com Gorlat.

***

Gorlat soltou um urro de alegria ao ver que quatro robôs do grupo de seis se
afastavam, deixando para trás apenas o maior deles, com um único companheiro.
Provavelmente os quatro que se haviam afastado eram robôs-feitores, que explicariam
aos companheiros o que deveriam fazer.
Mesmo entre os robôs existe uma diferença de posições e uma hierarquia. Ao que
parecia, neste ponto os druufs não se distinguiam dos terranos. Cada inteligência
construía o robô à sua imagem.
O objeto sobre o qual os dois robôs se inclinavam realmente parecia ser uma planta
da construção. Gorlat, que se encontrava a apenas dez metros do mastro de iluminação,
reconheceu algumas linhas e viu um dos órgãos preênseis do grande robô passar pelas
mesmas, provavelmente no intuito de explicar alguma coisa ao outro.
Gorlat olhou para o relógio.
Faltavam cinco segundos!
O tiro energético foi disparado pontualmente por Tompetch e produziu o efeito
desejado. Dali a alguns segundos, a parte da escavação que ficava mais perto de Gorlat
estava totalmente vazia. Os robôs haviam saído e procuravam encontrar, na escuridão, o
sujeito que se atrevera a perturbá-los no trabalho.
O robô maior, que estava inclinado sobre a planta, juntamente com o outro, menor,
não deu o menor sinal de “nervosismo”. Gorlat teve a impressão de que nem sequer
levantou os olhos quando o tiro foi disparado.
“Ora, levantar os olhos, esta é boa”, pensou. “Nem sequer sei onde ficam seus
olhos.”
De qualquer maneira, continuou inclinado sobre a planta, e um dos seus braços
passou pelas linhas que estavam desenhadas no papel, ou fosse lá qual fosse o material.
Ainda bem que mesmo entre os robôs existem generais, que são de opinião que a
tarefa de lutar cabe aos elementos de graduação inferior. Gorlat não pôde deixar de
confessar que teria passado por maus bocados se o robô maior saísse correndo com os
outros.
Avançou mais um pouco, saiu de baixo dos arbustos e com um tiro do desintegra-
dor pesado transformou o robô menor numa nuvem de vapores metálicos.
Desta vez, o robô maior parecia realmente perturbado. Ergueu-se e virou para Gorlat
uma das “faces”.
Gorlat fez pontaria sobre a parte mais estreita do conjunto de rodas e esteiras. Uma
das esteiras foi destruída, e o robô começou a girar em torno de seu eixo. Gorlat viu-o
levantar um dos instrumentos preênseis — talvez fosse uma arma — e destruiu-o com
outro disparo.
O robô ficou parado. Mantendo a arma apontada e com os olhos bem atentos, para
não perder qualquer movimento do monstro multifacetado, Gorlat caminhou em sua
direção. Pela primeira vez se deu conta de que a altura do robô era cerca de quarenta
centímetros superior à sua. Seria ainda mais difícil de colocar na plataforma de carga do
que a inteligência cilíndrica de Solitude.
Gorlat constatou que os robôs no interior da escavação cuidavam exclusivamente de
seu trabalho. Se é que haviam percebido alguma coisa do segundo incidente, certamente
eram de opinião que os companheiros que haviam saído em perseguição de Tompetch
também cuidariam desse caso.
Gorlat parou a dois metros do robô. Viu alguns braços que pendiam imóveis ao lado
do estranho corpo. Cortou-os a tiro. Pelo que via, o robô já não tinha a menor
possibilidade de agarrá-lo.
Contornou-o e tentou empurrá-lo em direção aos arbustos. Seus esforços tiveram um
êxito apenas parcial. Como a esteira do lado direito tivesse sido destruída, o robô sofria
um desvio para esse lado. Gorlat endireitou-o um pouco e surpreendeu-se ao perceber que
isso não lhe causava maiores dificuldades. Depois continuou a empurrá-lo. Dali a dois
minutos, chegou ao lugar em que estivera escondido.
Olhou para trás e ficou apavorado ao ver que os robôs que se encontravam no
interior da escavação estavam desconfiando de alguma coisa. Interromperam o trabalho e
viraram-se para o lugar em que Gorlat e seu companheiro estiveram escondidos entre os
arbustos. Dali a pouco, uns cinqüenta robôs se puseram em movimento, em direção ao
lugar em que Gorlat se encontrava.
Este deixou o grande robô imobilizado entregue à sua própria sorte e atirou-se ao
solo. Apontou a arma.
“Enquanto não souberem estabelecer uma formação mais inteligente”, pensou,
“poderei defender-me até que Tompetch chegue.”
Mas antes que tivesse tempo de disparar o primeiro tiro ouviu um leve zumbido
atrás de si; era o veículo dirigido por Tompetch. Este pousou entre os arbustos e saltou da
cabine.
— Vamos depressa! — cochichou. — Não demorarão em encontrar minha pista.
Onde está a geringonça?
Gorlat levantou-se de um salto.
— Ali. Já ativou o campo antigravitacional? O robô é muito pesado para ser
levantado com as mãos.
— Já — disse Tompetch apressadamente. — Ajude-me a empurrá-lo para junto do
veículo.
Fizeram força. Quando os primeiros robôs surgiram atrás deles, já haviam colocado
o pesado corpo sobre a plataforma de carga. Gorlat foi diretamente da plataforma para a
cabine, enquanto Tompetch saltou do lado de fora e se deixou cair no assento do piloto
com um suspiro de alívio.
No mesmo instante, o veículo subiu verticalmente. Um único disparo de raios chiou
atrás deles, mas passou a mais de dez metros do alvo. Dentro de alguns segundos, o
veículo colocou-se fora do alcance da vista dos robôs e dos tiros disparados pelos
mesmos.

***

Rhodan examinou o céu. Notou uma mancha um pouco mais clara. Era o primeiro
reflexo do sol nascente.
— Não acredite que tenham necessidade de seguir sua pista, tenente — disse. —
Não terão a menor dúvida de que só nós poderíamos ter seqüestrado seu mestre-de-obras.
Virão pelo caminho mais rápido. Até estou admirado de que ainda não estejam aqui.
Tompetch lançou um olhar desconfiado para o robô imobilizado, que jazia no solo.
— Provavelmente estão procurando lá adiante — respondeu. — Ainda não sabem
que transferimos nosso acampamento para cá.
Enquanto Gorlat e Tompetch executavam sua tarefa, Rhodan, Bell e o arcônida
prosseguiram em sua marcha, em direção à depressão em que estivera a K-238. Rhodan
ficou muito satisfeito com o resultado do trabalho dos dois oficiais. Perry tinha a mesma
opinião de Gorlat: o robô sabedor daquilo que queriam descobrir, só poderia ser o maior.
Mas, até então, não havia contado a ninguém o que estava procurando nas
proximidades do antigo local de pouso da K-238.
Dali a uma hora, nasceu o sol. A temperatura subiu rapidamente de trinta e oito
graus para quarenta e cinco. Os homens procuraram abrigar-se sob os galhos espinhentos
dos arbustos.
A inteligência cinzenta de Solitude mantinha-se imóvel na poeira. Seu espírito
andava por aí, à procura dos robôs dos druufs. Retornou meia hora depois do nascer do
sol, o que foi notado pelos movimentos que, de repente, o cilindro cinzento começou a
executar. Informou que um grupo de cem robôs se aproximava, vindo da caverna, e que
vira outros robôs — cinco ao todo — que se moviam muito mais depressa que os outros.
Eram estes cinco robôs que preocupavam Rhodan. Um inimigo rápido representava
um empecilho para aquilo que pretendia fazer.
Já recolhera o emissor de código que fora enterrado junto ao local de pouso. Era um
pequeno instrumento com o formato de uma caixa de fósforos que possuía um único
botão. Uma pressão sobre esse botão fazia com que a caixinha expedisse o sinal-código
que levaria a K-238 a desativar os campos defensivos e deixar livre o acesso às
comportas.
“Admitamos que a K-238 realmente volte”, pensou Rhodan. “Nesse caso gastarei
cerca de dez segundos, a partir da emissão do sinal, para entrar na comporta e fechar a
escotilha. E dez segundos sempre são duzentas horas ou mais de oito dias para os robôs
mais rápidos.”

***

O cilindro asseverou que uma simples subdivisão não afetaria suas faculdades
mentais. Sim, naturalmente era capaz de produzir dois espíritos, fazendo uso da
capacidade de projetar sobre cada espírito o aspecto de alguma pessoa. Então, poderia
perfeitamente dar a esses espíritos a aparência de Rhodan e do Capitão Gorlat. Não havia
o menor problema.
Rhodan deu-se por satisfeito. Pegou o desintegrador pesado e fez quatro covas.
Cobriu-as com galhos, deixando apenas uma entrada bem estreita; os galhos, por sua vez,
foram cobertos com terra.
Depois familiarizou Bell, Atlan e Tompetch com seu plano. Gorlat e a inteligência
de Solitude, que seriam os participantes principais, já haviam sido informados antes.
— Gostaria de saber por que você tem tanta certeza de que a K-238 vai voltar —
disse Bell.
Rhodan deu de ombros.
— É tudo cálculo, meu caro, apenas cálculo — respondeu Rhodan.
Dali a alguns minutos, os cem robôs lentos, vindos da caverna, viram três pessoas
num veiculo planador que saía do acampamento situado junto à depressão do solo.
Já os robôs rápidos viram cinco pessoas no veiculo que se deslocava com tamanha
lentidão que parecia parado no ar. É que para os robôs rápidos as figuras imateriais,
projetadas sobre o veiculo pela inteligência do ser de Solitude, eram perfeitamente
visíveis.
Os robôs rápidos não tiveram a menor dúvida de que o inimigo abandonara seu
acampamento, fugindo do exército de robôs lentos. Porém não ficaram sabendo que os
robôs lentos só viram três pessoas no veículo. Se tivessem sabido, provavelmente nem
teriam quebrado a cabeça sobre isso.

***

Rhodan e Gorlat mantiveram-se escondidos embaixo do solo, até que o ambiente


estivesse bem limpo.
— Caramba! Que calor faz aqui embaixo... — disse Rhodan com um gemido.
— Parece um forno — comentou Gorlat. — Onde eles estão?
— Longe daqui, espero. Apesar disso, será conveniente não nos mostrar-nos em
campo aberto. Durante o tempo que levamos para pronunciar uma frase de dez palavras,
os robôs rápidos consomem um ano de suas belas vidas. Poderiam voltar de um instante
para outro e descobrir-nos.

***

Deu certo. E deu certo porque era um acontecimento previamente estabelecido que,
segundo se verificou posteriormente, quando a teoria das diversas dimensões temporais
foi divulgada, não poderia ocorrer de forma diferente daquela que Perry Rhodan
imaginara.
Subitamente, a K-238 estava de volta.
Com uma rapidez de que só era capaz nos momentos de grande perigo, Perry saltou
do buraco onde se escondera e desceu pela encosta que levava ao fundo da depressão.
Dali a um segundo, viu que a luminosidade produzida pelos campos defensivos cessou.
Perry Rhodan comprimiu o botão do instrumento que transmitiria o código. Na
parede da nave, surgiu uma abertura, que antes não existira, e os campos defensivos
apagaram-se.
Rhodan saltou para a abertura, rolou pelo soalho da comporta e voltou a comprimir
o botão. Lá fora os campos defensivos voltaram a isolar a K-238 do mundo exterior.
Mas a tarefa de Rhodan ainda não estava concluída. Tirou a arma do cinto e abriu
um buraco de dez centímetros na parede interna da comporta.
Muito cansado, levantou-se e abriu a escotilha interna depois de ter fechado a
externa. Passando pelo corredor que se seguia à comporta, dirigiu-se à sala de comando.
Apesar do cansaço chegou depressa à sala de comando, e com a mesma rapidez
manipulou os controles que, em sua opinião, se tornavam necessários para que o êxito
fosse completo. Ligou os geradores de campo de refração, e não se espantou ao notar que
não os ouvia. É que as freqüências do som da outra dimensão temporal ficavam além de
todas as faixas perceptíveis a seu ouvido.
Mas viu o anel que se espalhou lá fora, além dos campos defensivos. Girou
lentamente um botão do painel que parecia mole como borracha, tal qual o da caixinha do
transmissor de código, e depois de algum tempo conseguiu que o campo de refração
circular, criado pelos geradores, fosse projetado para dentro da sala de comando.
Colocou-se à frente do anel leitoso, hesitou por um instante, e atravessou-o.

***

No mesmo instante, ouviu o zumbido agudo dos geradores de campo defensivo. O


som lhe parecia mais belo que o canto de um coro de anjos.
Olhou em torno e viu que o ambiente continuava inalterado. Achava-se ainda na sala
de comando da K-238. Mas nas telas...
A experiência fora bem sucedida. Retornara à sua dimensão temporal.
Ao olhar para a tela, viu que lá fora o Capitão Gorlat estendia a cabeça para fora do
buraco cavado na terra, parecia imóvel. Voltou a girar o botão do painel e fez com que o
campo de deflexão fosse projetado para um ponto situado fora da nave, apenas a um
passo do lugar em que se encontrava Gorlat.
Recostou-se na poltrona e pôs-se a esperar.

***

Imaginava o rosto de Reginald Bell no momento em que este perguntasse:


— Quer dizer que você sabia que a K-238 voltaria. Até sabia aproximadamente
quando. Será que esse seu conhecimento é um segredo de Estado? Ou prefere contá-lo a
mim?
Então ele, Rhodan, procuraria explicar-lhe como eram as coisas com os dois espaços
e as duas dimensões temporais. Esperava certas dificuldades. É que Bell, por mais
inteligente que fosse, tinha uma antipatia congênita contra tudo que não fosse palpável.
Especialmente quando, em virtude da ausência de teorias adequadas, a coisa impalpável
nem pudesse ser compreendida em termos matemáticos.
— Nossa missão em Solitude — explicaria — foi um movimento pendular entre
dois espaços diferentes, cada um com sua dimensão temporal própria. Nas primeiras
horas que se seguiram ao pouso, tanto nós como a K-238 fomos um corpo estranho nesse
espaço. Participamos dos acontecimentos que ali se desenrolavam, mas não pertencíamos
ao mesmo. Éramos um quisto de nosso Universo, encravado no espaço estranho.
“Foi então que demos o passo decisivo. Levamos a K-238 do primeiro local de
pouso para este em que nos encontramos agora. Naquela oportunidade, deslocamo-nos a
velocidade maior que a luz desenvolve neste Universo.
“Para um observador pertencente ao espaço em torno de Solitude com a respectiva
dimensão temporal, as coisas se passaram assim: ele viu quando decolamos do primeiro
local de pouso, mas não pôde ver-nos descer aqui. É que o pouso era uma decorrência
causal da decolagem antes realizada. E a cadeia da causalidade foi rompida em virtude do
deslocamento a uma velocidade superior à da luz.
“Para nós, as coisas foram diferentes. Deslocávamo-nos à velocidade ridícula de
quinze mil metros por segundo. Em nosso espaço, isso corresponde a apenas um
vigésimo da velocidade da luz. Decolamos e dali a pouco pousamos. Houve a seqüência
causal.
“A confusão só surgiu quando as quatro naves dos druufs projetaram um campo de
deflexão sobre a superfície de Solitude. Com isso, fomos transferidos para a outra
dimensão temporal, enquanto simultaneamente alguns dos seus robôs foram atirados para
nossa dimensão temporal, que é mais rápida. Assim, transformamo-nos em observadores
para os quais a K-238, em virtude do vôo a uma velocidade superior à da luz, rompeu a
cadeia da causalidade. Por isso, havia decolado no outro lugar, mas ainda não pousara
aqui. Portanto, não estava aqui quando procuramos por ela. Nem poderia estar.
“Com os druufs mais rápidos as coisas foram diferentes. Ocuparam nosso lugar,
viram a K-238 parada e roubaram-na.”
Neste ponto Bell provavelmente indagaria:
— Como foi mesmo a história da lâmpada que já estava acesa quando o homem
mexeu no interruptor? A perda da causalidade não significa que o efeito é anterior à
causa? Para um observador de Solitude a K-238 não deveria aparecer no lugar atual antes
que decolasse do ponto anterior?
Rhodan, que já estaria preparado para a pergunta, responderia o seguinte:
— A inversão de causa e efeito é apenas uma das expressões possíveis do fenômeno
não causai. Existem muitas outras. Um exemplo: uma bala que se desloca em direção ao
centro do alvo, mas em virtude da interferência de alguma força estranha não o atinge,
desaparecendo pouco antes do alvo e voltando a aparecer atrás dele, age por duas vezes
contrariamente à lei da causalidade. Em primeiro lugar, deixa de existir o efeito, que é a
ruptura do alvo, efeito este que teria de surgir após a respectiva causa, que é o tiro
disparado com a pontaria correta. Em segundo lugar assistiríamos a um efeito, isto é, o
desaparecimento e o reaparecimento da bala, sem que houvesse uma causa preexistente.
Após isso, Bell ficaria resmungando. Diria que é uma comparação idiota. Todavia...
ele, Rhodan, prosseguiria:
— Uma coisa semelhante aconteceu com a K-238. O efeito que deveria seguir-se à
causa, a decolagem, efeito este que seria representado pelo pouso, deixou de ocorrer. Ao
que tudo indica, devemos incluir uma proposição na teoria das dimensões temporais
diferentes: a soma de todos os efeitos sempre é igual à soma de todas as causas, mesmo
que a cadeia causal tenha sido rompida. À primeira causa que não produziu nenhum
efeito, teria de seguir-se um efeito sem causa. E esse efeito foi o pouso da K-238,
observado por Gorlat num momento em que ninguém esperava a nave. Esse efeito não
teve causa. Para um observador do planeta Solitude, a K-238 desapareceu por algum
tempo.
“Pois bem; agora está de volta, e esse fato representa o efeito final de uma
ocorrência não causai, ou melhor, de duas ocorrências. É possível calcular o tempo em
que um efeito sem causa se segue a uma causa sem efeito. Verifica-se que o excesso da
velocidade do objeto sobre a maior velocidade permissível, que é a da luz, constitui a
medida da falta de causalidade e do fenômeno colateral. Com base nas velocidades com
que a K-238 se deslocou ao ser levada do primeiro ao segundo local de pouso, pude
calcular o momento em que voltaria a aparecer aqui para o observador que se encontrasse
na dimensão temporal de Solitude. É claro que isso não passou de uma experiência. Mas,
conforme vê, esta foi bem sucedida.”
O que faria Bell depois disso? Cocaria a cabeça, e, fazendo pouco do espírito
científico, formularia a pergunta que nunca deveria ser formulada:
— Caramba! O que aconteceu com a K-238 que foi roubada pelos druufs?
A resposta a esta pergunta palpável, que girava em torno de coisas materiais, seria a
seguinte:
— Isso depende do ponto de vista sob o qual se queira encarar o acontecimento.
Para o observador que se encontre no espaço de Solitude os robôs dos druufs não
poderiam ter roubado a K-238, pois esta acaba de aparecer aqui.
“Mas o que se verificou no nosso espaço foi que os robôs rápidos dos druufs
retornaram automaticamente e sem qualquer interferência estranha à sua dimensão
temporal, no momento em que a K-238 se tornou visível no espaço de Solitude. E,
quando foram transferidos para a dimensão temporal mais lenta, a nave desapareceu para
eles.
“Seria a apresentação de um modelo. Quem quisesse fazer a representação figurada
de um fenômeno não palpável teria de contentar-se com o modelo, e via de regra este só
coincide com a realidade em poucos pontos, enquanto em outros dá origem a concepções
errôneas.”
Bell sabia disso e não prosseguiria nas perguntas. Talvez ainda fizesse uma
observação como esta:
— Parece que você penetrou profundamente no assunto. Face às suas conclusões
poderíamos supor que você já traz a teoria das duas dimensões temporais na ponta da
língua. É verdade?
Então responderia:
— Não. Apenas tenho algumas idéias que poderão facilitar o trabalho dos
matemáticos.
Bell saberia que essa apreciação era demasiadamente modesta, mas se daria por
satisfeito. Com isso, teria chegado ao fim da pesada tarefa de explicar a Bell uma coisa
impalpável cuja compreensão ele nunca poderia alcançar por iniciativa própria.

***

Dali a cinco horas, notou-se pela primeira vez que o Capitão Gorlat se movia. Mais
um tanto de sua cabeça já saíra do buraco.
Nesse meio tempo, Rhodan não vira nenhum robô rápido ou lento dos druufs nas
proximidades da nave. Segundo sua teoria, os robôs rápidos já não poderiam existir
depois do reaparecimento da K-238. O fato de Rhodan não ver nenhum não provava a
exatidão de sua teoria, mas proporcionava certo apoio à mesma.
Depois de oito horas, Perry ficou sabendo como acelerar o retorno de Gorlat para a
dimensão temporal terrana. Esperou até que Gorlat tivesse saltado de vez para fora do
buraco e parecia pairar imóvel no ar. Pegou uma vara comprida de plástico, saiu da nave
e, segurando o colarinho do uniforme de Gorlat com o gancho, que havia na ponta da
vara, puxou-o através do círculo formado pelo campo de refração. Teve o cuidado de
fazer com que Gorlat não entrasse em contato com o solo ou com as bordas do campo de
refração. Face à velocidade enorme com que o movimento foi executado na dimensão
temporal mais lenta, qualquer tipo de contato teria produzido sérios ferimentos.
Assim que acabou de passar pelo círculo, Gorlat caiu no chão e olhou em torno,
perplexo. Levantou-se e disse:
— Obrigado; estou contente porque este maldito calor acabou.

***

O resto foi fácil. Uma vez fechado o buraco na escotilha interna da comporta da K-
238, esta seguiu o veículo em que estavam Bell, Atlan, Tompetch e os dois fantasmas. A
seguir, arrastou seus ocupantes, com exceção dos fantasmas, através do campo de
refração, trazendo-os de volta para a dimensão temporal que lhes era própria.
Os dois fantasmas voltaram para as respectivas metades da inteligência de Solitude,
e a K-238 voltou a pousar junto à depressão, perto dos quatro buracos no solo. O ser de
Solitude levou algumas horas para recuperar o formato primitivo de seu corpo. Depois
também foi adaptado à dimensão temporal terrana, por meio do campo de refração.
Rhodan ficou refletindo sobre se valeria a pena procurar localizar mais uma caverna
de Solitude, retirar o hipertransmissor e verificar-lhe a regulagem direcional. Chegou à
conclusão de que agora, que a teoria das duas dimensões temporais já era conhecida e
provavelmente os matemáticos saberiam fazer muita coisa com a mesma, não havia mais
nada que impedisse que as naves terranas passassem à vontade de um plano temporal a
outro. A tarefa mais urgente seria a partir desse momento encontrar o planeta Peregrino. A
posição do mundo dos druufs poderia ser determinada em outra oportunidade.
Quanto ao mais, Reginald Bell formulou exatamente as perguntas que Rhodan
esperara. E deu-se por satisfeito e parou de perguntar exatamente no ponto em que
Rhodan esperara que isso acontecesse. Apenas fizera mais uma observação:
— Acho que está na hora de aposentar-me. Há setenta e cinco anos ainda me sentia
satisfeito por saber calcular de cabeça quanto eram dezessete vezes dezoito, e hoje tenho
que me martirizar com teorias como a das duas dimensões temporais. Para mim é demais.
A inteligência de Solitude não tinha vontade de permanecer em seu mundo natal.
Temia as perseguições dos robôs. De bom grado concordou com a proposta de Rhodan,
que pretendia levá-la à Drusus e posteriormente à Terra.
Finalmente a K-238 decolou e iniciou o vôo de regresso, sem preocupar-se com os
robôs inimigos, que se haviam espalhado por toda a área, à procura do inimigo
desaparecido.
No hangar da K-238, estava guardado o robô aprisionado, condenado à imobilidade
em virtude de sua dimensão temporal mais lenta. Só a bordo da Drusus lhe seria
proporcionada a transferência para a dimensão temporal terrana, a fim de que os técnicos
em eletrônica pudessem desmontá-lo e investigar o conteúdo de sua memória.
Rhodan teve a impressão de que não havia por que preocupar-se com o planeta
Solitude. Este era um posto avançado tão importante para os druufs, que os mesmos não
deixariam de fazer tudo para recolocá-lo numa órbita estável.
Poucas horas após a decolagem, a K-238 atingiu o ponto do Universo purpúreo em
que o campo de refração projetado pela Drusus formava uma superfície elíptica e
brilhante. A nave atravessou-a e passou imediatamente a um Universo cujo fundo era de
uma agradável negritude e cujas estrelas emitiam uma luz branca, com exceção de
algumas que brilhavam em outras cores.
Conseguiram voltar. Restava saber quanto tempo durara a missão segundo o
calendário terrano.
***

Por ocasião do regresso, o calendário marcava o dia 21 de abril de 2.042. Rhodan


teve de dar-se por satisfeito com isso — e realmente ficou satisfeito — pois se o fator de
distorção temporal fosse aquele que no outro universo fazia com que tudo corresse
setenta e duas mil vezes mais devagar que no Universo normal, a K-238 só teria
regressado depois de milhares de anos.
De qualquer maneira, o tempo era escasso. O prazo de que dispunha para visitar o
planeta Peregrino terminaria no dia 1o de maio. Rhodan convocou uma equipe de dez
especialistas para examinar o robô dos druufs. Disse preferir que o resultado lhe fosse
fornecido no mesmo dia.
Isso era impossível, e ele mesmo sabia disso. A equipe fez o que estava a seu
alcance e o exame foi concluído nas primeiras horas da manhã do dia 23 de abril.
E esse resultado foi mais elucidativo do que Rhodan esperava. Removeu os últimos
obstáculos que ainda se opunham à localização do planeta Peregrino. No robô, estavam
armazenadas informações não só sobre a causa da perturbação do campo gravitacional,
que atirara Solitude para fora de sua órbita, mas também sobre a direção que o planeta
Peregrino tomara depois de sua passagem por Solitude. E, mais do que isso, sabia de uma
coisa que deixou Rhodan perplexo e parecia provar que o ser coletivo de Peregrino não
ficara tão indefeso diante da superposição dos planos temporais como de início se
supusera.
Naquele momento, Peregrino já abandonara o universo dos druufs em outro ponto.
Os druufs não puderam fazer nada para evitar que isso acontecesse. Procuraram
conservar o mundo artificial em seu Universo, mas evidentemente o poder do ser coletivo
de Peregrino fora maior que o deles.
Depois de um breve vôo pelo espaço purpúreo, Peregrino voltara a seu Universo. A
trajetória que havia percorrido era conhecida. E essa trajetória permitiu a Rhodan calcular
o ponto em que, a essa hora, se encontrava o planeta. Esse ponto ficava na órbita
primitiva, mas num local que, em condições normais, o planeta só teria atingido dali a
dezoito mil anos.
O exame do robô trouxe uma série de outras informações da maior importância. O
produto dos druufs apresentava vestígios inconfundíveis da tecnologia druufiniana; era de
esperar que, dentro em breve, se saberia em que estágio do desenvolvimento tecnológico
se encontrava o inimigo.
Mas, no momento, Rhodan não se interessava por essas coisas. Mandou preparar a
Drusus para a decolagem. O ponto da órbita em que Peregrino se encontrava naquele
momento ficava a 9,5 anos-luz da posição atual da Drusus. Seria fácil vencer esse trecho
numa única transição.
A decolagem foi marcada para o dia 23 de abril de 2.042, às 20 horas, tempo de
bordo. Dali a oito dias, a imortalidade de Perry Rhodan chegaria ao fim. Mas, a essa hora,
talvez já tivesse certeza de que poderia cumprir o prazo...

***
**
*
Rhodan e sua equipe conseguiram um êxito
provisório contra os druufs. Entretanto ainda não
alcançaram o planeta Peregrino.
Em A Morte Espera no Semi-Espaço, título do
próximo livro, vão desenrolar-se lances de grande
emoção.

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