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Estética e Arte Pré-Colombiana

Tradução de: Esther PASZTORY. “Aesthetics and Pre-Columbian Art” In: Thinking with
things. Toward a new vision of Art. Austin: University of Texas Press, 2005, pp. 189-196.

Frequentemente se diz que nas sociedades arcaicas a arte está subordinada à religião. Soma-se a isso
o fato de que essas sociedades não têm uma palavra para designar “arte”. No entanto, elas possuem
um número notável de objetos formalmente sofisticados, que parecem satisfazer o conceito de arte
daquelas sociedades que o possuem. Além disso, apesar da aparente ênfase na religião, alguns dos
objetos mais sagrados nas sociedades arcaicas não são obras de arte formalmente requintadas, mas
objetos simples, rústicos, ou mesmo apenas encontrados na natureza, como pedras e penas em
feixes ou afloramentos rochosos, o que indica que a relação entre a arte e o sagrado não é uma
questão simples. O caráter artístico claramente abrange vestimentas, emblemas, brasões, palácios,
templos e imagens do mundo social e político. Assim, embora seus temas sejam muitas vezes
religiosos, a arte está, para dizê-lo mais corretamente, subordinada à sociedade1.
A estética surgiu como campo de estudo separado na filosofia europeia do século XVIII, quando a
crença na divindade como princípio organizador do mundo estava em declínio e as perspectivas
científicas tornavam-se cada vez mais difundidas e dominantes. Sob a perspectiva da estética, a arte
adquire algumas das qualidades transcendentais tradicionalmente associadas à religião. A "arte",
que em larga medida era pensada como artesanato, torna-se o trabalho do gênio e passa a ser
colocada em um pedestal, como se incorporasse "valores divinos". No século XVI, os clérigos
debatiam se os índios descobertos no Novo Mundo eram verdadeiramente humanos e dotados de
almas imortais, as quais valeria a pena salvar, ou se eram mais parecidos com animais cujo trabalho
poderia ser extensivamente explorado. No século XX, pouco resta daquelas qualidades
transcendentes, exceto os conceitos de "gênio" e "criatividade", vistos quase como sobrenaturais.
Nós nos apegamos desesperadamente à noção de uma "divindade" da criatividade que reside nos
humanos. Agora, as questões sobre os índios são: tiveram eles arte? E quão boa foi? Heidegger
concordou com Hegel que o conceito de arte sempre se refere ao passado e, portanto, é sempre um
olhar retrospectivo2. Assim como os clérigos uma vez decidiram quem tinha alma, nós agora
decidimos quem tinha arte e, portanto, seria plenamente humano. E o passado de Heidegger
também é representado, para nós, pelas sociedades tribais ou da "idade da pedra" contemporâneas.
A estética pré-colombiana pode ser reconstruída de duas formas: podemos fingir que abordamos
uma cultura desde seu interior ou podemos abordá-la do exterior, através de diversos pontos de vista
ocidentais. Apesar da atitude antropológica tradicional, que afirmava ser possível uma visão a partir
1
Esther Pasztory, "Shamanism and North American Indian Art," in Native North American Art History:
Selected Readings, ed. Aldona Jonaitis and Zena P. Mathews (Palo Alto, California: Peek Publications,
1982), pp. 7-30.
2
Martin Heidegger, "The Origin of a Work of Art," in Philosophies of Art and Beauty: Selected Readings in
Aesthetics from Plato to Heidegger, ed. Albert Hofstader and Richard Kuhns (Chicago: University of Chicago
Press, 1964); pp. 650-730; referência a Hegel, p. 702.
2

de dentro, essa reconstrução não deixaria de ser um artefato do pensamento ocidental. Muito das
reconstruções da vida exótica produzidas no século XX é tingida pelo primitivismo romântico, que
a vê mais como o "oposto" do que se imagina ser ocidental, do que como ela "realmente" é. Por
exemplo, embora as culturas tradicionais valorizem complexas técnicas artesanais como formas de
poder e controle do homem sobre a natureza e como demonstração da superioridade do intelecto
humano, essas culturas são sempre vistas pelos ocidentais como se fossem mais ligadas à natureza
do que nós. Nós as procuramos justamente para provar como é pouca nossa sintonia com a natureza,
e para expressar nossa nostalgia por um imaginário Eden de harmonia entre os seres humanos e a
natureza.
Os conceitos pré-colombianos de arte estão codificados nas próprias obras de arte, portanto estão
implícitos. Nós, os colecionadores, curadores, acadêmicos e turistas, extraímos uma filosofia
estética de trabalhos, textos e outros dados. É criação nossa. A estética não reside no objeto e
tampouco na mente do espectador, mas é uma complexa relação entre os dois. Reconstruir a
mentalidade do espectador pré-colombiano, sem textos ou testemunhas, é praticamente impossível.
No entanto, as culturas pré-colombianas são particularmente instrutivas para a busca intelectual
ocidental por compreender a natureza da arte. Em pelo menos uma sociedade pré-colombiana, os
maias clássicos, a arte parece ter sido um empreendimento mais autoconsciente, com um tipo de
glorificação do artista que estaria próxima dos conceitos ocidentais de arte e artista. Tendo surgido
fora das tradições do Velho Mundo, as culturas da América antiga são um fértil terreno de testes
para teorias derivadas do desenvolvimento da arte no Ocidente.
Antes de tentarmos uma reconstrução do conceito pré-colombiano de arte, é interessante notar como
o Ocidente passou a vê-la como "arte" e como ela foi ajustada aos esquemas estéticos ocidentais.
No século XVI, quando as Américas foram conquistadas, as únicas artes admiradas eram as da
arquitetura e da engenharia. As pontes, calçadas e os templos incas e astecas despertaram a
admiração de europeus acostumados a viver com arquitetura monumental. Era um sinal de alta
civilização. As outras artes eram vistas ou como imagens pagãs e obras do diabo, que deveriam ser
destruídas, ou simplesmente como estranhas curiosidades. Há uma famosa passagem nas anotações
de Dürer em que ele admira objetos mexicanos levados à corte de Carlos V em Bruxelas
simplesmente por sua ingenuidade e estranheza, da mesma forma como ficara fascinado por todas
as outras esquisitices que encontrara em sua viagem3. A linguagem que ele emprega para descrever
esses objetos não é a mesma empregada para a arte ocidental. Ninguém no século XVI admirava a
"arte" da ourivesaria o bastante para não derretê-la por causa do valor do metal. Pode-se dizer
categoricamente que nos tempos do Renascimento, as coisas pré-colombianas eram maravilhosas
curiosidades, mas não "arte". Além disso, apesar do interesse por estilos europeus locais – do norte
e do sul, florentino e veneziano –, era muito menos evidente, para eles, que esses objetos exóticos
tivessem um “estilo” próprio, para além de uma estranheza genérica, uma qualidade crua ou
grotesca. (A única tradição artística estrangeira que o Ocidente viu e compreendeu até certo ponto
foi a de países árabes islâmicos, por sua proximidade e sua história há muito entrelaçada com a do

3
Esther Pasztory, "Still Invisible: The Problem of the Aesthetics of Abstraction in Pre-Columbian Art and Its
Implications for Other Traditions". Res 19/20 (1990-1991): pp. 105-136.
3

Ocidente.) Portanto, não surpreende que nos muitos livros sobre as Américas gravados por Theodor
de Bry com frequência não haja um conhecimento preciso, ou o aparente desejo, de uma
representação estilística acurada4. Arcos romanos formam os edifícios e bandejas ou jarros europeus
aparecem nas mãos dos incas. Em uma gravura de de Bry, índios caribenhos nus também saúdam
Colombo com vasos de ouro renascentistas. Esta indefinição estilística é, em geral, válida para os
primeiros livros ilustrados, como o Nurenberg Chronicle (1493), onde todas as vestimentas e
construções de vários lugares e épocas aparecem como se fossem contemporâneas ou puramente
imaginárias.
Estilos reconhecidamente exóticos surgiram em ilustrações de meados do século XVII, como, por
exemplo, no tratado monumental sobre o Egito escrito por Athanasius Kircher5. O Egito
desempenha o papel do antigo exótico, o “outro” da civilização clássica europeia. Kircher compara
a arte egípcia a todas as artes exóticas do mundo por ele conhecido, incluindo a chinesa, a hindu e a
pré-colombiana, e suas ilustrações indicam um sentido estilístico para cada uma delas. Seu espírito,
no entanto, é mais científico do que artístico ou estético. Para a mentalidade de Kircher, todos estes
estilos eram semelhantes ao egípcio e entre si, portanto diferentes do ocidental. Sob vários aspectos,
esta atitude manteve-se vigente até a primeira metade do século XX.
Entre o final do século XVIII e o início do século XIX dá-se o grande momento de classificação das
artes e das civilizações no pensamento ocidental. Enquanto, por um lado, esta é a era de Lord Elgin,
da consagração museológica dos mármores do Parthenon e da glorificação da arte grega como
criação suprema do Ocidente por Winckelmann, por outro lado é também o momento de criação do
exótico, do não ocidental, do arcaico e do primitivo. O fascínio pela Grécia coincide no tempo com
o colossal projeto científico de Napoleão sobre as antiguidades do Egito, as visitas às ruínas do
oriente próximo antigo e o início da exploração e registo das ruínas maias. A apoteose do clássico e
o deleite do exótico vêm juntos e, de fato, definem um ao outro. Tanto John Lloyd Stephens quanto
Frederick Catherwood viajaram à Grécia, ao Egito e ao oriente próximo atrás de ruínas antes de
unirem forças em busca das ruínas maias. Sua atitude foi completamente comparativa.
Nada disto teria sido possível sem um conceito filosófico de estética. É precisamente a separação do
aspecto estético das obras de arte de seus aspectos funcionais, sociais e religiosos o que permite que
as artes estrangeiras não sejam mais vistas como ameaçadoras e heréticas. Enquanto o século XVI
viu a arte das Américas em termos religiosos, o século XVIII pôde vê-la de duas novas maneiras: a
científica e a estética. Ambas indicam uma grande mudança de atitude, para a qual os conceitos
kantianos de desinteresse, distanciamento e juízo universal de gosto são cruciais. Enquanto a atitude
científica é o distanciamento em prol do conhecimento, a atitude estética é de distanciamento em
prol da apreciação. Podemos agora entender e apreciar o que é estrangeiro sem que este tenha que
ser semelhante a nós. Não há nenhuma heresia nisto. O conceito de sublime do século XVIII
também abriu espaço para belezas e grandezas exóticas que não se encaixavam nos cânones da arte

4
A família de Bry publicou treze livros ilustrados, coletivamente intitulados As Grandes Viagens, entre 1590
e 1634 em Strasbourg e Frankfurt.
5
Athanasius Kircher, Oedipus Aegyptiacus, 4 vols. (Rome: Vitalis Mascardi, 1652-1654).
4

ocidental mas que poderiam incluir o estranho, o violento, o perturbador ou até mesmo o feio6. O
único elemento alheio à estética, para Kant, era o nojento.
A medida ocidental para a arte exótica era, e em grande medida continua a ser, a arte clássica,
especialmente a arte grega, que ainda em meados do século XX Gombrich considerava única e
"miraculosa" ("O Milagre dos Gregos")7. O naturalismo idealista, característico da arte grega, ainda
é, portanto, o estilo favorito do Ocidente. As esculturas maias, que chamaram a atenção do Ocidente
no final do século XVIII, foram imediatamente fascinantes precisamente porque tal "naturalismo
idealista" é sua marca registrada (consequentemente, os maias seriam considerados os "gregos do
Novo Mundo"). Quando Frederick de Waldeck, autoproclamado pupilo dos pintores neoclássicos
David, Vien e Prudhon, representou imagens de Palenque com certa entusiasmada inexatidão, ele as
viu aproximadas às formas neoclássicas8. Na verdade, os desenhos originais de Waldeck pertenciam
à "tradição científica", muito próximos de seus desenhos de peixes e flores, e nesse sentido bastante
exatos. No entanto, ao elaborá-los em pinturas, as formas maias começaram a parecer cada vez mais
ocidentais e clássicas, de modo a tornarem-se "belas", enquanto suas características grotescas
também foram exageradas para tornarem-se "sublimes". Em suas pinturas acabadas, ele as fez
maior, ao lado de pequenas figuras humanas, a fim de intensificar seu sentido impressionante
(Piranesi já havia empregado essas mudanças de escala para tornar mais exóticas suas vistas de
ruínas romanas). Muitos colecionadores modernos ainda apreciam a arte maia à maneira de
Waldeck, porque seus ideais de beleza estão próximos aos clássicos, a o que se soma a emoção das
características exóticas, dos misteriosos hieróglifos e dos elementos bárbaros (isto é, violentos ou
sexuais) que para o Ocidente significam o outro. No final do século XX, o estilo pré-colombiano
preferido e mais acessível continua a ser o maia.
A maioria dos outros estilos pré-colombianos teve que esperar a linguagem modernista do século
XX e o gosto pela abstração e pela convencionalização para serem vistos como obras de arte.
Enquanto a arte maia é elogiada por sua elegância e naturalismo, as artes de Mezcala, Teotihuacán
ou Tiahuanaco são apreciadas por sua abstração e comparadas a Brancusi, Braque ou Picasso. O
modernismo se constituiu em oposição aos valores clássicos de representação, e buscou como
autoridades e precursores vários estilos primitivos, arcaicos e medievais9. Não há dúvida, porém, de
que os modos ocidentais de arte incitam à apreciação pré-colombiana. A earth art minimalista da
década de 1960, por exemplo, tem franco interesse pelas famosas linhas do deserto de Nasca, no
Peru. A própria linguagem da apreciação dessas artes pré-colombianas é tomada diretamente da
análise formal da arte moderna, com sua preocupação com linhas e formas e a invenção de
engenhosas abstrações. Embora a arte moderna no Ocidente tenha uma aceitação considerável, ela
ainda é objeto de um gosto adquirido para a maioria das pessoas, cuja preferência é por formas

6
Edmund Burke, A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and Beautiful [1757];
(University of Notre Dame Press, 1968).
7
Ernst H. Gombrich, The Story of Art (London, 1950).
8
Claude-François Baudez, Jean-Frederick Waldeck, Peintre, Le premier explorateur des ruines mayas
(Paris: Hazan,1993).
9
Barbara Braun, Pre-Columbian Art and the Post-Columbian World (New York: H. N. Abrams, 1993). Ver
especialmente o capítulo sobre Henry Moore.
5

clássicas. Há, portanto, uma evidente classificação hierárquica das artes pré-colombianas, tanto na
mentalidade dos estudiosos quanto na do público. Esses gostos determinam a valoração, a
linguagem e mesmo os preços pagos pela arte pré-colombiana. Nesse sentido, o surgimento de
qualquer novo movimento artístico ocidental poderia, potencialmente, resgatar uma tradição
artística pré-colombiana mais obscura.
Por conta da preferência pela arte clássica, desde o século XIX as teorias evolucionistas acreditaram
que a arte, em geral, teria uma progressão estilística partindo da abstração (percebida como "bruta e
fácil") em direção ao naturalismo (visto como "sofisticado e difícil"). Esses conceitos derivam da
aproximação entre arte e tecnologia, segundo a qual a aquisição do naturalismo seria comparável a
um lento acúmulo de conhecimentos técnicos e científicos. Na maior parte de sua obra, Gombrich
ainda defende esta ideia, com base no tipo de "visão" necessária para o naturalismo, que para ele é
uma visão impessoal e científica com a qual se relacionam imagens ao mundo real, ao invés de
criarem-se, através de abstrações, mundos alternativos 10. A abstração é, portanto, associada ao
pensamento "mágico", em oposição ao "científico". Os termos que Gombrich utiliza para essas duas
visões são "conceitual" e "perceptivo". De acordo com o paradigma predominante na históra da arte
do século XIX, os gregos criaram uma arte "perceptiva" a partir dos rígidos cânones “conceituais”
da arte egípcia através da gradual identificação de imagens com a realidade. No século XIX,
antropólogos dedicados ao estudo do ornamento debatiam incessantemente se este teria surgido em
formas naturalistas e com o tempo se tornara mais abstrato, ou se ocorrera o oposto11. Essas teorias
evolucionistas pressupunham a evolução como gradual aprimoramento em uma única direção
(embora nem a arte medieval nem a moderna se encaixem muito bem neste esquema). Artes não
ocidentais foram frequentemente condenadas por não se ajustarem a seqüências evolutivas lineares
e, portanto, carecerem de "desenvolvimento" adequado, mantendo-se em um nível primitivo, não
naturalista.
A história da arte pré-colombiana, tal como a conhecemos até agora por meio da arqueologia, não
corrobora o paradigma ocidental evolucionista do naturalismo emergindo da abstração. A arte mais
antiga da Mesoamérica, a dos olmecas, é uma das mais naturalistas, tridimensionais e livres em
movimento (1300-900 aC). Depois disso, as artes terão, em geral, formas mais contidas. A arte
olmeca não parece ter emergido de uma tradição prévia, mais "abstrata", mas sim ter sido
plenamente inventada dessa maneira. Alguns séculos mais tarde, a arte maia clássica atravessaria
700 anos de história, nos quais, por cerca de 150 anos, houve um notável naturalismo (650-800 dC).
A arte andina tem seu momento idealizado/naturalista no estilo moche (200 aC-600 dC), mas depois
torna-se progressivamente mais abstrata e concisa. O naturalismo idealizado ocorre em vários
pontos da história pré-colombiana, mas é mais episódico do que continuamente desenvolvido.
Por terem emergido inteiramente à parte das artes do Velho Mundo, as artes pré-colombianas são
cruciais para a compreensão da evolução da arte e dos papéis do naturalismo e da abstração. Está

10
Ernst H. Gombrich, Art and Illusion (Princeton: Princeton University Press, 1960).
11
Para W H. Holmes, ver D. Meltzer e R. C. Dunnell (orgs.), The Archaeology of William Henry Holmes
(Washington, DC: Smithsonian Institution Press, 1992), e para Hjalmar Stolpe, ver Henry Balfour (org.),
Collected Essays in Ornamental Art (Stockholm: Aftonbladets tryckeri, 1927).
6

claro que o naturalismo e a abstração são escolhas culturais, potencialmente sempre possíveis, e não
degraus em uma escada ou pontos em uma escala. O naturalismo não é uma visão específica,
tampouco uma habilidade tecnológica pertencente a um determinado estágio da cultura; ele tem
mais a ver com as demandas sociais e políticas de um determinado contexto. Além disso, também
está claro que não há necessariamente um desenvolvimento unívoco e global nas artes de uma
mesma área.
O desenvolvimento é, em larga medida, restrito à arte de culturas individuais, como a olmeca, a
moche ou a maia. Dentro de culturas individuais há desenvolvimentos que podem ser descritos
como formativos, clássicos ou barrocos, e tendências em direção ao naturalismo ou distanciando-se
dele. Mas as disjunções entre as culturas são grandes o suficiente para redirecionar a arte em
quaisquer novas direções, de acordo com as condições sociais dadas. Os desenvolvimentos da arte
ocidental foram tão atraentes para historiadores da arte como Wölfflin precisamente porque eles
eram parte de uma única tradição cultural.
Para reconstruirmos a estética pré-colombiana precisamos lidar com o contexto, tal como este se
define antropologicamente. A questão mais imediata é a função da arte, dita “utilitária" em
sociedades tradicionais e "livre" no moderno Ocidente. Embora possamos dizer que, enquanto
encarnação de valor, status, gosto e intelecto, a arte de todos os períodos tem uma função similar, há
de fato uma diferença entre conceitos implícitos e explícitos de estética. Culturas pré-colombianas,
cujas artes sobreviveram em meios permanentes, eram sociedades hierárquicas complexas,
definidas como cacicados e estados. Já que essas culturas tinham sistemas de escrita limitados, os
trabalhos de arte eram seus meios de comunicação mais importantes12. Embora seus meios fossem
estéticos, estes eram tão implícitos quanto o bom design de um carro ou um foguete é implícito –
não eram, de fato, sua função primária (geralmente, nós não perguntamos quem desenhou as linhas
de um ônibus espacial). Qualquer análise dos poucos textos disponíveis sobre as artes ou os artistas
astecas, incas e maias indica uma alta consideração pela habilidade, a capacidade de compreender
uma tarefa em termos do gênero exigido, e a imaginação para inventar algo novo e diferente13.
Curiosamente, as artes tradicionais não-ocidentais são consideradas não apenas conservadoras e
imutáveis (o exemplo egípcio é usualmente citado), mas também extremamente variadas e
engenhosas (a grande variedade de estilos não-ocidentais). A variedade de estilos existentes por
todo o mundo, arqueologicamente, só faz sentido se a noção de permanência da tradição for muito
vagamente compreendida na maioria destas culturas.
Toda cultura tem seu conceito de belo. Muito frequentemente, isso fica evidente em uma figura
humana idealizada ou estilizada, ou em um ornamento elaborado. Através da análise de textos e
contextos, sabemos que o belo, o bom e o poderoso eram muitas vezes equiparados uns aos outros.
É característica das artes pré-industriais dos estados uma alta valorização da habilidade técnica, do
virtuosismo artesanal e do emprego intensivo do tempo no trabalho – o uso de ferramentas de pedra

12
Esther Pasztory, "The Function of Art in Mesoamerica," Archaeology 37, no. I (1984): 18-25.
13
Sobre o artista e os conceitos de arte asteca, ver Miguel León-Portilla, Aztec Thought and Culture
(Norman: University of Oklahoma Press, 1963), e Esther Pasztory, Aztec Art (New York: H. N. Abrams,
1983).
7

para esculpir jade e basalto no México, as minuciosas técnicas têxteis dos Andes. Há também
evidências de que o artista era visto como tendo um poder criativo misterioso, próximo ao
sobrenatural, e que parte desse poder seguia residindo na obra criada por ele.
O que a maior parte da arte pré-colombiana não compartilha com a arte ocidental posterior ao
Renascimento é um tipo de contexto geral que inclui um "culto ao sentido estético" e um "culto ao
artista." Os artistas não assinavam suas obras nem criavam imagens de si mesmos. Talvez as
características estéticas de suas obras tenham sido discutidas, avaliadas como melhores ou piores
que outras, mas não havia uma filosofia da arte. Isto não quer dizer que essa arte fosse anônima, já
que os artistas eram muito provavelmente conhecidos em sua época. Mas a ausência de glorificação
do artista afeta a natureza da arte criada, confere-lhe uma qualidade simples e direta, autoconfiante
e desinibida, por vezes muito admirada por culturas esteticamente contrangidas como a nossa. O
tipo de esforço maneirista pelo efeito – ou por uma espécie de assinatura visual – é geralmente
inexistente na arte pré-colombiana.
Nas Américas, uma exceção parcial a isto é a cultura maia, que parece expressar um culto ao
sentido estético. A prova de que os maias se concentraram especificamente na dimensão estética
como uma faceta da experiência vem da natureza de sua arte e suas inscrições. O esteticismo entre
os maias é geralmente um aspecto da ênfase sobre governantes e aristocratas. A glorificação de
realizações individuais caracteriza grande parte da arte maia, que está preocupada com questões
dinásticas, como ascensões e conquistas. Governantes são por vezes individualizados em retratos ou
em inscrições que trazem seus nomes, provas de sua legitimidade e suas façanhas14. É esse clima de
celebração de realizações individuais que parece estar por trás do desenvolvimento artístico de cada
cidade. Dentro do curto período da arte maia clássica (250-900 dC), há uma grande variedade de
estilos regionais: cada cidade maia tinha seus próprios gêneros e formas, como acontecia nas
cidades da Itália renascentista.
Proskouriakoff demostrou que as mudanças de estilo ao longo do tempo afetaram a arte de todas as
cidades maias, indicando altos níveis de interação entre elas. Segundo sua conceituação, essas fases
são comparáveis às noções europeias de desenvolvimento, em fases formativa, clássica e barroca15.
Dentro de uma determinada área, como Yaxchilan, é relativamente fácil identificar o trabalho
individual de um escultor com base no estilo16. Avanços no estudo das inscrições hieroglíficas
tornaram possível perceber os estilos favorecidos e apadrinhados por um governante.
A preocupação estética também é evidente na concepção de monumentos, nos quais a elegância das
formas e o requinte dos detalhes sugerem clientes interessados em questões estéticas e refinamentos
especialmente perspicazes. Todos esses elementos podem ser lidos nas obras artísticas a partir de

14
A produção de retratos entre os maias foi amplamente discutida, primeiramente, por George Kubler em
Studies in Classic Maya lconography, Memoirs of the Connecticut Academy of Sciences, vol. 18 (New
Haven, 1969).
15
Tatiana Proskouriakoff definiu o estilo maia em termos de desenvolvimento de tendências. The Study of
Classic Maya Sculpture, Carnegie Institution of Washington, Pub. 593 (Washington, DC, 1950).
16
Marvin Cohodas, "The Identification of Workshops, Schools and Hands at Yaxchilan, a Classic Maya Site
in Mexico". Proceedings of the 42nd International Congress of Americanists 7 (1976): 301-313; Carolyn
Tate, Yaxchilan: The Design of a Maya Ceremonial City (Austin: University of Texas Press, 1992), 29-49.
8

um conhecimento intercultural de arte. Recentes escavações e descobertas trouxeram à luz provas


mais específicas desse interesse estético na forma de uma escultura de Copán, uma divindade
representada como um artista com um pincel nas mãos 17, bem como nos nomes em cerâmicas que
são interpretados por alguns estudiosos como nomes dos artistas que as pintaram18. A mais
dramática dessas provas é um osso esculpido de Tikal, que representa a mão de um artista
segurando um pincel e emergindo da boca de uma criatura sobrenatural, semelhante ao modo como
as divindades são frequentemente representadas emergindo também de bocas sobrenaturais19. Não é
preciso muita imaginação para interpretarmos essa mão com pincel como uma representação do
aspecto divino da criação artística. Várias fontes pré-colombianas indicam que os filhos mais jovens
de famílias aristocráticas estavam envolvidos em diferentes tipos de atividades artísticas e que a
atividade artística era parte integral da vida na corte, especialmente entre os maias.
Além do naturalismo idealista, um auto-consciente esteticismo aproxima os maias do ideal clássico
de alta arte no Ocidente. Uma questão realmente interessante é por que esse explícito esteticismo se
desenvolveu entre os maias apenas por um período de tempo relativamente breve. Uma possível
resposta é que, como na arte dos balineses ou na corte de Luís XIV, os senhores maias governassem
através de uma forma de teatralidade, que tinha na estética um componente extrememente
significativo e nobre20. A dimensão estética era privilegiada por ser, de certa forma, socialmente
útil. Como Geertz observou sobre Bali, a atividade estética teatral pode ser um meio para o Estado
forjar – e, dessa forma, de fato adquirir – um poder que ele não seria capaz de concentrar através de
outros meios mais práticos. Outra resposta possível é que, com o alto desenvolvimento da escrita
hieroglífica, as imagens foram liberadas da necessidade de transmitir certos tipos de informações e
tornaram-se disponíveis para comunicar ideias sobre a própria arte. No entanto, isso não responde à
questão de por que a escrita era muito mais elaborada entre os maias do que o era entre seus
vizinhos. A escrita parece ter sido investida de um interesse artístico semelhante ao da caligrafia na
Ásia. Independentemente de suas causas e seus efeitos, os maias distinguiram claramente imagem e
texto, e foi a partir dessa separação que surgiu o esteticismo explícito.

A atitude estética pressupõe que a raison d'être dos objetos de arte é ser visual. Isto é, eles podem
ser examinados, decodificados, apreciados, talvez até mesmo temidos ou odiados, mas a experiência
sensorial da visão e a intencionalidade de certo efeito visual são presumivelmente primárias. Este é
certamente o caso da arte ocidental desde o Renascimento; uma obra de arte invisível é
insignificante. (Valor de mercado e deleite estético passam a ter um público. A arte do século XX
tentou inverter esse valor através da criação de obras de arte não visuais ou não colecionáveis).

17
William L. Fash, Scribes, Warriors and Kings: The City of Copan and the Ancient Maya (New York:
Thames and Hudson, 1991), fig.76.
18
Dorie Reents-Budet, Painting the Maya Universe: Royal Ceramics of the Classic Period (Duke University
Press, 1994).
19
Michael D. Coe, The Maya (New York: Thames and Hudson, 1966), fig. 66.
20
Arthur A. Demarest, "Ideology in Ancient Maya Cultural Evolution: The Dynamics of Galactic Polities," in
Ideology and Pre-Columbian Civilizations, ed. Arthur A. Demarest and Geoffrey W Conrad (Santa Fe, New
Mexico, 1992),135-158. O conceito de "estado de teatro" está baseado em Clifford Geertz, Negara: The
Theatre State in Nineteenth Century Bali (Princeton: Princeton University Press, 1980).
9

Sociedades arcaicas não são nem visuais nem antivisuais nesse sentido. Os astecas esculpiam a
parte inferior de esculturas colossais com imagens intrincadas da terra, presumivelmente para a
apreciação visual de um público sobrenatural com gosto humano. Muitos relevos maias, como
lintéis, foram originalmente incorporados a contextos arquitetônicos com má iluminação e de difícil
visualização, acessíveis apenas à elite. Os desenhos das linhas de Nasca são visíveis principalmente
a partir do céu ou parcialmente a partir de uma colina próxima, mas eram invisíveis para quem os
desenhava e para seus usuários, tal como os compreendemos hoje. O esteticismo assume modos de
exibição – em uma igreja, um museu, um palácio ou em casa – nos quais uma obra pode estar
presente como ornamento de fundo ou como foco da atenção.
O esteticismo emerge em um continuum e não como uma etapa definitiva. Está, de todo modo,
sempre envolvido com um modo de exibição e, portanto, com o poder secular e político ou com a
pompa e circunstância do poder religioso. Os objetos mais sagrados de muitas culturas ou são
objetos naturais não manipulados por seres humanos, como as rochas de Meca e Jerusalém, ou
objetos rústicos e não estéticos, como o boli (imagem de madeira/lama/sangue/pano) dos Bamana.
Em muitas culturas, as obras de arte são destruídas ao longo de seu uso. O "oráculo" no templo
andino de Chavín de Huántar era uma pedra natural toscamente esculpida, muito menos acabada e
"bela" do que as talhas no pátio das ante-salas21. Huitzilopochtli, o deus patrono asteca, não tinha
imagem e talvez tenha sido um conjunto de poderosos feitiços em um recipiente ou uma imagem
em material não sólido22. Na Acrópole, a estátua realmente sagrada de Atena era uma velha imagem
de madeira, e não aquela obra prima colossal de Fídias, em ouro e marfim, no Partenon. Em muitas
culturas, objetos naturais, brutos ou velhos são mais venerados como sacra do que aqueles novos ou
elaborados.
Objetos magníficos enterrados com os mortos em muitas culturas do passado também ilustram a
questão de que a disponibilidade para uso e a visibilidade para os vivos nem sempre foram a base da
função dos objetos no passado. O belo e elaborado, quando é feito para ser visual, destina-se à
comunicação com um público humano em algum contexto social. Em um funeral espetacular, há
sempre pelo menos uma exibição final grandiosa para o público; subsequentemente, os objetos
comunicam-se funcional e esteticamente com os mortos e os deuses. O estético, nesse sentido, é um
valor social mais imanente do que transcendente. Os poderes supremos do não visto são muitas
vezes percebidos como inefáveis e invisíveis, incompreensíveis para além do campo das artes
visuais.
Os aspectos transcendentes da estética – a arte transformada em expressão do divino nos homens –
emergem plenamente no pensamento europeu do século XVIII, associados com o declínio da fé
religiosa. Desde o século XVIII, a estética se tornou uma espécie de religião, um substituto para as
formas de culto ao passado, tendo o museu como seu templo23. Esta não é, contudo, uma mudança

21
Richard L. Burger, Chavin and the Origins of Andean Civilization (New York: Thames and Hudson, 1992),
fig. 126.
22
Elizabeth H. Boone, "Incarnations of the Aztec Supernatural: The Image of Huitzilopochtli in Mexico and
Europe." Transactions of the American Philosophical Society 79 (1989).
23
Tony Bennett, The Birth of the Museum (London: Routledge,1995).
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súbita e total, nem é restrita ao Ocidente. Várias formas de esteticismo existiram na Ásia e na
África, bem como na América pré-colombiana. Paradoxalmente, embora a estética sempre tenha
sido percebida como tendo algo de sobrenatural, ela é predominantemente secular e mundana em
suas manifestações; isso, também, ela tem em comum com aspectos da religião.
Um dos aspectos mais marcantes das artes arcaicas e exóticas é a facilidade com que nós as
reconhecemos como "artes" e até onde podemos compreender a sua "mensagem" formal, mesmo
que seus significados culturais precisos sejam desconhecidos. Uma das observações mais
importantes de Kant sobre o juízo estético é que ele é universal – mesmo se não concordamos no
gosto, o simples fato de podermos discutir gosto significa que temos bases comuns. Não precisamos
ter as mesmas opiniões, mas temos uma capacidade similar para formar juízos. O próprio gosto de
Kant parece ter pendido para alegorias clássicas e jardins ingleses, mas tatuagens maori, jardins de
pimenta da Sumatra, matemática e tulipas estão entre o vasto leque de coisas globais que
informavam seu pensamento24. Este conceito do século XVIII, de uma habilidade compartilhada e
universal para o julgamento estético, se relacionava com uma nova capacidade de ver e valorizar as
artes exóticas como desejáveis e prazerosas. Rotineiramente, muitos estudiosos e viajantes do
século XVIII comparavam as artes de todos esses povos em gráficos25. O objetivo destas
comparações era mostrar as semelhanças, apesar das aparentes diferenças, entre egípcios, hindus,
maias e outros estilos. Embora essa tentativa pareça ingênua para nós, hoje tão sintonizados com o
estudo da diferença, ela sublinha a tendência universalizante desse século e o processo pelo qual o
estrangeiro tornou-se acessível como arte em termos ocidentais. No século XVI, o deus asteca
Huitzilopochtli foi representado em gravuras europeias como um diabo com cascos. Para o século
XVIII, a arte pré-colombiana se aproxima mais à arte grega; para o século XX, ela supera o
cubismo em abstração e complexidade.
Embora a arte pré-colombiana revele grande riqueza e variedade de tradições e uma estética
implícita, e embora tenha sido – e ainda será – usada para justificar e autorizar as experiências
ocidentais na arte, como fez Henry Moore, ela é um corpo passivo de material sobre o qual as
teorias estéticas podem ensaiar seus jogos e testar suas várias idéias26. Embora estes jogos estéticos
tenham sido vistos como suspeitos aos olhos de estudiosos de orientação antropológica e
interessados em sérias reconstruções culturais, será que gastaríamos a energia que gastamos em
escavações e análises dos maias se não fosse, em larga medida, por causa do que a arte maia
significa para nós? Enquanto afirmamos que a razão, a ciência e a tecnologia são mais centrais do
que a arte em nossa cultura, nós definimos os povos e as culturas do passado por sua arte. Importa
sim, e muito, quem tem arte e que tipo de arte é essa.

24
Immanuel Kant, Critique of Judgment, ( [1790] Indianapolis: Hackett, 1987).
25
Baudez (ver nota 8), fig. 25.
26
Barbara Braun, "Henri Moore and Pre-Columbian Art." Res: Anthropology and Aesthetics 17/18
(1989):158-197.

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