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Burocracia de Estado
OrganiZLlção
Muito cuidado e atenção foram dedicados à edição deste livro, no entanto a metodologia utilizada, citações e
referências bibliográficas dos textos são de inteira responsabilidade dos autores.
Título
Marxismo e burocracia de Estado
Conselho Editorial - Catálogo Geral
Editor -Ailron Siqueira de Sousa Fonseca
Edson de Carvalho Júlio Ribeiro Soares
Luci Mendes de Melo Bonini
Coordenador Editorial Rosália Maria Netto Prados
Antonio Deusivam de Oliveira
Preparação e reuisáo de texto
Capa e Projeto Gráfico Livia Campos
Kelli Costa
Marxismo ~ burocracia de Estado / organizado por Elcernir Paço Cunha. Campinas: Papel Social,
2017.
20-1p.
Inclui Bibliografia
ISBN 978-85-655-10-38--1
I. Socialismo 2. MaIX, Karl, 1818-1883 3. Burocracia -I. Estado 5. Ciências sociais 1. Cunha, Elcernir
Paço.
PAPEL SOCIAL
www.editorapapelsocial.com.br
editorial.editorapapelsocial@gmail.com
Rua Antonio Bertoni Garcia, 634 - Jd. Von Zuben
CEP: 13044-650 - Campinas - SP111-9 8300 9086119-3276-9859
Sumário
Apresentação 11
Artigo 1 15
Artigo 2 39
Artigo 3 63
Claudio Gurgel
Artigo 4 87
Maurício Tragtenberg
Artigo 6 123
Artigo 7 147
Artigo 8 163
Artigo 9 181
Claudio Gurgel
Economista, mestre em Administração Pública, mestre em
Ciência Política, doutor em Educação e professor da Faculdade
de Administração da Universidade Federal Fluminense (UFF)
onde atua como membro do Programa de Pós-Graduação
em Administração. É autor de A geréllcia do Pensamento e Gestào
Democrática e Serviço Socia/princípios epropostas para a interoenção crítica
(em coautoria com Rodrigo de Souza Filho).
Elaine Rossetti Behring
Felipe Demier
8
Marina Barbosa
Mauricio Tragtenberg
124
proletário: o chamado "tribuno revolucionário e o burocrata".
Quanto às tendências burocráticas no movimento sindical, em
linhas gerais, Lênin considerava que ao reduzir a defesa dos interesses do
proletariado à dimensão mais superficial dos antagonismos postos na realidade,
a postura economicista terminava por abandonar a totalidade das grandes
questões políticas à burguesia liberal, que desse modo não se via ameaçada
nos fundamentos da forma social que lhe favorecia. Lênin observava que a
espontaneidade sob cujas bases esses movimentos norteavam suas ações
conduzia a automatismos, a reações imediatistas, abandonando, desse modo, os
problemas mais fundamentais da configuração social, de forma a privilegiar as
questões diretamente vinculadas às reivindicações econômicas mais evidentes.
Tais perspectivas burocráticas consideravam a interferência do partido
(comunista), assim como de quaisquer outras intervenções que pudessem advir
de fora do movimento dos trabalhadores, como prejudiciais às causas operárias.
Precisamente, tal orientação recebe as duras criticas de Lênin.
Com base nessas criticas, Lukács destaca a relação entre o burocratismo
e a espontaneidade ao observar que
125
A este caráter imediato do objeto, corresponde necessariamente a
redução do sujeito à espontaneidade do comportamento. Tudo o
que ultrapasse esta espontaneidade e se baseia no conhecimento
das relações objetivas e das leis dinâmicas da sociedade como um
todo - tudo isso é repudiado "em princípio" como sendo "não
proletário", "elemento estranho" etc. O caráter primitivo das
reações espontâneas diante das situações imediatas é contraposto ao
~ ..
conhecimento teórico da totalidade, que é uma forma mais alta de
subjetividade, uma relação mais adequada com a realidade .. (Idem.)
126
indispensável romper com a espontaneidade. E isto porque somente
através desta ruptura é possível aringir a consciência das forças que
operam na sociedade, de sua direção e de suas leis, da possibilidade de
influir sobre elas; e este conhecimento pode se tornar o patrimônio
espiritual dos que lutam para melhorar a realidade. (Ibidem, p. 111.)
127
fundo como fundamento da ação; a consciência adquire um papel ativo adiante
da própria realidade, na medida em que não é simples reação aos acontecimentos
imediatos, mas a reflexão mais aprofundada acerca dos processos sociais que
levam às situações de crises e conflitos.
Precisamente nas diferenças estabelecidas entre ações dirigidas à realidade
imediata e aquelas cujo fundamento da prática se alicerça em uma compreensão
da totalidade social, podem ser estabelecidos os traços mais decisivos da
determinação da burocracia. Para o autor, ainda que Lênin tenha circunscrito
sua análise às considerações ao contexto histórico russo e do movimento
operário na Europa, nelas estão contidos lineamentos gerais sobre a questão
da burocracia. É possível, pois, traçar um paralelo entre a atitude comum aos
sindicatos tradeunionistas e às dinâmicas que vigoram na base da sociabilidade
capitalista. O elemento que une tais vertentes aparentemente tão díspares - já
que constituem campos contrapostos de interesses - é a mesma orientação que
negligencia o conhecimento das bases objetivas da sociabilidade.
128
a compreensão e ação no âmbito dos fenômenos SOClalS.O "cárcere da
espontaneidade" aparece como componente decisivo da manutenção do
status quo ao abdicar do "conhecimento das leis da sociedade capitalista". Nas ::;
129
esclarecida, pois à primeira vista falar de espontaneidade nos leva para além de
uma das características mais peculiares da burocracia, isto é, as ações mecânicas
determinadas por padrões previamente fixados. No entanto, analisando mais
a fundo o problema, Lukács demonstra a íntima relação existente entre a
burocracia e a espontaneidade.
1. Por mais que em alguns momentos () pensador húngaro faça referências diretas a \'V'ebcrsua posição é frontalmente
critica a seu pensamento . .-\S pondcmçócs criticas ele J ..ukács baseiam-se na mesma consideração analisada da perda da
totalidade c da renúncia do pensamento burguês ao conhecimento da realidade objetiva. Não existe no pensamento de
\,\·H)Crc de outros sociólogos alemães contemporâneos a ele a determinação central da legalidade tendencial que orienta
os lineamentos mais gerais das diretrizes assumidas pela realidade dos processos sociais do capitalismo. Por esse motivo,
a concepção wcbcriana c a sociologia alcmà no geral "tem como consequência necessária o fato de a economia capitalista
ser posta de cabeça para baixo, na medida em gue os fenômenos superficiais são vulgarizados e assumem a condição de
papel primário em detrimento do problema do desenvolvimento das forças produtivas. Essas abstrações deformadoras
conferem à sociologia alcrnâ também a possibilidade de dar às formas ideológicas, particularmente ao direito e à religião,
uma igualdade com a economia, de lhes atribuir até mesmo um papel causal superior" (Lukâcs 1974, v. m, p. 59).
130
da sociedade existisse de maneira separada do conjunto das relações sociais. As
questões acerca das origens desses protocolos, dos princípios sobre os quais
eles apoiam suas decisões, das demandas sociais às quais eles respondem, são
escamoteadas, isto é, desaparecem ante a um conjunto de atos e diretrizes
fixados de maneira mecânica. Passam assim a operar de maneira autônoma,
como se possuíssem uma imanência e uma lógica própria, completamente
independente das outras instâncias da ordem social. Em suma, a ação mecânica
do burocratismo é precisamente a expressão do espontaneísmo, pois significa
agir de maneira imediata empregando um conjunto de reações e respostas fixado
pela força do hábito, orientado por princípios fixos que agem como critérios
exclusivos de decisão negligenciando outras dimensões da prática social.
131
permanecem, em última instância, em inexorável interação mesmo quando os
indivíduos que atuam em sociedade as tomam como esferas separadas. A ação
individual circunscrita à atividade singular apresenta pontos de convergência
com tendências e direcionamentos atinentes às próprias leis e necessidades
do ordenamento social em curso. Sem que seja necessária plena consciência
sobre o fato, a ação espontânea dos indivíduos atua como reflexo da legalidade
predominante na sociabilidade do capital- ainda que por meio de diversificadas
mediações. Desse modo, a atividade burocrática reproduz mecanismos e ações
que atingem diretamente outros campos da atividade social; não é imparcial
diante desses direcionamentos, muito embora conduza seus atos e decisões pelo
plano imediato de seu campo restrito de ação. Precisamente nesse campo, porque
engendrado pelas próprias necessidades do sistema, responde afirmativamente
às condicionantes de manutenção da ordem estabelecida.
Evidentemente essa relação deve ser compreendida por meio de relações
que envolvem contradições e antagonismos entre a burocracia e os interesses
da própria burguesia. Trata-se de uma relação complexa e desigual que de modo
algum deve ser compreendida como um reflexo simples e direto, como simples
resultado dos interesses burgueses sem mediações específicas. Para explicar essa
relação contraditória, Lukács reporta-se a Engels.
13:2
habituação de seus pensamentos e de sua forma de agir e julgar. Desse modo,
é introduzida a discussão sobre a categoria "hábito", reportando diretamente
a uma profícua e decisiva discussão da filosofia - voltaremos mais adiante a
esse problema. No que tange ao nosso problema, são traçados os seguintes
lineamentos em torno da questão do hábito na sociabilidade do capital:
2. No evolver da produção capitalista desenvolve-se uma classe de trabalhadores que, por educação, tradição c hábito,
reconhece as exigências desse modo de produção como leis naturais c evidentes por si mesmas. .:\ organização do
processo capitalista de produção desenvolvido quebra toda a resistência; a constante geração de uma supcrpopulação
relativa mantém a lei da oferta e da demanda de trabalho, c, portanto, () salário, nos trilhos convenientes às necessidades
de valorização do capital; a coerção muda exercida pelas relações econômicas sela o domínio do capitalista sobre o
trabalhador. .A violência cxtraeconômica, direta, continua, é claro, a ser empregada, mas apenas excepcionalmente. Para
o curso usual das coisas, é possível confiar o trabalhador às "leis naturais da produção", isto é, à dependência em que ele
mesmo se encontra em relação ao capital, dependência que tem origem nas próprias condições de produção e que por elas
é garantida e perpetuada, {Marx, 2013, p, 808-9,)
lY'>
Desse modo, a burocracia constitui elemento indispensável para a
sociedade burguesa. Vigorou em seus primórdios como estratégia necessária de
transformação social, como combate à formação societária anterior (feudalismo)
~.. e vigora ainda na atualidade como perpetuação da forma social estabelecida
pela classe burguesa.
134
se habituem espontaneamente a determinados comportamentos.
Ou seja, a comportamentos que, seguindo Marx, podem ser assim
descritos: os mandamentos e as proibições das leis, de modo .':'
135
Mais à frente o autor acrescenta:
3. Diferentemente do que afirmam alguns críticos, ao longo de roda a sua vida Lukács teceu profundas criticas ao sralinismo,
muito embora nos períodos mais reprcssorcs do sistema soviético tenha sido necessário agir de maneira velada e estratégica
na exposição de suas opiniões. Sobre a relação de J .ukács com o sralinismo, ver (Tertulian, 2007)-
136
medida oriundos do taticismo de Stálin que conduziram a União Soviética à
instauração de uma forte burocracia estatal. Contra "a opressão dogmática de
uma burocracia tirânica" (Lukács, 2008a, p. 43.) promovida pelo stalinismo, o
pensador magiar recobra as palavras de Lênin e afirma peremptoriamente,
Os que conhecem seus escritos e cartas dos últimos anos de vida sabem
com que tenacidade Lênin travou esta batalha contra a burocracia em
todos os campos da vida do Estado e da sociedade; basta lembrar,
por exemplo, que ele pensou até mesmo em expulsar do Partido
colaboradores de peso (como Orjonikidze) porque, retomando a
certos modos de atuação próprios da guerra civil, eles violavam os
princípios da democracia proletária. [...] Quem estudar com atenção
seus escritos preparatórios da revolução percebe facilmente que, para
ele, a atividade autônoma dos trabalhadores, desde a vida cotidiana até
a grande política, constituía um dos principais indicadores de que estes
estavam maduros para a revolução socialista. (Lukács, 2008b, p. 116.)
137
socialismo. No entanto, a tese de Lênin não se reduz a uma aplicação cega e
irrefletida de leis do mercado como fundamento para a criação das possibilidades
para a transição. O chamado "desenvolvimento do capitalismo" já pressupõe
diferenças fundamentais com os princípios da economia de mercado:
4. Segundo o líder soviético, "o histórico papel progressista do capitalismo pode ser resumido em duas palavras:aumento das
forças produtivas do trabalho e socialização deste" {Lênin, 1985, p. 373.). Além desses elementos, Lênin relaciona outros
aspectos importante!' da missão do capitalismo nesse momento transitório da revolução (Lênin, 1985, p. 374).
138
Lênin considera a participação ativa dos trabalhadores como ::.;:
)~.
componente fundamental do processo. Por meio dos Sovietes, dos conselhos .'"
de fábrica etc., a dimensão econômica deixa de ser algo completamente
ignorado, agindo à parte da percepção dos trabalhadores, e entra no âmbito
da reflexão sobre sua própria atividade. Nesse ínterim, não somente as
condições objetivas são criadas, mas também as condições subjetivas para
a criação da viabilidade da transformação da sociedade. A educação do
trabalhador, ou seja, a formação de subjetividades aptas à criação de uma
nova sociabilidade implica o envolvimento direito e consciente na construção
das novas condições da vida.
Por esse motivo, aquilo que Lênin afirma em suas considerações "entra
em choque com o materialismo histórico concebido de modo mecanicista,
ou seja, com a ideia de que toda solução surge simplesmente como produto
espontâneo e necessário do desenvolvimento da produção" (Lukács, 2008b, p.
112.). Lukács retoma Marx para explicitar tais considerações:
I ..
I
Lênin indicou de maneira clara como o processo de educação dos
trabalhadores envolve a aprendizagem com o objetivo de engendrar um novo
homem. Implica nesse sentido a criação não apenas dos elementos objetivos
para a revolução, mas também o desenvolvimento dos fatores subjetivos que
desencadeiem e potencializem esse processo de transformação social. Por
mais que nos momentos iniciais isso se faça de maneira incipiente, confusa,
onde claramente se expresse, o despreparo para lidar com as de terminantes
em curso nos processos sociais, a formação dos indivíduos se dá precisamente
no jogo dos acertos e desacertos de suas decisões e ações. A subjetividade
revolucionária é forjada exatamente ao longo do processo. A pergunta de Marx,
quem "educa os educadores?" recebe a resposta: o processo de formação das
novas condições objetivas e subjetivas,
A antítese estabelecida entre as bases da sociabilidade capitalista e as
bases para a formação de uma nova sociedade remete à contraposição entre
a burocraúzação da vida e a democratização da vida cotidiana. Mencionar o
problema da democracia não significa clamar por um reformismo, sugerir a
reforma democrática do socialismo, como se o simples acréscimo de um
detalhe colocasse o curso dos acontecimentos em seus devidos eixos. Para
Lukács o sentido é bem mais amplo e profundo. Trata-se da democratização
da vida cotidiana, único lugar autêntico e efetivo da vida, por isso mesmo é
a instância onde os princípios de uma autêntica participação e integração dos
homens pode vir a ocorrer. As palavras de nosso autor não apelam, nesse
sentido, para a compreensão restritiva da democracia no âmbito da política
e do Estado. O "exercício da democracia" remete à concreta "capacidade de
governar e administrar efetivamente suas próprias questões", questões essas
portadoras da amplidão de perguntas e respostas da vida vivida, passíveis de
serem equacionadas e orientadas pelos próprios indivíduos.
A democratização na sociedade socialista diverge profundamente
daquela que encontramos na sociabilidade do capital. Para demarcar as
diferenças, Lukács traça considerações sobre as variadas formas históricas
assumidas pela democracia em diversas sociedades, demonstrando como
na grande maioria dos casos ela se constituiu muito mais como a equação
6 possível para a resolução de profundos problemas sociais então existentes.
Na maior parte das vezes quando o tema da democracia é posto como
centro das reflexões o que se vê é a quase completa desconsideração das
multiplicidades de formas da democracia, onde se deixa de lado a análise
de sua conexão com a base econômica da sociedade. Bastaria pensar, por
exemplo, no período clássico da Grécia antiga onde, como demonstra Lukács
retomando as observações marxianas, a democracia ateniense surge a partir
de uma constelação econômica específica,
140
não se apoia simplesmente na base geral das formas de ser do homem,
da práxis humana - válidas para toda sociedade - , mas, ao contrário
e indissoluvelmente, num modo de ser concretamente ineliminável,
ligado à existência individual específica das pessoas que tomam parte
ativa nesta democracia. Ser cidadão da polis, ser coparticipante ativo
de sua democracia, não é simplesmente uma categoria de terminante
da superestrutura política, mas é também, ao mesmo tempo e de
modo inseparável, a base econômica do ser social, da forma material
de vida para cada cidadão. (Lukács, 2008b, p. 86-7.)
I141
1
efetivos da democracia. Não aparece para os indivíduos como garantia de
direitos abstratos, ou como simples jogo formal de uma igualdade abstrata ante
o Estado, como forma de perpetuação das desigualdades reais. a comunismo
é precisamente a expressão da dimensão democrática como componente
necessário da própria vida. a elemento da democracia nesse caso torna-se
elemento essencial da cotidianidade, na medida em que expressa a interação
autêntica e direta dos indivíduos na sociedade.
Apesar dos quase trinta anos que separam um texto do outro, Lukács
novamente repõe o problema do hábito, só que dessa vez, ao contrário de tratar
a questão da habituação como um instrumento específico da burocratização,
demonstra como também nas ações contrárias ao burocratismo o problema
da habituação se apresenta, só que com objetivos completamente distintos. a
"hábito é uma categoria sociológica generalíssima, que não pode deixar de ter
um papel significativo em toda sociedade". Nesse sentido, pode-se habituar
tanto às tendências e instrumentalizações burocráticas de uma dada sociedade
(seja ela capitalista ou mesmo a do socialismo real), ou os hábitos adotados
podem significar exatamente a libertação das amarras da burocracia.
142
qualidades necessárias para a formação humana condizente às necessidades
da polis. Para Aristóteles o hábito explica como os indivíduos adquirem, e
como possuem as virtudes: 'T ..] realizando coisas justas tornamos-nos justos,
realizando coisas moderadas tornamos-nos moderados, fazendo coisas
corajosas, corajosos" (Aristóteles, 1987, p. 27).
A rápida referência de Lukács ao problema no interior das reflexões da
filosofia procura caracterizar a democracia socialista como um processo que
se vale das grandes conquistas das sociedades anteriores e não como algo que
"parte do zero", sob a forma da recusa geral de todo o anterior. Tanto no que
concerne aos valores a serem implantados, como quanto às formas pelas quais se
configuram e constituem as novas virtudes humanas, o papel das mais elevadas
conquistas que se deram no decurso histórico dos homens, no devi! homem
do homem, cumprem papel decisivo. Segundo Lukács, Lênin não negligencia
o "fato de as regras da convivência e da cooperação humanas que caracterizam
a democracia socialista" terem antecedentes históricos importantes, conterem
princípios válidos para a própria sociabilidade socialista. Portanto, não serão
apenas aqueles princípios criados no curso da evolução do processo que
deverão ser considerados e depurados, juntam-se a eles "forças elementares,
que operam há milênios, mas que só no socialismo podem se generalizar para
toda a sociedade" (Lukács, 2008b, p. 121).
143
liberados da escravidão capitalista, dos inumeráveis horrores,
bestialidades, absurdos e vilezas da exploração capitalista, [os
homens] se habituarão pouco a pouco a observar as regras elementares
da convivência, conhecidas ao longo dos séculos e repetidas há
milhares de anos em todos os preceitos; a observá-Ias sem violência,
sem coação, sem subordinação, sem esse aparelho especial de coação que
se chama Estado. (Lênin, 1987, p. 130-1.)
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ideológicas dos últimos anos de Lênin, que visavam a construir uma
democracia socialista real. A participação na vida política, na vida
social geral, podia agora, no melhor dos casos, atribuir aos indivíduos
algo similar ao idealismo do citoye». A tendência dominante na vida
dos cidadãos tornou-se, universalmente, a burocratização da práxis
política e administrativa. (Lukács, 2008b, p. 153.)
Referências
I . J
I
____ o O Estado e a revolução.São Paulo: Global, 1987.
____ "Uber clie Gewerschaften, clie gegenwartige Lage und clie Fehler
o
146