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Américo A.

Taipa de Carvalho

I. O Princípio da Aplicação da Lei Penal Favorável

1. A proibição da retroatividade da lei penal desfavorável (CRP, art. 29º, n.os 1 – 1ª parte,
3 – 1ª parte, 4 – 1ª parte; CP, arts. 1º/1 e 2º/1)

Decisivos na afirmação da ratio político-criminal da irretroatividade da lei criminalizadora ou


gravadora da pena foram os contributos da teoria do fim preventivo-geral da pena e do princípio
clássico da culpa.

Se a finalidade da pena é prevenir o crime, por via da intimidação (ameaça penal legal),
naturalmente que a lei que define o crime e estabelece a respetiva sanção (conexão legal entre
o crime e a pena) tem de, não apenas ser clara e precisa, mas também ser anterior ao facto que
a comunidade quer impedir que aconteça.

A Escola Clássica, com Kant e Hegel, tornou claro que a retroatividade da lei penal era
incompatível com os irrenunciáveis princípios da liberdade e da culpa, pois que estas só se
afirmam, na ação praticada. Atribuir eficácia retroativa à lei penal desfavorável significaria uma
violação da dignidade da pessoa humana, significaria uma insuportável instrumentalização
política do “ius puniendi”.

O princípio da culpa constitui um fundamento simultaneamente jurídico-constitucional e


político-criminal da proibição da retroatividade.

É entendimento dominante que quer o princípio da culpa quer o princípio da


irretroatividade penal desfavorável são garantias individuais ou direitos fundamentais da pessoa
humana. Se o segundo tem formulação explícita nos textos constitucionais (CRP, art. 29º/1, 1ª
parte, 3 – 1ªparte, 4 – 1ª parte), o primeiro está consagrado, implicitamente, ao longo de todo
o articulado constitucional sobre os “direitos, liberdades e garantias”.

O “Tempus Delicti” (CP, art. 3º)

A proibição da retroatividade da lei penal desfavorável, está dependente da determinação


do tempus delicti, isto é, da fixação do momento em que se considere cometido o crime.

A lei penal desfavorável não pode aplicar.se a factos praticados antes da sua entrada em
vigor.

Torna-se indispensável para efeito da determinação da lei competente segundo o princípio


da irretroatividade desfavorável, determinar o elemento do crime e considerar decisivo na
relação temporal como início da vigência da lei penal: a conduta ou o resultado.

É unânime, na doutrina e na jurisprudência, que o momento de referência é o da conduta,


sendo irrelevante o momento em que se verifique o resultado. A proibição da retroatividade da
lei criminalizadora ou agravante da responsabilidade penal significa que esta lei não pode
aplicar-se ao agente de uma conduta praticada antes do seu início de vigência, mesmo que o
resultado dessa conduta venha a produzir-se quando essa lei já estava em vigor. Trata-se do
critério unilateral da conduta, o qual se funda no seguinte:

 Razão essencial:
o A necessidade e garantia jurídico-política da pessoa humana frente à possível
arbitrariedade legislativa ou judicial no exercício do “poder punitivo” e os
princípios político-criminais da culpa e da prevenção geral. Constituindo a
culpabilidade fundamento e limite da pena e sendo o juízo da culpa um juízo de
censura ética pela prática da conduta e não pela ocorrência do resultado,
necessariamente que o momento decisivo tem de ser o da conduta. Digamos
que censuráveis são os agentes pelas condutas que deles dependem e não pelos
resultados que são, muitas vezes, aleatórios.

 Razões suplementares:

o Teoria da norma jurídico-penal: a norma penal desempenha uma função de


orientação das condutas. Pressupondo e contendo implícita uma valoração de
determinados bens jurídicos, a norma determina os seus destinatários a não
praticarem (norma de proibição) ou a praticarem (norma de imposição)
determinadas condutas;

o Teoria do ilícito penal pessoal: a essencialidade da infração penal radica no


desvalor da ação, sendo que pode haver ilícito penal sem desvalor de resultado;

o Fim preventivo-geral de intimidação da pena: a ameaça penal contida na norma


jurídico-criminal pretende coagir o agente a omitir ou praticar determinadas
condutas.

Estabelecido que o momento decisivo é o da conduta, não ficam resolvidos todos os


problemas. É que, se em grande número de casos, a conduta tipificada na lei aparece circunscrita
a um determinado momento, casos há em que a conduta se protrai por um tempo mais ou
menos longo: dias, meses ou até anos.

Exemplo: Homicídio cometido através da ministração sucessiva de quatro pequenas doses


de veneno. O momento decisivo e, portanto, o tempus delicti é o momento em que foi
ministrada a dose de veneno mortal, isto é, a dose que juntamente com as anteriores converteu
a conduta do agente em conduta adequada a produzir a morte. É neste preciso momento que
se deve considerar praticada a conduta homicida. Em conclusão: se a LN (mais grave) entra em
vigor antes do momento da dose mortal, aplicar-se-á esta lei ao agente; se entra em vigor
posteriormente, não poderá ser aplicada, sendo aplicável a LA.

Quanto ao problema da determinação do momento em que a conduta “duradoura” deve


considerar-se praticada tem grande relevância, sobretudo quando a alteração legislativa agrava
a responsabilidade penal, ou seja, quando a LN, que entra em vigor, no decurso da execução do
facto, é uma lex severior.

Tratando-se da lei criminalizadora só podem ser consideradas as ações que foram praticadas
depois do seu início de vigência; as anteriores são irrelevantes sob o aspeto jurídico-penal, já
que o contrário constituiria uma violação da proibição constitucional da retroatividade da lei
criminalizadora.

Problema também não há, quando a LN é favorável, quer porque despenaliza quer porque
diminui a responsabilidade penal. Nos dois casos há lugar à aplicação retroativa da LN porque
mais favorável.

Assim, dever-se-á aplicar a lei antiga, a não ser que a totalidade dos pressupostos da lei nova
se tenham verificado na vigência desta.
Quanto aos crimes de omissão é decisivo o último momento em que o omitente ainda tinha
podido praticar a ação imposta (crime de mera omissão) ou a ação adequada a impedir o
resultado (crime de comissão por omissão).

A LN (mais grave) só se aplicará, quando entrar em vigor antes de esgotada a última


possibilidade de intervenção jurídico-penalmente adequada.

É de notar que no caso da chamada actio libera in causa (CP, arts. 20º/4 e 295º), o momento
determinante, para este efeito, é o momento em que o agente se coloca no estado de
inimputabilidade e não no momento em que ele pratica o facto tipificado na lei penal.

2. A imposição da retroatividade da lei penal favorável (CRP, art. 29º, nº4 – 2ª parte; CP,
art. 2º, nos 2 e 4)

O art. 18º consagra o princípio geral da liberdade e o caráter excecional das suas restrições,
o art. 29º, visando diretamente a aplicação da lei penal, faz a concretização daquele princípio
geral, estabelecendo na2ª parte do nº 4, a retroatividade das “leis penais de conteúdo mais
favorável”.

Significa isto que, mesmo que não existisse a disposição contida na referida 2ª parte do nº
4 do art. 29º, a retroatividade já se teria de considerar imposta constitucionalmente pela ratio
normativa do disposto no art. 18º/2, 2ª parte, que recusa as penas pu o quanto da pena
considerados desnecessários.

Os arts. 18º e 29º da CRP assumem uma política criminal que o professor Taipa de Carvalho
designa por preventivo-ética.

Eticidade e prevenção é a dupla dimensão tanto do bem-jurídico como da pena. A definição


dos bens ou valores a qualificar pelo legislador como bens jurídico-penais, isto é, merecedores
de tutela penal, tem que respeitar esse duplo critério. Assim, e de acordo com o art. 18º/2 da
CRP, a lei penal só pode ter como “causa” bens, interesses ou valores que, por um lado, sejam
apreendidos pela consciência ético-social como fundamentais a convivência comunitária, na
qual se realiza a pessoa humana – eticidade dos bens jurídicos (art. 18º/2, 1ª parte) – e que, por
outro lado, encontrem na responsabilização penal o meio indispensável a promover a sua tutela
– necessidade da proteção penal daqueles bens (art. 18º/2, 2ª parte). Na verdade, ocorrida a
violação (ou perigo de lesão) do bem jurídico-penal, exige-se a culpabilidade do agente –
eticidade da responsabilidade, bem como a indispensabilidade da pena – função preventiva da
pena (art. 18º/2, 2ª parte). É de notar que as necessidades de prevenção implicam a aplicação
retroativa da lei nova, desde que esta seja mais favorável.

3. A sucessão de leis penais e o princípio da aplicação da lei penal mais favorável (CRP,
art. 29º, nº 4; CP, art. 2º, nos 2 e 4)

3.1. Precisão dos Conceitos e Delimitação do Objeto

A eficácia normativa da lei penal, por força do princípio constitucional da lei favorável,
estende-se, para aquém (retroatividade) e para além (ultraatividade) da sua vigência formal:
aplica-se a situações jurídicas criadas antes da sua entrada em vigor e a situações jurídicas
sobreviventes à cessação da sua vigência formal.

As alterações legislativas penais ou sucessão de leis penais em sentido amplo podem derivar
da mutação da conceção do legislador sobre a ilicitude do facto ou sobre a necessidade político-
criminal da pena, quer em sentido negativo (lei despenalizadora), quer em sentido afirmativo
(lei penalizadora).

Há ainda modificações legislativas que, mantendo a ilicitude penal do facto, por razões
político-criminais de prevenção geral e/ou especial, alteram o preceito sancionatório da norma
penal, agravando ou atenuando as consequências jurídico-penais.

Os casos de pura e simples despenalização e da alteração da qualificação da hipótese legal


de crime para contraordenação são abrangidos pelo normativo do art. 2º/2: aplicação retroativa
da LN despenalizadora; os casos inversos de penalização de condutas que eram juridicamente
irrelevantes ou que eram qualificadas de contraordenação são abrangidos pelo disposto no art.
2º/1: aplicação pós ativa da LN penalizadora.

Não havendo alteração da factualidade típica, e mantendo esta a qualificação de infração


penal, é alterada a responsabilidade penal dela emergente, isto é, há, somente, modificação da
pena (principal e/ou acessória) e/ou dos efeitos penais – art. 2º/4: aplicação da lei penal mais
favorável.

Os casos em que as alterações legislativas se traduziram na modificação da estrutura do tipo


legal de crime, isto é, as hipóteses em que tanto a LA como a LN preveem tipos legais de crime,
mas a LN adiciona, subtrai ou substitui circunstâncias ou elementos do tipo legal de crime,
traduzem-se na decisão de pura e simples inexistência da responsabilidade penal ou decisão de
aplicação da lei peal menos desfavorável ao agente (ex.: passagem de tipo legal de crime de
perigo concreto a tipo legal de crime de perigo abstrato, ou o inverso).

Por exemplo, aplicando retroativamente leis de contraordenações com fundamento em que


são mais favoráveis que as leis contravencionais (leis penais) que aquelas revogaram, quando,
na realidade, se devia decidir pela pura e simples extinção de toda e qualquer responsabilidade
jurídica, uma vez que a LN, ao despenalizar a conduta, tinha eficácia retroativa e, ao criar uma
contraordenação, não podia aplicar-se retroativamente, a não ser que estabelecesse a sua
eficácia retroativa.

A aplicação retroativa da lei penal mais favorável pressupõe que se esteja diante de uma
verdadeira sucessão de leis penais (CP, art. 2º/4); caso contrário, a LN ou será penalizadora
(criminalizadora) e só poderá aplicar-se aos factos praticados depois da sua entrada em vigor
(CP, art. 2º/1) ou será despenalizadora, extinguindo, retroativamente, toda a responsabilidade
penal (CP, art. 2º/2).

Os pressupostos da sucessão de leis penais stricto sensu e, consequentemente, da aplicação


da lei penal mais favorável são os seguintes: a) sucessão de leis penais; b) aplicabilidade, ao facto
concreto, quer da lei vigente no momento da prática do facto (“tempus delicti”) quer da lei
sucessiva; c) que, quando entra em vigor a lei penal nova, a situação jurídico-penal, criada na
vigência da lei penal anterior pela infração, não se tenha esgotado plenamente; d) que a lei penal
nova, não extinguindo embora a situação jurídico-penal existente à data da sua entrada em
vigor, altere os termos da responsabilidade penal imputada ao agente do facto pela lei penal
antiga, agravando-a ou atenuando-a.

3.2. Crime  Contraordenação

Uma lei que “converte” um crime numa contraordenação é uma lei despenalizadora e que,
enquanto tal, se aplica retroativamente (CRP, art. 29º/4, 2ª parte).
3.3. Contraordenação  Crime

A lei que “converte” uma contraordenação em crime é uma lei penalizadora e, como tal, só
pode aplicar-se às condutas praticadas depois da sua entrada em vigor (CRP, art. 29º, 1 e 3; CP,
arts. 1º/1 e 2º/1).

Quanto às condutas anteriormente praticadas, isto é, praticadas na vigência da lei que as


qualificava como contraordenação, o problema tem de ser resolvido de acordo com os princípios
que regem a vigência temporal da lei contraordenacional.

Quando um lei converter um facto de contraordenação em crime, o facto praticado durante


a vigência da lei contraordenacional continua a ser punível como contraordenação, seguindo-se
as regras do processo das contraordenações; a sanção contraordenacional a aplicar nunca pode
ser concretamente mais grave do que a que resultaria da aplicação da sanção penal.

3.4. Alteração do Tipo de Ilícito: Despenalização da Conduta (art. 29º, nº 4, 2ª parte; CP,
art. 2º, nº 2) ou Aplicação da Lei Penal Mais Favorável (CRP, art. 29º, nº4, 2ª parte; CP,
art. 2º, nº 4)

A questão da despenalização ou não do facto praticado na vigência da LA é uma questão


prévia face à determinação da lei mais favorável. Só na hipótese de se afirmar a continuidade
da responsabilidade penal do facto concreto é que se colocará o problema da ponderação e
determinação de qual das duas leis (LA ou LN) é a mais favorável ao arguido.

Saber se a alteração legislativa da factualidade típica da lei vigente no momento da prática


do facto constitui, relativamente a este facto concreto, uma lei despenalizadora (CP, art. 2º/2)
ou simplesmente uma lei que apenas altera a responsabilidade penal subsistente (CP, art. 2º/4)
é um problema que só se coloca quando se verifique duas condições: que tanto a lei alterada
(LA) como a lei que alterou (LN) sejam leis penais; e que não se tenha extinguido toda a
responsabilidade penal (pena principal, penas acessórias e efeitos penais da condenação)
decorrente do facto praticado na vigência da lei anterior.

Verificados estes pressupostos há que averiguar e decidir sobre a despenalização da


conduta ou sobre a aplicação da lei penal mais favorável.

Há circunstâncias tipificadas na LN que não constavam da LA?, tal significa que factos que
eram crimes deixaram de o ser por não preencherem a nova circunstância; logo houve uma
diminuição da extensão da punibilidade, por força do aumento da exigência (compreensão)
normativa da LN.

De acordo com o Professor Taipa de Carvalho há que distinguir entre “especialização” e


“especificação”, entre LN especial e LN especificadora: no primeiro caso, o elemento ex novo
inserido no tipo legal traduz um conceito que não estava implícito no conceito (geral) da LA, isto
é, acrescenta algo de novo ao tipo legal da LA; no segundo caso, o elemento ex novo inserido no
tipo legal traduz um conceito que já estava necessária e lógica, embora implicitamente, contido
no conceito (geral) da LA, mas apenas especifica o âmbito de intervenção do conceito
(elemento) da LA, não se podendo dizer que a LN é uma lei especial face à LA.

Lei especial = qualidade (geral) + qualidade (especial, especializante) = (sempre) redução da


punibilidade; lei especificante = qualidade + especificação/delimitação/quantificação da
referida qualidade = redução ou alargamento da punibilidade.
Há que ver se o elemento novo é meramente especificador (quantificador do elemento) da
LA ou se é verdadeiramente especializador (qualificador do elemento) da LA.

Em suma, quando a LN, mediante a adição de novos elementos, restringe a extensão da


punibilidade, há despenalização se o elemento adicionado é especializador; não há
despenalização, se o elemento adicionado é especificador.

Quer dizer: com a entrada em vigor da LN, que adiciona um novo elemento ao tipo legal da
LA, o facto praticado na vigência da LA fica despenalizado, se o elemento adicionado constituir
um elemento especial; já permanecerá punível se o elemento adicionado constituir uma mera
especificação do conceito-elemento comum às duas leis.

Haverá despenalização sempre que o erro sobre o elemento adicionado (novo) excluísse o
dolo do tipo legal de crime contido na LN; haverá uma verdadeira sucessão de leis penais, com
a aplicação da lex mitior, sempre que o erro sobre o elemento adicionado não excluísse o dolo.

3.5. Condições Objetivas de Punibilidade: adição (CRP, art. 29º, nº 4, 2ª parte; CP, art. 2º,
nº2); eliminação (CRP, art. 29º, nº1; CP, arts. 1º, nº1 e 2º, nº1).

As condições objetivas de punibilidade são independentes da vontade do agente, não lhe


podendo ser subjetivamente imputadas (ex.: 135º/1, 151º/1, 227º/1).

Se a LN adiciona ao tipo legal uma condição objetiva de punibilidade, tal implica a


descriminalização/despenalização de todas as condutas praticadas antes da sua entrada em
vigor, condutas em relação às quais não se verifique o novo elemento típico.

Nesta hipótese, a conduta que, no momento e que foi praticada era crime, deixou de o ser
com a entrada em vigor da LN, uma vez que esta estabelece como pressuposto da
responsabilidade penal a ocorrência de uma tal condição ou circunstância objetiva.

A consequência tem de ser (CRP, art. 29º, nº 4, 2ª parte) a descriminalização/despenalização


retroativa de todas as condutas praticadas antes da entrada em vigor da LN (em relação às quais
não se verifique a respetiva condição objetiva de punibilidade), mesmo que tais condutas já
tenham transitado em julgado.

Relativamente às condutas praticadas antes da entrada em vigor da LN, e em relação às


quais se tenha verificado a circunstância que, por esta lei, passou a constituir uma condição
objetiva de punibilidade, a questão, no cado de ter também sido alterada a pena, resolver-se-á
de acordo com o princípio da lex mitior (CRP, art. 29º, nº 4, 2ª parte; CP, art. 2º, nº 4).

Se a LN elimina do tipo legal uma condição objetiva de punibilidade, tal implica a


criminalização/penalização de condutas que, face à LA, não eram consideradas infração
criminalmente punível, não fundamentavam responsabilidade penal: aquelas condutas em que
não se tivesse verificado a condição objetiva de punibilidade prevista pela LA.

Nesta hipótese, as condutas praticadas antes da entrada em vigor da LN e, em relação às


quais, não se tenha verificado a condição objetiva de punibilidade continuam a não ser puníveis
criminalmente; tal decorre da proibição da aplicação retroativa da lei
criminalizadora/penalizadora (CRP, art. 29º, nº1; CP, arts. 1º, nº 1, e 2º, nº1).
3.6. Alteração das Causas de Justificação

Alteração das causas de justificação: criação ou alargamento legal (ou jurisprudencial –


estado de necessidade justificante) de causas de justificação, ou eliminação ou redução legal (ou
jurisprudencial) destas.

 A LN criadora ou ampliadora de uma causa de justificação aplica-se, retroativamente,


ao agente cuja conduta concreta típica, apesar de considerada ilícita pela lei do
momento da conduta (LA), passou a ser considerada justificada; já o efeito mediato
“criminalizador” da conduta típica, que pela LA estava justificada, mas que pela LN passa
a ser considerada ilícita, só pode afirmar-se em relação às condutas praticadas a partir
do início da vigência da LN.

 A LN eliminadora ou redutora de uma causa de justificação não se aplica às condutas


anteriormente praticadas, estavam justificadas pela LA, continuando estas a ser tidas
como justificadas; já se aplica, retroativamente, às condutas típicas que, sendo pela LA
consideradas ilícitas, passaram com a posterior LN a ser consideradas justificadas
(imposição da retroatividade favorável).

3.7. Lei Intermédia (CP, art. 2º, nº4)

A lei intermédia é aquela lei penal cujo início de vigência é posterior ao momento da prática
do facto criminoso e cujo termo de vigência ocorre antes do julgamento, rectius, antes do
momento em que transita em julgado a sentença.

Tratando-se de uma lei que não está em vigor em nenhum dos dois momentos referenciais,
o problema da sua aplicabilidade levanta-se quando a lei intermedia é mais favorável do que as
das outras leis em confronto.

Sendo mais favorável, aplicar-se-á. Ora, porque se aplica a uma conduta praticada antes da
sua entrada em vigor, é retroativa; e, porque é aplicada já depois de ter cessado a sua vigência
formal, é ultraativa.

É unanimemente reconhecida a aplicabilidade da lei intermédia mais favorável.

3.8. Determinação da Lei Penal Mais Favorável: Ponderação Concreta e Diferenciada (CRP,
art. 29º, nº 4, 2ª parte; CP, art. 2º, nº 4)

Verificando-se uma verdadeira sucessão de leis penais, há que determinar qual das leis em
confronto é mais favorável ao infrator. Levantam-se dois problemas: ponderação abstrata ou
concreta? Ponderação unitária ou diferenciada?

 Ponderação concreta:

É relativamente ao caso sub iudice que se deve determinar qual das leis menos desfavorece
o infrator. Tal decisão pressupõe que o tribunal realize todo o processo de determinação da
pena concreta (CP, art. 71º) face a cada uma das leis, a não ser, que seja evidente, numa simples
consideração abstrata, que uma das leis é claramente mais favorável que a outra. Deve ser
concedida, ao arguido, a possibilidade de, nos casos de permanência da dúvida sobre qual das
leis é mais favorável, indicar qual a lei que prefere que lhe seja aplicada. Este aspeto foi
defendido por Henrique da Silva e está dentro do espírito e da letra da lei (CP, art. 2º, nº 4).
 Ponderação diferenciada:

A generalidade da doutrina e da jurisprudência tem optado pela ponderação unitária.


Contudo, o Professor Taipa de Carvalho defende a ponderação diferenciada.

A ponderação unitária ou global significa que é a lei na sua totalidade, na globalidade das
suas disposições, que deve ser aplicada; já a ponderação diferenciada ou discriminada das leis
em confronto, considerada a complexidade de cada uma das leis e a relativa autonomia de cada
uma das disposições defende que deve proceder-se ao confronto de cada uma das disposições
de cada lei, podendo acabar por se aplicar ao caso sub iudice, disposições de ambas as leis.

Aplicar as disposições penais mais favoráveis da LA e da LN. Só a ponderação diferenciada


dos vários aspetos ou dimensões da responsabilidade penal impede resultados indesejáveis, sob
o decisivo ponto de vista político-criminal.

Situações em que deve haver adaptação das leis ao caso em concreto:

 Aplicação de uma pena principal mais grave (LA) ou aplicação de uma pena principal
menos grave, mas acrescida de uma pena acessória (LN)?
o Aplicação da LA quanto à pena principal e aplicação retroativa da LN na sua
eficácia extintiva da pena acessória.

 Punir o infrator como contraventor, mas com uma pena mais grave (LA) ou punir o
infrator com uma pena mais leve, mas criminalmente (LN)?
o Condenar o infrator como contraventor (LA) com uma pena de prisão mais leve
(LN).

 Punir o infrator com uma pena mais grave, sendo o procedimento criminal dependente
de queixa (LA) ou com uma pena mais leve, extinguindo a queixa como condição de
procedibilidade (LN)?
o O procedimento criminal, se ainda não foi apresentada queixa, continua a
depender desta (LA), enquanto a pena aplicável, se já tiver sido ou vier a ser
apresentada queixa, será a mais leve (LN).

 A LA estabelecia a pena até 5 anos de prisão, enquanto a LN reduziu o limite máximo da


pena para 4 anos de prisão.
o Verificamos que a alteração significa, quanto à prescrição do procedimento
criminal, que um facto praticado, a vigência da LA, prescreveria só decorridos
10 anos sobre a sua consumação (CP, arts. 118º/1, b) e 119º/1), enquanto que,
face à LN, prescreverá passados que sejam 5 anos sobre a sua consumação (CP,
art. 188º/1, c) ).
o Quanto à prescrição do procedimento criminal, aplica-se a lei que, face ao caso
concreto, é mais favorável; quanto à pena, aplica-se a lei que for mais favorável.
o Normalmente, uma lei que aumenta a pena legal aumentará, também,
automaticamente, o prazo de prescrição do procedimento criminal, ou, pelo
menos, não o encurtará, tal não significa que não possa haver casos em que
uma LN diminua a pena e aumente o prazo de prescrição do procedimento
criminal. No primeiro caso, a LA, quanto ao prazo de prescrição do
procedimento criminal, uma vez que, neste plano, é mais favorável que a LN; já,
quanto à pena, é óbvio que teria de ser aplicada a LN. No segundo caso, aplicar-
se-á a LN, quanto ao prazo de prescrição; quanto à pena, aplicar-se-á a LA.

 A LA estabelecia a pena de 6 meses a 3 anos de prisão, e não fazia depender de queixa


o procedimento criminal (logo, considerava o facto como crime público), enquanto que
a LN elevou a pena para prisão de 1 a 5 anos, mas tornou o procedimento criminal
dependente de queixa.
o A LN aplica-se quanto à componente dos pressupostos processuais, a LN,
porque mais favorável, e, quanto à componente da pena principal, aplica-se a
LA, pois é mais favorável.

Conclusão: a solução mais correta e importa político-criminalmente é a que passa pela


ponderação concreta e diferenciada, aplicando-se de cada uma das leis em confronto as
disposições penais que sejam concretamente mais favoráveis ao infrator.

3.9. Lei Temporária (CP, art. 2º/3)

As leis penais temporárias colocam problemas de compatibilização com o princípio da


retroatividade da lei penal mais favorável.

A lei penal temporária é a lei penal que, visando prevenir a prática de determinadas
condutas uma situação de emergência ou de anormalidade social, se destina a vigorar apenas
durante essa situação de emergência, pré-determinando ela própria a data da cessação da sua
vigência.

A especialidade do regime da lei temporária reside no facto da sua aplicabilidade a todas as


condutas nela previstas e praticadas durante a sua vigência, independentemente de, no
momento do julgamento, a lei temporária já não estar em vigor.

A situação de emergência, de anormalidade é condição necessária, mas não suficiente para


a criação e a caracterização de uma lei penal como lei temporária Condição necessária, no
sentido de que sem situação de emergência não há fundamento jurídico-político nem político-
criminal para a criação de uma lei temporária, com o consequente regime específico:
ultraatividade gravosa.

Só o caráter excecional da situação, que determina a publicação de uma lei temporária, é


que impede que sobre esta recaia o juízo de inconstitucionalidade por violação do princípio
político-criminal da indispensabilidade da pena, constitucionalmente assumido (CRP, arts. 18º,
nº 2 e 2º, nº 4, 2ª parte). Significa isto que não depende do livre arbítrio do legislador a criação
de leis penais temporárias.

É ainda exigido que a própria lei estabeleça, formal e inequivocamente, o seu termo de
vigência. Em regra, a lei temporária indicará a data em que deixará de vigorar. Quando, devido
à persistência da situação de anormalidade, o legislador entender necessário a prorrogação da
vigência, fá-lo-á mediante lei que estabeleça a nova data da cessação da vigência da lei
temporária.

De acordo com o professor Taipa de Carvalho, o não cumprimento de qualquer um destes


requisitos determinará que a lei em causa seja tratada como lei penal normal, sendo-lhe
aplicável o regime da sucessão de leis penais, com a consequente retroatividade da lei
despenalizadora, isto é, da lei que a venha revogar.
Os factos praticados na situação de anormalidade determinante da lei temporária
continuam a ser valorados, político-criminalmente, como merecedores de pena; sucede apenas
que a alteração da situação no sentido da sua como que normalização retirou àqueles factos
abstratamente considerados a sua potenciada “perigosidade” para os bens jurídicos que a lei
temporária visou tutelar. Há uma alteração da situação fática e não uma alteração da valoração
político-criminal.

Dada a sua curta vigência, o julgamento dos infratores realizar-se-á, na maioria dos casos,
num momento em que a lei já não está em vigor; logo, se a lei temporária não fosse ultraativa,
perderia ela a sua eficácia intimidativa.

Figueiredo Dias afirmou “Uma exceção ao princípio da aplicação da lei mais favorável está
consagrado, no art. 2º/3, para as chamadas leis temporárias”.

O Professor Taipa de Carvalho refuta, afirmando que o disposto no nº 3 do art. 2º do Código


Penal não constitui qualquer exceção ao princípio constitucional (CRP, art. 29º, nº 4, 2ª parte) e
legal (CP, art. 2º, nº 2) da aplicação retroativa da lei penal favorável.

A legitimidade e constitucionalidade destas leis radica e pressupõe, explícita ou


implicitamente, que a conduta em causa tem, durante o período estabelecido e dada a
anormalidade ou especialidade da situação social existente, uma perigosidade que, numa
situação social normal, não tem.

Parece evidente que o regime das leis temporárias não constitui uma exceção ao regime da
normal sucessão de leis penais. No caso das “leis temporárias”, a valoração jurídico-penal das
condutas, praticadas durante a vigência da “lei temporária” mantém-se e, por isso, se
compreende, político-criminalmente e jurídico-constitucionalmente, que, apesar de a lei já não
estar em vigor, que a conduta, praticada durante a vigência da lei temporária, deva e continue
a ser punível.

É de notar que a lei temporária pode ser uma lex severior, isto é, uma lei que, por força da
situação de emergência, vem agravar, temporariamente, a responsabilidade penal pela prática
de um facto que já é, na situação normal, considerado crime.

Também pode haver uma verdadeira sucessão de leis penais temporárias, com a
consequente aplicação da lei penal mais favorável.

3.10. Medidas de Segurança (CRP, art. 29º, nos 1, 3 e 4; CP, arts. 1º, nº2, e 2º)

Também as medidas de segurança estão sujeitas aos princípios da legalidade e da


jurisdicionalidade. Só o tribunal pode aplicar uma medida de segurança e tratamento, não
podendo ao delinquente, ser aplicada medida de segurança mais grave do que a prevista no
momento da prática dos factos descritos por lei criminal já em vigor neste momento.

Não só os pressupostos da declaração judicial da perigosidade criminal e da consequente


aplicabilidade da medida de segurança têm de ser posteriores ao início da vigência da lei que
descreve tais pressupostos (factos) como infração criminal (CRP, art. 29º, nº1; CP, art. 1º, nº 2),
como também as próprias medidas de segurança aplicáveis ao delinquente inimputável não
podem ser mais gravosas do que as previstas no momento do preenchimento dos referidos
pressupostos (CRP, art. 29º, nº4; CP, art. 2º, nº1).
Embora a CRP (art. 29º/4) e o Código Penal (art. 2º/2 e 4) não mencionem, expressamente,
as medidas de segurança, é evidente que tais disposições abrangem as medidas de segurança e
os respetivos pressupostos.

Se a lei posterior ao facto-pressuposto descriminaliza este mesmo facto, aplica-se


retroativamente: ao respetivo delinquente já não se poderá aplicar qualquer medida de
segurança e, se já tiver sido aplicada cessará a sua execução (CRP, art. 29º, nº4, 2ª parte; CP, art.
2º/2). Se a lei posterior a esse momento da prática do facto prevê uma medida de segurança
mais favorável, também se aplicará retroativamente (CRP art. 29º,nº2, 2ª parte; CP, art.2º, nº
4).

O princípio da aplicação da lei favorável vale igualmente para as medidas de segurança:


proibição da retroatividade da lei criminalizadora do facto-pressuposto da declaração de
perigosidade do delinquente e da lei que estabeleça uma medida de segurança mais grave, e
imposição da retroatividade da lei descriminalizadora do facto-pressuposto e a da ei que
estabeleça uma medida de segurança mais favorável.

4. O Caso Julgado Penal e a Aplicação Retroativa da Lei Penal mais favorável (CRP, arts.
29º/4, 2ª parte, 18º/2, 2ª parte, 282º/3 e 13º/1, 2ª parte; CP, art. 2º/4, 2ª parte; CPP,
art. 371º-A)

4.1. Caso Julgado Penal, Ne Bis In Idem e Proibição da Retroatividade da Lei Penal

Proibição de duplo julgamento (CRP, art. 29º, 5º - princípio do Ne Bis In Idem) no sentido de
proibição de dupla punição pela prática do mesmo crime, eis um direito e uma garantia
fundamental do cidadão, lado a lado com outros direitos individuais fundamentais tutelados
constitucionalmente, como o da máxima restrição da pena (CRP, art. 18º, nº 2, 2ª parte) e o
correspondente e consequente direito à aplicação retroativa da lei penal mais favorável (CRP,
art. 29º, nº4, 2ª parte).

Na origem da consagração constitucional do princípio do ne bis in idem está a certeza


jurídica como meio ao serviço da segurança individual, como exigência da justiça penal ou como
prevenção da arbitrariedade punitiva. Trata-se, segundo Castanheira Neves, de uma “certeza
jurídica material”, isto é, de uma certeza jurídico-penal, que o caso julgado (penal) traduz, uma
garantia política do direitos fundamentais da pessoa.

Como garantia do cidadão face ao poder punitivo estadual, nunca o caso julgado pode
constituir impedimento à concretização de mandatos constitucionais que visam a proteção dos
direitos fundamentais, como é o caso da máxima restrição da pena (CRP, art. 18º, nº 2). Seria,
deste modo, contraditório com a ratio do ne bis in idem, invocar o caso julgado para obstar à
aplicação de uma lei penal mais favorável.

Em conclusão: o caso julgado em si mesmo, isto é, enquanto certeza jurídica,


independentemente da sua dimensão de garantia jurídico-penal, não tem dignidade
constitucional; quando é assumido constitucionalmente (CRP, art. 29º, nº5), é-o na função de
garantia jurídico-penal do cidadão, razão pela qual nunca conflitua com o princípio da aplicação
retroativa da lei penal mais favorável (CRP, art. 29º, nº4, 2ª parte). Donde a conclusão final de
que a exceção do caso julgado, constante da parte final do nº 4 do art. 2º do Código Penal, é
inconstitucional.
De acordo como Gomes Canotilho/Vital Moreira, Teresa Pizarro Beleza e Rui Pereira, não
estabelecendo (art. 29º, nº 4, 2ª parte) qualquer limite à eficácia retroativa da lex mitior, não
pode o legislador ordinário vir estabelecê-lo, como o fez na citada disposição do Código Penal.

4.2. O Princípio da Igualdade (CRP, art. 13º, nº1, 2ª parte): A Ressalva do Caso Julgado
Penal (CP, art. 2º, nº 4, parte final) como Fonte de Injustiça Material Relativa e de
Desigualdades Evitáveis na Aplicação da Lei Penal Mais Favorável

A exceção do caso julgado à aplicação retroativa da lex mitior contraria o princípio


constitucional da igualdade perante a lei (CRP, art. 13º, nº 1, 2ª parte).

O limite estabelecido pelo legislador na parte final do nº 4 do art. 2º do Código Penal é


inconstitucional, segundo o Prof. Taipa de Carvalho. Tal porque vem restringir o âmbito de uma
norma constitucional protetora dos direitos fundamentais (CRP, art. 29º, nº 4, 2ª parte), norma
esta que é a expressão direta e coerente de uma norma (CRP, art. 18º, 2º, 2ª parte). Ora impor
um limite à aplicação retroativa de uma lei que considera como necessária e suficiente, para a
defesa dos “bens jurídicos”, uma pena mais leve significa restringir um direito fundamental.
Logo, é irrefutável a afirmação da inconstitucionalidade deste limite do caso julgado que não
tem a mínima base constitucional.

Para além de violar o mandato constitucional de aplicação retroativa da lex mitior e o


princípio constitucional do “mínimo indispensável” na restrição dos direitos fundamentais, o
limite do caso julgado penal afronta o princípio constitucional de que a lei ordinária não pode
diminuir “a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais” (CRP, art.
18º, nº 3, 3ª parte).

Ao estabelecer um limite à aplicação retroativa da lei penal mais favorável, a lei ordinária
(CP, art. 2º, nº4, parte final) diminui a extensão do preceito constitucional (CRP, art. 29º, nº 4,
2ª parte) favorável à liberdade. O mesmo limite diminui o alcance do conteúdo essencial deste
preceito constitucional, pois que o seu alcance ou sentido é o de que – como resulta,
inequivocamente, da 2ª parte do nº 2 do art. 18º e da 2ª parte do nº 3 do art. 282º – seja aplicada
a lei mais favorável, independentemente do facto de já ter ou não ter transitado em julgado a
sentença.

Quando a CRP, art. 13º, nº1, 2ª parte, estabelece que todos sejam igualmente tratadas pela
lei, é evidente que não está a impor uma justiça material absoluta, uma igualdade absoluta, mas
sim a justiça relativa e a igualdade possíveis, humana e juridicamente.

O princípio da igualdade perante a lei exige que a nova lei penal mais favorável se aplique a
todos aqueles infratores que da sua aplicação retroativa ainda podem beneficiar e proíbe que
se estabeleçam discriminações objetivas que excluam, injustificadamente, alguns dos
destinatários da lex mitior do benefício da aplicação desta.

A aplicação retroativa da lex mitior pressupõe que a responsabilidade penal ainda se não
tenha extinguido, isto é, que a pena aplicada com fundamento na lei antiga ainda não esteja
inteiramente cumprida.

O limite do caso julgado só afeta e viola o princípio constitucional da igualdade quando e na


medida em que provoca situações de injustiça material relativa evitáveis, pois que só na medida
em que são evitáveis é que tais situações são injustas. Não é o facto de a lex mitior não se poder
aplicar a todos os que praticaram o mesmo crime no mesmo tempo (vigência da lei antiga) que
pode permitir a conclusão de que o argumento da igualdade e justiça relativa é irrelevante para
contestar o limite do caso julgado penal.

O princípio da igualdade não fundamenta a imposição da retroatividade da lei penal mais


favorável. Esta fundamenta-se no princípio político-criminal da máxima restrição da pena.
Porém, uma vez consagrada a retroatividade da lex mitior, o princípio constitucional da
igualdade proíbe a fixação de limites (como é a exceção do caso julgado) à sua aplicação
retroativa, os quais impliquem que situações idênticas sejam tratadas desigualmente.

4.3. Considerações Processuais

Nas hipóteses em que se tem de reabrir o processo, apesar de já ter ocorrido o caso julgado
da sentença condenatória proferida com fundamento na LA, a questão-de-facto mantém-se
intocada; o tribunal apenas tem de reapreciar os factos e circunstâncias, já provadas, à luz da
LN, em ordem a determinar quais os efeitos jurídico-penais resultantes da alteração do preceito
incriminador sobre a infração já objeto de condenação transitada em julgado e cuja
responsabilidade penal ainda se não tenha extinguido: descriminalização (CP, art. 2º, nº2), não
descriminalização nem diminuição da responsabilidade penal ou persistência da criminalização,
ma diminuição da responsabilidade penal (lex mitior – CP, art. 2º, nº4).

Sendo inconstitucional a ressalva do caso julgado à aplicação retroativa da lex mitior, resulta
que deve a entrada em vigor da LN favorável determinar a reabertura do processo.

Compreende-se que seja exigível a máxima urgência na prolação da nova sentença bem
como na decisão do eventual recurso daquela. Caso contrário, o imperativo político-criminal e
constitucional da indispensabilidade da pena (LN despenalizadora) e da máxima restrição desta
(LN mais favorável) seria, muitas vezes frustrado.

Para que tal urgência não fique dependente do arbítrio do juiz deve a lei estabelecer os
(curtos) prazos dentro dos quais têm de ser proferida a sentença e decidido o recurso.

Relativamente à pena de multa já transitada em julgado há que determinar qual o momento


em que ela se deve considerar cumprida, isto é, o momento em que, independentemente do
efetivo apagamento ou não, é exigível o seu cumprimento.

Ora o momento em que se torna exigível o cumprimento da pena de multa é o momento


em que a respetiva sentença condenatória transita em julgado. Logo, relativamente à multa
determinada por sentença transitada em julgado, a lei nova mais favorável não produz efeitos,
uma vez que não tem “campo de aplicação”, por já dever ser considerada cumprida a pena de
multa.

Esta solução evita as dificuldades práticas da devolução, por parte do Estado dos
quantitativos recebidos ou a injustiça relativa de apenas serem beneficiados com a aplicação
retroativa da lei penal favorável os não cumpridores e os que beneficiaram da faculdade do
pagamento em prestações.

4.4. Aplicação retroativa da lei penal mais favorável, mesmo que já tenha transitado em
julgado a sentença condenatória

Quando a lei, que entra em vigor depois do trânsito em julgado da sentença condenatória,
reduz a pena de prisão, dá que re-determinar a pena, com base na lei nova e numa redução
proporcional da pena aplicada.
O mesmo raciocínio vale para a pena de multa, acrescendo, ainda, o facto de poder ser
convertida em “prisão subsidiária”, na proporção de 3 dias de multa para 2 dias de prisão (CP,
art. 49º/1) – também, no caso de a lei, que entre em vigor depois do trânsito em julgado da
sentença condenatória, reduzir o número de dias de multa, deve esta lex mitior ser
retroativamente aplicada aos casos em que, no momento da entrada em vigor da nova lei, ainda
não tenha decorrido o número total de dias de multa.

Para determinar se (quando entra em vigor a nova lex mitior) já estão esgotados os dias de
multa, é necessário determinar o termo a quo da contagem destes. Este termo coincide com o
primeiro dia após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Deve, pois, ter-se por
irrelevante que o condenado já tenha, ou não, efetivamente, pago o montante da multa ou as
correspondentes prestações (CPP, art. 489º). Assim, na hipótese de ainda não ter decorrido o
total dos dias de multa em que foi condenado, se já pagou o montante correspondente à
totalidade dos dias de multa, deve-lhe ser devolvida a diferença entre o valor correspondente
aos dias de multa efetivamente pagos e o valor correspondente aos dias de multa que
resultaram da nova determinação da pena, em consequência da aplicação retroativa da lei nova
mais favorável.

Tal também se aplica às penas acessórias (CP, art. 65º ss.) e às medidas se segurança não
privativas de liberdade aplicáveis a imputáveis e inimputáveis.

A aplicação retroativa da lex mitior é “dever público”, o que implica que a aplicação
retroativa deve ser promovida oficiosamente pelo Ministério Público.

Para que a aplicação retroativa da nova lei mais favorável seja eficaz, é necessário que o
requerimento dirigido pelo Ministério Público ao Tribunal seja feito dentro de um prazo
relativamente curto, e que o Tribunal decida também num “prazo de urgência”.

Relativamente a condenados a cumprir pena de prisão, devem estes prazos ser


estabelecidos por lei, cabendo ao Ministério Público junto dos Tribunais de Execução das Penas
o dever de requerer ao respetivo Tribunal a re-determinação da pena.

4.4.1. Apreciação crítica da solução radical da plena retroatividade de qualquer lei penal
mais favorável, estabelecida pelo Artigo 371º - A, CPP

De acordo com o Prof. Taipa de Carvalho a alteração operada, na parte final do nº4 do art.
2º do Código Penal, pela Lei nº 59/2007, não afastava o limite do caso julgado à aplicação
retroativa da lex mitior, permanecendo este obstáculo, e, portanto, continuando a ser violados
os princípios político-criminai e jurídico-constitucionais da mínima restrição possível dos direitos
e liberdades fundamentais (CRP, art. 18º/2) e da igualdade no tratamento de situações idênticas
(CRP, art. 13º/1, 2ª parte).

Na verdade foi o texto do artigo 371º - A do CPP que consagrou uma plena retroatividade
da lei penal mais favorável, mesmo que já tenha transitado em julgado a sentença condenatória
– “Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena,
entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência
para que lhe seja aplicado o novo regime”.

O Prof. Taipa de Carvalho faz dois reparos ao referido preceito legal:

 Este artigo condiciona a aplicação retroativa da lei penal mais favorável à não execução
completa da pena aplicada na sentença transitada em julgado: “Se, após o trânsito em
julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena”. Esta condição,
que restringe a aplicabilidade da lex mitior, não é razoável pois esquece os efeitos da
condenação numa determinada pena. Assim, nomeadamente nos casos de reincidência
e da pena relativamente indeterminada, a não aplicação retroativa da lex mitior (quando
já tiver sido cumprida a pena) pode traduzir-se numa futura condenação como
reincidente (CP, art. 75º/1) ou na aplicação de uma pena relativamente indeterminada
(CP, arts. 83º/1, 84º/1, 86º/1 e 88º), enquanto que, se tivesse sido aplicada a lex mitior,
os pressupostos destas duas figuras poderiam não se verificar.

 Também é criticável tornar a aplicação retroativa da lex mitior dependente de


requerimento do condenado: “o condenado pode requerer a reabertura da audiência
para que lhe seja aplicado o novo regime”. Não estamos perante um “interesse privado”
nem uma “questão de partes”, mas antes diante de um “interesse público”, ou seja, está
em causa uma questão e um princípio político-criminal e constitucional da mínima
restrição possível dos direitos e das liberdades fundamentais. Logo, o impulso, o
requerimento para aplicação da lex mitior deve ser oficioso, deve ser função do
Ministério Público. Acresce a esta razão de princípio a razão prática de justiça social:
evitar que os económico-socialmente desfavorecidos acabem por não beneficiar da
nova lex mitior.

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