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A importância da compreensão do pensamento de Hans Kelsen 05/05/2014 por Jarbas Luiz dos Santos

Certamente, o nome de Hans Kelsen vincula-se à área do Direito e, de forma mais precisa, à Filosofia Jurídica e à Teoria Geral
do Direito. Ocorre, contudo, que seu nome e sua teoria encontram-se muitas vezes imersos em uma aura de mistério e
dificuldade, bem como de equívocos interpretativos – o que se revela muito mais preconceituoso e fruto de um
desconhecimento quanto à forma pela qual se deve buscar o conhecimento teórico e filosófico. Busquemos, assim,
desmistificar algumas dificuldades em torno desse relevante pensador para a ciência do Direito. De início, salientamos que a
tentativa de compreensão de uma teoria pode se dar a partir da leitura atenta de sua obra (método estrutural) ou a partir da
análise dos fatos históricos que a circundam (método histórico). Pode-se, ainda, conjugar ambos os métodos e, deste modo,
não desvincularmos a obra/teoria de seu autor e de seu tempo. Esse método eclético é o que recomendamos. Hans Kelsen,
filho de uma família judia, nasceu em 1881, na cidade de Praga, então pertencente ao império Austro-Húngaro. Desenvolveu
carreira jurídica notável, sendo o principal idealizador da Constituição da Áustria de 1919 e o principal defensor da sistemática
do controle concentrado de constitucionalidade – atualmente em voga em boa parte do mundo. Sua principal obra é,
certamente, a Teoria Pura do Direito -1934, cuja relevância foi alcançada ao propor o estudo do Direito de maneira pura ou
científica , nos moldes do cientificismo da época. Compreender as teses que integram a referida obra mostra-se, assim,
essencial para que se faça justiça a esse relevante pensador do Direito. Necessário, porém, de forma preliminar, tentarmos
compreender as bases teóricas de referidas teses. Consoante sugerido pelo próprio título da obra, o estudo do Direito, ou seja,
sua teorização, deve se dar de forma pura , isto é, isenta de elementos externos, denominados valores – mesmo aqueles
que se mostram essenciais no processo da formação e elaboração das normas jurídicas. Essa isenção, denominada corte
axiológico , é realizada com fins a cumprir a proposta de cientificidade da época, tais quais postulados positivistas insertos na
obra Curso de Filosofia Positiva, de Augusto Comte (1798-1857). No mesmo diapasão, Max Weber (1864-1920), em obra
intitulada Ciência e Política – Duas Vocações, defende que a abordagem de um tema pode se dar de forma científica ou de
forma política, sendo o ponto diferencial entre elas o fato de que na primeira age-se de forma isenta de valores, enquanto na
segunda, age-se a partir de escolhas e opções, de maneira arraigada e comprometida às mais diversas ideologias. Juntamente à
adesão de Kelsen ao conceito vigente de cientificidade (= isenção axiológica), a utilização de algumas teses kantianas (oriundas
do pensamento de Immanuel Kant [1724-1804]) serviu de base à construção de sua Teoria Pura do Direito. A primeira dessas
teses é a concepção quanto à necessária distinção entre sujeito e objeto do conhecimento, a segunda é o reconhecimento da
dicotomia ser X dever-ser e a terceira o reconhecimento da fundamentação transcendental (ou a priori). Daí ser Kelsen
classificado por muitos de seus intérpretes (a exemplo de Miguel Reale e Norberto Bobbio) como neokantiano. Por meio da
primeira tese com base kantiana, por meio da qual se indica o sujeito do conhecimento, Kelsen primeiramente distingue o
estudioso do Direito (chamado de cientista do Direito ) do aplicador do Direito. Essa distinção torna claro que o ato de aplicar
a norma jurídica ao caso concreto, visando à solução deste, não é um ato de ciência do Direito , mas um ato de política do
Direito , posto que pautado em escolhas valorativas ou axiológicas. A própria interpretação das normas jurídicas pode se dar de
maneira científica (também chamada de não autêntica) ou de maneira política (também chamada de autêntica). A leitura
atenta ao cap. VIII da Teoria Pura do Direito não deixa dúvidas a respeito de tal distinção. Já no tocante ao objeto do
conhecimento jurídico, Kelsen frisa que este é tão-somente a norma jurídica; e, ao fazer tal delimitação, Kelsen realiza o que
denominamos corte epistemológico , fazendo-o de forma clara no cap. III de sua principal obra. Diversos outros objetos de
conhecimento, por mais relevantes que sejam para a compreensão do funcionamento da sociedade e do próprio processo de
elaboração da norma jurídica, integram outras ciências que não a jurídica: Sociologia, Filosofia, Psicologia, Economia, Ciência
Política, etc são de extrema relevância, mas não se confundem com a Ciência do Direito, posto que apenas esta tem por objeto
de estudo a norma jurídica. Já a segunda tese de inspiração kantiana serve para explicitar que a compreensão do mundo do
ser se dá por método diverso daquele empregado para o conhecimento do mundo do dever-ser . O mundo do ser seria
objeto de estudo das ciências naturais e o seu método de conhecimento é pautado na observação e na experiência. Já o
mundo do dever-ser (mundo das normas) seria estudado pela ciência jurídica, não sendo possível conhecê-lo pela mera
experiência. O mundo do ser é compreendido a partir da lei da causalidade, enquanto o mundo do dever-ser é regido pela
imputação. No tocante à terceira tese de base kantiana – para muitos o calcanhar de Aquiles da teoria kelseniana – concebia-
se a existência de normas em uma estrutura escalonada e hierárquica. O cume de tal estrutura seria a norma hipotética
fundamental , da qual decorrem todas as demais normas. Integra o pensamento de Kelsen a ideia segundo a qual uma norma
retira seu fundamento de validade de uma norma que lhe é necessariamente superior. Ocorre que tal ideia necessita de
limitação, pois, do contrário, não chegaríamos a um fundamento de todas as normas (e, portanto, do próprio ordenamento
jurídico). Essa limitação se dá por meio da pressuposição da Grundnorm, ou norma fundamental , que, contrariamente ao que
se possa pensar de forma ingênua, não se trata da norma constitucional. A norma fundamental do pensamento kelseniano,
importante sempre frisar, é hipotética – um pressuposto lógico. O próprio Kelsen assim o afirma no capítulo V da Teoria Pura
do Direito, quando também expõe que tal raciocínio se faz per analogiam um conceito da teoria do conhecimento de Kant .
Compreendidas minimamente as bases do pensamento de Kelsen: (1) as idéias do Positivismo comteano, (2) a concepção
weberiana que prega a distinção entre ciência e política e (3) as teses epistemológicas kantianas - mais fácil se torna
compreender não apenas os postulados juspositivistas encontrados na Teoria Pura do Direito, como também facilitado está o
caminho para reconhecermos os equívocos na interpretação do pensamento de Kelsen e a indevida utilização de sua teoria por
parte de alguns regimes totalitários europeus do século XX, com destaque ao nazismo. Dentre as teses centrais da Teoria Pura
do Direito, está a idéia para que o Direito passasse a ser concebido como ciência minimamente autônoma – libertar a ciência
jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos , nas palavras do próprio Kelsen - como também em que medida o jus
positivismo acabou por conduzir ao esgotamento de seu próprio paradigma para que então pudéssemos chegar ao Pós-
Positivismo. Fonte: http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-importancia-da-compreensao-do-pensamento-de-
hans-kelsen/13627
Hans Kelsen: vida e obra
Junho 18, 2014 FCS_UAN FCSBiografia hans kelsen, Hans kelsen, o pai do direito positivo, vida e obra de
hans kelsen

Hans Kelsen nasceu em praga em 11 de outubro de 1881 e morreu em Berkeley em 19 de abril de 1973 foi um
jurista e filósofo austríaco sendo um dos teóricos mais importantes e influentes do século XX. Publicou cerca de
quatrocentos livros e artigos, com especial destaque para a Teoria Pura do Direito ou Reine Rechtslehre.
Recebeu o título de doutor em 1906. Em 1911 recebeu o título de livre docente e publicou o seu primeiro trabalho
intitulado “Problemas fundamentais da teoria do Direito do Estado”. Em 1919 tornou-se professor de Direito
Público na Universidade de Viena, sendo considerado o principal representante da chamada Escola
Normativista do Direito. Kelsen era judeu e fora perseguido pelo nazismo razão pela qual emigrou para os
Estados Unidos, e onde também exerceu o magistério na Universidade de Berkeley, vindo a falecer nesta cidade
da Califórnia. Sofrera duras críticas ideológicas particularmente dos militantes da doutrina comunista. Em 2011
foi lançada versão em língua portuguesa da “Autobiografia de Hans Kelsen”, pela editora Forense Universitária,
do Rio de Janeiro, traduzida por Gabriel Nogueira Dias e José Ignácio Coelho Mendes Neto, com estudo
introdutório elaborado por José Antonio Dias Toffoli e Otávio Luiz Rodrigues Junior.

Foi um dos produtores literários mais profícuos de seu tempo, tendo publicado cerca de quatrocentos livros e
artigos, destacando-se a Teoria Pura do Direito pela difusão e influência alcançada.

É considerado o principal representante da chamada Escola Positivista do Direito. Kelsen dá valor apenas ao
conteúdo normativo. A função da ciência jurídica teoriza, “é descrever a ordem jurídica, não legitimá-la”. É
Direito, em última instância, Direito posto, positivado. Quer seja pela vontade humana (positivismo), quer seja
por uma vontade transcendente, supra-humana (jus-naturalismo). Assim, desenvolve uma metodologia voltada
exclusivamente para a norma posta.

A Sanção, para o jurista, é conseqüência normativa da violação de um preceito primário. O Direito passa a
desempenhar o papel de ordem social coactiva, impositiva na aplicação da sanção. Em assim sendo, a sanção
torna-se um elemento “intra corpore” do Direito, pois sem a sanção a norma jurídica correria o risco de ser
transformada em norma moral, servindo como mera aprovadora de conduta, não exigindo que a sociedade a
cumprisse.

Judeu, Hans Kelsen foi perseguido pelo nazismo e emigrou para os Estados Unidos da América, onde viveu até
seus últimos dias e onde exerceu o magistério na Universidade de Berkeley, vindo a falecer nesta mesma cidade
californiana.

A perseguição intelectual sofrida pelo jurista não foi restrita dos adeptos do fascismo, ele também sofreu severas
críticas, todas com fundo ideológico, daqueles militantes da doutrina comunista. Vê-se, pois, que o pensamento
de Kelsen não fazia unanimidade. Apesar disso, os princípios fundantes de seu raciocínio jurídico-científico
prevaleceram e hoje são respeitados e amplamente acatados, servindo de base para muitas das instituições
jurídicas que sustentam o Estado Democrático de Direito.

No campo teórico, o Jurista procurou lançar as bases de uma Ciência do direito, excluindo do conceito de seu
objecto (o próprio Direito) quaisquer referências estranhas, especialmente aquelas de cunho sociológico e
axiológico (os valores), que considerou, por princípio, como sendo matéria de estudo de outros ramos da
Ciência, tais como da Sociologia e da Filosofia. Assim, Kelsen, por meio de uma linguagem precisa e rigidamente
lógica, abstraiu do conceito do Direito a idéia de justiça, porque esta, a justiça, está sempre e invariavelmente
imbricada com os valores (sempre variáveis) adoptados por aquele que a invoca, não cabendo, portanto, pela
imprecisão e fluidez de significado, num conceito de Direito universalmente válido.

Uma de suas concepções teóricas de maior alcance prático é a idéia de ordenamento jurídico como sendo um
conjunto hierarquizado de normas jurídicas estruturadas na forma de uma pirâmide abstracta, cuja norma mais
importante, que subordina as demais normas jurídicas de hierarquia inferior, é a denominada norma hipotética
fundamental, da qual as demais retiram seu fundamento de validade.

Com o tempo Kelsen concretiza sua formulação afirmando que tal norma fundamental é a norma de direito
internacional que aduz que os pactos devem ser cumpridos. Todavia, muitos constitucionalistas se apropriaram
da teoria da pirâmide Kelseniana e formularam modelos nos quais a constituição surge como norma
fundamental, modelos dos quais se extrairia o conceito de rigidez constitucional, o que vem a possibilitar e a
exigir um sistema de tutela da integridade da Constituição. Apropriação e modificação, uma vez que Kelsen
possuía uma visão monista do Direito, com primazia do Direito Internacional sobre o nacional e por isso seria
contraditório considerar a Constituição de um Estado como norma fundamental, uma vez que na verdade a
validade da Constituição estatal deriva do Direito Internacional.
Hans Kelsen buscou na Teoria Pura estabelecer um conceito universalmente válido de Direito, que independesse
da conjuntura em que fosse aplicado. E esse escopo foi, em grande parte, alcançado.

Principais obras de Kelsen

* (2000d) A Democracia. São Paulo, Martins Fontes.

* (2002) Direito Internacional e Estado Soberano. São Paulo, Martins Fontes.

* (2003) Jurisdição Constitucional. São Paulo, Martins Fontes.

* (2003) O Estado como Integração. São Paulo, Martins Fontes.

* Teoría Comunista del Derecho. Buenos Aires, Emece.

* (1996). Teoria Geral das Normas. Sérgio Antônio Fabris: Porto Alegre.

* (1998) O problema da justiça. São Paulo, Martins Fontes.

* (2000a) Teoria Pura do Direito. São Paulo, Martins Fontes.

* (2000b) Teoria Geral do Direito e do Estado São Paulo, Martins Fontes.

* (2000c). A Ilusão da Justiça. São Paulo, Martins Fontes.

* (2001) O que é justiça?. São Paulo, Martins Fontes.

A tese de Hans Kelsen, a norma fundamental e o conceito de justiça

Hans Kelsen[1] é reconhecidamente um dos maiores teóricos do Direito do século XX sendo uma referência
imprescindível para a reflexão sobre a adequação e profundidade das normas jurídicas e do fenômeno jurídico.
Além do interesse no estudo da história das ideias é o fato de que a sua obra continua mesmo até hoje a ser
muito importante para as cruciais questões da teoria do Direito. Permanecendo como fonte quase inesgotável de
polêmicas, controvérsias e de desafios. Os diversos matizes filosóficos da doutrina jurídica reconhecem que
Kelsen buscou um conceito universalmente aceito do Direito e independente da conjuntura em fosse aplicado. E,
tal objetivo foi em grande parte alcançado. A Teoria Pura do Direito deitou suas raízes na filosofia de Immanuel
Kant e não em princípios metafísicos da doutrina jurídica, sendo focada na Crítica da Razão Pura e, mais,
precisamente, na lógica transcendental. Suas origens kantianas estão reconhecidamente confessas no capítulo
III que se refere à categoria do dever, considerado como categoria da lógica transcendental. Nesse particular,
estabeleceu um paralelo entre a imputação e a causalidade, sendo essa, uma categoria transcendental, um
princípio gnosiológico que permite compreender a realidade virtual. Kelsen rejeitando a inspiração kantiana da
doutrina do direito natural, afirmou que a Teoria Pura do Direito refere-se ao direito positivo[2], vendo no
“dever”, de Solen, uma categoria lógica das ciências normativas. Na edição de 1960 de sua obra, Kelsen se dirigiu
à aplicação da teoria do conhecimento de Kant, concebendo a norma fundamental como condição lógico-
transcendental de validade da ordem jurídica. Estão presentes as influências do neokantismo[3] havendo
Renato Treves afirmado que tal influência teria terminado em torno de 1940. Ao reelaborar a Teoria Pura do
Direito em sua derradeira versão, veio Kelsen incorporar as construções de Teoria Geral do Direito e do Estado
tendo conservado os princípios da lógica transcendental principalmente quando determinou o objeto de estudo
ou conhecimento e ainda afirmou o fundamento de validade da norma jurídica.

Suas contribuições[4] foram de amplo espectro, e pretendeu fundar a verdadeira ciência do Direito, procurando
atender aos questionamentos: “o que é” e “como é o Direito”. Buscou estabelecer a teoria do conhecimento
jurídico traçando-a bem delimitada pelo direito positivo que é o direito posto.

O objeto da Ciência do Direito[5] positivo é conceituado como sistema de normas e para tanto
recorreu ao postulado metodológico da pureza. Tal método de pureza utilizado por Kelsen fora
criticado, tendo sido acusado de tentar indevidamente purificar o Direito, isolando-o dos fatos
morais, políticos e sociais.
No entanto, Kelsen reconheceu que o Direito tem relações estreitas com outras ciências. Mas a Teoria Pura do
Direito não tratou de fenômenos prévios ao estabelecimento da norma jurídica e a fixação de seu conteúdo,
ocupa-se da norma posta (positiva).

Não pretendeu purificar o Direito, e nem mesmo supôs que a ciência jurídica seja uma ciência matemática posto
que como ciência social aplicada, não seja definitivamente uma ciência exata. O próprio Kelsen tratou das
aproximações e distinções entre o Direito e Moral, registrou também a relação entre a justiça e o direito.

Apontou a equivocada identificação que se faz entre a ciência e o seu objeto. E, ainda a equivocada sinonímia de
Direito e ciência jurídica[6].

Na Teoria Pura do Direito, o objeto do conhecimento[7] jurídico é o Direito que representa um


sistema de normas que regem a conduta humana. As normas jurídicas adquirem sentido
objetivo de “dever ser”, o que põe em relevo seu caráter de imperativo, tanto de imposição como
proibição apesar de existir também, outras funções deônticas.

A norma como “dever ser” provém da influência da teoria dos imperativos de Kant presente na sua obra
“Fundamentos da Metafísica dos Costumes”. O “dever ser” mostra uma relação de uma lei objetiva da razão com
a vontade.

Na doutrina kantiana, os imperativos categóricos impõe “dever ser” incondicional simbolizando a conduta
devida, independentemente de qualquer condição, enquanto que os imperativos hipotéticos impõe um
imperativo condicional dependente de uma hipótese previamente concebida, exemplificando na proposição: “se
A é, deve ser B”. “Na qual A é a condição de cuja realização depende da exigência do “dever” simbolizado por B”.

Desta forma, Kelsen ao conceber a norma como um “dever ser” que tem sua origem em um ato de vontade
remonta às bases kantianas. Mas o sentido do “dever ser” não tem sentido axiológico, não se vincula a qualquer
pretensão de ordenar a ação de ser racional movido pela representação do dever, e não envolve a ideia abstrata e
transcendente do dever. É somente um significado lógico[8].

“Ser” e “dever ser” são dois conceitos puramente formais, duas formas que podem tomar todo e qualquer
conteúdo, mas precisam de certo conteúdo para ter portadores de sentido.

Entre o “ser” e o “dever” há o irredutível dualismo que explicita que um “dever ser” não pode se reduzir a um
“ser”, assim como um ser não pode se reduzir a um “dever ser”.

De um “ser” não se deduz um “dever ser”, assim como do “dever ser” não se deduz um “ser’. Enfim, o “ser” não
se converte em “dever ser” e nem este em “ser”. Tal dualismo exposto por Kant fixou as fronteiras bem
demarcadas entre o mundo da natureza e o mundo da razão, onde impera a causalidade e da liberdade[9], onde
os seres racionais podem agir pela representação do dever.

Apesar de “ser” e “dever ser” sejam formas distintas e irredutíveis, na doutrina de Kelsen, as relações entre estes
aparecem na gênese das normas que integram o sistema jurídico, nas relações existentes entre a natureza e o
Direito, entre o ato e o significado, entre a vontade e a norma.

Os atos que adentram ao domínio do Direito e adquirem qualidade de jurídicos, neles existem elementos da
natureza (do mundo do ser) que podem ser captados pelo sensorial e outros elementos que não podem ser
captados.

O que confere o sentido jurídico aos atos e fatos não é o seu ser natural, é uma norma jurídica, que os qualifica e
que funciona como esquema de interpretação com relação a eles. A norma jurídica que empresta sentido jurídico
aos fatos de natureza, dentre os quais os atos humanos, é também, por sua vez, o sentido de um ato
externalizado no reino do “ser”, no mundo da natureza. Reconhece-se que o fato do reino do ser representa o
suporte para o significado, para o reino do dever ser.

O ato propulsor da norma é ato de vontade intencionalmente dirigido à conduta de outrem, devendo haver o
sentido objetivo e subjetivo. Mas a norma não é fruto do ato de vontade, embora esta seja imprescindível para
sua criação e positivação.

Lembremos que o ato de vontade está no plano do “ser”, sendo fático no mundo da natureza. Kelsen refutava as
críticas que lhe fizeram quando apontaram que a norma, em sua teoria, é a vontade do Estado, salientando que é
errôneo encarar a norma como “vontade” ou “comando” do legislador ou do Estado[10].
A norma não pode ser caracterizada como vontade nem psíquica e nem despsicologizada, posto que não esteja
no plano do “ser”, mas é sentido de um ato de vontade que se interpreta como dever ser. Kelsen definiu in
litteris: “Norma é o sentido de um ato através do qual uma conduta é prescrita, permitida ou,
especialmente facultada, no sentido de adjudicada à competência de alguém.”.

DADO A DEVE SER B DADO –A DEVE SER C

DADO FATO TEMPORAL DEVE SER PRESTAÇÃO DADA NÃO PRESTAÇÃO DEVE SER SANÇÃO

Tal concepção ainda dá destaque a norma que é o sentido do ato, e não o próprio ato agrega à função da norma
jurídica de prescrição que engloba a imposição e a proibição de funções de permissão, de autorização e, ainda, a
derrogação que implica na abolição de validade de uma norma por outra norma.

São funções deônticas que se compreendem como “dever ser” e não se refere ao futuro, não é temporal. A gênese
da norma pela correlação entre o ato de vontade e o sentido objetivo do “dever ser” que lhe é conferida por uma
norma válida do sistema se processa em diversas instâncias competentes para criar as normas gerais e as
normas individuais.

Na dinâmica do Direito sempre em constante formação, todo processo de criação da norma é, simultaneamente
um processo de aplicação de normas. Todo processo de aplicação da norma é simultaneamente a criação da
norma[11].

Exceto em dois casos extremos, o da pressuposição da norma fundamental e o da execução do ato do ato
coercitivo. Fora desses casos, todo ato jurídico é, simultaneamente, aplicação de uma norma superior e
produção de uma norma inferior, regulada por aquela.

O Direito, segundo Kelsen é uma ordem normativa da conduta humana, um sistema de normas que regulam o
comportamento humano.

As normas jurídicas que compõem essa ordem não surgem de fontes e de instâncias estranhas[12] ao próprio
sistema jurídico, mas se formam mediante o processo por ele mesmo regulado. Assim, o Direito é a sua própria
fonte, enquanto regula o seu permanente processo de autoprodução.

A norma jurídica[13] só existe no sistema e a identificação feita por Kelsen entre a validade e a existência da
norma jurídica se explica exatamente porque só adquire sentido dentro do sistema que a regula.

Existiram várias propostas doutrinárias preocupadas em distinguir as normas religiosas das normas morais,
das normas convencionais e baseadas em critérios que se tornaram clássicos, firmados em dualismos
antinômicos[14] como os da autonomia e heteronomia, da interioridade e exterioridade da unilateralidade e
bilateralidade, da faculdade e coercibilidade.

E com fulcro em tais critérios buscava as classificações que nenhuma proposta se revelava satisfatória. Norberto
Bobbio[15] destacou que ao contrário da doutrina tradicional que caracterizava a ordem jurídica como o sistema
normativo composto de normas jurídicas, definindo o ordenamento pela natureza das normas, a perspectiva
consagrou que as normas são jurídicas porque fazem parte do ordenamento jurídico.

Bobbio ainda sustentou que o estudo do ordenamento jurídico como objeto autônomo de estudo é recente e, em
sua metáfora apontou que se realçava mais o estudo das normas (consideravam-se as árvores, mas não a
floresta).

A partir do momento em que a norma jurídica passou a ser considerada parte de um todo mais vasto e, que o
ordenamento jurídico passou a ser tratado de forma autônoma, alguns impasses se dissiparam, tais como os
conflitos entre normas, da norma entre e princípio, da norma sem sanção, das lacunas, da aplicação analógica,
da própria criação de normas, sejam gerais e individuais, mediante aplicação de outras normas.

O isolamento dos problemas do ordenamento jurídico e dos da norma jurídica propiciado principalmente pela
Teoria Geral do Direito de Hans Kelsen. Revela que tinha consciência dos problemas conexos com a existência
do ordenamento jurídico e, por isso, dedicou-lhe especial atenção.

Através da contribuição de Kelsen a Teoria Geral do Direito é construída sobre o cimento da análise estrutural
da proposição jurídica. E o tratamento do Direito como uma ordem normativa, um sistema de normas, permitiu
equacionar e buscar a resposta para as questões que antes não foram solucionadas em face do isolamento da
norma, sem sua devida inserção no sistema normativo.
A diferenciação do Direito das demais ordens normativas[16] não se dá em razão da existência de sanções
punitivas ou premiais, mas porque se apresenta como ordem coativa, no sentido que aplica à inobservância da
conduta prescrita uma pena que deve ser aplicada, e no caso de resistência, com recurso à força física.

A mera pluralidade de normas não basta para se definir o Direito como sistema. Pois é preciso que haja
fundamento comum a essas normas para que a ordem jurídica forme um todo unitário. O fundamento de
validade comum confere unidade ao sistema normativo, ao mesmo tempo em que confere validade para todas as
normas que possam a este ser referidas.·.

Concebeu Kelsen o ordenamento jurídico como um sistema do tipo dinâmico, em que, diferentemente dos
sistemas do tipo estático, o fundamento de validade de uma norma não é referido ao seu conteúdo, mas à sua
forma de criação.

A representação geométrica do ordenamento jurídico como uma pirâmide espacial trazida por Kelsen colhida
pelos membros da Escola de Viena, e por Adolf Merkl onde as normas são organizadas em degraus inferiores e
superiores, em uma relação supra-infra-ordenação.

Mesmo nos ditos ordenamentos organizados de forma linear existirá uma coordenação entre a norma de grau
superior e outra de grau inferior, pelo menos no que concerne às relações entre as normas constitucionais e
ordinárias (legisladas e consuetudinárias) e, de modo geral, as normas individuais.

Seja a estrutura piramidal dotada de vários escalões ou de um número reduzido de degraus, o fundamento de
validade será buscado em norma superior do sistema. A atribuição de competência é uma função deôntica, e,
assim, depende de seu estabelecimento pela norma.

A teoria da norma fundamental[17], conforme advertiu Kelsen, não é uma teoria do reconhecimento, mas uma
teoria do conhecimento jurídico.

Esta não exerce qualquer função ético-política ou ideológica, mas, tão somente uma função teorético-
gnosiológica. A norma fundamental (grundnorm) não é uma norma positiva, não é uma norma posta. Trata-se
de norma pressuposta é uma hipótese teorético-gnosiológica bem peculiar da Ciência do Direito.

E tem dupla função: constitui unidade da pluralidade de normas, enquanto representa o fundamento de
validade de todas as normas pertencentes à ordem normativa. A norma fundamental[18] não tem caráter
axiológico, pretende ser uma resposta teorética para a validade das normas do sistema jurídico positivo,
unificando a pluralidade de normas em um fundamento comum.

A respeito da norma fundamental baseada na Teoria da Ficção de H. Vaiginger (efetivamente publicada em


1964), a norma fundamental tida como ficção afirmando que, contra a suposição de uma norma não estabelecida
por um ato real de vontade, mas, somente pressuposta no pensamento jurídico, é possível argumentar que a
norma pode somente constituir o sentido de um ato de vontade, não o sentido de um ato do pensamento,
porquanto existe correlação essencial entre “dever” (Sollen) e “querer” (Wollen).

Ao formular o conceito de regra de reconhecimento, Hart oferecia o que, a seu ver, trata-se de uma evolução da
norma fundamental. De caráter secundário consiste na regra suprema do sistema jurídico, que estabelece quais
as que devem ser reconhecidas como juridicamente válidas, ou seja, identificam quais regras diretas, regras
primárias de obrigação, devem pertencer ao sistema normativo.

Tanto a norma fundamental como a regra reconhecimento consideradas por diversos doutrinadores são regras
superiores do ordenamento jurídico, no entanto, a noção de validade não é aplicável para a regra de
reconhecimento. Enquanto a norma fundamental de Kelsen possui uma existência metafísica em que a noção de
validade é central para sua doutrina.

A regra de reconhecimento não depende de coerção para a validade. Sua existência é uma questão de fato. Sua
função é fornecer um critério de reconhecimento para a identificação de regras. Pode incluir critérios de
validade. Fornece validade às regras dentro de um ordenamento jurídico ao permitir que aplicadores do Direito
reconheçam outras normas secundárias e primárias. Fornece unidade ao ordenamento jurídico. Sua validade
(que não possui qualquer importância em sua teoria) não pode ser demonstrada; esta simplesmente existe. Não
há conexão necessária entre a validade e a eficácia de uma regra (salvo se a regra de reconhecimento contiver
essa previsão).

Já a norma fundamental é baseada na coerção, é ficcionalmente pressuposta, sua função é validar todas as
normas de um sistema, só existe uma norma fundamental, fornece validade a todo ordenamento jurídico, e
também é fonte de todas as outras normas, permite que o aplicador do Direito interprete a validade das normas
em um campo de significação não-contraditório. É pressuposta em termos de eficácia, dessa forma, precisa ser
válida e a sua escolha não é arbitrária e depende necessariamente da eficácia.

Tal objeção somente pode ser enfrentada reconhecendo-se que, junto à norma fundamental pensada uma
autoridade imaginária cujo ato de vontade fingido.

Através dessa ficção, declara a suposição de uma norma fundamental entra em contradição com a suposição de
que a Constituição seja validade está fundada na norma fundamental (sendo o ato de vontade da autoridade
máxima acima da qual não pode haver nenhuma outra).

Com esse esquema, a norma básica se torna uma genuína ficção no sentido da Filosofia. A norma fundamental é
uma norma fictícia que dá significação de um ato de vontade não real, ou seja, fictício. É ficção[19] caracterizada
pelo fato de que ela não somente contradiz a realidade mas é também contraditória em si.

Hermann Cohen[20] fundador da Escola neokantiana de Marburgo em sua obra “Lógica do conhecimento
puro” substituiu o princípio kantiano novo, o da fecundidade do pensamento puro, que é essencialmente
produção autônoma, sem contato com a sensação e a representação.

A doutrina kantiana previa o conhecimento transcendental não se fundava em fato da realidade, e ocupava-se
não tanto dos objetos, mas do modo de conhecê-los, enquanto deva ser a priori[21].

Reafirmou desta forma, a filosofia como metodologia da ciência atribuindo-lhe o papel de indagar sobre os
elementos a priori do conhecimento científico.

A justiça sempre representou um sonhou irrenunciável da humanidade e no apêndice da segunda edição da


Teoria Pura do Direito, Kelsen fez constar o título “A Justiça e o Direito Natural” mas não acompanhou a edição
das traduções francesa e portuguesa.

Kelsen não tratou da justiça dentro da Teoria Pura do Direito, até por se referir ao Direito positivo. Mas,
ressaltou a importância daquele problema para uma política jurídica, à qual caberia decidir sobre a valoração da
conduta humana como conteúdo das normas jurídicas.

Sustentou Kelsen que a justiça é valor constituído por uma norma jurídica que serve como esquema de
interpretação de conduta: é justa a conduta que corresponde a essa norma, e será injusta a que a contrariar.

Num tratamento científico da justiça teria como tarefa verificar as normas de justiça e buscar elementos que
elas tenham em comum, para se lograr elaborar um conceito geral de justiça.

A justiça é ideal irracional posto que não possa ser apreendida com a razão e nem evidenciada de forma
absoluta. A justiça reside na intersubjetividade, é um acalentado sonho da humanidade e não está confinada nos
foros de criação e aplicação do Direito, é questão que envolve, em todos os planos, o relacionamento humano e a
vida.

Muitas e diversas concepções de justiça foram desenvolvidas ao longo do curso da história mostram que há a
permanente tentativa de vencer as insuficiências e as imperfeições das fórmulas que tentaram em vão condensá-
la.

A questão de valoração da conduta humana e como deve ingressar no domínio do Direito, com conteúdo das
normas, é questão dos valores da sociedade quer proteger e cuja efetivação almeja assegurar.

Sobre o conceito de justiça Hilton Japiassú e Danilo Marcondes na sua obra o “Dicionário Básico de Filosofia”
esclarecem é “princípio moral que estabelece o direito como ideal e exige sua aplicabilidade e seu acatamento.
Por extensão, virtude moral que consiste no reconhecimento que devemos dar ao direito ao outro”. A justiça
prevalecerá somente quando existir a igualdade entre as pessoas e a liberdade de expressão.

O papel das partes interessadas busca relacionar o dano causado pelo delito às necessidades específicas de cada
interessado (vítima e transgressor), bem como inventariar um conjunto de possibilidades restaurativas capazes
de atender a tais necessidades. O objetivo principal é o de mostrar que a reparação de danos aos sentimentos e
as relações, passa pelo fortalecimento dos interessados principais, afetados de forma mais direta.

Cumpre recordar que todos aqueles que possuem uma relação emocional significativa com a vítima ou com o
transgressor, são considerados diretamente afetados pelo delito, portanto, fazem parte também do processo
restaurativo e participam através de debates.
John Rawls[22] filósofo norte-americano que defende uma teoria da justiça centrada no social e na justiça
distributiva. Ao negar o utilitarismo e o individualismo, busca reelaborar a teoria do contrato social. Em sua
concepção de sociedade justa, todos devem possuir as mesmas oportunidades, mas os menos favorecidos
(minorias) devem ser os primeiros a receber os benefícios da sociedade. Cabe aos mais favorecidos facilitar este
processo de redistribuição.

Jüngen Habermas filósofo alemão que critica o excessivo valor dado à razão técnica em detrimento das questões
ligadas aos valores humanos. Aponta que a ciência priorizou a técnica a serviço da dominação dirimindo, assim,
a autonomia do ser humano. Propõe a retomada dos princípios morais e a consagração de uma sociedade justa e
que passa pelo resgate da ação comunicativa entre os seres humanos e, por consequência, pelo estabelecimento
de diretrizes morais e éticas capazes de superar as contradições existentes no mundo globalizado.

A justiça restaurativa é conceito baseado na colaboração entre as partes interessadas principais, das pessoas
envolvidas diretamente por um delito, com vistas a determinar a melhor maneira de reparar o dano causado.
Paul McCold e Ted Wachtel afirmam que a justiça restaurativa busca reduzir ao mínimo o dano causado às
vítimas de algum delito.

A justiça restaurativa é composta de três estruturas conceituais diferentes, mas relacionadas, a saber: a janela
de disciplina social, o papel das partes interessadas e a tipologia das práticas restaurativas.

A janela de disciplina social busca evitar as práticas puramente punitivas ou retributivas que somente
estigmatizam as pessoas de forma negativa, ou práticas permissivas que apenas protegem as pessoas das
consequências de suas ações erradas. Seu objetivo é explicar como o conflito pode se transformar em
cooperação.

A tipologia das práticas restaurativas através do chamamento ao consenso das partes interessadas (direta e
indiretamente) a buscar conjuntamente uma solução efetiva para o conflito, de modo a preencher suas
necessidades emocionais. Todos devem ter participação ativa no processo de conciliação. Seu principal objetivo
é explicar porque a participação da vítima, do transgressor e das comunidades se faz necessária à reparação dos
danos causados pelo delito perpetrado.

Há três tipos de justiça restaurativa: a parcial (que tem a participação de um dos grupos de partes interessadas
principais); maior parte restaurativa (tem a participação da vítima e do transgressor através de processo de
mediação sem as comunidades); total tem a participação da vítima, do transgressor e das comunidades.

Em síntese, a justiça restaurativa é alcançada através do processo cooperativo das partes envolvidas a fim de
encontrar a melhor forma de reparação do dano causado pelo delito. (In: WACHTEL e MCCOLD. Social
Discipline Window. 2000).

Gustav Radbruch[23] é lembrado por ter provocado mudanças no Direito positivo e por inspirar as Declarações
dos Direitos Humanos. E a construção dos Direitos Humanos têm sido principalmente uma via para a luta
contra a violência e a edificação da cidadania.

A transformação na ordem jurídica se fará pela comunidade social, através de seus atos e de seu querer, com os
respectivos significados normativos.

De fato pesa sobre os ombros humanos a responsabilidade pelas transformações e inovações do Direito. E
esbarra nos limites dos seres humanos em ser capaz de criar utopias e construir realidades.

Ao formular a norma fundamental, a Teoria Pura do Direito não objetivou inaugurar um novo método para a
ciência do direito. Apenas propõe elevar o nível de consciência a respeito do que todos juristas fazem (na maior
parte das vezes inconscientemente) quando, ao conceituar seu objeto de investigação, rejeitam o direito natural
como fundamento de validade do direito positivo, mas, não obstante, entendem o direito positivo como um
sistema válido, isto é, como norma, e não como meras contingências factuais de motivação.

Com a doutrina da norma fundamental, a Teoria Pura do Direito analisa o atual processo do duradouro método
de conhecimento do direito positivo, com objetivo simplesmente de revelar as condições lógico-transcendentais
desse método.

Podemos entender que a função explicativa da norma fundamental encontra-se incorporada na função de
fundamentação (ou embasamento), o que torna, portanto, parte dessa função.

Mas, o intérprete não é compelido a entender a função explicativa desse modo. Pode também ser lida como uma
função independente, que se refere à postura do jurista, enquanto este, nas palavras de Kelsen, “rejeita o direito
natural como o fundamento de validade do direito positivo”, mas, não obstante, entende o direito positivo como
um sistema válido[24], isto é, como norma.

[2] Na poética ilusão do positivismo acreditava-se na simples esperança de descobrir as leis dos fenômenos, o
que pode ser contestado pela afirmação de que a existência pretérita de uma forma de saber em nada deixava a
desejar em relação à ciência moderna. A presente ciência se esquecera de suas raízes metafísicas, o que
empobreceu o fundamento lógico e ético de suas descobertas.

[3] O neokantismo ou neocriticismo é corrente filosófica desenvolvida na Alemanha a partir dos meados do
século XIX até os anos 1930. Preconizou o retorno aos princípios de Kant opondo-se ao idealismo objetivo de
Hegel, então predominante, e a todo tipo de metafísica, mas também se colocava contra o cienticismo positivista
e sua visão absoluta da ciência. O neokantismo pretendia recuperar a atividade filosófica como reflexão crítica
sobre as condições que tornam válida a atividade cognitiva, principalmente a Ciência e também a moral até a
estética. As principais vertentes do neocriticismo alemão foram a Escola de Baden que tendia a enfatizar a lógica
e a ciência e a Escola de Marburgo que influenciaram boa parte da filosofia alemã posterior em particular o
historicismo e a fenomenologia. Seus principais representantes são Hermann Cohen, o líder da Escola Marburgo
e Paulo Natorp e Ernst Cassirer. O retorno a Kant parecia, naquela época, o único modo possível de pensar a
ciência e o lugar da razão. E a maioria dos pensadores do final do século XIX e início do século XX são de
alguma forma, neokantiana tal como Michel Foucault que em certa ocasião declarou: “somos todos
neokantianos”.

[4] A Crítica da Razão Pura ou Kritik der reinen Vernunft é a principal obra de Kant sobre a teoria do
conhecimento e cuja primeira edição é de 1781 e a segunda contendo alterações substanciais feitas pelo autor em
1787. É considerada uma das mais influentes obras na história da filosofia e marca o início do idealismo alemão.
Kant a escreveu como a primeira de três críticas, seguida pela Crítica da Razão Prática (1788) e a Crítica do Juízo
em 1790. Nessa obra, o filósofo tenta responder a primeira das três questões fundamentais da
filosofia ocidental: Que podemos saber? Que devemos fazer? Que nos é lícito esperar?

Kant distingue duas formas de saber, o conhecimento empírico que se relaciona com as
percepções dos sentidos, sendo posteriores à experiência. E o conhecimento puro que não
depende dos sentidos e da experiência, ou seja, é a priori, universal e necessário. O
conhecimento verdadeiro só é possível pela conjunção entre matéria, proveniente dos sentidos,
e forma, que são categorias do entendimento.

[5] A concepção da Ciência do Direito é associada normalmente ao positivismo jurídico, e parte da distinção
entre fato e valor. Nesse sentido, a Ciência do Direito estaria fundada num fenômeno objetivo desprovido de
valores relativos e subjetivos. O referido conceito teria sido fundado pelo jurista John Austin que fora um dos
pioneiros a estabelecer a distinção entre Direito e moral e adquiriu especial relevância com o advento da Teoria
Pura do Direito, do jurista austríaco Hans Kelsen, que buscava uma teoria do direito positivo. Preocupou-se
Kelsen em afirmar uma ciência jurídica e não politica do direito. E libertasse a ciência jurídica de todos os
elementos e que lhe são estranhos. Desta forma, o objeto da ciência jurídica são as normas jurídicas e a conduta
humana apenas na medida em que esta se constitui como conteúdo das normas jurídicas. Enfim, o Direito como
ciência normativa limita-se ao conhecimento e descrição das normas e às relações entre fatos constituídas pelas
próprias normas. Opõe-se às ciências da natureza ou naturais que visam o conhecimento credenciado pela lei da
causalidade e de processos reais.

[6] O enfoque da ciência jurídica é puro, positivista, e anti-ideológico cunhado por Kelsen com o
fim de conservar o dogmatismo de sua teoria e afastar da influência de outras ciências.
Classificou Kelsen a ciência jurídica como normativa e descritiva, e considerou que os valores
como a justiça não deveriam ser objeto de estudo da ciência jurídica. Assinalou que a finalidade
existencial da ciência jurídica consiste em solucionar conflitos sociais e regulamentar situações
de modo a viabilizar a coexistência pacífica e harmônica dos indivíduos. A ciência jurídica
contemporânea se contrapõe ao posicionamento esboçado por Kelsen e aponta que não deve ser
entendida como dogma, mas como fenômeno altamente mutante e, portanto inacabado
principalmente para se adequar às mais diversas necessidades sociais presentes e futuras,
advinda da modernidade e pós-modernidade e intangíveis a previsão do legislador. A Ciência do
Direito tem por objeto estudar o fenômeno jurídico tal como se acha historicamente realizado
em todas suas múltiplas manifestações e momentos.

[7] A natureza do conhecimento, portanto, é a de um ato-relação. Conhecimento é ato porque pressupõe uma
atitude problematizante, uma ação diante do mundo (práxis). Sob uma perspectiva estrutural, é relação que se
estabelece entre elementos incindíveis. Como práxis, o conhecimento do mundo ou de determinado aspecto
dele, por mais teórico, especulativo ou abstrato que seja sempre pressupõe uma ação transformadora. Não há
conhecimento sem sujeito e objeto. Conhecer é estabelecer uma relação com um objeto, uma relação plena de
sentido. São, portanto, elementos essenciais do conhecimento.
[8] Relevante salientar que as ciências humanas em seu recente surgimento apareceram quando o homem se
constituiu na cultura ocidental, ao mesmo tempo como que é necessário pensar e o que se deve saber, nas
imbatíveis palavras de Michel Foucault. A própria epistemologia geral conforme conhecemos atualmente é algo
recente, pois devemos esperar a produção de investigações epistemológicas dos cientistas e não dos filósofos.

[9] A liberdade juntamente com a igualdade correspondem aos postulados de nossa razão prática e contribui
para a concepção de democracia de Kelsen. O homem é livre na medida em que participa da vontade do Estado.
O indivíduo é licre só por um momento, isto é, durante a votação, mas apenas se votou com a maioria e não com
a minoria vencida. Portanto o cidadão só é livre através da vontade geral e por conseguinte, é obrigado a
obedecer, está sendo obrigado a ser livre.

[10] Para Kelsen, não interesse ao Direito se a norma é verdadeira ou falsa, boa ou má, mas apenas se esta é
válida ou inválida. O único juízo de valor relevante e admitido por Kelsen é a compatibilidade das condutas
humanas às normas, e destas com as normas superiores. Em sua Teoria do Estado, Kelsen apontou que Estado e
Direito se confundem, o que implica em sérias influências na concepção de democracia posto que o Estado
democrático também deverá ser esvaziado de juízos axiológicos.

[11] O mundo jurídico tece em verdade uma preciosa rede de interpretações. E, os profissionais do Direito estão,
sempre interpretando a ordem jurídica, diante da enorme profusão de sentidos, reflexo inexorável da cultura
humana e da vasta dimensão axiológica a que chegamos. Toda ordem jurídica porta significações e cabe a norma
jurídica evidentemente confirmar tais significações. Assim toda atividade interpretativa visa apreender de forma
concreta o inteligível a regulação da norma.

[12] Há doutrinadores renomados que afirmam que medida provisória não é tecnicamente lei, posto que seja ato
pessoal do Presidente da República que é dotado de força de lei porém sem a participação do Legislativo que
somente é chamado para discuti-la e aprová-la posteriormente. O pressuposto genérico da medida provisória é a
urgência e a relevância cumulativamente. Lei, no sentido técnico jurídico, é a que passa por processo legislativo
prévio para sua formação. As medidas provisórias vigorarão por sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta.
E, findo tal prazo, se o Congresso Nacional não vier aprová-la, convertendo-a em lei, a medida provisória
perderá definitivamente sua eficácia. Porém, a medida poderá ser reeditada, apesar de nossa Constituição
Federal vigente proibir a reedição da medida na mesma sessão legislativa, expressamente rejeitada pelo
Congresso Nacional, ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo, porém poderá ser novamente
adotada na sessão legislativa seguinte. O STF vem entendendo a possibilidade de a medida provisória ser veículo
idôneo para instituição de tributos.

[13]Toda norma jurídica compõe-se de suporte fático e numa correlata consequência jurídica amalgamando os
elementos como: imperatividade (pois preconiza comportamento obrigatório, ficando os destinatários sujeitos
às sanções caso a descumpram); a generalidade (posto que se destinem a ser aplicada a toda uma categoria de
destinatários); a abstração (pois fixa a conduta a s de adotar em situações de fato abstratas) e hipoteticidade
(pois prevê condutas a se adotar no futuro quando se verificarem os fatos hipoteticamente previstos).

A sanção não pertence ao rol de elementos identificadores e definidores da norma jurídica (suporte fático ou
consequência jurídica), trata-se da necessidade de comando prescritivo do direito, pois a força legal é o
instrumento de realização do direito, e de estrutura do ordenamento jurídica.

[14] Entre as dicotomias clássicas, ressalta-se a que divide direito público do direito privado, baseada na antiga
divisão prevista no direito romano. E, para essa dicotomia o critério era dividir em dois universos: de forma que
os respectivos elementos de um não viessem a pertencer ao outro, e vice-versa. A divisão era total, e convergia
para outras dicotomias. O direito público era o concernente ao Estado dos negócios romanos, é o da coisa
pública; ao passo que o direito privado é o que disciplina os interesses particulares, refere-se àquilo que não é
público. Segundo as conclusões de Kant existem duas grandes dicotomias doutrinárias jurídicas, direito
público/direito privado e direito natural/direito positivo (da sociedade civil): o direito privado ou dos privados é
do estado de natureza, cujos institutos fundamentais são a propriedade e o contrato. Já o direito público é o que
emana do Estado, constitui sobre a supressão do estado de natureza, e sendo legítimo o Estado, a sua relação
com o cidadão é irrevogável e permanente e pode pretender do cidadão, excepcionalmente para o fim do bem
maior. O direito privado se relaciona com a justiça comutativa, que é a relação entre as partes, como também, o
direito público se relaciona com a assertiva sobre justiça distributiva, relação entre todo e as partes, distinção
provinda da dicotomia existente entre a sociedade de iguais e sociedade de desiguais.

[15] Norberto Bobbio (1909-2004) foi filósofo político, historiador do pensamento político e senador vitalício
italiano. Em 1935 foi docente de Filosofia do Direito na Universidade de Camerino, mas houve dificuldades em
face da prisão e a pena de advertência que sofrera no ano anterior. Escreveu a Mussolini rogando que fosse
removida a pena. A carta foi tão pungente que sessenta anos mais tarde é citada como prova de fraqueza e
indecência dos intelectuais antifascista. Sobre esse tema declara comovido ao jornalista Giorgio Fabre in verbis:
“quem viveu a experiência do Estado de ditadura sabe que é um Estado diferente de todos os outros. E até
minha carta, que afora me parece vergonhosa o demonstra (…). A ditadura corrompe o espírito das pessoas.
Constrange à hipocrisia, à mentira e ao servilismo”. Seu interesse pela história das ideias o leva a partir de 1962
a lecionar Ciência Política, juntamente com Filosofia de Direito, constituindo a sua cátedra na Universidade de
Turim paralelamente à de Giovanni Sartori, em Florença, as primeiras na área das Ciências Sociais, em Itália.
Em 1972, transita para a Faculdade de Ciências Políticas em Turim, indo substituir Alessandro Passarin
D’Entrèves na cátedra de Filosofia Política. Depois de 1979 afasta-se da atividade docente, com setenta anos,
mas se mantém ativo na reflexão e na escrita.

[16] Pontes de Miranda, franco partidário da regeneração da ciência, lutou para que o Direito também se
transformasse em ciência positiva, tal qual a Sociologia, utilizando-se de métodos próprios das ciências exatas e
naturais. Posto que os fatos jurídicos seriam descritíveis e observáveis e classificáveis e sujeitos às leis imutáveis.
Nesse ponto, o positivismo de Pontes de Miranda difere da Teoria Pura do Direito proposta por Hans Kelsen que
era jurídico-normativista. Reduzindo a ciência do direito ao “dever-ser”, visto sempre sob uma perspectiva
prescritiva na qual a norma é fonte absoluta de investigação. A missão purificadora de Kelsen consistia na
libertação da ciência jurídica de todos os elementos que lhe fossem estranhos. E vinha das ciências conexas
como Sociologia, Psicologia, Ética e da Ciência Política. Visava evitar o chamado sincretismo metodológico que
era acusado de ser responsável pelo obscurecimento da ciência jurídica.

[17] Dois conceitos são cruciais para se entender Kelsen, o de norma jurídica e de proposição jurídica. Em
apertada síntese, as normas jurídicas são conceituadas como o exercício da efetivação do Direito enquanto que
as proposições jurídicas são atividades desempenhadas pelos cientistas do Direito na produção de doutrina. São
juízos hipotéticos que enunciam ou traduzem em conformidade com uma ordem jurídica. Importante relembrar
que a validade da norma jurídica depende de sua relação com a norma hipotética fundamental. Por serem
consideradas como o exercício da efetivação do próprio Direito, as normas devem ser impostas pela autoridade
compentente, ainda que ausente congruência lógica com o restante do sistema, e formalmente postivadas na
ordem jurídica. Enfim, para Kelsen alcançar a autonomia do objeto científico, faz-se necessário, em primeiro
lugar, um corte epistemológico (a definição do objeto) e, depois, em segundo lugar, um corte axiológico (a
definição de sua neutralidade).

[18] A norma fundamental é uma norma pressuposta no plano lógico jurídico, sendo fundamento último de
validade do ordenamento jurídico. É pressuposto baseado na razão (dogmática) que conforme observou Tércio
de Sampaio Ferraz “encarna o próprio princípio da inegabilidade dos pontos de partida”, sendo condição sine
qua non para o estudo dogmático do Direito. A norma fundamental não é uma norma material sendo regra
puramente formal. A teoria da norma fundamental de Kelsen foi alvo de sérias críticas conforme Hart dispôs
que: “A norma fundamental de Kelsen tem, num certo sentido, sempre o mesmo conteúdo”; porque é, em todos
os sistemas jurídicos, simplesmente a regra de qua constituição ou aqueles que estatuíram a primeira
constituição devem ser obedecidos, esta aparência de uniformidade e simplicidade pode ser enganadora. Se uma
constituição que especifique as várias fontes de direito for uma realidade viva, no sentido de que os tribunais e
funcionários do sistema efetivamente identificam o direito de acordo com os critérios que prevê, então essa
constituição é aceite e existe efetivamente. Parece ser uma duplicação repetida e inútil sugerir que há uma regra
ulterior aqui parece não haver lugar para a regra de que a constituição deve ser obedecida em aditamento à regra
de que certos critérios de validade e devem ser utilizados ao identificar o direito. Tal é a regra aceite e considera-
se causador de mistificação falar de uma regra, dizendo que essa regra deve ser obedecida.

[19] Ficção do latim fingere que significa fingir, imaginar. No sentido filosófico, é uma construção elaborada
pela imaginação graças à qual um indivíduo acredita poder resolver um problema real (metafísico, lógico, moral
ou psicológico). (In: JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de Filosofia, op.cit.).

[20] Hermann Cohen (1842 – 1918) filósofo alemão. Completou seus estudos filosóficos em Berlim e em Halle,
obtendo seu doutorado em 1865. Professor em Marburgo e titular de Filosofia entre 1876 e 1912, ano em que se
mudou para Berlim e publicou com Paul Nartop a revistaPhilosohische Arbeinten dedicada à difusão e defesa do
neokantismo do neokantismo. Sua obra mais importante é Sistema de filosofia publicado em 1902.

[21] O conhecimento a priori é uma expressão filosófica para distinguir do conhecimento ou argumento a
posteriori. O a priori é usado como adjetivo para modificar outros substantivos, como verdade. Além disso,
muitas vezes os filósofos modificam este uso. A priori é o conhecimento ou justificação independente da
experiência. Argumento a priori é aquele em que você pode ver que é verdadeiro sem examinar as coisas no
mundo físico. Sem qualquer ciência. A noção a priori é epistêmica que caracteriza o modo como uma proposição
é conhecida, o de ser conhecida independentemente da experiência. Ao introduzir a noção de conhecimento a
priori, Immanuel Kant equacionou-a como a necessidade estabelecendo a seguinte equivalência: uma
proposição é conhecível a priori se, e somente se, for necessária.

Para Kant são conceitos a priori, ou seja, os universais e necessários, tais como as formas ou instituições puras
da sensibilidade (espaço e tempo), as categorias do entendimento e as ideias da razão. Já para Jerry Fodor
aludiu: “o Positivismo, em particular tinha como certo que verdades a priori devem ser necessárias (…)”. Porém,
desde Kant, a distinção entre as proposições sintéticas e analíticas tinham se alterado ligeiramente. As
proposições analíticas foram amplamente consideradas como sendo “verdadeiras em virtude de significados e
independentemente do fato”, enquanto que as proposições sintéticas não, deve-se realizar algum tipo de
investigação empírica, verificando o mundo, para determinar os valores-verdades de proposições sintéticas.

[22] O conceito de justiça social é construção moral e política baseada na igualdade de direitos e na
solidariedade coletiva. É encarada como o cruzamento entre o pilar econômico e o pilar social. O conceito surgiu
em meados do século XIX referindo às situações de desigualdades sociais, e definiu a busca de equilíbrio entre
partes desiguais, por meio da criação de proteções (ou desigualdades de sinal contrário) a favor dos mais fracos.
Enquanto que a justiça tradicional é cega, a justiça social deve tirar a venda para ver a realidade e compensar a
desigualdades que nela se produzem. No mesmo sentido, diz-se que, enquanto a chamada justiça comutativa é a
que se aplica aos iguais, a justiça social corresponderia à justiça distributiva aplicando-se aos desiguais. O mais
importante doutrinador da justiça distributiva é o filósofo John Rawls que defende que uma sociedade será justa
se respeitar três princípios, a saber: a garantia das liberdades fundamentais para todos; a igualdade equitativa
de oportunidades; manutenção de desigualdades apenas para favorecer os mais desfavorecidos.

[23] Gustav Radbruch (1878-1949) foi professor de direito na Universidade de Heidelberg. Participou da
corrente filosófica do direito jusnaturalista que entendeu que o direito deve estar fundamentado no justo e não
somente na mera adequação do direito como sendo aquilo que a lei diz que é direito em determinado momento
histórico. Sublinhou a importância da segurança jurídica afirmando que tão somente o direito extremamente
injusto deixa de ter validade. Foi autor de vários projetos no campo do direito da infância e juventude, da
proteção dos filhos ilegítimos, da habitação e sobre sistema judiciário. Conseguiu a aprovação no parlamento,
depois de vencer forte resistência, do ingresso de mulheres na magistratura. No fim de sua vida tornou-se um
crítico do positivismo jurídico convencido de que a postura juspositivista que veio legitimar o direito nazista.

[24] Apesar da história mostrar que o judiciário alemão acabou por referendar o totalitarismo de Hitler, não se
deve ao modelo de Direito ou de democracia esculpida por Kelsen, mas porque passou à margem do maior valor
regente das relações humanas que é a dignidade da pessoa humana.
-KANT

Immanuel Kant (1724-1804) é considerado o maior filósofo da época moderna, tendo suas Críticas
encaminhado a meditação filosófica num sentido novo e original.. Em 1797 escreve a Metafísica dos
Costumes, obra onde mais adensa seu pensamento político e jurídico..

Kant não escreveu um tratado de política ou jurídico. Todavia, sua obra interessa à reflexão sobre o
Estado de uma dupla maneira: diretamente, na medida em que suas análises que incidem sobre a moral,
os costumes, o direito e a história, definem conceitos que têm implicação política; indiretamente e,
talvez mais profundamente, na medida em que sua concepção filosófica do conhecimento e do saber, da
prática e dos fins últimos do homem influi no pensamento político moderno, tanto pelas perspectivas
metodológicas que abriu como pelos resultados que permitiu adquirir.

Diversas são as questões submetidas ao crivo da análise kantiana. A primeira delas diz respeito ao
conhecimento, suas possibilidades e seus limites. A segunda questão analisada foi o problema da ação
humana, que envolve problemas morais e jurídicos (filosofia prática). Como deve o homem agir na
ordem moral e jurídica ? É aqui que se situam os textos políticos e jurídicos mais importantes do
pensamento kantiano.

Para uma adequada compreensão do pensamento político e jurídico de Kant, é fundamental uma leitura
atenta da sua Metafísica dos Costumes (1797), dividida em duas partes, "Doutrina do direito" e
"Doutrina da virtude", das quais a primeira apresenta maior significação para a filosofia do direito. Por
pensamento político-jurídico entendemos aqui as principais idéias deste filósofo moderno sobre Poder,
Estado, Direito, Liberdade e Justiça.

. Convém esclarecer que, para Kant, "costumes" designa toda o conjunto de leis (em sentido amplo) ou
regras de conduta que normatizam a ação humana. Kant propõe-se, assim, a elaboração de uma
metafísica da conduta do homem enquanto ser livre, entendendo-se "metafísica" como um
conhecimento racional, não empírico. Numa linguagem tipicamente kantiana, pode-se dizer que
Metafísica dos Costumes designa um saber "a priori" ou puro (não contaminado pela empiria) das leis
que regulam a conduta humana. Kant refere-se uma "Filosofia moral pura, completamente livre de tudo
aquilo que é empírico e que pertence à antropologia".

Imperativo categórico e imperativo hipotético

Analisando a faculdade de conhecer, na Crítica da Razão Pura, Kant distingue duas formas de
conhecimento: o empírico ou a posteriori, e o puro ou a priori. O conhecimento empírico refere-se aos
dados fornecidos pelas experiências sensíveis. Exemplo: "A janela está aberta". Tal proposição vincula-
se a dados captados pelos sentidos. O conhecimento puro ou a priori, pelo contrário, não depende de
qualquer experiência sensível. Exemplo: "A linha reta é a distância mais curta entre dois pontos". O
primeiro tipo de conhecimento, ao contrário do segundo, produz juízos necessários e universais.

Ao lado desta primeira distinção, Kant introduz outra. Refere-se aos juízos analíticos e aos juízos
sintéticos. Nos primeiros, o predicado já está contido do sujeito. Exemplo: "Os corpos são extensos".
Nos sintéticos, pelo contrário, o predicado acresce algo de novo ao sujeito. Exemplo: "Os corpos se
movimentam". Para Kant, os juízos sintéticos são os únicos que "enriquecem" o conhecimento.

Feitas estas distinções iniciais, Kant classifica os juízos em três tipos: analíticos, sintéticos a priori e
sintéticos a posteriori. Para Kant, os juízos analíticos não teriam maior interesse para a ciência, pois
embora universais e necessários, não representam qualquer enriquecimento do saber. Por outro lado, os
juízos sintéticos a posteriori, também carecem de importância posto que são todos contingentes e
particulares, referindo-se a experiências que se esgotam em si mesmas. Portanto, o terreno próprio da
ciência deverá ser preenchido pelos juízos sintéticos a priori, os quais são ao mesmo tempo universais e
necessários, fazendo avançar o conhecimento.

A razão, aplicada à crítica do conhecimento, também volta-se, em Kant, para análise do universo da
moralidade.

: "Permita-nos aduzir que, a menos que se queira negar toda verdade ao conceito de moralidade, e toda
relação entre ele e um objeto possível qualquer, não se pode negar que sua lei é de tal abrangência que
ela vigora não apenas para seres humanos, mas para todo ser racional em geral; e não apenas sob
condições contingentes e com exceções, mas de maneira absolutamente necessária. É claro que
nenhuma experiência poderia nos dar sequer ocasião de inferir a possibilidade de tais leis apodíticas.(
evidentes por si mesmas; não carecem de demonstração). Pois com que direito podemos tornar
alguma coisa um objeto de ilimitado respeito, com uma prescrição universal para toda natureza racional,
se ela talvez pudesse ser válida unicamente sob as condições contingentes da humanidade ? E por que
leis de determinação de nossa vontade deveriam ser tomadas por leis de determinação da vontade do ser
racional em geral, se tais leis fossem empíricas, ao invés de ter sua origem inteiramente a priori da razão
pura, embora prática" (Fundamentos da Metafísica dos Costumes).

Para Kant, a moralidade parece ter um valor em si mesma. Ela expressa um dever puro. Tem sua origem
a priori na razão, e não a posteriori. Indica um dever de forma categórica. Ou seja, ordena
categoricamente, e não hipoteticamente. Neste sentido, Kant afirma que "todos os imperativos ordenam
hipotética ou categoricamente... Se a ação for boa simplesmente como um meio para alguma outra
coisa, então o imperativo é hipotético; mas se a ação é representada como boa em si mesma e,
portanto, como um princípio necessário para uma vontade que, em si mesma, está em conformidade
com a razão, então o imperativo é categórico" (Fundamentação da Metafísica dos Costumes).

Imperativo aqui quer dizer ordem, mais precisamente "ordens da razão". O imperativo categórico nos
mostra o que é racional em si mesmo. Por outro lado, o imperativo hipotético revela uma ação que é um
meio para consecução de determinado fim.

"Age unicamente segundo uma máxima tal que ao mesmo tempo possas querer que ela se torne uma lei
universal". E ainda: "Age de tal maneira que trates a humanidade, em tua própria pessoa e na pessoa
de cada outro ser humano, jamais como um meio, porém sempre ao mesmo tempo com um fim."
(Metafísica... )

"Leis da liberdade" e "leis da necessidade"

Kant denomina "leis da liberdade" aquelas que regulam a conduta humana, e "leis da necessidade"
aquelas que regulam a natureza, ou os eventos naturais. As leis da conduta humana (objeto da metafísica
dos costumes) são ordens, diferentemente das leis naturais. Enquanto estas regulam fenômenos naturais
de forma necessária (leis da necessidade), aquelas se referem ao homem, que, diferentemente dos seres
naturais, é livre (daí falar-se em leis da liberdade). As leis da necessidade descrevem, enquanto as leis da
liberdade prescrevem. As leis da liberdade são, portanto, preceitos. ( doutrina, regras de conduta...)

Kant distingue dois tipos de preceitos: os categóricos e os hipotéticos. Os que prescrevem uma ação boa
por si mesma são categóricos: "Não deves furtar". Os que prescrevem uma ação boa tendo em vista um
certo fim são ditos hipotéticos : "Se você não quiser ser preso, não deve furtar".
No que se refere às "leis da liberdade", importa distinguir Como Kant diferencia a legislação moral da
legislação jurídica? E qual a repercussão desta distinção para toda construção das bases filosóficas do
conceito de direito na modernidade? Direito Moderno , ambas referenciadas à conduta humana.

Âmbito da moral e âmbito do direito

Já vimos que "As leis da liberdade chamam-se morais para distinguir-se das leis da natureza. Enquanto
se referem somente às ações externas e à conformidade à lei chamam-se jurídicas; se, porém exigem ser
consideradas em si mesmas, como princípios que determinam as ações, então são éticas; dá-se o nome
de legalidade à conformidade das ações com as leis jurídicas, e de moralidade à conformidade com as
demais". A ação moral é, pois cumprida, não em virtude de um fim, mas tão somente pela máxima que a
determina. É posta em movimento por uma inclinação interior (imperativo categórico). Assim, "a
legislação que erige uma ação como dever, e o dever ao mesmo tempo como impulso, é moral. Aquela,
pelo contrário, que não compreende esta última condição na lei, e que, consequentemente, admite
também um impulso diferente da idéia do próprio dever, é jurídica". E ainda: "A legislação ética é a que
não pode ser externa, a legislação jurídica é a que pode ser também externa. Assim, é dever externo
manter as próprias promessas em conformidade com o contrato, mas o imperativo de fazê-lo
unicamente porque é dever, sem levar em conta qualquer outro impulso, pertence somente à legislação
interna".Temos, pois, em conformidade com a perspectiva adotada por Kant, que a distinção entre
moralidade e juridicidade é puramente formal. Diz respeito à forma de obrigar-se, e não ao objeto das
ações.

Direito em Kant

Em compasso com sua ótica "metafísica", Kant intenta proceder uma justificação do direito e de seus
principais institutos jurídicos a partir de princípios puramente racionais. Trata-se de uma ilação
"transcendental". Kant, não elabora uma doutrina empírica do direito, mas uma doutrina metafísica, ou
seja, uma doutrina racional do direito.

É o próprio kant que esclarece: "o conceito de direito, enquanto este se refere a uma obrigação
correspondente (...) diz respeito em primeiro lugar somente à relação externa, e absolutamente prática,
de uma pessoa com relação à outra, enquanto as ações próprias podem ter como base influências
recíprocas". O direito situa-se, assim, no mundo das relações externas entre os homens.

E mais. O conceito de direito "não significa uma relação do arbítrio com o desejo dos outros, como
acontece nos atos de beneficência ou de crueldade, mas refere-se exclusivamente às relações com o
arbítrio dos outros". O direito refere-se, pois, a uma relação externa entre dois arbítrios. Isto quer dizer
que somente temos o "direito" quando nos defrontamos com um encontro não de dois desejos, ou de um
arbítrio com um desejo, mas de dois arbítrios, que dizer, de duas capacidades conscientes do poder que
cada uma tem de alcançar o objeto do desejo.

Neste contexto, "o direito é o conjunto das condições por meio das quais o arbítrio de um pode estar de
acordo com o arbítrio de um outro, segundo uma lei universal da liberdade". Com base nesta
concepção, Kant apresenta algumas determinações da categoria direito, senão vejamos.

Primeiramente, o direito, como categoria autônoma, refere-se em primeiro lugar somente às relações
externas e práticas de um sujeito em relação a outro, situando-se assim no campo das relações
intersubjetivas. Como o mundo das relações intersubjetivas é mais amplo que o campo do direito, faz-se
mister determinações mais específicas do direito. Kant afirma que, "em segundo lugar, o conceito de
direito não significa uma relação do arbítrio com o desejo dos outros", como ocorre no terreno da
moralidade, "mas refere-se exclusivamente às relações com o arbítrio dos outros". Assim, para que
exista uma relação verdadeiramente jurídica, é necessário que o meu arbítrio esteja relacionado com o
arbítrio dos outros, e não somente com o desejo dos outros. Resta, claro, na ótica kantiana, que o arbítrio
se distingue do mero desejo pela consciência da sua capacidade de produzir um objeto determinado, em
conformidade com a relação jurídica em questão. Por fim, arremata Kant, "nesta relação recíproca de
um arbítrio com o outro, não se considera absolutamente a matéria do arbítrio, ou seja, o fim que uma
pessoa se propõe por um objeto que ela quer (...) mas somente a forma da relação dos dois arbítrios,
enquanto esses são considerados absolutamente como livres". Tal derradeira e última caracterização do
fenômeno jurídico, coloca Kant no limiar do formalismo jurídico ocidental. Nesta perspectiva, o direito
fornece apenas a forma universal de coordenação e convivência dos diversos arbítrios.

Da conceituação kantiana de direito, e de todas as determinações acima expostas, deriva a lei universal
do direito, assim formulada por Kant: "Atua externamente de maneira que o uso livre de teu arbítrio
possa estar de acordo com a liberdade de qualquer outro segundo uma lei universal". Sua concepção
jurídica é tipicamente liberal, ou seja, centrada da liberdade individual, e formalista, ou seja,
desvinculada de fins ou valores.

Direito público e direito privado

Em conformidade com sua ótica epistemológica, a distinção entre direito privado e direito público não é
uma distinção empírica, mas fundamentalmente uma distinção racional. Sendo racional, a única forma
de fundamentá-las é voltando-se para as chamadas "fontes", das quais os diversos direitos se originam.
Assim, qualquer direito que derive do Estado é direito público, mesmo aquele que os juristas costumam
denominar direito privado. Todo direito estatal é necessariamente um direito público. Um direito
privado, para kant, portanto, somente seria possível fora do âmbito do Estado. Isto seria possível ?

Para Kant, que é um jusnaturalista, o direito fora do estado, e, portanto, não público, seria o direito
natural, aquele que regula as relações entre os homens no estado de natureza. O direito privado seria
assim o direito próprio do estado de natureza, próprio de um estado pré-estatal. Desta forma, o problema
da distinção entre direito privado e direito público em Kant muda para a distinção entre direito natural e
direito positivo, ou seja, entre o direito a que se visa no estado de natureza e o direito a que se visa no
estado civil. Direito privado e direito público correspondem, portanto, na teoria kantiana, a uma
distinção de status: o primeiro é próprio do estado de natureza, no qual as relações jurídicas atuam entre
indivíduos isolados, independentemente de uma autoridade superior; o segundo é próprio do estado
civil, no qual as relações jurídicas são reguladas por uma autoridade superior aos indivíduos, que é,
neste caso, a autoridade superior do Estado.

Observe-se, contudo, que, em Kant, o direito privado não desaparece no interior do direito público,
devendo, no estado civil, gozar das garantias não presentes no estado de natureza. O estado civil não
deve importar numa anulação do direito natural, do direito privado, para possibilitar seu pleno
florescimento e desenvolvimento através da atividade coercitiva do Estado. Direito público e direito
privado não se encontram, pois, numa relação de antítese, mas de integração.

HEGEL

Em 1770-1831 ano do nascimento de Georg Wilhelm Friedrich Hegel. Kant fixara uma tradição de
sistematização austera e de profunda objetividade especulativa, a qual, certamente, influenciaria Hegel
alguns anos mais tarde. Por outro lado, ao tempo em que Hegel iniciou sua "atividade filosófica", toda a
Europa encontrava-se envolvida em sua maior transformação desde o Renascimento, o movimento
iluminista, que teve na Revolução Francesa de 1789 sua eclosão por excelência no campo político.

O pensamento de Hegel é o ponto culminante do chamado "idealismo alemão", propondo-se este


filósofo ultrapassar os sistemas de Fichte, Schelling e do próprio Kant. Para Hegel, a filosofia deve
descrever o devir do Espírito, o seu desdobramento em formas sucessivas, graças às quais adquire
consciência de si mesmo como constituindo a realidade universal. Este desenvolvimento do Absoluto é
dialético, quer dizer, a superação das várias formas do pensamento e do ser, que se confundem, resultam
de contradições que se resolvem por sínteses, as quais, noutros momentos, se defrontam com novas
contradições.

Assim, cada momento do desenvolvimento do espírito traz em si sua própria negação ou antítese,
impondo-se uma nova síntese, tendente a superar a contradição surgida. Para Hegel, o processo dialético
é ontológico e universal. Diz respeito não somente ao "espírito subjetivo", mas a todo mundo do ser e do
dever-ser, abrangendo os movimentos da matéria, as formações orgânicas e as criações espirituais.

Sem adentrar-mos, no momento, nos escritos jurídicos e políticos de Hegel, poder-se-ía dizer que a base
do sistema hegeliano comporta três divisões fundamentais: a Lógica, a Filosofia da natureza e a
Filosofia do espírito. A Lógica se ocupa do "sistema da razão pura... o reino do pensamento puro".
Apresenta as determinações mais gerais do pensamento, e, consequentemente, do ser, separadas do
mundo empírico. A Filosofia da natureza estuda o espírito em sua manifestação exterior. A natureza é o
contraponto da Idéia, é a Idéia sob a forma de alienação. Tal sistema foi exposto principalmente em duas
obras, a Ciência da lógica (1812/1816) e Enciclopédia das ciências filosóficas (1817). Outra obra
fundamental, a Fenomenologia do Espírito (1807) apresenta-se como uma ampla introdução ao seu
sistema filosófico.

O Espírito para Hegel, além de sua concreção subjetiva (Espírito Subjetivo), tende a ultrapassar a pura
subjetividade, manifestando-se como Espírito Objetivo no Direito, na Moralidade e na Eticidade, dos
quais são expressões a família, a sociedade civil e o Estado. Este último é apresentado com "totalidade
ética", como a "síntese suprema".

O Espírito Objetivo, contudo, ainda não se apresenta como a manifestação plena do Espírito. Somente
sob a forma de Espírito absoluto o mesmo adquire sua pela consciência e atualidade. Tal Espírito se
exprime na arte, na religião e na filosofia. Aqui o Espírito se pensa em toda sua realidade e verdade,
relacionando-se plenamente consigo mesmo.

Para Hegel, "o que é racional é real e o que é real é racional". Assim se manifesta no Prefácio de sua
obra Princípios de Filosofia do Direito (Princípios de Filosofia do Direito, Martins Fontes, XXXVI):
"Esta é a convicção de toda consciência livre de preconceitos e dela parte a filosofia tanto ao considerar
o universo espiritual como o universo natural. Quando a reflexão, o sentimento e em geral a consciência
subjetiva de qualquer modo consideram o presente como vão, o ultrapassam e querem saber mais, caem
no vazio e, porque só no presente têm realidade, eles mesmos são esse vazio."

E ainda: "Quanto ao ponto de vista inverso, o daqueles para quem a idéia só vale no sentido restrito de
representação da opinião, a esses opõe a filosofia uma visão mais verídica de que só a idéia, e nada
mais, é real, e então do que se trata é de reconhecer na aparência do temporal e do transitório a
substância que é imanente e o eterno que é presente."
Sobre este ponto, arremata o filósofo: "Com efeito, o racional, que é sinônimo da Idéia, adquire, ao
entrar com sua realidade na existência exterior, uma riqueza infinita de formas, de aparências e de
manifestações, (...)."

Aplicando esta diretriz e concepção ao estudo do Estado (e, consequentemente, do Direito), Hegel
adverte que "nosso tratado sobre a ciência do Estado nada mais quer representar senão uma tentativa
para conceber o Estado como algo de racional em si. É um escrito filosófico e, portanto, nada lhe poder
ser mais alheio do que a construção ideal de um Estado como deve ser." Assim, pois, "a missão da
filosofia está em conceber o que é, porque o que é é a razão."

No complexo e multifacetado pensamento hegeliano, podemos descortinar, de forma nítida, os traços de


uma filosofia do Direito e do Estado, umbilicalmente ligada aos princípios de seu "sistema
filosófico".Uma das chaves de leitura do pensamento jurídico-político hegeliano, é examiná-lo em
contraponto com a teoria do Direito e do Estado formulada pelo movimento jusnaturalista. Assim,
convém examinar a "filosofia jurídica" de Hegel no contexto do pensamento jurídico-político do séc.
XVIII, ou seja, num contexto marcado pela tradição do direito natural. O pensamento jurídico de Hegel
é, com relação à tradição do jusnaturalismo, da qual Kant foi expressão máxima, ao mesmo tempo
dissolução e realização. Falando de ‘dissolução’, deve-se observar que as categorias fundamentais
elaboradas pelos jusnaturalistas para construir uma teoria geral do direito e do Estado são refutadas por
Hegel mediante uma crítica freqüentemente radical, que tende a mostrar suas inconsistências e
inadequação. Falando de ‘realização’, quero dizer que Hegel tende em última instância ao mesmo
objetivo final, atingindo-o, ou acreditando atingi-lo, precisamente, porque forja instrumentos novos
para substituir os velhos, agora tornados imprestáveis." Tal aceno é feito pelo próprio Hegel no prefácio
de sua obra "Princípios da Filosofia do Direito" (Princípios da Filosofia do Direito, Ed. Martins Fontes,
p. XXVII), nos seguintes termos: "Dir-se-ia que, atualmente, é nas questões que se referem ao Estado
que se encontra a mais forte raiz daquelas representações segundo as quais a prova de que um
pensamento é livre seria o inconformismo e até a hostilidade contra os valores publicamente
reconhecidos e, por conseguinte, uma filosofia do Estado deveria ser especialmente formulada para
inventar a expor mais uma teoria mas, bem entendido, uma teoria nova e particular."

Afastando-se do jusnaturalismo imperante, Hegel toma o conceito de "totalidade ética" (sittliche


totalität) como fundamento de um novo sistema do direito e do Estado. "A totalidade ética não é nada
mais do que um povo", declara Hegel.

Mas como se apresenta a totalidade ética hegeliana ? Ela é concebida como um organismo vivo e
histórico, como um sujeito histórico diferente do indivíduo ou da mera soma de indivíduos, como uma
coletividade, um todo orgânico. A eticidade (die Sittlichkeit) é vista, portanto, como um novo momento
da "vida prática", ao lado da moralidade e do direito.

Alguns caracteres da totalidade ética são apontados por Hegel, senão vejamos.

Primeiramente, nesta totalidade, o todo vem antes das partes. Eis um princípio fundamental e
inarredável de sua filosofia política e jurídica, que o contrapõe, desde já a todo individualismo e
fragmentação moderna. De fato, o jusnaturalismo apresentava uma nítida tendência de antepor o
singular ao universal, a parte ao todo, o indivíduo ao Estado. Este apresentava-se como um todo
constituído a partir do indivíduo. Tal era a concepção das diversas elaborações assentadas sobre as
idéias de "estado de natureza", "estado civil" e "contrato social". Hegel inverte os termos desta tradição.

E segundo lugar, na totalidade ética o todo não somente vem antes das partes, mas é superior às partes.
Tal superioridade conduz Hegel a uma crítica veemente de todos os modelos de interpretação
contratualistas, típicos do jusnaturalismo, que tendem a fundar o todo (o Estado) num contrato das
partes (indivíduos), mesmo quando não se toma tal contrato como um fato histórico, mas tão somente
como uma idéia abstrata, uma "chave conceitual", como o faz Kant. Hegel afirma que "a vontade
universal não pode ser constituída pelas vontades singulares, já que é ela mesma que as constitui". E
ainda: "A vontade geral não deve ser considerada como composta pelas vontades expressamente
individuais, de modo que estas últimas permaneçam absolutas... Ao contrário, a vontade geral deve ser
a vontade racional, ainda que não tenha consciência disto: portanto, o Estado não é uma união que
seja contraída pelo arbítrio dos indivíduos." Em termos jurídicos, poder-se-ía dizer que Hegel somente
reconhece validade à categoria de contrato no âmbito do direito privado, sendo que sua transposição
para a esfera do direito público se lhe apresenta como uma transposição indevida e ilegítima.

Por fim, A totalidade ética, na medida em que se identifica com a vida de um povo, é um momento da
história universal, ou seja, é um evento histórico, e não uma mera construção abstrata do pensamento.
Segundo Hegel, a noção de "estado de natureza" enquanto estado pré-político e pré jurídico, apresenta-
se destituída de qualquer sentido teórico e prático, uma vez que "a sociedade é a condição em que,
unicamente, o direito tem sua realidade" (I Enc., § 502). Atacando a idéia jusnaturalista de "estado de
natureza", Hegel também ataca a doutrina dos direitos do homem como direitos naturais preexistentes à
sociedade.

Família, sociedade civil e Estado

Em Hegel, certamente por influência de Rousseau, o conceito de autonomia do sujeito, de origem


kantiana, deixa de se referir apenas ao sujeito, para assumir uma dimensão nitidamente coletiva, mais
sintonizada com o conceito de eticidade. Para o próprio filósofo, tal movimento consistiu numa
"reconciliação com o real", numa tentativa de superação dialética das contradições existentes no seio no
movimento jusnaturalista. Hegel se dá conta de que, no mundo moderno, havia se consolidado figuras
sociais que tornavam inviável a proposta de retorno ao modo de organização social da pólis greco-
romana. Esta inviabilidade resultaria do fato de que a esfera da particularidade (da individualidade)
havia assumido na modernidade uma dimensão inédita em comparação com o mundo antigo. Enquanto
nesse último a expansão do particular conduzia ao colapso da ordem social, entrando em choque com o
universal, o mundo moderno desenvolveria a universalidade precisamente a partir do livre jogo da ação
dos particulares, ou seja, da liberdade dos indivíduos.

Para uma fiel representação do "mundo moderno", em sintonia com sua postura dialética, Hegel
elaborou o conceito de "eticidade" ou "vida ética" (Sittlichkeit). Tratava-se, agora, de inserir a
"sociedade civil" como um momento próprio da totalidade social moderna, ainda que o Estado se
apresentasse, no sistema hegeliano, como expressão máxima da universalidade em si e para si e da
própria totalidade ética.

Buscando uma síntese dialética entre o particular e o universal, entre o indivíduo e o Estado, entre o
privado e público, diferenciados e apartados na tradição jusnaturalista, para Hegel, entre esses dois
momentos, caberia inserir a mediação da "sociedade civil". Com a descoberta dessa mediação, Hegel se
capacita a cumprir a tarefa central que propusera para sua filosofia política : a conciliação entre, por um
lado, a liberdade individual, surgida na modernidade e transformada no principal valor do liberalismo, e,
por outro lado, a reconstrução de uma ordem social fundada na prioridade do público (do universal)
sobre o privado.

Afastando-se do conceito de "vontade individual", ou "vontade de todos", de matriz liberal, Hegel adere
ao conceito de "vontade geral", mais sintonizado com os princípios de seu sistema filosófico, conferindo
a tal conceito uma base objetiva, e não mais subjetiva, como fazia o jusnaturalismo. Assim, para Hegel,
a vontade geral, em seu processo de exteriorização, passa por um processo de determinações históricas
que transcende a ação dos indivíduos e seus projetos volitivos singulares. Enquanto componente do
mundo ético, a vontade geral não resulta de um postulado moral, mas emerge de uma comunidade
objetiva de interesses que o movimento da realidade (que Hegel denomina "Espírito" ou "razão") produz
e impõe aos indivíduos, independentemente da consciência e o desejo deles, embora muitas vezes se
utilize desses "instrumentos" para sua concretização.

Neste contexto, a forma inicial da eticidade, a primeira forma objetiva universalizadora de interesses é a
família, ou seja, a segunda esfera do ser social que define regras comunitárias de ação para seus
membros. A terceira (e mais universal) forma da eticidade seria o Estado, definido como "totalidade
ética". Entre a família e o Estado aparece, pois, como figura relativamente autônoma, a esfera da
sociedade civil, denominada por Hegel como "sistema de necessidades e do trabalho". O conceito de
sociedade civil aparenta uma certa inspiração econômica, talvez proveniente dos escritos clássicos da
então nascente Economia. Em sua obra Filosofia do Direito, Hegel assim se manifesta sobre este
conceito: "Nessa dependência e reciprocidade do trabalho e da satisfação das necessidades, o egoísmo
subjetivo se transforma na contribuição para a satisfação dos interesses dos outros. Há uma mediação
do indivíduo pelo universal, um movimento dialético pelo qual cada um, ao ganhar, produzir e fruir
para si, precisamente por isso, produz e ganha para a fruição de todos. Essa necessidade se encontra
no encadeamento universal da dependência de todos."

Em Hegel, com já acenado, o Estado aparece como superação dialética das duas primeiras figuras da
eticidade (família e sociedade civil). O Estado, em sua ordem jurídica, eleva a um nível superior o
movimento de universalização contido na família e na sociedade civil.

Em sua perspectiva, Hegel pretende entender o Estado como algo "racional em si", como "realidade da
vontade substancial", como "momento supremo da vida coletiva", como "realidade da liberdade
concreta".

O Direito em Hegel

Hegel toma o termo Direito (Recht) ora numa acepção restrita, indicando apenas uma parte do sistema,
ora numa acepção ampla, indicando o sistema em seu todo, aí incluído todas as matéria da chamada
filosofia prática (economia, política e moral). Por outro lado, para designar a matéria habitual do direito
público, Hegel utiliza a expressão Constituição (Verfassung), deixando para a expressão "direito", em
sua acepção mais restrita, os conteúdos próprios do direito privado.

Em sua pugna com o jusnaturalismo, Hegel parece não considerar o direito como uma categoria
autônoma e chave para compreensão da dinâmica social. Não mais partido do indivíduo, como faziam as
correntes jusnaturalistas, mas do povo, historicamente determinado, com sua religião, sua arte, suas
técnicas, suas leis e seus costumes; em suma com seu ethos. Assim, tomando o povo como ponto de
partida, e considerado-o como totalidade histórica e concreta, Hegel adota uma nova e original
perspectiva. O direito não somente é destronado, mas dissolvido como categoria unitária e unificadora.
Nesta mudança de perspectiva, no jusnaturalismo, o primado do direito comportava a redução da
sociedade e da filosofia do Estado à filosofia do direito, considerado o direito como aquele tecido
conectivo através do qual ocorre a passagem do estado a-social para o estado social, do estado natural
para o estado civilizado, propondo-se a sociedade universal regulada pelo direito como ideal regulativo
da história. A insuficiência, pois, do direito mostra-se exatamente em face desta mudança de perspectiva
assumida por Hegel. Aquilo que unifica um conjunto de indivíduos, transformando-o num povo, numa
totalidade ética, não é o direito abstratamente considerado. Para tanto, faz-se necessária uma conexão
mais profunda, enraizada no próprio "espírito do povo", da qual o direito apresenta-se somente como
uma de suas manifestações. "Um povo é algo mais que uma sociedade juridicamente regulada e
organizada : é um organismo vivo." Neste contexto, o direito representa sempre o momento da
abstração, da formalidade, da estabilidade, enquanto a eticidade representa a concretude viva e histórica.

Em sintonia com esta diretriz, Hegel inicial o estudo da práxis humana não a partir do mundo do direito,
mas das esferas da economia, da política e da eticidade. Nestas esferas, o direito é considerado apenas
como momento formal. Assim, o direito privado seria o momento formal da economia, destinando-se à
estabilização das relações econômicas (propriedade, posse, contrato), enquanto o direito público seria o
momento formal da política, vocacionado ao mesmo ideal de estabilização, mediante a instauração de
uma organização, pela ordenação permanente das partes no todo. A eticidade, por seu turno, apresenta-
se como categoria universal, unificadora de todas as outras categorias parciais da filosofia prática. Deve-
se observar, contudo, que, em Hegel, progressivamente, o direito vai se tornando uma categoria mais e
mais importante, tal como o demonstra uma ilustrativa obra da maturidade, Princípios da Filosofia do
Direito.

Direito público e direito privado

O pensamento jurídico-político hegeliano parece conferir uma grande importância à distinção direito
público-direito privado, constantemente presente na literatura jurídica. De fato, a contraposição entre o
"público" e o "privado" foi uma tônica no sistema hegeliano, desde as suas primeiras formulações.

Aqui uma advertência se impõe. Hegel abandona nesta questão a terminologia tradicional, tal como
presente nos jusnaturalistas até Kant. Nele, a palavra "direito", ou "direito abstrato", significa
geralmente "direito privado", enquanto a matéria hoje atribuída ao "direito público" é abordada sob a
expressão Constituição. Por outro lado, o trato da matéria em Hegel também é diferenciado, quando
comparado à abordagem de matriz jusnaturalista. Em Hegel, ao contrário das exposições jusnaturalistas,
o direito privado não tem nenhuma autonomia em relação ao direito público-estatal. Pelo contrário, tem
neste seu fundamento. Tal postura guarda estreita coerência com os princípios da filosofia hegeliana.

No pensamento de Hegel ocorre um uso axiológico da dicotomia público-privado, segundo o qual o


público corresponde a um momento positivo, tanto do ponto de vista histórico como conceitual,
enquanto o privado, quando suplanta o público, representa o momento negativo. Tal orientação
prevalecerá em sua teoria político-jurídica.

De fato, as categorias de "público" e "privado", adotadas como categorias de filosofia da história,


passarão com função análoga ao direito. Desta forma, para Hegel, o direito privado é subalterno ao
direito público. Tal posição terá inúmeros reflexos e desdobramentos em suas obras sistemáticas,
históricas e políticas, tornando até certo ponto singular e diferenciada sua teoria política e jurídica,
mormente quando comparada à grande tradição jusnaturalista.

O primeiro deles refere-se a polêmica travada com as teorias contratualistas aplicadas ao direito público,
em especial a teoria do contrato social. Com efeito, sendo o contrato e a propriedade os dois principais
institutos do direito privado, tais institutos não se conformam aos problemas do Estado. Hegel critica
veementemente as doutrinas privatistas do Estado. Diz ele: "A intrusão deste (ou seja, do contrato) ou,
em geral, das relações de propriedade privada na relação estatal, produziu as maiores confusões no
direito público e na realidade". Hegel elenca diversos argumentos para tal refutação. Segundo ele, o
contrato procede do arbítrio de dois contraentes, enquanto o Estado não, derivando de uma força
superior, não arbitrária, de uma vontade universal. Por outro lado, enquanto o contraente singular pode
romper o vínculo contratual, o cidadão não pode subtrair-se por sua vontade ao império do Estado. Por
fim, se o Estado deve visar ao interesse geral e não aos interesses particulares dos indivíduos, o mesmo
não se pode resumir à soma das vontades individuais. Para Hegel, o Estado é regido por princípios
fundamentais, segundo determinações universais, devendo os particulares a elas se conformarem
Observe-se, neste sentido, que a crítica feita ao "contratualismo" é de natureza racional, conceitual, e
não meramente histórica, como já se havia procedido então.

Da mesma forma que considerou "negativa" a sucessão da religião grega, de natureza pública, pela
religião cristã, de caráter privado, Hegel, em seus escritos históricos, caracteriza como épocas de
decadência os períodos históricos em que o direito privado suplantou o direito público. Tais épocas
foram sobretudo duas: o império romano e a idade média. Tais épocas, por motivos históricos diversos,
constituíram uma cisão de uma unidade anterior, uma atomização, uma decomposição das partes de um
todo orgânico, uma dissolução da totalidade, uma morte da vida ética (eticidade), um triunfo dos
particularismos sobre a universalidade, dos interesses privados sobre os interesses gerais. Hegel afirma
que "a totalidade é estilhaçada na escravidão dos particularismos privados". Assim, na fase imperial
romana, percebe-se um nítido desenvolvimento do direito privado, enquanto avulta a figura do
Imperador como tutor do corpo político, desfazendo-se a república (res pública).

Referências
HEGEL, G. W. Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. 4. ed., Lisboa, Guimarães Editores, 1990.
BOBBIO, Norberto. Estudo sobre Hegel - direito, sociedade civil, Estado. 2. ed., São Paulo: Editora
Brasiliense / Unespe, 1995.
_______________. Teoria Geral da Política - a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de
Janeiro: Editora Campus, 2000.
OLIVEIRA, A. Manfredo. Ética e Sociabilidade. São Paulo: Edições Loyola,1993
KONDER, Leandro. Hegel, A Razão Quase Enlouquecida. Rio de Janeiro: Editora Campus,1991.
KANT. A metafísica dos costumes.....

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