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São Paulo, domingo, 18 de março de 2012

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ARQUIVO ABERTO

Memórias que viram histórias

Munique, 1990

ANDRÉ VALLIAS

EM FEVEREIRO de 1987, rumei para a Alemanha sem


muito na bagagem: um vago propósito de permanecer um ou
dois anos, matrícula num curso intensivo de alemão,
portfólio com poemas visuais, mochila abarrotada de roupa
para o frio e alguns contatos que colhera entre amigos e
conhecidos.

Os de Ignácio de Loyola Brandão já me valeram na chegada


a Frankfurt, onde esperei em vão pela mochila, que jamais
receberia de volta. Telefonei ao editor angolano Theo
Mesquita, que, muito solícito, me disse o que fazer e ainda
me buscou no aeroporto.

Da artista Giselda Leirner, eu levava uma carta de


recomendação a Vilém Flusser, filósofo tcheco-brasileiro
que eu só conhecia de artigos da revista "Arte em São
Paulo".

Qual não foi minha surpresa, algum tempo depois, ao


deparar-me com ele estampado na principal revista semanal
alemã, "Der Spiegel", em longa entrevista sobre os impactos
da revolução eletrônica.

Nascido em Praga, em 1920, Flusser veio ao Brasil em 1940,


fugindo do nazismo, e aqui permaneceu até 1972. De volta à
Europa, radicou-se no sul da França, vindo a se tornar
-especialmente nos países de língua alemã- arauto e
pensador das novas mídias.

Eu, que jamais havia cultivado qualquer interesse por


aparelhagem técnica, terminei a leitura da matéria decidido a
adquirir um computador assim que pudesse.

Após quatro meses estudando alemão e vivendo do dinheiro


que trouxera, comecei a me virar com trabalhos temporários.
Logo arranjaria emprego no arquivo de uma pequena
emissora de TV. A vida tomava curso imprevisto e veloz. No

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ano seguinte, eu já era um homem casado e pai de família.

Minha filha nasceu em setembro de 1988, trazendo consigo


-graças às benesses do Estado social alemão- a quantia
necessária para que eu comprasse meu primeiro computador:
um PC 386, com 4 MB de RAM e 80 MB de disco rígido.

Flusser logo respondeu a carta que lhe enviei. Colocou-me a


par da mostra "Em uma Palavra!", sobre poesia e música
visuais, organizada por Dietrich Mahlow.

Só vim a encontrá-lo no início de 1990, quando esteve em


Munique para falar no museu Villa Stuck. Encontramo-nos
no saguão do hotel. Estava com amigos, aos quais me
apresentou como "poeta concreto brasileiro". A conversa não
chegou a deslanchar, atrapalhada por constantes
interrupções.

Irritou-se quando citei que o Rio teria sido cofundado pelo


alemão Heliodor Hesse (filho do poeta neolatino Eoban
Hesse), que partira de São Vicente, com uma tropa de índios,
para socorrer o sobrinho do poeta Sá de Miranda na guerra
contra os franceses. Flusser aferrou-se em atribuir a
Villegagnon a fundação da Cidade Maravilhosa!

Perguntou-me se eu escrevia. Como andava reticente com a


aplicação desse verbo àquilo que fazia de modo tão não
linear, respondi-lhe "não". Ao que retrucou: "Se não escreve,
não pensa por si próprio". Uma frase que me acompanha
desde então, incômoda, na lembrança.

Por fim, convidou-me a assistir a sua palestra "Sobre o


Futuro da Oficina", da qual guardei só a provocativa
declaração "os desempregados são os pioneiros do futuro" e
o prazer de ter podido vê-lo brilhar em seu elemento natural:
a fala.

Em novembro de 1991, finalizei a impressão da plaquete


"De Versos", uma série de superfícies em 3D que construí
digitalmente a partir da representação gráfica dos quatro
esquemas métricos fundamentais da antiguidade -iambo,
troqueu, anapesto e dáctilo.

Enviei um exemplar ao filósofo, ansioso por sua reação.


Semanas depois, recebi, consternado, o envelope de volta.
Custei a decifrar o motivo da devolução, displicentemente
grafado à mão: "Falecido".

Flusser morreu no exato dia em que eu lhe fizera a remessa,


27 de novembro de 1991, num acidente de carro em que foi a
única vítima, por estar sem o cinto de segurança, ao retornar
de uma viagem a sua cidade natal.

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