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O Elefante de
O Elefante de Marfim
Libreto para Ópera em Três Atos
“As peças de marfim são
tão alheias ao abstracto xadrez
como essa mão que as rege.”
Jorge Luis Borges
ॐ
12. Introdução ao Texto Dramático:
O Elefante de Marfim é uma fábula musical sobre a fundação de um teatro de ópera no local onde um
crime ocorreu, este teatro é abandonado e transformado em um museu da humanidade e sua relação com a arte,
onde a própria vítima do crime é leiloada como obra. Os artistas, prisioneiros do museu, com ajuda dela, se rebelam
e montam uma biblioteca no lixão, onde aguardam um terrível cataclisma enquanto decidem numa reunião o que
fazer com os marfins e obras de arte do mundo que juntaram em seu acampamento e uma série de fatos levam ao
ano do elefante. A trama se passa na cidade de Som Caos, o que sobrou de São Paulo depois que os caminhões não
conseguiram mais levar alimento para lá, na área entre Atlante Babelon (bairro nobre) e Lemúria Guantánamo
(bairro da periferia), divididos pelo pântano químico de Akakor à beira do Rio Morto.
Por se tratar de uma ópera sobre o fazer artístico, pedimos atenção especial das companias, que se
detenham frente ao texto, quanto à ironia de sua metalinguagem. A própria compania é o coro e a montagem da
cenografia é feita anamórficamente (sob a direta influência de Arcimboldo) com os figurinos e objetos que os
próprios personagens trajam e despem, compondo um elemento cênico (Um personagem retira um paletó onde
dentro há um sol bordado que funda uma janela cenográfica, por exemplo). Pedimos que as montagens se dêem da
maneira mais simples possível, com materiais e processos reciclados daqueles que a própria compania já utiliza em
seus repertórios, levando em conta a sensibilidade e a mitologia pessoal de cada intérprete-criador participante.
O texto dramático deve ser um ponto de partida e nunca um fim em si ou uma desculpa para a
sobreposição de desejos de uns sobre outros. A função dos atores-cantores-dançarinos é desvendar o que está sendo
realmente dito por detrás das palavras que nada dizem. Propomos que as companias se detenham a pesquisar o
projeto e a portitura junto à Orquestra e pensadores afiliados, vindo a compor um programa que inclua todos os
textos aqui contidos e ainda os seus e de outras versões prévias para a consulta pública aberta e gratuita. Expanda o
quanto possível o que encontrarem aqui, coloquem mais ruídos nas entranhas deste elefante.
Dito isto, convido-vos ouvintes a me seguirem por esses caminhos sinuosos que conduzem os seres humanos a
mascarar sob a alcunha da paz a barbárie. Não pretendemos manipular os fios da crueldade e do voyeurismo para
manter sua atenção. Mas não se trata, aqui, de encená-los, de construí-los como uma estética do horror. Pelo
contrário, procuremos desnudar - a frio - os processos que podem levar à destrutibilidade humana em massa.
13. Simbologia do Texto Dramático:
O texto em itálico trata sobre a dramaturgia e dá expicações sobre a obra.
(Os aspectos de iluminação e imagética abstrata a serem projetadas, sejam por meio de cartazes ou de
tecnologia cinemática, se encontram entre parênteses e em itálico.)
[Os aspectos de montagem cênica, da ambientação e da dança dos objetos, se encontram entre colchetes e em
itálico.]
<A trajetória silente, sonora e musical da escuta se encontra entre chevrons e em itálico.>
ॐ
14. Personmargens:
Todxs xs personagens são epicenes e se possível devem ser interpretadxs por um trio de artistas. Uma atriz
ou ator interpreta suas feições faciais e fala seu texto, umx dançarinx faz seus movimentos corporais & umx
cantorx canta seus trechos, mas nada impede de um ator interpretar mais de um personagem também. Tais
definições de sexo dos intérpretes devem ser decididas coletivamente pela compania.
A partir do Primeiro Ato, todxs xs personagens são disformes devido a diversos tipos distintos de
elefantíases e trazem consigo elementos de um ou mais animais, além de objetos que formam figurinos-escombros,
que podem aparecer das mais diversas maneiras de acordo com cada montagem.
14.0. Do Prólogo no Teatro:
~CATÃO MOEBIUS, atriz reserva do teatro que está na função de faxineira do teatro
de ópera neste espetáculo. Travesti índia velha cabocla mulata ex-prostituta, tida como
louca, de modos dóceis e serenos.
~OS OPERÁRIOS DO TEATRO, coro que varia de acordo com a casa onde a peça for
apresentada. É preferível que o coro seja composto pelos próprios funcionários da casa, mas
não sendo-o possível, que os atores interpretem-nos com fidedignidade e sem sarcasmo.
Dois personagens, porém, devem constar neste coro:
~A COMPOSITORA DA ÓPERA, tem pernas de fauno e traz consigo uma
pena de corvo que molha num pote de naquim cor de marfim.
~O DIRETOR DA CASA DE ÓPERA, usa um broche de leão e barbas cheias.
ॐ
14.1. Do Primeiro Ato:
~OS OPERÁRIOS DO TEATRO assistem a todo o desenrolar dos fatos realizando suas
funções sem intervir. Vão cada vez mais ficando desconfortáveis com o que se passa ali,
como se se tratasse deles próprios.
~OS CENOGRAFISTAS, obreiros que tomam os instrumentos da orquestra e
se põem a tocar. Ajudam também a transmutar os figurinos em cenografia.
~OS OPERÁRIOS DO TEATRO, seguem obedecendo o script até se verem transformados em:
~OS ARTISTAS, preguiças que trabalham sob tortura fazendo obras relacionadas aos
artistas da próera ‘O Elefante de Marfim’ até se rebelarem contra Os Tubarões Voadores
junto a José Merrick e Catarina Clemente.
~JESUS MOISÉS SADE & SHAMASH MOHAMMED, preguiça e tucano
jumento que se amam. Construíram o museu e querem entrar nele, sem consegui-lo.
~A COMPOSITORA DA ÓPERA, age como um narrador sentado na área mais cara, de modo
a explicar aos que pagaram mais caro o que ocorre. Veste uma roupa cotidiana, não deixando ao
público se ela é ou não uma participante oficial do espetáculo.
~ORLAN ABRAMOVIC, maquiadora e carcereira muito bela que só fala substâncias químicas
e age sobre o corpo de Oefro como se estivesse pintando uma tela. Traz uma pena de pavão no
cabelo e uma bola de ferro amarrada aos pés. Está com os pés presos a uma bola de metal. Carrega
esquadros, compassos e instrumentos de desenho. Tem elefantíase no seios.
~OS TUBARÕES VOADORES, milícia da arte estatal e privada. Trata artistas como
bandidos e se alguém lhes pergunta algo falam os nomes de artistas violentos como Antonin
Artaud, William Blake, etc. Usam uniforme de vinil. Alguns são amarelos. Seus cacetes são
revistas de arte enroladas. Eles mantêm A Orquestra tocando.
~OS ARTISTAS, escravos presos à torre De Marfim. São obrigados por Saatchi Pax a
inventarem mais e mais produtos artísticos para vender no centro de compras de arte Torre de
Marfim. Todos têm seus rostos cobertos por máscaras dos mais diversos materiais. São uma espécie
de ressurreição dOs Operários do Teatro numa outra instância. Entre eles se encontra:
~JOSÉ MERRICK, artista com elefantíase generalizada, preso no topo da torre
de marfim do shopping center de arte Jumbo Babel, único que conversa com Oefro (os
outros têm inveja por seu valor ser alto). Foi incumbido, sob severas torturas que
marcaram seu corpo já deformado com inúmeras cicatrizes, a criar a obra de arte mais
bela até então jamais realizada, mas não encontra inspiração e por isto é torturado. Se
apaixona por Catarina Clemente com quem se desnuda e faz sexo expurgando-lhe o
espírito de Oefro. É uma espécie de ressurreição de Gilgameshivashtar numa outra
instância. Humano, demasiado humano. Carrega paletas com cores.
ॐ
14.3. Do Ato Final:
~A COMPOSITORA DA ÓPERA, está sentada à boca de cena com uma camiseta de cavalo,
tentando não deixar que O Diretor da Casa de Ópera interrompa a produção. Sua fala pode ser
improvisada, com excessão das marcadas no texto, que devem ser ditas nos momentos específicos.
Recebe um chifre de unicórnio com uma orelha na base dO Diretor da Casa de Ópera.
~O DIRETOR DA CASA DE ÓPERA, horrorizado com tudo que viu até agora, principia por
fazer severas críticas e ameaça o tempo todo interromper a produção. Se veste como Fitzcarraldo.
Sua fala pode ser improvisada, com excessão das marcadas no texto, que devem ser ditas nos
momentos específicos. Após fazer amor com A Compositora veste-se com uma máscara de olho.
~OS OPERÁRIOS DO TEATRO, ainda como preguiças dançam ao redor dA Orquestra, como
As Baratas e Formigas e Abelhas que atormentam Catarina Clemente.
~JOSÉ MERRICK, usa uma máscara de cão de espelhos. Está meditativo, mas mais leve que
Catarina (Estamira) Clemente. Reuniu todos os marfins de elefantes do mundo, só lhe faltando
um par dO Último Elefante que está perdido. Nu. Não quer participar dos eventos de discussão do
que deve ser feito com os marfins. Alguns o pedem que o faça de vez em quando, mas ele nega com
um meneio de mão e volta a cuidar do jardim de areia. Se transforma, após levar um tiro, em:
~FENRIRX ANÚBIS, coiote lobo pantera com olhos de lince e costas de tartaruga de
jade. Ergue-se de sua corcunda e tem uma postura heróica diante de Musth Setoth
Tiamat. Destroça os membros de Musth Setoth Tiamat e os atira para conter a fúria de
Quetzacoatleviatan Seshalogryu Nagatum. Uma corça lhe pousa ao ombro esquerdo e um
cavalo lhe pede que o monte. Percebe quando finda o feitiço que prendem os personagens ao
palco e avisa ao público.
~OS OPERÁRIOS DA ARTE, coro dos mahouts mutantes. Espécies de ornitorrincos, misturam
feições dos mais distintos animais. Estão tentando decidir o que fazer com o marfim recolhido.
Não acreditam na ‘profecia’ do elefante de marfim e querem usar o marfim para diversos fins.
Olham com desdém para José Merrick. São uma ressurreição dOs Artistas em outra instância.
Fazem um conluio com Os Ratos Acadêmicos e Os Tubarões Voadores acreditando que assim se
safarão de Quetzacoatleviatan Seshanaga Longryu e Musth Setoth Tiamat. Os que não se
convertem em Tubarões Voadores se tornam:
~OS DOZE MACACOS, coro de ornitorrincos com máscaras de símios (gorilas,
chimpanzés, bonobos, mandris, babuínos, orangotangos, lêmures, micos, neandertal...)
feitas de papel. Alternadamente tapam o coração, o cérebro e o sexo. Carregam panfletos e
manifestos.
ॐ
~BUCKLUHAN CIOGRACIAN, médico ladrão com bico de íbis (máscara da peste negra),
penugens de papagaio e asas de morcego que carrega uma gaiola com um grilo falante mudo
chamado Orvalho. Tem elefantíase acima do nariz, carrega teares com aves mortas presas aos
fios. Passa o ato todo rindo, pregando peças e roubando os que acredita estarem roubando algo de
alguém. Ao ver a flauta de Ubugnu Ugnix cair ao chão a pega, sendo percebido por Shamash
Mohhamed, com quem a disputa. Antes de perdê-la percebe a platéia. Ajuda Ull Zougo Sedna
Chalchiuhtlicue, transformando-a numa sereia e com o resto de suas pernas alimentando Orvalho
que chama um vento de aves que destrói A Nuvem de Faganhotos para vingar O Último
Elefante.
~CHACRA SOSA SPINOSA, coruja que cozinha o banquete com as páginas do projeto da
próera, do libreto da ópera, da cronologia da performance e a partitura da transfonia O Elefante
de Marfim. Tem elefantíase nas coxas. Como há muita gente e poucos ingredientes, usa pó de
marfim para temperar a comida. O resultado da receita é um pé de elefante radioativo,
Chernobyl. Ao ser curada por Ubugnu Ugnix derruba o caldeirão, que escorre assustando o Último
Elefante que se ergue, talvez tendo disparado o tiro na arma Catarina (Estamira) Clemente, por
acidente. Usa a lágrima do Último Elefante para ressucitar Fenrir Anúbis e ao receber o antídoto
ao pó de marfim de Ubugnu Ugnix se transforma em:
~MEREDITH PACHAVUELA, cisne beija-flor que ajuda no parto de Ozrú Íris
Tupã Selva. Arranca as suas carnes sobressalentes para dar de comer a todxs sob a casa de
Braba Yoga.
ॐ
~MUSTH SETOTH TIAMAT, investidor caçador de elefantes, dragão da dependência. Não
tem elefantíase algum, é belo, forte e garboso. Tem uma série de cabeças penduradas ao redor do
pescoço, cada qual com uma expressão facial de afeto (alegria, tristeza, medo, angústia, ódio, etc).
Traz uma arma de elefantes consigo. Pele vermelha. Olhar de frieza. Vem montado sobre:
~O ÚLTIMO ELEFANTE, vermelho e mecânico. Sua voz é executada pela tuba, pelo
contrabaixo e pelo violoncello. Vê-se nele todo o sofrimento e ódio de todxs elefantes perante
a espécie humana.
~VÊNUS HOTENTOT, mulher belíssima tida na conta de escrava, que chega sendo arrastada
por Muth Setoth Tiamat. Mulher, demasiado mulher. Não tem elefantíase alguma, é bela, forte e
delicada. Colega de puteiro de Catarina (Estamira) Clemente, a olha com cumplicidade. Tem o
mais belo canto de toda esta ópera. Vestida com o vestido de casamento mais belo e transparente
dando a entrever suas curvas. Tem gozo escorrendo por suas pernas. Ao beijar Fenrir Anúbis nos
lábios, ri e se converte em:
~BRABA YOGA, feiticeira de cabelos brancos e parteira que suga as toxinas do sangue de
Musth Setoth Tiamat e dO Último Elefante. Tem elefantíase na vagina e nas nádegas.
Suas sombracelhas crescem e se torna como um texugo com chifres de antílope. Sua casa
surge vinda do horizonte caminhando sobre pernas de peru com a árvore Yggdrasil no
telhado e protege todxs.
~JESUS MOISÉS SADE, obeso com peito de pombo que anda numa cadeira de rodas que se
assemelha a tanque de guerra com presas de javalis. Traz Shamash Mohammed numa coleira,
enquanto segue a beleza de Vênus Hotentot. Tem deformidades no peito e veste uma coroa de
arame farpado. Ao ver Shamash Mohammed torturando Os Ratos Acadêmicos, o beija e
presenteia-o com o Peixe de Babel.
~SHAMASH MOHAMMED, iogue louva-deus com mão inchada que parece de caranguejo,
traja marionetes e bonecas, arrasta ex-votos. Pula numa perna só. A Vênus Hotentot seduz Jesus
Moisés Sade a libertá-lo e este pensa em vingar-se, mas ao ver o gozo de sua salvadora beijando o
deformado José Merrick, desiste e luta contra Buckluhan Ciogracian para retomar a
flauta-luneta de Ubugnu Ugnix. Com ela afasta A Nuvem de Faganhotos para dentro do
carrossel onde estão Os Ratos Acadêmicos.
~OEFRO, anjo índio de olhos claros separado de Catarina (Estamira) Clemente fica a
sussurrar-lhe aos ouvidos coisas que ninguém mais ouve. Conforme a situação vai ficando mais
tensa suas asas vão crescendo até que a abraçam por completo, logo antes que ela decida agir.
Quando da morte de Musth Setoth Tiamat, monta Quetzacoatleviatan Seshalongryu Nagatum
tentando contê-lo em vão, mas retirando-lhe as moedas que são suas chagas e atira-nas nO
Elefante de Marfim. Quando a serpente se vê convertida em Pyth Om Kundalini e o devora, ele
a empurra de modo a que engula O Elefante de Marfim também.
~HOZRÚ ÍRIS TUPÃ SELVA, feto escaravelho (com espinhos de ouriço) de olhar meigo, que
nasce de Catarina (Estamira) Clemente graças a Braba Yoga e Meredith Pachavuela.
Acreditam todxs que tenha nascido natimorto, posto que não se move. Só percebe-se sua vida
quando, apontando para o céu, fala a última palavra da ópera: “Nü”.
~NUN, baleia semitransparente com mil e um olhos de estrelas que emana águas vivas e sons
fluidos.
ॐ
15. Prólogo no Teatro:
{Ocorre um atraso em relação ao horário marcado. O faxineiro Catão Moebius é o único funcionário
presente controlando a fila. Ele é amável, atencioso e curioso com o público.}
{Percebendo que algo está acontecendo, ele procura por uma vela, que acende. Insistindo que haja peça, ele
guia o público na penumbra até os assentos da plateia, onde os acomoda.}
{Catão Moebius permanece ali no silêncio da vela acesa por uns instantes. Decide-se então por ver o que se
passa e vai em direção ao palco. Como se algo estivesse por ocorrer, ele se volta para trás e num gesto pede silêncio à
plateia.}
[Ao que Catão Moebius se aproxima do primeiro degrau da escada que sobe ao palco, as primeiras cortinas
se abrem deixando entrever à pouca luminosidade, em frente a outras cortinas, Os Operários do Teatro nus
olhando a plateia nos olhos.]
{Ele acende a vela de novo e se aproxima mais. As luzes da plateia se acendem. Os Operários do Teatro
observam com afinco as feições e os traços do público, escrutinizam com o olhar suas figuras e passam a se vestir
enquanto A Compositora da Ópera se ajoelha e fala olhando nos olhos de Catão Moebius e O Diretor da Casa de
Ópera fala com a plateia.}
ॐ
~O DIRETOR DA CASA DE ÓPERA:
Gostaria de agradecer a todxs vós aqui presentes.
Agradecer os operários, atrizes e atores, maquiadores,
iluminadores, editores, filósofos, engenheiros,
cenógrafos, bibliotecários, programadores,
produtoras, escultores, loucos, atravessadores,
urbanistas, encenadores, cozinheiros, professores,
manicures, motoristas, impressores, seguranças,
matemáticas, crianças, agricultoras, pintores,
maquinistas, pedreiros, arquitetos, geólogos,
faxineiros, traficantes, médicos, dançarinos,
poetas, embaladores, serventes, bancárias,
farmacologistas, tecelões, administradoras,
cineastas, enfermeiros, eletricistas, prostitutos,
perfumistas, esportistas, aviadores, ladrões,
alfaiates, terapeutas, burocratas, jogadores,
estudantes, ecologistas, mendigos, lavradores,
dentistas, químicos, pedagogos, fonoaudiólogas,
artesãos, fotógrafos, pescadores, tradutores, físicos,
atendentes, psicólogos, massagistas, mascates,
tecelões, tipógrafos, geógrafos, motoristas,
contadores, astrônomas, ociosos, entregadores,
escritores, anciãos, músicos, soldados, regentes,
religiosos, zoólogos, políticos, ancestrais,
e a quem eu possa ter olvidado...
~A COMPOSITORA DA ÓPERA:
Preciso que nos perdoem todos vós aqui presentes.
Perdão por nossas ignorâncias, arrogâncias, medos,
fraquezas, estultícies, iniquidades, violências, luxúrias,
nojos, vergonhas, impiedades, injustiças, covardias,
profanações, mentiras, ganâncias, ilusões, invejas,
malícias, calúnias, vinganças, ódios, vaidades, friezas,
ascos, lascívias, presunções, preguiças, soberbas,
egoísmos, alienações, gulas, esquecimentos, preciosismos,
vileza, complicações, perfeccionismos, mendicâncias,
adicções, vícios, indecisões, hesitações, perfídias, roubos,
estupros, incontinências, torturas, assassínios, cobiças,
mentiras, soberbas, todas as nossas indiferenças...
~A COMPOSITORA DA ÓPERA:
Perdão por nossos sofrimentos.
Perdão àqueles que buscam perdão,
debatendo-se contra si mesmos.
A céu perdoe o chão.
Perdão aos que claramente vêem e sofrem calados,
aos que tem seus gritos amordaçados.
Perdão aos cansados, aos dilacerados,
humilhados, mal-compreendidos e ignorados.
Às gerações que se degeneram,
à grande confusão da pobreza.
Perdão à fome dos que tem fome
e à cegueira dos que guardam e desperdiçam.
Perdão à ira dos oprimidos.
Aos animais que tolhemos com nossas demandas,
às plantas que não ouvimos,
aos pensadores e sua impotência,
nossas barrigas cheias e nossas consciências sem culpa,
ao ardil do fazedor de machados,
aos artistas e suas tolice.
Aos que ao perdão olham de lado.
A todo gesto em vão... Perdão!
{Durante a fala de ambos, a vela de Catão Moebius se apaga de novo, mas ele não tem mais fósforos para
acendê-la. Ao final em uníssono da fala dos dois, eles se põem a caminhar em direção a detrás das cortinas. O
Diretor da Casa de Ópera olha atrás num olhar de aviso para que ele se afaste do palco. A Compositora da Ópera
volta até ele e acende sua vela:}
~A COMPOSITORA DA ÓPERA:
Somos todxs diletantes. {Catarina Clemente olha para a platéia e lhes pede novamente silêncio. E pisa no
palco...}(As luzes do teatro vão se apagando todas.)
ॐ
16. Prelúdio:
<Soa o prelúdio com sons de cortinas e véus ao vento, num resumo fragmentado da musicalidade da
ópera.>
{Catão Moebius anda até o centro do palco e passa a observar todos os elementos que compõem o teatro, um
a um, lentamente.}
{Ele então vai até os limites do palco, e descobre ali uma parede invisível. Eletenta voltar então à plateia,
mas percebe a parede que o separa de lá. Ele gesticula como se tentasse ver através de um vidro e procura pela
plateia, mas não a encontra.}
{Percebendo-se sozinho, ele vai ao meio do palco e volta a observar ao redor, mas agora é como se visse um
outro lugar. Ele fica erotizado e se desnuda, entra em um transe, dança e canta:}
~CATARINA CLEMENTE:
Música!
17. Ato Primeiro {Penetração}:
Homenagem às obras de José Agrippino de Paula, Joe Coleman, Jan Svankmajer e Luigi Nono.
Teatro abandonado, vazio.
Som Caos, Deserto Do Real à beira de um rio de merda e sangue que fede.
Do meio-dia ao poente. Úmido e frio, névoa.
<Soa A Preúsica que aos poucos vai cedendo a armas de guerra sendo engatilhadas, folhas de livros
abertos, moedas sendo depositadas e forjadas.>
{Das diagonais, se aproximam Fausto Rosa e Gabriel Huxley por trás, e Leonardo Cervantes e Dante
Pound pelas costas.}
[Carregam sacos de lixo com imagens de um touro com cabeça de polvo, um urubu com cabeça de pombo,
uma barata com cabeça de jaguar, uma mula sem cabeça.]
{Catão Moebius vê um anel no chão. Vêm com más intenções, murmurrando de maneira violenta e
erótica para si mesmos:}
ॐ
~DANTE POUND:
Código ata a priori prolabore sic
aberratio rei ad corpus abolitio crimines,
má-fé.
Occasio legis mandado fraus legis
tribunal mercancia ad quem sine die
quo ad hoc tollitur quaestio relações.
Ex locato precatório testis unus
benfeitorias de sub-rogação, sanctio iuris.
Intimação, testis nullus thema
direito consórcio modus aditamento enfiteuse decidendum.
Thema probandum rem à procuradoria
déficit concílio, caput ágio neminem
laedit comodato solve et repete.
Penhor, desobediência, taedium vitae.
Alvará tarifa inventário bis leasing liminar
arrendamento câmbio usufruto
ad valorem remedium iuris desacato.
~FAUSTO GIOVANI:
Lorem ipsum nononononono
dolor sit nononononononono amet.
Eget nononono ligula eu nononono
Nononono virgo nonono lectus lobortis.
Nulla nonononono at nonononono nonono risus.
Quisque nononon purus nononononononono canc
magna nanaonãononononono voluntas.
Nam nononon gemin nononono
malesuada venenatis leo nononononono,
commodo ultricies nonononono lorem bibendum
libri ononononononononononoononononononono sapientia
nonononononononono afectum nononoonono vitae.
Sed in nononononono libido a ante congue
nonono facilisis id non felis pellentesque nononononono
vel ourifidius urna nononononononono metus,
in viverra nononononono aria ono concupiscentia.
~ORWELL KIPLING:
Ó dama de ferro, que farás com este dom
que lhe há dado tantos custos, brucutu,
cigarros na pele, rifle, serrote, estaca, chicote,
te impede que trabalhes na corrida dos ratos,
torções, berço de Judas, garfos, garras de gatos,
empalamentos, máscaras de aço, e que você
simplesmente
não
consegue
devolver
ao seu senhor?
~DANTE POUND:
Crime taxa fideicomisso legitimatio
ad causam excessão, avulsão reconvenção
sursis litis contestatio.
Julgamento causa mortis comunis opinio.
Petita impotentia generandi falência,
si vis pacem ecce homo,
corrupção nihil obstat naturalia negotii
fórum requiescat.
Apelação in pace fraude deserção
para bellum autarquia, in absentia hipoteca
meta iptata referendum,
usucapião meritum causae,
bens idem, consumidor grosso modo
honoris causa usura tabula rasa.
~FAUSTO GIOVANI:
Cras nonono egestas nonono porttitor nononono
nulla nononononono sagitas vehicula no commodo.
Curabitur nononono sodales porttitor nonononononono
risus et nonononono tempus.
Nunc lacus nonononono quarius,
scelerisque quis vulputate nonononono at pisc,
venenatis nononononono augue.
Suspendisse nonononono suscipit facilisis
nononononononono eros,
nonono taurid euismod nnonono
nonono purus aliquet quis noite.
~ORWELL KIPLING:
Paus e pedras, arma de elefantes, roda de Catarina.
Havia um selvagem, arrancar as unhas e os olhos,
em Aberdare, privação de sono e alimentação,
que se pôs a assassinar todo mundo, tanques,
fuzis, escudos, quando ele finalmente foi morto,
lâmina, porrete, espada, encontraram uma bala,
faca, torniquetes, camuflagem, dentro de sua presa.
Aviões atirados sobre os servidores, scimitarras,
napalm no café da manhã, despedaçamento por cavalos,
lanças, javelins, scimitarras, dardos. Bomba H de microondas,
bactérias e viruses, forjando derivas a marchas, câmaras de gás,
forcas, cadeiras elétricas, spray de pimenta.
Um outro mundo é poder nos dentes,
guilhotina, fogueiras, gotas na testa, solitárias,
jaguar cibernético, cacetetes.
ॐ
~GUIMARÃES HUXLEY:
Abençoados os tolos, abençoados os violentos,
abençoados os vis, abençoados os maléficos,
abençoados os engenhos técnicos.
Abençoadas as armas, abençoados os venenos,
abençoada a guerra, os parricidas e trapaceiros,
mentirosos, aproveitadores, charlatões, invejosos,
cafetões, vendedores, usurários.
Políticos e alfandegários, publicitários e propagadores do vício.
Atravessadores, puxa-sacos, arrivistas, mal-intencionados,
parricidas, estupradores, ciumentos, vingadores,
justiceiros, abeçoados os que controlam o cabresto,
líderes, mestres, gurus.
Hierarcas e criadores de confusão.
Tiranos, déspotas, inquisidores,
torturadores,
menticidas de todo cunho,
abençoados sejam.
~ORWELL KIPLING:
Cavaletes, mesas de evicerações,
quebrados os joelhos e os nervos,
rezarás!
Cibervermes da lei.
Cepo, garrote, gaiola,
cruz, estiramento, choques,
sombrasas,
hsinbyuymashin.
{Catão recolhe o anel do chão.} (Quando estão a ponto de tocá-lo, as luzes se apagam.)
<Soam carnes, tiros, flechas, gumes, livros rasgados e queimados, moedas aos montes escorrendo, bate
estacas, máquinas registradoras.>
{Catão se converte numa mulher. Ela é violentada com enormes quantidades de ouro em todos seus
orifícios, é esfaqueada no ouvido com uma adaga de marfim e tem seu corpo atirado às margens de um rio de
merda onde cai de boca. Catarina grita:}
~CATARINA CLEMENTE:
Ópera!
<Silêncio do tempo de uma gota de sangue escorrer dos olhos ao chão. Catarina Clemente pode fazer este
gesto se o desejar.>
(Imagens de natureza morta substituem os retratos de homens.) {De dentro de seus sacos com cara de
animais, dois deles a pintam com urucum em gestos de arco enquanto os outros dois estendem um tecido vermelho
que cruza sua boca e sexo.}
[Eles desenrolam o tecido na diagonal do palco, criando uma linha divisória, um rio vermelho.]
<Soam As Metamorfoses Devocionais, onde todos os cantos religiosos de todas as culturas do mundo se
misturam.>
{ Ao entrar em contato com o corpo dela, os quatro violadores se convertem (ou se disfarçam) em estrelas
dançarinas. Estas estrelas (dos minerais, vegetais, energias e animais).}
<Soam flamas.>
~CATARINA CLEMENTE:
Lasciatemi...
Vazio... Vazio...
Vazio... Vazio... Vazio...
Vazio...
Vazio... Algo...
~ESTRELA MINERAL:
Resguarda-te e conserva-se.
~ESTRELA VEGETAL:
Nutre-te e te cura.
~ESTRELA ANIMAL:
Levanta-te e vinga-te.
{Uma loba amamenta duas crianças humanas saudáveis, uma menina e um menino.}
~ESTRELA ENERGÉTICA:
Mono No Aware, paixão das coisas,
resgate a empatia à efemeridade.
Siga o que há de seguir como o que se segue
nos seguimentos e perseguições
consigo e convosco.
Do que foi não é nem será,
o que não haveria sido.
ॐ
<Soa um mar de memórias.>
~ESTRELAS DANÇARINAS:
Beba das águas do rio
Do Esquecimento.
~ESTRELAS DANÇARINAS:
Teu nome é Ópera.
<Pausa e silêncio.>
<Soam ventos, que se somam de automóveis convergindo num furacão de metais, calibres, lâminas que
explodem.>
<Soam As Metamorfose Laborais, onde cantos de colheita de todas as culturas do mundo se mesclam.>
[Após alguns atropelamentos, um enorme engavetamento se forma. Carrinhos de brinquedos e peças de
carros podem ser utilizados aqui.]
<Sons metálicos, estalidos de pólvora somam-se ao fundo sonoro.>
{Os Cenografistas tocam os instrumentos, A Orquestra monta o cenário num monte que se assemelha à
forma de um elefante. Esta inversão de papéis deve ser natural e breve, tomando apenas o tempo necessário para
que Gilgameshivashtar faça uma dança, deixe o lugar do maestro, e se ponha debaixo da montanha.}
{Acalmado o furor da dança, as estrelas dançarinas tentam jogar pó de marfim sobre Catarina, enquanto
o público está distraído com as conversas dOs Operários do Teatro.}
~GILGAMESHIVASHTAR:
Orfeo!
<Soam terras.>
~GILGAMESHIVASHTAR:
Pelas metempsicoses! Tu, Oefro!
~ÓPERA (CATARINA CLEMENTE):
Quem sou eu?
ॐ
<Soa um terremoto.>
~GILGAMESHIVASHTAR:
Pelos céus!
Te deram da água do esquecimento,
logo quando atravessavas o espelho!
Ao menos não tiraram-te a poesia
Da voz com o pó da confusão maquínica!
Dir-te-ei quem és.
~GILGAMESHIVASHTAR:
Após dilacerado pelas bacantes, Orfeo
Fostes ao submundo, mudo e errante
Buscando Eurídice, tua própria alma
Hades impediu findar tua falta
~GILGAMESHIVASHTAR:
Não pudestes mais
Nem olhar para trás
Do passado te lembrar
Nem a morte te trouxe paz
{Uma mulher atravessa o rio com um barqueiro e uma criança montada num rinoceronte de jade. São Isis
Lichtenstein, Socralistóteles e Satyrpan Abraxas.}
(Pinturas civilizatórias como guerras, cidades, paisagens urbanas, concílios, líderes se alternam em alta
velocidade.)
~GILGAMESHIVASHTAR:
Fizeste com o cadáver de um piano, {O pianista adentra o piano e é fechado lá.}
Asas para que um anjo do rio vienense
Abrisse mão do anel dos saturnenses
Explodindo a constelação dos corações humanos
~GILGAMESHIVASHTAR:
Viajaste a Sirius, já feito ruído <Soa um latido de cão abafado atrás da platéia.>
Agora surge das entranhas da terra
Índio com os lábios cheios de merda
Ó, óbvio! Seja tua vingança bela, amigo!
{Uma conferência das aves mais distintas passa a ocorrer na outra margem do rio. Antes que
Gilgameshivashtar termine a última sentença, as estrelas dançarinas lhe jogam pó de marfim. Catarina Clemente
corre ao rio de petróleo que escorre do monte de carros e tenta beber um gole, enquanto Gilgameshivashtar canta:}
<Soa um terremoto, uma faísca, uma gota, um vento enquanto inicia A Dodecaelis.>
~GILGAMESHIVASHTAR:
Vega, alpha arae, alpheratz, sadal melik,
apodis, altair, zubenelgenubi, menkar,
arcturus, caeli, pyxids, diadema, chamaeleontis,
al giedi, acubens, canopus, hamal, schedar,
kitalpha, cor caroli, sirius, procyon, alderamin,
toliman, deneb, capella, circini, coronae austra,
alphecca gemma, alchiba, acrux, sualocin, doradus,
thuban, achenar, antares, scuti, sculptoris, gamma normae,
ankaa, sagittae, fornacis, castor, camelopardus, al nair,
rasalgethi, alphard, hydri, indi, lacertae, regulus,
46 lmi, arneb, lyncis, lupi, antilae, mensae,
microscopii, muscae, octantis, betelgeuse,
peacock, fomalhaut, volantis, alrescha,
~GILGAMESHIVASHTAR:
mirfak, markab, pictoris, phaet, naos,
vulpeculae, horologii, reticuli, rukbat,
ras alhague, unukalhai, sextantis,
alkes, telescopii, aldebaran,
rasalmothallah, atria, tucanae,
monocerotis, dubhe, polaris, suhail al muhlif,
spica, solaris...
{Catarina bebe um primeiro gole do rio da memória. As estrelas dançarinas, de modo a não permitirem
que ela se lembre de tudo, ateiam fogo na pilha de automóveis. Gilgameshivashtar canta sua própria morte num
lamento. Catarina tenta socorrê-lo enquanto, tomando apenas um gole, canta com ele. Um jacaré com uma cueca e
uma calcinha cruza a lateral esquerda do palco.}
~GILGAMESHIVASHTAR:
Plutão,
Netuno,
Urano,
Saturno...
~GILGAMESHIVASHTAR:
Júpiter,
Marte,
Terra...
~GILGAMESHIVASHTAR:
Mercúrio...
~GILGAMESHIVASHTAR:
Sol!
{Isis Lichtenstein chega correndo desembarcando do barco onde está o rinoceronte, enquanto as estrelas
dançarinas fogem rindo e jogando o pó de marfim sobre a criança que está monada no rinoceronte e no barqueiro
que a leva. É Isis, a esposa de Gilgameshivashtar que carrega consigo tecidos. Ela se volta para Catarina Clemente e
lhe pergunta:}
ॐ
(Imagens abstratas de pinturas feitas com manchas de tintas compõe a cena.)
~ISIS LICHTENSTEIN:
Quem sois? Que passou a meu Gilgameshivashtar?
<Soa um trovão.>
~ISIS LICHTENSTEIN:
Ouvi ele chamando seu amigo, sim!
Por isto atravessei o rio e vim
Se de nada te lembras, enfim
Como te vingarás por mim?
~ISIS LICHTENSTEIN:
Gilgameshivashtar, meu digno e honroso amado,
tu cumpriste teu destino.
Não confundistes a água pura
com o corante da tinta
de nossos desejos, tua sacrinvência.
{Catarina se põe a olhar o público nos olhos. Isis então beija o cadáver de Gilgameshivashtar e é envenenada
com o esquecimento e a confusão das estrelas dançarinas. Ela tenta então separar no sangue de Gilgameshivashtar a
água pura da gasolina e canta:}
<Sons da produção de petróleo se mesclam fazendo uma passagem para A Transtética Cromática.)
(As imagens abstratas reaparecem e vão aos poucos dando lugar a pinturas concretas e formais.)
~ISIS LICHTENSTEIN:
Transparente branco cinza bege índigo
Vermelho âmbar marinho
amarelo marrom
Azul argila prata ciano
royal lavanda limão
Púrpura naval neve oliva
Ocre petróleo pêssego
Renda chocolate creme
abacate castanho curaçao uva goiaba
Coral rútilo canário turquesa
salmão cereja
Bandeira floresta musgo
militar magenta
Mostarda laranja primavera
dourado ruivo
Chumbo jade cobre camelo areia linho
Terracota tijolo castor acaju
jambo vinho
<Soa uma erupção e magma que escorre ao fundo cruzando o palco da esquerda à direita.>
~ISIS LICHTENSTEIN:
Pérola paris mel pastel grená cadete kháki
Rubro menta céu caramelo lilás amêndoa
Ametista anil abóbora roxo verde manga ameixa
Violeta sépia fúchsia ardósia rosa russet melancia
Esmeralda carmim cobalto carmesim açafrão
Bordeaux Escarlate café urucum
Marfim!
~ABRAXAS (SATYRPAN):
Nihil. Temor, fúria, angústia, interesse,
carinho, coragem, desatino, desapego,
volúpia, aborrecimento, alegria, repugnância,
curiosidade, euforia. Apatia, pressa, desgosto,
ansiedade, plenitude, calma, cólera,
náusea, vertigem, otimismo, ameaça,
cançasso, confiança, contenção,
empatia, submissão, contentamento,
pesar, antecipação,
tesão, desprezo, nojo, repugnância, energização,
afabilidade, nervosismo, afasia, remorso, confusão,
depressão, vigilância, tontura, sublimação,
submissão, riso, apreensão, feiúra, asco, beleza, tristeza,
maravilhamento, melancolia, apatia, êxtase, distração,
completude, afiliação, nutrição, deleite, irritação,
divertimento, rejeição, ressentimento, afetividade,
confiança, tensão, estima, satisfação, delírio, pânico,
prazer, engano, sobriedade, desordem, ternura, tédio,
intimidade, concentração, suavidade, reconhecimento,
surpresa, iluminação, ódio, terror, amor, serenidade,
gratidão...
(Imagens de câmaras de artistas vão se somando às de gabinetes de curiosidades.)
{As duas terminam a dança dos véus enquanto Oefro se volta para Satyrpan Abraxas e vai lhe fazer
uma pergunta, mas a chegada de cinco religiosos cegos a impede. O barqueiro Socralistóteles se põe a conversar
~SOCRALISTÓTELES:
Que dizes jovem Satyrpan? É teu pai morto e tua mãe enlouquecida.
{Satyrpan Abraxas medita. Um ser metade ovelha, metade gato cruza o palco.}
<O Ruíd’Om Sem Cor dilata e comprime-se até que soam As Transtética Formais.>
~SOCRALISTÓTELES:
A profundidade da barca
não é a mesma com e sem o elefante.
Todos os elefantes são símbolos, signos
Significantes, significados, ícones,
Codenotações, interpretantes, conceitos,
Relações, mecanismos
Pó de marfim! {Passando a mão no nariz que sangra petróleo.}
[Os Operários do Teatro ordenam as personagens de maneira linear, de modo a caber numa grade
imaginária.]
~SOCRALISTÓTELES:
Tertium non datur, satisfação das premissas
Se e somente se, então logo possíveis
Caso outro expressões algébricas
Sinais conectivos, frações distribrutivas
Predicados relativos paraconsistentes
Metalepses, sinédoques, aliterações
~SOCRALISTÓTELES:
Validações, preposições, códigos
Induções, transcordâncias, falstruísmos
Correspondências teórico-formais
Interpretações, tabelas de verificação
Admissibilidades, condicionamentos
Eufemismos, metonímias
~SOCRALISTÓTELES:
Para elementos, conjunção disjuntiva
Modus ponens tollens, dupla negação
Difusão dos graus de pertinências
Silogismos hipotéticos, composição
[Os Operários do Teatro se organizam e fazem um censo, tabelando as pessoas de acordo com seus aspectos
externos.]
~SOCRALISTÓTELES:
Conjuntos nebulosos, operadores
Cálculos sentenciais, léxicos gramaticais
Derivabilidade de regras, fórmulas atômicas
Proposições implicativas, dilemas
Epiquereas, subcodivisões transitivas
~QORO DOS OPERÁRIOS DO TEATRO:
Quando? É? Quem? Como? Onde? Quanto? Por Que?
~SOCRALISTÓTELES:
Tetralemas, base de análises, concomitâncias
Deduções, diferenciações, inferências
Comutações, associatividades, distributividades,
Transposições, valências, aporias, antonomásias
Sorites, metáforas, ironias, tautologias
{Socralistóteles, com as duas mãos, tapa os ouvidos, tapa a boca e por fim tapa os olhos e dá as costas à ação,
recolhendo-se ao pequeno barco. Os cegos seguem como zumbis, procurando por Satyrpan Abraxas, iluminado que
dizem sentir estar próximo, do qual se alimentarão como vingança por ter falado de temas proibidos. Põem-se a
falar a Oefro:}
{Oefro percebe que os cegos estão se aproximando de Satyrpan Abraxas da mesma forma que as estrela
bailarinas fizeram com ela, então começa a desviar suas atenções com gasolina, cujo cheiro eles perseguem com
desejo.}
~ISIS LICHTENSTEIN:
Preto!
<Somam-se As Metamorfoses Bailantes que vai tomando todo o espectro da emanação sonora até que se
torne O Ruíd’Om sem Cor.>
(Blackout.)
(As luzes retornam mais fracas. Huva de pedaços de carne , ossos, pelos, órgãos.)
{Satyrpan Abraxas desce do rinoceronte de jade e se entrega aos cinco cegos que a destroçam e devoram o
coração e a cabeça. Os restos de seu cadáver, enfiam em todos os orifícios de Oefro enquanto lhe falam:}
<Soa A Proúsica.>
{Os cegos partem em direção de Oefro, que se desvencilha dos restos de Satyrpan Abraxas e atira o galão de
gasolina sobre a pilha de automóveis e sobe sobre o rinoceronte. Os cegos são atraídos pelo cheiro de gasolina até lá e se
põem a tatear e conversam entre si:}
<Pausa dramática.>
{Sangues sugas saem do rio que transborda bosta, sangue e petróleo sobre os pés de todxs. Uma lacraia cai
nos ombros de Socralistóteles.}
{Ele começam a se digladiar entre si e se devorarem mutuamente. Socralistóteles rema o barco com o
rinoceronte e Oefro montada para a outra margem do rio enquanto vêem uma capivara morrer enforcada num
pneu sem que possam ajudá-la.}
[Há uma mesa com um elefante feito de comida de todas as culturas humanas.]
{A Orquestra deve editar os melhores momentos da gravação do Ato Primeiro para sua
reexecução no começo do Segundo Ato.}
{Os Operário do Teatro devem manter uma postura de que algo estranho está ocorrendo,
parecendo receosos, zelosos e tomando cuidado com cada gesto e palavra.}
{A Compositora da Ópera chega atrasada para o espetáculo, não se importa com a comida e já
adentra à sala, onde se posiciona sentada e fica a observar com muita atenção todo o espaço e as pessoas que
estão ali e chegam até o começo do Segundo Ato.}
{A Compositora da Ópera começa a narrar tudo o que se passa no teatro inteiro de maneira fria e sem
comentários ou adjetivos, como se lesse o libreto, até o final do segundo ato.}
~A COMPOSITORA DA ÓPERA:
Inicia-se o segundo ato. Os espectadores se sentam e aguardam as cortinas se abrirem. Algumas
pessoas tossem. As luzes vão diminuindo e a primeira cortina se abre... etc.
<Soam as gravações do primeiro ato editadas pelA Orquestra junto aOs Filtros, que vão deixando o
material cada vez mais palatável até que se torne uma música pop de musical à moda da Broadway.>
{À frente desta, atada a uma cadeira de presas de marfim, Oefro é maquiada por Orlan Abramovic. A
luz desenha o reflexo do espelho de um camarim sobre as duas.}
~ORLAN ABRAMOVIC:
Um belo elefante há de ser rosa, para que sua brancura não se perca no museu.
~ORLAN ABRAMOVIC:
Não existe tal coisa. {Com desdém.}
{Orlan Abramovic cheira pó de marfim. Uma barata de terno entra pela porta principal do teatro e
cruza até as cochias.}
<O som do pó de marfim pode ser executado com um carrilhão dos graves aos agudos.>
~ORLAN ABRAMOVIC:
Açúcares, absinto, álcool, amanitas,
amt, ayahuasca, peyote, café, cannabis,
anfetaminas, coca, datura stramonium...
{Oefro começa a cantar em dueto, com complacência e ternura num múrmurio que vai aos poucos se
tornando cinismo e ironia.}
~OEFRO:
hidrogênio, hélio, lítio, berílio,
boro, carbono, azoto, oxigênio, flúor,
néon, sódio, magnésio, alumínio, silício,
fósforo, enxofre, cloro, árgon, potássio,
cálcio, escândio, titânio, vanádio, cromo,
manganês, ferro, cobalto, níquel, cobre,
zinco, gálio, germânio, arsênio, selênio,
bromo, crípton, rubídio, estrôncio, ítrio,
zircônio, nióbio, molibdénio, tecnécio, rutênio,
ródio, paládio, prata, cádmio, índio, estanho,
antimónio, telúrio, iodo, xénon, césio, bário,
lantânio, cério, praseodímio, neodímio, promécio,
samário, európio, gadolínio, térbio, disprósio,
~OEFRO:
Hólmio, érbio, túlio, itérbio, lutécio, háfnio,
tântalo, tungsténio, rénio, ósmio, irídio,
platina, ouro, mercúrio, tálio, chumbo,
bismuto, polónio, astato, rádon, fâncio,
rádio, actínio, tório, protactínio, urânio,
neptúnio, plutônio, amerício, cúrio,
berquélio, califórnio, einstênio, férmio,
mendelévio, nobélio, laurêncio, rutherfórdio,
dúbnio, seabórgio, bório, hássio, meitnerio,
darmstádio, roentgênio, copernício, ununtrio,
ununquádio, ununpentio, ununhexio, ununséptio, ununóctio...
ॐ
~ORLAN ABRAMOVIC:
Dmt, dob, dpt, dxm, efedrina, ghb, heroína,
aet, capsaicina, adrafanil, ibogaína, kava kava,
amt, ketamina, bufotenin, lsd, olanzapine, oxicodona,
mdma, heroína, mescalina, dipt, aniracetam, dmt, dob,
dom, alprazolam, bupropion, carisoprodol, codeína,
psilocibina cubensis, etilcatinone, bz, pramiracetamina,
amanita muscaria, ópio, ácido ascórbico, kratom,
alcalóides, pcp, betel, álvia divinorum, tabaco, 2cb, mbdb,
mate, mdai, mdpv, met, dmae, metiopropamina,
metoxetamina, nicotina, nitrina, fluoxetina, hidrocodona,
venlafaxine, fipexídia, piperazinas, meclofenoxatina,
modafinil, oxiracetam, fenitoína, fenilanina, endorfina,
dopamina, butanediol, peganum harmala,
piracetamina,
selegilina, chocolate, triptofan, teína, barbitúricos,
2ct2, bzp, vasopressina, vinpocetina, heroína, 2ct7,
5meo-dipt, diazepam, cristal, êxtase, glória da manhã...
~OEFRO:
O elefante de marfim!
~ANANSE TEOTIHUACAN:
Fio, tinta, tom, trama, rapport, textura,
tingimento, costura, linha, fibra,
metragem, caimento, entrelaçamento, tear,
fiação, xadrez, linho, algodão, tricoline...
<Soa A Metaformose.>
(Imagens de diversas formas geodésicas com linhas prateadas moldam a profundidade e a forma da sala
em mapeamento de video.)
{Nyemeyer Bo fazendo origamis e Wagner Verdi se desprendem do maestro e dA Compositora da Ópera
e seguem ao palco cantando e analizando o espaço cênico a ser montado.}
(As imagens mapeadas dos diversos projetos começam a ter fluência e o espaço vai se tornando fluido.)
(Em cima do espaço fluido, começam a flutuar palavras de editais e legislações de arte.)
~WAGNER VERDI:
Jabá!
(Cartas urbanisticas começam a se somar sobre o cenário, como linhas de forças cruzando o espaço.)
{Orlan Abramovic se põe a maquiá-lo, Wagner Verdi cheira pó de marfim e Ananse Teotihuacan lhe
põe uma peruca de coruja. Ananse Teotihuacan beija Orlan Abramovic.}
<Soa A Transônica e um som binaural que se movimento no espaço como um fio saido da cloaca de uma
aranha.>
{Ananse Teotihuacan faz a dança da aranha com fios que saem do cabelo de Wagner Verdi.}
{Jesus Moisés Sade e Shamash Mohammed, ao ver que não podem entrar começam a brigar. Ananse
Teotihuacan finaliza sua dança com um movimento de braço que vai
do teto ao chão. Oefro tenta escapar, mas...}
~ANANSE TEOTIHUACAN:
Alfaiataria, moulage, estampa,
padrão, flanela, urdume, cala,
pente, sarja, cetim, jacquard,
engomagem, trançado, agulha,
alfinete, pigmento, corante, seda,
cochonilha, indigueiro, alúmen, cromo,
anilina, malha...
~NYEMEYER BO:
Portais, hotéis, estaleiros, iglus, fóruns,
aedícula, moinhos, estufas, molhes,
fortes, faróis, edifícios, templos,
estradas, mausoléus, estádios, palhoças, cabanas,
barragens, tetos, portos, museus, fontes, fornos,
cemitérios, cárceres...
{Uma esteira com cem jaulas com humanos sem canto começa a girar, enquanto aves lhes colocam trombas.
Os Tubarões Voadores vão em direção de Nyemeyer Bo e a espancam. Ela geme de prazer cantando enquanto a
orelha é pendurada. Aproveitando o afastamento dOs Tubarões Voadores, A Orquestra toca livremente.}
~NYEMEYER BO:
Cantoneira, gesso, policloreto de vinila, betume,
tégula, cerâmicam macuti, tufa, fibra de vidro,
cal, telha, calcária, vermelha, cobogó,
metal expandido, painel canaletado, plastificante, estuque,
veda-rosca, vergalhão, fritas, bloco, pedraornamental,
luva de correr, telha romana, grama, aglomerante, areia,
brita, concreto, revestimentos, adobe, escória, vidros,
revestimento, ferro, cob, vidros forjado, taipa, celular,
tirante, portas, tijolos, isolante térmico,
carbono, coprocessamento, poliestireno,
concreto, valor, ferro, cimento...
[Uma orelha é pendurada num gancho e é erguida acima do púlpito como primeiro produto da noite.]
ॐ
(Infográficos de química são projetados entre a platéia e o palco.)
{Sob proteção dOs Tubarões Voadores, Os Operários do Museu vestem ternos pretos, se transformam nos
Compradores de Arte e tomam seus lugares ao redor do púlpito. Saatchi Pax entra sussurrando, acompanhado de
Adorno Morin Flüsser. Wagner Verdi faz um prâmbulo ao leilão, repetindo a gesticulação dO Diretor da Casa
de Ópera ao agradecer no começo da ópera:}
~SAATCHI PAX:
Belezas, missionários, papai e mamãe, barrigas,
de quatro, bundonas, pica grande e negra,
clitóris grande, pau gigante, peitões naturais,
mamilos grandes, buceta na bicicleta,
biquínis, rapidinhas, bissexuais, cadelas,
bizarro, com os olhos vendados, loiras,
boquetes, olhos claros, no barco,
pintura corporal, lingeries, servidão, botas,
saques, chefes, garrafas, sutiãs, suspensórios,
noivas, morenas, correias, cócegas,
apertadinho, humilhação higiênica, língua...
~WAGNER VERDI:
Mais-valia, banco central, renda
anistia, capital, produção,
título de capitalização, imposto,
caixa, bens de consumo duráveis,
bird, papel-moeda, ombudsman,
país, juros de mora per capita, {Apontando Adorno Morin Flüsser.}
boicote econômico, alca,
frete, abertura, tabela price,
paraíso fiscal, marketing,
crash, escravagismo,
fazenda, taxa de câmbio, fatura,
alienação fiduciária, produtividade,
economia solitária de escala...
~COMPRADORES DE ARTE:
666%
4,669
13/1
mil e uma
{Um humano que parece um caracol de tantas coisas que carrega usa um instrumento de caçar borboletas
enquanto tenta capturar as informações do vídeo. Murmurra sobre “Leda e os naturalistas”.}
ॐ
~OS COMPRADORES DE ARTE:
Anúncio, budget, embalagem, celebridade,
cliente, mostruário, royalty, slogan, spot,
swot, teaser, top, fechamento, horáro nobre,
matéria, reportagem, apresentação, design,
promoter, ícone, agitador cultural,
trendsetter, modelo, luxo, decoração,
imagem, produção, layout, conforto, perfil, referência...
{Wagner Verdi começa o leilão, apontando aos apostadores cada vez mais depressa. Os Compradores de
Arte respondem com grunhidos:}
(Fórmulas matemáticas são projetadas entre a platéia e o palco. Números se somam à projeção espacial ao
fundo, criando uma arquitetura numérica.)
~WAGNER VERDI:
Brainstorming, produto interno bruto, custos,
pensão, demanda, juros, trabalho, sazonalidade,
boleto, cartão de débito, incentivo fiscal, oferta,
capital de giro, commodities, serasa, custos sociais,
leasing, informal, merchandising, debênture, macroeconomia,
organização, cartão de crédito, liquidez, fluxo de caixa,
lobby, tigres asiáticos, cartel, autarquia,
erário, falência, custos fixos, hipoteca,
capitalismo, desequilíbrio, logística, royalty, hot money...
[A orelha é baixada.]
{Damian “Banksy” Barney devora a orelha de arte. Emyr Elemér lhe canta:}
~EMYR ELEMÉR:
Isto está de pé aqui a milênios, {Apontando para o teatro todo.}
Infinitamente ancestrais, sem nenhuma assinatura...
Uma celebração à gloria divina e à dignidade humana,
Elefantes...
Só o que a maioria dos artistas conseguem perceber são humanos, nus
Pobre saco de sem fundo, não há celebrações,
Os cientistas seguem nos dizendo que esta vida é descartável,
Vocês sabem, pode ser exatamente isto,
Esta floresta de moléculas, uma glória anônima,
Este cântico épico esvaziado, este coral desafianando o silêncio,
Que escolhemos que ressoe aos ouvidos quando nossas cidades
se converteram em prisões desertas, e a guerra cobrou o preço do preço
Os de bom coração, choram os artistas mortos do passado presente
Todas as nossas canções serão silenciadas
Mas e então?
... Seguir cantando!
(Infográficos da história da humanidade são projetados entre a platéia e o palco em alta velocidade.)
{Os Compradores de Marfim discutem e Damian “Banksy” Barney tem seus próprios ouvidos devorados
pelos outros Compradores de Marfim.}
ॐ
~OS COMPRADORES DE ARTE:
Ad hoc, SPAM, arte final, vale brinde, promoção, mostruário,
logomarca, gôndola, deadline, SPAM, cupom, biombo,
SPAM, briefing, cartaz, SPAM, anúncio, SPAM
audiência bruta, caixa alta, circuito aberto, SPAM
workstation, SPAM, zoom, SPAM, tiragem
timing, SPAM, SPAM, telemarketing, SPAM
superposição, story board, SPAM, release,
penetração, SPAM, mala direta, imagem de marca
SPAM, sellout, fusão, editora, gravadora, diferencial, desconto
SPAM, SPAM, SPAM, central de mídia...
{Ananse Teotihuacan ri enquanto o enfaixa, Orlan Abramovic serve uma bandeja de pó de marfim a
fim de acalmar Os Compradores de Marfim.}
(Infográficos da história da arte e da ópera são projetados entre a platéia e o palco. Alguns grifos de tigres
voam na lateral do palco.) <Soam bolsas sonificações de dados: terremotos, bolsas de valores, dados populacionais.>
{Orlan Abramovic puxa Oefro e a pendura no gancho. Ela é erguida enquanto Emyr Elemér acena-lhe e
finaliza sua cópia. Ao vê-la, Saatchi Pax se apaixona. Ele não tirará os olhos dela até que termine o leilão,
lambendo os beiços. Os Tubarões Voadores se dirigem a Emyr Elemér, mas não ousam tocá-lo, porém destroem sua
cópia de Oefro. Adorno Morin Flüsser apresenta-na:}
{Emyr Elemér deixa o palco, escoltado pelOs Tubarões Voadores, sussurrando. Wagner Verdi reinicia o
leilão, os Compradores de Marfim estão agitados e grunhem:}
~EMYR ELEMÉR:
Welles, Welles, Welles...
~WAGNER VERDI:
Empresa, capital aberto, câmbio, renda, dumping,
grilagem, casa da moeda, joint-venture, subsistência,
competência, ágio, orçamento, custo de vida,
caixa econômica, sociedade anônima, custo benefício,
dívida, autarquia, depreciação, balança comercial,
isenção, capital fechado, penhor, regime, inflação,
taxa de câmbio, custos indiretos, factoring, deságio,
bolsa de valores, remissão, dívida, spread, cesta básica,
carga tributária, moratória, insolvência...
(Ao fundo as arquiteturas e urbanismos em linhas, mas agora ambos se transparentizam deixando
entrever estrelas negrar no fundo branco.)
{Saatchi Pax aumenta vertiginosamente os valores, fazendo com que todos os outros Compradores, à
excessão de Damian Banksy Barney, desistam do leilão.)
~WAGNER VERDI:
Estatal, terras devolutas, terceiro setor,
penhora, monopólio, microeconomia,
socialismo, risco, consignação, inadimplência,
cancelamento de lançamento de tributo,
contribuição de melhoria, dividendo, mercotudo,
bens de capital, oligopólio, bens,
serviço de proteção ao crédito, duplicata,
dívida eternal…
~SAATCHI PAX:
Adorável, africanos, idosos, alienígenas,
todos buracos, amadores, amputados, anal,
gozo anal, dilatação anal, punho anal,
uniformes, bundas, cu na boca,
dedo no cu, anal com história, fezes, animais,
bebês, babás, sentada no colo, banana,
espancamento, barras, trotar, taco,
banheiro, espancamento, tortura,
contas de vidro, ursos, anões, topless, feios,
vegetais, molhadinhas, chicote, selvagem, exercício, adoração, luta...
{Adorno Morin Flüsser explica. Saatchi Pax e Damian Banksy Barney dançam
um pas de deux. Que termina com a vitória de Saatchi Pax:}
~SAATCHI PAX:
Brutal, bukkake, mulher de negócios, adolescentes,
gaiolas, capôs de fuscas, desenho animados,
roupas de vinil, tortura de caralhos, celebridades,
acorrentados, orgias, chefes de torcida,
gordos, cigarros, braçadeiras, salas de aula,
clitóris, closes, palhaços, colegiais, universitárias,
competição, policiais, espartilhos, calcinhas de algodãos,
casais, vaqueiros, trios, crianças, chicote,
pós porns, pepinos, espermas, gargantas profundas,
secretárias, fraldas, dildos,
sujeiras, palavras feias, médicos, cachorrinhos,
bonecas, dominação, anal duplo, boquete duplo, fisting duplo, penetração dupla,
bebida alcoólica, drogadas, babando, masmorra,
emos, enemas, exibicionistas, sentado no rosto,
seios falsos, gordas velhas, pés,
ejaculação feminina!
~WAGNER VERDI:
Custo, just in time is,
companhias, bitributação, esquema pirâmide,
nota fiscal, fundo monetário,
holding, custos variáveis, depreciado,
externa, anônima, pública, deflação,
comissão interna, carência, apreciado,
bolsa de mercadorias, tributo,
custo de oportunidade,
seguro, monopólio…
~ANANSE TEOTIHUACAN:
Caseado, laço, dedal, novelo, teia,
tecido, botão, renda, crochê, fita,
velcro, veludo, gorgurão, entretela,
lantejoula, franja, babado, viés,
prega, bolso, cós, forro, gola, punho, roca.
(Blackout.)
ॐ
<Soam apitos e chamarizes de animais diversos.>
{Oefro está nua de novo e retira pedaços de obras de arte famosas de seus orifícios. Os Artistas estão de
quatro escrevendo em minúsculos papéis, do tamanho de ecrãs de telefones celulares. Eles entoam um lamento
escravo para manter o ritmo:}
~OS ARTISTAS:
Marfim! Marfim! Marfim!
Marfim! Marfim!
Marfim! Marfim! Marfim!
~OEFRO:
O Elefante de Marfim!
{Os Artistas olham para Oefro com raiva e voltam a cantar, como que mostrando para ela como se faz.}
~OS ARTISTAS:
Marfim! Marfim! Marfim!
Marfim! Marfim!
Marfim! Marfim! Marfim!
~OEFRO:
O Elefante de Marfim!
~A COMPOSITORA DA ÓPERA:
Senhoras e senhores, eu gostaria de
apresentá-los o Senhor José Merrick, o Homem
Elefante. Antes de fazê-lo eu peço-lhes que por
gentileza preparem-se, se segurem para presenciar o que
talvez seja o mais impressionante ser humano a jamais
ser trazido à respiração da vida.
<Pausa de um minuto.>
~OS ARTISTAS:
Marfim! Marfim! Marfim!
Marfim! Marfim!
Marfim! Marfim! Marfim!
~OEFRO:
Mar!
~JOSÉ MERRICK:
Fim!
~JOSÉ MERRICK:
Ainda sonhas!
~OEFRO:
Como o sabes?
~JOSÉ MERRICK:
O Elefante de Marfim!
~WAGNER VERDI:
Tomem! Bebei e comei, é mais do que merecem!
~WAGNER VERDI:
Olhai-o nos olhos! Teu espírito! Teu corpo amado!
(Infográficos sobre a própia ópera “O Elefante de Marfim” são projetados entre a platéia e o palco.)
~OEFRO:
Por que te prenderam?
ॐ
{Alguns Operários do Museu vestem máscaras de Hienas e se colocam a chorar aos fundos uma canção que
se soma aos demais sons:}
<Soa D’Emons.>
~JOSÉ MERRICK:
Eu compunha uma ópera singela.
E a ti, musa amável,
por que te tiraram a poesia dos lábios?
~OEFRO:
Por ser.
Que querem de mim?
Que querem de ti?
Que querem de nós?
~JOSÉ MERRICK:
Querem querer!
Que aparentes e pereças
Toda felicidade será castigada
Querem apenas a ópera
Geram o sofrimento
Então vendem o alento
Mas que não haja vida
Isto é tudo e não é nada
Veja-os!
Não percebem que estão no espetáculo! {Apontando para
Os Operários do Museu.}
~A COMPOSITORA DA ÓPERA:
Notem a metalinguagem tomando proporções inusitadas
na ópera... etc.
~OEFRO:
Por que não se rebelam?
~OEFRO:
Por que ainda não o mudaram?
Se vossas mãos não estão atadas,
Por que cobrem seus rostos?
Como perderam seus focos?
{Os Artistas retiram seus capuzes e por baixo eles têm máscaras de elefantes brancos. José Merrick se
desnuda, deixando entrever seu corpo todo deformado. Oefro o beija e depois o recobre com uma roupa de espelhos,
ele então canta um brado a todos os Operários do Teatro junto aOs Artistas:}
<Soa A Operária.>
~JOSÉ MERRICK:
Todas nós, operárias!
Uma só. A mesma obra!
O mundo todo, nossa fábrica!
Cidades carcerárias, nossas senzalas!
Escravos de nossos produtos!
Alimentando-nos das sobras
De nossos padtrões brutos!
Sempre operantes, com medo e ódio!
Ócio! Todos nós, operários!
{José Merrick e Catarina Clemente se abraçam dentro da vestes de espelhos, uma centelha de luz se esvai
dela. As cortinas começam a se fechar enquanto Os Artistas invadem as cadeiras da ópera caminhando sobre a
platéia. Os Operários do Teatro continuam entoando o hino enquanto as portas se abrem.}
{Hienas devoram Os Operários vestidos de hiena rindo. Catarina Clemente vestida em flores, para na
boca de cena e canta a canção de Museu e as Musas para a plateia à capella. É como se ela visse o espírito de Orfeu
pairando sobre a plateia, atravessando-lhes:} <Soa A Muséica ou A Oéfrica Inumana.>
~JOSÉ MERRICK:
Quando perguntam, digo que não sei..
~CATARINA CLEMENTE:
Quando respondem, duvido.
~OEFRO:
Nenhum deles percebe, podem ser honestos.
19. Ato Final {Muito Rápido}:
Homenagem às obras de Hilda Hilst, Julie Mehretu, Andrei Tarkovsky e Masami Akita
Cemitério de Elefantes, favela no morro de Lemúria Guantánamo que é cercado pelo lixão.
Biblioteca na Ocupação dos Sem-Arte.
Madrugada à alvorada. Temperatura altamente variável, odores diversos.
~A COMPOSITORA DA ÓPERA:
Vai terminar tudo bem...
(Neste ato, todos os vídeos são chuvas que também são cachoeiras, ao mesmo tempo cobrindo as paredes do
teatro de ópera e caindo como um abismo sobre a mesa do banquete. A chuva inicia com comida.)
~JOSÉ MERRICK:
Que ritmos seguram-nos em nossas redes?
{Chacra Sosa Spinosa joga pó de marfim na comida e a serve, como ela experimenta se vê entorpecida de
confusão. José Merrick ao perceber isto, eviscera-se e põe suas tripas no caldo e continua guardando o marfim para
que nenhum dOs Operários da Arte se aproximem dele.}
~JOSÉ MERRICK:
Esquivar-me da gangue
a goela aberta das feras
de acordes gramaticais
e instrumentações musicais.
{Clara Crocodilo chega correndo, segundo ela, fugindo dOs Tubarões Voadores que a perseguem. Ela corre
na direção de Chacra Sosa Spinosa. Ubugnu Ugnix a observa com cuidado e vai acolhê-la. Ela se encontra alterada
devido ao pó de marfim. Logo após, chegam Os Ratos Acadêmicos com mandato de desocupação da favela e de
captura de Clara Crocodilo.}
~CLARA CROCODILO:
Fetiches, primeira vez, fisting, carícias,
quatro dedos, sardas, homossexual,
glamour, óculos, buraco da glória, luvas,
chuveiro dourado, deslumbrantes,
góticos, vovózinhas, grupal, carecas,
sem pêlos, cabeludos, braços peludos,
algemada, masturbação, gostosas,
~CLARA CROCODILO:
fortes, hardcore,
hentai, hermafroditas,
salto alto,
prostitutas, enfermeiras,
donas de casa, humilhação,
hipnotizado, indianos, inocentes,
inserção, penetração, prisão...
~UBUGNU UGNIX:
De códigos há mar!
{Os Operários da Arte se dividem a favor (Os Doze Macacos) e contra (mais Ratos Acadêmicos), que
passam a opinar na discussão do que fazer com o marfim. Clara Crocodilo tenta roubar o pó de marfim e Ubugnu
Ugnix a contém. Já sem saber como a conter, ele a beija. Os Ratos Acadêmicos ameaçam toda a ocupação por causa
da presença de Clara Crocodilo. Entorpecido pelo pó de marfim dos lábios dela, Ubugnu Ugnix tenta a defender em
vão:}
~UBUGNU UGNIX:
Modelização, culturalização, assimetria,
dialogismo, estranhamento, gênero,
ecologia cognitiva, memória,
interação social, estruturalidade, logosfera,
língua, linguagem, máquina...
ॐ
~OS RATOS ACADÊMICOS:
Marfim! Cangurus sem bolsas!
Sementes para frutos sem semente!
~CLARA CROCODILO:
Suculento, selva, bucetas peludas, oleosos,
beijos, lactantes, travestis, látex, couro,
pernas, lésbicas, batom, pirulitos,
máquinas, empregadas, máscaras, massagens,
punhetas, minissaia, modelos, mumificação,
musculosos, nerds, nus, freiras, ninfas,
de joelhos, oral, beber mijo,
punks, arrombamentos, lábios,
exame retal, ruivas, retro, equitação,
seios caídos, timidez, silicone,
escravos, cadelas, pica pequena,
fumantes, sofá, espancamentos,
esguicho, submissos, sucção, banhos de sol,
swingers, doenças, bronzeadas,
tatuagem, professoras...
~UBUGNU UGNIX:
Culturas, comportamento, recodificação,
heurística,
caixa-preta, semioticidade, sociosfera,
sincretismo, sistema, modelo,
convencionalidade, texto, ideologia,
programa, refração, cibernética,
relatividade, tipologia, tradução,
transferência, universais, códigos...
Códigos!
<De Superficialis.>
<Aracnomania em paralelo.>
(Chuva de satélites. E a cachoeira faz a mesa parecer uma parabólica com água turva.)
{Clara Crocodilo desperta, beija os dois e canta a todxs o real motivo pelo qual todos estão chegando na
favela:}
~CLARA CROCODILO:
Escutem, seus vermes! {Rindo dOs Tubarões Voadores e Ratos Acadêmicos.} A
Aqui é o último refúgio contra o inominável,
Que tudo que parece humano destrói.
Mesmo Tiamat foge dela com medo.
Estes covardes já não servem a ninguém
Como ele querem atirar os cadáveres de inocentes para acalmar a besta.
Não há sacrifício que seja aceito de mãos sujas.
Mas por este amor que aqui encontro,
Nestes que assim me olham sem cobranças ou culpas
Estou disposta a deixar de fugir e resistir convosco! {Dando as mãos a Ubugnu Ugnix e Chacra Sosa
Spinosa. Esta última abre os braços como asas e numa transmutação visível a todxs se converte em Meredith
Pachavuela.}
(Chuva de todas as notas de dinheiro do mundo. Cachoeira de dinheiro elefante. Fogo de mariposas.)
{Laika cai dos céus junta a um satélite. Clara Crocodilo vê e se põe a caminhar sobre Os Ratos Acadêmicos
para pegá-la em seus braços.}
~UBUGNU UGNIX:
Quetzacoatleviatan Seshanaga Longryu!
(Chuva de borboletas que viram chaves. Cachoeira de Origamis que viram flores de parafusos.)
{Alguns entram em pânico e todos passam a discutir como se proteger da ameaça. José Merrick e Ubugnu
Ugnix enfrentam Os Tubarões Voadores. Ubugnu Ugnix cospe o veneno de marfim na maquete da cidade e José
Merrick volta ao seu ofício. Os Tubarões Voadores se enfurecem e agitam seus cacetetes, Os Ratos Acadêmicos
agitam seus diplomas, Os Doze Macacos se entrealgemam. Ubugnu Ugnix é intimidado e Os Tubarões Voadores
comemoram sua vitória, enquanto Os Ratos Acadêmicos dizem, montados em seus ombros, o que deve ser feito:}
ॐ
~OS RATOS ACADÊMICOS:
Vamos soltar
A Nuvem de Faganhotos!
{Musth Setoth Tiamat chega montado em flor de lótus sobre O Último Elefante, arrastando Vênus
Hotentot detravés da platéia. Os seguindo vem Jesus Moisés Sade arrastando Shamash Mohammed, que
conversam entre si nas cadeiras, como se estivessem no deserto. Meredith Pachavuela senta-se ao chão, em posição
de lótus, ao lado de Ull Zougo Sedna Chalchiuhtlicue e medita, Clara Crocodilo a segue. Ubugnu Ugnix estuda O
Último Elefante com sua luneta-flauta.}
{Contra seu comando, O Último Elefante se aproxima de José Merrick, afastando os insetos ao redor de
Catarina (Anita) Clemente que se levanta e lhe toca à tromba. Os Operários do Teatro passam a dançarao redor
do público. O animal se prostra em reverência. Musth Setoth Tiamat berra ao animal que solta grunhidos contra
este. Oefro se ergue e abre as asas sobre todxs. Apaixonado por Catarina (Carmen) Clemente, Musth Setoth
Tiamat, declara desistir de destruir a todxs se ela fugir com ele:}
(Números se somam à chuva de raízes fractais. A mesa está quase tomada por sangue.)
ॐ
~SHAMASH MOHAMMED:
Não poderias apontar
com teu canto a todas.
~UBUGNU UGNIX:
A amizade do urso é temível
Quando este se esquece
quem é ou somos
Nos abraça e esmaga.
Pior quando se lembra...
<Josefina Hamlin canta A Canção de Macabéa Woolf para uma fotografia de seu marido falecido,
Storm Applethorn.>
(Chuva de cinzas até a chuva de sapos, quando haverá dunas de cinzas. Cachoeira de souvenirs de
divindades diversas.)
~SHAMASH MOHAMMED:
De acordo com as necessidades do ocaso.
~VÊNUS HOTENTOTH:
Agora que tens uma amada,
deixai ir o que restou das xibatadas.
~CATARINA CLEMENTE:
Tu, vil escrava.
Beija-o! {Apontando a José Merrick.}
~VÊNUS HOTENTOT:
Grande honra morrer ao lado deste {Com nojo.}
Já tu! Triste puta sem clientes!
Tua deformidade tomou-te a alma!
Se é que já tenhas tido uma
Serei teu pesadelo após
estupros grotescos
pelos quais passarás!
{Vênus Hotentot seduz Jesus Moisés Sade a libertar Shamash Mohammed também, este se põe a olhar
com ódio para aquele que o humilhara:}
~VÊNUS HOTENTOT:
Mór(m)on! Dei Opus!
~JOSÉ MERRICK:
Este último elefante há de matá-los ambos! {Olhando nos olhos
dO Último Elefante.}
Matei cada um dOs Colecionadores,
Retomei toda a arte para os artistas
Todo o marfim, porque elx quis assim. {Aponta para Catarina
(Elizabeth) Clemente rindo de sua traição.}
Só falta tu, último elefante, meu coração é o teu,
Mas tua vida é minha.
Alimento o amor que te torna servil! <A Operária.>
~SHAMASH MOHAMMED:
Tenho sido humano,
<A Campanária.>
{Centauros passam ao fundo do palco. Ull Zougo Sedna Chalchiuhtlicue termina o texto que digitava desde
o princípio do ato:}
{Musth Setoth Tiamat vira-se para ela e lhe atira, arrancando a parte de baixo de seu corpo. José
Merrick, impassível acolhe a ferida com preces. Sentindo a dor e a dignidade de José Merrick, Vênus Hotentot o
beija. Ao entrar em contato com o antídoto, ela se transforma em Meredith Pachavuela. Os Ratos Acadêmicos
soltam A Núvem de Faganhotos. Jesus Moisés Sade, enfurecido, passa a matar Tubarões Voadores e Shamash
Mohammed, ao contrário do que este esperava, o ajuda.}
~SHAMASH MOHAMMED:
Se eu compreendesse seus ou meus símbolos,
Me tornaria um idólatra.
~OS RATOS ACADÊMICOS:
Amor da flor profundo mar,
Vasto espaço pesado como um elefante,
Brilhante estrela diamante, quente como sol,
Vil metal, Palidez cadavérica, Silêncio mortal,
Selva de pedra, olhar fatal, cigarro em cena,
Depois, enfim, melodia, clichê, rima e beijo
A lua é um queijo!
~UBUGNU UGNIX:
Um peguim comendo maçãs na janela em
Xanadu...
{Jesus Moisés Sade beija Shamash
Mohammed enquanto eles prendem Os Ratos
Acadêmicos com A Nuvem de Faganhotos como
cobaias.}
~VÊNUS HOTENTOT:
Vão embora! Nos deixem ao menos morrer
em paz! {A Catarina (Antonieta) Clemente.}
(Chuva de ferraduras.)
~UBUGNU UGNIX:
É correto!
{Quetzacoatleviatan Seshanaga Longryu chega. O Último Elefante se assusta, Catarina Clemente dispara
um tiro de rosa na nuca de Musth Setoth Tiamat que atravessa este, O Último Elefante e vai ter no peito de José
Merrick que, estarrecido a fita fundo aos olhos.}
~JOSÉ MERRICK:
{Moribundo.}
Lira de ouro,
a quem obedece o passo?
~TODOS:
Como “ISTO” é
possível? {Sussurando para si
mesmos.}
(Chuva de flores.)
~MUSTH SETOTH
TIAMAT:
Penhascos marmóreos,
Vagas do fim do mar,
Agora não há porquês!
{Musth Setoth Tiamat se transforma num dragão, depois num leão, depois num camelo, depois numa
criança natimorta. Ubugnu Ugnix corre para socorrer José Merrick, deixando cair sua flauta-luneta. Vênus
Hotentot beija José Merrick, que se levanta tirando o tiro de rosa do peito deixando sangrar pétalas com pó de
marfim, ao qual está imune. Buckluhan Ciogracian pega a flauta-luneta e vê a platéia. Shamash Mohammed
tenta tomá-la dele. Chacra Sosa Spinosa arranca as presas dO Último Elefante.}
ॐ
<O Cometa Vindo da Nebula da Tromba.>
~BUCKLUHAN CIOGRACIAN:
Como um cometa do Ocidente ao Oriente
É Jesus que renasce já crucificado por suas igrejas
Alienígena no seio da miséria
Ó buda de ouro em trono de plástico devorando estrelas! Ó arte!
Liberte os sentidos dos desejos.
~UBUGNU UGNIX:
O latido do latido!
<Pneuma Baphomet.>
~MEREDITH PACHAVUELA:
Inútil cantar canções de ninar para quem não consegue dormir.
Inútil prantear os mortos, plantear pesadelos,
Inútil violentar os corpos, violar os sonhos, zelos
Inútil semear lógicas, planejar estruturas,
Coagir espelhos, polinizar conceitos, arquear metametas,
Culpar naturezas...
{Buckluhan Ciogracian se põe a usar lixo com pó de marfim para costurar um rabo de sereia a Ull Zougo
Sedna Chalchiuhtlicue.}
{O Diretor da Casa de Ópera veste um chifre de unicórnio de marfim nA Compositora da Ópera. Jesus
Moisés Sade, cessa o extermínio, sendo acolhido por Shamash Mohammed. Os Doze Macacos prendem Os
Tubarões Voadores restantes para servirem de espantalhos para A Nuvem de Faganhotos. Shamash Mohammed
vira sua luneta para Jesus Moisés Sade e se apaixona por ele. }
~MEREDITH PACHAVUELA:
Quem acerta
na mosca
perde o enxame
{Um coelho branco com um relógio passa correndo e desce pelo alçapão do palco.}
~MEREDITH PACHAVUELA:
Sara, sara, sara...
O silêncio é para o ouvido o que a noite é para os olhos
A paz é para o mundo o que o fermento é para o pão...
~SHAKESPEAR MANDELBROT:
Quando o acontecimentos tem múltiplas causas,
É impossível conhecer a causa do acontecimento...
<Cidade Elétrica.>
{Catarina Clemente realiza um parto com a ajuda de Meredith Pachavuela e Incontáveis gatos surgem
de todos os lados e se prostram ao redor do recém nascido imóvel. Atrás deles surgem Os Três Mendigos Cientistas
tirando máscaras totêmicas africanas de símios, que vêm conversando entre si. Fenrirx Anúbis com a ajuda de
Ubugnu Ugnix e dOs Doze Macacos, reúnem todos os marfins. Buckluhan Ciogracian termina de costurar o rabo
de sereia em Ull Zougo Sedna Chalchiuhtlicue, que geme:}
ॐ
~FENRIRX ANUBIS:
Baixava a voz até a diminuição do sopro
{Com olhar de culpa para Catarina (Sheela) Clemente.}
Até o ensurdecimento de minha percepção,
Para me confiar cada desejo. Um cervo ileso pedindo perdão
Coelhos se atirando ao fogo
Seus lábios se mexiam para meu ouvido.
E ainda, surdez.
~ENLIL CURIE:
Vritu, pedralma vidárvore
Asynus ad lyram...
~ZUMBI C FITZCARRALDO:
Quetzacoatl guerrear,
Águia de prata mo disse
Na torre rádio nem coruja de cristal
{Fenrirx Anúbis toma a luneta de Ubugnu Ugnix e olha o libreto de marfim, falando para a descrença e
escárnio de alguns:}
~FENRIRX ANÚBIS:
Eu vi como termina! Em pouco tempo a ópera terminará e morreremos todxs!
~ENLIL CURIE:
A pedra ri da pressa das plantas... {Se senta em posição de lótus e a luz se esvai sobre si.}
~UBUGNU UGNIX:
Quem acerta
Na mosca perde
O enxame
~SHAKESPEAR MANDELBROT:
Entendo porque Shamash Mohammad
Permaneceu com Sarah Khali no deserto.
~ENLIL CURIE:
Nós que aqui estamos por vós esperamos.
~FENRIRX ANÚBIS:
É inevitável!
(Os magnetes comaçam a criar rodamoinhos que fazem o espaço tremer. As flores viram sementes.)
~O ELEFANTE DE MARFIM:
Oefro,
Caos musia esûtra cosmo'foro ephphata daimöns
kotodama ovo ilhâm gnosophia dan corpus hermórphisis
dodecamegisto pistinris kether sufi ifá maskilim aedo eliri
ipin pluto zen nefesh malkut halabbak égarés
yód onisüs nstasis sophrosyné númes óracles
vishnu dna ta’lîm kýkeôn bangalafumengá.
{Quetzacoatleviatan Seshanag Longryu tenta atacar a todxs, mas Oefro os protege com sua harpa.}
~UBUGNU UGNIX:
Não é um elefante.
~O ELEFANTE DE MARFIM:
Logumaré aiye awe ma'aseh urania
muladhara bereshit
ha makom hod aurif pitagogia zoroalter
arthru dee sukyo mahikari patañjali
amorc prometheos parâmpara tyr papus
thule quetzacoatl betel asa-vahista telestérion ogam.
~ENLIL CURIE:
nem durante uma
noite de sermos
consumidos pelas angústias
de não conseguir
parar de sentir
e pensar, pesar.
~O ELEFANTE DE MARFIM:
Oshossioux tzadikim neptu yesod chiroman
raiatea buda mithra pantamor blatsky fenrir
heliopagita dharma sílex böhme xenodea
arúspices sion kephalaïa teagenes haqâ’iq
hanan kay tetraktys boanergges
abracadabra tartar hierúrgio
{Um demônio com cara de polvo vestindo cabrestos pisoteia um humano com cabeça de cobra que comia
uma vaca. A vaca se sente massageada, o humano é esmagado.}
ॐ
~O ELEFANTE DE MARFIM:
Oyá’n elohim tripitaka sacr ruasch ad netzah
svadhisthana numenapan catar y myst
bâtini tantra parsengrin protocyph
athená isis astarte sah gee ann famnitatis
nêmesis hosanna haqq sybil
emet yâska kuyuchyi filófilos dagda
~O ELEFANTE DE MARFIM:
Omolobaluayê trag’gem achra satrun
sitra daat noir ching satori érebo avalon
endopia medsinai kali lemniscata ts’ang-t’ong-k’i
fakir herald ni diwân cruzeus evemer berserks
mairya odin ep’if’anyi vulcanelli
toth hades crono de’mter wissen
<Soa A Prima.>
~O ELEFANTE DE MARFIM:
Ossaim baale merkabah speculum chesed
manipura mércura tupã nasea dhawq
magnma yewá reiki hiperbóreas jiva
licorn apocrypholipsia tamga fatermatria
l’âme picatrix mîmâmsâ hanuman
amón ksathra-varya aether apolö
~UBUGNU UGNIX:
Chegas à cidade pela primeira vez
O Zoo sofreu um ataque de artivistas
As primeiras dez pessoas que vês, são animais
A cidade é habitada por animais?
~ZUMBI C FITZCARRALDO
Quando cem de vós compreenderem isto, quê então?
~O ELEFANTE DE MARFIM:
Yrôco oko yggdrasil neshamah jahphe et mana
zohar mandla bib oethe esô yuga hé
jo-rei paracaelum laots’e myōhō rengekyō
râzi micrômacro rhombes síva rna nôus
dantes oxyrhynchos vohu-mano
karma rapsode sêmelo rûna baha’i
~O ELEFANTE DE MARFIM:
Ox’ümm sòi dá g'òi vê hoa lan venus
tifereth yin eléasys anahata nirvadhi
evola namah h’erá alchilux sian avanthöv
aun nymphaea kung attar perennis
râma ibeji eunome târiqah zartosht
potentia per sais phône arcana
{Quetzacoatleviatan Seshanaga Longryu perde todas as suas moedas, e livre do peso se torna Pyth Om.
Alegre ela dança com Oefro.}
(O cenário do primeiro ato desaba e desaba e desaba, mil e uma camadas hipervelozmente. Cachoeira de
personagens da ópera.)
~O ELEFANTE DE MARFIM:
Nnhanã torah chayyah binah nahasimra
lumoon daseintopia y druido yung signius
devas vau shaktiknah aeor djinn ganapaty
padmé namaha fache kânphata pachamãma
acroama stromata eisôtheô rá adonai aeon gaia
{Os Três Mendigos Cientistas dão seus presentes para Hozrú Irís Tupã Selva. Um jumento chamado
Kardeck Xavier se põe sob as pernas de Catarina (Flora) Clemente para que a criança se acomode. Meredith
Pachavuela e Braba Yoga a acolhem. Fenrirx Anúbis e Ubugnu Ugnix tentam em vão proteger as pessoas contra a
chuva apontando a flauta luneta para todos os lados.}
~MEREDITH PACHAVUELA E BRABA YOGA:
Extern, bool, protected, IO, translation tag,
argument, run-time compilation, linkage,
type initialization, embedded conversion, linker,
mangling, postfix, file, catch, type, external stream instantiation,
argument standard RTTI, object rvalue, scope, OOD...
~O ELEFANTE DE MARFIM:
Iiemanjá mania rarxs bahir assyr yetsirah
imame ast hochmah tlantis symbanalo
éti mahâyâna y pox ídon palas ajña
anjglow atárgatis cornucópia pravarti
gymnotacit el shaddai magist
pneuma clemens killa p’unchay
avesta spenta-armaiti réa, ishtar
(Os sapos que choveram viram chorume de olhos brilhantes. Cachoeira de cobras com plumários.)
~O ELEFANTE DE MARFIM:
Ocsalá zohar ododua lufanguian
ibn tahu’a-parau-tumu-fenu ayehidah
divinitaes krishna moses sol ha-rahamim
kether androfania humilitas hyód
fotômita sahasrâra mahikari apu
kun tafari tiqsi wiraqutra abraxás
ahura mazda shaman avalokhistevara
atmã amén
~UBUGNU UGNIX:
Aliá!
ॐ
~O ELEFANTE DE MARFIM:
Mu aho tao hemptha axé ein-sof ohm
Mu aho tao hemptha axé ein-sof ohm
Mu aho tao hemptha axé ein-sof ohm
Mu aho tao hemptha axé ein-sof ohm
~OEFRO:
São só palavras!
{Hozrú Irís Tupã Selva pisca e os instrumentos que lhe foram dados entram em combustão expontânea.
Os pedaços de animais mortos da ceia são misturados pelos atores enquanto voltam a ser quem são desprendendo-se
de suas personagens, até formarem uma escultura de quimera que canta o amanhecer:}
(Os chorume vira medusas brilhantes que são atraídas pelO Elefante de Marfim.)
{Os Doze Macacos, ao ver a plateia, a vaiam por longo tempo mas calam diante da beleza da música. O
Elefante de Marfim engolido por Pyth Om se transforma em Nun. Só Hozrú Irís Tupã Selva a vê, aponta-lhe
sobre as cadeiras da platéia e diz:}
<A Beleza.>
{Todxs xs personagens saem de cena, enquanto O Diretor da Casa de Ópera e A Compositora da Ópera se
põem a falar com a platéia se vestindo.}(Uma filmagem da ópera inteira em movimento reverso é projetada sobre o
palco em velocidade cada vez maior até o momento em que Catarina Mariantônia Clemente entrou no palco.}
ॐ
~A COMPOSITORA E DIRETORA DA ÓPERA:
Gostaria de agradecer a todxs vós aqui presentes.
Agradecer os operários, atrizes e atores, maquiadores,
iluminadores, editores, filósofos, engenheiros,
cenógrafos, bibliotecários, programadores,
produtoras, escultores, loucos, atravessadores,
urbanistas, encenadores, cozinheiros, professores,
manicures, motoristas, impressores, seguranças,
matemáticas, crianças, agricultoras, pintores,
maquinistas, pedreiros, arquitetos, geólogos,
faxineiros, traficantes, médicos, dançarinos,
poetas, embaladores, serventes, bancárias,
farmacologistas, tecelões, administradoras,
cineastas, enfermeiros, eletricistas, prostitutos,
perfumistas, esportistas, aviadores, ladrões,
alfaiates, terapeutas, burocratas, jogadores,
estudantes, ecologistas, mendigos, lavradores,
dentistas, químicos, pedagogos, fonoaudiólogas,
artesãos, fotógrafos, pescadores, tradutores, físicos,
atendentes, psicólogos, massagistas, mascates,
tecelões, tipógrafos, geógrafos, motoristas,
contadores, astrônomas, ociosos, entregadores,
escritores, anciãos, músicos, soldados, regentes,
religiosos, zoólogos, políticos, ancestrais,
e a quem eu possa ter olvidado...
...
~A COMPOSITORA E DIRETORA DA ÓPERA:
Eu não te disse que ia acabar tudo bem?
ॐ
19.1. Epílogo:
{Quando todos saem do teatro, a atriz e o ator que interpretaram Catarina Clemente e José Merrick estão
nu entrada do teatro pergunta a quem sai:”