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O Mandarim Maravilhoso de São Paulo: Aurel von Milloss e o Ballet do IV Centenário

CLÁUDIA LEONOR GUEDES DE AZEVEDO OLIVEIRA1

Introdução

O Balé do IV Centenário foi uma companhia de dança criada pela Comissão dos do IV
Centenário para apresentar-se a longo do ano de 1954, como parte dos festejos dos 400 anos
da cidade de São Paulo. Sua gênese está na primeira proposta apresentada, em 1951, pela
Subcomissão Artística da autarquia municipal criada pelo Prefeito Armando de Arruda
Penteado e que tinha como presidente Francisco Matazazzo Sobrinho. Pelos nomes elencados
nesta proposta como possíveis para ocupar o cargo de Diretor Artístico e maitre de Balé -
entre eles Willian Dollar (EUA), Serge Lifar (FR), Aurelio Milloss (Itália), Roland Petit (FR)
e Jerome Robins (EUA) -, percebe-se a busca por uma linguagem de dança mais moderna, em
sincronia com os propósitos de toda a comemoração do IV Centenário, cujos eventos
buscavam: 1. tomada de consciência do passado brasileiro, 2. tomada de consciência do Brasil
atual e 3. tomada de consciência da cultura estrangeira2.

Definido o perfil do grupo de dança que atuaria nas festividades, têm início dois
processos distintos: contratar um profissional para ser coreógrafo e maitre da futura
companhia, bem como organizar o processo de seleção dos bailarinos e bailarinas, pois os
trabalhos deveriam iniciar-se no começo de 1953, de modo que o grupo estivesse apto a
apresentar-se em 1954.

Dois coreógrafos entre os já citados mostraram-se interessados: o americano Willian


Dollar e o húngaro, naturalizado italiano, Aurel von Milloss. As conversações com Willian
Dollar não avançam, mas Milloss se interessa pela proposta e em carta ressalta que o convite

1
Centro de Pesquisa Atopos – ECA/USP – Mestre em Ciências da Comunicação
2
Relatório da Consultoria Técnica do Serviço de Comemorações Artísticas de 11/03/1952 - Processo 364 da
Comissão do IV Centenário.
2
o atraia pelo interesse que tinha em conhecer o folclore do Brasil, desejo capitaneado pela
própria Comissão do IV Centenário ao solicitar a criação de obras com temas nacionais.

Neste ínterim, as tradicionais professoras de dança de São Paulo são comunicadas pela
Comissão do IV Centenário da intenção de se estruturar uma companhia profissional. Maria
Olenewa, Halina Bienarcka, Kitty Bodenhein, Chinita Ulman e Carmem Lydia Brandão são
também convidadas a colaborar na montagem da companhia. Mas, ao que parece, o convite
foi muito mais no sentido de que as professoras preparassem e incentivassem suas melhores
alunas para os exames do que uma participação efetiva.
3
O viés da modernidade

Os exames de admissão foram realizados efetivamente em janeiro de 1953, já com a


presença de Milloss e constituíram, em uma primeira etapa, de passos solicitados pelo maitre,
e de coreografias livremente escolhidas pelos candidatos entre as categorias: acadêmico
(clássico), livre (expressão, moderno), ou característica (folclore, etc.) A segunda etapa dos
exames de admissão foi uma aula de balé clássico, de caráter classificatório. Para muitos dos
candidatos, Milloss já deveria ter em mente alguma ideia do futuro repertório, pois para vários
dos bailarinos, foram solicitadas, antes da execução da coreografia preparada, coisas
específicas, tais como saltos, acrobacias ou então improvisação.

Ressalte-se que este último aspecto é muito importante para o trabalho que Aurel von
Milloss pretendia realizar em São Paulo e reflete parte de sua própria formação. Nascido a 12
de maio de 1906 em Ozora (atual Uzdin – Sérvia), costumava dizer que era um “cidadão do
mundo”, pois com a dissolução do Império Austro-Húngaro após a Primeira Guerra Mundial,
sua cidade natal foi destruída e a região passara a fazer parte da Iugoslávia. Ainda na Hungria,
iniciou-se na dança clássica e, nos tempos da Primeira Guerra Mundial, dedicou-se aos
estudos escolares e musicais, formando-se em regência musical. Em 1925 recebeu os
primeiros ensinamentos de dança moderna com o bailarino expressionista Jozsef Ligeti em
Cluj, Romênia. Sua formação compleou-se em Berlim com a metodologia de Rudolf Laban,
por meio de aulas com Hertha Feist, com a graduação no Instituto de Coreografia Laban, e as
aulas de balé clássico de Enrico Cecchetti.

A partir de então tem início a sua carreira como bailarino e coreógrafo, com passagens
pela Alemanha, Iugoslávia e Romênia. Em 1938, Milloss se dirige à Itália, onde se fixou. Em
1942, pôde finalmente estrear sua versão para “Mandarim Maravilhoso” – um de seus balés
mais famosos tanto em termos coreográficos, como em termos de performance -, a pedido do
4
Teatro Scala de Milão. Encerrou sua carreira como bailarino em 1952, mesmo ano em que
recebeu o convite para assumir a direção do Balé do IV Centenário.

Como podemos observar, durante sua formação, Milloss se preocupou tanto com o
aprendizado da técnica clássica como com o de novas linhas de dança. Essa formação eclética
se deu principalmente pelo envolvimento que Milloss teve com o movimento expressionista
alemão, entre 1928 e 1938. De acordo com Verolli (1998, p. 46-47): “Essas experiências
conduziram Milloss a um estilo onde liberdade e ordem pudesse coexistir, isto é, para uma
integração do código clássico-acadêmico da dança, com a liberdade explorada alguns anos
atrás e valorizada por seu principal mestre”. Para a autora, é esta a síntese que Milloss
perseguiu em seu trabalho enquanto coreógrafo. Já não se tratava de procurar outras técnicas
de dança, e muito menos de negar a técnica da dança clássica, mas sim utilizá-la com uma
nova concepção de espetáculo e de companhia de balé.

É justamente nestes moldes que o Balé do IV Centenário foi idealizado. Da mesma


maneira que os Balés Russos de Diaghilev prestigiaram artistas plásticos e músicos para
trabalhar em conjunto, além de adotar a o ballet clássico enquanto técnica, com inovações que
se caracterizavam por uma quebra nas atitudes e posições clássicas, apresentando as mãos
cerradas e pés flexionados, fazendo grande uso da expressão.

Repertório eclético e a ideia de “balé total”

Com grande capacidade de organização e extremamente metódico, no dia 1º de Abril


de 1953, Milloss apresenta ao Presidente da Comissão do IV Centenário um repertório de 16
balés3, divididos em quatro programas, onde cada programa traz sempre um balé com música
de autores brasileiros. Essa escolha justifica-se pelo fato de que em termos de concepção
coreográfica, era pretensão da companhia a criação de obras de caráter tipicamente brasileiras.
5

Por isso, as músicas utilizadas nos quatro programas desenvolvidos, além de serem
obras de compositores de projeção mundial tais como Bach, Mozart, Verdi, Béla Bartok,
contaram com o que tinha de melhor no país, entre eles Francisco Mignone, Camargo
Guarnieri, Villa-Lobos e Souza Lima. O mesmo se pode dizer da preocupação dos criadores
dos cenários e figurinos quando foram convidados artistas plásticos e arquitetos brasileiros de
renome.

Para Oliveira (2002, p. 100) é justamente sob este leque que agrega os melhores
compositores estrangeiros, ao lado de compositores e artistas plásticos brasileiros já
consagrados que se caracteriza a idéia de “balé total”, de Diaghilev, trazida por Aurelio von
Milloss, e que acaba por inaugurar a era das grandes produções coreográficas em São Paulo.

Em seu relatório de trabalho, Milloss apresenta quatro programas diferentes,


esclarecendo ainda que o fato de uma obra ser considerada “criação absoluta” significa que o
respectivo balé é composto integralmente novo; não somente na parte coreográfica como
também na parte musical. Mas os balés Passacaglia, Concertino, Divertimento, Uirapuru e
Sonata da Angústia são também criações novas que Milloss irá apresentar pela primeira vez
em São Paulo, com o diferencial de que serão criados com músicas já existentes. Notamos
ainda que alguns balés recebem nomes diferenciados do nome da composição musical.

1º Programa
Nome do Balé Compositor Observações
Passacaglia J. S. Bach
Petrouchka Igor Strawinsky
Concertino J. Français Nome final: “Indiscrições”
Fantasia Brasileira Souza Lima Criação Absoluta

3
Na realidade, foram montadas 17 coreografias. Além do programa proposto inicialmente, Milloss coreografou
“Ilha Eterna”, para a apresentação de estréia no Ginásio do Pacaembu.
6

2º Programa
Nome do Balé Compositor Observações
Divertimento Mozart Coreografia recebe o nome de
“No Vale da Inocência”
Mandarim Maravilhoso Bela Bartók
Lenda do Amor Impossível Percussão feita pelos bailarinos Criação Absoluta
Folias Vienenses J. Strauss Nome final: “Loteria Vienense”

3º Programa
Nome do Balé Compositor Observações
As Quatro Estações Verdi
Uirapuru Villa-Lobos
Correspondências Brasileiras F. Mignone Criação absoluta. Nome final:
“O Guarda-Chuva”
Bolero Maurice Ravel
7

4º Programa
Nome do Balé Compositor Observações
Scarlatiana Scarlati-Casela Coreografia recebe o nome de
“Deliciae Populi”
Sonata para violino e percussão Bela Bartók Nome final: “Sonata da
Angústia”. Foi interpretada ao
piano pelo próprio Souza Lima,
durante as apresentações no Rio
de Janeiro
Caprichos Strawinsky
Cangaceira Camargo Garnieri Criação absoluta

Sobre suas escolhas e o encontro com o Brasil, Milloss assim se manifesta em


entrevista ao jornal Folha da Noite:

Na parte musical e coreográfica, no entanto, eu tenho a fortuna de ter


recebido a colaboração dos mais importantes músicos e pintores locais, e não
posso esconder que a arte de todos esses artistas inspirava meu tímido modo
de compreender e, sobretudo, de sentir o mistério do temperamento e estilo
brasileiras, autorizando-me a poder falar hoje de uma metamorfose do meu
sentimento estético, o qual começa a radicar-se precipitando uma adaptação
ao alto sentido estético nacional. 4

Neste sentido, a linha de trabalho da companhia, apesar de eclética, foi dada pelo fato
de que havia sido contratado um único coreógrafo e maitre de balé, de modo a delinear um
perfil estético notadamente voltado para uma linguagem mais moderna, e em busca de uma
linguagem de dança brasileira.

4
GIMENEZ, Armando. Aurelio Milloss realizou um milagre: existe balé no Brasil. Folha da Noite. São Paulo,
29/10/53.
8
Dança e Memória

Ao longo do mestrado, realizamos a leitura dos processos da Comissão do IV

Centenário e das atas de Comissão Executiva, cujo material é praticamente inédito.

Também tivemos acesso ao conjunto de entrevistas Arquivo Multimeios do Centro

Cultural São Paulo (CCSP), elaborado por Lilian van Enck e Roberto Jorge Passy, em

1979. Nossa idéia inicial era de que esse material fosse o ponto de partida para as

entrevistas que pretendíamos realizar.

Mas, percebemos que as poucas entrevistas que tínhamos realizado traziam, em

sua essência, o mesmo viés narrativo das gravações realizadas em 1979 pela equipe do

CCSP, além do fato de que neste período, vários bailarinos vieram a falecer, tornando

impossível uma nova entrevista. Assim, preferimos recorrer ao conjunto de entrevistas

disponíveis no CCSP, ao lado daquelas que já havíamos realizado.

Há que se ressaltar que as três entrevistas5 que realizamos foram importantes para

nosso entendimento da questão corpo e memória. Essas gravações ocorreram nas próprias

academias de dança, respeitando o espaço determinado pelo entrevistado. Das salas de

aulas vinham diferentes sons: do piano bem afinado destilava a música de exercícios de

barra e de solo, a voz serena e ao mesmo tempo vibrante do professor da dança ensinando

as seqüências de passos, o deslizar sincopado das sapatilhas, a batida seca no chão de

5
Foram entrevistados Neyde Celeste Rossi, Yoko Okada e Ismael Guiser entre os anos de 2000 e 2001.
9
madeira ao se executar um salto. Sons que são próprios de uma aula de dança e que nos

serviram de fundo musical para nosso trabalho. Sons que de alguma maneira influenciaram

no resultado final das narrativas de Ismael Guiser, Yoko Okada e Neyde Rossi. Sons que

lhes permitiam também desenvolver todo um gestual ao longo da entrevista, ao explicar

detalhes de um bailado e ou mesmo de alguma aula. Bosi (1987, p. 17) ressalta que na

maior parte das vezes, lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com

imagens e idéias de hoje, a experiência do passado. “A memória não é sonho, é trabalho.”

Notamos então, ao longo da entrevista, toda uma contextualização corporal. O

bailarino não fala somente com palavras, todo o seu corpo fala. Ao narrar/recordar parte de

sua história de vida, todo o seu corpo se movimenta, como se fosse impossível dissociar

lembranças do passado de uma determinada memória corporal. Para Geraldi (1997, p. 9):

Existe uma memória associada a todas as outras estruturas


somáticas: músculos, ossos, pele e vísceras, etc. Essa memória
corporal referencia todas as experiências corporais que o homem
experimentou em vida e também aquelas herdadas de seus
ancestrais. De uma certa maneira, tudo está ali em seu corpo,
profundamente gravado em forma de memória: os gestuais (mesmo
aqueles que estão moribundo, senão totalmente extintos nas
civilizações modernas, como é o caso da caça para a
sobrevivência), as emoções associadas a esses gestuais, bem como
as imagens psicossociais e os ritmos internos – atributos
estreitamente vinculados às condições naturais de seu
pertencimento anterior e que foram se transformando durante sua
evolução.
10
De fato, o bailarino trabalha com uma memória corporal, que, no caso da dança, é

acionada por um mecanismo de estímulo, a música. E, quando se trata de transmitir um

conhecimento corporal, tal como é o ensino da dança ou, até mesmo no caso de remontar

uma coreografia já existente, essa memória corporal acaba se transformando em memória

oral. Somente assim, podemos entender como os códigos da dança clássica e também os

códigos de outros sistemas de dança, chegaram até nós através dos séculos, bem como

inúmeras coreografias consagradas pelo tempo.

No caso da nossa pesquisa, as duas entrevistas realizadas com Neyde Rossi nos

surpreenderam. Sua movimentação absolutamente delicada na demonstração de gestos ou

expressões, bem como sua memória quase iconográfica, voltada para a definição de

detalhes dos acontecimentos tanto no dia a dia como em ocasiões mais especiais, nos

levaram a eleger suas lembranças como uma espécie de fio condutor dessa narrativa

coletiva, em quase todos os aspectos abordados em nossa dissertação. Certamente era

devido à essa perspicácia para o detalhe, que levava Aurelio Milloss a chamar Neyde Rossi

de “arquivo coreográfico”:

E o Milloss, eu acredito que foi me descobrindo por isso, ele chegou a


me pedir, de supetão, para substituir e eu não era substituta, oficial,
mas eu sabia tudo. Eu olhava com atenção e eu tinha muita
facilidade. Quando a Edith Pudelko não renovou o contrato, porque
ela casou, o Milloss chamou a Berta Rousanova, uma bailarina do
Rio para aprender os papéis da Pudelko, que ele próprio não sabia e
quem sabia era eu. Eu passei tudo! E era muita coreografia, e eu
mesma não sabia que sabia tanto. Eram dezesseis ballets, mas eu não
11
dançava em todos. Mas assim mesmo eu sabia e eu passei para ela e
eram ballets muito difíceis musicalmente, muito difíceis de serem
dançados. E aí o Milloss realmente começou a me olhar com outros
olhos e a me chamar de “arquivo coreográfico.6

Dança e Patrimônio Imaterial

Dada que a dança é a arte do efêmero e que não que existe efetivamente um sistema

de codificação para as coreografias, sejam elas clássicas, modernas, contemporâneas,

danças sagradas de roda ou danças populares/folclóricas, o que se preserva são justamente

as coreografias que são executadas repetitivamente, passadas de geração para geração, de

tempos em tempos. Essas coreografias são remontadas a partir da referência que o

coreógrafo-professor têm, conhecimento que ele recebeu de outro coreógrafo-professor,

que recebeu de outro e assim por diante. É também, portanto, uma versão de algo criado há

muitos anos atrás. É dessa forma se que preservaram balés clássicos como Sílfides, Gisele,

O Quebra Nozes, La Fille Mal Gardée e Copélia, entre outros. Também é por conta de

alunos e discípulos atentos e dedicados é que os ensinamentos de dança de Isadora

Duncan, Rudolf Laban e Martha Graham chegaram até os dias de hoje. Mas, atualmente

não podemos deixar de registrar a importância das mídias audiovisuais, em especial as

mídias digitais que vem a alavancar esse processo de registro e difusão do conhecimento

em várias áreas da arte, mas em especial o da dança.

6
Entrevista à autora.
12
Uma vez que a Unesco, órgão da ONU voltado para a educação, ciência e cultura

define como Patrimônio Cultural Imaterial "as práticas, representações, expressões,

conhecimentos e técnicas – com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que

lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos os indivíduos,

reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural"7, não seria o caso de

pensarmos que algumas coreografias de Balé do IV Centenário recebessem o status de

patrimônio imaterial da humanidade?

Pelas narrativas dos bailarinos e pelos textos dos críticos de arte, os balés mais

significativos de Aurel von Milloss para o público brasileiro foram a sua versão para

“Bolero” e “O Mandarim Maravilhoso”. Mas, certamente “Guarda-Chuva”, “Uirapuru” e

“Fantasia Brasileira” – balés desenvolvidos com temática brasileira - devem ser também

destacados, ainda que tenham sido duramente criticados pelo olhar estereotipado que um

estrangeiro teve do nosso país.

Essa ainda é uma questão em aberto, mas o que é certo é que todo o trabalho

desenvolvido ao longo dos anos de 1953 e 1954 pelos bailarinos da companhia, com

Milloss atuando como maitre, teve como conseqüência maior a profissionalização dos seus

componentes. Se no Brasil, antes a dança era considerada uma atividade complementar

para a boa educação de uma moça de família, agora ela poderia ter seu próprio sustento,

7
O Portal do IPHAN, além de definir o conceito de Patrimônio Material e Patrimônio Imaterial, traz os dossiês
sobre patrimônio imaterial, e uma série de textos especializados
13
seja pelas aulas que ministrava, seja pela participação em grupos profissionais (ainda que

estes fossem instáveis e não oferecessem bons salários). No que tange aos rapazes, o Balé

do IV Centenário também propiciou espaço para a formação de um grupo de jovens

bailarinos brasileiros, algo praticamente inexistente, reforçado pelo fato de que foi preciso

contratar no exterior Cristian Uboldi, Juan Giulino e Ismael Guiser, entre outros.

A busca de uma linguagem coreográfica que refletisse a nossa brasilidade na dança

não foi alcançada por Milloss, por vários motivos, entre eles o pouco tempo que teve para

assimilar a nossa cultura e, certamente a falta de referenciais que propiciassem a ele esse

contato maior com a cultura mais popular. No entanto, não há como negar que as

coreografias com temática nacional, citadas anteriormente, formam uma tríade desse

primeiro momento dessa busca. Não consideramos “Cangaceira” como fruto dessa busca,

por alguns motivos, entre eles a rejeição completa da coreografia tanto pelo público quanto

pela crítica e, pelos próprios bailarinos que se sentiam desconfortáveis nas roupas criadas

por Flávio de Carvalho e que, segundo eles, dificultavam a execução dos passos.
14
Considerações Finais

Formado por ocasião de uma grande festa, a que mostraria a pujança da sua própria
cidade genitora, o Balé do IV Centenário teria de ser marcante em tudo o que lhe dissesse
respeito. Neste sentido, a sua criação por ocasião de uma efeméride das mais importantes,
quando São Paulo desejava mostrar-se ao mundo como o maior parque industrial da América,
fazia parte de uma grande estratégia de divulgação/propaganda da própria cidade.

A Comissão do IV Centenário, ao escolher um único coreógrafo, sabia do risco que


corria de esgotar a questão da criação coreográfica, mas mesmo assim, preferiu correr esse
risco e dar uma certa organicidade ao conjunto e à toda a obra. Apesar de algumas críticas, o
trabalho foi grandioso e significativo.

E, ele perpetua-se até os dias de hoje na medida em que dotou a cidade e, até mesmo o
país, de inúmeros profissionais da dança, muitos dos quais desenvolveram carreira como
professores, coreógrafos e dirigentes de novos grupos. Enquanto prática artística em dança, o
Balé do IV Centenário - fruto do processo de cosmopolitismo e industrialização da cidade de
São Paulo e retrato de um gosto estético de uma elite industrial em ascensão - nos moldes e
condições em que foi estruturado, deixou sua maior herança na profissionalização da dança
em São Paulo. Certamente, Aurelio von Milloss foi o principal responsável pelos elos
artísticos do Balé do IV Centenário e seus desdobramentos.

Referindo-nos ao título deste artigo, “O Mandarim Maravilhoso”8, a coreografia mais


emblemática de Milloss é a história de três rufiões e uma prostituta que pretendem assaltar
seu cliente. Depois de tentativas frustradas, o terceiro visitante, um legítimo mandarim, é
seduzido e assaltado. Os ladrões pretendem então matar o mandarim, mas a moça toma-se de

8
Com música de Béla Bartok e coreografia original de Hans Strobalch, O Mandarim Maravilhoso, estreado em
Colônia, em 1926 causou escândalo por retratar o submundo urbano.
15
compaixão e salva-o da morte iminente. Após a paixão consumada, o mandarim tomba morto,
ação que os assaltantes não obtiveram êxito mesmo com a tríplice tentativa de matá-lo:
asfixiá-lo, esfaqueá-lo e finalmente enforcá-lo.

Aurel von Milloss foi mais do que um coreógrafo. Para uns maitre; para outros, um
verdadeiro Deus transformando moças e rapazes em profissionais sérios e capacitados,
conhecedores das últimas tendências européias, tanto em termos de técnicas de dança, como
em termos de interpretação. Quando chegou ao Brasil impressionara a todos com a sua
exuberância, grandes olhos expressivos e, imensa capacidade de trabalho. Ao final, quando
retornou, em 1955, estava abatido e envelhecido. Tal como um Mandarim Maravilhoso,
acabou sucumbindo ao final.

No entanto, para Verolli (1998, p. 48), o período em que ele passou no Brasil foi
fundamental para a sua obra:

Milloss foi tomado pela sensualidade e exuberância do universo


popular brasileiro. Nunca mais seus balés voltariam a ser tão vistosos,
coloridos e excitantes como os que coreografou no Brasil. O encontro
com essa terra de espaços imensos e misteriosos, que já havia
subjugado Milhaud, também reforçou seu registro criativo, que se
revelara pela primeira vez em 1951, com Mysterés, e que se tornaria
predominante em sua maturidade.

Bibliografia

BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade. Lembranças de Velhos. São Paulo: T. A. Queiroz:


Editora da Universidade de São Paulo, 1987. 2ª ed.
16
GERALDI, Silvia Maria. Imagens da Oralidade na Dança. Um Estudo Coreográfico. 1997.
Dissertação (Mestrado em Artes) – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, 1997

OLIVEIRA, Cláudia Leonor Guedes de Azevedo. OLIVEIRA, Cláudia Leonor Guedes de A.


Ballet do IV Centenário: estudo sobre a profissionalização da dança em São Paulo. 2002.
Dissertação (Mestrado em Comunicação e Artes), Escola de Comunicação e Artes/USP, 2002

VEROLLI, Patrizia. Milloss, um húngaro no Brasil. In: FANTASIA Brasileira: O Balé do IV


Centenário. São Paulo: SESC, 1998

Entrevistas realizadas pela autora

Neyde Celeste Rossi (em 9 e 16 de outubro de 2000)

Yoko Okada (em 20 de outubro de 2000)

Ismael Guiser (em 1 de outubro de 2001)

Periódicos

GIMENEZ, Armando. Aurelio Milloss realizou um milagre: existe balé no Brasil. Folha da
Noite. São Paulo, 29/10/53

Webgrafia

<Patrimônio Imaterial. Disponível em


http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=10852&retorno=paginaIphan>.
Acessado em 25/4/2013.

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