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Beatriz Preciado
Tradução de Thiago Coacci
m asculino e no fem inino . Sei q ue isso inq uieta m uitas p esso as q ue p articip am
nesse tip o d e enco ntro , m as p ara m im é ab so lutam ente fund am ental não
isso levanta d iscussõ es no início d o s enco ntro s nas co m unid ad es fem inistas.
1 O rig inalm ente p ub licad o no livro Le cinq ue g io rnate lesb iche in teo ria, o p resente texto é a
transcrição d e um a fala realizad a po r B eatriz P reciad o na co nferência q ue leva o m esm o
no m e d o livro , realizad a em R o m a d e 2 a 6 d e Junho d e 2010 . A p alestra fo i realizad a em
esp anho l, m as trad uzid a p ara o Italiano e p ub licad a juntam ente co m a transcrição d as
o utras falas no referid o livro . É d esse texto em italiano q ue fo i realizad a a trad ução .
2 N d o T: não há no po rtug uês p ro no m es q ue flexio nem em g ênero q ue p o ssam sub stituir
vo so tro s e vo so tras, além d isso , m esm o no o rig inal em Italiano o s term o s em esp anho l
estavam p resentes.
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co ntem p o râneo . Esp ero q ue a p arte teó rica não seja um esto rvo , e em ap o io
ser fem inista d eve-se p arar d e ser estúp id a. N esse sentid o creio q ue há
enco ntram o s. É ab so lutam ente fund am ental rever as ling uag ens, as
rep resentaçõ es, as teo rias, o s d iscurso s co m o s q uais trab alham o s, inclusive
no s m esm as e no s m esm o s.
ho rm ô nio trad icio nalm ente co nsid erad o p elo sistem a m éd ico co m o um
d eve d eclarar-se d isfó rico d e g ênero , o u seja, d o ente m ental e transfo rm ar-se
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em o b jeto d o sistem a m éd ico e juríd ico estatal q ue p erm ite, então , àq ueles
m ud anças.
sub stâncias e m uito s líq uid o s d iverso s co m o a co caína, hero ína, p ro zac, álco o l
p ró p ria.
q ualq uer m o d o já p o ssuía um a trad ição seja na p esq uisa exp erim ental, seja na
p o lítica exp erim ental, a p artir d o final d o séc XIX. Po r este m o tivo o livro é
to talm ente no va: já existiram alg uns p ensad o res auto -co b aias q ue
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século XX.
está faland o ? Enq uanto co m unid ad e virtual lésb ica, im ag inam q ue eu esteja
ap end icite, d eve ab rir , so zinho , sua p ró p ria b arrig a e o p erar a si m esm o co m
N ão se trata d e d izer sim p lesm ente q ue são co nstruíd as, já vim o s q ue são . A
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g ênero fem inino . C o m o co nseq uência não p o sso to m ar a testo stero na p ara
m e to rnar um ho m em .
tem p o , um trab alho d e p esq uisa, elab o rand o um a g ene alo g ia p o lítica d o s
em seg uinte. Enq uanto seg uia co m o p ro cesso d e exp e rim entação co rp ó rea,
não im ag inem q ue essa m inha exp eriência co m a testo stero na tenha sid o alg o
co nstrucio nism o , teo rias naturalistas e teo rias p erfo rm ativas – d eb ates não
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d entre essas certam ente a m ais im p o rtante é D o nna H araw ay, ho uve um a
tam b ém p o lítica!
H o je no fem inism o b uscam o s ling uag ens e p ráticas p ara exp licar seja o s
e etc.
p o ssível p ara p ensar a ação p o lítica co ntem p o rânea. A través d e um a histó ria
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extrem am ente m o d erne, ap arece no ano d e 1905, co nte m p o rânea a teo ria d o
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trad ição trab alharam . C o m o teó rica, m e refiro p rincip alm ente a Jud ith B utler e
C o m q ual histó ria d a sexualid ad e tem o s feito teo ria p o lítica até ag o ra?
fem inista a suas análises histó ricas e g enealó g icas. C o m o m encio nava antes,
leitura fem inista d e Fo ucault; a teo ria q ueer seria, na p rática, um d o s resultad o s
d essa leitura.
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suficientem ente g rand e q ue, esse sujeito , p erm ite a m im d izer q uand o esse
p urificação d a raça.
co ntem p o rânea.
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id entid ad e sexual. A lg uns d esses são p resentes e válid o s aind a ho je, o utro s,
d issid entes em um esp aço p úb lico fund am entalm ente b ranco , co lo nial,
m éd ica e juríd ica q ue p erm ite estab elecer um a co ntinuid ad e rad ical entre sexo
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rep ro d ução sexual. Isso exp lica a p ato lo g ização d e certas p ráticas sexuais: a
entre sexo e rep ro d ução . O séc. XIX está co nstruind o um co rp o , está d and o
Fo ucault d escreveu e co m o q ual o fem inism o q ueer (Teresa D eLauretis, Jud ith
trab alharem o s e lutarem o s co ntra m o d elo s d o séc. XIX q ue não são m ais
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rep ro d ução e a sexualid ad e fo ram tecno lo g icam ente sep arad as p ela p rim eira
p siq uiátrico . Então , creio q ue d evem o s p o sicio narm o s criticam ente tam b ém
d eve a Jo hn M o ney, um p siq uiatra d a infância q ue a cria p ara sup erar a id eia
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intersexuais.
neo nato s cujo sexo não era p o ssível d e classificar nas d efiniçõ es trad icio nais
nem m o rfo lo g icam ente p o d e-se falar d e m asculinid ad e e fem inilid ad e. To d avia,
d esig nação sexual m asculina o u fem inina enq uanto p ro cesso d e no rm alização
b io p o lítica d o co rp o .
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resp o nd erei às p erg untas. A q uilo q ue q uero d izer é: im ag inem a fo rça p o lítica
fo ssem ao cartó rio o u q ualq uer o utra instituição co m p etente p ara req uerer a
p o d eria causar: co lap saria o sistem a institucio nal euro p eu! H o je a Euro p a está
intro d uzind o leis so b re o m atrim ô nio ho m o ssexual p ara acalm ar-no s, p ara no s
im ig ração : p ara um im ig rante a única via d e acesso a nacio nalid ad e euro p eia,
a p arte d e esp erar ano s p ara ser reg ularizad o , é o m atrim ô nio . A recusa à
sistem a institucio nal euro p eu. A q uilo q ue d everia e star em crise não é o
sistem a eco nô m ico , m as o sistem a b io p o lítico d e p ro d uzir sub jetivid ad es. Essa
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então , a d efinição d e neutro . Esse p ro ced im ento não terá rep ercussão p o lítica
vo ltar a B ruxelas em m assa p ara req uerer q ue se d ê fim a no ssa cum p licid ad e
nascer.
o co rre a p artir d a Seg und a G uerra M und ial: a invenção d a no ção d e g ênero ,
naturalm ente não é co nsid erad a cirurg ia estética, q uanto d o s ho rm ô nio s p ara
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p siq uiátrico , no ho sp ital, na fáb rica, na fam ília, o u seja, no esp aço d o m éstico .
externa. A s instituiçõ es são m aciças, d uras, arq uitetô nicas e exatam ente p o r
isso são d ificilm ente transfo rm áveis: p o ssuem g rand e fo rça e estab ilid ad e.
d e farm aco p o rno g ráfico , e d irei p o r q ue, não vai sub stituir co m p letam ente as
g erid o através d e instituiçõ es ho sp italares, d a esco la, d a fam ília, d o esp aço
p o lítica.
farm aco p o rno g ráfico não é o utra q ue aq uela q ue fo i e ufo ricam ente receb id a
p elo fem inism o hetero ssexual d o s ano s 70: a p ílula. Perceb er isso fazend o
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p esq uisa fo i q uase um a surp resa. C o m o nunca fui hetero ssexual, nunca to m ei
a p ilula. Para m im era um o b jeto to talm ente entranho , tanto q ue nunca p ensei
em fazer um a p esq uisa so b re. M as o b viam ente, trab alhand o so b re a histó ria
d esco b ri, nem sei se co m p reend o p o rq ue as fem inistas hetero ssexuais não
estão na rua a g ritar co ntra a p ilula. C o ntarei a vo cês b revem ente a histó ria
sexo p o r m eio d o s ho rm ô nio s, exatam ente naq uele m o m ento , em 1947, inicia
um p ro g ram a d e p esq uisa p ara m elho rar a fertilid ad e d a fam ília cató lica d a
financiam ento cató lico , co m o esco p o d e aum entar a fertilid ad e d as fam ílias
b rancas am ericanas.
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p ela p rim eira vez na histó ria um a sep aração técnica entre rep ro d ução e
sexualid ad e.
Prim eiro elem ento : a p ilula fo i testad a e exp erim entad a em m ulheres
p ro jeto s d e exp erim entação técnica elab o rad a no s ano s antes q ue a p ílula
Estad o s U nid o s. Se exp lica assim p o rq ue as fem inistas neg ras fo ram as únicas
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tam b ém no s ho sp itais p siq uiátrico s e nas p risõ es justam ente p ara co ntro lar a
ho m o ssexualid ad e seja m asculina o u fem inina: p ela p rim eira vez se utilizam o s
N o co ntexto p siq uiátrico as lésb icas serão exp erim e ntalm ente tratad as co m a
d ad o q ue a p rim eira pilula, inventad a entre o 1947 e 1957, elim ina o ciclo
m enstrual e não será aceita p elo Instituto N acio nal d e Saúd e A m ericano p o r
ser co nsid erad a p erig o sa p ara a fem inilid ad e d as m ulheres am ericanas. Esse
não são unicam ente estilo s co rp ó reo s, nem técnicas unicam ente d iscursivas.
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reco m end arão a pilula p ara evitar p elo s faciais, o u então d everão lutar co ntra
Essas tecno lo g ias não são nem estranhas, nem externas: são
to d a a histó ria d a hum anid ad e. Isso ind ica tam b ém um a relação m uito estreita
XIX eram fund am entalm ente exterio res e ríg id as – co m o o p anó p tico , q ue é
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isso p ato lo g izo u e p erseg uiu m ed icam ente e jurid icam ente to d as as p ráticas
q ue d everia ser utilizad a p ara trab alhar, enq uanto nas co nfig uraçõ es
sub jetivid ad e e d e cap ital im p rescind ível p ara o cap italism o co ntem p o râneo .
crise d izem resp eito ao lim ite d a p ro d ução d a sub je tivid ad e co ntem p o rânea.
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esq uizo frenia; é talvez um a q uestão d e p erso nalid ad es m últip las, d e p sico se
Q uand o alg uém p erg unta q ue co isa vo cê é, q ual é seu g ênero , o u q ual
Seg und o o m o d elo d e sub jetivação so b erana so u m ulhe r, seg und o o m o d elo
viril..., seg und o o m o d elo d e g estão farm aco p o rno g ráfica so u transg ênera.
exem p lo s.
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ab so lutam ente d ram ático no caso d a Esp anha, assim co m o creio no caso
m esm o tem p o , ho je – não sei exatam ente q ual é a leg islação na Itália, m as
ho m ens vio lento s q ue aceitam esses p ro cesso s d e terap ia bio q uím ica.
m o rte.
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co m p letam ente a p ró p ria vag ina, ab rir um a seg und a vag ina, o u utilizar o ânus
co m o vag ina, etc. To d o s esses tip o s d e o p eração são ileg ais. Para esco lher
no sso p ró p rio co rp o . Vale d izer q ue há um a luta entre o nariz neo lib eral e o
sexo teo crático , a m ão m asturb ad o ra, o útero rep ro d uto r e o seio q ue aleita...
d rag q ueen, d rag king , d rag w hatever. Isto é, d rag everything , vend o aq uilo
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e vam o s as ruas!
d e rep resentaçõ es p o rno g ráficas e não é m ais p o ssíve l esco lher a não
alianças, talvez co m q uem p rim eiram ente era im p ensável, e criar técnicas d e
no rm alização .
Pro cesso s q ue p erm item elab o rar estratég ias cap azes d e lutar co ntra o s
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transg ênicas, transexuais, antico lo niais. Essas são as no ssas alianças, esse é o
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