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GARCIA, T. R.; NÓBREGA, M. M. L.

Sistematização da assistência de enfermagem:


reflexões sobre o processo. In: 52º Congresso Brasileiro de Enfermagem, Apresentado
na Mesa Redonda “A sistematização da assistência de enfermagem: o processo e a
experiência”. Recife/Olinda – PE, 2000.

SISTEMATIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM: reflexões


sobre o processo
Telma Ribeiro Garcia 1
Maria Miriam Lima da Nóbrega 2

A Enfermagem pode ser descrita como uma profissão de ajuda, complexa e


multifacetada. Há uma ampla variedade de elementos que entram em sua
composição e em sua prática. Um desses elementos é o cuidar, um constructo
teórico considerado como central para a Enfermagem, haja vista que, para
aquelas e aqueles que exercem a profissão, além de ser um imperativo moral
pessoal, comum a todos os seres humanos, é também um imperativo moral
profissional, não negociável (Brykczynska, 1997).

Cuidar é um verbo cuja ação se exprime, entre outros modos possíveis, na


transitividade relacional que ocorre entre, no mínimo, duas pessoas presentes
na situação e no ambiente de cuidado: uma pessoa que assume o papel de
cuidador, e outra pessoa que assume o papel de ser cuidado (Garcia, 1996).

O verbo cuidar, quando empregado com o sentido denotativo ou discursivo de


zelar pelo bem-estar ou pela saúde de alguém, tratar da saúde de alguém
(Michaelis, 1998), indica uma série de ações dinâmicas e inter-relacionadas
para a realização do cuidado; ou seja, indica um processo de trabalho que
ocorre (consciente ou inconscientemente) através da adoção de um
determinado modo de fazer, fundamentado em algum modo de pensar.

1
Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela EERP-USP. Profa. Adj. IV do Departamento de Enfermagem de
Saúde Pública e Psiquiatria, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba.
2
Enfermeira. Doutora em Enfermagem pela UNIFESP/EPM. Profa. Adj. IV do Departamento de
Enfermagem de Saúde Pública e Psiquiatria, Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal da Paraíba.
2

O processo de cuidar em enfermagem, ou processo de enfermagem,


entendido como um instrumento metodológico que nos possibilita identificar,
compreender, descrever, explicar e/ou predizer como nossa clientela responde
aos problemas de saúde ou aos processos vitais, e determinar que aspectos
dessas respostas exigem uma intervenção profissional de enfermagem, implica
na existência de alguns elementos que lhe são inerentes. Sob o ponto de vista
do Conselho Internacional de Enfermeiras (ICN, 1996), esses elementos são: o
que os exercentes da Enfermagem fazem (ações e intervenções de
enfermagem), tendo como base o julgamento sobre fenômenos humanos
específicos (diagnóstico de enfermagem), para alcançar os resultados
esperados (resultados de enfermagem).

Os elementos que descrevem a prática da Enfermagem são, portanto,


constituintes de um processo específico de trabalho, o qual demanda, de
acordo com Christensen & Kenney, (1990), Iyer et al. (1993), Cox et al.
(1993), Collier et al. (1996), Creasia, (1996), habilidades e capacidades
cognitivas (pensamento, raciocínio), psicomotoras (físicas) e afetivas
(emoções, sentimentos e valores), além de conhecimento e perícia no uso das
técnicas de resolução de problemas e liderança na implantação do plano de
intervenção (Kron & Gray, 1994). Essas habilidades e capacidades ajudam a
determinar o que deve ser feito, porque deve ser feito, por quem deve ser
feito; como deve ser feito, com que deve ser feito e que resultados são
esperados com a execução da ação/intervenção de enfermagem (para que
deve ser feito).

Entendido não somente como um modo de fazer, mas como um modo de


pensar a prática assistencial, observa-se que a implementação do processo de
enfermagem envolve três áreas inter-relacionadas de cognição: o raciocínio e
julgamento diagnóstico; o raciocínio e julgamento terapêutico e o raciocínio e
julgamento ético (Gordon, 1994). Ressalte-se também que, embora derivado
3

do supostamente objetivo método científico, o processo de enfermagem não é


aplicado de um modo totalmente objetivo, uma vez que os valores humanos,
tanto os dos exercentes da Enfermagem quanto os da clientela, influenciam
tanto a identificação quanto a solução de problemas; a sensibilidade moral e o
julgamento ético na interação com a clientela permeiam o processo em sua
inteireza (Daniel, 1987; Gordon, 1994). As dimensões do pensar, do sentir e
do agir articulam-se, portanto, no processo de enfermagem de forma
indissociável.

Para as pessoas que não pertencem à área, entretanto, se os aspectos


psicomotores (da ação propriamente dita) ou afetivos são passíveis de ser
percebidos, nem sempre ficam evidentes os aspectos intelectuais que estão
envolvidos nesse processo. Isso é agravado pelo fato de que, com uma certa
freqüência, não se registra de modo sistemático, ordenado e compreensível o
cuidado que foi realizado e o que o determinou. Ou seja, uma pessoa estranha
à área, avaliando a prática assistencial da Enfermagem, poderia descrevê-la
simplesmente como um sem número de “tarefas manuais rotineiras” que são
realizadas por seus exercentes, algumas das quais são consideradas mais
simples, outras mais complexas: banho, aplicação de injeção intramuscular,
aspiração de secreções, curativo, mobilização no leito, sondagem vesical,
verificação de sinais vitais, entre tantos outros exemplos que poderiam ser
aqui incluídos...

Para a Enfermagem, o descaso com o registro sistemático dos elementos


anteriormente mencionados (diagnóstico, ações/intervenções e resultados de
enfermagem) pode resultar, por um lado, em ausência de visibilidade e de
reconhecimento profissional; por outro lado, o que é talvez mais sério, em
ausência ou dificuldade de avaliação de sua prática.
4

A Dra. Circe de Melo Ribeiro, em artigo sobre Auditoria de Serviços de


Enfermagem, alertava, em 1973, para o fato de que não se podia mais ignorar
a necessidade de avaliar a qualidade do cuidado a qual, em sua opinião, se
devia medir, entre outros aspectos,

“pelo tipo de cuidado que é prestado ao paciente, análise de suas


necessidades, ensino e orientação que recebe, conteúdo
significativo das informações sobre o estado e evolução do
paciente, resultados alcançados em novos métodos e técnicas
específicas de enfermagem (...)” (Ribeiro, 1973, apud Paim,
1979a).
Nessas palavras, escritas há quase trinta anos atrás, mas que nos parecem
absolutamente contemporâneas, podem ser identificados os elementos
diagnóstico, ações/intervenções e resultados de enfermagem, aqueles que
estamos assumindo como fazendo parte intrínseca do processo de cuidar em
Enfermagem e como sendo os descritores básicos a partir dos quais é feito o
registro da prática profissional assistencial. Através deles, justificamos não
somente o cuidado de enfermagem que foi prestado, mas a própria razão de
ser da profissão; documentá-los, portanto, deveria ser uma decorrência não
somente natural, mas, sobretudo, necessária.

Processo de enfermagem não é um conceito “novo”. Embora a expressão


ainda não fosse utilizada, é possível que o ponto de partida para seu
desenvolvimento e introdução na nossa linguagem especial remonte à segunda
metade do século XIX, quando Florence Nightingale enfatizou a necessidade
de ensinar as enfermeiras a observar e a fazer julgamentos sobre as
observações feitas (McGuire, 1991).

No início do século XX, buscou-se melhorar as habilidades de observação


incorporando métodos de investigação usados em outros campos da ciência ao
ensino e à prática de enfermagem, a exemplo do estudo de caso, cuja primeira
descrição metodológica na literatura de enfermagem foi feita por Deborah M.
5

Jensen, da Escola de Enfermagem da Universidade de Yale, no livro Jensen´s


Student´s Handbook on Nursing. Conforme narrativa de Burns & Grove
(1993), o estudo de caso representou a primeira expressão da pesquisa
relacionada à prática de enfermagem.

Nas décadas de 1920 e 1930, nos Estados Unidos, vários estudos de casos
clínicos foram publicados na literatura da área. De modo geral, envolviam a
análise e a avaliação sistemáticas, em profundidade, de um cliente ou grupo de
clientes similares, objetivando promover a compreensão acerca de seu estado
de saúde/doença e das intervenções de enfermagem consideradas necessárias.
Com o emprego do estudo de caso, observou-se o início do uso de
instrumentos de coleta de informações sobre os pacientes, a análise e
formulação de julgamentos clínicos sobre as informações coletadas e a
diferenciação entre o que seria intervenção médica e de enfermagem, listadas
separadamente (McGuire, 1991).

No Brasil, a primeira referência a esse tipo de trabalho científico deve-se a


Zaíra Cintra Vidal. Em 1934, ela publicou artigo a respeito nos Annaes de
Enfermagem, em que, além de apresentar as características e de discutir sua
utilidade, fez recomendações sobre o modo de organizar o “caso de estudo”,
afirmando que, “dessa organização depende toda a vantagem do método”
(Vidal, 1934).

De acordo com Henderson (1973), há uma estreita vinculação entre os estudos


de caso e o aparecimento dos primeiros planos de cuidado de enfermagem. O
estudo de caso foi, segundo ela, “o precursor dos planos de cuidado de
enfermagem”. Do mesmo modo, pode-se afirmar que os planos de cuidado
foram as primeiras expressões do que se convencionou mais tarde denominar
processo de enfermagem.
6

No entanto, nesse ponto de nossa apresentação, consideramos ser necessário


reconhecer que o entendimento acerca do processo, e conseqüentemente sua
adoção deliberada na prática profissional, não é unanimidade no âmbito da
Enfermagem. Sua simples menção costuma despertar, no mínimo, três
diferentes reações: aceitação, indiferença e rejeição.

Ao revisar a literatura da área em busca de elementos para essa apresentação,


observamos que o processo de enfermagem é usualmente descrito como sendo
o ponto focal (Kron & Gray, 1994), o cerne (Christensen & Kenney, 1990),
ou a essência da prática de enfermagem (Smeltzer & Bare, 1998).

De acordo com Iyer et al. (1993), o processo de enfermagem pode ser definido
em termos de três grandes dimensões: propósito, organização e propriedades.

No que diz respeito à primeira dessas dimensões, entre os propósitos da


aplicação do processo de enfermagem apontados na literatura verifica-se
haver:
1) os relacionados à clientela alvo do cuidado de enfermagem – identificar
e tratar dos problemas do cliente (Collier et al., 1996); promover o bem-estar
do cliente (Phaneuf, M., 1986, apud Berger & Mailloux-Poirer, 1995); atender
aos problemas de saúde e às necessidades de enfermagem da pessoa (Smeltzer
& Bare, 1998); diagnosticar e tratar as respostas humanas à saúde e à doença
(American Nurses Association, 1980, apud Potter & Perry, 1997); melhorar ou
manter o nível de saúde do cliente (Potter & Perry, 1997); identificar as
necessidades de cuidados de saúde do cliente, determinar as prioridades,
estabelecer as metas e os resultados esperados, estabelecer e comunicar um
plano de cuidados centrado no cliente, proporcionar prescrições de
enfermagem designadas para atender às necessidades do cliente e avaliar a
eficácia dos cuidados de enfermagem em alcançar os resultados esperados e as
metas para os clientes (Potter & Perry, 1997); satisfazer as necessidades
7

individualizadas do cliente, da família e da comunidade (Iyer et al., 1993);


proporcionar cuidados de qualidade, centralizados no cliente (Iyer et al.,
1993); prestar um cuidado de enfermagem seguro e eficaz para o cliente
(Creasia, 1996); avaliar o estado de saúde do cliente, fazer julgamentos e
diagnósticos, planejar, implementar e avaliar ações apropriadas de
enfermagem (Christensen & Kenney, 1990);
2) os relacionados à organização/gerenciamento do cuidado – fornecer uma
base a partir da qual todas as ações sistemáticas de enfermagem podem ser
levadas a efeito (Creasia, 1996); tomar decisões esclarecidas quanto às
situações de cuidados (Berger & Mailloux-Poirer, 1995); elaborar
intervenções baseadas num juízo crítico próprio da Enfermagem em vez de
num processo de tentativas e erros (Berger & Mailloux-Poirer, 1995);
proporcionar um roteiro para o raciocínio crítico (Potter & Perry, 1997);
prover uma estrutura sistemática e propositada que habilite a(o) enfermeira(o)
a organizar e a administrar os cuidados de enfermagem (McGuire, 1991;
Bevis, 1978, apud Potter & Perry, 1997); fornecer uma estrutura para ser
utilizada no trabalho com o paciente (Cox et al., 1993; Christensen & Kenney,
1990).

A segunda dimensão, a da organização, diz respeito à seqüência de etapas (ou


componentes) necessárias para alcançar os propósitos estabelecidos (Potter &
Perry, 1997). De acordo com Gordon (1994), o processo de enfermagem
possui dois elementos-chave: a identificação do problema, que ocorre durante
a coleta de dados e diagnóstico; e a solução do problema, através da projeção
do resultado que se espera alcançar, intervenção e avaliação do resultado.

Para alguns autores, o processo de enfermagem está atualmente organizado em


torno de cinco etapas identificáveis – coleta de informações, diagnóstico,
planejamento, implementação e avaliação (Iyer et al., 1993; Alfaro-LeFevre,
1994); para outros, consiste de quatro ou cinco (McGuire, 1991), ou seis
8

(Horta, 1979). No cerne dessa diferença de opiniões está o entendimento da


etapa diagnóstica como sendo distinta, ou como estando incluída na primeira
etapa. A despeito do número que levam em consideração, a maioria dos
autores consultados ressaltam que sua divisão em etapas distintas é artificial e
cumpre uma função meramente didática, haja vista ser o processo de
enfermagem um todo integrado, com as etapas inter-relacionadas,
interdependentes e recorrentes (Christensen & Kenney, 1990; McGuire, 1991;
Iyer et al., 1993; Alfaro-LeFevre, 1994; Smeltzer & Bare, 1998; dentre
outros).

Na terceira dimensão, verificamos na literatura consultada que o processo de


enfermagem está descrito como um sistema (Smeltzer & Bare, 1998), um
processo (McGuire, 1991; Phaneuf, M., 1986, apud Berger & Mailloux-
Poirer, 1995), um método (Doenges & Moorhouse, 1991; Iyer et al., 1993;
Alfaro-LeFevre, 1994; Gordon, 1994; Berger & Mailloux-Poirer, 1995;
Creasia, 1996), uma abordagem (Iyer et al., 1993; Collier et al., 1996; Bevis,
1978, apud Potter & Perry, 1997), uma série de pensamentos e ações
sistematizadas (Paim, 1973; Horta, 1979; Creasia, 1996), uma atividade
(Christensen & Kenney, 1990), uma estrutura (Collier et al., 1996; Potter &
Perry, 1997) ou um referencial (Potter & Perry, 1997) com as propriedades
de ser: interativo, por basear-se nas relações recíprocas entre a enfermeira e o
cliente, a família e outros profissionais da saúde (Iyer et al., 1993); deliberado
ou intencional, por estar orientado por metas (Christensen & Kenney, 1990;
Iyer et al., 1993; Creasia, 1996; Smeltzer & Bare, 1998); efetivo e eficiente,
porque resulta em um cuidado de enfermagem compreensivo e individualizado
(Doenges & Moorhouse, 1991; Alfaro-LeFevre, 1994; Collier et al., 1996);
organizado e sistemático, visto que consiste de passos seqüenciais e inter-
relacionados (Alfaro-LeFevre, 1994; Berger & Mailloux-Poirer, 1995;
Creasia, 1996; Collier et al., 1996); criativo, porque propicia encontrar
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soluções além do que é tradicionalmente feito (Potter & Perry, 1997); baseado
em conhecimento, em que estão incluídas as ciências físicas e biológicas e as
humanas, e aplicável no âmbito de qualquer referência conceptual (Iyer et al.,
1993; Creasia, 1996); flexível, porque pode ser adaptado à atividade de
enfermagem em qualquer local ou área de especialização e porque suas fases
podem ser utilizadas de modo seqüencial ou concomitante (Iyer et al., 1993;
Creasia, 1996; Potter & Perry, 1997); dinâmico, porque envolve mudanças
contínuas (Iyer et al., 1993; Potter & Perry, 1997); e humanístico, visto que é
desenvolvido e implementado de tal modo que seja dada maior consideração
aos interesses particulares e desejos do cliente e pessoas significativas (Alfaro-
LeFevre, 1994).

Descrito usualmente passo a passo, o processo de enfermagem é visto por


alguns (não acuradamente, a nosso ver) como uma forma reducionista e
excessivamente normativa de desempenhar o papel e as funções profissionais
(Garcia, 1996). Possivelmente, o modo como é abordado durante a formação
profissional acadêmica, com excesso de detalhamento e com supervalorização
do método, em detrimento da essência, naturalidade e espontaneidade do
processo de cuidar (Paim, 1979b), tem concorrido para sua desvalorização ou
negação na prática assistencial.

Na verdade, inicialmente, como acentua Frish (1994), necessita-se, tal qual


ocorre durante a aprendizagem de uma língua, aprender os aspectos formais
desse processo; à medida que se adquire experiência, no entanto, compreende-
se que, se foi necessário aprender algumas regras para sua aplicação na prática
profissional, existem muitas exceções para essas regras, e que nossas
percepções, julgamentos e ações nem sempre ocorrem na exata ordem coleta
de informações, diagnóstico, planejamento, implementação e avaliação.
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Quanto às dificuldades para sua implantação efetiva, que reconhecemos haver,


concordamos com Paim (1979b), quando afirma que essas dificuldades
“precisam significar o desafio suficiente aos estudos para adaptação,
substituição, sem desvalorização da proposta teórica inicial”.

Uma dessas dificuldades está representada pela racionalidade técnica que


emerge das definições/descrições usuais do processo de enfermagem. Schon
(1987, apud Marks-Maran & Rose, 1997) sugere que as limitações da
racionalidade técnica podem ser superadas pela criação de uma epistemologia
da prática em que a solução de problemas ocorra dentro de uma ampla
estrutura de prática reflexiva. Segundo esse autor, há dois elementos
constituintes dessa prática: a reflexão-sobre-ação e a reflexão-em-ação.

A reflexão-sobre-ação envolve olhar para trás, sobre uma experiência


passada, explorando os significados que estavam presentes ao tempo em que
ocorreu e criando novos significados à luz dos resultados da ação que foi
executada.

Utilizando a reflexão-sobre-ação, é possível rever os significados que


estivemos atribuindo ao processo de enfermagem ao longo dos últimos anos
ou décadas, tanto no ensino quanto na prática profissional assistencial e de
pesquisa. Se necessário, precisamos compreender/criar novos significados
para ele, assumindo, em primeiro lugar, a premissa básica de que nós, os
exercentes da Enfermagem, somos seres humanos cuidando de seres
humanos ou, como disse a Dra. Wanda de Aguiar Horta, gente que cuida de
gente. A miríade de significados que a ação cuidadora pode assumir no
contexto do processo de cuidar em enfermagem é infindável.

O processo de enfermagem é um processo social intencional mediado pela


linguagem (verbal e não-verbal) e influenciado pelo tipo e qualidade das
interações estabelecidas entre os exercentes da Enfermagem e o cliente.
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Durante essa interação humana, devem ser trocadas informações autênticas e


pertinentes, que propiciem experiências perceptuais acuradas e significativas
para ambos e que encaminhem, portanto, para um cuidado sensível, solidário e
integrativo.

Entender o processo de enfermagem como um processo social implica


entendê-lo, também, como um processo de interação comunicativa. Assim
sendo, a comunicação assume um papel vital no relacionamento entre os
exercentes da Enfermagem e o cliente. Essa comunicação tanto pode ser
expressiva, envolvendo os valores, crenças, atitudes, preocupações e
necessidades dessa díade, quanto instrumental, envolvendo o conhecimento e
a habilidade de ambos (King, 1981; Abraham & Shanley, 1992).

Nesse contexto, encontro e relacionamento pessoal (as bases do cuidado)


pressupõem mais do que mero desempenho de papéis regidos por normas.
Pressupõem, além disso, perceber o cliente como um ser biopsicossocial total,
que internalizou a realidade social em que está inserido como um sistema de
significados simbólicos que regem seu comportamento, sua comunicação com
os outros, e sua compreensão do meio ambiente interno e externo.
Pressupõem, portanto, entender o cliente como uma pessoa que age, reage e
interage diferentemente à medida que sua situação particular de vida muda, ao
longo do ciclo vital.

Uma metodologia de trabalho executada por e direcionada para seres


humanos, necessita ser entendida como um meio auxiliar que, em absoluto,
não substitui o conhecimento pessoal; a experiência, habilidade ou talento no
relacionamento interpessoal; a perícia ou destreza no desempenho; o
comportamento ético, sensibilidade ou solidariedade implícitos em seu
desenvolvimento. Ao interagir com seres humanos, nenhuma ação
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instrumental, por mais aperfeiçoada que seja, pode estar desvinculada dos
aspectos expressivos que lhe devem ser inerentes.

Idealmente, para que o processo de enfermagem, conforme o concebemos,


possa ocorrer, torna-se necessário que o cliente comunique (verbal e/ou
corporalmente) disponibilidade para envolver-se, expressando suas
expectativas, valores, crenças, atitudes, preocupações e ansiedades relativas à
situação que vivencia, e que participe ativamente na identificação de suas
necessidades de cuidado, assim como na tomada de decisão acerca das metas
pretendidas e dos caminhos para alcançá-las. Por sua vez, os exercentes da
Enfermagem, aqui entendidos como os agentes do cuidado, devem acolher o
cliente comunicando (verbal e/ou corporalmente) disponibilidade para
compreender a situação vivenciada por ele, ajudando-o a expressar suas
expectativas, valores, crenças, atitudes, preocupações e ansiedades; a
identificar e compreender aspectos envolvidos na situação; e a reconhecer suas
necessidades de saúde, de modo a facilitar sua participação ativa e a fortalecer
os mecanismos de resolução positivos, para que alcance a meta do processo –
a promoção, manutenção ou restauração de sua autonomia e de uma qualidade
de vida digna e saudável.

O outro elemento constituinte da prática reflexiva é a reflexão-em-ação, que é


descrita por Schon (1987, apud Marks-Maran & Rose, 1997) como sendo o
pensar sobre o que se está fazendo, enquanto se está fazendo algo. A reflexão-
em-ação é caracterizada por algo que surpreende ou desafia o praticante
enquanto está no processo de realização de uma atividade profissional, e
resulta em que a pessoa se faz algumas questões-chave no meio da ação:

• O que estou observando aqui e o que isso significa?

• Que julgamentos estou fazendo e através de que critérios?

• O que estou fazendo e por quê?


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• Há alguma ação alternativa além desta que estou realizando?

Através dessas questões a pessoa reflete sobre os significados implícitos em


suas ações, o sentimento que encaminhou à decisão original de realizar uma
certa ação, e o modo como o problema inicial estava estruturado. Esses
aspectos, que poderiam ser inconscientes, emergem, são criticamente
examinados, reestruturados e podem determinar um diferente curso de ação.
Em síntese, reflexão-em-ação habilita a pessoa a remodelar a ação enquanto
ela está sendo realizada; é um processo de pensamento dinâmico, em espiral,
que leva à mudança na prática.

Uma questão fundamental, que não pode ser abstraída ao se pensar em aplicar
o processo de enfermagem, está relacionada ao ambiente físico e social em
que o processo ocorre. O ambiente do cuidado pode ser visto por diferentes
ângulos. Por um lado, ele é interior à instituição de saúde na qual está
inserido e ambos (o ambiente do cuidado e a instituição) fazem parte de um
ambiente total – a matriz sociocultural de saúde dominante (sistema
municipal/estadual/nacional de saúde), organizada como uma porção do
mundo social mais amplo. Por outro lado, ele inclui tudo aquilo que é
exterior ao cuidador e ao ser cuidado, e que influencia, pelo menos em parte,
a maneira do desempenho dessa díade, dados os papéis e atividades que se
espera que cada um de seus elementos constituintes desenvolva, e os recursos
físicos, humanos e materiais necessários para a execução das ações envolvidas
na realização do cuidado.

Compreendemos o processo de enfermagem como um instrumento


metodológico de que lançamos mão tanto para favorecer o cuidado, quanto
para organizar as condições necessárias para que este ocorra. Acima de tudo,
no entanto, compreendemos que, nem sendo herói, panacéia para todos os
problemas que a enfermagem, de modo coletivo, enfrenta, nem sendo vilão
14

(Rozendo, 1993), como é às vezes representado na literatura da área, o


processo de enfermagem “é algo básico, isto é, é uma interação, uma
atividade – de fato, ele É a prática de enfermagem”, como o define Frish
(1994).

Há, portanto, uma única forma de não se aplicá-lo, a saber, evitar o encontro
com a clientela que necessita do cuidado de enfermagem, esteja essa clientela
representada por uma pessoa, uma família ou uma comunidade. Ocorrido o
encontro, inevitavelmente inicia-se o processo; permitir que ele se desenvolva
é permitir-se estar cuidando, razão para a qual acreditamos termos sido
formadas.

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VIDAL, Z. C. O caso de estudo. Annaes de Enfermagem, Rio de Janeiro, ano 2, n.5,
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