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A raiz da intolerância

Henry /. Sobel

Era uma vez um rapaz que estava tão inspirado que resolveu
mudar o mundo. Ele estava plenamente convencido de que seus
sonhos e suas idéias podiam revolucionar o universo. Mas quan-
do tentou implernentá-los, percebeu que o mundo era grande
demais para uma pessoa só mudá-lo. Resolveu, então, mudar seu
país. Mas logo viu que isto também era uma tarefa grande demais
para uma única pessoa. Daí, resolveu mudar sua comunidade.
Mas logo percebeu que até isso era difícil demais para ele. Então,
resolveu mudar a si mesmo. E quando começou a ser tolerante
para com os outros e passou a se comportar corretamente, ele foi
contagiando todos ao seu redor. E sua comunidade ficou melhor,
seu país ficou melhor, o mundo ficou melhor.
Moral da história? Se quisermos construir a paz em nossa
sociedade, temos de começar com nós mesmos. Cada um em seu
próprio pequeno mundo, desarmando o espírito, conscientizan-
do a si mesmo, conscientizando aqueles a seu redor.
É preciso cultivar o respeito mútuo entre os seres humanos.
É preciso aprender que existem outros credos além do nosso,
outras raças além da nossa; é preciso reconhecer que existem
diferenças entre as diversas religiões e etnias, mas todas são
igualmente válidas e nenhuma é superior às outras. Dois ensina-
mentos bíblicos podem servir de ponto de partida neste sentido.
O primeiro: "Vayivra Elohim et ha' adam be 'tzelem Elohim", "O
homem foi criado à imagem de Deus". Este princípio implica que
cada ser humano é digno de respeito e consideração, pois ele traz
dentro de si a centelha divina do Criador. Outro ensinamento de
•• fundamental importância é que a raça humana toda provém de
um único homem, Adão. Ao aprender isto, captamos o conceito

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da igualdade entre todas as pessoas e aprendemos, ao mesmo
tempo, a rejeitar qualquer idéia de superioridade racial.
Tantos dos conflitos hoje em dia são conseqüência da intole-
.'é errado inferiorizar um ser humano por causa de.~:lf.h.:J(~~iP ~
do. O pluralismo é instintivo nos brasileiros.Ten~q.$~c4~~~..
num cadinho, são produto de uma sociedade multijTaQ.i;~.~; r:
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f rância de um grupo em relação a outros. Para combater efetiva- tireligiosa, na qual as diferenças estão presentes no ar ciq~ ~~~Jr-
mente a intolerância e o preconceito, temos que mudar de ram e é freqüente seus vizinhos serem imigrantes. vindoigt
mentalidade. Temos que entender que somos todos filhos de um terras distantes, cada qual preservando sua própria cultura e ,tra-
único Deus e pertencemos todos à mesma família, uma grande dições. Há no Brasil um respeito inerente pelas diferenças. É sin-
fanu1ia que se chama "humanidade". tomático que mesmo os sacerdotes católicos conservadores
A História já nos deu provas suficientes que o preconceito aceitam - alguns mais, outros menos - os cultos afro-brasilei-
religioso, o triunfalismo ideológico e a discriminação étnica são ros, tais como o candomblé, e procuram lima convivência pací-
as maiores barreiras ao progresso humano. Quando uma minoria fica entre o catolicismo e esses cultos.
qualquer é atacada, a sociedade como um todo se torna vítima em O mundo nos reconhece como uma nação tolerante. No
potencial. Quantas tragédias precisaremos suportar para apren- entanto, existe preconceito no Brasil. Os direitos de uma grande
der esta antiga lição? Já é tempo de percebermos que julgar um parcela da população brasileira ainda não são plenamente respei-
ser humano em termos de seu credo religioso, das suas convic- tados. Há um racismo dissimulado contra os negros, há precon-
ções ideológicas, da cor de sua pele, é mais do que um erro. É uma ceito contra os nordestinos e há também casos isolados de
cegueira do espírito, é um câncer da alma, é um pecado contra anti-semitismo, ou seja, discriminação contra os judeus.
Deus que criou as pessoas cada uma diferente da outra, sim, mas O anti -semitismo é um problema que existe há milênios. Por
todas iguais em valor. volta do ano 450 antes da Era Comum, quando o primeiro- minis-
Nada é mais feio e triste do que os frutos dos preconceitos: tro da Pérsia, Haman, quis justificar seu plano de matar todos os
dominação, injustiça, discriminação, desprezo e violência. Pre- judeus do Império, ele alegou o seguinte: "Existe um povo dis-
conceitos são venenos do espírito, fatais para a democracia, que perso e espalhado, e suas tradições, suas leis, são diferentes das
é um regime baseado na liberdade e na igualdade e, portanto, no de qualquer outro povo." Este, e apenas este, foi o "crime" que os
pleno respeito aos direitos humanos. Em função de preconceitos, judeus cometeram: eles eram diferentes.
pessoas são excluídas, humilhadas e prejudicadas. Era isto também o que a Igreja Católica costumava dizer
N a concorrência localiza-se a raiz mais primitiva do precon- sobre os judeus. Desde o declínio do Império Romano, a Igreja
ceito e do racismo. Tem-se medo do outro porque ele é mais forte Católica havia se tornado a força dominante na civilização oci-
ou mais esperto, porque ele vai roubar sua caça, porque vai con- dental. À medida que o cristianismo se difundiu por toda a
dená-Io à humilhação ou à fome. Passa-se então a detestar este Europa, os judeus acabaram sobrando como os únicos dissiden-
li
',1 outro que causa temor. O que acontece em tempos de crise eco- tes. Com impaciência cada vez maior, a Igreja e seus fiéis procu-
li nômica reproduz o racismo primitivo. Quando a luta pela vida ravam enquadrar aquela minoria obstinada. Consideravam a
torna-se mais dura, o imigrante, o outro, aquele que tem uma reli- permanência do judaísmo não só ofensiva como inexplicável.
gião diferente, uma cor de pele diferente, passa subitamente a ser Era inconcebível para eles que qualquer pessoa, em sã consciên-
visto como o predador, o ladrão, aquele que invade seu solo e cia, pudesse proferir outra fé senão o catolicismo. Por que os
rouba seu emprego. judeus ainda se apegavam ao seu "falso" credo? Por que Deus
N o Brasil, pessoas de todas as esferas sociais, desde o mais ainda o permitia? A única explicação, concluíram muitos cris-
sofisticado intelectual até o mais simples sertanejo, sentem que tãos, era que os judeus serviam de advertência, que Deus havia

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então um distintivo amarelo pregado na roupa, que serviu de
condenado aqueles "assassinos de Cristo" a viverem eternamen- modelo para os decretos nazistas no sécu~o xx.. . . ,.
te rejeitados, proscritos, vagando de terra em terra, como exem- A mais chocante manifestação de anti-senunsmo na história
plo do que acontece aos que renegam Jesus. O sentimento da humanidade foi o Holocausto, o extermínio de 6 milhões de
antijudaico era reforçado por tudo que diferenciava os judeus judeus na Europa durante a Segunda Guerra Mundial. Este gen~-
dos demais: suas leis alimentares, suas normas de abate de ani- cídio de proporções sem precedentes resultou da ~ente do~ntla
mais, seu ritual de circuncisão. Surgiram boatos de que os judeus de um homem, Adolf Hitler, e da fraqueza de espírito de milha-
exalavam um odor peculiar, que desaparecia no instante em que res de outros a quem ele conseguiu persuadir. Com o apoio do seu
aceitavam o batismo cristão. Isso, por sua vez, gerou rumores de partido político, o Partido Nazista, H!tler se pr?pôs a criar uma
que os judeus compactuavam com o demônio, em cerimônias sociedade racialmente "pura", ou seja, sem mistura de sangue
secretas e perversas. . judeu. Primeiro, ele privou os judeus de t~do~ os s.eus dir~itos de
Os judeus - sendo vistos como culpados pela morte de cidadãos. Depois, obrigou todas as famílias judaicas a VIverem
Cristo e, portanto, merecedores do castigo divino - eram barra- em guetos, de onde eram proibidos sair. Mas só isto não b~sta.va.
dos das profissões respeitáveis e tolerados somente naquelas des- O que ele queria mesmo era urna "Solução Final": o all1qUlI~-
providas de status. Desde a era romana, muitos judeus tinham
sido mercadores, uma ocupação menosprezada nas sociedades ... mento de todos os judeus europeus. Então ele passou a d~porta-
los para campos de concentração, onde eles eram assassmad~s
agrícolas. Quando, porém; as Cruzadas abriram novas rotas de em câmaras de gás e seus corpos queimados em fornos cremato-
comércio por toda a Europa e as atividades comerciais adquiriram rios. Em 1945, quando terminou a guerra, um terço do povo
prestígio, muitos cristãos se apressaram a entrar no ramo e os
judeu tinha sido destruíd~. ,_ ,
judeus foram forçados a sair. Nesse mesmo período, a crescente O mundo mudou muito desde aquela epoca, nao so em ter-
hostilidade popular levou a novas leis que proibiam os judeus de mos de desenvolvimento tecnológico e científico, como também
possuírem terra. As guildas de artesãos, que estavam sendo então na atitude dos cristãos em relação aos judeus. O Segundo Con-
organizadas, só admitiam cristãos. Assim, o único meio de vida cílio Vaticano, em 1965, alterou fundamentalmente os ensina-
que restou aos judeus era o empréstimo de dinheiro a juros - a mentos da Igreja nesta área. Os bispos da Igreja Católica Romana
usura, como era então chamada -, atividade proibida aos cristãos repudiaram a acusação de deicídio contra os judeu~ e c~:m?e.na-
pela Igreja. Ao realizarem operações de empréstimo, os judeus ram formalmente o anti-semitismo. Sua dec1araçao histórica,
enriqueceram e se tomaram ainda 'mais malvistos. Devido à "NostraAetate" ("Em Nossos Tempos"), afirmou que a morte de
escassez de dinheiro, às incertezas inerentes à agricultura e aos Jesus "não pode ser indistintamente imputada a todos os judeus
grandes riscos do comércio internacional, as taxas de juros eram que então viviam, nem aos judeus de hoje. A Ig~eja (.:.) deJ?I.o~a
forçosamente altas, resultando na acusação de que os judeus eram os ódios, as perseguições, as manifestações anti-serrutas dIn~!-
exploradores que "sugavam o sangue cristão". das contra os judeus em qualquer época e por qua.lquer pessoa .
O ressentimento religioso e econômico contra os judeus foi Desde o Segundo Concílio Vaticano, as barreiras de descon-
acompanhado de sua exclusão social. À medida que as tensões fiança mútua foram gradati vamente se dis.s?l vendo. De 1965 até
aumentaram, os judeus foram sendo confinados em guetos. Por hoje, estabeleceram-se mais contatos POSItiVOSdo que em todos
volta do ano 1200, a Igreja adotou normas oficiais de segregação, os 1900 anos anteriores. Estereótipos negativos estão sendo apa-
criando "ruas de judeus" e "bairros judaicos", ao mesmo tempo gados. Referências antijudaicas estão sendo retir~das ~os livr~s
em que obrigava os judeus a se identificarem no modo de vestir, didáticos católicos e trechos com implicações anu-sermtas estao
por meio do uso de um chapéu pontudo, vermelho ou amarelo, ou
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sendo removidos da liturgia. Os preconceitos do passado estão


sendo expurgados dos currículos de seminários. Toda uma gera-
ção de jovens está crescendo sem ter sido exposta ao ódio que
anteriormente envenenava as relações judaico-cristãs.
No Brasil, em 1981, foi criada a Comissão Nacional de Diá-
logo Religioso Católico-Judaico, sob os auspícios da Conferên-
cia Nacional dos Bispos do Brasil. Lado a lado com os católicos,
nós judeus procuramos combater o anti-semitismo num contex-
to maior, lutando contra toda espécie de descriminação e defen-
dendo toda causa que promova igualdade e a justiça social.
Nossa solidariedade para com outras minorias gera a solidarie- j
dade da maioria. Nossa preocupação com os direitos das massas
desprivilegiadas gera respeito pelos nossos direitos como
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judeus.
Existe hoje, pelo menos entre as alas moderadas de diversas
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religiões, a busca de compreensão mútua e a disposição de dia-
logar. Mesmo assim, o preconceito ainda existe. No fundo, a raiz j
da intolerância religiosa, tanto nos tempos antigos como em nos-
sos dias, é uma só: a aversão àqueles que são "diferentes". É 1
lamentável que, no decorrer dos séculos, em tantas mentes, o lin- 1
do verso de Vinícius de Moraes tenha sofrido uma mutação pato-
lógica: "Se todos fossem iguais a mim, que maravilha viver!" j

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