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REDE-A: vol.3, nº2, jul.-dez. 2013.

História e historiografia do anarquismo italiano:


das origens até 1907.

ROMANI, Carlo
caromani@ig.com.br

Abstract: Resumo:
This conference would like to introduce Esta conferência pretende introduzir o leitor
Brazilian readers into the first Italian brasileiro na história inicial do anarquismo
anarchism history, until year 1907, and to italiano, até o ano de 1907, e analisar a
analyze the historical production writing in produção histórica escrita sobre o anarquismo
Italy about anarchism, a production have been na Itália que vem sendo feita desde o fim da
done since the end of 1960 years until the década de 1960 até o início do século XXI.
beginning of XXI century. About that, we want Com isso quer se discutir o problema
to discuss the historiographical problem historiográfico que envolve a história do
around the history of Italian anarchism, the anarquismo italiano, a questão da diferença
question of the difference between the militant entre a produção militante e a do profissional
and the professional production, the first da história, a primeira historiografia sobre o
historiography produced by Marxists anarquismo italiano feita por historiadores
historians, and the specificity of Italian marxistas, e a especificidade do anarquismo
anarchism, marked by the great emigration of italiano, marcado pela enorme emigração de
his proletariat and the by the political seu proletariado e pela perseguição política dos
persecution of anarchists and socialists ativistas anarquistas e socialistas.
activists.
Key words: Italian anarchism, history of Palavras chave: anarquismo italiano,
anarchism, Italian immigration. história do anarquismo, imigração italiana.

Proponho nesta conversação partir de dois problemas historiográficos que atingiram


a produção histórica sobre o anarquismo italiano até pelo menos o final da década 1960. Esse
seria o primeiro ponto que eu gostaria de colocar em discussão, já que estamos em um grupo
de pesquisa em História e falamos a partir do olhar do historiador.

Pretendo, também, traçar a história do anarquismo na Itália até mais ou menos o ano
de 1907, não pretendo passar disso; o porquê desse recorte até os primeiros anos do século
XX vai ficar mais claro ao longo da minha exposição.

Primeiro, eu gostaria de discutir uma questão historiográfica que envolve o


anarquismo italiano. Há um problema historiográfico na Itália no que se refere à escrita da
história do anarquismo, pois até a década de 1960 não tinha sido publicado ainda nada sobre
esse assunto numa perspectiva acadêmica, não somente militante da história.
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Eu indiquei ao grupo para acompanhar esta fala dois textos em inglês. Um publicado
pela Adriana Dadà, docente de História na Universidade de Florença, que escreveu um livro
de referência na Itália sobre o anarquismo e a questão da organização (Dadà, 1984). O texto
de Adriana Dadà aqui apresentado faz parte de uma coletânea sobre a República italiana e foi
publicado originalmente em língua italiana (Dadà, 1982). A versão em inglês que se encontra
disponível online foi publicada pela Federação Anarquista Comunista Italiana, federação à
qual a historiadora esteve associada (Dadà, 2005).

O outro texto indicado, de Davide Turcato, este mais recente, de 2007, eu acho muito
bom, tanto como balanço historiográfico quanto pela sua interpretação sobre o anarquismo
italiano (Turcato, ago.2007, p.407-444). Ele vai analisar outro problema historiográfico, que é
o da vitalidade do anarquismo italiano que, ao contrário do anarquismo espanhol, do
português e do francês, não residia predominantemente na Itália, ele residia no exterior, na
diáspora italiana. Daí seu entendimento do movimento anarquista italiano em função dessa
relação direta com a emigração italiana. Cerca de 25% da população italiana emigra em 40
anos entre as décadas de 1880 e 1910.

Só encontrei esses dois textos em inglês, disponíveis online, para indicar como leitura
específica sobre o anarquismo na Itália1; têm vários outros textos em língua italiana, mas em
português não encontrei absolutamente mais nada, somente o livro geral de Georges
Woodcock em que há uma referência ao movimento anarquista na Itália (Woodcock, 2002,
p.148-179).

Os que temos sobre o anarquismo italiano em língua portuguesa são essas 40 páginas,
escritas em 1962 por Woodcock, cuja escrita me parece ser bem debochada para com o
movimento. Eu reli recentemente o texto. Na primeira vez que o li, muitos anos atrás, dei
valor ao trabalho de Woodcock como escritor, mas em linhas gerais sua posição é bastante
depreciativa em relação ao anarquismo como movimento político organizado2. Realmente ele
tem um tom muito parecido com o dado por Hobsbawm aos anarquistas em Rebeldes
Primitivos (Hobsbawm, 1978).3

1 Em língua inglesa foi publicado especificamente sobre o anarquismo italiano em 1993 o livro de Nunzio
Pernicone, recentemente reeditado (Pernicone, 2009). Há também a coletânea sobre Malatesta editada por
Vernon Richards, mas faz parte dos trabalhos com base na memória de que falaremos adiante (Richards, 1965)
2 A ausência de obras, tanto gerais quanto específicas, sobre o anarquismo mundial publicadas em português, fez
com que durante muito tempo Georges Woodcock fosse para muitos jovens brasileiros curiosos sobre o tema a
porta de entrada para uma leitura geral sobre a história do anarquismo.
3 Apesar de Hobsbawm flertar com as formas primitivas de rebelião, até admirá-las, a ortodoxia evolutiva
marxista à qual esteve inicialmente ligado não lhe permitiu considerá-las sem essa mediação dentro de uma
suposta evolução das lutas políticas. Entre eles, os anarquistas seriam rebeldes que fariam parte daquele estágio
do capitalismo no qual a contradição existente entre as forças produtivas ainda seria insuficiente para a tomada
da consciência de classe proletária, ou seja para a deflagração de um processo histórico encabeçado por uma
direção política revolucionária rumo ao socialismo. Por isso a definição do movimento anarquista como
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Ao refazer esse breve percurso bibliográfico eu percebi que quando publiquei o livro
sobre Oreste Ristori, a primeira parte de sua biografia, aquela que trata da trajetória dele na
Itália desde o nascimento até 1901 - depois ele emigra para Argentina em 1902 - essas 50 ou
60 páginas publicadas por mim são praticamente as únicas em português que tratam
diretamente do anarquismo na Itália no século XIX (Romani, 2002)4.

Penso até, ao término desta fala, escrever um breve apanhado sobre a história do
anarquismo na Itália, um projeto sobre o debate historiográfico em torno do anarquismo
italiano, só para termos um material de divulgação sobre esse assunto em língua portuguesa.
Outros colegas que trabalharam o anarquismo na Itália, o fizeram na perspectiva do
anarquismo no Brasil, da imigração italiana, da influência do anarquismo italiano ou do
movimento operário anarquista de origem italiana no Brasil, mas nunca se debruçaram
efetivamente sobre o anarquismo dento da Itália5.

E, na medida em que o Brasil pretende começar a se tornar um centro acadêmico


mundialmente importante, terá de começar a pensar também em escrever a história, a partir da
lógica brasileira, sobre os outros países. Isso nós ainda não temos, estamos a caminho.

Se você faz uma graduação na França, ou na Inglaterra, por exemplo, quando se estuda
qualquer assunto, como a história da China, do México ou de Angola, é na língua local em
que você lê, é o texto de um autor local, ou de um autor radicado naquele país. Você não
receberá como leitura, pelo menos na graduação, uma literatura estrangeira, porque existe um
estudioso lá que já pesquisou sobre aquele assunto. Nós, salvo raras exceções, ainda não
temos isto por aqui.

Ainda somos muito regionalistas e quando vamos aos locais mais distantes dos centros
hegemônicos, o regionalismo impera, pois praticamente somente se pesquisa a história
regional. Nem o regional em relação ao nacional, muitas vezes, encontramos como objeto de
pesquisa. A título de exemplo, no Ceará, um tema de importância nacional como a imensa
migração de trabalhadores para o sul e sudeste, quase não é pesquisada. O fenômeno da
migração cearense para o trabalho nas fábricas do ABC que construiu a base operária para o
surgimento e crescimento do Partido dos Trabalhadores, assunto que levou o documentarista

milenarista e sua colocação junto aos chamados rebeldes primitivos. Para o autor, o anarquismo seria uma forma
de rebeldia fora do tempo, desconectada com a modernidade, pertencente ao campo pré-político.
4 Oreste Ristori, que chegou ao Brasil em 1904, constituiu-se anarquista desde jovem na Itália, no contato com
os anarquistas toscanos nas praças e nos bares e na circulação junto ao meio anarquista nacional proporcionada
pelo seu périplo pelas prisões do país.
5 Entre os historiadores que trataram de algum modo o anarquismo na Itália em língua portuguesa, indico
(Maran, 1979; Rodrigues, 1984; Toledo, 2004; Biondi, 2006).
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Eduardo Coutinho a Várzea Alegre, no interior do Ceará, os próprios pesquisadores cearenses


ainda não se dispuseram a estudar (Peões, 2004)6.

Mas não é um problema apenas do norte-nordeste, ou dos centros, digamos, mais


periféricos da produção historiográfica nacional. Mesmo no sudeste, onde estão os grandes
centros difusores do pensamento nacional, e em todo o Brasil, também é realizada essa prática
regionalista. A diferença é que na produção do sudeste, autocêntrica, é do Brasil como um
todo que se trata, principalmente dos períodos de colônia e de império, ainda hoje os mais
importantes e que concentram o maior número de pesquisadores e professores. Ainda não
temos essa capacidade e vontade para pesquisar, pensar e discutir a história de outros países
parece que ainda devemos nos concentrar em fazer uma história nacional - que, de fato, ainda
falta ser feita.

Portanto, ao tentar preencher esse espaço inexistente no Brasil sobre essa história
particular da Itália, ao analisar e refletir um pouco sobre a questão do anarquismo italiano, me
deparei inicialmente com o trabalho do professor Gino Cerrito, que também foi o orientador
da Adriana Dadà . Cerrito é o primeiro a tratar da questão do anarquismo italiano como um
problema historiográfico (Cerrito, 1968, p.109-138). Em seu texto publicado em 1968, Cerrito
aponta apenas dois historiadores que até aquele momento haviam se debruçado sobre o
anarquismo na Itália.

O primeiro fora o historiador Enzo Santarelli, um marxista ligado ao Partido


Comunista Italiano, à época em que escreveu (a primeira edição de seu texto é de 1959; o
texto foi republicado em francês em 1973, quando sofreu bastantes modificações), mas que
também é um historiador que escreve um pouco sobre toda a Itália contemporânea (Santarelli,
1959; 1973). O seu texto falava também sobre o socialismo anárquico na Itália até então.
Quem também comenta sua posição é Carl Levy, pesquisador do anarquismo italiano, dizendo
que Santarelli, na versão reeditada de 1973, expurga vários preconceitos stalinistas anteriores
e sob o efeito do pós-68 começa a refletir de uma forma diferente sobre o problema da
organização dentro do anarquismo (Levy, 1989, p.25-78). É esse o ponto de inflexão no
anarquismo italiano, a questão da organização a que nós vamos chegar, pois não posso ir além
do ano de 1907 quando ela ganha forma no debate com o sindicalismo.

Então, o que o Cerrito vai fazer em seu trabalho? Ele vai identificar o problema do
estudo do anarquismo na Itália dizendo que o que existia eram basicamente biografias,
apologéticas, cronicas e relatos de memória de seus maiores expoentes (Cerrito, 1968, p.112).
Relatos de famílias de anarquistas e de outros anarquistas clássicos como o de Luigi Fabri,

6 Falamos da abertura do filme Peões, de Eduardo Coutinho, sobre a trajetória sindical de Lula, em que o diretor
vai a esse município cearense de onde migraram vários companheiros do ex-presidente que viveram os
momentos históricos das greves do ABC paulista ao final dos anos 70. Coutinho inicia seu filme dessa forma
porque quer marcar a relação intrínseca que existe entre a migração de trabalhadores nordestinos com o
desenvolvimento do novo sindicalismo de luta brasileiro na década de 1980. Essa relação foi trabalhada pela
historiografia produzida no sudeste do país, mas não pela região de emissão dos migrantes.
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que escreve sobre Malatesta (Fabbri, 1949), ou de Ugo Fedeli que escreve sobre Gigi Damiani
e Luigi Galleani (Fedeli, 1954; 1956). Ugo Fedeli é um historiador e arquivista, uma espécie
de Edgard Leuenroth do anarquismo italiano, cujo arquivo particular foi parar em Amsterdam
no IISG (Instituto Internacional de História Social), que é o maior centro documental para a
história do movimento operário do mundo inteiro (Fedeli, 1960).

Os trabalhos gerais existentes que relacionam o socialismo ao movimento operário


quando tratam do anarquismo são carregados de preconceito. Por exemplo, quando lemos os
outros livros de Hobsbawm sobre a história do movimento operário, ele é bastante consistente
quando escreve sobre o sindicalismo na Itália (Hosbawm, 2000). Em seu Mundos do
Trabalho, por exemplo, Hobsbawm fala do movimento operário, das facções dentro do
sindicalismo, mas ainda assim, a visão que o autor tem em relação ao sindicalismo anarquista
é a mesma visão colocada em Rebeldes Primitivos na qual o anarquismo está presente numa
categoria pré-política das rebeliões primitivas. Por exemplo, no sul da Itália, onde existiu o
fenômeno do brigantaggio, a luta dos brigantes7. Hobsbawm faz referência a outros estudos
seus para avaliar que o anarquismo italiano foi mais forte no sul 8, justamente porque herda
esse princípio da insubordinação, da marginalidade, do ataque, da justiça social praticada com
as próprias mãos (Hobsbawm, 2010).

Quando Hobsbawm fala sobre a construção do movimento operário de modo geral, diz
que naturalmente a tendência dessas categorias mais auto-organizativas - espontaneístas é o
termo que ele usa - em um momento inicial do sindicalismo, é a de evoluírem em direção a
uma maior organização, mais sólida, principalmente para o Partido Socialista Italiano a partir
da década de 1890. Essa é um pouco a tese dele, que ignora muito o comunismo anárquico de
Malatesta, como não sendo algo muito relevante para a construção do movimento operário
italiano.

Quem vai falar melhor sobre essa concepção é o próprio Santarelli, quando escreve
sobre o socialismo anarquista na Itália. A sua tese é a de que o anarquismo na Itália não teve
continuidade porque a vertente que se propôs a fazer uma fusão do anarquismo com o
socialismo, que são os malatestianos através de um Partido da Anarquia não tinham como
competir com um mecanismo muito mais estruturado e organizado em termos de partido,
como era o Partido Socialista Italiano e, portanto estavam fadados à extinção, ou seja, seriam
anacrônicos.

7 Brigantaggio é o nome do movimento dos brigantes que se desenvolveu entre a Campânia e a Calábria logo
apos a unificação. São grupos de habitantes locais, alguns potentados excluídos da nova ordem, instalados nas
montanhas do Appennino meridional que se insurgem contra a centralização do poder pela monarquia da Itália
recém-unificada pela casa de Savoia, do reino do Piemonte, no norte. Agem na marginalidade atacando viajantes
nas estradas, o trânsito de autoridades, de empreendedores e de todos os funcionários (de escola, dos correios,
de saúde, etc) que identificam de alguma forma com o nascente Estado nacional unificado que seria um invasor.
8 O principal nome do anarquismo italiano, Errico Malatesta é natural de Nápoles.
7
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Em 1919 vai aparecer o que seria o embrião do futuro Partido Comunista Italiano, com
novos nomes como o de Gramsci, Bordiga e dos dissidentes do Partido Socialista. Mas, a
partir de 1922 e principalmente a partir de 1926, há outro problema na Itália, quando há um
corte na construção do movimento operário e socialista como um todo. Em 1926 acontece o
endurecimento do regime fascista, o que corresponderia ao AI-5 no Brasil, quando muitos
comunistas, anarquistas e socialistas são presos, outros fogem e não há mais espaço possível
para a resistência política, que só voltará a aparecer em fins de 1942 com o início das
deserções para as montanhas, durante a Segunda Guerra Mundial, e o surgimento do
movimento dos partigiani9.

A história do movimento anarquista italiano de certa forma tem um corte antecipado,


que se dá já em 1922. Na Espanha esse corte se deu entre 1936-39 durante a guerra civil; em
Portugal, com Salazar, em 1930; no Brasil, o anarquismo vai perdurar até pelo menos 1933-
34 e será perseguido a partir daí intransigentemente pela polícia de Vargas.

Cerrito em seu texto de 1969, nos vai mostrar que a história do anarquismo na Itália
não foi contada por anarquistas ou historiadores anarquistas. Não havia historiadores que
tivessem se debruçado sobre o tema e os que se debruçaram, aqueles que trabalharam um
pouco com o anarquismo, provinham da escola marxista, o que deveria ser motivo de
preocupação segundo o socialista italiano histórico Gaetano Salvemini que disse: “se os
anarquistas não tiverem cuidado, serão seus inimigos que lhes contarão a história” (Levy,
1989, p.25). Contudo, inimigos entendidos como inimigos do próprio arco político das
esquerdas.

Fora isso, o que se tem são relatos de memória e o arquivo de Ugo Fedeli, um grande
arquivista que guardava toda a documentação, que durante a II Guerra foi levada para
Amsterdam cujo arquivo recebeu a documentação de diversos centros de arquivos e,
inclusive, possui material sobre o anarquismo no Brasil de antes de 1945, como
correspondências originais trocadas entre militantes de diferentes países. E isso é algo que
Turcato vai desenvolver, sobre o internacionalismo anarquista. Cerrito nos coloca, então,
como problema historiográfico, que a história do anarquismo italiano, pelo menos até o
começo da década de 1970, ainda não fora escrita.

Já o que Santarelli escreveu em 1959, tem a ver com o fato de o autor não conseguir
compreender a especificidade do anarquismo, a sua força e vitalidade. O autor também não
conseguia encontrar nele um modelo de organização, uma continuidade de nomes de
dirigentes, de nomes de periódicos, que foram intermitentes. O autor vai apontar para isso
como sendo uma fragilidade interna: uma falta de força e capacidade organizativa, portanto
um movimento a ser relegado a uma categoria menor do ponto de vista da teoria marxista, um

9 Os partigiani são os combatentes da resistência italiana à ocupação nazi-fascista, principalmente após a queda
de Mussolini em agosto de 1943. Sobre a resistência de anarquistas nesse movimento indicamos a leitura em
português de (Sacchetti, 2010).
8
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movimento incapaz de promover a revolução em uma sociedade moderna, industrial, que


demanda uma organização mais completa, etc.

Então, o que tínhamos sobre o anarquismo na Itália? Tínhamos um monte de relatos


pessoais, de memórias contadas, de pequenas biografias, de ensaios, mas não havia ainda uma
história sistematizada. Éramos obrigados a recorrer ao Santarelli e ao Woodcock para
obtermos uma reflexão dos processos históricos sobre o anarquismo italiano. Faltava uma
visão histórica feita por um historiador com a capacidade de sistematizar cronologia, prática,
teoria e ação e que produzisse uma história do anarquismo.

Quem assumirá essa tarefa será Pier Carlo Masini, professor da Universidade de
Milão, que escreveu dois volumes sobre a história do anarquismo italiano (Masini, 1973;
1982). Mesmo assim, ele não conseguiu encerrar toda a história do anarquismo, que foi
interrompida em seus volumes aproximadamente em 1927.

Outro professor, que a meu ver é o grande nome da atualidade na história social
italiana, que estuda especificamente os sindicatos e o sindicalismo, é Maurizio Antonioli, que
tem uma vasta produção, tem mais de 15 livros publicados e que vai se unir a Masini em 1999
para concluir o último volume da história do anarquismo: o volume abarca desde a Primeira
Guerra até a década de 1960 (Masini, Antonioli, 1999).

Então, Masini foi o primeiro a assumir a tarefa de escrever a história do anarquismo na


Itália, comprometido a tentar entender o movimento e se posicionar positivamente sobre o
anarquismo.

O problema apontado por Cerrito vai começar a ser resolvido somente na década de
1970 por Masini. Depois teremos a Adriana Dadà, que em 1984 vai publicar a história do
movimento anarquista na Itália a partir de uma perspectiva comunista-anárquica, ela é
relativamente preconceituosa com as tendências individualistas e não organizativas, que por
questões históricas eram muito fortes e presentes. E logo em seguida a história do anarquismo
de Giampiero Berti, da Universidade de Padova, o nome mais influente do anarquismo
italiano dentro da Academia, que se posiciona no campo oposto ao de Dadá, na perspectiva de
entender os anarquismos em sua pluralidade (Berti, 1998).

A partir desse ponto, nas décadas de 1980 a 1990, começarão a surgir diversos
trabalhos mais específicos, como: anarquismos regionais, o anarquismo na resistência
antifascista, o anarquismo e movimento operário, mulheres anarquistas, etc.

O segundo problema a ser enfrentado seria o de analisar o que esses historiadores não
libertários, historiadores marxistas perceberam basicamente como sendo a fragilidade do
anarquismo italiano.

9
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Quando começamos a estudar o anarquismo na Itália percebemos que existem muitos


altos e baixos no movimento, em um sentido cronológico, influenciados por uma forte
repressão externa, desencadeada não somente contra o movimento anarquista mas contra
todos aqueles que tivessem ideias revolucionárias no XIX. Pois, a ideia de federações
anarquistas, de grupos declaradamente anarquistas só começa a surgir em meados da década
de 1880, até então, não se encontrava nos grupos locais sua associação efetiva à palavra
anarquismo, anarquista, apesar de que enquanto militantes se declaravam assim.

Os historiadores começaram a identificar isso como uma descontinuidade, para quem


não conhece a forma de organização inicial anarquista o movimento é aparentemente invisível
até a metade dos anos 1880, pois está diluído no que sobrou das antigas seções locais e
regionais dos trabalhadores10. Mas, esse movimento sindicalista é somente visível para essa
historiografia marxista como um movimento social não socialista de trabalhadores, com
componentes muito pouco próximos ao pensamento revolucionário de Marx dentro das
sessões da Internacional. Santarelli entendeu isso como um ponto de fragilidade da
organização dos operários e trabalhadores italianos.

As sessões da Internacional na Itália desde 1868, particularmente, se aproximaram


muito mais das propostas coletivistas bakuninistas do que da vertente do comitê central
liderado teoricamente por Marx. Em 1872, quando houve a cisão - o rompimento que encerra
a Primeira AIT - a maioria das sessões italianas não seguiu o caminho do comitê central, elas
aderiram à Federação do Jura e depois à Internacional fundada em Saint-Imier que dá
continuidade ao internacionalismo operário até o ano de 1878. Cerca de 90% das sessões
italianas seguiram esse mesmo caminho sindical, do mundo mediterrâneo e eslavo, apenas
alguns centros do norte da Itália não realizaram esse caminho e migraram para as posições
socialistas que levariam à criação do Partido Socialista11.

Ocorre que os historiadores que se debruçaram sobre a gênese do movimento


anarquista, somente conseguiram localizar efetivamente a presença do nome anarquismo a

10 Na Itália, durante o início da década de 1870 proliferaram muitas seções regionais e locais da Associação
Internacional dos Trabalhadores, a AIT. O esmagamento da Comuna de Paris em 1871 e a perseguição em
seguida aos internacionalistas atingiram não somente a França, mas espalhou-se por toda a Europa,
principalmente na Suíça e Itália. Da repressão aos comunnards (participantes da Comuna de Paris) e aos
internacionalistas forma-se uma primeira articulação conjunta entre as polícias de diversos países europeus.
Notadamente empenhadas em perseguir e derrotar a rede de ativistas e de sindicalistas que havia sido formada
nessa década. O italiano Amilcare Cipriani, por exemplo, que havia sido também um comunnard foi desterrado
para a Nova Caledônia em comum acordo com o Estado italiano que recusou sua deportação.
11 O movimento sindical na década de 1880 foi fortemente abalado pela perseguição ocorrida aos
internacionalistas na década anterior. Muitos trabalhadores e suas organizações, principalmente nos centros
operários mais desenvolvidos no norte-nordeste da Europa, optaram por seguir um caminho de luta parlamentar
institucional. Essa política levou à fundação dos Partidos Socialistas (democráticos) nos países europeus e ao
surgimento em 1889-90 da chamada II Internacional dos Trabalhadores, articulada em torno do parlamentarismo
socialista, estratégia que se afasta do pensamento revolucionário marxista e opta pela política da luta pelos
direitos constitucionais dos trabalhadores.
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partir da segunda metade da década de 1880, quando há uma retomada da movimentação e da


organização dos trabalhadores após uma forte repressão desencadeada no final da década
anterior no sentido de combater efetivamente todas as sessões da Primeira Internacional.

O que tivemos foram momentos mais combativos dos movimentos de organização de


trabalhadores na Itália durante a década de 1870. A partir da segunda metade da década de
1870, temos um declínio acentuado. Em 1878 foram promulgadas pela primeira vez leis que
foram de chamadas leis contra as “associações para delinquência”, uma forma legal de punir
os membros da Internacional, que foram colocados na categoria de bandidos, de delinquentes,
malfeitores12.

Entre 1878 e 1885, houve uma varrida muito grande contra os trabalhadores
envolvidos em organizar sindicalmente seus companheiros, acontecendo a primeira diáspora
desses militantes italianos para outros países da Europa que ainda eram mais flexíveis como a
Suíça, a França e a Alemanha. E começa também a emigração de italianos para os EUA e
depois para a Argentina. Malatesta, por exemplo, em 1885 vai para a Argentina e vai procurar
ouro na Patagônia como forma de financiar a luta revolucionária socialista, antiparlamentar.
Esses militantes emigrantes saídos da Itália ainda não se declaravam anarquistas, mas em
grande parte seguidores das ideias de Bakunin. Malatesta somente vai enunciar um projeto
socialista e anarquista de libertação social em Buenos Aires com a publicação de seu
periódico La Questione Sociale em meados de 1885.

A partir de 1886, há uma organização efetiva do movimento anarquista italiano até


mais ou menos o ano de 1893. Em 1893, no ápice do novo movimento de organização dos
trabalhadores, começam a eclodir processos de convulsão social como os fasci operários na
Sicília em novembro e dezembro.

Na realidade, os fasci, que hoje vinculamos ao fascismo, tiveram justamente sua


origem nesses grupos de anarquistas federados em suas cidades (Palermo, Catânia) operantes
na Itália meridional. O fasci corresponderia hoje a uma espécie de bonde de pessoas que irá
promover um arrastão, um tumulto. Essa tática de luta dos trabalhadores sicilianos depois será
usada pelas esquadras fascistas adeptas de Mussolini a partir de 1919 para atacar seus
opositores.

Em 1894, o movimento dos fasci operários sicilianos assumiu outra proporção e


atingiu os trabalhadores anarquistas federados da Lunigiana na Toscana, região das
marmorarias de Carrara, onde vão acontecer os grandes motins que se propagaram por toda a

12 Vemos que o enquadramento de militantes anarquistas ou de revolucionários de qualquer tipologia na


categoria de delinquentes tem uma longa história que continua até o presente. Com pequenas modificações de
nomes, malfeitores na Itália, delinquentes, terroristas, subversivos em períodos de anticomunismo, até
chegarmos aos vândalos na mídia atual. As atuais leis antiterrorismo são apenas uma versão repaginada das
primeiras leis contra a associação de delinquentes como resultado da organização dos trabalhadores durante a
Primeira Internacional.
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península. E temos em seguida outro ciclo forte de repressão dentro do governo do primeiro
ministro Francesco Crispi, que novamente vai criminalizar a associação anarquista como
associação de delinquentes13.

Em 1898, teremos um último grande motim na Itália desse século, que aconteceu em
maio em Milão, onde o general Bava-Beccaris - sob a ordem de Umberto I - mandou atirar na
multidão, matando cerca de 400 pessoas entre homens, mulheres e crianças, que estavam atrás
das barricadas14. A vingança será o motivo reclamado por Gaetano Bresci para fazer o
atentado que vai matar o rei Umberto I dois anos depois.

O movimento socialista dos trabalhadores na Itália, inicialmente fortemente


influenciado pelos bakuninistas que vão assumir o caráter anarquista na metade da década de
1880, é muito intermitente, não conseguimos perceber uma linha de continuidade ascendente.
O movimento também sofre com a concorrência dos socialistas parlamentaristas, do Partido
Socialista Italiano criado em 1890.

O estudo sobre o anarquismo italiano para ser bem realizado implica, em primeiro
lugar entender a especificidade de sua organização, de um movimento que não tem um
partido, uma estrutura centralizada, que, portanto, sofre rapidamente com a uma possível
repressão colocada em curso, mas que, ao mesmo tempo, pode se reorganizar quatro ou cinco
anos depois, justamente por ser flexível, não ter essa estrutura rigidamente organizada.

Esse é um problema historiográfico, do anarquismo como um todo e particularmente


do anarquismo italiano. A Itália é uma península dividida economicamente e culturalmente
desde o centro em direção ao norte, que tem uma população de origem germânica. O norte
tem um perfil capitalista bastante avançado, onde a Igreja não tem uma participação junto ao
latifúndio, aos velhos sistemas agrários do sul. As cidades de Milão, Turim, Bolonha, já eram
centros industriais importantes nas últimas décadas do XIX, de grande destaque no cenário
europeu.

Desde a década de 1870, todo o norte da Itália já está integrado por linhas férreas ao
resto da Europa. Há uma ponte comercial que liga Turim a Lyon, um importante eixo de
comunicação que vem desde a época da rota da seda, ainda no século XV, da transferência de
mercadorias de Florença para os centros têxteis que existiam em Lyon. Portanto, o centro-
norte da Itália é efetivamente integrado a uma Europa que tem um forte dinamismo
econômico capitalista, que o centro-sul não tem.

13 Como resultado dessa nova onda de repressão aos trabalhadores, principalmente aos anarquistas, será
reativado o regime do domicílio coatto, no qual o prisioneiro é confinado em uma ilha ao largo da península.
Oreste Ristori, que citamos acima, por exemplo, passará por quase todas as ilhas de confinamento na Itália
(Tremiti, Ponza, Ustica Favignana, Port'Ercole), fator que longe de desarticular o anarquismo, como pensava o
governo, permitiu aos anarquistas de diversas regiões da Itália se conhecerem mutuamente como se estivessem
vivendo em um congresso permanente, fortalecendo, paradoxalmente, o movimento.
14 Sobre os motins de maio há o excelente estudo de Louise Tilly em língua inglesa (Tilly, 1992).
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ROMANI, Carlo. História e historiografia do anarquismo italiano...
REDE-A: vol.3, nº2, jul.-dez. 2013.

Estão aí, as raízes dos problemas contemporâneos da Itália, da cisão dela em duas, do
surgimento do “populismo” de Berlusconi, da tentativa de separação promovida pela Lega
Norte, de uma Itália capitalista e uma Itália economicamente mais atrasada, ainda ligada aos
valores morais da Igreja católica, o centro-sul onde justamente o fascismo se estabeleceu.

A Itália não é como a França, país que faz efetivamente a ponte entre o mundo
germânico e o mundo latino na Europa. Por isso que a França possui sua grandeza cultural no
elemento de união entre duas culturas distintas. Já a Itália a tem em uma proporção bem
menor e apenas em parte dela, a setentrional, cuja região tem um perfil importante dentro da
dinâmica do capitalismo europeu a partir da segunda metade do século XIX, tanto que o
Risorgimento, ou seja, o movimento de unificação da Itália, parte da região mais próxima da
França, do Piemonte, de Turim, local onde será a futura sede da fábrica nacional de
automóveis, a FIAT, financiada pelo Estado.

Voltando ao desenvolvimento do anarquismo na Itália, Turcato comenta que é preciso


entender essa especificidade de um movimento que é mais flexível, não centralizado e
bastante personalista, no sentido diferente daquele que passa uma ideia de impessoalidade, de
que o partido é impessoal.

No movimento anarquista essa questão da impessoalidade é menos presente, o


personalismo é importante, não o personalismo no sentido de culto, embora às vezes acabe se
tornando um pouco de culto como foi o caso de Bakunin, mas o personalismo no que tange ao
carisma, à ação do individuo. O anarquismo é quase um modelo esquizofrênico, porque,
politicamente se origina na radicalização individualista do liberalismo, do desenvolvimento da
máxima potencia libertária do indivíduo, mas tem como meta social a ser perseguida a
igualdade, portanto também é coletivista ou comunista. Então, em sua origem, na primeira
metade do século XIX, os textos dos precursores do anarquismo desde William Godwin
(1985, original publicado em 1793) até Max Stirner (2004, original escrito em 1845), mas
também se faz presente ainda um pouco no primeiro Pierre Proudhon (1975, original em
1840), mantiveram um caráter individualista. Por isso pode haver uma leitura contemporânea
do anarquismo pode ser apropriada pela perspectiva libertadora de Nietzsche, no sentido da
explosão da potência do indivíduo (Passetti, 2003)15.

Contudo, para que o anarquismo possa se realizar em escala social, implica na


integração dessas potencias individuais de forma coletiva, que é a contribuição efetiva dada
por Bakunin. Então em sua realização prática precisa assumir uma característica, como não
pode ser uma característica capitalista, pois é com quem luta, tem de assumir uma
característica comunista. É nesse sentido que eu digo que o anarquismo é esquizofrênico,

15 Nos referimos ao debate contemporâneo sobre a pós-modernidade e o pós-anarquismo, ou sobre o


anarquismo pós-estruturalista, trazidos, principalmente, por Todd May (dez. 1995, p.171-186) e por Salvo
Vaccaro (2004). Ver também o dossiê Anarquia/Pós-Anarquismo publicado em Utopia (jan-jun, jul-dez.2009,
p.59-100)
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ROMANI, Carlo. História e historiografia do anarquismo italiano...
REDE-A: vol.3, nº2, jul.-dez. 2013.

porque ele só pode ser realizado no social, mas parte do inalienável domínio sobre a
individualidade, ou seja, se eu tenho uma posição contrária à do coletivo, nós iremos discutir
o tempo que for preciso enquanto não for possível o convencimento para o consenso.

Essa é a minha opinião sobre o anarquismo, que é um problema teórico e ao mesmo


tempo muito interessante e magnifico, no sentido de que busca a junção de duas situações que
aparentemente parecem antípodas, o individualismo e o socialismo.

Por isso, que há entre os anarquistas certo receio em relação à ida até as massas, a
conscientização delas, mas por outro lado, os anarquistas tem uma grande preocupação com a
educação, a pedagogia e a propaganda, a imprensa. Uma grande discussão nos jornais
anarquistas argentinos, trazida pelos imigrantes italianos do início do século XX, foi a questão
de onde se gastar o dinheiro arrecadado, se na ampliação da imprensa ou na difusão de escolas
libertárias.

A educação seria outra questão complicada dentro do anarquismo, porque, ao mesmo


tempo para poder se realizar plenamente, precisa que a modernidade se estabeleça. Portanto,
para poder ser um verdadeiro anarquista, no sentido bakuninista mais amplo do termo, eu
precisarei ter uma autodisciplina enorme, pois preciso ter controle sobre as minhas ações,
sobre os meus limites, uma vez que a liberdade bakuninista não pode ser limitada pelo outro,
uma disciplina que vai se constituir pela educação. Mas, uma educação de confronto das
diferenças, assim como o espaço do jornal que também é um espaço de confronto entre as
tendências dos redatores e colaboradores. Os jornais anarquistas não são monolíticos, algumas
vezes os embates eram simulados por pseudônimos, alguém escreve algo que é respondido
por ele mesmo através de seu pseudônimo, para estimular o debate e o convencimento se dá
através de sua capacidade retórica.

Retomando a discussão inicial, como as ideias anarquistas chegaram à Itália? No


sentido de que ainda não se tinha o conceito claro de anarquismo no movimento, mas você
tinha a prática, uma prática pouco organizada e que buscava uma ideia de organização sem
autoridade.

Chegam via Bakunin. O anarquismo na Itália começa a se desenvolver quando


Bakunin chega em Florença em 1863, onde vai criar uma sociedade secreta e depois segue
para Nápoles, local em que encontra com Malatesta que se tornará seu discípulo na irmandade
internacional fundada pelo russo.

Esse é outro ponto, por que Bakunin vai para Nápoles e não para Milão ou Turim?
Porque Bakunin tinha um principio, uma ideia que desenvolve mais claramente em sua estada
na Itália, é o que ele vai debater em 1868 dentro da AIT. Bakunin dirá que não adianta o
senhor Marx e os delegados ligados ao comitê acharem que os operários ingleses ou alemães,
ou a aristocracia operária nas fábricas, serão a linha de frente de um processo revolucionário,
porque não serão. Eles serão os primeiros a se aburguesarem, como é a tendência de todo
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ROMANI, Carlo. História e historiografia do anarquismo italiano...
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operário na medida em que ascende socialmente, como por exemplo, é o caso do operário do
ABC paulista.

Nesse sentido, somos levados a uma questão que Bakunin não tinha ainda como
analisar ou não tenha de fato analisado, pois de tudo que ele escreveu nunca se reteve nisso,
que tem a ver com o protestantismo, o metodista ou o luterano. Porque, no meu entendimento,
a cultura operária, a disciplina de fábrica, é derivada da cultura burguesa. Primeiro é preciso
ter um pensamento voltado para a igualdade política que é derivada de uma ética protestante,
no sentido de que não há ninguém na terra que se diferencie previamente, antes da nascença,
do outro, que é um pensamento contrário ao aristocrático legitimado pelo catolicismo.

Essa ética religiosa é que permitiu que o trabalho se transformasse em uma forma de
acumulação. Só em um segundo momento essa transformação promovida pelo
enriquecimento obtido pelo trabalho do burguês é que levará à divisão interna entre classes
dentro do mundo da burguesia: a de alguém que trabalha e alguém que já trabalhou e
acumulou o suficiente para fazer com que os outros trabalhem para ele, o proletário. Então a
cultura proletária é derivada da cultura burguesa.

Se analisarmos o modelo inglês, que é derivado da cultura burguesa no sentido de que


era uma cultura de origem comunal, como era na Inglaterra nos anos de 1600 e no começo
dos 1700, antes dos cercamentos e que em certa medida foi levada a se aburguesar pela
capacidade de acumulação que o trabalho propiciou, parte dela se aburguesa e parte entra em
uma situação subalterna. A função disciplinar da Igreja Metodista foi fundamental para que o
trabalhador inglês adquirisse os valores burgueses da moral e do comprometimento com o
trabalho fabril que lhe permitiram produzir poupança e tornar-se empreendedor.

Esse processo está na origem da cultura proletária; permanecer no proletariado implica


em não estar conectado aos fundamentos dos valores burgueses, por isso que na Inglaterra e
no norte da Alemanha, nos Estados luteranos, a disciplina social montada pela Igreja
reformada fez com que essa massa, sendo uma parcela significativa da população que estava
nas antigas comunas, que estava no campo, fosse adquirindo uma autodisciplina, em uma
perspectiva liberal do termo, em um primeiro momento antes de sua transformação em nova
classe.

Nesse sentido, a discussão acerca da origem do anarquismo tem que remontar a


Godwin, em seu ensaio sobre a injustiça política, que vai separar os antigos dos modernos. Os
modernos são os liberais, aqueles que querem colocar a reprodução da vida como imanente,
dentro do social, como artefato político, ou seja, as sociedades se constituem nessa luta, e os
liberais são aqueles que entendem o principio da isonomia política entre todos os indivíduos.

Stirner, aprimora essa ideia ao escrever sobre o liberalismo. Ele vai dizer que o
liberalismo levado ao extremo torna-se o comunismo, ideia na qual haveria a realização plena
dos princípios liberais, a isonomia entre todos os indivíduos. Parece uma contradição, mas
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seria a igualdade de todos perante a lei, uma lei promulgada pelo Estado, portanto perante o
Estado. O Estado comunista, um Estado a que todos os indivíduos voluntariamente cedem sua
liberdade em troca da igualdade social.

Do ponto de vista da economia, os princípios máximos dos liberais não se realizarão,


porque irá aparecer um fator de divisão de classe interno à sociedade, dentro daquela lógica
burguesa, fazendo com que alguém trabalhe para alguém que já acumulou antes. Estava posta
a divisão em classes que rompeu com a utopia liberal da igualdade política criticada por
Godwin.

Esse último grupo social formará o proletariado, que ainda se encontrava mais
próximo dos elementos da antiga comuna, mas que uma parte dele, com a disciplina das
igrejas protestantes começam a ter uma perspectiva de aburguesamento pelo caminho do
trabalho fabril. Nos locais onde não se teve esse processo de disciplina, como é o caso da
Itália meridional, extremamente ligada ao campo e aos valores transcendentes da Igreja
Católica, em que há mais o interesse da população em permanecer no seu modo de vida
original comunitário, é onde Bakunin vai falar que haveria maior possibilidade de se
encontrar uma resistência ante esse novo fenômeno que é o capitalismo, que está se
desenvolvendo no mundo inteiro, a partir da superação das lógicas agrárias anteriores e do
casamento entre a burguesia que ascendeu junto aos antigos proprietários de terra. Não serão
nesses operários da indústria em vias de se aburguesar que encontraremos essa resistência
para uma revolução, porque a tendência deles seria a de se incorporarem nessa dinâmica
maior em curso dentro do capitalismo. E é no sul da Itália, que Bakunin vai encontrar essa
vitalidade pré-capitalista.

Hobsbawm não estaria errado quando coloca que o anarquismo vai proliferar
principalmente nas regiões não industriais, onde o anarquismo é mais vital e a AIT vai
mostrar isso justamente no seguimento anarquista em suas seções, principalmente no mundo
mediterrâneo e eslavo. Hobsbawm é coerente com o seu pensamento teórico, mas foi um
pensamento ligado à ortodoxia de Marx, um pensamento “etapista”, no qual somente seria
possível uma transformação revolucionária na sociedade se ela cumprisse as etapas do
desenvolvimento econômico capitalista .

Voltando ao problema historiográfico do anarquismo italiano, tanto Cerrito, que é o


primeiro a colocar esse problema no final dos anos 1960, quanto depois, em um segundo
momento, Carl Levy, que escreve sobre a Itália e o anarquismo italiano no final dos anos
1980 e Davide Turcato, já no século XXI, farão alguns apontamentos.

Cerrito fala que as fontes da polícia são importantes, porque o movimento, mesmo
antes de ser efetivamente anarquista, já sofria continuamente com a repressão da polícia
durante três décadas, a partir de 1871, da Comuna de Paris, até 1902-03. Será extremamente
perseguido pela polícia italiana. Logo, as fontes da polícia nos permitem identificar os

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momentos em que os agentes da repressão, as chamadas “forças da ordem” tiveram um


efetivo enfrentamento contra o movimento que tentava se organizar.

As fontes da polícia começaram a ficar disponíveis justamente a partir da década de


1960, quando se organiza um grande inventário no Arquivo Central do Estado, em Roma, o
do CPC (Casellario Politico Centrale), que consegue estruturar toda a atuação da Pubblica
Sicurezza, a segurança pública italiana, desde 1880. Contêm fichários nominais, fichários das
federações, fichários de partidos, fichários relativos a jornais, entre outros, que permitem essa
reconstrução, mesmo que no século XIX ainda não existisse uma organização efetiva de
controle social na polícia italiana. Mas a partir de 1894, no governo Crispi, a Itália passa a ter
uma ação preventiva mais sistemática, algo que no Brasil só vai começar a existir em 1922,
com a criação da Delegacia Auxiliar do Rio de Janeiro que tinha a tarefa de delegacia política.
Essa política preventiva de segurança brasileira inicia-se no governo de Arthur Bernardes que
vai criar o DOPS, cujos fundos estaduais cumprem atualmente para o historiador brasileiro
guardado as devidas proporções, o papel do CPC (Romani, jul.-dez. 2011, p.161-178).

Essa política de repressão começou a ser realizada na Itália em comum acordo com a
Suíça e a França no final dos anos de 1880. Nesse sentido, os arquivos da polícia são
importantes para que se construa uma história da relação da repressão oficial com o
movimento anarquista.

Um segundo ponto inicia-se a partir da luta específica da organização do movimento e


de como ele se difunde. Como seria possível rastrear um movimento que não tem uma
organização formal? Será através da imprensa e daqueles que escrevem, dos atores sociais,
dos agentes políticos, que são os protagonistas dos periódicos. Porque, às vezes, os periódicos
mudam de nome, mas os diretores permanecem, dificilmente acontece o contrário, quando
você tem um periódico que muda de diretor.

Temos então, uma linha de identificação do periódico ao individuo que o dirige e ao


grupo de colaboradores, que eventualmente assume a direção de um periódico posterior, e ai
se dá o personalismo. Essa linha de continuidade que devemos traçar é muito intermitente,
como por exemplo, L’Agitazione, fundado por Malatesta, que começa em 1897 e acaba em
1898, e somente retorna com o mesmo nome em 1913. Mas, essa mesma tendência anarquista
publica desde 1894 L’Avvenire Sociale e a partir de 1903 vai publicar Il Libertario, cujo
diretor Pasquale Binazzi havia estado antes no periódico de Malatesta e que se reencontrarão
em 1920 em Umanità Nova. Se não prestarmos atenção em que a política de redação, os
colaboradores e o editor são os mesmos, o que representa uma continuidade, aparentemente
terão sinais de descontinuidade do movimento.

Segundo aqueles historiadores citados, a melhor forma de se fazer a história do


anarquismo seria a de confrontar as fontes oficiais, que são as fontes da polícia, com as fontes
produzidas pelos anarquistas através do que eles deixaram de legado, principalmente a
imprensa. Pois, por não ter estatutos, atas, o movimento anarquista é mais difícil de produzir
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uma história processual, diferentemente do procedimento dos partidos políticos. E do


entendimento de como se movem essas diferentes tendências em relação a como o mundo
muda, mudam também os problemas históricos sociais colocados, e nesse sentido, como as
perspectivas de transformação dos anarquistas vão mudar também.

Turcato coloca outro problema, no caso específico do anarquismo italiano, sendo


necessário para o entendimento dessa continuidade, ter um olhar não limitado, estudar não
somente a Itália. Porque o anarquismo italiano é um anarquismo que se realiza na diáspora, a
partir principalmente da repressão do governo Crispi na década de 1890.

A repressão feita a partir do final da década de 1880, através de um tipo de


confinamento de prisioneiros políticos acusados de associação à delinquência, em prisões que
não são como as convencionais, eram penhascos, ilhas, onde eram confinados os chamados
agitadores políticos, integrantes de diversos movimentos sociais. Eles permaneciam presos
durante anos, até um momento em que uma determinada mudança acontecia, um acalmar da
convulsão social que assolava periodicamente a Itália, que permitia um relaxamento da prisão
possibilitando o retorno do preso ao seu local de origem.

Muitos deles, nessas idas e vindas, como foi o caso de Oreste Ristori, de Malatesta, de
Damiani, emigraram. Damiani chegou ao Brasil em 1897, indo para Curitiba e depois vai para
São Paulo. E em São Paulo, Damiani - que é uma figura importantíssima no anarquismo
italiano - é menos conhecido do que Ristori, porque Ristori chegou ao Brasil com status de
propagandista vindo da Argentina e veio para cá publicar La Battaglia, enquanto Damiani só
será seu sucessor no periódico em 1912, depois de Ristori ser preso e se desiludir com o
movimento anarquista.

Para se reconstruir a história do movimento anarquista da Itália, devemos confrontar


os arquivos oficiais, analisar a imprensa, buscar essas linhas de continuidade que existem,
mas que não são evidentes, e procurar refletir sobre como esses elementos se articulam com
os de outros países, pois o anarquismo vai na esteira da emigração, não como um movimento
migratório exclusivamente por motivos econômicos, mas por conta de sua perseguição
política. Primeiro, buscando refúgio nos países limítrofes, particularmente no sul da França,
em Nice, em Marselha, ou na Suíça, que são os grandes centros iniciais da rearticulação do
anarquismo italiano na década de 1890 fora da Itália, e depois indo para os EUA e em seguida
para a Argentina, Uruguai e, enfim, o Brasil, em São Paulo.

O Risorgimento é o movimento que começa a partir da casa real de Turim, com o


objetivo de unificação nacional, pois já se tinha um nome nacional, mas a Itália ainda não era
unificada, o que tem a ver com a perspectiva do republicanismo jacobino que não ocorrerá.

Contudo, no começo da década de 1860, os republicanos eram muito fortes,


principalmente na pequena burguesia e em uma parcela dos trabalhadores que acreditavam em
uma transformação herdeira de certo jacobinismo arraigado na península.
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ROMANI, Carlo. História e historiografia do anarquismo italiano...
REDE-A: vol.3, nº2, jul.-dez. 2013.

Quando Bakunin chega a Nápoles em 1864, começa a se difundir no sul da Itália outro
ideal de libertação, não mais nacional. Nessa década começam a proliferar sessões da
Internacional inicialmente nas cidades de Palermo, Nápoles, Bari, Catânia, que não eram os
grandes centros operários industrializados, que ficavam na região do centro-norte do país.

Dois nomes vão aparecer como interlocutores de Bakunin nessa época e que depois
vão dar o primeiro impulso à organização do movimento anarquista no começo da década de
1870 na Itália: Carlo Cafieiro e Errico Malatesta.

Por conta da influencia bakuninista, as associações assumem de certa forma, uma


tentativa de buscar permanecer como associações secretas, porque a visibilidade facilitaria a
possibilidade de repressão ao grupo, mas que os grupos visíveis se organizariam não na forma
de ação política declarada, mas na ação de forma sindical, através das sessões da
Internacional, para burlar a repressão por parte da polícia e dos agentes militares para quem,
depois da Comuna de 1871, as sessões da Internacional foram ligadas diretamente à causa da
revolução. A partir de 1872, as sessões italianas da Internacional serão perseguidas também.

Surge na Itália então, uma vertente que vai ser muito forte, uma forma de associação
socialista e anárquica denominada de anti-organizacionista. O anti-organizacionismo vai
dominar o cenário do movimento social italiano, os grupos sociais de trabalhadores e
anarquistas na década de 1880 não ligados a uma concepção de partido tanto republicano
quanto socialista.

Mas, junto com Malatesta, outros nomes importantes do anarquismo da década de 1880, como
Andrea Costa, que depois se tornará socialista, e principalmente no final dessa década,
Francesco Saverio Merlino, vão perceber a carência, a necessidade, a falta de uma
organização dos grupos socialistas anárquicos voltados para o movimento social.

Porque a palavra de ordem de todos os grupos e movimentos na década de 1870,


inclusive dos jovens malatestianos era a “revolução social”. Havia uma ideia fortemente
influenciada por Bakunin, de que não seria necessária uma grande organização articulada em
todo o país para se empreender uma revolução social, porque a revolução aconteceria por uma
demanda, uma necessidade dos trabalhadores, uma necessidade dada veementemente por um
desequilíbrio econômico existente, pela desigualdade social, também essa a fragilidade do
capitalismo da década de 1870 na Itália. E as sessões da Internacional passaram a ser braços
dessa agitação social, de difusão da revolução social, e por isso foram perseguidas.

Em 1878, por conta dessa perseguição mais acentuada da polícia italiana, há um


desmantelamento das primeiras organizações, que só voltarão a se reorganizar a partir de
1886 na região da Toscana, mudando assim o epicentro do anarquismo italiano da região
meridional, onde ele se iniciou, para a região que em meados do século seguinte será
denominada de região vermelha da Itália, porque fortemente comunista, na Emília-Romanha,
em Bolonha, e na Toscana.
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ROMANI, Carlo. História e historiografia do anarquismo italiano...
REDE-A: vol.3, nº2, jul.-dez. 2013.

O anarquismo será inserido mais efetivamente dentro das organizações operárias no


final dos anos de 1880 e começo dos anos de 1890 quando vão aparecer federações
anarquistas como a de Livorno, Florença, Carrara, depois em Imola, em Cesena, e em várias
outras cidades.

Na década de 1890, o anarquismo na Itália começa a adquirir uma característica mais


organizada, mas muitos ainda permanecem individualistas e resistentes à organização, porque
entendem que a organização seria uma forma de centralização política e ainda tem em mente
o que acontecera anos antes na Internacional16.

Mas, foi principalmente com Malatesta e com Merlino que se começa a colocar o
outro problema do anarquismo italiano, o que diz respeito à sua organização e relação com os
sindicatos.

No início do século XX, o que está na pauta das discussões dos agrupamentos locais, o
tema central do debate no seio do anarquismo, é a questão da organização e da não
organização.

Em 1902, os organizacionistas já se tornaram ampla maioria na Itália e é nesse


momento que surgirá a liderança histórica do anarquismo italiano, como o grande nome,
aquele que vai difundir por todo o mundo a ideia de comunismo anarquista, que é Errico
Malatesta. É quem pega Kropotkin e o transforma, fazendo uma fusão entre o ideal anarquista
do voluntarismo, do princípio da não hierarquia, da ação individual, da importância das
individualidades continuarem tendo papel fundamental na construção e na organização do
social, associando isso a uma forma de luta, que é mais articulada, que tem um prenuncio não
de estrutura de partido que vai concorrer às eleições, mas em um sentido lato de um partido da
anarquia, um grupo da população que defende uma nova possibilidade de organização social
diferente da existente.

A partir de 1902, Malatesta começa a escrever com mais intensidade e um de seus


trabalhos é justamente desmontar essa tendência individualista que pretende resolver a
revolução social por si própria através da ação direta e dos atentados, combatendo a posição
dos chamados “galleanistas”.

O ano de 1907 é também um momento histórico para o anarquismo italiano em sua


relação histórica com o sindicalismo. É um ponto de virada, não só porque reafirma a
supremacia numérica da vertente organizacionista dentro do movimento, mas também porque
a partir do debate iniciado por Malatesta no Congresso de Amsterdam, anuncia-se o
predomínio na Itália da vertente anarco-comunista sobre a do sindicalismo, que passaria a se
chamar de revolucionário. É quando Malatesta rechaça a redução do anarquismo a uma

16 Nessa corrente o principal nome do chamado individualismo italiano (nome como ficou conhecida essa
corrente anarquista na história) é Luigi Galleani.
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concepção sindicalista apenas da revolução social, mas reafirma o compromisso de um


anarquismo de classe, portanto, coloca a questão classista como questão prioritária dentro do
anarquismo, apesar de entender que não é a classe operária a única protagonista da revolução,
mas que ela tem um elemento importante de contribuição. Com isso, manteve-se a
aproximação da tendência do anarquismo comunista com as ideias sindicalistas, das quais
Neno Vasco, por exemplo, foi grande disseminador no Brasil (Samis, 2009), mas nunca
confundindo-as, ou reduzindo apenas o anarquismo a uma luta revolucionária de socialistas
sindicalistas, diferenciado-o, inclusive, daquilo que na Argentina se tornaria o finalismo da
FORA (Colombo, 2004) e na Espanha o anarco-sindicalismo que gerará posteriormente a
CNT (Madrid, 2004). Para Malatesta, as classes oprimidas tem o dever e a primazia da
condução da revolução socialista anarquista, mas sua realização é uma tarefa a ser
empreendida por toda a sociedade.

A partir de 1907, o anarquismo da Itália começa a ter componentes cada vez mais
próximos do comunismo, no sentido organizativo da palavra.

Eu vou parando por aqui no momento histórico em que a questão da organização


deixou de ser um problema para o anarquismo italiano e em que ele pode também se
distanciar da relação direta com o sindicalismo, fenômeno que será muito mais forte no
anarquismo ibérico.

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ROMANI, Carlo. História e historiografia do anarquismo italiano...
REDE-A: vol.3, nº2, jul.-dez. 2013.

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