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ROMANI, Carlo
caromani@ig.com.br
Abstract: Resumo:
This conference would like to introduce Esta conferência pretende introduzir o leitor
Brazilian readers into the first Italian brasileiro na história inicial do anarquismo
anarchism history, until year 1907, and to italiano, até o ano de 1907, e analisar a
analyze the historical production writing in produção histórica escrita sobre o anarquismo
Italy about anarchism, a production have been na Itália que vem sendo feita desde o fim da
done since the end of 1960 years until the década de 1960 até o início do século XXI.
beginning of XXI century. About that, we want Com isso quer se discutir o problema
to discuss the historiographical problem historiográfico que envolve a história do
around the history of Italian anarchism, the anarquismo italiano, a questão da diferença
question of the difference between the militant entre a produção militante e a do profissional
and the professional production, the first da história, a primeira historiografia sobre o
historiography produced by Marxists anarquismo italiano feita por historiadores
historians, and the specificity of Italian marxistas, e a especificidade do anarquismo
anarchism, marked by the great emigration of italiano, marcado pela enorme emigração de
his proletariat and the by the political seu proletariado e pela perseguição política dos
persecution of anarchists and socialists ativistas anarquistas e socialistas.
activists.
Key words: Italian anarchism, history of Palavras chave: anarquismo italiano,
anarchism, Italian immigration. história do anarquismo, imigração italiana.
Pretendo, também, traçar a história do anarquismo na Itália até mais ou menos o ano
de 1907, não pretendo passar disso; o porquê desse recorte até os primeiros anos do século
XX vai ficar mais claro ao longo da minha exposição.
Eu indiquei ao grupo para acompanhar esta fala dois textos em inglês. Um publicado
pela Adriana Dadà, docente de História na Universidade de Florença, que escreveu um livro
de referência na Itália sobre o anarquismo e a questão da organização (Dadà, 1984). O texto
de Adriana Dadà aqui apresentado faz parte de uma coletânea sobre a República italiana e foi
publicado originalmente em língua italiana (Dadà, 1982). A versão em inglês que se encontra
disponível online foi publicada pela Federação Anarquista Comunista Italiana, federação à
qual a historiadora esteve associada (Dadà, 2005).
O outro texto indicado, de Davide Turcato, este mais recente, de 2007, eu acho muito
bom, tanto como balanço historiográfico quanto pela sua interpretação sobre o anarquismo
italiano (Turcato, ago.2007, p.407-444). Ele vai analisar outro problema historiográfico, que é
o da vitalidade do anarquismo italiano que, ao contrário do anarquismo espanhol, do
português e do francês, não residia predominantemente na Itália, ele residia no exterior, na
diáspora italiana. Daí seu entendimento do movimento anarquista italiano em função dessa
relação direta com a emigração italiana. Cerca de 25% da população italiana emigra em 40
anos entre as décadas de 1880 e 1910.
Só encontrei esses dois textos em inglês, disponíveis online, para indicar como leitura
específica sobre o anarquismo na Itália1; têm vários outros textos em língua italiana, mas em
português não encontrei absolutamente mais nada, somente o livro geral de Georges
Woodcock em que há uma referência ao movimento anarquista na Itália (Woodcock, 2002,
p.148-179).
Os que temos sobre o anarquismo italiano em língua portuguesa são essas 40 páginas,
escritas em 1962 por Woodcock, cuja escrita me parece ser bem debochada para com o
movimento. Eu reli recentemente o texto. Na primeira vez que o li, muitos anos atrás, dei
valor ao trabalho de Woodcock como escritor, mas em linhas gerais sua posição é bastante
depreciativa em relação ao anarquismo como movimento político organizado2. Realmente ele
tem um tom muito parecido com o dado por Hobsbawm aos anarquistas em Rebeldes
Primitivos (Hobsbawm, 1978).3
1 Em língua inglesa foi publicado especificamente sobre o anarquismo italiano em 1993 o livro de Nunzio
Pernicone, recentemente reeditado (Pernicone, 2009). Há também a coletânea sobre Malatesta editada por
Vernon Richards, mas faz parte dos trabalhos com base na memória de que falaremos adiante (Richards, 1965)
2 A ausência de obras, tanto gerais quanto específicas, sobre o anarquismo mundial publicadas em português, fez
com que durante muito tempo Georges Woodcock fosse para muitos jovens brasileiros curiosos sobre o tema a
porta de entrada para uma leitura geral sobre a história do anarquismo.
3 Apesar de Hobsbawm flertar com as formas primitivas de rebelião, até admirá-las, a ortodoxia evolutiva
marxista à qual esteve inicialmente ligado não lhe permitiu considerá-las sem essa mediação dentro de uma
suposta evolução das lutas políticas. Entre eles, os anarquistas seriam rebeldes que fariam parte daquele estágio
do capitalismo no qual a contradição existente entre as forças produtivas ainda seria insuficiente para a tomada
da consciência de classe proletária, ou seja para a deflagração de um processo histórico encabeçado por uma
direção política revolucionária rumo ao socialismo. Por isso a definição do movimento anarquista como
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ROMANI, Carlo. História e historiografia do anarquismo italiano...
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Ao refazer esse breve percurso bibliográfico eu percebi que quando publiquei o livro
sobre Oreste Ristori, a primeira parte de sua biografia, aquela que trata da trajetória dele na
Itália desde o nascimento até 1901 - depois ele emigra para Argentina em 1902 - essas 50 ou
60 páginas publicadas por mim são praticamente as únicas em português que tratam
diretamente do anarquismo na Itália no século XIX (Romani, 2002)4.
Penso até, ao término desta fala, escrever um breve apanhado sobre a história do
anarquismo na Itália, um projeto sobre o debate historiográfico em torno do anarquismo
italiano, só para termos um material de divulgação sobre esse assunto em língua portuguesa.
Outros colegas que trabalharam o anarquismo na Itália, o fizeram na perspectiva do
anarquismo no Brasil, da imigração italiana, da influência do anarquismo italiano ou do
movimento operário anarquista de origem italiana no Brasil, mas nunca se debruçaram
efetivamente sobre o anarquismo dento da Itália5.
Se você faz uma graduação na França, ou na Inglaterra, por exemplo, quando se estuda
qualquer assunto, como a história da China, do México ou de Angola, é na língua local em
que você lê, é o texto de um autor local, ou de um autor radicado naquele país. Você não
receberá como leitura, pelo menos na graduação, uma literatura estrangeira, porque existe um
estudioso lá que já pesquisou sobre aquele assunto. Nós, salvo raras exceções, ainda não
temos isto por aqui.
Ainda somos muito regionalistas e quando vamos aos locais mais distantes dos centros
hegemônicos, o regionalismo impera, pois praticamente somente se pesquisa a história
regional. Nem o regional em relação ao nacional, muitas vezes, encontramos como objeto de
pesquisa. A título de exemplo, no Ceará, um tema de importância nacional como a imensa
migração de trabalhadores para o sul e sudeste, quase não é pesquisada. O fenômeno da
migração cearense para o trabalho nas fábricas do ABC que construiu a base operária para o
surgimento e crescimento do Partido dos Trabalhadores, assunto que levou o documentarista
milenarista e sua colocação junto aos chamados rebeldes primitivos. Para o autor, o anarquismo seria uma forma
de rebeldia fora do tempo, desconectada com a modernidade, pertencente ao campo pré-político.
4 Oreste Ristori, que chegou ao Brasil em 1904, constituiu-se anarquista desde jovem na Itália, no contato com
os anarquistas toscanos nas praças e nos bares e na circulação junto ao meio anarquista nacional proporcionada
pelo seu périplo pelas prisões do país.
5 Entre os historiadores que trataram de algum modo o anarquismo na Itália em língua portuguesa, indico
(Maran, 1979; Rodrigues, 1984; Toledo, 2004; Biondi, 2006).
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Portanto, ao tentar preencher esse espaço inexistente no Brasil sobre essa história
particular da Itália, ao analisar e refletir um pouco sobre a questão do anarquismo italiano, me
deparei inicialmente com o trabalho do professor Gino Cerrito, que também foi o orientador
da Adriana Dadà . Cerrito é o primeiro a tratar da questão do anarquismo italiano como um
problema historiográfico (Cerrito, 1968, p.109-138). Em seu texto publicado em 1968, Cerrito
aponta apenas dois historiadores que até aquele momento haviam se debruçado sobre o
anarquismo na Itália.
Então, o que o Cerrito vai fazer em seu trabalho? Ele vai identificar o problema do
estudo do anarquismo na Itália dizendo que o que existia eram basicamente biografias,
apologéticas, cronicas e relatos de memória de seus maiores expoentes (Cerrito, 1968, p.112).
Relatos de famílias de anarquistas e de outros anarquistas clássicos como o de Luigi Fabri,
6 Falamos da abertura do filme Peões, de Eduardo Coutinho, sobre a trajetória sindical de Lula, em que o diretor
vai a esse município cearense de onde migraram vários companheiros do ex-presidente que viveram os
momentos históricos das greves do ABC paulista ao final dos anos 70. Coutinho inicia seu filme dessa forma
porque quer marcar a relação intrínseca que existe entre a migração de trabalhadores nordestinos com o
desenvolvimento do novo sindicalismo de luta brasileiro na década de 1980. Essa relação foi trabalhada pela
historiografia produzida no sudeste do país, mas não pela região de emissão dos migrantes.
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que escreve sobre Malatesta (Fabbri, 1949), ou de Ugo Fedeli que escreve sobre Gigi Damiani
e Luigi Galleani (Fedeli, 1954; 1956). Ugo Fedeli é um historiador e arquivista, uma espécie
de Edgard Leuenroth do anarquismo italiano, cujo arquivo particular foi parar em Amsterdam
no IISG (Instituto Internacional de História Social), que é o maior centro documental para a
história do movimento operário do mundo inteiro (Fedeli, 1960).
Quando Hobsbawm fala sobre a construção do movimento operário de modo geral, diz
que naturalmente a tendência dessas categorias mais auto-organizativas - espontaneístas é o
termo que ele usa - em um momento inicial do sindicalismo, é a de evoluírem em direção a
uma maior organização, mais sólida, principalmente para o Partido Socialista Italiano a partir
da década de 1890. Essa é um pouco a tese dele, que ignora muito o comunismo anárquico de
Malatesta, como não sendo algo muito relevante para a construção do movimento operário
italiano.
Quem vai falar melhor sobre essa concepção é o próprio Santarelli, quando escreve
sobre o socialismo anarquista na Itália. A sua tese é a de que o anarquismo na Itália não teve
continuidade porque a vertente que se propôs a fazer uma fusão do anarquismo com o
socialismo, que são os malatestianos através de um Partido da Anarquia não tinham como
competir com um mecanismo muito mais estruturado e organizado em termos de partido,
como era o Partido Socialista Italiano e, portanto estavam fadados à extinção, ou seja, seriam
anacrônicos.
7 Brigantaggio é o nome do movimento dos brigantes que se desenvolveu entre a Campânia e a Calábria logo
apos a unificação. São grupos de habitantes locais, alguns potentados excluídos da nova ordem, instalados nas
montanhas do Appennino meridional que se insurgem contra a centralização do poder pela monarquia da Itália
recém-unificada pela casa de Savoia, do reino do Piemonte, no norte. Agem na marginalidade atacando viajantes
nas estradas, o trânsito de autoridades, de empreendedores e de todos os funcionários (de escola, dos correios,
de saúde, etc) que identificam de alguma forma com o nascente Estado nacional unificado que seria um invasor.
8 O principal nome do anarquismo italiano, Errico Malatesta é natural de Nápoles.
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Em 1919 vai aparecer o que seria o embrião do futuro Partido Comunista Italiano, com
novos nomes como o de Gramsci, Bordiga e dos dissidentes do Partido Socialista. Mas, a
partir de 1922 e principalmente a partir de 1926, há outro problema na Itália, quando há um
corte na construção do movimento operário e socialista como um todo. Em 1926 acontece o
endurecimento do regime fascista, o que corresponderia ao AI-5 no Brasil, quando muitos
comunistas, anarquistas e socialistas são presos, outros fogem e não há mais espaço possível
para a resistência política, que só voltará a aparecer em fins de 1942 com o início das
deserções para as montanhas, durante a Segunda Guerra Mundial, e o surgimento do
movimento dos partigiani9.
Cerrito em seu texto de 1969, nos vai mostrar que a história do anarquismo na Itália
não foi contada por anarquistas ou historiadores anarquistas. Não havia historiadores que
tivessem se debruçado sobre o tema e os que se debruçaram, aqueles que trabalharam um
pouco com o anarquismo, provinham da escola marxista, o que deveria ser motivo de
preocupação segundo o socialista italiano histórico Gaetano Salvemini que disse: “se os
anarquistas não tiverem cuidado, serão seus inimigos que lhes contarão a história” (Levy,
1989, p.25). Contudo, inimigos entendidos como inimigos do próprio arco político das
esquerdas.
Fora isso, o que se tem são relatos de memória e o arquivo de Ugo Fedeli, um grande
arquivista que guardava toda a documentação, que durante a II Guerra foi levada para
Amsterdam cujo arquivo recebeu a documentação de diversos centros de arquivos e,
inclusive, possui material sobre o anarquismo no Brasil de antes de 1945, como
correspondências originais trocadas entre militantes de diferentes países. E isso é algo que
Turcato vai desenvolver, sobre o internacionalismo anarquista. Cerrito nos coloca, então,
como problema historiográfico, que a história do anarquismo italiano, pelo menos até o
começo da década de 1970, ainda não fora escrita.
Já o que Santarelli escreveu em 1959, tem a ver com o fato de o autor não conseguir
compreender a especificidade do anarquismo, a sua força e vitalidade. O autor também não
conseguia encontrar nele um modelo de organização, uma continuidade de nomes de
dirigentes, de nomes de periódicos, que foram intermitentes. O autor vai apontar para isso
como sendo uma fragilidade interna: uma falta de força e capacidade organizativa, portanto
um movimento a ser relegado a uma categoria menor do ponto de vista da teoria marxista, um
9 Os partigiani são os combatentes da resistência italiana à ocupação nazi-fascista, principalmente após a queda
de Mussolini em agosto de 1943. Sobre a resistência de anarquistas nesse movimento indicamos a leitura em
português de (Sacchetti, 2010).
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Quem assumirá essa tarefa será Pier Carlo Masini, professor da Universidade de
Milão, que escreveu dois volumes sobre a história do anarquismo italiano (Masini, 1973;
1982). Mesmo assim, ele não conseguiu encerrar toda a história do anarquismo, que foi
interrompida em seus volumes aproximadamente em 1927.
Outro professor, que a meu ver é o grande nome da atualidade na história social
italiana, que estuda especificamente os sindicatos e o sindicalismo, é Maurizio Antonioli, que
tem uma vasta produção, tem mais de 15 livros publicados e que vai se unir a Masini em 1999
para concluir o último volume da história do anarquismo: o volume abarca desde a Primeira
Guerra até a década de 1960 (Masini, Antonioli, 1999).
O problema apontado por Cerrito vai começar a ser resolvido somente na década de
1970 por Masini. Depois teremos a Adriana Dadà, que em 1984 vai publicar a história do
movimento anarquista na Itália a partir de uma perspectiva comunista-anárquica, ela é
relativamente preconceituosa com as tendências individualistas e não organizativas, que por
questões históricas eram muito fortes e presentes. E logo em seguida a história do anarquismo
de Giampiero Berti, da Universidade de Padova, o nome mais influente do anarquismo
italiano dentro da Academia, que se posiciona no campo oposto ao de Dadá, na perspectiva de
entender os anarquismos em sua pluralidade (Berti, 1998).
A partir desse ponto, nas décadas de 1980 a 1990, começarão a surgir diversos
trabalhos mais específicos, como: anarquismos regionais, o anarquismo na resistência
antifascista, o anarquismo e movimento operário, mulheres anarquistas, etc.
O segundo problema a ser enfrentado seria o de analisar o que esses historiadores não
libertários, historiadores marxistas perceberam basicamente como sendo a fragilidade do
anarquismo italiano.
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10 Na Itália, durante o início da década de 1870 proliferaram muitas seções regionais e locais da Associação
Internacional dos Trabalhadores, a AIT. O esmagamento da Comuna de Paris em 1871 e a perseguição em
seguida aos internacionalistas atingiram não somente a França, mas espalhou-se por toda a Europa,
principalmente na Suíça e Itália. Da repressão aos comunnards (participantes da Comuna de Paris) e aos
internacionalistas forma-se uma primeira articulação conjunta entre as polícias de diversos países europeus.
Notadamente empenhadas em perseguir e derrotar a rede de ativistas e de sindicalistas que havia sido formada
nessa década. O italiano Amilcare Cipriani, por exemplo, que havia sido também um comunnard foi desterrado
para a Nova Caledônia em comum acordo com o Estado italiano que recusou sua deportação.
11 O movimento sindical na década de 1880 foi fortemente abalado pela perseguição ocorrida aos
internacionalistas na década anterior. Muitos trabalhadores e suas organizações, principalmente nos centros
operários mais desenvolvidos no norte-nordeste da Europa, optaram por seguir um caminho de luta parlamentar
institucional. Essa política levou à fundação dos Partidos Socialistas (democráticos) nos países europeus e ao
surgimento em 1889-90 da chamada II Internacional dos Trabalhadores, articulada em torno do parlamentarismo
socialista, estratégia que se afasta do pensamento revolucionário marxista e opta pela política da luta pelos
direitos constitucionais dos trabalhadores.
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Entre 1878 e 1885, houve uma varrida muito grande contra os trabalhadores
envolvidos em organizar sindicalmente seus companheiros, acontecendo a primeira diáspora
desses militantes italianos para outros países da Europa que ainda eram mais flexíveis como a
Suíça, a França e a Alemanha. E começa também a emigração de italianos para os EUA e
depois para a Argentina. Malatesta, por exemplo, em 1885 vai para a Argentina e vai procurar
ouro na Patagônia como forma de financiar a luta revolucionária socialista, antiparlamentar.
Esses militantes emigrantes saídos da Itália ainda não se declaravam anarquistas, mas em
grande parte seguidores das ideias de Bakunin. Malatesta somente vai enunciar um projeto
socialista e anarquista de libertação social em Buenos Aires com a publicação de seu
periódico La Questione Sociale em meados de 1885.
península. E temos em seguida outro ciclo forte de repressão dentro do governo do primeiro
ministro Francesco Crispi, que novamente vai criminalizar a associação anarquista como
associação de delinquentes13.
Em 1898, teremos um último grande motim na Itália desse século, que aconteceu em
maio em Milão, onde o general Bava-Beccaris - sob a ordem de Umberto I - mandou atirar na
multidão, matando cerca de 400 pessoas entre homens, mulheres e crianças, que estavam atrás
das barricadas14. A vingança será o motivo reclamado por Gaetano Bresci para fazer o
atentado que vai matar o rei Umberto I dois anos depois.
O estudo sobre o anarquismo italiano para ser bem realizado implica, em primeiro
lugar entender a especificidade de sua organização, de um movimento que não tem um
partido, uma estrutura centralizada, que, portanto, sofre rapidamente com a uma possível
repressão colocada em curso, mas que, ao mesmo tempo, pode se reorganizar quatro ou cinco
anos depois, justamente por ser flexível, não ter essa estrutura rigidamente organizada.
Desde a década de 1870, todo o norte da Itália já está integrado por linhas férreas ao
resto da Europa. Há uma ponte comercial que liga Turim a Lyon, um importante eixo de
comunicação que vem desde a época da rota da seda, ainda no século XV, da transferência de
mercadorias de Florença para os centros têxteis que existiam em Lyon. Portanto, o centro-
norte da Itália é efetivamente integrado a uma Europa que tem um forte dinamismo
econômico capitalista, que o centro-sul não tem.
13 Como resultado dessa nova onda de repressão aos trabalhadores, principalmente aos anarquistas, será
reativado o regime do domicílio coatto, no qual o prisioneiro é confinado em uma ilha ao largo da península.
Oreste Ristori, que citamos acima, por exemplo, passará por quase todas as ilhas de confinamento na Itália
(Tremiti, Ponza, Ustica Favignana, Port'Ercole), fator que longe de desarticular o anarquismo, como pensava o
governo, permitiu aos anarquistas de diversas regiões da Itália se conhecerem mutuamente como se estivessem
vivendo em um congresso permanente, fortalecendo, paradoxalmente, o movimento.
14 Sobre os motins de maio há o excelente estudo de Louise Tilly em língua inglesa (Tilly, 1992).
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Estão aí, as raízes dos problemas contemporâneos da Itália, da cisão dela em duas, do
surgimento do “populismo” de Berlusconi, da tentativa de separação promovida pela Lega
Norte, de uma Itália capitalista e uma Itália economicamente mais atrasada, ainda ligada aos
valores morais da Igreja católica, o centro-sul onde justamente o fascismo se estabeleceu.
A Itália não é como a França, país que faz efetivamente a ponte entre o mundo
germânico e o mundo latino na Europa. Por isso que a França possui sua grandeza cultural no
elemento de união entre duas culturas distintas. Já a Itália a tem em uma proporção bem
menor e apenas em parte dela, a setentrional, cuja região tem um perfil importante dentro da
dinâmica do capitalismo europeu a partir da segunda metade do século XIX, tanto que o
Risorgimento, ou seja, o movimento de unificação da Itália, parte da região mais próxima da
França, do Piemonte, de Turim, local onde será a futura sede da fábrica nacional de
automóveis, a FIAT, financiada pelo Estado.
porque ele só pode ser realizado no social, mas parte do inalienável domínio sobre a
individualidade, ou seja, se eu tenho uma posição contrária à do coletivo, nós iremos discutir
o tempo que for preciso enquanto não for possível o convencimento para o consenso.
Por isso, que há entre os anarquistas certo receio em relação à ida até as massas, a
conscientização delas, mas por outro lado, os anarquistas tem uma grande preocupação com a
educação, a pedagogia e a propaganda, a imprensa. Uma grande discussão nos jornais
anarquistas argentinos, trazida pelos imigrantes italianos do início do século XX, foi a questão
de onde se gastar o dinheiro arrecadado, se na ampliação da imprensa ou na difusão de escolas
libertárias.
Esse é outro ponto, por que Bakunin vai para Nápoles e não para Milão ou Turim?
Porque Bakunin tinha um principio, uma ideia que desenvolve mais claramente em sua estada
na Itália, é o que ele vai debater em 1868 dentro da AIT. Bakunin dirá que não adianta o
senhor Marx e os delegados ligados ao comitê acharem que os operários ingleses ou alemães,
ou a aristocracia operária nas fábricas, serão a linha de frente de um processo revolucionário,
porque não serão. Eles serão os primeiros a se aburguesarem, como é a tendência de todo
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operário na medida em que ascende socialmente, como por exemplo, é o caso do operário do
ABC paulista.
Nesse sentido, somos levados a uma questão que Bakunin não tinha ainda como
analisar ou não tenha de fato analisado, pois de tudo que ele escreveu nunca se reteve nisso,
que tem a ver com o protestantismo, o metodista ou o luterano. Porque, no meu entendimento,
a cultura operária, a disciplina de fábrica, é derivada da cultura burguesa. Primeiro é preciso
ter um pensamento voltado para a igualdade política que é derivada de uma ética protestante,
no sentido de que não há ninguém na terra que se diferencie previamente, antes da nascença,
do outro, que é um pensamento contrário ao aristocrático legitimado pelo catolicismo.
Essa ética religiosa é que permitiu que o trabalho se transformasse em uma forma de
acumulação. Só em um segundo momento essa transformação promovida pelo
enriquecimento obtido pelo trabalho do burguês é que levará à divisão interna entre classes
dentro do mundo da burguesia: a de alguém que trabalha e alguém que já trabalhou e
acumulou o suficiente para fazer com que os outros trabalhem para ele, o proletário. Então a
cultura proletária é derivada da cultura burguesa.
Stirner, aprimora essa ideia ao escrever sobre o liberalismo. Ele vai dizer que o
liberalismo levado ao extremo torna-se o comunismo, ideia na qual haveria a realização plena
dos princípios liberais, a isonomia entre todos os indivíduos. Parece uma contradição, mas
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ROMANI, Carlo. História e historiografia do anarquismo italiano...
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seria a igualdade de todos perante a lei, uma lei promulgada pelo Estado, portanto perante o
Estado. O Estado comunista, um Estado a que todos os indivíduos voluntariamente cedem sua
liberdade em troca da igualdade social.
Esse último grupo social formará o proletariado, que ainda se encontrava mais
próximo dos elementos da antiga comuna, mas que uma parte dele, com a disciplina das
igrejas protestantes começam a ter uma perspectiva de aburguesamento pelo caminho do
trabalho fabril. Nos locais onde não se teve esse processo de disciplina, como é o caso da
Itália meridional, extremamente ligada ao campo e aos valores transcendentes da Igreja
Católica, em que há mais o interesse da população em permanecer no seu modo de vida
original comunitário, é onde Bakunin vai falar que haveria maior possibilidade de se
encontrar uma resistência ante esse novo fenômeno que é o capitalismo, que está se
desenvolvendo no mundo inteiro, a partir da superação das lógicas agrárias anteriores e do
casamento entre a burguesia que ascendeu junto aos antigos proprietários de terra. Não serão
nesses operários da indústria em vias de se aburguesar que encontraremos essa resistência
para uma revolução, porque a tendência deles seria a de se incorporarem nessa dinâmica
maior em curso dentro do capitalismo. E é no sul da Itália, que Bakunin vai encontrar essa
vitalidade pré-capitalista.
Hobsbawm não estaria errado quando coloca que o anarquismo vai proliferar
principalmente nas regiões não industriais, onde o anarquismo é mais vital e a AIT vai
mostrar isso justamente no seguimento anarquista em suas seções, principalmente no mundo
mediterrâneo e eslavo. Hobsbawm é coerente com o seu pensamento teórico, mas foi um
pensamento ligado à ortodoxia de Marx, um pensamento “etapista”, no qual somente seria
possível uma transformação revolucionária na sociedade se ela cumprisse as etapas do
desenvolvimento econômico capitalista .
Cerrito fala que as fontes da polícia são importantes, porque o movimento, mesmo
antes de ser efetivamente anarquista, já sofria continuamente com a repressão da polícia
durante três décadas, a partir de 1871, da Comuna de Paris, até 1902-03. Será extremamente
perseguido pela polícia italiana. Logo, as fontes da polícia nos permitem identificar os
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Essa política de repressão começou a ser realizada na Itália em comum acordo com a
Suíça e a França no final dos anos de 1880. Nesse sentido, os arquivos da polícia são
importantes para que se construa uma história da relação da repressão oficial com o
movimento anarquista.
Muitos deles, nessas idas e vindas, como foi o caso de Oreste Ristori, de Malatesta, de
Damiani, emigraram. Damiani chegou ao Brasil em 1897, indo para Curitiba e depois vai para
São Paulo. E em São Paulo, Damiani - que é uma figura importantíssima no anarquismo
italiano - é menos conhecido do que Ristori, porque Ristori chegou ao Brasil com status de
propagandista vindo da Argentina e veio para cá publicar La Battaglia, enquanto Damiani só
será seu sucessor no periódico em 1912, depois de Ristori ser preso e se desiludir com o
movimento anarquista.
Quando Bakunin chega a Nápoles em 1864, começa a se difundir no sul da Itália outro
ideal de libertação, não mais nacional. Nessa década começam a proliferar sessões da
Internacional inicialmente nas cidades de Palermo, Nápoles, Bari, Catânia, que não eram os
grandes centros operários industrializados, que ficavam na região do centro-norte do país.
Dois nomes vão aparecer como interlocutores de Bakunin nessa época e que depois
vão dar o primeiro impulso à organização do movimento anarquista no começo da década de
1870 na Itália: Carlo Cafieiro e Errico Malatesta.
Surge na Itália então, uma vertente que vai ser muito forte, uma forma de associação
socialista e anárquica denominada de anti-organizacionista. O anti-organizacionismo vai
dominar o cenário do movimento social italiano, os grupos sociais de trabalhadores e
anarquistas na década de 1880 não ligados a uma concepção de partido tanto republicano
quanto socialista.
Mas, junto com Malatesta, outros nomes importantes do anarquismo da década de 1880, como
Andrea Costa, que depois se tornará socialista, e principalmente no final dessa década,
Francesco Saverio Merlino, vão perceber a carência, a necessidade, a falta de uma
organização dos grupos socialistas anárquicos voltados para o movimento social.
Mas, foi principalmente com Malatesta e com Merlino que se começa a colocar o
outro problema do anarquismo italiano, o que diz respeito à sua organização e relação com os
sindicatos.
No início do século XX, o que está na pauta das discussões dos agrupamentos locais, o
tema central do debate no seio do anarquismo, é a questão da organização e da não
organização.
16 Nessa corrente o principal nome do chamado individualismo italiano (nome como ficou conhecida essa
corrente anarquista na história) é Luigi Galleani.
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REDE-A: vol.3, nº2, jul.-dez. 2013.
A partir de 1907, o anarquismo da Itália começa a ter componentes cada vez mais
próximos do comunismo, no sentido organizativo da palavra.
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