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DESAFIO
Maria Helena Guimarães de Castro, secretária executiva do Ministério da
Educação. Ela afirma que o ensino médio brasileiro é desmotivador e
precisa mudar
Logo que foi convidado a assumir o Ministério da Educação, em maio deste ano, o então
deputado Mendonça Filho (DEM-PE) telefonou para a socióloga Maria Helena Guimarães
de Castro. Ela seria sua secretária executiva. No currículo, ela tem a presidência do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), a secretaria executiva
do Ministério da Educação e as secretarias de educação de São Paulo e do Distrito Federal. É
o nome ideal para equilibrar a inexperiência de Mendonça Filho em educação.
Na entrevista a seguir, Maria Helena detalha o que deve ocorrer nos próximos meses com
o ensino médio, etapa eleita prioridade pelo novo ministro da Educação.
O ensino médio é dono dos maiores índices de evasão e de reprovação escolar. Em 2014,
mais de 620 mil alunos abandonaram os estudos nessa etapa de ensino, segundo o Censo
Escolar. É o triplo do registrado no ensino fundamental. No Índice de Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb), o ensino médio alcançou apenas 3,7 pontos, em uma escala de 0 a
10.
Hoje, isso não é possível. Os alunos de ensino médio são obrigados a cumprir um currículo
comum a todos os estudantes, com 13 disciplinas e três anos de duração. Aqueles que
quiserem um certificado de formação profissional – oferecido aos que cursam o ensino
técnico em qualquer modalidade – devem enfrentar mais dois anos de estudo ou frequentar
aulas em dois turnos.
Outra medida já tomada pelo MEC para alterar o ensino médio foi o adiamento da
entrega da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para essa etapa. O novo prazo é
março de 2017. Até lá, espera-se ter tempo para aprovar a lei que dará uma nova estrutura ao
ciclo. A versão final do documento para a educação infantil e para o ensino fundamental
deverá ser definida até novembro deste ano. “A partir do momento em que a Base estiver
pronta e aprovada, investiremos na formação continuada de professores”, diz Maria Helena.
ÉPOCA - Como o Brasil tem evoluído no debate para redesenhar essa etapa de ensino?
Maria Helena - Esse debate é antigo no Brasil, mas nunca avançou muito. As diretrizes
curriculares de 2012 estabeleceram 13 disciplinas obrigatórias para o ensino médio, sem
considerar possibilidades de flexibilização do sistema. É discutido no Congresso Nacional,
desde 2013, o projeto de lei 6.840, que tem como objetivo reformular o ensino médio. Agora,
ele está em etapa final de tramitação. Paralelamente, o Consed [Conselho Nacional de
Secretários de Educação] mobilizou um grupo de trabalho – do qual já participei – para
pensar em possibilidades de reforma. Agora, o ministro Mendonça Filho quer encaminhar ao
Congresso um projeto de lei substitutivo ao Projeto 6.840. Esse novo documento incorpora
recomendações do Consed e várias sugestões de especialistas envolvidos nas discussões
sobre a reforma. A sugestão está em fase final, já está no jurídico do MEC, e deve ser
encaminhada em breve à Comissão de Educação da Câmara.
ÉPOCA - E quais serão as possibilidades oferecidas aos alunos que não quiserem se
formar em um curso técnico?
Maria Helena - O que propõe o projeto de lei 6.840 sobre a divisão do currículo por áreas de
conhecimento permanece. A partir da segunda metade do ensino médio, o estudante poderá
escolher itinerários formativos diversificados. Depois de cursar durante um ano, um ano e
meio, aquilo que é comum a todos, ele poderá se aprofundar na área que escolher: exatas,
ciências sociais ou ciências da saúde, por exemplo. Se o aluno optar por se aprofundar em
ciências sociais, ele provavelmente terá uma carga horária maior de história, filosofia,
sociologia, atualidades. A ideia é que língua portuguesa e matemática continuem sendo
ensinadas de forma aprofundada até o final do ensino médio, independentemente da escolha
do aluno.
ÉPOCA - A Base vai legislar sobre todas as etapas do ensino médio ou apenas sobre a
primeira, comum a todos os estudantes?
Maria Helena - Essa é uma discussão que ainda está sendo feita pelo comitê gestor em
parceria com especialistas. Uma das propostas é que a Base contemple até o final do 1º ano
do ensino médio, quando os alunos têm 15 anos de idade. É assim na Austrália. A partir daí,
caberá a cada sistema de ensino definir os itinerários formativos, ou seja, as possibilidades de
estudo que se abrem a partir do final da etapa comum a todos. A Base poderá determinar,
também, o currículo aprofundado em português e em matemática que deve permanecer até o
final do ensino médio. Isso ainda não está decidido. Vamos preparar a terceira versão da
Base englobando educação infantil e ensino fundamental. Queremos incluir também o 1º ano
do ensino médio, que será igual para todos os alunos. Para a segunda etapa do ensino médio,
quando haverá possibilidade de flexibilização, queremos esperar a aprovação do projeto de
lei que reformulará o ciclo.
ÉPOCA - O projeto de lei 6.840 propõe a jornada integral para o ensino médio. A
senhora concorda com isso?
Maria Helena - O ministro Mendonça Filho é um grande defensor da jornada integral. Mas a
implementação desse modelo vai depender muito das condições de cada estado. Hoje, as 20
mil escolas públicas de ensino médio no Brasil têm, em média, quatro horas de aula por dia.
É pouco. Para oferecer seis ou sete horas de aula é necessário um investimento muito alto em
contratação de professores, com jornada única e dedicação exclusiva. Nem todas as redes têm
recursos suficientes para isso. Apenas 15% dos recursos do Fundeb [Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] vêm
do governo federal. Os 85% restantes são recursos estaduais e municipais. Então, não existe
milagre. A ampliação da jornada vai exigir um investimento elevadíssimo. É um processo
importante e desejável, mas deverá acontecer aos poucos, de acordo com as possibilidades.
ÉPOCA - Muitos dos problemas do ensino médio são fruto de falhas acumuladas nas
etapas de ensino anteriores...
Maria Helena - É evidente que os anos anteriores não preparam bem os alunos para o ensino
médio, seja ele qual for: o que temos hoje ou o reformado. Apenas 47% das crianças que
acabam de cursar o 3º ano do ensino fundamental estão alfabetizadas em nível adequado.
Aos 8 anos, muitas não saber ler e escrever. Essas deficiências vão sendo acumuladas ao
longo da vida escolar.
ÉPOCA - Como será a atuação desse Comitê Gestor da Base Nacional Comum
Curricular e Reforma do Ensino Médio?
Maria Helena - O comitê, composto de secretários do MEC, está encarregado de receber e
organizar as sugestões recebidas a partir da segunda versão da Base. Ele também vai
convidar especialistas e consultores para discutir o encaminhamento do currículo do ensino
médio.
ÉPOCA - A Base vai exigir uma atenção especial à formação de professores, de acordo
com as novas determinações?
Maria Helena - Tenho certeza de que vai exigir uma formação específica para os
professores. A partir do momento em que a Base estiver pronta e aprovada, acredito que será
fundamental investir na formação continuada para professores [a formação que acontece,
continuamente, depois que o profissional já é formado, para atualizar seus
conhecimentos]. A formação de professores é o mais importante para implementar qualquer
mudança curricular.
ÉPOCA - A senhora acha que o Brasil vai conseguir colocar em prática toda
essa teoria?
Maria Helena - Para conseguirmos fazer isso em médio e longo prazos, precisamos queimar
as primeiras etapas: a aprovação do projeto de lei que mudará o ensino médio e a finalização
da Base Nacional Comum Curricular. A Base também é essencial para renovar a formação
dos professores, inicial ou continuada. Os docentes recebem uma formação inicial muito
frágil, incapaz de promover uma educação diferente, mais inovadora e criativa. A escola
precisa incentivar a tolerância, o pluralismo de ideias, a convivência com as diferenças.
Nossos professores não estão preparados para trabalhar com essa realidade. É claro que o
problema não está no professor, mas nas instituições que os formam. Faltam aos professores
a possibilidade de fazer uma residência pedagógica, um estágio supervisionado. Além disso,
o professor precisará sempre de formação continuada. Não tem como imaginar que um
educador, por melhor que seja sua faculdade formadora, poderá dispensar a formação
continuada para aprimorar seu trabalho. A formação de professores é nosso maior desafio.
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Mundial
O material preliminar disponibilizado pelo MEC mantém uma divisão em quatro
categorias: linguagens, matemática, ciências da natureza e ciências humanas –
mesma divisão adotada no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) –
adaptadas para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio.
Para Janine, a base disciplinar comum trará melhorias para o ensino, pois
orientará a formação de professores (haverá parâmetros específicos para as
licenciaturas) e também o desenvolvimento do material didático.