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I

Heloísa L i i c k

PEDAGOGIA
INTERDISCIPLINAR
Fundamentos
teórico-metodológicos

D a d o s I n t e r n a c i o n a i s de Catalogação n a Publicação (CIP)


(Câmara B r a s i l e i r a do L i v r o . S P , Brasil)

LQck, Heloísa

Pedagogia Interdisciplinar : fundamentos teórico-metodoló-


glcos / Heloísa L u c k . - Pctropolí», R J : Vozes, 1994.

Bibliografia.

ISBN 8 5 - 3 2 6 - 1 3 2 9 - 2

1. Interdisciplinaridade n a educação 2 . Pedagogia I. Título.

94-3767 CDD-370.1

índices para catalogo sistemático:


1. Pedagogia interdisciplinar : Filosofia da educação 370.1
Petrópolis
1995
© 1994, Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689-900 Petrópolis, RJ
Brasil

CDHAP - Centro de Desenvolvimento H u m a n o


Aplicado
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FICHA TÉCNICA "Diante do colar


COORDENAÇÃO EDITORIAL - belo como um sonho -
Avelino Granai
admirei, sobretudo,
EDÍIOR: ojio que unia as pedras
Antonio De Paulo
e se imolava anónimo
COORDENAÇÃO INDUSTRIAI^
J o s e L u i z Caatro
para que todos fossem
um..."
EDITOR DE ARTE:
Ornar Santos D. Hélder Câmara
EDITORAÇÃO:
Editoração e ora. literária A n a Lúcia Kronemberg
Revisão grétflca: Rcvltec S / C
DUigramaçào: Sheila Roque
Supervisão orã/loo: Valderes Rodrigues

ISBN 85.326.1329-2

E s t e livro foi c o m p o s t o e i m p r e s s o p e l a E d i t o r a V o z e s L t d a . .
e m J a n e i r o de 1 9 9 5 .
Não se prendam superficialmente às
palavras. DEDICATÓRIA
Procurem, por meio delas,
captar e construir um estado de espírito. Aos professores do Colégio
Imperatriz Dona Leopoldina
e a seu diretor, Adelar
Hengemuhle, que se
dedicam ao esforço de
construir uma prática
interdisciplinar.

Aos meus alunos do curso


de Mestrado em Ekiucação,
da Pontifícia Universidade
Católica do Paraná.
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO. 13

INTRODUÇÃO, 19

I - PROBLEMAS ENFRENTADOS PELO HOMEM


NA SOCIEDADE DIVERSIFICADA. 23
Dificuldades e desafíos cotidianos. 25
Expressões de dificuldades na atuaçâo
proñssional, 28
Expressões de alienação e esvaziamento da
dimensão humana e sua realidade. 29
Desafios à educação face às dificuldades
enfrentadas, 30
Construção da visão interdisciplinar no contexto
escolar, 32
n - ENFOQUES UO PARADIGMA DISCIPLINAR E V - O ASPECTO HUMANO DA CONSTRUÇÃO
AS DISCIPLINAS, 37 INTERDISCIPLINAR. 75
Enfoque epistemológico, 37 Caracterização do esforço interdisciplinar na
Enfoque pedagógico, 38 escola, 77
O paradigma positivista que constitui a Relação entre atitude e interdiscipli-
disciplina, 41 naridade, 80
a) Pressupostos da construção disciplinar, 41 Interdisciplinaridade e a formação do
b) Método da construção disciplinar, 42 homem, 83
c) Objetivo da construção disciplinar, 44 Resistências à adoção do enfoque
Consequências do paradigma positivista, 44 Interdisciplinar, 86

III - DEMANDA DE UMA NOVA VISÃO DA REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. 91


REALIDADE, 47
Limitações do paradigma positivista, 50
Superação da visão dlcotômica entre
Epistemologia e Pedagogia, 52
Prática e estágios da caminhada
interdisciplinar, 56

I V - O SENTIDO DA INTERDISCIPLINARIDADE, 57
Proposições sobre o sentido da
interdisciplinaridade, 60
Pressupostos da interdisciplinaridade, 64
Interdisciplinaridade como processo de
circularidade entre disciplinas, 67
Contribuições da interdisciplinaridade no campo
da ciência e do ensino, 69
O contexto de desenvolvimento Interdisciplinar, 72
APRESENTAÇÃO

O processo civilIzatórlo e de humanização está em


i
contínuo movimento, daí por que, de tempos em
tempos, surgem novas idéias-força, novos concei-
tos que, não apenas representam esse movimento,
mas também servem para impulsioná-lo.
A interdisciplinaridade é u m a dessas idéias-
força que, embora não seja recente, agora se
i manifesta a p a r t i r de enriquecimento conceituai
e da consciência cada vez mais clara da fragmen-
tação criada e enfrentada pelo homem em geral
e, pelos educadores, em especial, em seu dia-a-
dia.
E m associação a essa mesma fragmentação,
rompeu-se o elo da simplicidade e estabeleceu-se
a crescente complexifícação da realidade, fazen-
do c o m que o h o m e m se encontre despreparado
para enfrentar os problemas globais que exigem

13
dele não apenas u m a formação polivalente, rnas Pedagogia Holísüca, Medicina Alternativa, Agri-
u m a formação orientada para a visão globaliza- cultura Sistémica, que se manifestam como ex-
dora da realidade e u m a atitude contínua de pressões d a consciência daquela necessidade.
aprender a aprender. No contexto desses movimentos, surge a i n -
terdisciplinaridade, como alternativa dc maior
O ensino, que recebe a responsabilidade so- significado, n a busca de superação da atomiza-
cial de promover a formação para a cidadania dos ção do conhecimento h u m a n o em disciplinas,
membros da sociedade, ao defrontar-se com esse t a n t o no contexto d a pesquisa, quanto do ensino.
trabalho, defronta-se, também, c o m a necessida- A partir d a compreensão de que "quanto mais se
de de promover s u a própria reorganização para desenvolvem as disciplinas do conhecimento,
orlentar-se ele próprio por esse novo sentido. Isso diversifícando-se, mais elas perdem o contato
porque, sendo ele próprio u m a expressão do com a realidade h u m a n a (Gusdorf i n Japiassu,
modo como o conhecimento é produzido, t a m - 1976; 13), reconhece-se a necessidade de reor-
bém se encontra fragmentado, eivado de polariza- ganizar o modo de produção e elaboração do
ções competitivas, marcado pela territorializaçáo conhecimento, de forma que se d i m i n u a m as
de disciplinas, pela dissociação das mesmas em distâncias estabelecidas entre o homem e o co-
relação à realidade concreta, pela desumaniza- nhecimento que produz, dessa forma, estabele-
ção dos conteúdos fechados em racionalidades cendo a unidade entre todo o conhecimento
auto-sustentadas, pelo divórcio, enfim, entre produzido.
v i d a plena e ensino.
"O homem é a medida de todas as coisas".
Portanto, surge como u m a demanda cada vez
Dele e para ele, enquanto h u m a n a e concreta-
m a i s clara e evidente entre os educadores a
mente considerado, partem todos os empreendi-
necessidade de se promover e superar essa frag-
mentos que valem a pena. E é com esse enfoque
mentação, em busca de u m a visão e ação globa-
que a interdisciplinaridade é proposta, vindo ela,
lizadora e m a i s h u m a n a . Aliás, essa consciência
portanto, a se constituir em u m movimento a ser
náo se restringe apenas ao ensino. Ela se m a n i -
assumido e construído pelos professores - não
festa nas múltiplas áreas de atuação h u m a n a .
podendo ser impostos a eles - levando em consi-
Vários movimentos traduzem a busca de aten- deração a sua interação c o m os alunos, na con-
dimento à necessidade de restabelecer o sentido dição de i n t e r m e d i a r a (rc)elaboraçáo d o
de unidade em diversos segmentos e grupos da conhecimento como u m processo pedagógico d i -
sociedade e m geral. Alguns deles são: Qualidade nâmico, aberto e interatívo.
Total, Gcstalt, da Ecologia, Empresa Holísüca,

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Trata-se, portanto, de u m a ídéia-força que conceitos e ideias que aprendem, dessa forma
visa contribuir para a superação do cartorialismo enriquecendo apenas seu vocabulário e discur-
praticado n a educação, conforme indicado por so, e empobrecendo sua vivência. Superar essa
Paulo Freire, b e m como a ênfase sobre a repro- atitude é desafio para todos nós.
dução de parcelas isoladas de conhecimento, Como de nada valem as boas ideias se não
destituídas de vida o u de inspiração transforma- forem colocadas em prática, para associar teoria
dora. e prática, abstração e concretude de açâo, a cada
Viver essa ideia não é tarefa simples, e requer momento deve o leitor confrontar conceitos e
reflexão e determinação. Essa orientação, no reflexões a q u i apresentados, com sua prática
entanto, não deve ter caráter normativo, consti- profissional, como também desenvolver suas
tuindo-se m u i t o mais em compreensão empáti- próprias observações e análises e propor sínteses
ca, a partir de relato de experiências, descrições pessoais capazes de impulsionar sua experiência
de reflexões e análises e sintetizações de frag- profissional para estágios mais amadurecidos e
mentos c o n c e i t u a i s dispersos n a l i t e r a t u r a . de alcance maior de resultados educacionais.
Exemplos de trabalhos n a área são os de Japias-
s u (1976), Fazenda (1979, 1991), B o c h n i a k
(1992), Petraglia (1993), Warschauer (1993),
dentre outros.
Este trabalho consiste, pois, em u m registro
de reflexões a partir de leituras e práticas peda-
gógicas, esperando-se que possa servir de apoio
para o desenvolvimento de u m a perspectiva i n -
terdisciplinar e globalizadora. que se acredita ser
fundamental para a necessária transformação
do ensino.
Para aqueles que antecipadamente vêem a
questão interdisciplinar como u m modismo em
educação, esclarece-se que o risco de fato existe.
Ele, no entanto, é resultado justamente da a t i t u -
de distanciada e acomodada de profissionais que
evitam o trabalho de pôr em prática os novos

16 17
INTRODUÇÃO

Chegamos ao final do século, reconhecendo que


nos defrontamos c o m u m universo c u l t u r a l ex-
tremamente rico e complexo, e que somos incapa-
zes de compreendê-lo todo. Essa situação é
resultado da ação-reílexão humana, ao longo dos
tempos, e nas mais diversas condições culturais,
caracterizadas por diferentes enfoques, pontos de
vista e paradigmas. Esse contexto retrata o modo
como o homem vem resolvendo a sua problemática
existencial, tendo-se consciência hoje, no entanto,
de que, a cada dificuldade vencida, surgem outras
de maior complexidade, demandando novo enge-
n h o e nova determinação.
Diante, pois, de novos desafios e necessida-
des, o homem, coletlvamente organizado, busca
novas formas de solução para os mesmos, sur-
gindo, m u i t a s vezes, tantas concepções sobre as

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dificuldades e tantas soluções possíveis, quantos do contexto de onde emerge, cria-se, desse modo,
grupos e pessoas que procurem a r t i c u l a r essas u m conhecimento limitado, ao mesmo tempo que
questões, gerando assim, não apenas maior com- se produz u m mosaico de informações, de conhe-
plexidade, mas também maior fragmentação e cimentos paralelos, desagregados u n s dos o u -
desintegração na compreensão da realidade. tros, e até mesmo antagónicos, todos tidos como
Eis que nos defrontamos com u r a grande legítimas representações da realidade.
leque de áreas de conhecimento e de teorias ^ o e n s i n o j a falta de contato do conhecimento
dentro dessas áreas, que passam a gerar dúvidas com a realidade parece ser u m a característica
e confusão, dado que tais conhecimentos foram, mais acentuada ainda. Os professores, no esfor-
em geral, produzidos mediante a ótica d a linea- ço de levar seus alunos a aprender, o fazem de
ridade e atomização, de que resultaram conheci- maneira a dar importância ao conteúdo em s i e
mentos simplificadores da realidade e visão da não à s u a interligação com a situação d a q u a l
parte, dissociada t a n t o do todo, quanto de outras emerge, gerando a j á clássica dissociação entre
partes desse mesmo todo. teoria e prática: "O que se aprende n a escola não
Esses conhecimentos, distanciados u n s dos tem n a d a a ver com a realidade", é o entendimen-
outros e da realidade a partir da q u a l foram to c o m u m de pessoas que, saindo dos bancos
produzidos, necessitam urgentemente ser a r t i - escolares, assumem u m a responsabilidade pro-
culados, a fim de que possam constituir u m todo fissional.
organizado. Surge, em consequência dessa ne- Tendo em vista que a construção da interdis-
cessidade, a proposição da interdisciplinaridade, ciplinaridade, para nortear a superação desse
como forma de superar tal fragmentação. quadro, necessita de conteúdos conceituais e
O enfoque interdisciplinar, no contexto da fundamentos que a orientem, tem-se como obje-
educação, manifesta-se, portanto, como u m a tivo analisar a questão apresentada, bem como
contribuição para a reflexão e o encaminhamen- sistematizar reflexões em torno do conceito, ten-
to de solução às dificuldades relacionadas à do-se em vista contribuir para que os educadores,
pesquisa e ao ensino, e que dizem respeito à organizados em torno do projeto político-pedagó-
maneira como o conhecimento é tratado em a m - gico escolar, possam desenvolver sua caminhada
bas funções da educação. interdisciplinar.
Evidencia-se, n a pesquisa, que o conheci- Vale lembrar que a questão interdisciplinar
mento vem sendo produzido de modo fragmentado, emerge também como orientação da superação
dissociando-se cada fragmento dc conhecimento da dicotomia entre pedagogia e epistemologia.

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entre ensino e produção de conhecimentos cien-
tíficos, daí por que sua maior complexidade e
necessidade de superação d a perspectiva depar-
tamental e setorizada do ensino.
E m vista dessa mesma Complexidade, para
m u i t o s professores, a compreensão de conceitos
e proposições abstratos, referentes à interdisci-
plinaridade, pode representar algo tão distancia-
do de sua prática que essa orientação e m relação
ao modo de t r a t a r o conhecimento passa a se
constituir u m a disciplina, ela mesma e, desse
modo, fazendo-a recair, redundantemente, n o
problema para cuja solução p r o c u r o u contribuir.
Conclui-se, portanto, que as proposições a q u i
apresentadas não devem ser tomadas como dis-
ciplina o u conteúdo a ser estudado e reproduzi-
do, mas como concepção orientadora p a r a a
superação d a problemática descrita, e que as
dificuldades de compreensão das questões abs-
tratas sobre o m o d o de produzir e tratar o conhe-
cimento, experimentadas pelo mestre, devem ser
consideradas u m desafio a ser vencido, sob pena
de o professor c o n t i n u a r atuando como u m mero
repassador de fragmentos de conteúdos de ensi-
n o aos seus alunos.
D a d a a complexidade do conjunto c u l t u r a l h u -
m a n o , a sociedade defronta-se, todos os dias,
c o m inúmeras situações ambíguas, contraditó-
r i a s e conflltivas que o homem individual e so-
c i a l m e n t e organizado deve resolver e que o
d e i x a m angustiado, caso leia, efetivamente, os
sinais reais que as situações emitem. Caso se
negue a vê-las, com medo d a própria angústia,
ficará imerso em sua condição alienada e, por-
t a n t o , menos h u m a n a (Morin, 1988).

D I F I C U L D A D E S E D E S A F I O S COTTDIANOS
Ao ligar a TV, enquanto telespectadora, a
pessoa recebe a mensagem de que fumar o cigar-
ro marca X lhe a t r i b u i status, charme e até
mesmo atração sexual, para em seguida ser i n -
formado de que fumar faz m a l à saúde. Da
m e s m a forma que, n u m m i n u t o , recebe a esti-
mulação para que compre u m produto; no outro,
recebe o apelo p a r a economizar, depositando n a
caderneta de poupança. N u m mesmo segmento
é estimulado a comer e ingerir alimentos e bebi-
das engordantes, para em seguida ser instado a
controlar o peso e o colesterol.
E m casa, a situação não é diferente. Por
exemplo, a criança recebe dos pais a orientação,

25
Trata-se de u m estado de consciência q u e
muitas vezes c o m grande veemência, no sentido divide i n t e r i o r e exterior, o " e u " e "os outros", a
de que não deve m e n t i r para os mais velhos, que atitude e o comportamento, dentre outros aspec-
esse comportamento "é feio", pára, em u m a o u t r a tos, estado esse que está não apenas no cerne d o
ocasião em que atende u m telefonema para seu modo fracionário de produção do conhecimento,
pai, receber a sua ordem, n o sentido de que diga mas da própria consciência (Waxemberg, 1980).
que não está e m casa. Isso porque a expansão d a consciência significa
Estes são apenas dois dos múltiplos e c o r r i - u m a participação e responsabilidade crescentes,
queiros exemplos e m nosso cotidiano, de contra- por meio de esforço integrativo.
dição e ambiguidade com que nos defrontamos e A i n d a mais, essa fragmentação leva a pessoa
que também criamos. Quem Já não praticou, o u ao ponto em que, de tanto ver a realidade pela
pelo menos presenciou, situação semelhante visão de mundo-máquina, de mundo-objeto, de-
àquela em que u m a pessoa grita, com i n d i g n a - fronta-se c o m o fato de que se transforma nessa
ção, para o u t r a que gritara c o m ela, afirmando: mesma máquina, n u m objeto manipulável exter-
"não griteüf g r i t a r é falta de respeito e educa- namente e, portanto, sem consciência da própria
ção!?" O u que ironicamente ridiculariza u m com- individualidade como ser h u m a n o . Perde ela,
portamento que j u l g a r a irónico? também, s u a consciência d a dinâmica da r e a l i -
É evidente que se acaba, comumente, pratican- dade, vendo-a limitada e preestabelecida e i m p o -
do, com a própria crítica, o comportamento censu- sitora dessas características sobre si.
rado, sem tomar-se conhecimento do fato, o que Angústia e alienação estão, por conseguinte,
espelha u m a absoluta alienação de s i próprio e face a esse quadro, presentes em nosso dia-a-
falta de autocrítica. E quando ela é revelada, de- dia, dialeticamente, isto é, de maneira a se de-
monstra-se, por melo de uma lógica qualquer, que frontarem e mteriníluenclarem contraditória e
o mais velho o u o que tem alguma forma de poder, reciprocamente. Ao fugir da angústia, a pessoa
tem o direito de ser mal-educado (sem ser reconhe- cai n a alienação e vice-versa, até chegar ao ponto
cido como tal), enquanto que o outro (mais jovem
ou de menor poder) não pode fazer o mesmo. em que não t e m escapatória: o de assumir a
Criam-se, então, duas realidades que permitem e angústia d a alienação, o que se dá mediante a
facilitam o desenvolvimento da visão falseada da superação da ótica fragmentadora que cultiva.
realidade, porque tendenciosamente parcial e ma- A h u m a n i d a d e se defronta hoje com esse
niqueísta, e ao mesmo tempo contribuinte para a desafio. Enfrentá-lo não é mais uma simples
formação da irresponsabilidade face à realidade, questão filosófica; é sim u m a questão de sobre-
que a alienação estabelece.

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26
• 1

vivência, pois, caso o mesmo não seja assumido vivenciamos), psiquiatras são mistificados pela
pelo homem, a autodestruição e destruição de esquizofrenia. Do mesmo modo outros profissio-
sua casa {oikos) sc acentuará a ponto de se nais apresentam semelhantes discrepâncias, a
tornar irreversível. respeito d o que o saber popular denota, a esse
A tensão do enfrentamento da ambiguidade e respeito, que "em casa de ferreiro, o espeto é\ de
da contradição, orientada polo princípio d a i n - pau".
certeza subjetiva, e m substituição a u m a con- No campo Jurídico, por exemplo, o acúmulo
cepção l i n e a r de m u n d o , d i r e c i o n a d a pelo de preceitos legais gerou u m torvelinho de leis
princípio da certeza objetiva (Oliveira, 1989), que os profissionais d a área não entendem, de
passa a ser condição de vida do homem de tal modo a demonstrar que analogicamente "a
sociedades complexas, o que apenas agora se corrente p r i n c i p a l de ideias se d i v i d i u em dúzias
compreende com m a i o r clareza. de riachos" (Capra, 1991:23) chegando a esgotar
Entender a complexidade e as inúmeras inte- a própria fonte.
rações dos múltiplos componentes da realidade Todas essas situações teriam surgido em de- \
torna-se, portanto, u m a necessidade inadiável. correncia da falta de visão globallzadora sobre os
É mediante e n a medida dessa compreensão que fenómenos, a q u a l se constitui em condição que
o homem se eleva d a dimensão de objeto e engre- permite vê-los em s u a interligação e interdepen-
nagem, n u m a máquina social, e supera o senso dência c o m os demais.
comum que d o m i n a o seu cotidiano. Evidencla-se, pois, que os inegáveis ganhos
possibilitados ao homem pela especialização pro-
EXPRESSÕES D E D I F I C U L D A D E S NA duzem, ao mesmo tempo, u m a possibilidade de
ATUAÇÃO P R O F I S S I O N A L sérios prejuízos, por falta de visão global e inte-
Um sinal Impressionante de nosso tempo, rativa d a realidade e de interligação dessa visão
conforme apontado por Capra (1991:22), "é o fato com a ação.
de que as pessoas que se presume serem espe-
cialistas em vários campos Já não estarem capa- EXPRESSÕES D E ALIENAÇÃO E
citadas a lidar com os problemas urgentes que ESVAZIAMENTO D A DIMENSÃO HUMANA E
surgem em suas respectivas áreas de especiali- SUA R E A L I D A D E
zação". Exemplificando tal constatação, Capra O desdobramento do conhecimento em disci-
indica que economistas são incapazes de enten- plinas estanques teve seu Início mediante u m a
der a inflação (as consequências disso todos nós

28
objetivação da coisa conhecida, de maneira que
o sujeito cognoscente pretendeu ver a realidade modo a reforçar a ótica do homem-máquina e a
dissociada de si próprio e até mesmo d e seu modo visão simplificada de mundo. Para q u e supere t a l
de vê-la. Dessa forma, promoveu-se não apenas ótica, a própria educação deve a s s u m i r umpã-
a disjunção entre diferentes dimensões e aspec- radtgma:tetOTc"ô^ffi^
tos de u m mesmo fenómeno, como também do tradições, ambiguidades (sobretudo e a partir d o
homem em relação a eles. eõnTextoíImediatoepróprio), que aceiteconviver
com a incerteza e os seus mistérios, que consiga
No ensino, essa disfunção se expressa pela òrderíár e fã2êf sênfidõ do caos e da complerfda-
preocupação em esquematizar conteúdos p r o d u - dèTsêm~tlrar-lhe à dinâmica, sem aruJlciafizá-la
zidos de maneira divorciada da realidade e até e simplifica-la. Sooretudo, c o n s t r u i n d o u m a
mesmo da investigação científica que produz o perspecllvalifítlca que além de refletir sobre sua
conhecimento. Evidencla-se em s e u contexto própria realidade procura examinar a origem, a
u m a despreocupação p o r estabelecer relação en- natureza, o modo de ser e a finalidade "do conhe-
tre ideias e realidade, educador e educando, cimento em geral e do conhecimento científico
teoria e ação, promovendo-se assim a desperso- especialmente, enquanto representação da rea-
nalização do processo pedagógico. lidade (Pavianni, 1988: 24).
Produziu-se, em última análise, a disjunção
Emerge, pois, nesse conjunto de situações, a
do conhecimento em relação à vida h u m a n a e à
necessidade de " u m a nova visão d a realidade que
condição social. Esse aspecto se constitui, por
transcenda os limites disciplinares e conceituais
certo, n a base que j u s t i f i c a e apoia a atitude de
do conhecimento" (Oliveira. 1989: 7), visão essa,
alienação e irresponsabilidade do homem em
q u e se torna condição para atualizaçào do ensi-
relação a si próprio, a realidade social que cons-
n o . Este é, aliás, o verdadeiro princípio da sua
trói e a realidade n a t u r a l que perturba.
atualização e não apenas a utilização de recursos
tecnológicos modernos.
D E S A F I O S À EDUCAÇÃO F A C E ÀS Portanto, o desafio que é apresentado à edu-
DIFICULDADES ENFRENTADAS cação, a fim de que contribua para a formação
A necessidade de superação das dificuldades de pessoas capazes de se defrontarem com os
já expostas cresce em importância p a r a a socie- problemas do seu ambiente c u l t u r a l e natural,
dade e a educação. No entanto, n a busca das consiste em que se apresente como u m a ação
soluções a seus problemas, ambas podem agir educativa dinâmica e dlalética, visando desen-
(como em geral, infelizmente, vêm agindo) de volver entre seus participantes a consciência da
realidade h u m a n a e social, da qual a escola faz

30
parte, mediante u m a perspectiva globalizadora. "Se essa for m a i s u m a moda, não me interes-
O importante, porém, náo é, táo-somente, "essa sa..." Assim se expressou u m a professora ao
manifestar seu receio de que a interdisciplinari-
nova consciência do problema, mas também o dade viesse a se c o n s t i t u i r em u m a novidade a
trabalho de reflexão critica dos educadores, n o ser imposta aos professores, com poucos resul-
tempo e no espaço, de suas próprias ativldades, tados práticos n o desenvolvimento e melhoria do
com u m objetivo de a b r i r caminho de soluções processo educacional.
para o problema do homem de hoje, situado n u m
É adequado a q u i relembrar que a moda ocor-
contexto de pluralismo c u l t u r a l , axiológico e re q u a n d o u m a concepção pedagógica é verbal-
ideológico" (Pavianni, 1988: 21). mente repetida, sem que, n o entanto. Impregne
a ação das pessoas; fica no plano d o discurso e
CONSTRUÇÃO DA VISÃO p o r isso não é utilizada para transformar a rea-
lidade.
INTERDISCIPLINAR NO C O N T E X T O
ESCOLAR Como, então, t r a b a l h a r a interdisciplinarida-
de n a s escolas onde professores não tomaram
Cabe agora, pois, estabelecer u m sentido conhecimento d o s e u significado e não estão
mais abrangente, aprofundado e significativo às conscientes de s u a importância, por estarem
experiências pedagógicas, para as quais a inter- mais preocupados c o m questões comuns do co-
disciplinaridade m u i t o t e m a c o n t r i b u i r . Isso t i d i a n o escolar? Seria impossível s u a prática
porque a realidade com a qual o ensino propõe-se n u m contexto escolar sobremodo preocupado
a levar o aluno a conhecer "é u m fenómeno com questões corriqueiras, como falta de mate-
múltiplo, diversificado; e todos os conhecimentos r i a l básico escolar?
e interpretações, enquanto só explicam u m a par- Vale alertar q u e se o professor analisar ade-
te d a realidade, permanecem sempre inacaba- quadamente o s e u cotidiano escolar e vital Irá
dos" (Pavianni, 1988: 46). Identificar facilmente inúmeras dificuldades que
r e s u l t a m d a ótica fragmentadora, o que, por s i ,
É importante, para tanto, cultivar u m a pers- estabelece a necessidade do enfoque Interdisci-
pectiva e atitude voltadas para a superação de p l i n a r e globalizador no ensino.
visões de qualquer ordem, sem encobrir a m b i -
guidades e escamotear diferenças. Torna-se ne- Torna-se necessário e possível, nesse quadro
d a realidade, t r a b a l h a r a interdisciplinaridade
cessário, sobretudo, superar a problemática como u m processo que leva em consideração a
clássica do ensino, qual seja a de concretização c u l t u r a vigente e a sua transformação, como
de Ideias em ação. D o contrário, vai-se c r i a r condição f u n d a m e n t a l para que promova os
apenas u m novo modismo em educação. princípios Interdisciplinares. E m primeiro lugar.

32 33
é necessário que se dê importância a esses p r i n -
cípios, como orientadores da prática e não como
parte de u m corpo conceituai que se deve inte-
grar logicamente (como acontece n a disciplinari-
dade). Entenda-se, portanto, que o espirito d a
Interdisciplinaridade é m a i s importante que a
letra que a representa. Seu caráter não é norma-
tivo e s i m explicativo e inspirador.
E m continuidade, é necessário que se dê
atenção ao estágio em que o corpo docente de
u m a escola se encontra, em relação ao processo
interdisciplinar, e movitá-lo a expressar e discu-
t i r em conjunto os problemas principais do ensi-
no e seus esforços, sob a ótica da elaboração
globalizadora do conhecimento.
Necessariamente, serão indicados pelos pro-
fessores problemas relacionados à fragmentação
e dissociação, pois eles estão subjacentes a todo
processo social e se acham manifestados e m
todas as dimensões do conjunto c u l t u r a l h u m a -
no. E m consequência, irão mostrar a necessida-
de de busca de diálogo e de integração, sem n o
entanto, nesse estágio preliminar, terem os pro-
fessores alterado sua postura mental e s u a orien-
tação em relação ao conhecimento. E é sobre
essa limitação que deve ser estabelecida a base
d a transformação pedagógica.
Emerge, nesse processo, o desenvolvimento
de atitude e consciência de que trabalhando
dentro de u m sistema de Interdisciplinaridade o
professor produz conhecimento útil, portanto,
interligando teoria e prática, estabelecendo rela-
ção entre o conteúdo do ensino e realidade social
escolar.
A fim de se compreender melhor a questão d a
interdisciplinaridade, torna-se necessário co-
nhecer o sentido de disciplina e do paradigma
disciplinar q u e o determina.
Orientando-se pela concepção dicotomlzado-
r a , o termo disciplina é utilizado para indicar d o i s
enfoques relacionados ao conhecimento: o epis-
temológico, relativo ao modo como o conheci-
m e n t o é produzido, e o pedagógico, referente à
maneira como ele é ofgánlzadõ~no ensino, p a r a
promover a aprendizagem pelos alunos. Veja-
mos, a seguir, a distinção básica entre ambos,
mesmo correndo o risco de reforçar a sua dico-
tomização.

E N F O Q U E EPISTEMOLÓGICO ^
Segundo o enfoque epistemológico, disciplina é:
- Uma ciência (atividade de investigação)
- Cada u m dos ramos do conhecimento
A disciplina (ciência), entendida como u m
conjunto específico de conhecimento de caracte-
rísticas próprias, obtido por meio de método
analítico, linear e atomizador d a realidade, p r o -
duz u m conhecimento aprofundado e parcelar
(as especializações). Ela corresponde, portanto,

37
a u m sabei especializado, ordenado e profundo, tico promove, no contexto escolar, mediante r a -
que permite ao homem o conhecimento da reali- ciocinio lógico formal, caracterizado pela l i n e a r i -
dade, a partir de especificidades, ao mesmo t e m - dade e atomização, já agora maior do q u e fora
po em que deixa de levar em consideração o todo produzida, u m mais acentuado distanciamento
de que faz parte. Disciplina e Ciência, portanto, do conhecimento, em relação á realidade de que
se correspondem e têm como elemento básico a emerge. T a l procedimento estaria em acordo com
referência e o estudo de objetos de u m a mesma o que parece ser uma das funções essenciais d a
natureza (Ander-Egg, 1984). disciplina que, conforme demonstrado por Faure
E m consequência desse enfoque, a h u m a n i - (1962:62), é "não a de a m p l i a r seu domínio, mas
dade conta c o m u m acervo de conhecimentos sim d i s t r i b u i r sanções, através de laudações e
que se caracteriza por u m verdadeiro mosaico, conformidade". Ela estabeleceria, em decorrên-
ao mesmo tempo deslumbrante e estonteante, cia de u m princípio de certeza, não apenas bar-
dados os seus múltiplos aspectos, a s u a diversi- reiras intelectuais entre u m a área e outra, m a s
dade. Os ganhos que possam promover no en- também u m a inadequada e fictícia segurança n o
tanto dependem de u m a visão de conjunto capaz trato das questões pedagógicas, por evitar o u
de d a r a devida importância a todos o s aspectos d i m i n u i r o âmbito de Incertezas e inesperados.
e m conjunto e de forma interativa. Sendo o conteúdo das disciplinas de ensino o
resultado de u m duplo processo de atomização,
instaura-se, por esse procedimento, e e m conse-
E N F O Q U E PEDAGÓGICO quência, a ênfase sobre informações Isoladas que
Segundo o enfoque pedagógico, disciplina é passam a valer por elas mesmas e não por s u a
termo que corresponde a: capacidade de ajudar o h o m e m a compreender o
m u n d o , s u a realidade e a posicionar-se diante de
- atividade de ensino o u o ensino de u m a área seus problemas vitais e sociais; desculda-se,
da Ciência igualmente, do processo de apropriação crítica e
- ordem e organização do comportamento inteligente do conhecimento e mais ainda de s u a
No contexto pedagógico, o conhecimento Já produção, u m a vez que o ensino, em geral, cen-
produzido, conforme o enfoque epistemológico tra-se n a reprodução do conhecimento Já p r o d u -
anteriormente descrito, é submetido, novamen- zido. Consequentemente, o ensino deixa de
te, ao tratamento metodológico analítico, linear formar cidadãos capazes de participar do proces-
e atomizador, agora com o objetivo de facilitar a so de elaboração de novas Ideias e conceitos, tão
fundamental para o exercício da cidadania críti-
sua apreensão pelos estudantes. O objetivo didá-

38 39
ca e participação n a sociedade moderna, onde O P A R A D I G M A POSITIVISTA Q U E
t a n t o se valoriza o conhecimento. CONSTITUI A DISCIPLINA
É a partir desse enfoque da organização interna As disciplinas o u corpos de conhecimento
dos conteúdos, cuja apreensão demanda atenção especializado foram construídos a partir de u m
do aprendiz e quietude mental, que poderíamos paradigma teórico-metodológico q u e norteou a
explicar o entendimento desenvolvido n o contexto determinação da visão especializada de m u n d o ,
escolar de disciplina e "falta de disciplina", como centrado, sobremodo, nas proposições de Des-
comportamento. É m u i t o frequentemente conside- cartes e Newton, combinando empirismo e lógica
rado "indisciplinado", o aluno que Identifica e formal. A compreensão de seus fundamentos nos
questiona as ambiguidades e contradições do co- permite apreender, em parte, como se chegou ao
nhecimento ou que, não vendo espaço para t a l ponto em q u e sentimos necessidade de retomar
questionamento, se desestimula e m relação ao a u m a visão de m u n d o de longe esquecida.
objeto de ensino e passa a assumir comportamen-
tos dispersivos. Nesse contexto, o a l u n o não é Sendo, pois, a disciplina o u dlsdplinaridade
considerado como pessoa total e sim, tão-somente, resultado d o paradigma positivista que v e m
em sua dimensão cognitiva, em total rejeição a orientando a produção do conhecimento, para
expressões do domínio afetivo e psicomotor, asso- compreendê-la mais plenamente, é útil, p o r t a n -
ciados à atividade (dai por que o ensino venha a to, compreender esse paradigma.
ter u m elevado caráter de passividade). - Sobre q u e pressupostos se assenta a p r o -
dução do conhecimento n o paradigma positi-
D a mesma forma, não se admite, n e m mesmo vista?
no plano cognitivo, qualquer interaçáo entre o - Q u a l s e u método?
indivíduo cognoscente e o conhecimento, questio- - Q u a l s e u objetivo?
nando-o, analisando-se o conteúdo e m seu signi-
ficado e sob vários ângulos. A superação dessa a) Pressupostos da construção disciplinar
limitação se pode d a r n o ensino, não apenas me-
diante o desenvolvimento de processos mentais no A visão de realidade positivista que orientou
desenvolvimento da aula, estimulando-se o aluno o desenvolvimento de disciplinas o u áreas espe-
a realizar, por exemplo, comparações, extrapolações, cializadas de estudo associa-se à compreensão
interpretações, exemplificações, sínteses, deduções, de que:
como também pondo-se em crítica a forma de • o universo é u m sistema mecânico composto de
tratamento no processo de ensinar. unidades materiais elementares, em vista do

40 41
que podem ser compreendidas de forma des- fragmentação o u atomização gradativa da rea-
contextuallzada; lidade em s u a s unidades menores, para co-
• a realidade nesse universo é regular, estável e nhecê-las (atomização), de que resultam as
permanente, tendo existência própria; variáveis, isto é, unidades mínimas de análise
(reducionismo);
• a realidade é como é, preexiste à percepção pelo
homem, e m vista do que o processo de conhe- consideração d a percepção sensorial como fon-
cer é neutro; te básica de conhecimento de verdade;
• a matéria é a realidade última e os fenómenos Isolamento d o fenómeno estudado, e m relação
espirituais nada mais são do que u m a m a n i - ao contexto d e que faz parte (a-historicidade);
festação d a matéria; organização das partes estudadas, segundo leis
• a verdade é absoluta, objetiva e existe inde- causais unidirecionais (linearidade);
pendentemente do sujeito cognoscente; distanciamento do observador em relação ao
• a vida em sociedade é u m a Juta competitiva pela objeto observado, de modo a garantir objetivi-
dade;
existência;
• o progresso material é limitado e alcançável estudo de validação e fidedignidade dos instru-
pelo crescimento económico e tecnológico; mentos de medida, com vistas a garantir objeti-
vidade (identificação de regularidade, estabili-
• a matéria é inerte e passiva, contida n a forma, dade e rxamanência);
com u m significado próprio identificável, me-
diante a adoção de método científico; análise quantitativa e explicação estatística d a
realidade, a partir do pressuposto de que a
• a ciência é isenta de valores, u m a vez que estes representação estatística e a realidade c u l t u r a l
são absolutos e existentes n a natureza; coincidem e que t u d o que existe expressa-se
• se alguma coisa existe, existe em alguma q u a n - c o m u m a quantidade;
tidade, e se existe em alguma quantidade, pode simplificação, u m a vez que cada estágio e mo-
ser medida. mento de produção do conhecimento é consi-
derado independente de outro;
b) Método da construção disciplinar
lógica dedutiva, a partir do pressuposto de que
As especializações ou disciplinas específicas
as importantes dimensões de u m fenómeno,
são resultantes de u m método de c o n s t r u i r o
evento o u situação são Já conhecidos e podem
conhecimento que, fundamentado nos pressu-
ser replicados por experimentação.
postos epistemológicos caracterizam-se por:

42 43
c) Objetivo da construção disciplinar não são levados em consideração (por exemplo:
O modelo positivista tem por objetivo explicar psicologia escolar, psicopedagogla e pedagogia).
os fenómenos, com vistas a predizê-los e controlá- c) A m a i o r i a das disciplinas estabeleceram m u i -
los, e m razão do q u e sua orientação é conserva- t a s teorias diferentes, sem, contudo, d e t e r m i n a r
dora. Consequentemente, generaliza informa- relações entre s i , do que resulta o aparecimento
ções de u m a realidade. Essa generalização esta- de teorias paralelas, divergentes, ambíguas e
beleceria leis explicativas, a p a r t i r do pressupos- contraditórias, sem ater-se ao entendimento des-
to de estabilidade, ordem e regularidade dos ses aspectos, a partir da observação dos fenóme-
fenómenos. nos, n o interior de u m a mesma disciplina (p. ex.:
o estudo de chuvas, ventos e rios, em conteúdos
isolados u n s dos outros).
CONSEQUÊNCIAS DO PARADIGMA
POSITIVISTA Acrescenta-se ainda o fato de que, pela ato-
mização, o paradigma positivista tem estabeleci-
Veriflca-se, portanto, que o enfoque episte-
do u m a visão dicotomizadora da r e a l i d a d e ,
mológico e o pedagógico apresentam aspectos
segundo a qual a realidade ou é isso o u aquilo.
comuns d a disciplinaridade e que são devidos ao
Por exemplo: o comportamento h u m a n o seria
paradigma d o q u a l ambos são emergentes. A l -
r e s u l t a d o de processamentos internos à pessoa
guns desses problemas comuns (Edutec, 1975)
(Psicologia) o u de influências externas (Sociolo-
são:
gia). A aprendizagem do aluno seria o r i e n t a d a
a) O domínio de estudo de u m a disciplina con- p o r s e u s processos interiores (Psicologia da
siste em vários subconjuntos claramente cir- Aprendizagem) o u pela organização do ensino
cunscritos, que põem em relevo u m mesmo (Metodologia). Essa visão d a realidade leva a que
domínio material (por exemplo, ao estudar-se o se v e j a m as soluções de problemas como sendo
ser h u m a n o , ávida mental do homem é estudada possíveis mediante intervenções setorizadas e
n a psicologia; as propriedades anatómicas, físi- dissociadas entre si.
cas e químicas, que mantêm u m organismo vivo,
são estudadas pela fisiologia).
b) As diversas disciplinas se sobrepõem conside-
ravelmente, tratando das mesmas questões sob
diferentes enfoques, criando, dessa forma, cam-
pos de ambiguidade entre elas, que, n o entanto,

44 45
básico reconhecer que as disciplinas, como
u t o do desenvolvimento histórico, encon-
-se em transição c o n t i n u a e estão submeti-
a forcas exteriores e m constante mudança,
mo por exemplo valores culturais, condições
económicas, ideologias políticas. Em vista disso,
I reavalia-se a questão de como elas vêm sendo
produzidas e mantidas, de modo que se estabe-
lece, no momento, a necessidade de superação
da visão dicotômica que o r i e n t a seu desenvolvi
to, que se manifesta como o cerne das diíl-
ldades e limitações produzidas pelo paradigma
positivista.
A disciplinaridade e ensino por disciplinas
ssociadas se constrói mediante a aplicação dos
cípios da delimitação interna, da fixidez n o
_eto próprio de análise, pela decomposição de
problemas em partes separadas e sua ordenação
{fsterior, pelo raciocínio lógico formal (Descar-
caracterizado pela regra d a exclusão do que é,
que não é (princípio da certeza). Por conse-
te, c o n s t i t u i n u m a visão limitada para orien-
a compreensão da realidade complexa dos
pos modernos e da atuação em seu contexto.

> •
:
49
>1*
LIMITAÇÕES DO PARADIGMA é condição para o avanço da compreensão d a
POSITIVISTA realidade. S u a negação corresponde ao desenvol-
A compreensão da tendência à complexidade vimento não apenas de uma visão limitada d a
crescente d a realidade demanda u m a forma de realidade, m a s também alienada, visto que d i s -
percebê-la e explicá-la de forma coerente c o m socia o h o m e m t a n t o d a realidade que cria, q u a n -
suas dimensões. E m vista disso, o modo de ftda representação que faz da mesma.
produzir e tratar conhecimento pela fragmenta- S. O reconhecimento da realidade como comple-
ção sucessiva e princípio da fixidez esgotou s u a " * i d a d e organizada implica que se busque c o m -
possibilidade de c o n t i n u a r a c o n t r i b u i r para o preendê-la mediante estratégias dinâmicas e
avanço da c u l t u r a h u m a n a e melhoria da q u a l i - flexíveis de organização da diversidade percebida,
dade de vida, correndo-se até o risco de, pela sua de modo a se compreender as múltiplas interco-
continuidade, promover a destruição das condi- nexões nela existentes.
ções que possibilitaram o desenvolvimento c u l - A ideia de complementaridade de interação
t u r a l do homem e da civilização. entre dualidades determinou que se concluísse
Entende-se hoje que o m u n d o não consiste por entender a relação sujeito-observador e obje-
de "coisas" isoladas, e s i m de interações-, pela to-observado, como reciprocamente influentes.
complementaridade de dimensões que dela fa- O reconhecimento dessa interinfluêncla está s i n -
zem parte, "constituindo u m a complicada m a l h a tetizado n a ideia de que "o que observamos não
de ligações operativas complexas e não lineares" l :é a realidade e, s i m , a realidade que se percebe
(Oliveira, 1989: 8). É composto de u m a m u l t i p l i - e apreende pelo método adotado para observá-la e
cidade de fatores que não são m u t u a m e n t e ex- \ questioná-la" (Oliveira, 1989: 17). Assim, aneces-
cludentes, e sim explicados e Justificados u n s e m < èidade de se alterar o método de análise, para outro
relação aos outros. Quando formados em d u a l i - mais abrangente, resulta não apenas do reconhe-
dades, estabelecendo-se dicotomias, como por cimento da limitação do método, mas do reconhe-
exemplo indivíduo e sociedade, há de se entender cimento da relação método-conhecimento.
tratar-se de dimensões de u m a mesma realidade, Emerge, portanto, n o quadro referencial des-
u m a vez q u e u m a não existe sem a o u t r a , e que, s a s Ideias, a necessidade de u m a visão da reali-
conforme apontado por Niels Bohr, "os contrários dade que transcenda os limites disciplinares e
se complementam" (cf. Capra, 1991). iitconceituais do conhecimento (Oliveira. 1989: 7).
O reconhecimento do paradoxo, d a a m b i g u i - A i n t e r d i s c i p l i n a r i d a d e , p o r t a n t o , propõe
dade e convivência de concepções antagónicas. u m a orientação para o estabelecimento da es-

51
queclda síntese dos conhecimentos, não apenas celto de currículo de há m u i t o adorado e toda sua
pela Integração de conhecimentos produzidos teorização perseguia, desde o início, t a l objetivo.
nos vários campos de. estudo, de modo a ver a Há, também, que se integrar Ciência e Peda-
realidade globalmente, mas. sobretudo, pela as- gogia, conforme anteriormente indicado, u m a
sociação dialética entre dimensões polares, como *Vez que n e n h u m a área de conhecimento e ne-
por exemplo teoria .e prática, açáo e reflexão, n h u m a dicotomia deve escapar da ótica globali-
generalização e especialização, ensino e avalia- ssadora.
ção, meios e fins. conteúdo e processo, indivíduo A Ciência, para seu desenvolvimento e clari-
e sociedade, etc. ficação, depende da comunicação, d a divulga-
Mediante u m a t a l síntese, a pessoa, conscien- ção, isto é, seu desenvolvimento vincula-se a
te de que faz parte do objeto conhecido, j á mesmo u m a expressão do ensino. Por outro lado, o
por conhecê-lo, ao ver a realidade, vê-se nela e ensino depende da Ciência, u m a vez que, em
não fora dela, enquanto mera observadora. Con- u m a instância, constitui-se n u m trabalho de
sequentemente, a lógica formal do princípio d a mediação entre o saber produzido e os aprendi-
certeza é substituída pela lógica paradoxal do zes. Ensino e Ciência, Pedagogia e Epistemologia
constituem, portanto, duas dimensões de u m a
princípio da dúvida. m e s m a realidade. A dissociação de ambas cor-
responderia, por conseguinte, a u m a visão In-
SUPERAÇÃO DA VISÃO DICOTÔMICA completa e parcelar d a realidade (a ótica da
E N T R E EPISMOLOGIA E PEDAGOGIA disciplina) e a integração das mesmas correspon-
deria à visão interativa, relacional, global da
O reconhecimento de que o paradigma frag- realidade (interdisciplinaridade). Há que se s u -
mentador esgotou s u a possibilidade de conti- perar a "mentalidade que separa e esconde as
n u a r a contribuir para o desenvolvimento d a relações entre a situação pedagógica e a situação
humanidade suscita a busca de u m a ótica que, epistemológica, isto é, entre o ensinar e a produ-
n a dimensão epistemológica, promova o estabe- ção de conhecimentos científicos" (Pavianni,
lecimento de u m concerto, u m a interação n o 1988: 20).
campo d a Ciência, entre os conhecimentos pro-
duzidos (Metaciência); e, na Pedagogia (Pedagogia Essa mudança de a t i t u d e deve constituir-se
Holística). leve à associação do que ê ensinado n a pedra angular para a orientação e superação
às condições concretas da vida. de maneira a de todas as demais dicotomias.
atribuir-lhe maior autenticidade, além de intera-
ção das múltiplas dimensões do ensino. O con-

52
PRÁTICA E ESTÁGIOS DA CAMINHADA É fácil, pois, reconhecer que, embora esses
INTERDISCIPLINAR •Hf'' aspectos sejam associados à prática iiiterdiscipll-
• nar, eles não podem ser considerados como o
A superação d a fragmentação, linearidade e • j " processo todo. Muitas vezes, n o entanto, são con-
artiflcializaçao, tanto do processo de produção siderados como o ponto de chegada de u m esforço
do conhecimento, como d o ensino, b e m como o i \ no sentido de construir a interdisdpllnarldade e
distanciamento de ambos em relação à realidade, M\ não, tal como se propõe, como u m passo o u m o -
6 v i s t a como sendo possível, a p a r t i r de u m a mento desse processo.
prática mterdisciplinar. É interessante notar que Dado o conceito, anteriormente formulado, é
a proposição de interdisciplinaridade surge, so- ' possível s u g e r i r que a interdisciplinaridade p l e -
bremodo, no contexto de instituições de ensino, W na (transdisciplinaridade) só ocorreria q u a n d o
onde se pratica o ensino e a pesquisa. \ da efetivação d a sua finalidade (aluno com visão
1

S u a prática, no contexto da sala de aula, i m - global de m u n d o ) e que u m a interdisciplinarida-


de fictícia (multidisciplinaridade) ocorre n o s e u
plica n a vivência do espírito de parceria, de inte- objetivo Imediato e processual (linguagem co-
gração entre teoria e prática, conteúdo e realidade, ;m u m entre professores). Caso, no entanto, essa
objetividade e subjetividade, ensino e avaliação, prática l i m i t a d a seja questionada como não cons-
meios e fins, tempo e espaço, professor e aluno, tituindo interdisciplinaridade, susta-se qualquer
reflexão e ação, dentre muitos dos múltiplos lato esforço que possa, em u m momento futuro, a l -
res interagentes do processo pedagógico. cançar estágios mais significativos de desenvol-
Há n a literatura indicação do que não é inter- vimento da prática interdisciplinar.
disciplinaridade, como u m alerta p a r a se evitar Desta forma, em vez de n o s ai ermos a r o t u l a r
que se usem as velhas práticas c o m nova deno- uma experiência, identificando se é ou não prá-
minação. Aponta-se que ela é erroneamente con- tica Interdisciplinar, devemos, antes e acima de
í tudo, compreender o que ela representa em rela-
fundida c o m : ção à c a m i n h a d a interdisciplinar que objetiva,
- t r a b a l h o cooperativo e em equipe; Hljpem última instância:
- visão c o m u m do trabalho, pelos participan-
- a realização do homem como pessoa, em todas
tes de u m a equipe; as suas dimensões;
- integração de funções; - a superação de individualismo, desesperança,
- c u l t u r a geral; desajustamentos, enílm, problemas existenciais,
- Justaposição de conteúdos; oriundos de uma ótica fragmentadora;
- adoção de u m único método de trabalho por - a integração política e social do homem e m
seu meio.
várias disciplinas.
Cabe à educação ajudar ao homem em todos
esses aspectos. Essa é a sua finalidade como
deveria ser a finalidade de todas as ações h u m a n a s
voltadas para a formação do homem (Pedagogia,
Medicina, Enfermagem, Fonoaudiologia, e tantas
quantas sáo as divisões do conhecimento).
A educação, enquanto se propõe a formar o
cidadão para viver uma vida em sentido m a i s
pleno possível de modo que possa conhecer e
transformar s u a situação social e existencial
marcada pela complexidade e globalidade, m o s -
t r a necessidade de adotar o paradigma da inter-
disciplinaridade. No entanto, não é a ação do
ensino q u e vai garantir tais resultados, mesmo
como u m enfoque interdisciplinar. Isso porque a
qualidade devida de pessoas depende da c o n j u n -
ção de múltiplos fatores da sociedade como u m
todo, em relação aos quais o ensino pode apenas
auxiliar o educando a compreender.
A compreensão da diferença entre objetivo e
finalidade é importante, a fim de que se entenda
que a prática d a interdisciplinaridade, por s i , não
promove aqueles resultados. Isso porque eles
dependem d a determinação de u m c o n j u n t o
m u l t o maior de orientações, e a interdisciplina-
ridade, por s u a vez, de ações e atitudes mais
especificas.
A interdisciplinaridade, n o campo da Ciência,
corresponde â necessidade de superar a visão
fragmentadora de produção do conhecimento,
como também de articular e produzir coerência
entre os múltiplos fragmentos que estão postos
no acervo de conhecimentos da h u m a n i d a d e .
Trata-se de u m esforço n o sentido de promover
a elaboração de síntese que desenvolvam a con-
tínua recomposição da u n i d a d e entre as múlti-
plas representações d a realidade.
Busca-se estabelecer o sentido de u n i d a d e n a
diversidade, mediante u m a visão de c o n j u n t o ,
que p e r m i t a ao homem fazer sentido dos conhe-
cimentos e informações dissociados e até mesmo
antagónicos que vem recebendo, de tal modo que
possa reencontrar a identidade do saber n a m u l -
tiplicidade de conhecimentos.
£ essa busca de unidade constitui u m a aspi-
ração do homem que sempre almeja estabelecer
sentido sobre as questões antagônlas, opostas e
desordenadas com que se defrontou.
E l a se manifesta também no campo d a Peda-
gogia, onde a interdisciplinaridade representa a
possibilidade de promover a superação d a disso-
ciação das experiências escolares entre si, como
também delas com a realidade social. Ela emerge

59
d a compreensão de que o ensino náo è tao-so- Paradigmático
mente u m problema pedagógico e s i m u m pro- - Visão de conjunto de u m a realidade, median-
blema epistemológico. te permanente associação d a s diferentes d i -
O objetivo da interdisciplinaridade é, p o r t a n - mensões (disciplinas) c o m q u e pode ser
analisada.
to, o de promover a superação d a visão r e s t r i t a
de m u n d o e a compreensão da complexidade d a - Visão global e não fragmentada d a realidade.
realidade, ao mesmo tènipo resgatando a centra- - U m a ótlca que abrange todos os aspectos da
lidade do homem n a realidade e n a produção d o produção e uso do conhecimento.
conhecimento, de modo a p e r m i t i r ao mesmo
tempo u m a melhor compreensão d a realidade e ssual
do homem como o ser determinante e determi- - "Concertação o u convergência de várias dis-
nado. ciplinas com vistas à resolução de u m proble-
m a cujo enfoque teórico está, de algum modo,
ligado ao da uca o o u da decisão" (Japlassu,
PROPOSIÇÕES S O B R E O S E N T I D O DA 1976: 32).
INTERDISCIPLINARIDADE • Articulação orgânica de conteúdos e de disci-
Há m u i t a s descrições a respeito de q u a l plinas.
seja o s e n t i d o e significado prático d a i n t e r - • Instauração de diálogo entre várias discipli-
d i s c i p l i n a r i d a d e . R e g i s t r a m o s , a seguir, u m a nas, buscando a unidade do saber.
listagem a p a r t i r da l i t e r a t u r a e das descrições B u s c a de interação entre duas o u mais disci-
de professores e m seminário sobre o t e m a . plinas.
Pode-se v e r i f i c a r que elas convergem p a r a u m Movimento de interação de áreas de conheci-
mesmo e n t e n d i m e n t o , cada u m a delas a p r e - m e n t o diferentes, visando a superação da
s e n t a n d o u m ângulo d a questão o u e x p r e s - visão fragmentada da realidade.
sando apenas de m o d o d i f e r e n t e o m e s m o Metodologia pluralista, caracterizada por crí-
p o n t o de v i s t a . Essas ideias podem ser a g r u - tica permanente.
padas segundo a ênfase que estabelecem so- Movimento de saber orientado pela busca per-
b r e d i f e r e n t e s aspectos paradigmático (ótlca), manente de relações recíprocas de conheci-
p r o c e s s u a l , técnico, de r e s u l t a d o s . Vejamos, mento, de maneira a deslocar suas fronteiras.
p o i s . a l g u n s enfoques: V i a possível de ampliação do exercício crítico.

BI
- Complementaridade e Integração de áreas visando tanto a produção de novos conhedmen-
diferentes de estudo. Itos, como a resolução de problemas, de modo
global e abrangente. A p a r t i r deles, e c o m o
Técnico sentido de alargá-los, como u m a praxis, isto é,
- U m a ferramenta utilizada para superar a um processo de reflexão-ação, a interdisciplina-
fragmentação do ensino. ridade ganha foro de vivência (escapando à dis-
llnaridade) e estabelece a hominizaçáo em
- U m a ferramenta utilizada para produzir no- u processo.
vos conhecimentos, pela integração dos j á
produzidos. O pensar e o agir interdisciplinar se apoiam n o
noípio de que n e n h u m a fonte de conhecimento
De resultados e m s i mesma, completa e de que, pelo diálogo
- Superação d o saber disciplinar. 3fcom outras formas de conhecimento, de maneira
fpi se interpenetrarem, surgem novos desdobra-
- Síntese de duas o u mais disciplinas, de modo mentos na compreensão da realidade e sua repre-
a estabelecer u m novo nível de representação sentação (Fazenda. 1979). A interdisciplinaridade
d a realidade, mais abrangente, de que resulta Hbnbém se estabelece a partir d a importância e
o estabelecimento de novas relações. ^necessidade de u m a contínua intcrlnfluência de
- "Formação do cidadão do m u n d o , quer dizer, >j teoria e prática, de modo que se enriqueçam reci-
pessoas abertas à pluralidade de paradig- procamente.
mas, de horizontes c u l t u r a i s " (Vattimo, 1962: U m a série de proposições, entendidas como
16). do processo interdisciplinar, foram apon-
De todos esses entendimentos, apresen ta-se das pelos professores do Colégio Imperatriz
restrição aos referentes ao sentido de "ferramen- D o n a Leopoldina (Entre-Rios, Guarapuava - PR),
ta", apresentado em relação ao aspecto técnico, EJm um estudo sobre o tema, a saber:
por reforçar o sentido limitado e impessoal que - estabelecimento de ligação de disciplinas entre si;
se pretende superar c o m a interdisciplinaridade. estabelecimento de linguagem e orientação
A interdisciplinaridade, do ponto de vista d a comum entre os professores;
laboração sobre o conhecimento e elaboração do - integração do ensino à realidade;
mesmo, corresponde a u m a nova consciência da superação d a fragmentação do ensino para
realidade, a u m novo modo de pensar, que resul- promover a formação global e critica do aluno;
ta n u m ato de troca, de reciprocidade e integra- - formação do aluno para enfrentar os proble-
cao entre áreas diferentes de conhecimento. mas globais do m u n d o a t u a l .

63
Levando em consideração esses aspectos, e m |j • A realidade desse universo é dinâmica, estando
conjunto, e integrando-os, foi desenvolvido o se- em contínuo movimento, sendo construída so-
guinte conceito de interdisciplinaridade p a r a o cialmente.
contexto do ensino, c o m u m caráter operacional, 1 • A verdade é relativa, pois o que se conhece
de m o d o a orientar à ação: depende diretamente da ótica do sujeito cog-
"Interdisciplinaridade é o processo que envol- s' noscente. Vale dizer que a realidade não tem
ve a integração e engajamento de educadores, significado próprio, sendo este a ela atribuído
n u m t r a b a l h o conjunto, de interaçáo das disci- • pelo h o m e m .
plinas do currículo escolar entre s i e c o m a Quanto ao método, a interdisciplinaridade é
realidade, de modo a superar a fragmentação d o •[construída mediante:
ensino, objetivando a formação integral dos a l u -
nos, a fim de que possam exercer criticamente a R* O estudo das forças interativas que interligam
cidadania, mediante u m a visão global de m u n d o as várias dimensões que caracterizam u m fe-
e serem capazes de enfrentar os problemas c o m - nómeno. Vale dizer que a interdisciplinaridade
plexos, a i u pios e globais da realidade a t u a T . wL não é o b t i d a procurando estabelecer relações
B; entre conhecimentos considerados desvincu-
ladamente d a realidade.
PRESSUPOSTOS DA 1'fA construção do conhecimento interdisciplinar
INTERDISCIPLINARIDADE se processa por estágios o u etapas de matura-
A construção do conhecimento i n t e r d i s c i p l i - ção de consciência. E m v i s t a disso, o esforço
n a r 6 orientada por pressupostos e respectivos de construção d o conhecimento interdiscipli-
métodos, que se diferenciam diametralmente d a - I ' n a r constitui u m trabalho de construção d a
queles q u e orientam a construção d o conheci- | i • consciência pessoal globalizadora, capaz de
mento disciplinar especializado.
1
compreender complexidades cada vez mais
"amplas.
Como pressupostos fundamentais d a 6t i c a

Í
interdisciplinar tem-se: Embora complexa, a realidade é u n a , u m a vez
• A realidade, isto é, o campo e horizonte deter- que todos os seus aspectos são interdependen-
m i n a d o de vida, é construída mediante u m a tes, não têm significado próprio e sim no con-
teia de eventos e fatores que ocasionam conse- texto de que fazem parte. Consequentemente,
quências encadeadas e reciprocas. o conhecimento é unitário e as diversas ciên-
t** d a s se prendem umas às o u t r a s por vínculos
de profunda afinidade. O que é importante

64 65
conhecer sobre a realidade são suas caracte- JNTERDIS CTPLIWARIDADE COMO
S R O C E S S O D E CIRCULARIDADE ENTRF
rísticas unificadoras. ÍDISCIPLINAS
• O conhecimento produzido em qualquer área,
por mais amplo que seja, representa, apenas A interdisciplinaridade não consiste n u m a
de modo parcial e limitado, a realidade. A alorização das disciplinas e do conhecimen-
consciência d a parcialidade de nosso conheci- uzldo por elas. Conforme M o r l n (1985:33)
mento sobre a realidade supõe a necessidade a, "o problema não está em que cada u m a
de i r além dos limites postos pela visáo disci- a s u a competência. Está e m que a desen-
plinar, rompendo fronteiras. a o suficiente para articular com as outras
• T u d o está relacionado com tudo m a i s : causas, jetências (disciplinas e conhecimentos) que,
as em cadela, formariam o anel completo e
problemas e soluções estão totalmente i n t e r l i - Amico, o anel do conhecimento do conheci-
gados em u m grande continuum* (Peccei e Ike-
da. 1984: 14).
• "Tudo é Duplo, contudo tem pólos; tudo t e m o ão se trata, portanto, de eliminar a discipll-
seu oposto: igual e desigual são a mesma coisa; ade, embora se critique, como patológica
os opostos são Idênticos em natureza, mas orf i n Morin [19871 e Japiassu [1976]) a
diferentes e m g r a u ; os extremos se t o c a m ; ação e a fragmentação dos conhecimentos,
é ela mesma que oferece os elementos, a s
todas as verdades são meias-verdades; todas mações, as ideias que são utilizadas para
os paradoxos podem ser reconciliados" (Her- i r u m metaconhecimento (conhecimento
mes, segundo Schuré 1986: 72). phecimento).
• "O conhecimento é, como a riqueza, destinado
ao Uso. A posse do conhecimento sem ser ^ C o n h e c i m e n t o é, ao mesmo tempo, u m
acompanhada de u m a manifestação o u ex- éno multidimensional e inacabado, sendo
pressão e m Ação é como u m amontoado de ível sua completude e abrangência total,
metais preciosos, u m a coisa vã e tola" (Hermes, vez que, a cada etapa d a visão globalizadora,
segundo Schuré, 1986: 83). questões e novos desdobramentos s u r -
jTal reconhecimento n o s coloca, portanto,
do fato de que a interdisciplinaridade se
t u i em u m processo contínuo e interminá-
elaboração do conhecimento, orientado
Uma atitude crítica e aberta à realidade, c o m

66
o objetivo de apreendê-la e apreender-se nela, A circularidade deixa de ver barreiras entre
visando m u i t o menos a possibilidade de descre- áreas de conhecimento e, a partir de u m a área,
vê-la e m u l t o mais a necessidade de vivê-la ple- estabelece o diálogo com o u t r a , buscando nela
namente. »elementos necessários para o alargamento expli-
Nesse caso, procura-se estabelecer u m méto- . cativo de a l g u m a problematização proposta, de
do, o menos mutilantc possível, que p e r m i t a gmodo a superar a s concepções redutoras e dis-
estabelecer o diálogo entre conhecimentos dis- i u i t o r a s das disciplinas isoladas.
i,4

persos, fazendo-os desembocar n u m a compreen- E s s e diálogo ê caracterizado por atividades


são d a realidade o m a i s globallzadora possível. làientals como refietir, reconhecer, situar, proble-
Para tanto, "o operador do conhecimento deve B a t i z a r , verificar, refutar, especular, relacionar,
tornar - s e , ao mesmo tempo, o objeto e o agente Hâativizar, historicizar. Ele ocorro na interface
do conhecimento" (Morin, 1987: 30). Hhrre u m a e o u t r a , e entre elas e o quadro referen-
E m vista disso, a circularidade como método H l a l do indivíduo cognoscente, de modo que, por
de elaboração do conhecimento globalizado r não U s s a rotatividade, constrói u m saber consciente
apenas vai de u m conhecimento a outro, fazendo globalizado! da realidade.
com que ambos vão-se modificando gradativa-
mente por essa circularidade, deixando o i n d i v i - >NTRIBUIÇÕES DA
duo cognoscente ínatingido. O indivíduo entra, ÍTERDISCIPLINAR IDADE NO CAMPO DA
necessariamente, n o circuito, de modo q u e ele ^ N C I A E DO ENSINO
pense sobre seu modo de pensar os conhecimen-
tos, estabelecendo o sentido de integração consigo ! Pode-se, resumidamente, apresentar algu-
mesmo e dele para com a realidade, c o n s t i t u i n - kas contribuições da interdisciplinaridade no
do - s e , esse processo, em vista disso, n u m a ver- tampo da ciência e do ensino.
dadeira ciranda de conscientização. 1, No campo d a cXência, isto é, d a produção do
Resgata-se, dessa forma, o entendimento de "hecimento científico, a interdisciplinaridade
que "o conhecimento não pode ser dissociado d a ísenta-se como u m a orientação para resolver
[as ordens de dificuldades, sendo u m a relacio-
vida h u m a n a e da relação social" (Morin, 1987:
,da ao conhecimento Já produzido e outra rela-
21), restabelecendo-se a circularidade entre h o - t a d a à produção de novos conhecimentos,
mem, sociedade, vida c conhecimento, e m que n vista disso, ela é proposta de modo a: contri-
cada u m desses elementos se explicam recipro- *ir para superar a dissociação do conhecimento
camente.

68
produzido e para orientar a produção de u m a de produzir conhecimento passa a ser questio-
nova ordem de conhecimento. nado e demanda-se uma epistemologia capaz de
À ultrapassagem dessa circunstância é pos- estabelecer u i n novo processo de conhecimento,
sível, motivada e orientada pela lógica interdis- que é propiciado apenas m e d i a n t e o permanente
ciplinar que i n d i c a o movimento c i r c u l a r da confronto entre diferentes (Feyerabend, 1989).
busca d a u n i d a d e na diversidade. No campo d o ensino a Interdisplinaridade
constitui condição para a m e l h o r i a da qualidade
1. Awdliar o estabelecimento da unidade do co- do ensino mediante a superação contínua da s u a
nhecimento construído Já clássica fragmentação, u m a vez que orienta a
De acordo c o m Habermas, "o conhecimento é formação global do homem.
c o m u m entre as disciplinas", sendo possível, e m
vista disso, observar-se que há entrevarias áreas 1. No plano imediato, a formação integral ocorre
de conhecimento diferenças m u i t o maiores de n a medida em que os educadores estabelecem:
linguagem e simbologia, do que conceituai, s u b -
a) o diálogo entre suas disciplinas, eliminan-
sistindo essa diferença menos pelo sentido da
do as barreiras artificialmente postas entre os
busca da verdade, e mais pelo Jogo de poder de
conhecimentos produzidos;
pessoas que u s a m o conhecimento para p r o m o -
ção pessoal, o u , ainda, pelo isolamento e falta de b) a interação entre o conhecimento e a reali-
comunicação dessas pessoas e descuido e m es- dade concreta, a s expressões de vida, que sempre
tabelecer o diálogo entre os segmentos de conhe- «dizem respeito a todas as áreas de conhecimento.
cimento que produzem.
32. No plano mediato, a melhoria d a qualidade de
jCnsino corresponde a u m a m e l h o r i a da qualida-
2. Promover avanço do conhecimento
d e de vida, u m a vez que possibilita ao aluno u m a
Com esse objetivo, cria-se novos horizontes,
novas analogias, nova linguagem e novas estru-
turas conceituais. Na medida e m que o campo
t sáo global de m u n d o e de s i mesmo no m u n d o ,
le pode p e r m i t i r o enfrentamento da realidade
$5 a superação do sentido de fragmentação, de
em que são exercidas as atividade» h u m a n a s e Múvlda negativa, de medo de erro na escolha d a
elas próprias são questionadas, tprna-se grada- profissão, etc.
tivamente m a i s complexa a compreensão d a rea-
lidade. E m consequência, o modo simplificador

71

O C O N T E X T O D E DESENVO) VIMENTO Assim, a interdisciplinaridade se constitui em
INTERDISCIPLINAR u m a forma de ver o m u n d o que encontra paralelo
n a Ecologia, n a Gestalt, n o Holismo, no movi-
O enfoque Interdisciplinar consiste n u m es- m e n t o d a Qualidade Total, n a Teoria de Siste-
forço de busca d a visão global d a realidade, como mas, que estabelecem, a partir do mesmo ponto
superação das Impressões estáticas, e do hábito de vista, novos e similares instrumentos concei-
de pensar fragmentador e simplificador da reali- tuais e metodológicos para promover a com-
dade. Ele responde a uma necessidade de t r a n s - preensão do m u n d o que p e r m i t a ao homem
cender a visão mecanicista e linear e estabelecer resolver os problemas amplos com que se defron-
u m a ótica globalizadora que vê a realidade, e m ta, segundo u m a visão interativa e globalizadora.
seu movimento, constituída p o r u m a teia dinâ-
mica de inter-relações circulares, visando esta- O desenvolvimento d a ótica interdisciplinar
belecer o sentido de unidade que ultrapassa a s se assenta sobre o entendimento d a pluridimen-
impressões fracionadas e o hábito de pensar e de sionalldade e complexidade dá realidade que,
exprimir-se por pares de opostos, como condição aliás, dá origem às múltiplas representações em
e resultado final do processo de produção do áreas e teorias diferentes. A compreensão desse
conhecimento. fato leva a que se veja a realidade social, e m
qualquer contexto e sem excluir o escolar, como
A complementaridade de contrários é consi- dividida e pluralista.
derada a chave p a r a elucidar as relações dialéti-
cas dentro da dualidade dos opostos, condição, Conclui-se, pois, ser inviável admitir para orien-
por sua vez, necessária para o estabelecimeto de tar a educação uma visão única e válida para todos
u m a visão de unidade da realidade, constituída os contextos e segmentos educacionais (Pavianni,
por u m vasto conjunto de sistemas caracterizado 1988). A menos que essa concepção seja suficien-
por uma teia de interações (Oliveira, 1989). temente abrangente e crítica, para permitir a refle-
xão sobre os contrastes e contradições nela
A prevalência desse enfoque Já marcou, e m presentes e em suas relações com a sociedade.
outros tempos, o pensamento de Hermes (3000
aC) no q u a l o pensamento grego se abeberou e Como a realidade de cada grupo social e seu
foi expresso por Heráclito de .íjfèso (Oliveira, projeto de sociedade apresentam-se múltiplos e
1989). fazendo também parte da visão taoísta e até mesmo em conflito, é coerente com a ótica
hinduísta de m u n d o , como tarribérn da física interdisciplinar fazer emergir as múltiplas faces
moderna e de alguns princípios filosóficos d a e conflitos e fazê-los confrontar, dialogar, como
Ciência (Capra. 1991). forma de transformação d a prática escolar.

73
Deixar de considerar as p<íssibilidades de
confronto entre as diversas concepções de ensino
e colocá-las como competidoras e derrotadoras
umas das o u t r a s corresponderia a limitar o sen-
tido d a educação, b e m como a estabelecer u m a
ideia de homem (e de educação) geral e abstrata,
Imutável e definitiva.
Portanto, desenvolver a interdisciplinaridade
implica em a d m i t i r a ótlea pluralista das concep-
ções de ensino e estabelecer o diálogo entre as
mesmas e a realidade escolar para superar suas
limitações. Corresponde, pois, a reconhecer que
"a ordem da ação não está presidia por u m só
critério, não é perfeita, é produzida pela confron-
tação de pontos de vista n u m diálogo permanen-
te, que pressupõe a presença de valores por vezes
Incompatíveis" (Novaes, 1992: 14).

74
Considerando que a construção interdisciplinar
centra-se no forjamento do conhecimento em
estreita e intima interconexáo com ávida e inter-
comunhão com os seres, nela é fundamental o
homem, que toma o conhecimento como media-
dor de s i mesmo e a realidade que torna objetiva.
É a partir das representações que os indiví-
duos fazem de s u a realidade, que sobre ela agem,
sendo importante situá-lo e a s u a praxis no cerne
da discussão interdisciplinar.

CARACTERIZAÇÃO D O ESFORÇO
I N T E R D I S C I P L I N A R NA E S C O L A
A i n d a é incipiente, no contexto educacional,
o desenvolvimento de experiências voltadas para
a prática intencional de construção interdiscipli-
nar. E m vista da falta de padrões de referência,
bem como do arraigamento a atitudes dicotomi-
zadoras, há muita insegurança a respeito dessa
prática. Surgem então questionamentos a res-
peito do que seja ou não a prática, a fim de que
se tenha parâmetros de segurança para o enten-
dimento da mesma.
Lembre-se, no entanto, que a discussão sobre
o que é e o que não é interdisciplinaridade pode
estar m a i s associada ao pensamento fragmenta-

77
dor, que estabelece, de maneira artificial, catego- A s s i m , p o r t a n t o , entende-se todo esforço
r i a s mutuamente excludentes e e l i m i n a a visão orientado por u m a intenção de construção d a
de continuidade entre as diversas dimensões de interdisciplinaridade, como parte de u m proces-
u m a mesma realidade, b e m como separa o pen- so contínuo, caracterizado por estágios sucessi-
s a r do fazer e deixa de considerar o movimento vos de significação cada vez m a i s ampla, como
concomitante de construção de experiência e do u m a verdadeira praxis, que v a i alargando o en-
conhecimento correspondente, tendimento dos professores envolvidos, ao mes-
m o tempo q u e v a i transformando a realidade
E m vista disso, é importante compreender pedagógica.
que, em vez de estabelecermos o que é e o que
não é interdisciplinaridade, devemos entender as Consequentemente, os primeiros esforços de
diferentes manifestações no sentido de realiza- professores q u e se engajam n o processo de cons-
ção do movimento interdisciplinar. Essas m a n i - trução de u m a prática interdisciplinar, caracte-
festações, em seu estágio inicial, podem não riza-se, sobremodo, pela construção de u m
representar, segundo aqueles que visualizam o trabalho de equipe, pelo estabelecimento do diá-
processo em seu ponto de chegada, u m processo logo entre professores, de modo que conheçam
interdisciplinar completo. Tal j u l g a m e n t o levaria os seus respectivos trabalhos. À medida que esse
a que se abandonasse u m a vertente de ação, entendimento é conseguido, percebem que ele
considerada errada, para adotar o u t r a , n a espe- não basta, que é necessário questionar o próprio
rança (e n a dúvida) de estar certa, o que, por s i conhecimento e a forma como é produzido e
só, estabeleceria a fragmentação da ação, em trabalhado.
relação ao agente, em relação ao pensar, dentre Segundo, pois, o estágio de maturidade cole-
outros aspectos. tiva dos professores, a prática interdisciplinar se
expressa em diferentes níveis de profundidade
Para que a busca d a interdisciplinaridade se e m diferentes escolas, não se devendo rotular
c o n s t i t u a em u m processo efetivamente interdis- como não sendo Interdisciplinar a prática daque-
ciplinar, é necessário que seja considerada como les que se esforçam para t a l , embora estejam
u m movimento c o n t i n u o de superação de está- ainda apenas dialogando entre si sobre seus
gios limitados de significado e abrangência, isto conteúdos, sem estabelecer u m a visão mais alar-
é, que seja busca e por isso mesmo sujeita a gada d a realidade. É importante, outrossim,
situações de tatelo e até mesmo inicialmente i d e n t i f i c a r esforço, valorizá-lo, identificar as
distanciadas da interdisciplinaridade. transformações alcançadas e orientar o alcance
de novos níveis de visão interdisciplinar.

78
Não há receitas para a construção interdisci- m u i t o c o m u m que é o de apresentar r e c r i m i n a -
p l i n a r n a escola. Ela se constitui em u m processo ções a pessoas o u grupos de pessoas, como se
de intercomunicação de professores que não é não se fizesse parte deles (isto é, "os professores"
dado previamente e s i m , construído por meio de e não nós]. Trata-se de u m a visão idealizada de
encontros e desencontros; hesitações e dificulda- comportamento e não engajada, u m a vez que
des, avanços e recuos, tendo em v i s t a que, ne- estabelece a pressuposição de que individualis-
cessariamente, se questiona a própria pessoa do m o , omissão, acomodação, fossem característi-
professor e seu modo de compreender a realida- cas dos outros e totalmente ausentes nos que as
de, n o processo. Daí por que seus altos e baixos. identificam.
Enquanto a representação da realidade pode
RELAÇÃO E N T R E A T I T U D E E ser a s s i m polarizada, o mesmo não acontece com
INTERDISCIPLINARIDADE a realidade ela mesma. Assim, veriflca-se que o
comportamento h u m a n o se expressa de forma
Reconhece-se que. p a r a o desenvolvimento dinâmica, mediante u m complexo processo de
d a interdisciplinaridade, é fundamental que haja resolução de forças polares interiores, como por
diálogo, engajamento, participação dos professo- exemplo:
res, n a construção de u m projeto c o m u m voltado
p a r a a superação d a fragmentação do ensino e egoísmo altruísmo
de seu processo pedagógico. No entanto, essas omissão participação
não são características facilmente encontradas individualismo espírito de grupo
nas escolas em geral. Registra -se, e m m u i t a s isolamento engajamento
delas, muito mais u m desejo de que t a l situação
ocorra, acompanhado de grande lamentação acomodação ação
pela dificuldade d a prática pedagógica, e m decor- atenção dispersa atenção concentrada
rência dessa falta. sujeito objeto
É c o m u m os professores queixarem-se ser
-impossível praticar a interdisciplinaridade, por O relacionamento interpessoal se processa
causa do individualismo, comodismo e até mes- dinamicamente e nele as polaridades se asso-
mo d o egoísmo dos professores". "Os professores ciam dialetlcamente, podendo, no entanto, m a -
não assumem posições, não se preocupam com nifestar, em certos momentos, e segundo o
o colégio como u m todo", dizem u n s . E interes- c o n j u n t o de circunstâncias e as avaliações que
sante identificar e m tais depoimentos u m cará ter se fazem a ele, mais u m pólo e menos outro, das

80 81

— ÉáJÉÀJ —•-'
dimensões possíveis de comportamento. Há que se - levar as pessoas a expressarem suas ideias,
considerar, n o entanto, que, n a unidade dialética,
"os dois pólos nào se reduzem u m ao outro (como - aceitar ideias dos outros,
no idealismo ou, em contraposição, no realismo - aceitar a possibilidade de errar,
mecanicista), mas se reclamam u m ao outro e se - dar tempo aos colegas de manifestarem suas
exigem em reciprocidade" (Marques, 1988: 24). opiniões,
A questão que se apresenta é sobre como - superar a insegurança,
podemos agir e m situações concretas, de m o d o - desenvolver maior autoconfiança,
a superar atitudes que potencializem poucos
resultados e as transformemos em energia posi- - trabalhar cooperativamente.
tiva e superadora da atitude dicotomizadora.
Essas ideias, emergentes do contexto de pro-
Podemos identificar ações concretas e objetivas
fessores, podem servir como indicador para que
que podemos assumir para orientar nosso esforço
esses profissionais hajam de modo a criar as
pessoal no sentido da superação das atitudes
bases para a construção d a interdisciplinaridade
limitadoras e potenciallzação das positivas. A mes-
em seu trabalho pedagógico.
m a deve ser interpretada em seu caráter de i n s p i -
ração e não normativos. Assim u m grupo de
professores propôs-se a agir no sentido da cons- I N T E R D I S C I P L I N A R I D A D E E A FORMAÇÃO
trução interdisciplinar, valendo-se de procedimen- DO H O M E M
tos e atitudes tais como listados:
A educação t e m por finalidade contribuir para
- usar a oportunidade para falar, expressar m i - a formação do homem pleno, inteiro, uno, que
nhas ideias, alcance níveis cada vez mais competentes de inte-
- expressar crítica construtiva, gração das dimensões básicas - o eú e o mundo -
- fazer autocrítica, como u m processo contínuo a fim de que seja capaz de resolver-se, resolvendo
de compreender-se n o m u n d o , os problemas globais e complexos que a vida lhe
- estudar mais para aprofundar a prática, apresenta, e que seja capaz também de, produzin-
do conhecimentos, contribuir para a renovação da
- aceitar ideias novas, sociedade e a resolução dos problemas com que os
- respeitar os limites de cada u m , diversos grupos sociais se defrontam.
- respeitar e valorizar as Ideias diferentes das Essas duas dimensões - o eu e o m u n d o -, n o
próprias. entanto, estiveram, desde o m u n d o grego, que

82
83
-
sobremodo Influenciou o conhecimento ociden- h u m a n a e de u m homem não n a t u r a l " , de acordo
tal, separadas, em decorrência da maneira como com Moscovici (apud M o r i n , 1988: 13).
o conhecimento era considerado. Sócrates e seu Trata-se, pois, no cerne d a interligação das
discípulo Platão consideravam como sendo a óticas, de produção do conhecimento, de superar
principal função do conhecimento promover o as separações e até mesmo oposições existentes
autoconheclmento (o "conheçá-te a t i mesmo", e apontadas por M o r i n (1988) entre as noções de
colocado no Oráculo de Delfos), com vistas a homem e de animal, de c u l t u r a e de natureza.
promover o crescimento moral, intelectual e es- Essa superação é possível a partir do e n t e n d i -
p i r i t u a l . Consistia no caminho para a sabedoria. mento de que tudo t e m u m a dupla dimensão:
Essa mesma atribuição é dada ao conhecimento, u m a objetiva, ligada às operações práticas, i m e -
entre os orientais, pelo Taoísmo e o Zen. E n t r e - diatas e materiais e o u t r a subjetiva, m e n t a l e
tanto, Protágoras considerava como p r i n c i p a l espiritual, ligada às questões não utilitárias. T r a -
função do conhecimento a capacitação da pessoa ta-se, pois, de restabelecer a intercomunhão e n -
para tornar-se eficaz, como caminho para o aper- tre as diversas dimensões d a vida e dos seres e
feiçoamento e o sucesso n a Terra. Esse enfoque de estabelecer a prática de pensar, a n a l i s a r e
corresponde, entre os orientais, ao Confucionis- r e p r e s e n t a r a realidade s e g u n d o u m esforço
mo. de intercomunicação c o m os outros (Marques,
Estabeleceu-se pois, desde então, u m a dico- 1988).
tomia das funções do conhecimento, que p o l a r i - Essa interligação se caracteriza como f u n d a -
zava o significado da vida: o u espiritualizar-se mental n a orientação do trabalho de recuperar a
em total abandono d a dimensão material e per- dinâmica das relações recíprocas do próprio s u -
dendo a vida mais rapidamente por causa disso, jeito do conhecimento consigo mesmo, com seus
o u tecnificar-se, materializando a vida e perden- semelhantes, com o produto social do seu t r a b a -
do o sentido de humanização e transcendência. lho e c o m a natureza, de modo que se veja como
ser global e e m relação. Essa premissa cabe t a n t o
A visão interdisciplinar corresponde, portanto, a educadores, quanto a educandos.
a estabelecer a interligação dessas duas concep-
ções que, a cada momento, em cada circunstân- Desse modo, privilegia-se a prática de u m a
cia, se veja o homem por inteiro, reconhecendo educação e m que professores e alunos se v i s u a -
a ii 1Ioração dlalética entre duas dimensões: m a - lizem por i n t e i r o no processo, estabelecendo-se
terialidade - espiritualidade, corpo-alma, de u m a mudança de atitude a respeito da formação
modo "a pôr termo à visão de u m a natureza não e ação do homem, das quais fazem parte, os

84 85
as¡>ectos afetlvos, relacionais e éticos, concomi- corpo e vitalidade, como condição para a supe-
tantemente com os racionais, lógicos e objetivos. ração dos problemas de fragmentação do ensino.
Sabe-se que toda inovação gera resistência,
RESISTÊNCIAS À ADOÇAO D O E N F O Q U E sobretudo quando deixa de levar em considera-
INTERDISCIPLINAR ção a c u l t u r a dos grupos onde é implantada,
mediante imposição de fora para dentro e de c i m a
A Ideia de superação da fragmentação do para baixo, que desconsidera qualquer elemento
ensino não é nova, afirmam os professores. A do modo de ser e de fazer do grupo e que possa
concepção do currículo, proposta no final do c o n s t i t u i r s e em base para sua transformação.
século passado, já indicava u m a preocupação Interdisciplinaridade não deve ser considera-
com a fragmentação e procurava oferecer o Ins-
t r u m e n t a l conceituai necessário ao estabeleci- da, n o entanto, como u m a inovação em seu
mento d a unidade do ensino. A Lei 5692/71, que sentido pleno, u m a ideia nova, m u i t o embora
p r o p u n h a a integração vertical e horizontal das muitos professores tenham ouvido falar desse
disciplinas, procurou orientar a superação dessa tema apenas recentemente. Ela cristaliza a preo-
fragmentação. Igualmente, o método de projetos cupação e o interesse pela superação de u m
que foi m u i t o popular em certa época. Esses problema que tem preocupado os professores, de
aspectos correspondem, n o entanto, a estágio u m modo geral e de longa data. E torna-se ne-
elementar e inicial do processo. cessário que assim seja entendida. Enquanto
c a m i n h a d a de construção do conhecimento e d a
Verifica-se, por conseguinte, que apenas ago- prática pedagógica mediante u m a nova ótica,
r a ela surge com a força d a sustentação de u m a mais se distancia do sentido de inovação e se
fundamentação que corresponde ao atendimeto caracteriza como transformação, como vivência
de necessidade percebida pelos profissionais da i n t u i t i v a e experiência h u m a n a que elabora e
educação em geral, e não apenas por aqueles que reelabora, em seu contexto histórico, seu próprio
a t u a m em seu nível macro-adminlstrativo. T r a - situar-se, sua própria síntese de normas criado-
ta-se de u m a concepção que veio evoluindo grada- ras, s u a capacidade de pensar e sua própria
tivamente, por meio do amadurecimento pedagó- racionalidade, conforme indicado por Marques
gico. Ela não vem para s u b s t i t u i r outras formas (1988).
de açáo, como comumente t e m ocorrido até ago-
ra, q u a n d o novas ideias se apresentam, mas Os problemas relacionados às dificuldades de
para s u p e r a r as anteriores. E é Justamente por múltiplos estímulos dissociados e até contradi-
esse sentido que a interdisciplinaridade ganha tórios entre si, sobre as pessoas, e m seu cotidia-
no, b e m como as dificuldades resultantes da

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busca de soluções por aspectos isolados, têm Para concluir, lembra-se que n a d a é mais
elevado o nível de angústia vivencial e a ansieda- i m p o r t a n t e e significativo do que u m a ideia cujo
de pela busca de u m referencial que as ajude n a tempo chegou. A interdisciplinaridade corres-
solução de problemas. T a l segurança não existe, ponde a essa imagem n o contexto do ensino, que
pois não existem modelos, m u l t o menos receitas leva à construção d a necessária e urgente h u m a -
para a prática interdiscipUnar. nização pela visão globalizadora, dai o porquê de
O estabelecimento dé u m trabalho de sentido sua importância.
interdisciplinar provoca, como toda açâo a que Fica o desafio aos educadores, no sentido de
não se está habituado, u m a sobrecarga de t r a - que se esforcem por assumir u m a a t i t u d e inter-
balho, u m certo medo de errar, de perder p r i v i - disciplinar que, associada ao empenho p o r m u -
légios e direitos estabelecidos (por menores que dar n o exercício d a prática, acreditamos há de
sejam). A orientação pelo enfoque interdiscipli- tornar o trabalho educacional mais significativo
n a r para orientar a prática pedagógica implica e m a i s produtivo.
em romper hábitos e acomodações, implica e m
buscar algo novo e desconhecido. É, certamente,
u m grande desafio.
Dados, portanto, os riscos inerentes a essa
situação, o estabelecimento da interdisciplinari-
dade provoca reações de resistência, apesar de
aceita intelectualmente. Parte de nós a deseja e
aceita; parte a rejeita; mas a rejeição ocorre não
pelos resultados que possa produzir, e sim, pelo
trabalho que promove, pelo desaloj amento de
posições confortáveis que provoca. O fundamen-
tal no desenvolvimento da interdisciplinaridade
é uma questão da atitude, conforme reiterada-
mente indicado por Fazenda (1979, 1991).
É básico que aceitemos a condição da asso-
ciação de trabalho à produção de resultados. Não
podemos ser como rio "que faz o curso sem sair
do leito" (assim, pelo menos, à primeira vista nos
parece).

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