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OPINIÃO OPINION
seu desenvolvimento instituído e instituinte e a busca de saídas
Abstract This paper redeems the significance of Resumo O texto resgata significados do movi-
the health reform movement and the municipal mento da reforma sanitária e do movimento mu-
healthcare movement in the context of the 1970s nicipal de saúde no contexto dos anos 70 e 80, sua
and 1980s, and its social, politic and innovative força social, política e inovadora na reconstrução
power in the democratic reconstruction of the democrática na época. A seguir constata que a
day. It then notes that the implementation of the implementação das diretrizes constitucionais, re-
constitutional guidelines, regulated in 1990 by gulamentadas em 1.990 pelas Leis 8080/90 e 8142/
Laws 8080/90 and 8142/90, has been character- 90, vem sendo marcada nos últimos 22 anos por
ized in the last 22 years by four major and mount- quatro pesados e crescentes obstáculos impostos
ing obstacles imposed by State policy on all gov- pela política de Estado a todos os governos: subfi-
ernments: federal underfunding; federal subsidies nanciamento federal, subsídios federais ao mer-
to the private health plan market; resistance to cado de planos privados de saúde, resistência à
reform of the State management structure of ser- reforma da estrutura gerencial estatal da presta-
vice provision; and the handing over of adminis- ção de serviços e, entrega do gerenciamento de
tration of public facilities to private entities. The estabelecimentos públicos a entes privados. O SUS
Brazilian Unified Health System (SUS) included incluiu no sistema público de saúde metade da
half the population that was once excluded in the população antes excluída, mas estes obstáculos
public health system, though these obstacles keep mantêm a cobertura da atenção básica focalizada
the coverage of primary care focused below the abaixo da linha de pobreza e com baixa resoluti-
poverty line and with poor resolution. The con- vidade. Conclui que a real política de Estado para
clusion drawn is that the real policy of the state a saúde nesses 22 anos vem priorizando a criação
for healthcare in the past 22 years has prioritized e a expansão do mercado dos planos privados de
the creation and expansion of the private health saúde para os direitos do consumidor, e secunda-
1
Departamento de Saúde plan market for consumer rights, and relegated rizando a efetivação das diretrizes constitucio-
Coletiva, Faculdade de the effectiveness of constitutional guidelines for nais para os direitos humanos de cidadania.
Ciências Médicas,
Universidade Estadual de
civic human rights to second place. Palavras-chave Rumos do SUS, SUS: política de
Campinas Preventiva e Key words Trajectories of SUS, SUS: State poli- Estado, Política de saúde
Social. Tessália Vieira de cy, Health policy
Camargo 126, Cidade
Universitária. 13083-970
Campinas SP.
nelsonrs@fcm.unicamp.br
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Santos NR
A força inicial mento dos serviços básicos, vale lembrar que nos
anos 80, antes mesmo da criação do SUS, já se
O SUS é obrigação legal há 22 anos, com as Leis consolidava o papel decisivo dos municípios em
80801 e 81422 de 1.990. No seu processo histórico vários Estados, na erradicação da Poliomielite
o SUS começou na prática nos anos 70, há 40 (paralisia infantil) e depois, do Sarampo. Deve
anos, com movimentos sociais e políticos contra ser lembrado que paralelamente aos bons resul-
a ditadura, pelas Liberdades Democráticas e De- tados da descentralização e dos primeiros repas-
mocratização do Estado, que se ampliava e for- ses de recursos federais, o governo federal, nos
talecia por uma sociedade justa e solidária e um anos 80, inicia a retração da sua participação no
novo Estado com políticas públicas para os di- financiamento da saúde, perante o crescimento
reitos humanos básicos, com qualidade e uni- da participação estadual e principalmente muni-
versais. Na saúde, este movimento libertário for- cipal. Foi realizada a 8ª Conferência Nacional de
taleceu-se com a bandeira da Reforma Sanitária, Saúde em 1.986, que aprofundou e legitimou os
antecipando o que viria, anos depois, a ser as princípios e diretrizes do SUS.
diretrizes constitucionais da Universalidade, Igual- A força social e política desse movimento des-
dade e Participação da Comunidade. dobrou na Comissão Nacional da Reforma Sani-
Também nos anos 70, a ausência de estatuto tária, composta pelos governos federal, estadual
da terra e reforma agrária, no modelo de desen- e municipal, pelas instituições públicas e privadas
volvimento, levou ao grande empobrecimento da de saúde e pelas entidades da sociedade e dos tra-
população e provocou intensa migração da zona balhadores sindicalizados, com a atribuição de
rural e pequenas cidades, para as periferias das elaborar proposta de sistema público de saúde a
cidades médias e grandes, o que gerou grande ser debatida na Assembleia Nacional Constituin-
tensão social nessas periferias, de difícil controle te. Foi também criada a Plenária Nacional de Saú-
pela repressão da ditadura, e as Prefeituras Mu- de que congregava todos os movimentos e enti-
nicipais iniciaram várias providências, entre as dades da sociedade civil, com a finalidade de par-
quais, atendimentos precários à saúde com via- ticipar e exercer o controle social nos debates da
turas de saúde itinerantes em bairros e vilas, e proposta de saúde na Constituição.
também postinhos de saúde. Essas providências É importante lembrar que em todos os deba-
precárias foram se beneficiando com propostas tes e posicionamentos políticos, as entidades, tan-
e iniciativas de um número crescente de jovens to das categorias de trabalhadores, incluindo as
sanitaristas, que foram qualificando os serviços centrais sindicais, e as entidades dos profissio-
municipais de saúde e aplicando nas realidades nais de saúde e das classes médias, assumiram
brasileiras, as diretrizes da Atenção Primária à em todos os momentos e situações, a opção pelo
Saúde, inclusive com equipes compostas pelas SUS e não planos privados, que na época possuí-
várias profissões de saúde, integrando as ações am pequeno peso e expressão em comparação
preventivas e curativas e ganhando grande apoio com o sistema público de saúde que incluía o
da população antes excluída. Aconteceram inú- previdenciário. Todas as expectativas eram de
meros encontros estaduais e nacionais de troca adesão e primeira opção pelo SUS, na crença de
de experiências municipais de saúde, configuran- que o Estado seria democratizado e cumpriria as
do o movimento municipal de saúde que se for- diretrizes constitucionais sociais. Foram os prin-
taleceu, pressionou os governos nacional e esta- cípios e diretrizes do Direito de Todos e Dever do
dual por mais recursos, e antecipou o que viria, Estado, da Relevância Pública, da Universalida-
anos depois, a ser as diretrizes constitucionais da de, Igualdade, Integralidade, Descentralização,
Universalidade, da Descentralização, da Integra- Regionalização e Participação da Comunidade.
lidade e da Regionalização. Essa grande força social e política pelo SUS são
Os movimentos: Municipal de Saúde e o da da nossa história recente, e deve ser levada em
Reforma Sanitária conseguiram nos anos 80, con- conta para o entendimento das dificuldades e
vênios para repasses financeiros do governo fe- problemas que foram se avolumando desde en-
deral que muito fortaleceu a prestação de servi- tão, de modo crescente até que se iniciaram as
ços básicos e integrais de saúde à população. primeiras avaliações e análises reveladoras de
Conseguiram também importante apoio do Le- outra política de Estado, real, com rumo desvia-
gislativo com simpósios de políticas de saúde na do dos princípios e diretrizes constitucionais. Ao
Câmara Federal. Como parte das lutas pelas li- contrário de continuar avançando a partir de
berdades democráticas, muito contribuíram para 1.990, exatamente quando eram esperadas e de-
o fim da ditadura em 1.984. No bojo do cresci- sejadas mais facilidades com a promulgação das
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lação usuária, no que se refere aos critérios de Saúde. Somente os gastos tributários vêm cres-
filas de espera, dos agendamentos de exames, cendo nominalmente por ano, em velocidade 10
consultas, encaminhamentos, internações, retor- a 20% maior que o crescimento nominal dos gas-
nos, etc., assim como das requisições de exames, tos do Ministério da Saúde. É o que se pode cha-
das prescrições terapêuticas, e do cumprimento mar de privatização por fora do SUS, isto é, o
dos horários de trabalho, e da assiduidade9. sistema privado externo ao SUS, que fatura nas
3º O sub-financiamento federal atinge os três mensalidades dos consumidores e nas subven-
níveis de atenção de forma desigual: muito mais ções públicas, e que falsamente proclama que ali-
a Atenção Básica (AB), menos a assistência de mé- via o SUS7,8,10-13.
dia complexidade (MC) e quase nada na alta com-
plexidade (AC). Os valores (corrigidos pelo IGPM) 3º Obstáculo
dos repasses federais para a AB (PAB fixo e variá-
vel) e para o SAMU entre 1.998 e 2.010, tiveram Grande Rigidez da Estrutura Administrati-
queda que variou de 30% a 50%. Os valores (cor- va e Burocrática do Estado. Incapaz de gerenciar
rigidos pelo INPC) dos repasses federais para a com eficiência os estabelecimentos públicos pres-
assistência de MAC entre 1.995 e 2.012, tiveram tadores de serviços, com lentidões extremamente
seus per-capitas elevados em 43%, enquanto para centralizadas e burocratizadas de concursos pú-
a AB (PAB fixo), em apenas 1,1%. Em outras pala- blicos, licitações e reposições de material e pessoal
vras, em 1.995 o MS gastou com a MAC, 5,4 vezes entre 1 e 2 anos ou mais, com grande dano ao
mais do que gastou com a AB, e em 2.012 está atendimento da população. Grande resistência à
gastando 7,7 vezes mais. É imperioso o aporte de reforma democrática dessa estrutura, e à descen-
recursos novos e crescentes para a AB e a MC tralização com autonomia gerencial, orçamentá-
simultaneamente, ao contrário de penalizar os ria e financeira e efetiva participação da comuni-
dois, e mais AB que a MAC. Além da desigualdade dade. Este obstáculo impede ou distorce a execu-
nos níveis de atenção, os repasses federais aos Es- ção dos gastos públicos com saúde, sem as desas-
tados e Municípios são ainda fragmentados por trosas esperas e com qualidade e eficiência volta-
programa e projeto federal, e não globais segundo da para as necessidades da população. É imposto
as metas do planejamento municipal, regional e pela política de Estado, de impedir a demonstra-
estadual, o que mantém o modelo convenial e não ção de que o Estado deve e pode organizar sua
das relações constitucionais4,5,10. estrutura administrativa, orçamentária e finan-
Somente este grande subfinanciamento já ceira para atender com qualidade e presteza as
impede prosseguir no cumprimento das diretri- demandas sociais básicas, lembrando que essa
zes constitucionais. O conjunto dessas três con- demonstração se choca com a 2º consequência
sequências leva à chamada privatização por den- do subfinanciamento federal9,14,15.
tro do SUS, isto é, o peso de interesses privados e
pessoais dentro do sistema público, no processo 4º Obstáculo
da oferta de serviços.
Privatização da Gestão Pública: Omitindo
2º Obstáculo os obstáculos anteriores, essa política de Estado
assume como princípio conceitual, a entrega do
Subvenção Crescente com Recursos Fede- gerenciamento de estabelecimentos públicos de
rais ao Mercado dos Planos Privados de Saúde. saúde para grupos privados, insistindo na falsa
Esta subvenção vem sendo realizada por meio tese de que o setor público é por definição in-
de: a) renúncia fiscal ou gastos tributários (isen- competente no gerenciamento de serviços públi-
ções e deduções no recolhimento de tributos de cos para as necessidades sociais da população, e
empresas, indústria farmacêutica e consumido- que o setor privado é naturalmente competente.
res na saúde), b) cofinanciamento público de pla- Assim nasceram no período da ditadura as Fun-
nos privados de saúde aos servidores federais do dações Privadas de Apoio a hospitais universitá-
Executivo, Legislativo e Judiciário, incluindo as rios públicos, e sociedades privadas para o de-
Estatais, e c) não ressarcimento obrigado pela senvolvimento da Medicina, em 1.998, as OS e
Lei 9656/1.998. O valor dessa subvenção ao mer- OSCIP e após, as PPP (parcerias público-priva-
cado da saúde corresponde hoje por volta de 30% das). Já está configurada nova corporação de
do faturamento anual do conjunto das empre- consultores de gerencia hospitalar e empresas de
sas de planos privados de saúde, o que está perto consultoria vendedoras de serviços e projetos de
da metade dos gastos anuais do Ministério da OS, OSCIP e PPP para gestores públicos. Isto, a
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financeira às unidades públicas, e consequente nal de Saúde na Câmara dos Deputados Federais
elevação da eficiência, do controle público e con- com a sua Carta de Brasília em Jun/2005, com
trole social. mais de 800 participantes, e o Pacto pela Vida,
Estes encaminhamentos baseiam-se e atuali- em Defesa do SUS e de Gestão debatido e apro-
zam as marcantes e recentes mobilizações em vado pelos gestores do SUS e conselhos de saúde
defesa do SUS: o Simpósio sobre Política Nacio- em fev/2006.
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13. Ocké-Reis CO, Santos FP. Mensuração dos Gastos Artigo apresentado em 20/09/2012
Tributários em Saúde. Rio de Janeiro: IPEA; 2011. Aprovado em 09/10/2012