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1

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO


INSTITUTO DE ARTES

SAMUEL ANDRÉ POMPEO

ESTUDO DE SONORIDADE EM SAXOFONE:


MAPEAMENTO E APRIMORAMENTO DE TÉCNICAS

SÃO PAULO
2016
2

SAMUEL ANDRÉ POMPEO

ESTUDO DE SONORIDADE EM SAXOFONE:


MAPEAMENTO E APRIMORAMENTO DE TÉCNICAS

Dissertação apresentada à Universidade


Estadual Paulista “Júlio de Mesquita
Filho”, como exigência parcial para a
obtenção do grau de mestre em Música,
área de concentração: Musicologia/
Etnomusicologia / Educação musical.
Linha de pesquisa: Abordagens históricas,
estéticas e educacionais do processo de
criação, transmissão e recepção da
linguagem musical.

Orientadora: Prof. Dr. Sonia Regina


Albano de Lima.

SÃO PAULO

2016
3

Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da


UNESP

P788e Pompeo, Samuel André, 1972-


Estudo de sonoridade em saxofone : mapeamento e
aprimoramento de técnicas / Samuel André Pompeo. - São Paulo,
2016.
154 f. : il.

Orientadora: Profª. Drª. Sonia Regina Albano de Lima


Dissertação (Mestrado em Música) – Universidade Estadual
Paulista “Julio de Mesquita Filho”, Instituto de Artes.

1. Saxofone. 2. Respiração. 3. Diafragma. 4. Instrumentos de


sopro. 5. Música – Estudo e ensino. I. Lima, Sonia Regina Albano
de. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título.

CDD 788.7
4

SAMUEL ANDRÉ POMPEO

ESTUDO DE SONORIDADE EM SAXOFONE


MAPEAMENTO E APRIMORAMENTO DE TÉCNICAS

Dissertação aprovada como exigência


parcial para a obtenção do título de Mestre
em Música, área de concentração:
Musicologia/ Etnomusicologia / Educação
musical.
Linha de pesquisa: Abordagens históricas,
estéticas e educacionais do processo de
criação, transmissão e recepção da
linguagem musical.

____________________________________________
Prof. Dr. Sonia Regina Albano de Lima
UNESP – Orientador

____________________________________________
Prof. Dr. Carlos Afonso Sulpício
FACULDADES SANTA MARCELINA

____________________________________________
Prof. Dr. Flávio Apro
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ - UEM

São Paulo, 29 de junho de 2016


5

À minha mulher, Karin Pompeo, por todo


amor, suporte e paciência, sem os quais
seriam impossíveis a realização e a
conclusão deste projeto.
6

Agradecimentos

Meus mais sinceros agradecimentos e


minha profunda admiração à minha
orientadora, Profa. Dra. Sonia Albano, e a
todos os Senhores Professores com os
quais tive o prazer e o privilégio de
conviver e estudar nesse período.
7

RESUMO

Esta pesquisa tem o objetivo de identificar a importância e os benefícios do estudo dirigido


para a sonoridade nos instrumentos de sopro. O intuito desse tipo de estudo é obter melhor
desempenho performático, podendo ser aplicado tanto por saxofonistas quanto por outros
instrumentistas de sopro. A investigação também apurou a origem das técnicas relacionadas à
sonoridade, notadamente à respiração. Os procedimentos metodológicos concentraram-se em
descrever a apostila pedagógica elaborada pelo pesquisador, voltada para o estudo da
sonoridade; realizar um levantamento bibliográfico dos métodos e livros destinados aos
instrumentistas de sopro, principalmente aos saxofonistas; encontrar subsídios teóricos
envolvendo as questões ligadas à respiração e à emissão de ar; realizar uma pesquisa-ação
com alunos da Escola Municipal de Música; e entrevistar músicos profissionais ligados ao
mundo popular e erudito para checagem do conhecimento relativo aos estudos e informações
sobre respiração e emissão sonora. Isso possibilitou traçar um panorama do entendimento da
sonoridade que músicos e professores possuem e da abordagem dada por autores de livros e
métodos ao estudo da sonoridade – cabe ressaltar que os músicos e professores participantes
deste estudo são, particularmente, da cidade de São Paulo. Os resultados mostram que as
técnicas de respiração usadas pelos instrumentistas de sopro possuem sua origem nas técnicas
do canto. Além disso, constatou-se que a adoção da prática específica e contínua para o
desenvolvimento da sonoridade apresenta benefícios para o praticante, como ganho de
volume e uniformidade de timbre em todas as regiões do instrumento. A dissertação
contempla, além do capítulo Introdutório e das Conclusões Finais, quatro capítulos que
descrevem a metodologia pedagógica empregada pelo pesquisador para o estudo da
sonoridade, a fundamentação teórica da pesquisa, a pesquisa-ação e a discussão dos
resultados.

Palavras-chave: Sonoridade. Saxofone. Métodos para instrumento de sopro. Respiração.


Diafragma. Aparelho respiratório.
8

ABSTRACT

This research aims to identify the importance and benefits of a study routine focused on
sonority in wind instruments. The objective of that kind of study is to obtain better
performance development and could be adopted by saxophonists and other wind players as
well. The investigation also found out the origins of sonority techniques, notably the ones
related to the breathing process. The research method concentrates on describing the
pedagogical sonority workbook developed by this researcher; reviewing workbooks and
handbooks that target wind musicians, especially saxophonists; finding theoretical basis
encompassing questions related to breathing process and air emission; conducting an action
research with students from Escola Municipal de Música; and interviewing professional
musicians, both popular and classical, to verify their knowledge regarding study practices,
breathing information and sound emission. That allowed me to delineate a general perspective
regarding the comprehension by musicians and instructors and the approach given by book
authors to sonority studies—it is worth mentioning that musicians and instructors participants
in this study are mainly from São Paulo. The results show that breathing techniques used by
wind performers originate from singing techniques. Additionally, results demonstrate that the
adoption of the practice dedicated to sonority development offers benefits to the practioner, as
volume enhancement and timbre uniformity through all instrument regions. This dissertation
includes, besides Introduction and Final Conclusions, four chapters that describe
simultaneously the pedagogy applied by this researcher in studying sonority, the theoretical
foundation of the research, the action research and the results discussion.

Keywords: Sonority. Saxophone. Wind instruments teaching guide. Breathing. Diaphragm.


Respiratory system.
9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – A pronúncia das articulações..............................................................................21
Figura 2 – Nota de referência................................................................................................22
Figura 3 – Estudo das Articulações da Apostila Básica de Sonoridade............................25





10

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Proposta para rotina para estudos.....................................................................23


Tabela 2 – Desempenho geral dos estudantes......................................................................56
11

SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 13
1. Problemática ..................................................................................................................................... 13
2. Objetivo ............................................................................................................................................. 15
2.1. Objetivo principal .................................................................................................................................... 15
2.2. Objetivo secundário ................................................................................................................................ 15
3. Metodologia da pesquisa e procedimentos metodológicos ...................................................... 15
4. Descrição dos capítulos ................................................................................................................... 16
CAPÍTULO I ...................................................................................................................................... 18
A apostila básica de sonoridade: função pedagógica e utilização no ensino da sonoridade. .... 18
CAPÍTULO II .................................................................................................................................... 26
Fundamentação teórica para a elaboração da pesquisa ................................................................... 26
1. A origem das técnicas de respiração e sua assimilação pelos instrumentistas de sopro ........ 26
2. O estudo da sonoridade no saxofone ...................................................................................................... 33
3. Estudo da sonoridade em outros instrumentos de sopro 
 ............................................................... 40
4. A necessidade de um olhar interdisciplinar no estudo da sonoridade ......................................... 42
4.1. O fenômeno da respiração avaliada sob o viés da biologia e da fisioterapia. ...................... 43
CAPÍTULO III ................................................................................................................................... 50
A pesquisa-ação ......................................................................................................................................... 50
CAPÍTULO IV ................................................................................................................................... 58
Entrevistas realizadas e discussão dos resultados coletados ........................................................... 58
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 69
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 73
APÊNDICE A .................................................................................................................................... 76
APÊNDICE B .................................................................................................................................... 77
APÊNDICE C ..................................................................................................................................... 78
APÊNDICE D .................................................................................................................................... 79
APÊNDICE E ..................................................................................................................................... 80
APÊNDICE F ..................................................................................................................................... 81
APÊNDICE G .................................................................................................................................... 82
APÊNDICE H .................................................................................................................................... 83
APÊNDICE I ...................................................................................................................................... 84
ANEXO J (Entrevistas) ................................................................................................................. 85
Carina Leal da Fonseca Ladeira ........................................................................................................... 85
Carlos Alberto Alcântara ........................................................................................................................ 88
Carlos Sulpício ........................................................................................................................................... 93
Daniel Salles D’Alcântara Pereira ........................................................................................................ 99
Eduardo Pecci (Lambari) ..................................................................................................................... 102
Maurício de Souza Roberto ................................................................................................................. 111
Nailor Azevedo Proveta ........................................................................................................................ 118
Ovanir Buosi ........................................................................................................................................... 121
Rafael Galhardo Caro ........................................................................................................................... 127
Sérgio Burgani ........................................................................................................................................ 134
Sidnei Burgani ........................................................................................................................................ 142
12

Vitor Alcântara Brecht ......................................................................................................................... 149


ANEXO K (CD) ............................................................................................................................... 154


13

INTRODUÇÃO

1. Problemática

Como a maioria dos jovens profissionais de música em início de carreira, em meados


da década de 1990 iniciei meu trabalho de docência musical, ministrando aulas de saxofone
no interior do Estado de São Paulo. A partir de 2006, minha docência se estendeu para a
Escola Municipal de Música de São Paulo (EMSP). Inicialmente, adotei os mesmos livros,
métodos e metodologia de ensino empregados pelo meu professor, o saxofonista Eduardo
Pecci, incluindo os seus ensinamentos ligados à sonoridade.
Particularmente, de 1988 a 1990, desenvolvi nos meus estudos diários um trabalho de
aproximadamente duas horas e meia voltado para a sonoridade, dividido entre a execução de
notas longas e o ataque de língua. Em ambos os casos, esses exercícios eram praticados em
toda a extensão do instrumento e estavam baseados nas poucas informações, principalmente
aquelas ligadas a respiração, advindas da apostila utilizada por Nailor de Azevedo Proveta,
em seu curso ministrado no ano de 1988, na extinta escola de música “Novo Tempo”.
Após esse período, minhas práticas ligadas ao aprimoramento da sonoridade não
foram abandonadas: elas ocupavam aproximadamente uma hora dos meus estudos diários e
visavam a manutenção dos conceitos ligados a esse tópico.
Entretanto, em 2009, já como professor da Escola Municipal (EMSP), observei que
boa parte dos meus alunos apresentavam dificuldades técnicas na execução de alguns
exercícios do Método Completo para Todos os Saxofones, de H. Klosè. Inicialmente, associei
a problemática à falta de um estudo técnico mais apurado por parte desses alunos. Porém, aos
poucos, percebi que o problema se concentrava quase que exclusivamente em questões
ligadas à emissão sonora. Notei que não bastava ao aluno digitar corretamente as notas ou
frases musicais para obter uma performance instrumental perfeita, mas sim emitir um som
adequado no instrumento, a fim de atingir maior qualidade performática.
Detectada a origem do problema, resolvi trabalhar com as questões circunscritas à
emissão sonora, tanto no saxofone como nos demais instrumentos de sopro, entre elas: a
respiração, o posicionamento dos lábios (embocadura) e a execução de notas longas.
Os resultados foram surpreendentes. Trechos musicais e exercícios, anteriormente
problemáticos para os alunos, puderam ser executados sem maiores dificuldades a partir do
acréscimo do estudo e da prática mais aprofundada na maneira como o som no saxofone é
emitido. Dessa forma, deduzi que o estudo da sonoridade deveria ser incorporado à minha
14

prática docente com maior intensidade e que os alunos, necessariamente, precisavam dedicar
mais horas a esse quesito.
Realizei uma análise dos livros e métodos utilizados naquele período (2009) visando
localizar as informações envolvendo o estudo da sonoridade e, assim, repassá-las com maior
clareza aos meus alunos. Os métodos avaliados foram os seguintes:

• Método Completo para Todos os Saxofones, de H. Klosè;


• Developing Jazz Concepts, Lennie Niehaus;
• Technique of the Saxofone – Scale Studies (Vol.1), de Joseph Viola;
• Technique of the Saxofone – Chord Studies (Vol.2), de Joseph Viola;
• Creative Reading Studies for Saxophone, de Joseph Viola.

Os livros Developing Jazz Concepts, de Lennie Niehaus, Technique of the Saxophone


– Scale Studies (Vol.1), Technique of the Saxophone - Chord Studies (Vol.2), e Creative
Reading Studies for Saxofones, de Joseph Viola, não apresentavam nenhuma citação quanto
ao estudo da sonoridade. O Método Completo para Todos os Saxofones, de H. Klosè,
apresentava informações superficiais sobre os conceitos de sonoridade.
Em nenhum dos métodos consultados foram encontrados exercícios dirigidos a
prática, fixação e desenvolvimento da sonoridade em quantidade proporcional àqueles
dirigidos ao aprimoramento técnico dos estudantes. Dessa forma, pude observar o quanto os
instrumentos de sopro não contemplavam a emissão sonora como quesito fundamental na
obtenção de um bom aprimoramento técnico, além da aquisição de uma performance
satisfatória e adequada.
Tais constatações me levaram inevitavelmente a relembrar a forma como eu havia
praticado os estudos de sonoridade quando estudante – pelo menos, aqueles que tive acesso.
Isso me trouxe muitos questionamentos que deveriam ser avaliados. Entre eles, destaco:

1. Qual seria a importância do ensino da sonoridade para os instrumentistas de


sopro, principalmente, para os saxofonistas?
2. Qual impacto teria a ausência do estudo da sonoridade para os instrumentistas
de sopro, incluindo os saxofonistas?
3. Quais os benefícios do estudo da sonoridade para esses instrumentistas?
15

4. Quanto tempo deveria ser destinado ao estudo da sonoridade em relação ao


trabalho técnico veiculado para os instrumentistas de sopro, mais diretamente aos
saxofonistas?
5. Poderia haver discrepâncias entre o tempo destinado ao estudo da sonoridade e
aquele destinado ao estudo técnico?
Foram esses questionamentos que me levaram a realizar esta pesquisa e traçar os seus
objetivos.

2. Objetivo

2.1. Objetivo principal

O objetivo central da pesquisa é identificar a importância e os benefícios advindos de


um estudo dirigido para a sonoridade que poderia ser aplicado tanto para os saxofonistas
como para outros instrumentistas de sopro, visando obter melhor desenvolvimento
performático.

2.2. Objetivo secundário

Como objetivo secundário, a investigação concentrou-se em verificar a origem das


técnicas ligadas a sonoridade, notadamente aquelas ligadas à respiração.

3. Metodologia da pesquisa e procedimentos metodológicos

Para cumprir os objetivos propostos foram realizados os seguintes procedimentos


metodológicos que serão detalhados um a um nos capítulos subsequentes:

i. Descrição do método elaborado para os alunos da EMSP, nos anos de 2010 a


2012, contendo informações e exercícios voltados para o desenvolvimento da
sonoridade para os saxofonistas;
ii. Levantamento bibliográfico de métodos e livros destinados aos instrumentistas
de sopro, principalmente os saxofonistas, com o intuito de verificar como é
trabalhada esta temática;
iii. Fundamentação teórica da pesquisa, envolvendo questões ligadas à respiração
e à emissão de ar;
16

iv. Detalhamento da pesquisa-ação realizada com alunos da EMSP (Escola


Municipal de São Paulo) desde 2013;
v. Entrevistas para qualificação do conhecimento relativo aos estudos e
informações sobre respiração e emissão sonora de músicos profissionais
ligados ao mundo popular e erudito.

4. Descrição dos capítulos



Este trabalho será apresentado em quatro capítulos, assim divididos:

• Capítulo I: A apostila básica de sonoridade: função pedagógica e utilização no


ensino da sonoridade;
• Capítulo II: Fundamentação teórica para a elaboração da pesquisa;
• Capítulo III: A pesquisa-ação; e
• Capítulo IV: Entrevistas realizadas e discussão dos resultados coletados.

No primeiro capítulo será apresentada a Apostila Básica de Sonoridade, assim como


uma breve explanação do contexto e das informações que formaram a base para o início desta
pesquisa.
O segundo capítulo cuidará da exposição das informações que fornecerão a estrutura
da fundamentação teórica desta pesquisa, com a apresentação dos seguintes tópicos:

1. A origem das técnicas de respiração e sua assimilação pelos instrumentistas


de sopro;
2. O estudo da sonoridade no saxofone;
3. Estudo da sonoridade em outros instrumentos de sopro; e
4. A necessidade de um olhar interdisciplinar no estudo da sonoridade
4.1. O fenômeno da respiração avaliada sob o viés da biologia e da
fisioterapia.

Por meio desses tópicos serão abordadas as questões que, desde o início da minha
formação musical, foram as fontes das maiores controvérsias dentro da minha rotina de
estudos ao saxofone. Pretende-se ainda a obtenção de informações que possibilitem o
17

estabelecimento das origens das técnicas respiratórias utilizadas pelos instrumentistas, bem
como uma possível definição do grau de importância a ser atribuído à respiração durante a
execução dos instrumentos de sopro.
No capítulo seguinte, intitulado A pesquisa-ação, será realizada a descrição das
ferramentas metodológicas adotadas com o propósito de averiguação dos resultados obtidos.
O quarto capítulo deste trabalho tratará da discussão em torno das informações
colhidas por meio de entrevistas realizadas junto a músicos profissionais, assim como das
percepções dos alunos submetidos às informações contidas na Apostila Básica de Sonoridade.




18

CAPÍTULO I

A apostila básica de sonoridade: função pedagógica e utilização no ensino da


sonoridade.

Mesmo antes da realização desta pesquisa, eu já havia constatado que os livros e


métodos musicais comumente utilizados no ensino do saxofone apresentavam seções
dedicadas ao entendimento e aprimoramento da sonoridade muito menores do que aquelas
dedicadas ao estudo técnico. A partir desta constatação, de 2010 a 2012, criei um método
complementar voltado exclusivamente para o estudo da sonoridade intitulado Apostila Básica
de Sonoridade. Esse método foi dividido em duas partes:

a. Na primeira parte constam os capítulos relativos à história do saxofone, aos


acessórios mais utilizados na execução, informações básicas de teoria musical
e o dedilhado necessário para a execução das notas no instrumento. Aqui não
foram inseridos exercícios, mas informações detalhadas do instrumento e a
forma de utilizá-lo. Seguem os títulos dos capítulos: Uma breve história do
saxofone, Acessórios básicos, Noções básicas de teoria musical e O dedilhado
do saxofone;
b. Na segunda parte estão os exercícios e as informações necessárias para que o
aluno obtenha um desenvolvimento sonoro eficaz. Os capítulos aqui
referendados intitulam-se: Conceitos de sonoridade, Como articular as notas,
A execução das notas, Sonoridade, Rotina de estudos, Estudos de sonoridade,
Articulações e Estudo das articulações.

A apostila tem um cunho iminentemente pedagógico e a sua publicação no ano de


2014 teve a intenção de salvaguardar a autoria do meu trabalho pedagógico realizado na
EMSP (Escola Municipal de Música de São Paulo), além de auxiliar meus alunos a obterem
conhecimentos gerais sobre sonoridade e executar uma série de exercícios que considerei
prioritários para o melhor desenvolvimento performático.
O relato produzido foi embasado na minha vivência como músico e professor e em
consultas realizadas na internet sobre o tema, sem nenhum cunho científico. Não houve da
minha parte a preocupação de fundamentar as informações com relatos de pesquisadores
19

envolvendo a temática. Tais embasamentos e considerações serão apresentados no capítulo II


deste trabalho.
A seguir, farei a apresentação dos capítulos e seções contidas na segunda parte do meu
método, a Apostila Básica de Sonoridade.

1. Conceitos de Sonoridade

Neste capítulo são apresentados conceitos básicos sobre a sonoridade, assim como
minhas percepções e experiências pessoais sobre o tema. São abordados também aspectos
ligados à respiração, à epiglote e à embocadura, que serão apresentados a seguir.

1.1. Respiração: nessa seção apresento informações básicas ligadas ao funcionamento e a


utilização do aparelho respiratório durante o processo de execução do saxofone, bem
como aquelas ligadas ao funcionamento do diafragma. Considerando-se as
controvérsias existentes em relação a esse músculo, foram acrescidas imagens
informando a localização e o formato do diafragma no corpo humano, assim como
descrições sobre sua utilização calcada em ações realizadas no cotidiano das pessoas.
Posso citar, como exemplos, os atos de tossir, espirrar e evacuar, situações nas quais
o uso do diafragma ocorre de forma involuntária. Procurei também disponibilizar
informações que desconstruíssem determinados equívocos ligados à participação do
diafragma na respiração, tais como o que vincula o correto uso do diafragma ao de
envio de ar para a barriga.

1.2. Epiglote: essa espécie de lingueta de cartilagem, que funciona como uma válvula e
fica localizada logo acima da entrada da laringe, é uma fonte constante de
controvérsias entre os músicos.

Seu mau posicionamento pode trazer desconforto durante a execução do


instrumento. Para checar esse posicionamento, as referências necessárias serão
novamente encontradas em procedimentos cotidianos do nosso corpo. Quando uma
pessoa boceja, ela abre bem a sua boca, permitindo a inalação de uma grande
quantidade de ar. Durante o bocejo, pode-se notar uma abertura adicional da
epiglote e esse é o detalhe que nos interessa (POMPEO, 2014, p. 14).
20

As instruções contidas nessa seção são simples e diretas, descrevendo de forma


resumida os benefícios da simples observação e adoção do posicionamento sugerido para a
garganta durante o processo de execução instrumental.

1.3. Embocadura: de maneira semelhante às seções apresentadas anteriormente, foram


inseridas imagens dos músculos da face envolvidos na embocadura, bem como as
noções ligadas ao correto posicionamento dos lábios:

O conceito de embocadura aqui descrito está baseado em diversos pontos de vista


sobre esse assunto. Trata-se de um padrão (e não um conjunto de regras) com o qual
a maioria das pessoas que procuram esclarecimentos sobre esse assunto conseguem
bons resultados. Em primeiro lugar, deve-se esclarecer que a embocadura nada mais
é do que o posicionamento dos lábios na boquilha, servindo de elo para a passagem
do ar que vem dos pulmões e que deverá passar pelo conjunto boquilha-palheta,
provocando a vibração da palheta e, consequentemente, produzindo o som do
saxofone. Devemos imaginar nossos lábios como uma espécie de “canalizador” para
a passagem do ar (POMPEO, 2014, p. 14).

Nessa seção, procurei enfatizar a importância da observação e da utilização de


determinadas informações sobre o posicionamento dos lábios durante a execução do saxofone
embasadas no meu entendimento e percepção pessoal sobre o assunto.

2. Como articular as notas

Nesse capítulo são feitas considerações sobre o uso de determinadas sílabas durante o
ataque das notas. Trata-se de um conceito amplamente discutido e adotado pelos músicos,
entretanto, sem esclarecimentos satisfatórios acerca dos motivos pelos quais essas sílabas
devem ser usadas na execução das articulações.

Usualmente, toma-se uma sílaba como referência para o movimento que será usado
durante a articulação das notas. Sua variação decorre de alguns fatores, mas de
forma geral, as sílabas mais comuns são aquelas que se iniciam com as letras n, d e
t, pouco importando a vogal que as seguirá. A ênfase na letra inicial da sílaba que
será usada se deve ao fato dessas letras determinarem o movimento que será
efetuado pela língua ao pronunciá-las, sendo esse o item que deverá ser observado.
Procure recriar exatamente esses movimentos quando for realizar as articulações no
instrumento. Cada uma das sílabas aqui descritas produz um determinado tipo de
som ao serem pronunciadas (POMPEO, 2014, p. 16).

Para mim, o uso dessas sílabas está ligado aos diferentes movimentos realizados pela
língua durante a pronúncia de cada uma delas. Assim, sugiro aos estudantes a prática de um
21

exercício específico a fim de possibilitar a observação dos movimentos da língua durante a


pronúncia das letras acima descritas.

Figura 1 – A pronúncia das articulações

4
& ™™4 ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ™™
nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu
du du du du du du du du du du du du du du du du
tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu

Fonte do autor

Recomenda-se aos estudantes a prática do exercício com todas as notas da extensão do


saxofone.

3. A execução das notas

Durante o período da elaboração do meu método notei que, apesar de muitos


estudantes compreenderem as informações apresentadas sobre os assuntos expostos
(respiração, epiglote e embocadura), havia algum empecilho adicional à aplicação desse
conteúdo no momento da execução.
Minhas observações me levaram a constatar que os estudantes simplesmente
esqueciam de considerar todos esses itens antes de executar as notas no saxofone. Surgiu
assim a ideia de propor a realização de um check list desses itens, antes da execução de cada
nota, através da observação de cinco tópicos, a saber:

• Respiração
• Postura da garganta
• Embocadura
• Pronúncia
• Execução

Para cada um dos itens sugeridos foram oferecidas informações complementares a fim
de estreitar as possibilidades de dúvidas durante os estudos.
22

4. Sonoridade

Feita a apresentação sob meu ponto de vista dos conteúdos necessários a uma correta
execução das notas, são introduzidos nesse capítulo os primeiros exercícios nos quais os
estudantes terão a oportunidade de checar na prática a eficácia dessas informações. Após uma
breve consideração sobre a importância do estudo de sonoridade, através das notas longas,
apresento aos estudantes o conceito da nota de referência.

Figura 2 – Nota de referência

& w ∑ ∑ ∑
Fonte do autor

Trata-se da utilização da nota Sol (figura 2) da extensão do saxofone, localizada numa


região de fácil execução, que deverá ser executada sem uma duração determinada.
Recomenda-se, ainda, a averiguação de todas as informações relacionadas aos quesitos
respiração/embocadura/emissão do ar, de acordo com as propostas apresentadas no capítulo
Sonoridade, antes e durante a execução da nota de referência.
A realização desses exercícios produz mudanças imediatas (e positivas) no resultado
sonoro dos estudantes, sendo sugerido aos mesmos a adoção dessa referência de execução
para todas as demais notas do instrumento.

5. Rotina de estudos

Segundo Castro (2015), qualquer projeto bem-sucedido tem como principal requisito o
estabelecimento de uma disciplina constante de estudos. “Ninguém ganha o jogo ou as
medalhas de ouro treinando só quando dá vontade. É preciso continuidade. Melhor dito, é
preciso disciplina pessoal” (p. 43). Pessoalmente, posso afirmar que o estabelecimento de
uma disciplina, através de uma rotina de estudos contínua, propiciou (e ainda propicia)
grandes ganhos ao meu desenvolvimento musical.
Entretanto, ainda hoje, muitos estudantes de música apresentam dificuldades de
entendimento em relação à necessidade da adoção de tais práticas. A fim de fornecer alguns
parâmetros aos alunos acerca desse assunto, foi elaborado o capítulo Rotina de Estudos.
23

Após a exposição de breves considerações sobre a necessidade e os benefícios da


adoção de uma rotina de estudos constante, apresento aos estudantes a tabela 1.

Tabela 1 – Proposta para rotina para estudos


Tempo sugerido de estudo Procedimento Descanso/Pausa
45 a 50 minutos Sonoridade 10 a 15 minutos
45 a 50 minutos Estudos de Articulação 10 a 15 minutos
45 a 50 minutos Estudos de Sonoridade 10 a 15 minutos
Fonte do autor

Pode-se notar na tabela 1 uma sugestão de estudo baseada nos assuntos abordados em
meu método. Porém, meu principal intuito é oferecer aos estudantes a possibilidade de uso de
uma ferramenta pela qual será possível organizar e estabelecer, de maneira simples e
eficiente, uma disciplina de estudos eficaz sobre quaisquer que sejam os assuntos abordados.

6. Estudos de sonoridade

Os 49 exercícios presentes no capítulo intitulado Estudos de sonoridade foram


elaborados em tonalidades contendo, no máximo, três sustenidos ou bemóis (Dó, Fá, Si
bemol, Mi bemol, Sol, Ré e Lá maior); compostos com distâncias intervalares que partem de
graus conjuntos (diatônicos) até os intervalos de oitava entre as notas que compõem suas
linhas melódicas (vide anexos A, B, C, D, E, F e G).
Com a prática desses exercícios, espera-se eliminar um equívoco recorrente, que
vincula a necessidade de alterações na forma de execução das notas de acordo com sua
localização na tessitura do instrumento. Devemos entender por alterações determinadas
mudanças na pressão da embocadura e/ou no posicionamento do maxilar.
São comuns, por exemplo, relatos de alunos que julgam necessário um aumento da
pressão dos lábios inferiores na palheta para uma correta execução das notas localizadas na
região aguda do saxofone1. Outra alteração, normalmente associada à correta execução das
notas localizadas na região grave do saxofone, diz respeito à necessidade de afrouxamento da
embocadura e/ou mudança de posicionamento do maxilar para a execução de tais notas. Sob


1
Algo em torno da nota Dó 5 à nota Lá 5 (in concert).
24

meu ponto de vista, tais alterações são consequência da má utilização do aparelho respiratório
durante a execução do instrumento.
Devido à dificuldade usualmente encontrada em retirar dos estudantes a percepção da
necessidade de utilização dessas alterações, não são trabalhados nos exercícios aspectos
ligados à interpretação musical, tais como: dinâmicas, mudanças de andamentos e
articulações (tenuto, stacatto, sforzando e etc.). Tal fato teve por propósito oferecer ao
estudante a possibilidade de um trabalho exclusivamente direcionado à fixação das
informações e conceitos utilizados durante a emissão sonora e que são apresentados no
capítulo A execução das notas do meu método.

7. Articulações

Durante minha carreira tive a oportunidade de atuar em projetos ligados às áreas


erudita e popular e, para tanto, busquei informações que possibilitassem uma correta execução
das articulações presentes nesses respectivos repertórios. Na transição por esses dois gêneros
musicais, notei uma similaridade de articulações, ou seja, a presença de articulações comuns
aos dois gêneros, assim como algumas contradições relacionadas às suas execuções.
Sendo assim, no capítulo Articulações procurei fornecer aos estudantes, por meio de
informações sucintas, noções claras dos conceitos presentes na execução de cada uma das
articulações aqui apresentadas, a saber: notas ligadas, notas articuladas, staccato e, por fim, as
notas acentuadas.

8. Estudos de articulação

Até 2012, as articulações eram trabalhadas em meu curso basicamente através das
informações presentes em três livros: Método Completo para Todos os Saxofones, de H.
Klosè (19--?), Developing Jazz Concepts: for saxophone (and other instruments), de Lennie
Niehaus (19--?) e Technique of the Saxophone – Chord Studies Vol.2, de Joseph Viola (1963).
Porém, a constatação das dificuldades na execução de determinados estudos do livro de Klosè
(19--?) por parte de muitos estudantes, levou-me a considerar a criação de um capítulo
dedicado à junção dos conceitos de sonoridade e de articulações. Devo esclarecer que um
relato detalhado sobre as dificuldades de execução do livro de Klosè (19--?) será apresentado
no item 2 do capítulo 2 (p. 33) deste trabalho.
25

Surgia assim o capítulo intitulado Estudos de Articulações, composto por vinte e dois
estudos construídos sobre graus diatônicos de escalas maiores e menores (vide anexo H e I).
A opção pela utilização de escalas com no máximo cinco acidentes – sustenidos ou bemóis,
teve por objetivo evitar a exposição dos alunos a situações cujo foco de atenção estivesse
distante do emprego correto da sonoridade. Cada um dos exercícios deve ser executado com
as quatro articulações sugeridas: notas ligadas (nº 1), notas articuladas (nº 2), staccato (nº 3) e
notas acentuadas (nº 4), como mostra a figura 3.

Figura 3 – Estudo das Articulações da Apostila Básica de Sonoridade

Fonte do autor
26

CAPÍTULO II

Fundamentação teórica para a elaboração da pesquisa

1. A origem das técnicas de respiração e sua assimilação pelos instrumentistas de sopro

Investigar a origem das técnicas utilizadas pelos instrumentistas de sopro para obter
uma boa sonoridade me pareceu a princípio uma tarefa complexa. Os informes eram bastante
controversos. Alguns instrumentistas de sopro acreditavam que essas técnicas foram
importadas do canto; outros admitiam que elas surgiram de leitura e interpretação dos poucos
livros e métodos existentes no cenário musical aos quais os músicos brasileiros tinham acesso.
Maurício de Souza, em entrevista por mim editada, assim se reporta ao fato:

Você lia o material de vários autores sobre o saxofone, franceses ou americanos e


muitas vezes as informações se confrontavam, eram controversas. Um dizia pau e o
outro dizia pedra. “Ah, faça isso e não faça aquilo”. O outro dizia “não faça isso e
faça aquilo”. Então, você fica sem ter alguém realmente em quem confiar. Você
nunca tinha uma informação precisa sobre a coisa. As pessoas aprendiam fazendo
(informação verbal)2.

Tal declaração ilustra o cenário encontrado no início dos meus estudos de saxofone em
1982, na Banda Municipal da cidade de Americana. Porém, a constatação sobre a imprecisão
ou controvérsia nas informações ligadas ao estudo da sonoridade levantaram o seguinte
questionamento: seriam as informações ligadas à respiração fruto de um aprendizado
empírico ou elas poderiam ter alguma fundamentação teórica proveniente do canto?
A publicação intitulada “A Velha Escola Italiana de Canto: um guia teórico e prático”
(The Old Italian School of Singing: a theoretical and practical guide), da pesquisadora
Bloem-Hubatka 3 (1946), apresenta um cenário contraditório ligado às melhores e/ou mais
apropriadas técnicas a serem utilizadas pelos cantores.


2
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Maurício de Souza Roberto na Escola Municipal de
Música de São Paulo (EMSP) em 2014.
3
Professora e cantora lírica, autora do livro The Old Italian School of Singing - a theoretical and practical
guide, sendo considera uma das maiores pesquisadoras das técnicas utilizadas pelos antigos professores de canto
italianos.
27

Descobri que os livros dos antigos mestres geralmente coincidem no método de


cantar, assim inspirando confiança e verdade em suas instruções, enquanto suas
contrapartes mais modernas oferecem uma ideia muitas vezes conflitante sobre
cantar4 (BLOEM-HUBATKA, 1946, p.3, tradução nossa).

As ideias conflitantes às quais Bloem-Hubatka se reporta podem ser observadas no


capítulo dedicado à respiração, do livro Complete Handbook of Voice Training, de Richard
Alderson (1979). Nele, Alderson (1979) apresenta nada mais que seis diferentes tipos de
respiração, que se contrapõem ao conceito de informações simples e diretas atribuídas a
publicação de Bloem-Hubatka (1946). Quais seriam os conceitos simples e diretos atribuídos
a essa escola?
Esses conceitos estão relacionados ao desenvolvimento das técnicas ligadas à
respiração e ao posicionamento da glote a partir de observações cotidianas desenvolvidas de
forma empírica pelos mestres dessa escola. Os primeiros registros históricos do Bel Canto
(Bem Cantar) estão ligados à Velha Escola Italiana de Canto e datam do final do século XVI e
início do século XVII.
Obtive essas informações ao participar da disciplina da Pós-Graduação em Música do
IA-UNESP intitulada “A Metamorfose da Palavra”, ministrada pelo Prof. Dr. Marcos Pupo
Nogueira, em 2014. Nos textos analisados em sala de aula, constatei que o Bel Canto e os
autores que estudaram esse assunto poderiam subsidiar parte de minha pesquisa em relação ao
estudo da respiração e emissão do ar, trazendo uma fundamentação teórica significativa para o
meu trabalho.
Foram muitas as personalidades relevantes que atuaram na Velha Escola Italiana de
Canto. Contudo, a fim de obter os resultados pretendidos nessa pesquisa, vou me ater a dois
nomes: Martin Agricola e Manuel Garcia.
Martin Agricola 5 (1486 – 1556), cujo nome original era Martin Sore, nasceu em
Schwiebus, na Silesia (atual Polônia) e morreu em Magdeburg (Alemanha). Foi Arcebispo de
Magdeburg, compositor, professor e escritor, tendo sido um dos primeiros músicos a se
preocupar com as necessidades das Igrejas Reformadas e a publicar tratados musicais em
língua vernácula. Para um perfeito entendimento da importância de Agricola nesta pesquisa,
farei um breve relato do cenário musical da época.


4
I found that the books of the old masters generally agree on the method of singing, thereby inspiring confidence
and trust by their instructions, whereas their more modern counterparts offer a variety of often conflicting ideas
on singing.
5
Fonte: Enciclopédia Britanica: http://www.britannica.com/biography/Martin-Agricola. Acessado em
05/01/2016.
28

Nesse tempo, surgia na Europa um novo tipo de repertório com uma nova
funcionalidade das palavras que exigia uma preparação cada vez maior dos seus executantes.
Estávamos nos primórdios do estilo Barroco e do surgimento dos cantores solistas na
polifonia renascentista.
Posso ainda citar outra transformação importante desse período: grupos de cantores
amadores da aristocracia passaram a dar lugar a grupos formados por virtuosos cantores
profissionais que não mais cantavam para seu próprio deleite, mas sim para uma audiência
mais seleta.

Crônicas, cartas, prefácios para óperas e coleções de música, reminiscências, e


outros tipos de evidências históricas fornecem um retrato da notável ascensão de
uma nova classe de virtuosos cantores profissionais cujo talento vocal eclipsou
coralistas amadores, e que estabeleceu os princípios do “bem cantar” que vieram a
perdurar por séculos6 (STARK, 1938, p.190, tradução nossa).

Muitas das técnicas desenvolvidas para os cantores, devido à nova funcionalidade


atribuída às palavras e à execução de um novo repertório, estenderam-se também para os
instrumentistas, principalmente os de sopro. Porém, quais seriam as demandas às quais os
instrumentistas estariam sujeitos nesse período (meados do século XVI e início do século
XVII)?
Entre 1400 a 1600, a música instrumental passou por grandes transformações. Foi um
período marcado pelo início do movimento de independência da performance instrumental em
relação à música vocal.
O aparecimento das primeiras orquestrações com instrumentação definida pelos
próprios compositores deu início ao uso de um recurso utilizado a exaustão nos séculos
seguintes: a variedade e a mistura de timbres. Conforme mencionado por Sachs (1940), esse
recurso de orquestração começou a ser bastante empregado:


6
Court chronicles, letters, prefaces to operas and songs collections, reminiscences, and others types of historical
evidence provide a picture of the remarkable rise of a new class of professional virtuoso singers whose vocal
prowess eclipsed amateur choristers, and who established principles of good singing what were to endure for
centuries.
29

Isso comprova um crescente interesse por cores, que são o contraste e a mistura de
timbres, que é uma parte vital da música. Orquestrações, que no início estavam a
critério dos executantes, tornaram-se suficientemente importantes para serem
indicadas pelos compositores; perto de 1600, Giovanni Gabrieli, em Veneza, fixa
pela primeira vez os instrumentos necessários em cada parte, por escrito, nas suas
partituras7 (SACHS, 1940, p. 298, tradução nossa).

A busca – e apreço – desse período por novos timbres (chamados por Sachs de cores)
estimulou a criação de uma grande quantidade de novos instrumentos, que por sua vez
acabaram mudando a percepção dos compositores com relação à utilização de uma
instrumentação variada para obter maiores possibilidades timbrísticas. Essa nova importância
atribuída à música instrumental acabou estimulando o surgimento de um número de tratados
até então sem precedentes para o ensino dos instrumentistas.

Um sinal do crescente interesse do século XVI pela música instrumental foi a


publicação de livros que descrevem instrumentos ou dão instruções sobre a forma de
os tocar. A primeira obra desse tipo data de 1511, e muitas outras se seguiram, em
número crescente, até o fim do século. Não deixa de ser significativo o facto de a
maioria destes livros terem sido, desde o início, escritos em língua vernácula e não
em latim; com efeito, não se dirigiam aos teóricos, mas sim aos executantes da
música (GROUT; PALISCA, 1994, p. 254).

Entre os mais importantes, estão o tratado de Sebastian Virdung de 1511, escrito na


língua do autor, o alemão, e concebido na forma de um diálogo ilustrado por muitas gravuras,
e o tratado de Arnold Schlick, também de 1511 – a primeira monografia impressa sobre a
construção de instrumentos. Entretanto, em 1528, foi publicado o livro Musica Instrumentalis,
escrito por um certo cantor da Saxônia: “O livro foi lançado como Musica instrumentalis
deudsch; o título completo, traduzido para o inglês é: "Musica instrumentalis” [...], que
compreende um método de aprendizagem para tocar em vários instrumentos de sopro com
base na arte de cantar [...]8". (SACHS, 1940, p. 300, tradução nossa)
Trata-se de uma publicação escrita por Agricola (1528) que continha informações
sobre os conceitos utilizados pelo Bel Canto, porém aplicados ao estudo dos instrumentos de
sopro. Nota-se assim um evidente cruzamento entre as técnicas respiratórias originados no


7
This testifies to an increasing interest in color, that is, the contrast and blend of timbres, as a vital part of music.
Orchestration, which at first was at the discretion of the performers, at last became important enough ‘to be
indicated by the composer; about 1600, Giovanni Gabrieli in Venice first fixed the instrument required for each
part in writing his scores.
8
The book came out as Musica instrumentalis deudsch; the full title, translated into English, is: “Musica
instrumentalis in German, which comprises a method of learning to play on various wind instruments based on
the art of singing (...).
30

canto e sua utilização pelos instrumentistas de sopro (desde o século XVI) de um método
escrito por um cantor.
Uma vez constatada a origem das técnicas respiratórias utilizadas pelos
instrumentistas de sopro, onde estaria então a origem das controvérsias ligadas a esse assunto
apontadas no início desta seção? As evidências sobre tal fato foram encontradas na pesquisa
da obra do segundo nome ligado a Velha Escola Italiana de Canto abordado por esse trabalho:
Manuel Garcia.
Manuel Garcia (1805–1906), personagem de notória importância dentro da história do
bel canto, é apontado por inúmeros pesquisadores como o último grande mestre da Velha
Escola Italiana. Dentre as realizações a ele atribuídas, destacam-se as observações realizadas
através do laringoscópio do aparelho vocal humano. Alguns historiadores creditam a Garcia a
invenção desse aparelho, demarcando as primeiras observações clínicas realizadas com esse
equipamento.
Muito além das suas criações e realizações, Garcia apresenta indícios sugerindo que as
controvérsias ligadas às origens e utilização de determinadas informações relacionadas à
respiração e à emissão do ar durante a performance dos cantores são muito mais antigas do
que se pode supor:

No prefácio da edição de 1841 do seu Traité, ele escreveu, “Infelizmente, daquela


época chegaram até nós somente vagos e incompletos documentos dessas tradições.
Os trabalhos de Tosi, Mancini, Herbst, Agricola, algumas passagens dispersas na
história de Bontempi, Burney, Hawkins, e Baini, nos deram somente uma
aproximada e confusa ideia dos métodos que seguiam9 (GARCIA, 1984, xvii apud
STARK, 1938, p. 5, tradução nossa).

Essa afirmação de Garcia em seu Tratado Completo da Arte do Cantar10, na edição de


1841, nos dá uma amostra das dificuldades encontradas naquele período para obtenção de
informações precisas que propiciassem meios confiáveis de execução das técnicas e
procedimentos desenvolvidos na Velha Escola Italiana de Canto.
As próprias afirmações de Bloem-Hubatka (1946) também acabam assumindo um
caráter conflitante, quando comparadas às de Garcia (1841). Apesar de ambos concordarem
em relação à eficácia dos métodos criados pelos velhos mestres da Escola Italiana de Canto,


9
In the preface to the 1841 edition of his Traité, he wrote, “Unfortunately, that epoch has left to us only some
vague and incomplete documents of its traditions. The works of Tosi, Mancini, Herbst, Agricola, some scattered
passages in the histories of Bontempi, Burney, Hawkins, and Baini, give us only an approximate and confused
idea of the methods then followed.”
10
École de Garcia: Traité complet de l’art du chant.
31

Garcia (1841) considera as informações disponíveis sobre tais métodos escassas e confusas,
gerando dúvidas em relação ao seu correto emprego. Porém, para Bloem-Hubatka (1946),
essas mesmas informações não geram nenhum tipo de dúvida ou incerteza.
Essas informações difusas sobre o aparelho vocal, sua utilização (ou não utilização) e
sua possível influência no resultado sonoro dos instrumentistas de sopro, ainda estão
presentes no cotidiano de boa parte dos instrumentistas atuais.

Para se fazer ouvir você tem de arranjar um jeito de tocar e não se cansar, porque
senão você não consegue tocar; usando uma respiração mais natural, fazendo com
que o som saia, a garganta esteja livre, o som saia com o ar quente, que é o que
deixa a garganta relaxada. O ar passa mais naturalmente, o som fica mais cheio, a
parede do instrumento se completa através do ar. [...] eu não consigo te dizer de
onde eu tirei essa informação. Pode ser que eu tenha lido, mas não me lembro
exatamente a fonte, mas basicamente é na observação e na experimentação
(informação verbal)11.

Nota-se na declaração de Daniel D’Alcântara, no que se reporta à sonoridade, a


obtenção de um aprendizado calcado em informações adquiridas de forma empírica. Esse
empirismo também estava presente nos primórdios da Velha Escola Italiana, conforme já
exposto. Continuando sua entrevista, D’Alcântara declara:

As vezes as pessoas diziam que eu precisava tocar com ar quente, mas eu me


perguntava o porque disso. Daí em ficava na minha casa jogando ar quente e frio nas
mãos. Qual seria a diferença? Você abre a garganta quando faz o ar quente e sua
passagem fica mais livre (informação verbal)12.

Essas dúvidas de D’Alcântara estariam ligadas a coup de glotte descrito por Manuel
Garcia, em seu tratado de 1841? Vejamos as descrições de Garcia (1841) para a coup de
glotte:

Depois que você está preparado e quando os pulmões estiverem cheios de ar, sem
enrijecimento da garganta ou de qualquer parte do corpo, mas com calma e facilidade,
ataque os sons muito distintamente com um golpe leve da glote em uma muito clara vogal
“a”. O “a” deve ser feito bem no fundo da garganta [...], a fim de que nenhum obstáculo
possa se opor a emissão do som. Nessas condições, os sons devem sair com circularidade
[...] Isso é necessário para preparar o golpe de glote, fechando-o, parando e
momentaneamente acumulando um pouco de ar na passagem; então, por mais que uma
ruptura funcione como um meio de relaxamento, ela se abre com um golpe contundente e
vigoroso, semelhante à ação dos lábios ao pronunciar a consoante “p”. Este golpe da
garganta também se assemelha à ação que o arco palatino realiza no movimento necessário
para a articulação da consoante “k” (GARCIA 1847, 1:25; 1984, 41-2 apud STARK, 1938,
p. 13, tradução nossa).


11
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Daniel Salles D’Alcântara Pereira em 2014.
12
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Daniel Salles D’Alcântara Pereira em 2014.
32

Aparentemente, muitas descrições dadas por D’Alcântara para uma correta abertura da
garganta durante a execução dos instrumentos de sopro coincidem com as definições da coup
de glotte de Garcia (1841), a saber: (1) o estado de relaxamento da garganta e (2) a
naturalidade na inspiração e expiração do ar: “A sílaba “rá” e “rô” faz com que você solte o ar
[...] de maneira mais tranquila, mais relaxada e regular”.
Essa fala de D’Alcântara acerca do uso de vogais para determinados posicionamentos
da garganta também foram encontradas em publicações de autores ligados ao canto, como
exemplo, as descrições realizadas por Mathilde Marchesi, no livro The Old Italian School of
Singing - A Theoretical and Pratical Guide, de Daniela Bloem-Hubatka (1946): “Sobre o
exercício para o ataque da voz ela escreve que a glote tem que ser contraída antes de emitir a
vogal "Ah".13”
Bloem-Hubatka (1946) descreve sua visão sobre o emprego das vogais: “Somente
quando o canto sobre a vogal "ah" é resolvido e tenha atingido a flexibilidade por meio de
exercícios de agilidade, podem ser introduzidas outras vogais, seguido de palavras, de
preferência em italiano"14 (BLOEM-HUBATKA, 1946, p.18, tradução nossa).
Ainda no livro de Bloem-Hubatka (1946) foram encontrados alguns indícios da
origem das informações apontadas por D’Alcântara, quanto a utilização das sílabas “rá” e
“rô”: “Ambos, MacNeil e Hines, parecem empregar um "cantarolar ou ataque ofegante",
também chamado de meio H. Não é um ataque "nas cordas, quase glotal", mas "um ataque
relaxado, iniciado com esse pequeno sopro de ar, geralmente no início de uma frase” 15
(BLOEM-HUBATKA, 1946, p. 19, tradução nossa).
Essas técnicas fazem parte do trabalho Great Singers on Great Singing, do baixo-
barítono americano Jerome Hines; sua principal característica seria o uso da sílaba “H” no
início de todas as frases. O ponto de intersecção entre essas informações, descritas por
D’Alcântara e Hines (1982), passa pela sonoridade da vogal “H” em diferentes línguas.
Na língua inglesa, a letra “H” possui uma sonoridade similar a letra “R” da língua
portuguesa. Com isso, tornam-se mais claras as fontes que podem ter originado o emprego de
determinadas vogais na busca de um correto posicionamento da garganta.

13
Above the exercise for the attack of the voice she writes that the glottis has to be contracted before emitting
the vowel “Ah.”
14
Only when the singing voice on the vowel “ah” is settled and has attained flexibility through agility exercises
can other vowels be introduced, followed by words, preferably Italian.
15
Both MacNeil and Hines seem to employ a “crooning or breathy attack,” also called a half H. It is not an
attack “on the cords, almost glottal” but “a relaxed attack, started with that little breath of air, usually at the start
of a phrase.
33

É possível apontar a origem das falhas relacionadas à transmissão dos conceitos


envolvidos no uso da respiração e do aparelho vocal pelos instrumentistas ao fato de não
haver concordância sobre esses conceitos entre os próprios pesquisadores e professores do bel
canto. Essa discordância de informações pode explicar, em parte, a forma como a sonoridade
tem sido ensinada no saxofone e nos demais instrumentos de sopro.

2. O estudo da sonoridade no saxofone

Uma vez estabelecidas as prováveis origens das técnicas utilizadas durante a


respiração e a emissão do ar pelos instrumentistas e, uma vez apresentada no capítulo anterior
as possíveis origens das falhas na transmissão dos conceitos envolvidos no uso da respiração e
do aparelho vocal, pareceu-me apropriado desenvolver uma investigação sobre a emissão
sonora a ser produzida nos instrumentos de sopro junto aos métodos abaixo listados.
Tal investigação teve por propósito fornecer um retrato sobre a forma como outros
autores abordam os assuntos ligados a emissão sonora, buscando ainda apontar eventuais
falhas na abordagem dos assuntos analisados nesta pesquisa.
Sendo assim, foram inicialmente analisados os métodos que serviram de referenciais
bibliográficos utilizados no meu curso de saxofone:

• Método completo para todos os saxofones, de H. Klosè;


• Developing Jazz Concepts: for saxophone (and other instruments), de
Lennie Niehaus;
• Technique of the saxophone – Scale Studies (Vol.1), de Joseph Viola;
• Technique of the saxophone – Chord Studies (Vol.2), de Joseph Viola;
• Criative reading studies for saxophone, de Joseph Viola;

As únicas informações relacionadas à sonoridade foram encontradas no método de


Klosè (19--?), p. 5, nos itens Posição da boquilha na boca e Emissão do som. Mesmo assim,
eram instruções bastante superficiais:

Uma vez produzido o som o mesmo deve ser sustentado, mantendo a coluna de ar,
tomando-se cuidado para que não fique na boca ou saia pelos cantos da mesma. Desta
forma, a palheta trabalha livremente obtendo suas vibrações com toda facilidade. […] O
mais belo timbre é o que une a doçura ao brilhantismo; por ele temos que procurar, desde o
princípio, obter sons cheios e suaves, dando-lhes ao mesmo tempo força e redondeza
(KLOSÈ, [19xx?], p. 5).
34

Nota-se nesse trecho o uso das expressões “coluna de ar” ou mesmo de adjetivos
(doçura, brilhantismo, cheio, suave) na tentativa de descrever a qualidade do som pretendida.
Entretanto, nenhuma informação técnica ligada diretamente aos processos para obtenção
dessa sonoridade foi encontrada. Tais adjetivos também foram observados nas declarações de
Nailor Azevedo Proveta em entrevista a mim concedida: “Nada. A única pessoa que falou
algo para mim sobre som foi meu pai. Ele falava para mim que o som era como uma gota de
água, redonda e que eu tinha que tirar aquele som” (informação verbal)16.
No livro de Klosè (19--?, p.7-13) foi encontrada uma série de exercícios claramente
destinados à prática da sonoridade. São quatorze exercícios com um grau de dificuldade
técnica baixo, nos quais ele aborda, de forma progressiva, o distanciamento intervalar entre as
notas da melodia. Mais uma vez as instruções relativas à correta execução desses exercícios
são exíguas:

Os primeiros estudos do aluno devem ser dirigidos à emissão de sons firmes. É


preciso atacar a nota por um golpe de língua seco, como querendo pronunciar a
sílaba TU e sustentar constantemente o som com todo seu vigor sem ondulações, até
terminar sua duração. […] O som jamais deve interromper-se; deve conservar-se
sempre com a mesma intensidade e mesma força, qualquer que sejam os intervalos
existentes entre as notas (KLOSÈ, [19xx?], p. 6).

Devo ressaltar que as instruções de Klosè não são incorretas. Todavia, as informações
ou os mecanismos técnicos necessários à obtenção desses resultados não foram encontrados
em parte alguma do seu livro.
Outro questionamento veio à tona com relação a essa publicação: seriam quatorze
exercícios realmente suficientes para um perfeito entendimento, assimilação e
desenvolvimento da sonoridade? Os resultados apresentados por meus alunos de saxofone na
Escola Municipal de São Paulo (EMSP) até 2010 indicavam que essa quantidade de
exercícios era insuficiente para o desenvolvimento e a assimilação das informações ligadas à
sonoridade do instrumento.
Esses indícios foram observados a partir das dificuldades apresentadas pelos alunos na
execução dos exercícios localizados nas seções intituladas 15 exercícios sobre os intervalos
com diversas articulações (KLOSÉ, 19xx?, p. 14) e 30 pequenos solfejos fáceis (KLOSÉ,
19xx?, p. 28). Nessas seções são acrescidas articulações variadas (ligaduras, notas articuladas,
staccato e notas acentuadas) e variações de dinâmica (crescendo, decrescendo, p, f) aos
exercícios que ainda apresentam um baixo grau de dificuldade técnica. Porém, essas

16
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Nailor Azevedo Proveta em 4 de setembro de 2014.
35

informações acrescentadas aos exercícios passaram a gerar um alto grau de dificuldade


durante a execução dos alunos.
A princípio julguei que o problema estaria ligado à insuficiência de horas dedicadas à
preparação daqueles estudos. Todavia, a recorrência dessas dificuldades (nessas seções) em
um grande número de alunos acabou me levando a suspeitar que a origem do problema
poderia ser de outra natureza. Após infrutíferas semanas recomendando maior empenho
técnico dos alunos para obtenção de uma perfeita execução destes exercícios, resolvi repassar
para eles todas as informações envolvidas na emissão do som no saxofone, tais como:
respiração, embocadura e emissão do ar. Para minha surpresa, após poucas semanas
relembrando esses fundamentos, alguns exercícios que pareciam inexecutáveis passaram a
soar perfeitamente.
Desde então, passei a recomendar de maneira enfática estudos notoriamente ligados à
prática e ao desenvolvimento da sonoridade, tais como o estudo diário de notas longas e a
observação dos conceitos relacionados a respiração e emissão do ar.
Os resultados no desempenho geral dos alunos foram animadores, porém, acabaram
esbarrando num obstáculo: a falta de regularidade no estudo dos itens acima citados.
A leitura dos livros Developing Jazz Concepts, de Lennie Niehaus (1981), Technique
of the saxofone – Scale Studies (Vol.1), Technique of the saxofone – Chord Studies (Vol.2) e
Criative reading studies for saxophone, de Joseph Viola (1965, 1963, 1982), não continham
nenhuma informação ou estudo direcionado ao aprimoramento ou desenvolvimento da
sonoridade. Esse fato levou-me à constatação da escassez de material didático e estudos
direcionados especificamente à sonoridade.
Em 2014, depois de realizadas as entrevistas com alguns músicos brasileiros do
cenário da música popular e erudita, entrei em contato com novos livros e métodos de
saxofone que foram por mim avaliados17, a saber:

• Método Completo de Saxofone, de Amadeu Russo;


• O Saxofone – Técnica e Sonoridade (Vol. 1), de Demétrio S. Lima18;


17
Nesta ocasião foram entrevistados Nailor Azevedo (Proveta), Sergio Burgani, Ovanir Buosi, Rafael Galhardo,
Maurício de Souza Roberto, Vitor Alcântara, Daniel D’Alcântara, Carlos Sulpício, entre outros.
18
Iniciou sua vida profissional trabalhando do Rio de Janeiro e São Paulo em night clubs, tendo integrado
grandes orquestras de baile e televisão. Foi flautista da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo sob a
regência de Eleazar de Carvalho, tendo ainda acompanhado em shows e gravações grandes nomes da música
brasileira, entre os quais Tom Jobim, Miúcha, Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Toquinho, Geraldo Vandré,
Jair Rodrigues, João Gilberto, Elis Regina, Roberto Carlos, Milton Nascimento, entre outros. Participou ainda

36

• Enseignement du Saxophone, de Marcel Mule19;


• Saxophone Exercises, de Sigurd M. Rascher20;
• The Art of Saxophone Playing, de Larry Teal21;
• Desenvolvendo uma Sonoridade Pessoal no Saxofone, de David Liebman22;
• Daily Studies for All Saxophones, de Trent Kynaston23;
• Playing the Saxophone, de Bob Mintzer24;
• Melodic Structures, de Jerry Bergonzi25.

como músico convidado das orquestras de Ray Coniff, Les Elgart, Sammy Davis Jr., Nanci Wilson, Lionel
Hampton e Michel Legrand. Fonte: Yumpu (https://www.yumpu.com/pt/document/view/12695271/saxofone-
reflexoes-sobre-a-aprendizagem-e-a-pratica-deste-free/69). Acessado em 8 de junho de 2016.
19
Marcel Mule foi mundialmente conhecido como um dos maiores saxofonistas eruditos, com muitas peças
escritas por ele e para ele, lançadas por ele e arranjadas para ele. Muitas dessas peças tornaram-se essenciais
dentro do repertório erudito do saxofone. É considerado o fundador da Escola Francesa de Saxofone e o maior
representante solista do saxofone erudito do seu tempo, sendo uma figura fundamental no desenvolvimento do
instrumento. Fonte: Wikipedia (https://en.wikipedia.org/wiki/Marcel_Mule). Acessado em 29 de novembro de
2015.
20
Sigurd Manfred Rascher faleceu em 25 de fevereiro de 2001. Suas contribuições para o desenvolvimento do
saxofone foram de grande importância. Tendo crescido rodeado pela música dos mestres tanto em casa como na
escola, esse parecia um caminho natural para Rascher tendo sido prontamente admitido na classe do ilustre
clarinetista Philipp Dreisbach, na Academia de Música de Stuttgart. Foi o pioneiro na expansão da extensão do
saxofone. Já na década de 1930 era um dos mais aclamados saxofone solistas da Europa, recebendo peças
especialmente escritas para ele, de compositores como Hindemith, Glazounov, Milhaud, entre tantos outros.
Fonte: Musical Pioneer and Beacon of Idealism: Sigurd M. Rascher, de John-Edward Kelly (2001).
21
Doutor em música pela Detroit Institute of Music manteve uma intensa carreira tanto no jazz quanto na música
erudita, atuando inclusive como primeiro flautista e clarinetista da Detroit Symphony Orchestra de 1943 a 1964.
Em 1953 foi convidado para integrar o corpo docente da Michigan-Ann Arbor University, tendo sido o primeiro
professor de saxofone contratado em regime integral por uma universidade nos Estados Unidos da América. Teal
permaneceu na Michigan-Ann Arbor University até sua aposentadoria em 1974, ocasião em que foi agraciado
com o título de Professor Emérito da Universidade. Fonte: Wikipedia (https://en.wikipedia.org/wiki/Larry_Teal).
Acessado em 14 de julho de 2015. Até a presente data não tenho conhecimento de uma tradução em português
para o livro de Teal analisado nesse trabalho.
22
David Liebman é considerado um dos maiores músicos do jazz em atividade, com uma carreira de mais de 40
anos. Atuou junto a muitos dos mestres do jazz tais como Miles Davis, Elvin Jones, Chick Corea, John
McLaughlin, McCoy Tyner e outros mais, sendo ainda o autor de inúmeros artigos, livros e métodos dedicados
ao saxofone ou a história do jazz. Seu livro Developing a Personal Saxophone Sound ganhou uma versão
traduzida para o português em 2014. Fonte: David Liebman Official Website (http://davidliebman.com).
Acessado em 14 de julho de 2015.
23
Trent Kynaston é um reconhecido saxofonista tanto na música clássica quanto no jazz. Já se apresentou nos
Estados Unidos, Canadá, Europa, América Central, América do Sul, África e Ásia. É professor emérito da
Western Michigan University, onde ele se aposentou recentemente, após 39 anos de ensino. Fonte: Trent
Kynaston Biography (http://www.trentkynaston.com/biography.php). Acessado em 30 de novembro de 2015.
24
Bob Mintzer destaca-se em várias áreas da música. É membro do premiado grupo Yellowjackets (Grammy) há
20 anos, lidera sua própria premiada big band (Grammy), é titular da cadeira de estudos de jazz na Universidade
do Sul da Califórnia, em Los Angeles, realiza oficinas em todo o mundo, é autor de inúmeros livros sobre jazz e
arranjos e composições para as mais variadas formações instrumentais. Mantém ainda uma intensa agenda de
shows com seu próprio quarteto, além de tocar com inúmeras bandas ao redor do mundo. Escreveu mais de 200
arranjos de big bands e diversas formações sinfônicas, entre as quais, Tito Puente, Buddy Rich, Thad Jones-Mel
Lewis, Orquestra Sinfônica Nacional, Orquestra Metrópole dos Países Baixos, WDR Big Band em Colônia e HR
Big Band em Frankfurt. Fonte: Bob Mintzer Website (http://www.bobmintzer.com/about.php). Acessado em 30
de novembro de 2015.
25
Jerry Bergonzi é sax-tenor jazzísta, compositor e educador. Ganhou projeção na década de 1970 como artista
convidado nos grupos e gravações de Dave Brubeck, ocupando ainda o posto de saxofonista no quarteto de Dave

37

O livro de Russo (1997) é possivelmente um dos mais antigos métodos de saxofone ao


alcance dos músicos brasileiros. Porém, até a conclusão deste trabalho, foram encontradas
poucas informações sobre a vida desse autor, inclusive sobre a data correta da primeira
publicação do seu método. Apesar das escassas informações, o livro apresenta um número
razoável de informações ligadas ao instrumento (posicionamento do corpo, das mãos, dos
dedos, da palheta e da embocadura).
Na seção Primeiros Estudos foram localizados exercícios com características
propícias ao estudo da sonoridade, mas não foram encontradas instruções que direcionassem
tais estudos. Foram encontrados breves relatos sobre a emissão do som, ligados à emissão das
notas agudas, na seção Exercício para a emissão dos sons do registro agudo. Em ambas as
seções, os exercícios rapidamente adquirem características de aprimoramento técnico e não de
desenvolvimento da sonoridade.
O livro do saxofonista Demétrio S. Lima, um dos mais atuantes músicos da cena
musical paulistana das décadas de 1960 a 1990, apresentou informações claras sobre a
anatomia do corpo humano durante a execução do saxofone, entretanto, suas descrições sobre
a correta emissão do ar são escassas.

Para se conseguir uma emissão livre e relaxada, ter um som claro e rico em
harmônicos, é preciso fazer estes exercícios com disciplina e consciência,
observando com atenção alguns pontos: 1º - Deixe o tórax completamente relaxado;
2º - Tome cuidado com a pressão excessiva dos lábios; 3º - Sempre pronuncie a
sílaba “Hoo…”, deixando que a coluna de ar passe livremente, sem interferências; 4º
- Respire calmamente (LIMA, 19xx?, p.3).

Mais uma vez encontramos instruções precisas misturadas a outras não muito claras.
Como exemplo dessa imprecisão, vemos a instrução “Deixe o tórax completamente
relaxado”, para qual não foram encontradas explicações sobre os motivos da adoção desse
procedimento, além da menção à forma de execução ligada ao posicionamento da garganta
durante a execução da palavra “Hoo” (Lição 1, p. 3), comumente adotada por trompetistas e já
citada anteriormente neste trabalho (capítulo 1, item 1, p. 19). Não foram encontradas
instruções claras sobre a forma e a quantidade de tempo indicadas para a prática desses
estudos no livro de Lima (19--?).


Brubeck de 1979 a 1982. É professor no Conservatório New England of Music em Boston e autor de uma série
de livros sobre improvisação publicados pela Advance Music e pela Jamey Aebersold Jazz. Fonte: Wikipedia
(https://en.wikipedia.org/wiki/Jerry_Bergonzi). Acessado em 30 de novembro de 2015.
38

Nos livros de dois saxofonistas – Mule e Rascher – ligados aos primórdios da escola
do saxofone dentro da música erudita, não foram encontradas citações e exercícios
direcionados de maneira específica ao estudo da sonoridade.
Foi encontrada na primeira página do livro de Mule (1948) uma menção à palavra
som, o que nos leva a crer que o autor se preocupava com esse tema, porém, nesse mesmo
trecho, o autor revela que o principal objetivo dos exercícios ali contidos seria obter um bom
desenvolvimento técnico, não priorizando o estudo da sonoridade.

Com essas escalas e arpegios, o saxofonista não terá somente aprendido o essencial
de uma sólida técnica, mas estará apto a manter um bom som mesmo na mais difícil
das passagens. Deve-se ressaltar que essas escalas e arpegios devem ser praticados
legato realçando as várias articulações e ritmos. Tudo isso deve resultar numa
perfeita igualdade de dedos e som26 (MULE, 1948, p. 1, tradução nossa).

Pesquisei ainda os conteúdos em The Art of Saxophone Playing, de Larry Teal, e


Desenvolvendo uma Sonoridade Pessoal no Saxofone, de David Liebman, onde foram
encontrados capítulos contendo explicações diretas sobre todo os processos envolvidos na
emissão do som.
Nesses dois casos, os capítulos que tratavam da respiração, embocadura e do aparelho
vocal apresentavam informações extremamente detalhadas, com um grande número de
ilustrações, repletas de dados técnicos que buscavam demonstrar com objetividade todos os
músculos, membros e ações envolvidas na execução do saxofone.
O livro de Teal (1963) apresenta um significativo número de capítulos dedicados às
informações ligadas ao instrumento e à sua execução, a saber: O instrumento (The instrument,
p. 13), A boquilha (The mouthpiece, p. 17), A palheta (The reed, p. 21), Posicionamento do
corpo durante a execução (Playing position, p. 31), A técnica de respiração (The Breathing
Technique, p. 33), A embocadura (The embouchure, p. 37) e A qualidade do som (Tone
quality, p. 45). Todos esses capítulos apresentam vários subcapítulos com informações
importantes e detalhadas acerca de cada um desses assuntos. Entretanto, as únicas menções à
prática de sonoridade foram observadas no capítulo The Release (O ataque), no qual
encontramos oito exercícios dedicados de maneira específica à essa finalidade (p. 81).


26
With these scale and arpeggio, the saxophonist will not only learn the essentials of a solid technique but will
be able to maintain a good tone even in the most difficult of passages. It should be stressed that they are to be
practiced legato while not neglecting to bring out the various articulations and rhythms. All of this should result
in a perfect equality of fingers and tone.
39

Uma situação similar foi encontrada no livro de Liebman (2014). O autor apresenta
informações detalhadas acerca do funcionamento do aparelho respiratório nos capítulos 1
(Visão geral do mecanismo da sonoridade), capítulo 2 (Respiração) e capítulo 3 (Laringe),
com ilustrações e informações expressivas sobre as articulações e posicionamento da língua, a
embocadura e sobre as palhetas e boquilhas (capítulos 5, 6 e 7, respectivamente). Entretanto,
não foram encontrados estudos especificamente direcionados à sonoridade. No capítulo 4 do
livro, intitulado Exercícios de harmônicos (Overtones), nota-se a presença de exercícios de
oitavas descendentes e notas da série harmônica que poderiam sugerir se tratar de estudos de
sonoridade, contudo, em suas instruções, Liebman (2014) deixa claro que o foco desses
estudos deve permanecer sobre o correto entendimento do funcionamento da laringe, assim
como, eventuais movimentos dos lábios na boquilha, em diferentes regiões da extensão do
instrumento.
Finalmente, foram analisados os livros Daily Studies for All Saxophones, de Trent
Kynaston (1981), Playing the Saxophone, de Bob Mintzer (1994) e Melodic Structures, de
Jerry Bergonzy (1994). Neles não foi encontrado nenhum tipo de menção ou apresentação de
estudos direcionados ao trabalho e/ou aprimoramento da sonoridade, e nem informações
ligadas aos conceitos de respiração e emissão do ar.
Sendo assim, foram identificados dois procedimentos distintos entre os autores até
aqui analisados:
1º) autores que não trazem nenhum tipo de informação sobre emissão sonora, não
trabalham os meios para sua fixação e aprimoramento e nem produzem estudos direcionados
para o desenvolvimento sonoro;
2º) autores que, apesar de tratarem de maneira satisfatória os temas ligados ao
conceito de sonoridade, acabam destinando um número desproporcional de exercícios
destinados à fixação e ao aprimoramento de tais informações, frente ao número de exercícios
destinados ao desenvolvimento técnico.
Diante desta realidade decidi ampliar meu levantamento para trabalhos realizados por
autores de outros instrumentos que não fossem o saxofone.
40

3. Estudo da sonoridade em outros instrumentos de sopro 


Na seção anterior, pudemos identificar vestígios de uma deficiência na maneira como


os autores pesquisados abordam o estudo da sonoridade. Vimos que, em alguns casos, os
conceitos ligados a esse tema nem sequer são citados.
Com essa nova pesquisa pude averiguar a forma como outros instrumentistas de sopro
trabalham com o conceito de sonoridade, a saber:

• Método de Flauta Transversal, de César Albino.


• Metodo Completo per Clarinetto, de H. Klosè;
• Vade-Mecum du Clarinettiste, de Paul JeanJean;
• 416 Studies, de Fritz Kroepsch;
• Complete Method for Clarinet, de C. Baermann;
• Foundation to Flute Playing - An Elementary Method, de Carl Fischer;
• Méthode Complète de Flute, de G. Gariboldi;
• Méthode Complète de Flute, de Paul Taffanel e Philippe Gaubert;
• Flute technique, de F.B. Chappman.

O Método de Flauta Transversal, do saxofonista e flautista César Albino, traz uma


série de exercícios dedicados ao estudo da sonoridade. As instruções são detalhadas no que
tange à questão da frequência com que esses estudos devem ser praticados. Porém, suas
explanações sobre a respiração são um tanto obscuras.

Prolongue o máximo que conseguir a nota indicada com a fermata (símbolo da


fermata). Esvazie todo o pulmão antes de buscar ar novamente. Ao inspirar, faça um
bocejo, relaxando toda a musculatura, com calma, levando o ar para a região
abdominal. Essa respiração é mais indicada porque você pode controlar mais essa
musculatura, e verá também que se pode armazenar uma quantidade maior de ar ali.
Esses exercícios devem ser praticados em torno de dez minutos ao dia, todos os dias
por pelo menos três semanas, sempre bem devagar, caso contrário o efeito não será
sentido (ALBINO, 2005, p. 35).

Não foram encontrados os motivos pelos quais seria necessário fazer um bocejo no
momento da inspiração, relaxar a musculatura e levar o ar para a região abdominal. Também
não foram localizadas as informações sobre qual musculatura deveria ser relaxada e de que
forma pode-se levar o ar para o abdômen.
41

Nos livros Metodo Completo per Clarinetto, de H. Klosè (1956), Vade-Mecum du


Clarinettiste, de Jean-Jean (1927) e 416 Studies, de Kroepsch (1957), não foram encontradas
menções a estudos direcionados à sonoridade.
Baermann (1918) apresenta uma série de capítulos em seu livro Complete Celebrated
Method for Clarinet nos quais a respiração, um dos quesitos ligados à sonoridade, é tratada de
maneira superficial. Não foram encontradas informações que explicassem de forma clara o
funcionamento do aparelho respiratório durante a execução do clarinete. Nos capítulos How
to Hold the Instrument (p. 5), Embouchure (p. 6), Explantory Remarks on Breathing (p. 11) e
Additional Remarks as to the Necessary Requeriments of Clarinet-playing: Tone Production
on the Reed, (p. 12), Baermann associa a respiração a uma condição única e exclusivamente
fraseológica:

A primeira regra a respeito disso é que a respiração deve ser regulada de acordo com
o comprimento da passagem a ser reproduzida; o executante deve ter o fôlego que
lhe permita continuar com facilidade até o próximo ponto de respiração 27 ”
(BAERMANN, 1918, p. 11, tradução nossa).

As análises dos livros escritos por flautistas, ou para os flautistas, apresentaram


resultados similares àqueles encontrados nos livros escritos para clarinetistas.
As citações no livro Foundation to Flute Playing - An Elementary Method, de Carl
Fischer (1918), que poderiam estar relacionadas aos conceitos de sonoridade foram
encontradas nas seções Breathing e Tuning (p. 7).
Assim como Baermann (1918), Fischer (1918) associa a respiração à execução das
frases ou à afinação; porém, em nenhum momento o autor apresenta informações sobre
procedimentos e/ou estudos que pudessem auxiliar o desenvolvimento ou a fixação dos
conceitos ligados à respiração durante a execução. Informações com características
semelhantes foram encontradas no livro Méthode Complète de Flute, de Paul Taffanel e
Philippe Gaubert: “Isso leva a dizer que a respiração pode ser tomada não por necessidade
física, mas para pontuar uma frase musical 28 ” (TAFFANEL; GAUBERT, 1958, p. 53,
tradução nossa).


27
The first rule as to this point is that the breathing should be regulated according to the length of the passage to
be played; the player should take so much breath as to enable him to continue with ease till the next breathing
place comes.
28
This leads to saying that a breath can be taken, not through physical necessity, but in order to punctuate a
musical sentence.
42

No livro Méthode Complète de Flute, de Giuseppe Gariboldi (1955), não foram


encontradas informações ligadas ao estudo da sonoridade. Entretanto, no livro Flute
Technique, de F.B. Chapman (1973), foi encontrado um capítulo dedicado exclusivamente à
respiração.
As seções The meaning of the breath control I (p. 1), The conditions for obtaining and
maintaining an adequate air supply (p. 1), The action of the diaphragm in controlling the air
supply (p. 1) e The management of the air supply in flute playing (p. 2), Chapman apresenta
informações relevantes sobre postura corporal na respiração e no funcionamento do
diafragma. Apesar da presença de informações detalhadas sobre a respiração, não foram
localizados exercícios que pudessem auxiliar na fixação e/ou desenvolvimento deste tópico.
Nota-se, após a análise desse material, uma evidente falha na forma como o estudo da
sonoridade é abordado nos livros escritos para diversos instrumentos de sopro. Concluímos,
então, que existe uma discrepância em relação a atenção dada pela maioria dos autores aos
estudos técnicos, versus a atenção dada ao estudo da sonoridade.
Essa constatação apoia-se nos seguintes fatos: 1) nos livros onde foram encontrados
exercícios com características propícias ao estudo da sonoridade, sua quantidade era
exponencialmente menor aos dedicados ao estudo técnico e, 2) em muitos livros, não foram
sequer encontrados exercícios ou informações destinadas ao desenvolvimento dos conceitos
ligados à sonoridade.
Após essas conclusões, e uma vez que as questões ligadas ao entrelaçamento das
técnicas utilizadas por cantores e instrumentistas de sopro foram esclarecidas, pareceu-me
apropriado o acréscimo de informações que pudessem esclarecer algo primordial na execução
de quaisquer instrumentos de sopro: entender o funcionamento do aparelho respiratório
humano.
A seção seguinte será dedicada à apresentação dessas informações, com base em
relatos produzidos por pesquisadores de outras áreas de conhecimento, entre eles, da biologia
e das ciências da saúde, em especial, da fisioterapia.

4. A necessidade de um olhar interdisciplinar no estudo da sonoridade

Na seção anterior, a discordância nas informações dos professores e pesquisadores do


bel canto pode explicar o motivo da multiplicidade de conceitos e ensinamentos que
envolvem a respiração nos livros dedicados ao ensino dos instrumentos de sopro.
43

Vimos ainda que alguns autores vinculam a respiração a um conceito estritamente


fraseológico, ou seja, a uma correta interpretação das frases musicais. O clarinetista
aposentado da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal de São Paulo e Professor da Escola
Municipal de Música, Rafael Galhardo, já falecido, em entrevista realizada, assim se
expressou quanto ao assunto: “Você tem de respirar sempre no lugar onde vai recomeçar a
frase, não no meio da frase. No meio da frase é erro! A respiração é primordial, é a principal
coisa (POMPEO, 2014, Parte de entrevista editada de Rafael Galhardo Caro).
Posso afirmar, segundo as evidências já apresentadas, que a respiração possui um
papel bem maior do que o destinado a ser uma ferramenta interpretativa. Dadas as evidências,
vimos que o conhecimento apropriado e o uso correto do aparelho respiratório durante a
execução dos instrumentos de sopro é imprescindível para um bom desempenho. Contudo,
muitos estudantes, ou mesmo músicos profissionais, possuem conhecimentos escassos sobre a
respiração. Vejamos o relato do clarinetista Rafael Galhardo Caro:

Logo quando eu comecei a aprender se ensinava pelos pulmões, que é o ar frio. [...]
analisando os métodos americanos que nós importamos, eles ensinavam o diafragma
[...]. Quando você diz diafragma (está falando) de diafragma mesmo, não (de) tocar
com os pulmões (informação verbal)29.

A declaração de Caro nos dá um exemplo sobre os equívocos relacionados ao uso do


diafragma. O uso desse músculo durante a execução dos instrumentos de sopro é um conceito
largamente difundido entre os músicos brasileiros, mas usualmente tratado sem nenhum tipo
de respaldo científico. Para muitos músicos, por exemplo, o ar que inspiramos deve ser
armazenado na barriga para que haja o uso correto do diafragma. Não são poucos os
instrumentistas que desconhecem a função desse músculo em nosso corpo.
Com o intuito de apresentar dados que permitam dizimar estes equívocos, apresentarei
informações ligadas a respiração advindas da biologia e das ciências da saúde, em especial, da
fisioterapia.

4.1. O fenômeno da respiração avaliada sob o viés da biologia e da fisioterapia.

Apesar da discrepância dos autores analisados nesse trabalho, quanto ao número de


estudos dirigidos ao aprimoramento técnico versus aos de aprimoramento da sonoridade,


29
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Rafael Galhardo Caro na Escola Municipal de Música de
São Paulo (ESMP) em novembro de 2014.
44

foram encontradas em alguns destes livros descrições detalhadas sobre o aparelho


respiratório. Vejamos o que Larry Teal relata:

O tórax, ou na cavidade torácica, contém o coração, pulmões, esôfago e a traqueia. É


cercada por uma estrutura óssea que consiste da espinha, do esterno e das costelas.
Entre as nervuras existem muitos músculos pequenos conhecidos como intercostais,
que funcionam de modo a expandir e contrair as costelas. A base da cavidade
torácica é uma partição muscular conhecida como diafragma, que opera
involuntariamente e é controlada pela ação dos músculos circundantes. O diafragma
fecha completamente a cavidade torácica do abdômen. […] os músculos intercostais
funcionam de forma diferente, controlando de forma direta e voluntária a expansão e
contração das costelas. [...] na extremidade superior está a laringe, que contém os
órgãos que controlam a passagem do ar através da traqueia. O mais elevado destes
órgãos é a epiglote, uma válvula que direciona os alimentos ao estômago e o ar para
os pulmões30 (TEAL, 1963, p. 33, tradução nossa).

As informações de Teal (1963) apresentam em detalhes os principais órgãos do


aparelho respiratório, além de informações claras sobre o papel do diafragma nesse processo.

O caminho mais natural para mover o diafragma é empurrando o abdômen para


frente. Essa é uma ação natural que acontece quando nós respiramos naturalmente.
Qualquer um que veja uma pessoa dormindo poderá observar que o estômago se
move, em vez do peito. Entretanto, quando se pede a uma pessoa normal para que
ela respire profundamente, irá fazer exatamente o oposto. Ela vai expandir o seu
peito enquanto inala e empurrar para fora o estômago durante a expiração31 (TEAL,
1963, p. 34, tradução nossa).

Devo ressaltar que informações similares às apresentadas por Teal (1963) foram
encontradas somente em dois livros por mim analisados: em Chapman (1973) e em Liebman
(2014). Todavia, mesmo entre os autores que abordam de forma direta a respiração, foram
encontradas discordâncias sobre a forma como ela deve ser trabalhada.


30
The thorax, or chest cavity, contains the heart, lungs, esophagus, and trachea (windpipe). It is surrounded by
the bony structure consisting of the spine, breastbone, and the ribs (costals). Between the ribs there are many
small muscles known as the intercostal, which function to expand and contract the ribs. The floor of the chest
cavity is a muscular, membranous partition known as the diaphragm, that operates involuntarily and is controlled
by the action of the surrounding muscles. The diaphragm completely shuts off the chest cavity from the
abdomen. […] The intercostal muscles function differently, as they are voluntary and directly control the
expansion and contraction of the ribs. […] At its upper extremity is the larynx, containing the organs which
control the passage of the air through the windpipe. The uppermost of these organs is the epiglottis, a valve
which directs food into the stomach and air into the lungs.
31
The most natural way to move the diaphragm is by pushing the abdomen forward. This is the action that takes
place when we breathe naturally. Anyone who watches a sleeping person will observe that the stomach moves
rather than the chest. The average person, however, when asked to take a deep breath, will do just the opposite.
He will expand his chest as he inhales and push out the stomach during exhalation.
45

Não há exercícios respiratórios especiais a serem realizados pelo estudante na


prática das linhas estabelecidas no próximo capítulo que, com o tempo, levam ao
controle necessário do diafragma e, portanto, do suprimento de ar32” (CHAPMAN,
1973, p. 2, tradução nossa).

A declaração de Chapman (1973) se opõe frontalmente às de Teal (1963), que dedica


um capítulo do seu livro ao aprimoramento da respiração.

Mudar seus hábitos respiratórios geralmente é um processo lento, e pode exigir


paciência e atenção continuada. Em seu estágio de desenvolvimento, a respiração
deve ser praticada longe do instrumento até que essa ação esteja sob controle33 ”
(TEAL, 1963, p. 34, tradução nossa).

Tais informações sugerem um possível novo ponto de discordância dentro desse


assunto: as divergências sobre a respiração não ocorreriam somente em relação a forma como
ela deve ser trabalhada, mas também em relação a sua real importância durante a execução
dos instrumentos de sopro. Isto posto, pareceu-me apropriado um aprofundamento sobre o
tema em busca de mais dados que pudessem atenuar tais contradições.
Os dados mais expressivos neste sentido surgiram da análise do livro Aspectos
Práticos e Teóricos para o Ensino e Aprendizagem da Performance Musical, no capítulo
intitulado Aspectos Básicos no Desenvolvimento da Qualidade da Sonoridade no Saxofone,
34
escrito pelo professor e pesquisador Roberto Cremades Andreu , da Universidade
Complutense de Madrid.
Nele, Andreu (2014) apresenta informações claramente direcionadas a compreensão e
elucidação da importância da respiração. “Não se pode ser um bom cantor, orador ou


32
No special breathing exercises need be carried out by the student as practice on the lines laid down in the next
chapter will, in time, lead to the requisite control of the diaphragm and therefore of the air supply.
33
Changing one's breathing habits is usually a slow process, and may require patience and continued attention.
In its developmental stage, breathing should be practiced away from the instrument until the action is well under
control.
34
Natural Aspe (Alicante) é doutor pela Universidade de Granada, com menção de "Doctor Europeus", Mestre
em Educação Musical: Uma Perspectiva Multidisciplinar (UGR), professor de saxofone (Conservatório de
Música "Oscar Espla" de Alicante) e é credenciado pela ANECA como professor adjunto na área de Ensino de
Expressão Musical. Foi professor de Educação Secundária, Professor de Música e Artes Cênicas para o
Ministério da Educação e da Ciência e professor no Departamento de Ensino Musical, Plástica e Corporal, na
Faculdade de Educação e Ciências Humanas de Melilla (Universidade de Granada). Atualmente, é Secretário
Acadêmico do Departamento de Musical e Expressão Corporal na Faculdade de Educação da Universidade
Complutense de Madrid, onde leciona na graduação e pós-graduação. Também participa do programa
"Doutorado em Educação" como orientador e diretor de várias teses de doutorado dentro da linha "Pesquisa
Disciplinar no Ensino". Vem realizando pesquisas financiadas e ensinando em universidades nos Estados
Unidos, Brasil, Portugal, México e Espanha.
46

instrumentista de sopro se não possui um bom controle da respiração. O estudo da respiração


é a base da técnica instrumental35 […]” (ANDREU, 2014, p. 265, tradução nossa).
Foram também apresentados dados detalhados sobre variados tipos de respiração, a
saber: a respiração de cintura escapular, a respiração torácica (costal-clavicular) e a respiração
abdominal ou diafragmática. Após uma descrição sucinta sobre o funcionamento de cada uma
das respirações citadas, Andreu (2014) apresenta uma nova evidência relevante.

Os instrumentistas de sopro utilizam em maior quantidade a respiração


diafragmática para amplificar a respiração natural, de tal forma que o ar é
direcionado para a parte inferior dos pulmões, que expande o diafragma para baixo
e, portanto, aumenta a capacidade da caixa torácica e sua dimensão verticalmente,
enchendo completamente os pulmões36 (ANDREU, 2014, p. 266, tradução nossa).

Dadas as afirmações de Andreu (2014) e Teal (1963), é possível atribuir ao diafragma


um papel central dentro da respiração. Vale ressaltar que tal caráter vem de encontro às
informações defendidas por outro autor citado anteriormente nesse trabalho, Bloem-Hubatka
(1946).

Os velhos mestres reconhecem o segundo tipo de respiração chamada torácica ou


intercostal como a mais adequada ao canto, porque cantar é uma forma de atividade
que precisa de um certo fornecimento de energia que torne desnecessário qualquer
esforço na produção do som. Na respiração torácica, a ação necessária do diafragma
é automaticamente incorporada, seguindo as leis da anatomia física 37 (BLOEM-
HUBATKA, 1946, p.38, tradução nossa).

Cabe relembrar a relação existente entre as técnicas respiratórias utilizadas pelo canto
e pelos instrumentistas de sopro e que foram apresentadas nesse trabalho no capítulo 2 (item
1, p. 26). Porém, Andreu (2014) nos apresenta mais uma nova informação a respeito do
assunto, que confere um caráter científico ao uso da respiração diafragmática: “A capacidade


35
No se puede ser u buen cantante, orador o instrumentista de viento si no se posee un buen control de la
respiración. El estudio de la respiración es a base de la técnica instrumental […].
36
Los instrumentistas de viento utilizan en mayor medida la respiración diafragmática para amplificar la
respiración natural, de forma que emplazando el aire en la parte inferior de los pulmones, esta se dilata, el
diafragma baja y aumenta así la capacidad de la cajá torácica y su dimensión en sentido vertical, llenando
completamente los pulmones.
37
The old masters recognized breathing of the second kind called thoracic or intercostal as best suited for
singing because singing is a form of activity that needs a certain supply of energy to make the sound production
effortless. In thoracic breathing, the necessary action of the diaphragm is automatically incorporated, following
the physical anatomical laws.
47

pulmonar de um menino de 13 anos de idade utilizando-se desse tipo de respiração passa de


aproximadamente 2,41 litros para 3,81 litros38” (ANDREU, 2014, p. 266, tradução nossa).
Surgem assim informações que poderiam não somente atribuir a devida importância à
respiração utilizada pelos instrumentistas de sopro, mas também comprovar com dados
científicos todos os relatos até aqui expostos sobre o funcionamento do aparelho respiratório.
Para tanto, vejamos quais seriam essas informações relativas à respiração sob a luz da
biologia e da fisioterapia.

A respiração é feita via inalação através do nariz ou da boca como o resultado da


contração e relaxamento do diafragma. Os principais músculos envolvidos na
respiração são o diafragma e os músculos intercostais externos. […] O diafragma é
um músculo em forma de cúpula, com uma superfície superior convexa. Quando se
contrai, ele se achata e amplia a cavidade torácica. Durante a inspiração, os
músculos intercostais externos elevam as costelas e o esterno e, consequentemente,
aumentam o espaço da cavidade torácica pela expansão no eixo horizontal.
Simultaneamente, o diafragma se move para baixo e expande o espaço da cavidade
torácica no eixo vertical. […] Durante a expiração, os músculos intercostais externos
e diafragma relaxam a cavidade torácica, que retorna ao seu volume pré-
inspiratório39 (MOUSSAVI, 2006, p. 1, tradução nossa).

A análise das descrições de Teal (1963), Moussavi (2006) e Andreu (2004) mostraram
divergências em relação ao funcionamento do aparelho respiratório. Apesar de todos
designarem um papel central ao diafragma durante a respiração, Teal (1963) vincula o
estômago ao processo respiratório: “Essa é uma ação natural que acontece quando nós
respiramos naturalmente. Qualquer um que veja uma pessoa dormindo poderá observar que o
estômago se move, em vez do peito” (1963, p. 34). Por outro lado, não foram encontradas
menções de Moussavi (2006) e Andreu (2004) à participação de outros órgãos no processo
respiratório, como, por exemplo, do estômago. Entretanto, um ponto de convergência entre os
autores chama a atenção: a participação dos músculos intercostais no processo respiratório,
citados nos trabalhos de Bloem-Hubatka (1946) e Andreu (2004).


38
La capacidad pulmonar utilizando este tipo de respiración en un niño de 13 años pasa de 2.41 litros a 3.81
litros, aproximadamente.
39
The primary function of the respiratory system is supplying oxygen to the blood and expelling waste gases, of
which carbon dioxide is the main constituent, from the body. This is achieved through breathing: we inhale
oxygen and exhale carbon dioxide. Respiration is achieved via inhalation through the mouth or nose as a result
of the relaxation and contraction of the diaphragm. […] The diaphragm is a dome-shaped muscle with a convex
upper surface. When it contracts it flattens and enlarges the thoracic cavity. During inspiration the external
intercostal muscles elevate the ribs and sternum and hence increase the space of the thoracic cavity by expanding
in the horizontal axis. Simultaneously, the diaphragm moves downward and expands the thoracic cavity space in
the vertical axis. The increased space of the thoracic cavity lowers the pressure inside the lungs (and alveoli)
with respect to atmospheric pressure. Therefore, the air moves into lungs. During expiration, the external
intercostal muscles and diaphragm relax the thoracic cavity which is restored to its preinspiratory volume.
48

Em busca de mais esclarecimentos sobre o papel dos músculos intercostais na


respiração, entrevistei a fisioterapeuta Carina Leal da Fonseca Ladeira40, que trata elencos de
musicais há mais de dez anos:

A respiração do músico não é basal, é a respiração forçada, inspiração e expiração


forçada. Na respiração forçada nós acionamos alguns músculos extras além do
intercostal e do diafragma. Usa-se o esternocleido, o trapézio e (músculos) mais
profundos, como o transverso. Só que eles são acionados porque são músculos
acessórios da respiração forçada e existe um limite para não os tencionar demais e
com isso causar um problema (informação verbal)41.

As declarações de Fonseca Ladeira mais uma vez confirmam a participação dos


músculos intercostais e do diafragma. Entretanto, pode-se notar o acréscimo de uma nova
informação sobre a respiração durante a execução dos instrumentos de sopro com a
introdução do termo respiração forçada.
Esse fenômeno ocorre quando o processo respiratório se dá fora de uma situação de
repouso ou numa baixa atividade física do corpo humano. É comum durante a prática de
atividades físicas pesadas, como bem expressam Powers e Howley (2009):

Durante a respiração calma normal, o diafragma realiza a maior parte do trabalho


inspiratório. No entanto, durante o exercício, os músculos acessórios da inspiração
são solicitados a entrar em ação. [...] durante o exercício e a hiperventilação
voluntária, a expiração se torna ativa. Os músculos mais importantes envolvidos na
expiração são aqueles encontrados na parede abdominal, dentre os quais os retos
abdominais e os oblíquos internos. Quando eles se contraem, o diafragma é
empurrado para cima e as costelas são puxadas para baixo e para dentro. Isto resulta
num aumento da pressão intrapulmonar e ocorre a expiração (POWERS; HOWLEY,
2009. p. 182).

Através das informações fornecidas por Fonseca Ladeira e Powers e Howley (2009),
assegura-se de forma incontestável a importância do diafragma e dos músculos intercostais
durante a realização da respiração e a emissão do ar pelos instrumentistas de sopro. Essas
informações também corroboram as descrições e explanações sobre a participação desses
músculos nas descrições de músicos e autores de livros e métodos aqui analisados.
Porém, deve-se ressaltar o surgimento de um novo e relevante dado: a constatação, sob
a ótica da biologia e das ciências da saúde, da utilização pelos instrumentistas de sopro de um

40
Graduada pela UNIP, especialista em fisioterapia ortopédica e esportiva pela UNICID, especialista em
tratamentos posturais (Iso-Stretching, RPG, Pilates, estabilização segmentar cervical, lombar e terapias
manuais), hidroterapia (Bad Ragaz, Halliwick, Watsu, Rad e Ai Chi). Fisioterapeuta em elenco de musicais
desde 2004. Ministra com Fabiana Oishi o curso “Tratamento das Disfunções da Coluna Vertebral”. Experiência
no tratamento de bailarinos. http://physioartstudio.com.br/index_TELA_A_CLINICA_PROFISSIONAIS.htm
acessado em 14 de junho de 2015.
41
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carina Leal da Fonseca Ladeira em 19 de março de 2015.
49

tipo de respiração usualmente associada a prática de atividades físicas pesadas, a respiração


forçada. Trata-se, aparentemente, de uma nova informação não apresentada por nenhum dos
autores analisados nesse trabalho.
Assim, faz-se necessário a apresentação das seguintes conclusões relacionadas ao
papel da respiração para os instrumentistas de sopro:

1º) a respiração não possui um papel meramente fraseológico dentro da execução dos
instrumentistas de sopro sendo, na realidade, imprescindível para um bom desempenho;
2º) o uso do diafragma é um conceito largamente difundido entre os músicos
brasileiros, porém, usualmente tratado de maneira equivocada e sem nenhum tipo de respaldo
científico;
3º) pode-se afirmar que a ausência de informações claras e calcadas em dados
científicos são as fontes das discordâncias encontradas em relação a forma como a respiração
deve ser trabalhada. Foram verificados em vários livros e métodos analisados a ausência total
de informações ligadas ao assunto;
4º) apesar das variações encontradas nos nomes dos diferentes tipos de respiração, foi
verificado um consenso em torno da utilização da respiração intercostal ou diafragmática
pelos autores analisados;
5º) as informações fornecidas por Fonseca Ladeira e aquelas encontradas nos trabalhos
de Moussavi (2006), Andreu (2014) e Powers & Howley (2009) forneceram as evidências e
os embasamentos científicos sobre o funcionamento da respiração, além de apresentar um
novo dado: o uso da respiração forçada pelos instrumentistas de sopro, sendo esse tipo de
respiração normalmente associada a realização de exercícios físicos de alta performance.
As demais conclusões e sugestões ligadas ao aprimoramento e desenvolvimento das
técnicas respiratórias serão apresentadas no capítulo Considerações Finais (p. 69).
50

CAPÍTULO III

A pesquisa-ação

Como nos informa Morin (2004, p. 220), a pesquisa-ação é um método de investigação


que encara uma intervenção em um campo educativo ou social, por vezes de modo
sistemático, por vezes de modo participativo e comporta, na maioria dos casos, processos de
retroação ou de revisão. Seu emprego permite ao pesquisador ser ao mesmo tempo, um
observador e um ator da pesquisa, utilizando um método dinâmico e ajustável de elaboração
investigativa, conforme expressa Thiollent (2008). Ela tem como propósito explicar alguns
aspectos da realidade, permitindo que o pesquisador possa agir/intervir sobre ela,
identificando problemas, formulando, experimentando, avaliando e aperfeiçoando alternativas
de solução, em situação real, com a intenção de contribuir para o aperfeiçoamento contínuo da
realidade objeto de investigação (LIMA, 2008, p. 37).
Em artigo publicado na Revista Científica Musica Hodie, Albino e Lima (2009, p. 91)
relatam que a aplicabilidade da pesquisa-ação no campo da educação tem sido relevante, uma
vez que traz significados importantes e diferenciados nos processos de ensino/aprendizagem,
sendo capaz de avaliar novas metodologias e situações pedagógicas microscópicas que por
vezes não são valorizadas nas pesquisas tradicionais. Sendo assim, essa modalidade de
pesquisa pareceu-me bastante adequada pois me permitiu captar as observações sobre a
adequação da técnica de ensino de sonoridade por mim elaborada, moldando as ideias iniciais
de forma a se testar e obter respostas sobre o seu bom ou mal desempenho.
Para cumprir os objetivos referendados por esse modelo de pesquisa foram observados
os resultados performáticos de onze alunos da Escola Municipal de São Paulo (EMSP),
admitidos entre o primeiro semestre de 2014 e o segundo semestre de 2015, e que tivessem
cursado no mínimo dez aulas do curso de saxofone por mim ministrado. A fim de preservar a
identidade desses alunos, eles foram identificados na investigação por uma numeração
aritmética (estudante 1, estudante 2, etc.).
Devo ainda esclarecer que os alunos participantes possuíam diferentes níveis de
desenvolvimento no saxofone, variando do estágio inicial ao intermediário, o que trouxe
diferentes resultados em suas performances.
Os parâmetros utilizados para a classificação do desenvolvimento dos alunos se
basearam em três quesitos: 1) averiguação, de forma oral, do volume de conhecimento
adquirido em relação às informações ligadas aos conceitos de sonoridade (respiração e
51

emissão do ar), 2) capacidade de aplicação de tais conceitos, verificados através do resultado


sonoro obtido e, 3) averiguação do desenvolvimento técnico.
Considerando esses parâmetros, foram estabelecidas três etapas para a apresentação da
metodologia proposta, a saber:

1. Registro em áudio da primeira aula de todos os estudantes avaliados nesse


período, disponibilizado neste trabalho em CD anexo;
2. Apresentação e utilização dos conceitos ligados a nota de referência, descritos
no capítulo 1 (item 4, p. 22);
3. Início formal da utilização da Apostila Básica de Sonoridade.

Na primeira etapa, a gravação realizada em áudio na primeira aula teve por objetivo
registrar e averiguar os efeitos provocados imediatamente após o contato com as informações
ligadas a respiração e a emissão do ar contidas na Apostila Básica de Sonoridade no
desempenho performático dos estudantes.
Para tanto, os registros em áudio foram executados em dois estágios: 1) a execução de
uma nota ou escala logo no início da aula, tocada de acordo com os conceitos e/ou
informações adquiridos sobre a emissão sonora pelos estudantes antes do acesso a minha
metodologia e, 2) a execução da mesma nota ou escala ao final dessa mesma aula, tocada de
acordo com os conceitos e/ou informações sobre a emissão sonora contidas na Apostila
Básica de Sonoridade.
As análises das gravações foram promissoras, indicando mudanças significativas no
desempenho dos alunos a partir da adoção das informações e conceitos propostos pela
Apostila Básica. Foram verificadas mudanças relevantes em dois aspectos do resultado
sonoro:

• Volume: as características mais proeminentes das falhas ou equívocos


cometidos na respiração e na emissão de ar podem ser notadas tanto no volume
sonoro produzido, como na percepção de desequilíbrio no volume de som entre
as notas e/ou regiões do instrumento. Nesse sentido, foram observados maior
equilíbrio no volume de som entre as notas e entre as diferentes regiões do
instrumento (regiões grave, média e aguda), além do aumento significativo no
volume do som;
52

• Timbre: trata-se de outro fator característico das falhas acima mencionadas,


sendo muito comum a ocorrência de mudanças no timbre entre as regiões
grave, média e aguda do instrumento. A partir da adoção da metodologia
sugerida, foi verificada uma homogeneização do timbre durante a execução em
todas as regiões do instrumento.

Nos registros em áudio disponibilizados no CD anexo, pode-se observar as mudanças


acima descritas, porém, devo ressaltar que os efeitos mais contundentes foram observados nas
gravações dos alunos em estágio inicial, havendo uma mudança considerável e imediata nos
resultados obtidos.
A segunda etapa de apresentação da metodologia aos estudantes foi realizada na
apresentação e utilização dos conceitos ligados à nota de referência descritos no capítulo 1
(item 4, p. 22). Após a apresentação do conceito da nota de referência, ou seja, o uso de uma
nota como parâmetro para observação e aplicação das informações ligadas a respiração e a
emissão do ar apresentadas na Apostila Básica e, uma vez constatadas as primeiras mudanças
na sonoridade (tais como a diminuição ou desaparecimento de oscilações e/ou tremidos no
som), foi indicado aos estudantes a aplicação diária das informações usadas na execução da
nota de referência a um pequeno número de notas do instrumento, de acordo com os
conceitos da prática deliberada42. Devo ainda destacar que todos os procedimentos e ações até
aqui descritas ocorreram na primeira aula dos estudantes avaliados.
A execução da segunda etapa da metodologia ocorreu a partir da segunda aula e teve
uma duração média de três a quatro aulas. Durante esse período, foi recomendado aos
estudantes não somente a adoção de um trabalho diário dirigido exclusivamente à sonoridade
por meio da aplicação do conceito da nota de referência, mas sua utilização em toda a
extensão do instrumento.
A adoção deste período dedicado exclusivamente a fixação e aprimoramento das
informações ligadas a sonoridade teve origem na observação dos problemas de execução de
determinados estudos do livro de H. Klosè (19xx?) enfrentados pelos estudantes e que foram
descritos neste trabalho no capítulo 2 (item 2, p. 33).


42
A prática deliberada é constituída por um conjunto de atividades e estratégias de preparação motora ou
cognitiva, com metas bem elaboradas, objetivos específicos e um plano global de visão dos resultados, com a
finalidade de aprimorar a performance musical. Muitas vezes buscando a opinião de experts, que possam ouvir
os resultados e emitir suas opiniões, possibilitando assim pequenos ajustes e uma melhora efetiva na
performance (FREIRE, 2012. p. 254).
53

Ao final desse período e, uma vez constatado um nível baixo (ou quase imperceptível)
de interferências no som, usualmente identificadas por ondulações, tremidos e desequilíbrio
de volume e timbre entre as notas, deu-se início a terceira e última etapa de aplicação da
metodologia.
Nessa etapa, iniciou-se a utilização da Apostila Básica de Sonoridade apresentada no
capítulo 1 (p. 18), com o intuito de aferir a eficácia no processo de fixação e desenvolvimento
dos conceitos e informações ligadas a sonoridade por meio dos exercícios apresentados na
apostila.
A partir desse ponto, as observações dos progressos dos estudantes passaram a ser
efetuadas aula a aula, a partir dos quarenta e nove estudos do capítulo intitulado Estudos de
sonoridade da primeira parte da Apostila Básica e dos vinte e dois estudos do capítulo Estudo
das articulações da segunda parte da apostila, seguindo-se o critério de observância da
presença ou ausência das características descritas no parágrafo anterior durante a execução
dos alunos. A realização dessa etapa despendeu em média 22 aulas.
De acordo com minhas observações realizadas durante a segunda e terceira etapas, os
primeiros três meses podem ser considerados o período mais crítico para a assimilação das
informações propostas por esta metodologia pois, apesar da maioria dos alunos se
encontrarem em um estágio básico, muitos trouxeram consigo uma bagagem de informações
(usualmente incorretas ou incompletas, ou ambos os casos) relacionadas a execução do
instrumento.
Foi notada também uma constante vinculação dada pelos alunos aos exercícios
propostos na Apostila Básica ao desenvolvimento técnico do instrumento, ou seja, a aspectos
ligados ao desenvolvimento e aprimoramento do caráter mecânico da execução. Tal
associação contraria frontalmente todas as instruções para a realização dos estudos fornecidas
no referido capítulo.

É importante enfatizar que o foco deve e precisa ser mantido na sonoridade,


evitando dessa maneira a execução desses estudos em andamentos rápidos, assim
como em andamentos muito lentos. Procure andamentos confortáveis – por
exemplo, um andante (76 - 108 BPM) – para que, dessa forma, o centro das
atenções durante a execução sejam os princípios necessários para a obtenção de uma
sonoridade satisfatória (POMPEO, 2012, p. 19)

Devo enfatizar que essa ocorrência foi observada entre os alunos dos dois níveis
avaliados, conforme a declaração abaixo.
54

Na apostila de Samuel Pompeo pude reparar que na verdade muito desses exercícios
ainda estão ligados a sonoridade através da busca da igualdade do timbre; porém,
apesar de aparecer algo óbvio (que estes exercícios visam o desenvolvimento da
sonoridade), muitos de nós acabam perdendo o foco passando a se preocupar
somente com a parte da digitação (informação verbal)43.

Houve ainda a constatação de variações em relação ao tempo necessário para a fixação


inicial das informações apresentadas sobre o conceito de sonoridade através da nota de
referência. Verificou-se que tais variações de tempo não estavam relacionadas ao nível de
desenvolvimento de cada estudante, mas sim ao grau de resistência à adoção da metodologia
observada em cada indivíduo. Esse fator pôde ser constatado nas declarações espontâneas
realizadas em sala de aula, dando conta da singularidade e, consequentemente, da
incredulidade e relutância dos alunos em adotar as informações e a metodologia propostas.
Todavia, uma vez vencida a resistência à metodologia, foram observados avanços
significativos na performance dos estudantes, de acordo com as declarações colhidas e que
integram a presente pesquisa-ação.

Lá, ele vem abordando uma metodologia de ensino diferente de outros profissionais
na área do saxofone [...], passando aos alunos o quão importante e eficaz é o estudo
de sonoridade. Por meio desse ensino inovador obtive um grande progresso em
meus estudos [...]. Se trata de um conteúdo que nos faz refletir sobre questões
sonoras, ao invés de técnicas, obtendo assim um som muito melhor, com mais
propagação e uma qualidade melhor (informação verbal)44.

As melhorias verificadas não se limitaram às mudanças na qualidade sonora dos


estudantes. Apesar dos resultados mais contundentes terem sido observados em alunos num
estágio inicial, foram constatadas melhorias nos dois grupos analisados nesta pesquisa
(iniciantes e intermediários).
Nos estudantes de nível iniciante, as percepções de mudanças e/ou melhorias obtidas
pela adoção dos conceitos de sonoridade da Apostila Básica foram notadas ainda no final da
primeira aula, através da rápida mudança e melhoria da qualidade sonora45 e da diminuição
drástica da presença de ondulações, tremidos e desequilíbrios de volume e timbre entre as
notas.
Nos estudantes de nível intermediário, as percepções mais significativas de melhoria
ocorreram a partir da seção Estudo das Articulações da Apostila Básica.


43
Declaração fornecida pelo estudante nº 1 para presente pesquisa em 2015.
44
Declaração fornecida pelo estudante nº 3 para presente pesquisa em 2015.
45
CD anexo ao trabalho, faixas 1, 2, 6, 7, 8, 9 e 10.
55

Assim como no grupo dos estudantes iniciantes, foram observadas mudanças no


resultado sonoro também no grupo de alunos de nível intermediários logo após a adoção dos
conceitos de sonoridade 46 , confirmada durante a realização dos quarenta e nove estudos
presentes na primeira parte da apostila. Contudo, a introdução de novos elementos aos
exercícios apresentados na seção Estudos das Articulações trouxe à tona uma outra situação:
o surgimento de dificuldades de execução erroneamente associada a problemas técnicos ou a
um tempo insuficiente de preparação.
Constatou-se que, devido ao mero acréscimo das articulações, muitos alunos voltaram
a apresentar as deficiências de sonoridade verificadas antes da adoção da metodologia. Porém,
uma vez alertados, os alunos suprimiram sem maiores problemas tais deficiências, aplicando
os conceitos e as informações ali relatadas.
Com isso, pôde-se averiguar a eficácia da aplicação dos conceitos propostos na
Apostila Básica no tocante à execução de estudos de maior complexidade. Algumas das
declarações colhidas junto aos estudantes corroboram a eficácia das abordagens propostas:

Com toda essa técnica de sonoridade percebi que ao tocar temos que pensar em
todos esses detalhes básicos que formam a sonoridade. Depois desse novo conceito
passei a tocar com mais segurança, musicalidade e com som controlado (informação
verbal)47.

Outras declarações ilustraram os benefícios de um trabalho prolongado, específico e


contínuo de sonoridade, que, como foi já observado, não foi a preocupação primeira dos
autores dos métodos performáticos analisados anteriormente.

Após iniciar as aulas com o professor Samuel Pompeo, ele propôs um trabalho de
sonoridade que consistia em trabalhar bastante a respiração e a emissão do ar
utilizando bem o diafragma para que a coluna de ar fosse continua e sem alterações.
Propôs também a execução de toda a extensão do instrumento como se fosse uma
única nota, a “nota de referência” (que no caso é o sol3). Comecei então a trabalhar
esses aspectos e tenho colhido frutos surpreendentemente positivos (informação
verbal)48.

Dado o perfil socioeconômico dos estudantes atendidos pela EMSP, alguns dos
estudantes observados nesta pesquisa se afastaram do curso antes da coleta das declarações
aqui apresentadas, impossibilitando a apresentação de suas declarações, conforme consta na
tabela anexa.


46
CD anexo ao trabalho, faixas 3, 4, 5 e 11.
47
Declaração fornecida pelo estudante nº 11 para presente pesquisa em 2015.
48
Declaração fornecida pelo estudante nº 3 para presente pesquisa em 2015.
56

Tabela 2 – Desempenho geral dos estudantes (Samuel Pompeo)

Estudante Nº aulas frequentadas 1ª parte apostila 2ª parte apostila


Estudante 1 11 CONCLUÍDA CONCLUÍDA
Estudante 2 15 NÃO CONCLUÍDA NÃO CONCLUÍDA
Estudante 3 17 NÃO CONCLUÍDA NÃO CONCLUÍDA
Estudante 4 17 CONCLUÍDA NÃO CONCLUÍDA
Estudante 5 33 CONCLUÍDA CONCLUÍDA
Estudante 6 16 CONCLUÍDA CONCLUÍDA
Estudante 7 19 CONCLUÍDA NÃO CONCLUÍDA
Estudante 8 20 CONCLUÍDA NÃO CONCLUÍDA
Estudante 9 31 NÃO CONCLUÍDA NÃO CONCLUÍDA
Estudante 10 21 NÃO CONCLUÍDA NÃO CONCLUÍDA
Estudante 11 32 CONCLUÍDA CONCLUÍDA
Fonte do autor

Foram consideradas aulas elegíveis para esta pesquisa somente as aulas nas quais os
estudantes trabalharam de forma direta o conteúdo da Apostila Básica, sendo desconsideradas
as faltas dos estudantes, a realização de atividades de outra natureza tais como Masterclasses
e Workshops, além de datas facultativas e/ou feriados.
Do total de estudantes avaliados, 63% concluíram a primeira parte da apostila
composta pelos Estudos de Sonoridade, 36% concluíram a segunda parte (Estudos das
Articulações) dentro de período estipulado para a avaliação, que foi do início do primeiro
semestre de 2014 até o final do segundo semestre de 2015 e os desistentes somaram 27% dos
estudantes avaliados.
Entretanto, dentre os estudantes que realizaram 100% das atividades propostas na
apostila, o que corresponde a um total de 36% dos estudantes avaliados, foram observadas
melhoras significativas em áreas da execução do instrumento usualmente não associadas à
sonoridade:
57

Apesar de já estudar saxofone há quatro anos, antes meus estudos de sonoridade não
tinham foco e consciência. Atualmente, estudo esse quesito de forma direcionada,
sabendo o que quero buscar em relação ao timbre, volume, projeção, afinação e total
clareza. Com tudo isso, hoje tenho a possibilidade de ter uma técnica mais clara,
tendo um som definido, independentemente do trabalho musical sendo efetuado
(informação verbal)49.

A declaração acima remete-nos ao que foi relatado na introdução (item 1, p. 13) desta
pesquisa, quando me referi aos ganhos performáticos que o estudante poderia obter após a
realização de um estudo específico de sonoridade.
O levantamento bibliográfico realizado comprova que o estudo da sonoridade não foi
priorizado nos métodos avaliados. Entretanto, os depoimentos e a performance obtida pelos
estudantes e aqui apresentadas demonstram a sua necessidade e, principalmente, os ganhos
obtidos pela adoção da metodologia: “O trabalho com este material foi de grande valia, pois
trata-se de um conceito preciso e especifico, propiciando um resultado gratificante e um som
verdadeiro no saxofone” (informação verbal)50.
A percepção das melhorias obtidas no resultado sonoro com a prática dos conceitos e
exercícios propostos na Apostila Básica foram notados mesmo em estudantes que não
atingiram o número mínimo de aulas a serem frequentadas para análise neste trabalho.

A emissão do som do instrumento tem sido feita sem dificuldade em qualquer


região, mantendo o mesmo padrão de som em toda a extensão do instrumento.
Ainda ressalto que estou usando uma boquilha genérica que veio com o instrumento
e não tenho tido problemas com nenhuma marca de palheta até agora testada
(informação verbal)51.

De maneira complementar aos depoimentos e ao levantamento bibliográfico realizado,


foram ainda feitas entrevistas que comprovam a relevância da inserção no ensino dos
instrumentistas de sopro de um estudo mais atento à sonoridade. Esse será o assunto tratado
no próximo capítulo.


49
Declaração fornecida pelo estudante nº 1 para presente pesquisa em 2015.
50
Declaração fornecida pelo estudante nº 4 para presente pesquisa em 2015.
51
Declaração fornecida pela estudante de saxofone da Escola Municipal de Música de São Paulo César Augusto
Ferreira da Silva considerado não apto a participar desta pesquisa, segundo os critérios aqui estabelecidos.
58

CAPÍTULO IV

Entrevistas realizadas e discussão dos resultados coletados

Os problemas ligados à sonoridade por mim enfrentados (Introdução, item 1, p. 13) e,


anos mais tarde, a percepção dos mesmos problemas em muitos dos meus alunos de saxofone
foram os principais fatores que me impulsionaram a realizar essa pesquisa.
Muitas dessas percepções (e, consequentemente dessas conclusões) estavam apoiadas
em informações adquiridas de forma empírica, ou seja, calcadas em experiências e
experimentações pessoais sobre o assunto. Dentre essas conclusões, devo destacar três
tópicos: 1) a percepção sobre uma possível defasagem de relevância entre os estudos
dedicados ao aprimoramento técnico e de sonoridade, 2) a percepção sobre possíveis
deficiências na abordagem dos assuntos ligados ao aprimoramento da sonoridade nos livros e
métodos comumente utilizados no ensino do saxofone e, 3) as possíveis contradições
relacionadas à forma como as informações ligadas à sonoridade (particularmente, sobre a
respiração) eram disponibilizadas aos estudantes de instrumentos de sopro.
Assim, procurei ferramentas que fornecessem à minha pesquisa dados que
possibilitassem averiguar a visão de outros músicos sobre o tema e, dessa forma, checar se
tais fatos poderiam encontrar eco na história de mais pessoas. Para tanto, concluiu-se que a
melhor ferramenta para tal abordagem seria a realização de entrevistas junto a instrumentistas
(saxofonistas, clarinetistas, trompetistas e trombonistas) ligados às diferentes áreas e gêneros
da música. Desta forma, foram realizadas entrevistas com os seguintes músicos: Ovanir
Buosi 52 , Maurício de Souza Roberto 53 , Daniel D’Alcântara 54 , Carlos Alberto Alcântara 55 ,


53
Possui graduação em Bacharel em Saxofone pela Faculdade Mozarteum de São Paulo (1997). Atualmente é
professor de saxofone da Escola Municipal de Música de São Paulo. Acompanhou artistas como Billy Eckstine,
Lionel Hampton, Michel Legrand, Toshiko Akyoshi, Tom Jobim, Dianne Schurr, Natalie Cole, Les Elgart.
Como arranjador, fez arranjos para Dave Liebman, Wallace Roney, Richard Galliano, David Sanchez, Ted Nash,
Stanley Jordan, Janne Monheit, Carla Cook, Regina Carter, Lenny Andrade, Gal Costa, Miucha, Carlos Lyra,
Fabiana Cozza, Toquinho, Daniela Mercury e etc. Grammy Nomineé pelo CD "Aldeia" da Banda Mantiqueira.
Atuou como saxofonista, arranjador e produtor nos CDs "Uncle Charles", "Maybe September e Made In São
Paulo" da Soundscape Big Band. Foi arranjador e chefe do naipe de saxofones da "Orquestra Jazz Sinfônica"
desde a sua formação (1990) até março de 2014.Lionel Hampton, Michel Legrand, Toshiko Akyoshi, Tom
Jobim, Dianne Schurr, Natalie Cole, Les Elgart. Como arranjador, fez arranjos para Dave Liebman, Wallace
Roney, Richard Galliano, David Sanchez, Ted Nash, Stanley Jordan, Janne Monheit, Carla Cook, Regina Carter,
Lenny Andrade, Gal Costa, Miucha, Carlos Lyra, Fabiana Cozza, Toquinho, Daniela Mercury e etc. Grammy
Nomineé pelo CD "Aldeia" da Banda Mantiqueira. Atuou como saxofonista, arranjador e produtor nos CDs
"Uncle Charles", "Maybe September e Made In São Paulo" da Soundscape Big Band. Foi arranjador e chefe do
naipe de saxofones da "Orquestra Jazz Sinfônica" desde a sua formação (1990) até março de 2014.
59

Nailor Azevedo Proveta 56 , Sergio Burgani 57 , Carlos Sulpício 58 , Rafael Galhardo Caro 59 ,
Eduardo Pecci60 (Lambari), Sidnei Burgani61 e Vitor Alcântara62.


54
Bacharel em Trompete pela Universidade de São Paulo (ECA-USP), iniciou seus estudos musicais com seu
pai, o trompetista Magno D’Alcântara. Lecionou em vários eventos musicais, incluindo o Festival de Inverno de
Campos do Jordão (2000), Festival de Verão de Brasília (2000 e 2001), Festival de Inverno de Tatuí/SP (2002 e
2004) Oficina de Música de Curitiba (2006), além de ter feito parte do corpo docente do Conservatório Musical
de Tatuí, como professor de trompete popular-MPB por cinco anos (1997-2002). Participou de turnês de rock no
Brasil, com a banda Deep Purple e o cantor Alice Cooper, além de acompanhar grandes artistas nacionais como
João Donato, Roberto Menescal, Ivan Lins, Leny Andrade, Joyce, Claudete Soares, Filó Machado, Rosa Passos,
Milton Nascimento, Max de Castro, Pedro Mariano, Eugenia Melo e Castro. Participou do “Chivas Jazz Festival
2003”, integrando o noneto do saxofonista americano Lee Konitz. Como solista convidado da Orquestra Jazz
Sinfônica, participou de duas estréias mundiais, sendo uma em 2004, com a obra “Thaddeus”, de Alexandre
Mihanovich, e em 2005, no Festival de Inverno de Campos do Jordão, com a obra “Brasilianas No.4”, de Cyro
Pereira (sob a regência do próprio compositor). Atualmente leciona no Centro de Estudos musicais Tom Jobim
(ULM), Faculdade Souza Lima/Berklee. Em 2007 participou da big band formada por músicos brasileiros para
executar as obras da maestrina e compositora Maria Schneider (sob regência da própria) no Festival de Jazz de
Ouro Preto-Minas Gerais. É integrante da “Soundscape Big Band Jazz”. Fonte: Faculdade de Música Souza
Lima (http://www.souzalima.com.br/faculdade/index.php/pt/professores/25-professores/professores-
convidados/118-danieldalcantara-pt). Acessado em 27 de abril de 2016.
55
O saxofonista é referência da música instrumental brasileira e considerado uma fonte de conhecimento por
músicos de várias gerações. Participou de diversos movimentos da música popular brasileira no país e no
exterior. Entre as inúmeras estrelas, de diversas gerações, com quem já tocou, estão Hermeto Pascoal, Elis
Regina, Zimbo Trio, Gilberto Gil, Cauby Peixoto, Shirley Bassey, Tony Benetti, Jonny Mathis, Billy Eckstine,
Samy Davis Jr, Ray Conniff, Arturo Sandoval. Tocou nas orquestras de Silvio Mazzuca, Carlos Piper, Osmar
Milani, Maestro Zezinho, entre outras. E, hoje, faz parte da Banda Savana, Soundscape Big Band e Orquestra
Jazz Sinfônica de SP.
56
Líder da banda Mantiqueira desde 1991, participou de inúmeros festivais pelo mundo, entre eles o Centenário
de Pixinguinha, Expo 98 em Portugal e o Free Jazz Festival. Foi nominada em duas ocasiões ao Grammy (1998
e 2006). Acompanhou vários renomados artistas nacionais e internacionais, tais como Vânia Bastos, Guinga,
Joyce, Elza Soares, Mônica Salmaso, Sérgio Santos, Fabiana Cozza, César C. Mariano, Benny Carter, Anita
Oday, Paul West, Joe Willians, e Natalie Cole. Em 2012 foi convidado por Winton Marsalis para concertos em
NY com a cantora Luciana Souza no Jazz Lincoln Center.
57
Começou seus estudos na Escola Municipal de Música de São Paulo (EMSP), bacharelou-se na Faculdade
Carlos Gomes de São Paulo fez estudos de aperfeiçoamento na França com Guy Deplus e na Itália com
Francesco Belli. Primeiro clarinetista na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) e professor do
Instituto de Artes da UNESP, é presença constante em importantes Festivais de Música como os de Curitiba e
Campos do Jordão. Destacou-se no Ciclo Brahms ao lado de Antônio Meneses, Gilberto Tinetti, José Feghali,
Paulo Ghori e do Quinteto de Cordas Bela Bartók, executando grande parte do repertório de câmara para
clarinete. Como instrumentista, participou da gravação de mais de 20 álbuns de diversos artistas. Foi laureado
em importantes concursos, destacando-se o Jovens Solistas de Piracicaba (SP), o Jovens Intérpretes da Música
Brasileira (RJ), o Sul América - Jovens Concertistas Brasileiros I e II (RJ), o II Prêmio Eldorado de Música (SP)
e o I Concurso Jovens Solistas EPTV-MG. Desde 1994, Burgani trabalha paralelamente com Luis Eugênio
Afonso, Luca Raele, Nivaldo Orsi e Edmilson Nery no Sujeito a Guincho. O primeiro CD do grupo (gravadora
Eldorado, 1995) recebeu o Prêmio Eldorado de Música e o Prêmio Sharp de Música para melhor álbum de grupo
instrumental em 1996. Fonte: Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Sergio_Burgani). Acessado em 27 de
abril de 2016.
58
Doutor em música pela UNESP, Mestre em Brass Performance pela Boston Universisity, School for the Arts,
Bacharel em trompete pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Durante
sua carreira, integrou diversas formações musicais nos Estados Unidos, entre elas Civic Symphony of Boston,
Lexington Sinfonieta, Boston University Symphony Orchestra e ALEA III. No Brasil, Orquestra Sinfônica do
Teatro Municipal de São Paulo, Amazonas Filarmônica, Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, Orquestra
Filarmônica de São Bernardo do Campo e Bachiana Filarmônica. Participou do 1o Festival Internacional de
Música em Kyoto no Japão em 1993. Atuou como solista na Orquestra Sinfônica da USP, Orquestra Filarmônica
de São Bernardo do Campo, Amazonas Filarmônica, Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto e Orquestra
Acadêmica da UNESP. Realizou inúmeras premières de compositores Brasileiros, incluindo a gravação do CD
do Grupo Novo Horizonte o qual recebeu o prêmio da APCA de 1993. Atualmente é professor da Faculdade

60

Os depoimentos dos alunos avaliados não estarão anexados a este trabalho. Porém, tais
documentos estão em minha posse para quaisquer eventuais necessidades comprobatórias.
Posso afirmar que, a partir das entrevistas realizadas, pude construir um pequeno
retrato do ensino da música direcionado aos instrumentistas de sopro no Brasil durante uma
boa parte do século XX, tendo em vista que a seleção dos entrevistados contemplou músicos
de diferentes gerações. Das entrevistas realizadas foram colhidos três dados significativos:

1. A percepção sobre uma possível defasagem de relevância entre os estudos


dedicados ao aprimoramento técnico e de sonoridade

Localizar as evidências da ocorrência desse fato junto a músicos profissionais parece-


me relevante na busca de respostas que fundamentassem ainda mais a pesquisa. Atestar,
frente aos músicos entrevistados, a importância de uma investigação dessa natureza, pareceu-

Santa Marcelina, da Escola de Música de São Paulo, do Instituto Baccarelli e músico convidado do Theatro
Municipal de São Paulo.
59
Natural de Serra Negra, no estado de São Paulo, teve uma longeva e produtiva carreira como músico e
professor. Atuou na Escola Municipal de Música de São Paulo (EMSP) por mais de 30 anos, tendo formado
inúmeros clarinetistas de prestígio no Brasil, dentre os quais podemos destacar Sergio Burgani, Edmilson Nery e
Nailor Azevedo Proveta. Multi-instrumentista, transitou com desenvoltura pelos gêneros erudito e popular. Foi
clarinetista de Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal de São Paulo, tendo ainda acompanhado artistas de
renome nacional e internacional tais como Elizete Cardoso, Nelson Gonçalves, Alcione, Roberto Carlos, Nancy
Wilson, Michel Legrand, Billy Eckstine, Billy Vaughan e outros.
60
Começou a carreira artística na década de 1950 e ingressou na orquestra de Sylvio Mazzucca. Foi integrante
da Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal de São Paulo e do grupo ClarinETC.
61
Natural de São Paulo, começou seus estudos de Trombone com Gilberto Gagliardi, na Escola Municipal de
Música de São Paulo em 1977. Participou da Orquestra Sinfônica Jovem Municipal e da Orquestra Sinfônica
Municipal de São Paulo. Após obter seu Bacharelado em trombone pela Faculdade Marcelo Tupinambá,
conseguiu uma bolsa de estudos pela Berklee College of Music para estudar jazz nos Estados Unidos,
graduando-se em 1991 nos cursos de Performance e Jazz Composition. Lecionou no Festival de Inverno de
Campos do Jordão, Ourinhos, Curitiba e Guarulhos, destacando-se ainda como músico de gravação para
publicidade e artistas como Skank, J. Quest, Ivan Lins, Rosa Passos, Zizi Possi, entre outros. Participou do
Chivas Jazz Festival (2003), sendo um dos brasileiros a completar o grupo de Lee Konitz/Talmot Nonet. Em
2008 participou de uma tournée com 28 concertos pelos Estados Unidos com a Orquestra Philarmonia Brasileira
acompanhando Branford Marsalis. Foi integrante da Orquestra Sinfonia Cultura da Fundação Padre Anchieta e
atualmente é integrante da Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo, professor de trombone da Faculdade Souza
Lima/Berklee, Fundação Instituto Tecnológico de Osasco-SP e da Secretaria de Educação de Guarulhos.
62
Iniciou seus estudos de saxofone com Carlos Alberto Alcântara (Tio) e Nailor Azevedo, o “Proveta”,
harmonia com Ricardo Brein e piano com Lilu Aguiar. Criado em família de grande tradição musical, Vitor
Alcântara já tocou com grandes nomes da MPB tendo como principal foco a música instrumental,
desenvolvendo trabalhos com vários artistas e grupos desde o início de sua carreira. Entre os artistas estão a
Banda Mantiqueira, Vera Figueiredo, Celso Pixinga, Banda Savana, Magno Bissoli & Bissamblazz, Terra Brasil,
Zéli Silva, Carlinhos Antunes, Zérró Santos, Sinequanon, Sambazz, Tulio Mourão, Chico Batera, Chico Medori,
Arismar do Espirito Santo, Sizão Machado, Neels Neergaard, Bob Waytt, Brazilian Scandinavian Jazz
Orchestra, Dave Liebman, Billy Cobhan, Orquestra Jazz Sinfônica, Amilson Godoy e Orquestra Arte Viva. Em
2003 esteve em Moscou acompanhando a cantora Ana Caran no Parliament Jazz Festival. Gravou em 1992 seu
primeiro CD solo, “Válvula de Escape”, lançado pelo selo Cameratti. Fonte: Faculdade de Música Souza Lima
(http://www.souzalima.com.br/faculdade/index.php/pt/biografiaprofessores/32-vitoralcantara). Acessado em 27
de abril de 2016.
61

me uma ação investigativa de importância tanto para os saxofonistas, como para os demais
instrumentistas de sopro.
As declarações do clarinetista Sergio Burgani ilustram de maneira clara as possíveis
defasagens de relevância e tempo destinado aos estudos dedicados ao aprimoramento técnico
e ao aprimoramento da sonoridade:

Na minha infância, como eu te disse, a coisa principal não era a sonoridade e a


afinação, mas sim a destreza ou a velocidade com que o músico tocava
Brasileirinho, Apanhei-te Cavaquinho...esse era o melhor músico. Afinação, mais
ou menos afinado, estava em segundo plano, quando deveria ser o contrário. Você
tendo uma base de sonoridade e afinação sólida, mexer os dedos depois é
consequência. Você vai poder tocar mais afinado ainda, porque técnica...não deixa
de ser técnica também, você ter sonoridade, afinação (informação verbal)63.

Tais declarações coincidem com o relato apresentado no capítulo 2 (itens 2 e 3)


dedicado à análise dos livros e métodos escritos por outros autores e comumente utilizados no
ensino de vários instrumentos de sopro (saxofone, clarinete e flauta).
De acordo com tais análises, vimos que as seções dedicadas ao aprimoramento técnico
usualmente são maiores que aquelas dedicadas ao aprimoramento da sonoridade. Porém,
algumas declarações dos entrevistados apresentam um dado revelador. Apesar da discrepância
na quantidade de exercícios ou seções dedicadas a cada um desses aspectos (técnicos e
sonoros) nos livros e métodos, foi constatada uma relevante atribuição de importância à
prática e ao aprimoramento dos conceitos de sonoridade:

Então é fundamental o trabalho de sonoridade. Se você tem uma hora para estudar,
deve-se começar estudando sonoridade e no tempo que sobrar estude as outras
coisas. Se você tem duas horas deve fazer a mesma coisa e assim sucessivamente.
Eu acho fundamental e primordial estudar sonoridade (informação verbal)64.

Alguns músicos relataram a ocorrência de uma realidade completamente distinta


daquela descrita por Alcântara. Foram observados casos nos quais a importância de um
trabalho dirigido à prática dos conceitos de sonoridade foi descoberta somente após a sua
saída do país: “Eu percebo que aqui no Brasil infelizmente isso (a sonoridade) não é uma
coisa importante, mas só descobri isso quando fui para os Estados Unidos” (informação
verbal)65.


63
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Sérgio Burgani em 5 de novembro de 2014.
64
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Vitor Alcântara Brecht em 27 de janeiro de 2015.
65
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carlos Sulpício na Escola Municipal de Música de São
Paulo (EMSP) em 11 de novembro de 2014.
62

Dessa forma, é possível estabelecer uma relação entre as defasagens na quantidade de


exercícios dirigidos ao aprimoramento técnico versus àqueles dirigidos ao aprimoramento da
sonoridade como sendo um mero reflexo da percepção dos músicos e, consequentemente, dos
professores e autores de livros e métodos sobre o que realmente é relevante no estudo dos
instrumentistas de sopro.
Apesar da preocupação com a abordagem dos aspectos ligados à sonoridade por parte
de alguns músicos e professores, os reais motivos para as discrepâncias apontadas no
parágrafo anterior poderiam ter outra origem: “Na realidade os trompetistas até uma certa
época, principalmente da escola popular, focavam em ter resistência e extensão” (informação
verbal)66.
Pode-se deduzir que o foco descrito por D’Alcântara no parágrafo anterior foi
igualmente perseguido por músicos de outros instrumentos de sopro. Vemos assim, fortes
evidências que podem ratificar as percepções acerca das defasagens de relevância e tempo
entre os estudos dedicados ao aprimoramento técnico e de sonoridade, advindas da adoção de
metodologias de ensino notadamente voltadas ao aprimoramento técnico. Tais evidências
também encontraram respaldo nas experiências vividas por Burgani no início dos seus
estudos: “A maioria dos músicos se preocupava em aprender uma música, em ter dedos
rápidos e em ter um som grande, mas sem qualidade. Hoje em dia eu acho que não dá para
você pensar dessa forma, não dá mais” (informação verbal)67.
Tais aspectos, que revelam uma circunstância prioritariamente voltada ao
aprimoramento técnico dos instrumentistas, foram também verificados nas declarações de
Eduardo Pecci: “Não somente os livros, mas o professor também deve ficar atento para a
limpeza mecânica e técnica com a qual o aluno está manuseando o que está escrito ali”
(informação verbal)68.
Dessa forma, posso afirmar que foram encontrados, tanto nos relatos dos entrevistados
proferidos nos capítulos anteriores, como nos atuais, informações que confirmam minhas
percepções sobre a defasagem de relevância entre os estudos dedicados ao aprimoramento
técnico e de sonoridade.


66
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Daniel Salles D’Alcântara Pereira em 2014.
67
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Sérgio Burgani em 5 de novembro de 2014.
68
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Eduardo Pecci na cidade de Atibaia em 8 de dezembro de
2014.
63

2. A percepção sobre possíveis deficiências na abordagem dos assuntos ligados ao


aprimoramento da sonoridade nos livros e métodos comumente utilizados no
ensino do saxofone

Segundo os dados apresentados no capítulo 2 (itens 2 e 3), foram constatados nos


livros e métodos analisados deficiências na abordagem dos assuntos ligados ao
aprimoramento da sonoridade. Nos livros onde foram encontrados exercícios com
características propícias ao estudo da sonoridade, sua quantidade era exponencialmente menor
aos dedicados ao estudo técnico e, em alguns deles, não foram sequer encontrados exercícios
ou informações destinadas ao desenvolvimento dos conceitos ligados à sonoridade. Estas
deficiências estariam de acordo com a percepção dos músicos entrevistados nesta pesquisa?
O saxofonista Maurício de Souza apresentou os primeiros indícios da percepção de
tais deficiências: “Você lia o material de vários autores sobre o saxofone, franceses ou
americanos e muitas vezes as informações se confrontavam, eram controversas. Um dizia pau
e o outro dizia pedra” (informação verbal)69.
Constatou-se também nas entrevistas a ausência de um material específico para o
estudo da sonoridade.

Não tinha um método, era somente mesmo o tempo todo “Olha o som, olha o som, não está
bonito! Está feio, o som está metálico. (Faça) mais redondo, mais escuro! “ A gente ouvia
muito isso, aquela coisa do fat sound que eles falavam, aquela coisa da pureza (informação
verbal)70.

A declaração de Carlos Sulpício adiciona um novo ponto de vista em relação à busca


da ocorrência de tais deficiências na abordagem dos assuntos ligados ao aprimoramento da
sonoridade. Devo relembrar que esse entrevistado, em declaração anterior, vinculou o acesso
a uma melhor preparação da sonoridade à sua saída do Brasil, porém, mesmo em países ou
escolas cuja metodologia contempla o aperfeiçoamento dos aspectos ligados à sonoridade,
observa-se uma deficiência em relação à existência ou ao uso de um material voltado
especificamente para o assunto.
Noutras declarações, foi possível notar, de certa forma, o desinteresse no uso de um
material específico para o assunto.

69
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Maurício de Souza Roberto na Escola Municipal de
Música de São Paulo (EMSP) em 2014.
70
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carlos Sulpício na Escola Municipal de Música de São
Paulo (EMSP) em 11 de novembro de 2014.
64

O que a gente trabalha, no caso do clarinete, são as fundamentais e as décimas segundas


abrindo o registro (no caso do sax seriam as oitavas), mas eu crio exercícios com o
instrumento e não busco uma outra ideia. Que deve existir (algum método), deve sim. Eu
acho que tem muito aí, eu acho que muitos músicos já se preocupam com isso e já devem
ter editado coisas para sonoridade (informação verbal)71.

Outro aspecto fundamental à não intensificação dos estudos da sonoridade para os


instrumentistas de sopro, e principalmente para os saxofonistas, está no valor que os
performers atribuem à improvisação, sendo esta uma questão cada vez mais discutida entre
eles. Proveta traz um testemunho do quanto isso tem interessado a categoria.

Me lembro que em 1985 eu estava traduzindo um livro que falava sobre ferramentas de
improvisação de um pianista americano chamado Jerry Cooker. O mais importante para nós
naquela época era a improvisação (informação verbal)72.

Vemos assim que, aliada à ausência ou irrelevância dada aos livros ou estudos
específicos para a sonoridade, também havia desinteresse por parte dos músicos para com o
assunto. Tal fato foi confirmado na observação de depoimentos espontâneos dos alunos em
sala de aula, que acabaram por reforçar a percepção apresentada no capítulo 3 (p. 50) de
resistência por parte dos alunos à adoção da metodologia sugerida.
Fica evidente que, por um determinado período, as possíveis razões para tal fato seria
um senso comum existente entre os instrumentistas de sopro que consideravam desnecessário
um trabalho dirigido diretamente ao aprimoramento da sonoridade. Porém, devo ressaltar que
o entendimento sobre o assunto passa por transformações, segundo as declarações de Vitor
Alcântara apresentadas no item anterior (p. 60) e de Sidnei Burgani: “na minha maneira de
ver, se não for o número um é algo que eu levo muito em consideração e para mim é
essencial” (informação verbal)73.
As declarações dos outros entrevistados apontam o quanto a falta de um estudo
dirigido para a sonoridade dificultava a performance.


71
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Sérgio Burgani em 5 de novembro de 2014.
72
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Nailor Azevedo Proveta em 4 de setembro de 2014.
73
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Sidnei Burgani em 6 de novembro de 2014.
65

Acredito que os músicos começaram a ter acesso a material importado por volta do final da
década de 60 e começo da década de 70. Até então era um mistério. Um ouvia falar de uma
coisa, alguém conseguia traduzir um trecho de uma fotocópia e ouvi meu pai comentar
bastante a respeito disso. Existia a duvida da respiração para os instrumentos de sopro, eles
não sabiam o que era o diafragma, não tinham essa noção e então as vezes faziam mais
força do que o necessário. Em detrimento disso acabavam prejudicando a embocadura e
uma série de outras coisas (informação verbal)74.

Isso comprova, entre outras coisas, o quão precária era a consulta ao material
pedagógico vindo do exterior e o quanto esse material em língua estrangeira não era
devidamente traduzido para a nossa língua, dificultando a compreensão das informações
prestadas aos instrumentistas nacionais.

3. As possíveis contradições relacionadas à forma como as informações ligadas à


sonoridade (particularmente, sobre a respiração) eram disponibilizadas aos
estudantes de instrumentos de sopro.

No capítulo 2 (item 4, p. 42) foram apresentados dados que confirmaram não somente
as origens das técnicas respiratórias utilizadas pelos instrumentistas de sopro, mas também
muitas contradições ligadas a essa temática. Assim, me pareceu oportuno averiguar se tal fato
poderia ser observado nas considerações dos entrevistados.
De fato, muitas das contradições citadas no enunciado acima foram observadas
durante as entrevistas. Um dado interessante diz respeito à forma como tais contradições
foram apresentadas por entrevistados de diferentes gerações.

Logo quando eu comecei a aprender se ensinava pelos pulmões, que é o ar frio. Analisando
os métodos americanos que nós importamos, eles ensinavam o diafragma. Quando você diz
diafragma (está falando) de diafragma mesmo, não (de) tocar com os pulmões (informação
verbal)75.

Nota-se nas declarações de Rafael Galhardo claros equívocos relacionados ao


funcionamento do aparelho respiratório, uma vez que não é possível o envio de ar durante a
respiração para quaisquer outros órgãos que não seja os pulmões. Conforme exposto
anteriormente, seria possível atribuir às contradições verificadas na declaração de Caro
diversos motivos, sendo um deles a falta de acesso aos livros e métodos que abordavam o
assunto de maneira apropriada.

74
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Daniel Salles D’Alcântara Pereira em 2014.
75
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Rafael Galhardo Caro na Escola Municipal de Música de
São Paulo (ESMP) em novembro de 2014.
66

Em citação anterior de D’Alcântara, verificou-se que por volta da década de 70


chegaram ao país os primeiros livros e métodos de música trazendo as primeiras informações
confiáveis sobre a respiração e a emissão do ar. Mesmo assim, observa-se na declaração de
Maurício de Souza, alguns equívocos relacionados ao correto funcionamento do aparelho
respiratório, apesar da melhor percepção atribuída ao uso apropriado do diafragma durante a
emissão do ar.

A maneira de apoiar o diafragma, que todos têm dúvida e é uma coisa bem simples: é só
você tossir e por a mão aqui no abdômen e ver a contração que faz isso e então tentar tocar
com essa contração sempre. Esse na verdade é o apoio do diafragma. É o apoio dos
músculos abdominais, você dá aquela enrijecida e isso dá apoio no músculo diafragmático,
que é um músculo muito fraquinho. A gente só usa para respirar (informação verbal)76.

Conforme as informações apresentadas neste trabalho no capítulo 2 (Item 4.1, p. 43),


não foram encontradas dentro das ciências da saúde e da biologia dados que corroborem as
afirmações de Souza em relação ao funcionamento do diafragma durante a respiração.

Com a respiração diretamente é o diafragma e o intercostal. Esses são os principais e daí


temos os músculos secundários que abrange também um pouco de músculos posturais.
Temos os intrínsecos da laringe, além daqueles mais superficiais tais como o
esternocleido77, o trapézio e os abdominais, principalmente o transverso do abdômen. Eles
estão envolvidos como um todo, mas os específicos da respiração são o intercostal e o
diafragma, sendo que os outros auxiliam o trabalho como um todo (informação verbal)78.

Muitas das deficiências de entendimento e abordagem sobre a temática estariam


ligadas à não compreensão do correto funcionamento do aparelho respiratório, conforme as
contradições expostas no capitulo 2 (item 1, p. 26). A correta compreensão sobre o
funcionamento do diafragma pareceu-me outra questão bastante contraditória em boa parte
dos músicos entrevistados das diversas gerações.

Tinha a ideia do diafragma e era muito falado a coisa do diafragma para frente, empurrando
a barriga para fora e, mais tarde, veio também a informação que não era somente para fora,
mas também para baixo. Essa é a descrição que mais se aproxima do movimento do
diafragma mesmo. Ele não se desloca para fora da barriga, mas para baixo e para cima.
(informação verbal)79.


76
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Maurício de Souza Roberto na Escola Municipal de
Música de São Paulo (EMSP) em 2014.
77
Músculo esternocleidomastoideo.
78
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carina Leal da Fonseca Ladeira em 19 de março de 2015.
79
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Ovanir Buosi Junior em 14 de abril de 2014.
67

As declarações de Souza, Buosi e Caro (expressas no capítulo 2, item 4, p. 42)


confirmam as contradições vivenciadas pelos alunos e instrumentistas de sopro a respeito do
exato funcionamento do aparelho respiratório e, particularmente, sobre o funcionamento do
diafragma, já que as informações pedagógicas ministradas pelos professores muitas vezes são
pouco claras e objetivas, desprovidas de um conhecimento advindo de profissionais ligados a
outras áreas de conhecimento e que poderiam melhor subsidiar essas informações.

Na expiração o diafragma sobe e as costelas fecham. Elas têm a função de descer para
facilitar a expiração e o contrário na inspiração, na qual o diafragma desce e as costelas
expandem. As costelas expandem em função dos músculos intercostais e, por isso, eu disse
que eles estão diretamente ligados à respiração. Isso tudo para facilitar a movimentação dos
pulmões (informação verbal)80.

Como pode-se notar, as declarações de Ladeira sobre a respiração são claras e


objetivas, em oposição àquelas apresentadas anteriormente por alguns dos músicos
entrevistados, demonstrando os benefícios advindos do intercâmbio de informações entre as
diversas áreas do conhecimento.
Foram observadas declarações dando conta da presença das contradições há pouco
citadas no ensino dos conceitos ligados à sonoridade mesmo dentro da literatura disponível.

No começo da década de 80 eu tive mais contato com outros músicos, outros saxofonistas
tais como o Caca Malaquias, o Proveta, o Vinícius Dorin e então, era uma coisa meio assim
o Brasil sempre foi um “achismo”. “Eu acho que é isso, eu acho que é aquilo” e quem acha
não sabe de verdade. Naquela época você não tinha uma escola de saxofone. Você tinha
vários “achistas” vamos dizer assim e nós íamos tirando nossas próprias conclusões. Depois
eu vi alguns livros daquele Eby’s81, que é um livro para trompetistas onde ele fala sobre
respiração e exercícios respiratórios. Depois vi o livro daquele (...) Sigmund Rachter (Sigur
Manfred Raschèr 82 ) onde ele fala de saxofones, uma coisa mais erudita (informação
verbal)83.

Muitas das controvérsias descritas foram vivenciadas por mim, durante a análise dos
livros e métodos selecionados apresentadas no capítulo 2 (p. 26). Também observei que
alguns entrevistados abordavam questionamentos voltados para o conceito de coup de glotte
exposto no capítulo 2 (item 1, p. 26).


80
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carina Leal da Fonseca Ladeira em 19 de março de 2015.
81
Eby's Complete Scientific Method for Cornet and Trumpet (1926), de Walter M. Eby.
82
Saxofonista erudito.
83
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Maurício de Souza Roberto na Escola Municipal de
Música de São Paulo (EMSP) em 2014.
68

A garganta é um ponto muito sensível por que se falava muito de abrir a garganta para
tocar, que é a busca pelo som escuro. Acredita-se que se você coloca o clarinete na boca e
sopra normalmente sua garganta estaria fechada, o que é meio irreal, porque se você abre a
boca, coloca dois dedos na boca e sopra você não está soprando com um som fino, porque
sua boca já está aberta. Falava-se muito que para tocar com o som bonito o ar teria de ser
quente e que o ar frio deixa o som feio. Isso é a coisa mais incrível que eu já escutei na vida
(informação verbal)84.

As declarações de Buosi contrapõem-se diretamente aos conceitos apresentados por


D’Alcântara no capítulo 2 (item 1, p. 26), que vincula a produção de “ar quente” à uma
correta abertura da garganta e à livre passagem do ar. Apesar do desconhecimento de
D’Alcântara sobre as origens dessas informações, vimos que suas descrições para a obtenção
de um correto posicionamento da garganta coincidem com os conceitos da coup de glotte de
Manuel Garcia e, portanto, não estão incorretas. Do exposto, ficam evidentes as discordâncias
e contradições que circundam a temática e que já foram alvo de análise no capítulo 2 (item 1,
p. 26).
Acredito que o levantamento bibliográfico efetuado, a pesquisa-ação concluída e os
depoimentos extraídos das entrevistas realizadas foram devidamente discutidos. Resta-me
então, para concluir esta pesquisa, descrever minhas conclusões finais.


84
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Ovanir Buosi Junior em 14 de abril de 2014.
69

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Muitas vezes, durante a elaboração deste trabalho, confrontei-me com indagações


ligadas aos fatores que me motivaram a realizar essa pesquisa. De acordo com minhas
próprias colocações no capítulo anterior, tais motivações estavam intrinsicamente ligadas às
minhas percepções pessoais sobre determinados aspectos do estudo da sonoridade no
saxofone. Ano após ano, a observação em meus alunos de muitos dos problemas ligados à
sonoridade por mim enfrentados fizeram com que eu percebesse de maneira clara as evidentes
falhas no aprendizado desse quesito.
Este trabalho se propôs a lançar luz a aspectos ligados ao estudo da sonoridade que
pudessem determinar a sua importância, o impacto da sua ausência no desempenho dos
instrumentistas e os benefícios obtidos através da prática regular e específica da sonoridade.
Foram ainda realizadas pesquisas a respeito das informações que possibilitassem o
estabelecimento de uma relação de tempo ideal para a prática dos estudos técnicos e da
sonoridade, além da verificação das possíveis discrepâncias na relação de tempo destinado e
esses dois tipos de estudo. Ademais, foi realizada uma investigação sobre as origens das
técnicas ligadas a sonoridade, notadamente aquelas ligadas a respiração, uma vez que tais
informações sempre me pareceram controversas e imprecisas.
Foi constatada, através das declarações obtidas nas entrevistas realizadas com músicos
profissionais do cenário musical brasileiro, uma atribuição de destaque ao estudo da
sonoridade dentro das práticas diárias dos instrumentistas de sopro. Entretanto, esse
entendimento não foi plenamente corroborado pelos autores dos livros e métodos comumente
utilizados no ensino dos instrumentos da família das madeiras analisados neste trabalho
(saxofones, clarinetes e flautas), havendo assim uma desconformidade entre a importância
atribuída aos estudos de sonoridade e técnica.
Essa conclusão baseou-se na inexatidão encontrada entre os depoimentos colhidos nas
entrevistas e a observação do número de exercícios presentes nos livros e métodos analisados.
Uma vez que um número preponderante de entrevistados atribuiu uma elevada importância à
prática dos conceitos ligados ao aprimoramento da sonoridade, seria esperado que a
quantidade de estudos dedicados a esse propósito nos livros e métodos fosse, ao menos,
equivalente ao dos estudos técnicos. Todavia, em muitos dos livros analisados, sequer foram
encontrados estudos dirigidos a esse propósito.
Esse fato também pôde ser constatado durante o acompanhamento realizado junto aos
meus alunos de saxofone da Escola Municipal de Música de São Paulo (EMSP). Verificou-se
70

que muitos estudantes ignoravam completamente a necessidade de um trabalho contínuo de


sonoridade, dedicando integralmente suas práticas diárias aos estudos técnicos.
Após a realização deste estudo, pôde-se associar as dificuldades apresentadas pelos
estudantes na correta execução de determinadas articulações e intervalos à ausência dos
estudos dirigidos à sonoridade e desvincular tais dificuldades de um número insuficiente de
horas de estudo.
Entre os benefícios relatados após o início da prática constante e contínua de estudos
específicos de sonoridade, posso destacar aspectos ligados diretamente ao resultado sonoro,
tais como ganhos de volume, corpo e timbre, além de uma melhora considerável na percepção
de segurança e musicalidade durante a execução. Além disso, foi constatada uma significativa
diminuição no tempo despendido pelos alunos para a eliminação de eventuais ondulações,
tremidos e desequilíbrios de volume e timbre entre as notas.
Constatei ainda uma nítida disparidade de tempo entre os estudos dedicados à
sonoridade e à técnica, confirmadas nas desconformidades verificadas entre as entrevistas e as
análises dos livros e métodos agora a pouco citados. Como visto, apesar da atribuição de
elevada importância aos estudos da sonoridade por parte dos músicos entrevistados, apurou-se
a presença de um número desproporcional de exercícios dirigidos ao aprimoramento da
sonoridade versus àqueles dedicados ao aprimoramento técnico sendo ainda, em alguns casos,
verificada a total ausência de informações e/ou estudos dirigidos a sonoridade.
Isto posto, a apreciação dos ganhos obtidos pelos alunos que adotaram a prática
constante da sonoridade, aliados à importância atribuída ao estudo da sonoridade pelos
músicos entrevistados nos leva a crer que o equilíbrio de tempo dedicados ao estudo da
sonoridade e da técnica seriam a condição ideal para a obtenção de melhores resultados no
desenvolvimento dos instrumentistas de sopro.
Em relação à respiração, me propus a examinar informações que pudessem esclarecer
dúvidas relacionadas a questões básicas, tais como a origem das técnicas utilizadas, as
possíveis falhas no ensino dos conceitos envolvidos no uso da respiração e do aparelho vocal,
a existência de uma respiração peculiar aos músicos, o funcionamento da respiração e,
finalmente, seu real papel e importância na execução dos instrumentos de sopro.
As pesquisas realizadas em torno da origem das técnicas respiratórias usualmente
relatadas pelos instrumentistas de sopro apontaram inquestionavelmente para as práticas
desenvolvidas no canto desde o início do século XVI. A localização de dados históricos que
comprovam de forma clara a utilização de métodos contendo informações sobre os conceitos
71

do Bel Canto (porém, aplicados ao estudo dos instrumentos de sopro) propiciou a elucidação
das origens das técnicas respiratórias utilizadas pelos instrumentistas de sopro.
Entretanto, as mesmas pesquisas históricas que comprovaram o vínculo entre os
processos respiratórios utilizados por cantores e pelos instrumentistas de sopro acabaram por
revelar um novo e inusitado contexto. Foram detectadas um número significativo de
discordâncias entre os próprios pesquisadores e professores; verificadas inúmeras
divergências, inclusive dentro do cenário musical brasileiro e que foram confirmadas nas
declarações contidas nas entrevistas realizadas neste trabalho. A falta de um consenso claro
sobre as informações relacionadas à respiração na literatura disponível e/ou junto aos músicos
e professores, podem ser consideradas as causas mais prováveis para as divergências e,
consequentemente, falhas no ensino do funcionamento do aparelho respiratório para os
estudantes.
No que concerne ao funcionamento do aparelho respiratório, foi verificado um
consenso em torno da relevância da participação do diafragma na respiração, podendo-se
mesmo conferir um papel central à atuação desse músculo, apesar das pequenas discrepâncias
observadas em relação ao seu funcionamento. Todavia, as informações colhidas revelaram um
amplo desconhecimento dos músicos e professores entrevistados no que se refere à
participação essencial de outros músculos (sobretudo, dos músculos intercostais) durante a
respiração executada pelos instrumentistas de sopro.
Devo salientar que, mesmo dentro do material bibliográfico utilizado nessa pesquisa,
as informações e explanações sobre tais músculos não foram localizadas na totalidade dos
livros e métodos analisados, o que nos dá fortes evidências dos motivos pelos quais músicos e
professores demonstraram um elevado índice de desconhecimento deste assunto.
As informações colhidas acerca do funcionamento do aparelho respiratório nos
instrumentistas de sopro (advindas da biologia e das ciências da saúde) revelaram ainda
evidências do uso de um tipo específico de respiração nesse processo, denominado respiração
forçada. Conforme as explicações apresentadas no capítulo pertinente, trata-se de um tipo de
respiração usualmente associado à prática de atividades físicas pesadas, abrindo novas
perspectivas de estudos e aprofundamento sobre o tema.
É possível então concluir de maneira clara que a respiração deveria ocupar uma
posição proeminente dentro das rotinas de estudos e dos livros e métodos destinados ao
ensino dos instrumentistas de sopro.
Assim sendo, este trabalho disponibiliza conteúdos que propiciam um maior
esclarecimento sobre muitas das divergências e conflitos relacionados ao aprimoramento dos
72

conceitos de sonoridade, seja na forma de textos com instruções precisas sobre a respiração
ou nos exercícios dirigidos ao contínuo aprimoramento sonoro.
Sobre as entrevistas, devo esclarecer que todos os músicos ouvidos são figuras de
destaque no cenário musical brasileiro, com vivências e práticas performáticas ligadas ao
estado de São Paulo, mais especificamente, da capital. Sendo assim, e apesar da
representatividade da cidade e estado de São Paulo, não é possível afirmar que as ideias e
opiniões ali expressas representem e forneçam uma imagem exata do cenário musical de todo
o país.
Finalizo esta pesquisa esclarecendo que a temática objeto da pesquisa tem importância
para a área da performance e que, de minha parte, esta percepção é motivo suficiente para a
elaboração de uma nova pesquisa.
73

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76

APÊNDICE A

Dó Maior
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APÊNDICE B

Intervalos de 3ª

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APÊNDICE C

Intervalos de 4ª

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APÊNDICE D

Intervalos de 5ª

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APÊNDICE E

Intervalos de 6ª

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APÊNDICE F

Intervalos de 7ª

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APÊNDICE G

Intervalos de 8ª

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APÊNDICE H

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84

APÊNDICE I

Lá menor

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85

ANEXO J (Entrevistas)

Carina Leal da Fonseca Ladeira

Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carina Leal da Fonseca
Ladeira em 19 de março de 2015. A veiculação e divulgação desta entrevista foi
autorizada pelo entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.

Você poderia descrever qual sua área de atuação dentro da fisioterapia?

Eu comecei a tentar estudar alguma coisa com músicos porque eu comecei a trabalhar
em musicais. Foi lá o meu primeiro contato e onde eu comecei a desenvolver um trabalho de
fisioterapia focado nos músicos. De lá para cá nós estamos desenvolvendo, estudando e
tentando entender mais para podermos melhorar a postura, porque vimos essa necessidade e
que cada instrumento exige uma parte do corpo diferente.

Quais os músculos envolvidos no processo da respiração?

Com a respiração diretamente é o diafragma e o intercostal. Esses são os principais e


daí temos os músculos secundários que abrange também um pouco de músculos posturais.
Temos os intrínsecos da laringe, além daqueles mais superficiais tais como o esternocleido85,
o trapézio e os abdominais, principalmente o transverso do abdômen. Eles estão envolvidos
como um todo, mas os específicos da respiração são o intercostal e o diafragma, sendo que os
outros auxiliam o trabalho como um todo.

Quando expulsamos o ar dos pulmões, qual o papel do diafragma nesse processo?

Na expiração o diafragma sobe e as costelas fecham. Elas têm a função de descer para
facilitar a expiração e o contrário na inspiração, na qual o diafragma desce e as costelas
expandem. As costelas expandem em função dos músculos intercostais e, por isso, eu disse
que eles estão diretamente ligados à respiração. Isso tudo para facilitar a movimentação dos
pulmões.

Pensando nos músicos, existem ações específicas desses músculos quando tocam um
instrumento?

Isso envolve não somente a respiração, mas também a postura. Eu ouvi muito dizer
que os músicos tinham o abdômen flácido para poder ter essa movimentação durante a
respiração. Na realidade, o abdômen não pode ser flácido até por uma questão de saúde.
Inclusive nós temos um músculo abdominal mais profundo chamado transverso que ajuda na
expiração forçada que os músicos usam. A respiração nos músicos não é a basal, é a
inspiração e expiração forçada.
A ação desses outros músculos posturais ajudará muito na qualidade do trabalho do
músico sem que seja prejudicada sua postura, mas devemos pensar também nas costelas que
precisam ter um movimento de expansão e retração, até por uma questão de saúde.

85
Músculo esternocleidomastoideo.
86

Nós já encontramos casos de músicos e cantores que, de tanto expandirem as costelas


sem os movimentos de retração, acabaram ficando com elas um pouco abertas. Temos então
de trabalhar os músculos e as articulações para que elas tenham a devida mobilidade, normal
para o trabalho, mas que não pode ir para o cotidiano.

Você poderia falar um pouco mais dessa respiração forçada usada pelos músicos?

Na respiração forçada nós acionamos alguns músculos extras, além do intercostal e do


diafragma.

Quais seriam esses músculos? Além disso, essa seria uma ação específica da
respiração utilizada pelos músicos?

Sim. Usam-se o esternocleido, o trapézio e um músculo mais profundo chamado


transverso. Mas esse é o ponto: eles são acionados porque são músculos acessórios da
respiração forçada, mas deve haver um limite para não os tencionar demais e isso causar um
problema. Eles são acionados na respiração forçada, principalmente os músculos cervicais, tal
como o esternocleido e o trapézio, mas sem tenciona-los muito.
Quanto aos transverso, ele é ainda um músculo desconhecido para muitas pessoas,
pois ainda não é ensinado nas escolas de música, nem de balé ou de atores. Isso é algo que
estamos levando da fisioterapia para os artistas para os ajudar. O transverso tem, por exemplo,
uma ligação direta com o diafragma e por isso ajuda na expiração forçada. O ideal seria um
equilíbrio disso para que o músico trabalhasse sem se esforçar demais e sem tencionar a
musculatura.

E esse é o termo técnico para essa respiração: respiração forçada?

É, porque temos a respiração basal, que é aquela usada no dia-a-dia e a forçada, que é
a que vocês usam para tocar.

Essa respiração é utilizada para mais alguma coisa?

Tudo que sai da respiração basal é a forçada. Ela tem vários níveis e os músicos a
utilizam muito dada a pressão necessária para se tocar um instrumento de sopro. Porém, se a
pessoa faz um esporte mais exigente a respiração saí da basal e passa para a forçada.

Essa respiração forçada seria utilizada em mais alguma ação do nosso cotidiano?

Não no cotidiano de uma pessoa que não é artista ou não é atleta. A menos que ela
tenha um problema respiratório, mas daí entramos numa outra história.

Esse papel de gerar um ar com determinada pressão, necessária para a execução de


um instrumento, seria gerada somente pelo diafragma?

Não, são mais músculos. O diafragma é o principal, porque é o da respiração e os


outros auxiliam. Nós temos que pensar que o corpo funciona como um todo. Estamos ligados
por cadeias musculares e pela fáscia, que é um tecido que recobre os músculos. Nada que
fazemos com nosso corpo é em função de um músculo em especial, sempre havendo os
auxiliares.
87

Você acha que os músicos têm conhecimento da estrutura envolvida na respiração?

Não, não tem conhecimento e muitos fazem força de forma errada ao tocar, o que
acabará os prejudicando. Quanto a postura, ela prejudica a saúde de alguma forma porque isso
não deixa de ser uma repetição. Vou usar como exemplo os músicos que trabalham nos
musicais: eles têm de tocar as mesmas notas nos sete espetáculos da semana, muitas vezes as
cadeiras não são boas e tudo isso influencia.
Se você tem uma consciência corporal melhor e conhece estes outros músculos, os
trabalhando sem sobrecarga, isso fará com você não se machuque e deixe de ter dores. Muitos
músicos têm dores na coluna.
Existem partes do diafragma inseridos na coluna lombar, nas vértebras L1, L2, L3,
havendo lugares que dizem ir até a L4. Algumas fibras dele se inserem na coluna, mostrando
mais uma vez que tudo em nosso corpo está interligado. Desta forma, o diafragma não é
somente ligado a respiração, havendo fibras deste músculo na coluna que, usado de forma
equivocada, acabará afetando também a lombar.

Você acha que esse conhecimento mudaria algo na performance dos músicos?

Com certeza. Diminuiria o cansaço, essas dores e haveria um ganho de qualidade,


porquê ele conseguiria trabalhar melhor – isso pensando até a médio e longo prazo. Eu já ouvi
relatos de alguns músicos que deixam de pegar trabalhos por sentirem muita dor e não é essa
a intenção. O músico não deve recusar trabalhos por conta de limitações físicas.
88

Carlos Alberto Alcântara


Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carlos Alberto Alcântara
em 2015. A veiculação e divulgação desta entrevista foi autorizada pelo entrevistado
tanto no formato impresso, como no digital.

Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?

Na minha família, meu pai foi um músico amador e em casa sempre havia alguém
tocando ou ouvindo alguma coisa. Ele me ensinou um pouco de leitura, a tocar um pouco de
clarinete, um pouco de piano e foi assim que começamos. O saxofone, que é meu
instrumento, comecei a estudar em 1951 quando estávamos morando no Norte do Paraná.
Meu pai tinha uma orquestra lá na qual eu tocava bateria e pandeiro. Um dia o
primeiro alto da orquestra saiu e lá era muito difícil de conseguir músicos. Meu pai não
pensou duas vezes: veio a São Paulo, comprou um saxofone alto, colocou o instrumento na
minha mão e disse que em quinze dias eu deveria estar tocando o repertório.
Quanto a sonoridade, na época nós usávamos a embocadura como a dos oboístas, mas
com o tempo fomos conhecendo outros músicos mais experientes que disseram como deveria
ser a embocadura correta do saxofone.
Depois veio toda aquela história do diafragma, de saber como os músicos de outros
países trabalhavam o som, além de ouvirmos muito. Ficávamos reparando nas características
do som de cada um e aí apareceram algumas informações, tais como o “som de garganta” e o
“som de diafragma” e foi nesse momento que soubemos do diafragma.

Você sabe me dizer se esse era o padrão de ensino na época ou isso era uma exceção?

Nós nessa época já parecíamos um pouco mais modernos porque nós ouvíamos jazz
desde criança. Através dos rádios de ondas curtas, que sintonizava programas com músicas do
Charlie Parker e outros músicos do jazz, nós ficávamos ouvindo aquilo e, querendo ou não,
acabávamos formando um som em nossas cabeças que depois queríamos seguir.

Mas isso não era o usual?

Não. O som tinha mais vibrato...

Você saberia então me dizer como as pessoas acabavam aprendendo música?

Aprendiam meio que na raça, não existiam muitos métodos. Aprendia-se algumas
escalas e harmonia nem pensar, se sabia muito pouco sobre isso. As pessoas conheciam no
máximo tríades, ninguém sabia o que eram as sétimas. Era algo bem precário.

E como era o ensino no Norte do Paraná? Era mais precário ainda?

Não. Meu pai vinha a São Paulo visitar um primo que tinha uma orquestra muito boa e
mantinha contato com bons músicos que acabavam dando dicas a ele. Meu pai era
considerado um improvisador muito bom para os padrões daquela época, que eram chamados
89

de rotistas. Não eram usadas cifras como hoje em dia, usam-se acordes montados como numa
partitura de piano. Era assim que se tocava: você escolhia as notas e o resto era guiado pelo
ouvido e pelo bom gosto da pessoa.

Você disse que depois de ter vindo para São Paulo acabou descobrindo as primeiras
informações sobre o diafragma e as diferenças de sonoridade de um músico para o outro.
Como foi a acesso as todas essas informações?

Através do famoso "boca a boca". Nós encontrávamos músicos que viajavam mais e
eles sempre acabavam trazendo alguma informação. Nós grudávamos nessas pessoas e
aprendíamos assim. Não existia essa facilidade de pedirmos um material em qualquer lugar e
ele vir à porta da sua casa como hoje em dia.

E os livros e métodos?

Nada, isso era muito difícil.

E a qual período estamos nos referindo?

Por volta da década de 60 e 70. Aqui em São Paulo era muito exigida a leitura por
conta da escola italiana. Eles gostavam de uma leitura precisa, inclusive cobrando muito isso,
mas não davam muita bola para sonoridade. Quem tinha um som mais bonito acabava
chamando a atenção e se destacava naturalmente.

E como era essa escola italiana?

Era uma escola muito rígida, com uma leitura muito precisa, mas um som muito seco.
Era uma concepção mais antiga que fazia parte da escola que eles trouxeram para o Brasil.
Mais tarde começaram a vir outros músicos, em especial os americanos, que começaram a
modernizar as coisas, mas basicamente aprendíamos trocando informações com os colegas.
Para você ter uma ideia eu aprendi as acentuações musicais tocando, porquê ninguém
conhecia isso. Liam-se as notas e olha lá.

Insistindo um pouco mais nisso, você saberia me dizer quem eram esses músicos
italianos? Poderia me dizer onde eles davam aulas e tocavam?

Eu não cheguei a estudar com nenhum deles. Quando eu cheguei em São Paulo eles já
estavam aqui, mas eles costumavam te testar. Se você tinha uma boa leitura deixavam ficar,
mas se errasse a todo instante diziam que não estava pronto e não te chamavam mais. Outra
coisa: eles não diziam como fazer nada. Somente cobravam muito quando você errava. Mas
houve um desses italianos que me ensinou muito e ele se chamava Bolão86 e era uma das
pessoas mais acessíveis e modernas dentre todos esses músicos. Ele trouxe essa escola italiana
e depois a aprimorou. Tivemos também o Casé 87 , mas ele também não repassava muitas
informações. Nós aprendíamos ouvindo ele tocar.

86
Isidoro Longano (1925 - 2005).
87
José Ferreira Godinho Filho, o Casé, nasceu em 26 de junho de 1932, em Guaxupé, Minas Gerais: pai e mãe
músicos, um irmão trompetista e três irmãos saxofonistas. Aos 10 anos, já tocava bateria com o pai; dois anos
depois, soprava saxofone e clarineta em bailes na Usina Junqueira, perto de Ribeirão Preto, São Paulo. Casé fez
de tudo numa carreira de rápida ascensão: tocou sob a lona de circos e em salões de baile; nas orquestras de

90

Podemos dizer que com esses músicos se aprendia tocando?

Sim, porque conversando era muito difícil. Eles se importavam muito com a leitura,
mas cada um fazia o que queria em relação a interpretação e à sonoridade.
Mas depois isso foi mudando com a chegada de músicos mais modernos, tais como
Nelson Ayres e Roberto Sion.

Você saberia me dizer quando e através de quem apareceram os livros e métodos?

O Roberto Sion era uma dessas pessoas. Em 1959, eu precisei fazer um estágio em
Santos para regularização de alguns documentos e acabei conhecendo ele e o pai dele que lá
moravam. Nessa ocasião ele já tinha alguns métodos de harmonia.

Você saberia dizer de onde ele trouxe esses métodos?

O pai dele trouxe dos Estados Unidos. Se não me engano ele tinha um amigo pianista,
que talvez fosse na realidade quem trazia esses livros e era assim que nós tínhamos acesso.
Meu pai, numa determinada, época pediu alguns álbuns de Dixieland muito bons
escritos para cinco ou seis sopros. As coisas funcionavam mais ou menos como funcionam até
hoje: sempre que alguém viaja para os Estados Unidos você aproveita para pedir alguma
coisa, mas nós nem sabíamos direito o que pedir.

Você consegue lembrar de mais alguém, além do Sion, que trouxe algum livro?

O Hector Costita. Ele sempre teve uma informação melhor porque a escola argentina
sempre foi mais aprimorada – principalmente a dos clarinetistas. Ele inclusive nos ensinava
alguns temas, assim como um pianista chamado Luís Melo, que era outra pessoa bem
informada; havia também o Chu Viana, que tinha um melhor conhecimento harmônico. Isso
foi um pouco depois, mas a partir disso que se iniciaram as mudanças para melhor.

Tudo isso que você me disse até agora estava ligado aos músicos populares, mas
vocês gravavam muito com músicos eruditos. Saberia me dizer se eles também encontravam
as mesmas dificuldades de acesso a livros e métodos?

Eles tinham menos conhecimento que nós nessa área moderna. Eles eram muito
rígidos – e aí a escola italiana prevalecia – eram grandes leitores, mas o som era ruim. A
verdade é que não gostavam muito de músicos populares, eles nos achavam grosseiros e até
certo ponto eles tinham razão, mas também não ensinavam nada para que isso melhorasse.

Se eu bem entendi, até aqui você me disse que muito do conhecimento ao qual tinham
acesso estava ligado a aspectos técnicos do instrumento e a conhecimentos ligados a
harmonia. Você se lembra de algum material que tratasse da sonoridade de forma
específica? Isso era algo que tinha relevância ou era visto como uma consequência de outros
estudos?


rádio em programas de auditório e no ar enfumaçado dos “inferninhos” dos anos 1950. Aos 21 anos, excursionou
pelo Oriente Médio e pela Europa. E encontrava ainda tempo para estudar harmonia, durante dois anos, com o
maestro erudito Hans-Joachim Koellreutter, o monstro-sagrado da música de vanguarda no Brasil.
91

Eu realmente vim a ficar mais atento à sonoridade através de um trombonista chamado


Michel que foi quem me falou sobre o diafragma. Ele me deu aulas de diafragma que
mudaram meu som, além de me assistir tocando sax-barítono na banda do Nelson Ayres e
cobrar o uso do que me ensinava.

Isso foi em que época?

Isso foi em 1973. Da década de 60 para trás você esquece. Inclusive meu irmão
também estudou com ele porque estava com um problema sério, quase atrofiando o diafragma
por forçar ele de forma errada.

Esse trombonista comentou em algum momento em quais livros ele havia lido ou
descoberto essas informações?

Ele veio para cá colocar em prática os estudos que ele havia desenvolvido nos Estados
Unidos. Ele dizia que havia vindo para o Brasil para pesquisar, que sabia todas as
informações necessárias para que as pessoas tocassem bem e que queira as passar para nós.

Ele morou aqui?

Morou. Ele tocou numa orquestra sinfônica aqui de São Paulo por dois ou três anos e
deu uma luz para todos que foram estudar com ele.

Essa foi a primeira pessoa...

Que de fato falou a respeito disso, antes nós ouvíamos falar, ouvíamos comentários,
mas ninguém explicava nada. Haviam inclusive informações completamente equivocadas.

Então, a partir da década de 70, o contato que vocês tiveram com a sonoridade foi
através de um americano que passou para vocês os conceitos de respiração que envolvem o
diafragma, mas houve algum músico brasileiro que tenha trazido algum livro que falasse
sobre isso?

Não. Depois desse rapaz começaram a aparecer alguns livros, tal como o Eby’s88 que
era específico para isso. Algumas pessoas se interessaram, mas a maioria não. Na época eu
pedi para uma pessoa traduzir a introdução do livro que era muito bonita, na qual ele dizia o
que representava a sonoridade no instrumento.
Esse livro tem quatro volumes: o primeiro era pequeno, mas ali estava toda a
informação para que você mudasse seu som; o segundo era uma consequência do primeiro,
assim como os demais volumes. Porém, as pessoas compravam somente os terceiro e quarto
volumes porque tinham muitas notas, mas era o primeiro volume que definia seu caminho.
Eu cheguei a ter problemas com isso pois comecei a levar esses estudos muito a sério
e, quando íamos gravar, meu som ficava muito maior que dos outros músicos.


88
Eby's Complete Scientific Method for Cornet and Trumpet (1926), de Walter M. Eby.
92

Se você pudesse classificar os estudos, qual importância você daria ao estudo da


sonoridade para execução do saxofone?

Eu sou fiel ao que está escrito no ABC musical: a música é a arte de se manifestar
mediante o som89. Meu pai dizia que quem tem um bom som está a meio caminho andado. Se
o som é bom as pessoas prestam atenção ao que você toca, mas se o som é feio a pessoa terá
de fazer muita pirotecnia para chamar a atenção. O som é o mais importante de tudo.
Tínhamos alguns casos raros de pessoas que usavam o diafragma, mas não sabiam
disso. Esse era o caso de um trompetista chamado Butina, que veio a saber o que fazia quando
eu conversei com ele sobre isso e estamos falando de algo que aconteceu na década de 70.

Você acha que as pessoas aqui no Brasil não davam a devida importância a
sonoridade?

Não, pouquíssimas pessoas. Alguns tinham uma boa sonoridade naturalmente, mas
para os que não tinham não acontecia nada. Havia um problema muito comum em naipes nos
quais não conseguia se casar o som entre os instrumentos. Uma pessoa que toca pela garganta
tem um som sem harmônicos; já o som do diafragma espalha os harmônicos a vontade e
assim o som fica mais cheio. Essa é a grande diferença.


89
Música é a arte de manifestar os diversos afetos da nossa alma mediante o som¨ (P. BONA).
93

Carlos Sulpício

Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carlos Sulpício na Escola
Municipal de Música de São Paulo (EMSP) em 11 de novembro de 2014. A veiculação e
divulgação desta entrevista foi autorizada pelo entrevistado tanto no formato impresso,
como no digital.

Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?

Primeiro, quando eu comecei não foi por causa da música. Era aquela história: foi por
causa da molecada que andava junto por causa da banda.
Então isso era lá em Marília - no interior e tinha a banda do SENAC que passava [...]
onde a gente brincava, e aí a molecada jogava bola (aquela coisa toda) e aí a gente falou: “Pô,
como é que será que faz pra participar desse negócio?” Foi aí que a gente foi atrás.
Então na verdade era mais aquela coisa de farra, não era pela música e na verdade a
nossa banda era interessante porque quem fundou essas bandas em Marília foram uns
missionários canadenses (que eles foram lá para Marília por causa do colégio Cristo Rei, que
existem vários pelo Brasil), e aí uma das funções deles era justamente mexer com música.
Então isso foi legal porque eles ensinavam correto, pra valer. É interessante isso, a gente
aprendia mesmo de verdade e isso foi muito interessante.
Até quando se dizia que precisávamos ir para São Paulo, porque era lá que o pessoal
sabia, era lá que o pessoal conhecia e quando chegamos aqui vimos que era a mesma coisa. É
interessante isso.

Essa seria a segunda pergunta: como você aprendeu?

Eu...aí é aquela coisa: você chega na banda e você tem que tocar os instrumentos que
têm lá a disposição e eles queriam que eu tocasse trombone. Mas eu não gostava muito,
porque imagina eu com dez anos de idade, era muito pequeno e o instrumento era muito
grande. Aí eu falei que queria tocar trompete. Engraçado...de ver os instrumentos assim o que
mais me chamava a atenção era o trompete, mas eu comecei no trombone, assoprando no
bocal, até conseguir vibrar e aí depois eu falei que queria passar para o trompete. Aí eles me
deram o trompete, eu comecei a soprar, saiu, eu continuei e não parei mais.

Como era visto o estudo da música?

Enquanto era farra, vamos se dizer assim, era interessante. A partir do momento que a
gente chega naquela coisa de “Aí, o que que eu vou fazer? Será que eu vou fazer faculdade ou
não sei o que!” aí era um problema, porque imagina, no interior todo mundo achava que
música literalmente era coisa de vagabundo, de quem ia ficar em boteco, aquelas coisas.
Por que é diferente, por exemplo: imagina que você está numa cidade pequena que na
época não tinha nem cem mil habitantes e que a única relação de música que eles conheciam
era a do boteco, ficando em bar, tocando na noite e fazendo bailes. Isso era música para eles.
Eles não tinham essa visão de fazer faculdade, por exemplo, de ter uma escola que
nem a Escola Municipal ou de tocar numa Orquestra Sinfônica. Isso era uma coisa assim
etérea para eles. Por isso que havia muita resistência e eu lembro que até tinha uma matéria
que chamava “Programa de Formação Profissional” na escola, e eu estudei na época da
94

ditadura na escola, mas tinha essa matéria. Quando perguntavam para a professora sobre
música, sobre artes, ela olhava no caderninho dela e falava: “Não, mas isso é inexistente. Isso
não é nem profissão”. Olha só que coisa, eu estou falando dos anos 70 [...], final dos anos 70.
Mas mesmo assim eu não desisti! Eu vim aqui para São Paulo, prestei o vestibular na ECA
(USP), passei e vim para cá.

Como era visto o músico popular pela sociedade? Existia em Marília essa distinção
entre músicos populares e eruditos?

Não, não existia não. Eu mesmo, na época em que eu queria ser músico, não sabia o
que era. Na minha cabeça - e é interessante isso - eu podia fazer baile num dia, tocar numa
orquestra sinfônica no outro e, sei lá, se aparecesse alguma coisa para fazer com música
sertaneja (eu) ia fazer também. A gente mesmo não tinha muita distinção sobre isso, essa
coisa de música erudita e música popular.

Quais eram as atribuições do músico? Davam aulas, compunham, tocavma ou


participavam de bandas?

Era assim: a molecada (os jovens) tocavam na banda porque não tinha remuneração
nem nada - era aquela coisa da farra - e o músico profissional só tocava. Não tinha esse
costume em Marília, por exemplo, dos músicos profissionais darem aula. Tinha até uma
banda famosa na época que se chamava Iarasus, outra que se chamava Os peoples (era uma
banda até que conhecida, que fez bastante shows pelo Brasil na época) e que tinham
saxofonista e trompetista.
Eu lembro que eu ia até eles para perguntar alguma coisa, mas eles não davam aula,
era uma coisa assim que não fazia parte. Aula era uma função dos professores do
conservatório, mas o que é que tinha no conservatório?
Piano...só, sempre aquela coisa da “pianolatria” brasileira que sempre tem. Pelo Brasil
inteiro, aula de piano você vai achar e conservatório de piano também. Então, em Marília os
conservatórios só davam aula de piano. Você tinha que aprender piano e estudar teoria. Não
tinha como ter uma aula formal de trompete num conservatório. Só piano!

As bandas agregavam algo no desenvolvimento performático do músico?

Sim, porque acontecem duas coisas: eu vejo que o músico que participou de banda é
mais aberto, porque ele acaba tocando coisas técnicas do instrumento sem que ele tenha noção
de que aquilo é difícil ou é fácil. Ele simplesmente enfia a cara, vai embora e muitas vezes
aquilo não é nem do instrumento dele, nem da técnica do instrumento, mas ele vai.
Agora, o que eu acho que aconteceu com as bandas e eu não sei se isso é uma coisa de
hoje. O pessoal que passa muito tempo nas bandas, quando vão, por exemplo, para uma
orquestra sinfônica (eu estou falando especificamente da música erudita, da música clássica),
demoram muito até perceberem que o trompete não é solista e não é a voz principal na
apresentação, principalmente se vai tocar uma sinfonia de Haydn, Mozart e Beethoven.
Ele é um acompanhador, mas como teve essa formação na banda, em que era a voz
principal, leva muito tempo até entender que o trompete não é a voz principal numa orquestra
sinfônica, principalmente nessa época do classicismo.
95

Você tem conhecimento de alguma rotina de estudos feita de forma específica para o
estudo da sonoridade?

Não, um método que falasse de sonoridade ou alguma coisa nesse sentido, não. É uma
coisa que está além dos métodos, do professor falar sobre a sonoridade e você saber que isso é
interessante. Porque eu não percebo, quer dizer, eu infelizmente percebo que aqui no Brasil
isso não é uma coisa importante. Mas só descobri isso quando eu fui para os Estados Unidos
porque toda vez que a gente ia tocar, que íamos fazer aula, a sonoridade era tão importante
quanto tocar o ritmo e a afinação certa e aqui no Brasil não, é uma coisa que está em segundo
plano infelizmente.

Havia alguma escola de música para o ensino da música popular?

Não, isso não existia. Só mesmo os conservatórios e você tinha que estudar com os
maestros de banda. Por exemplo, quando eu falei para eles que eu queria fazer vestibular,
quem dava aula de teoria era o maestro, mas tinha o Raimon e o Prof. Nezito que foram meus
professores e faleceram com quase noventa anos a pouco tempo. Na minha memória de
criança, principalmente o professor Nezito, que tocava piano, violino e trompete, era
compositor e dava aula de teoria, nunca esqueço dele porque eu falava assim: “Nossa, como é
que pode uma pessoa (assim) estar perdida aqui em Marília com esse conhecimento todo?”
Para mim ele era um gênio.
Na minha visão, ele tinha um conhecimento muito grande de todos esses instrumentos,
porque eu lembro que quando eu aprendi a fazer stacatto duplo e triplo de trompete eu estava
com dificuldade, e fui mostrar para ele que eu não conseguia fazer a pronúncia do ta ca ta ta
ca ta ta ou ta ca ta ca ta ca ta ca ta. Ele me ensinou a fazer de uma maneira como faço até
hoje.
Olha só que coisa curiosa: eu me lembro que quando fui para os Estados Unidos
estudar com o (Roger) Voisin (ele foi trompetista da Boston Simphony por quarenta anos), eu
falei assim para ele: “(Você) poderia olhar minha técnica, meu stacatto triplo para ver se está
certo, se é assim que se faz?” Eu toquei um pouquinho e ele falou “Ih, (com) isso aí não se
preocupe não. Vá estudar outra coisa que isso está certo!” Olha que coisa curiosa: eu aprendi
em Marília a fazer isso, no lugar mais improvável possível, ou seja, então eles tinham
realmente um conhecimento profundo.

E de onde eram esses professores?

Eles eram todos lá de Marília. Na verdade, o professor Nezito e o Raimon (que era
canadense) davam aulas de trompete e tinha o Brás, o Brás Samperio, que é mais novo e ainda
está vivo.

E você lembra aonde eles estudaram?

Todos em Marília! Nenhum deles estudou fora, exceto o Raimon que é canadense.

Como que você aprendeu a tocar trompete?

Porque eu via essas pessoas tocando e elas tocavam muito bem, mesmo com complexo
de inferioridade (e achando) que não, mas eles tocavam bem.
96

Você usava métodos? Se você usava, quais eram esses livros ou métodos?

Sim, no caso, o método que a gente usa até hoje, que é o mais usado no mundo inteiro
e que é o Arban90. Porque eles já tinham esse conhecimento...

E algum desses (métodos) tratava de sonoridade?

Não, não falavam.

Nesses métodos de ensino o que era prioritário?

É a técnica.

Você lembra como esses livros chegaram até vocês lá (em Marília)?

Esse Arban com certeza veio com o Raymon, mas tinha muito material importado
porque existia uma usina que se chamava Usina Paredão, próxima de Marília, cuja a dona era
uma suíça e essa pessoa que se chamava Dona Margot.
Eu lembro que ela foi até a banda uma vez e eles eram luteranos. Iam fazer uma
apresentação de Natal e eles queriam alguns músicos para tocar junto. Sabe aquela coisa de
encenação, de tocar música de menino Jesus - aquelas coisas - e aí alguns músicos foram. Eu
fui uma das pessoas que foi junto.
Era tipo um quinteto ou quarteto de metais (dois trombones, dois trompetes) que
faziam uns arranjinhos simples com percussão e a gente foi participar. Essa senhora – como
ela era suíça – claro que tinha conhecimento e tinha partituras originais do Maurice André91.
Então, a gente já tinha contato por causa dela e você acredita que agora, no último Natal que
eu estive em Marília, esse meu professor Brás (que ainda vive) me deu essas partituras? Claro
que eu guardo isso a sete chaves.

Os professores que eram estrangeiros lá (em Marília), pelo que eu entendi era um...

É, era o Raimon.

Eles davam aulas de instrumento para os músicos populares?

Então, porque não tinha distinção da coisa do popular e do (erudito), era tudo igual.
Você podia tocar baile ou você podia tocar o concerto para dois trompetes de Vivaldi que nós
vivíamos tocando. Você podia tocar na banda, não tinha distinção.

Você tem conhecimento sobre todos os processos envolvidos no estudo da


sonoridade?

Não, porque é uma coisa muito intuitiva. Até onde eu penso nisso, o que você fala
para um aluno para ele pensar em fazer para o som ficar bonito? A gente pensa em imitação.
Você pensa nos trompetistas que existem mundo afora, fala para ouvirem e tentar imitar esse

90
Jean-Baptiste Arban, Método para Trompete.
91
Maurice André (Alès, 21 de maio de 1933 - Baiona, 25 de fevereiro de 2012) foi um trompetista francês,
considerado um dos melhores trompetistas de música clássica do mundo. Faleceu em 2012 aos 78 anos, na
cidade francesa de Bayonne. Wikipédia: acessado em 03 de dezembro de 2014.
97

som. Isso é bonito, você tem de tocar assim”, mas como fazer isso eu realmente nunca tinha
parado para pensar.

Você acha que esse tipo de conhecimento seria relevante no estudo do seu
instrumento, o trompete?

Sim, eu acho que é relevante, porque é aquilo que eu falei: eu peço para eles fazerem,
mas não tem nenhuma técnica envolvida no caso. Mas o que eu falo é, por exemplo, tocar
nota longa, tentar pensar nessa nota a mais pura possível e aí, quando estiver fazendo escala,
fazer a mesma coisa: pensar nas escalas como se fosse música.

E você lembra, nessa fase de aprendizado, o que era disso (se é que era dito) sobre
sonoridade?

Ninguém falava nada. A única coisa que a gente procurava era imitar e isso também é
interessante. Tinham dois trompetistas que a gente conhecia na época: era o Rafael Méndez92
(um mexicano que morava nos Estados Unidos) e o Maurice André. O nosso ideal de som (na
época que eu estava lá em Marília) era o Maurice André, imitar o Maurice André.

Mas, além de não ser falado nada, não era também atribuído nenhum grau de
importância ao estudo de sonoridade?

Não...não, era realmente a coisa da técnica mesmo.

Você encontrou alguma semelhança entre o ensino musical daqui e nos Estados
Unidos, por exemplo, em relação a essa coisa do trabalho de sonoridade? Você acha que nos
Estados Unidos eles tratam isso (a sonoridade) da mesma forma que nós tratamos aqui?

Não, eles dão muito mais importância.

De que forma?

Não tinha um método, era somente o tempo todo “Olha o som, olha o som, não está
bonito! Está feio, o som está metálico. (Faça) mais redondo, mais escuro!”. A gente ouvia
muito isso, aquela coisa do fat sound que eles falavam, aquela coisa da pureza...

Era mais uma questão de percepção...

De percepção...

92
Rafael Méndez (Jiquilpan, Março 26, 1906 - 15 de setembro de 1981) foi um virtuoso trompetista mexicano.
Sua gravação mais famoso, Moto Perpetuo, foi escrita no século XVIII por Niccolo Paganini para o violino. Para
tocar esta peça, Méndez combinou as técnicas da "linguagem dupla" de forma continua por mais de 4 minutos,
enquanto a respiração circular dava a ilusão de não respirar durante a execução. De 1950 a 1975, Méndez se
tornou um solista em tempo integral, chegando a marca de 125 apresentações por ano. Ele também permaneceu
trabalhando de forma ativa nos estúdios de gravação, com muitas dessas gravações disponíveis em CD. Méndez
era lendário pela sua sonoridade, o âmbito de suas notas e sua técnica. Seu modo de tocar ficou caracterizado
pelos tons vibrantes, amplo e rápido vibrato e articulações rápidas e limpas. Seu repertório era uma mistura do
clássico, popular, jazz e música mariachi mexicana. Méndez também contribuiu com vários arranjos e
composições originais para o repertório do trompete. Sua Scherzo in D minor é frequentemente ouvida em
recitais e foi gravada por David Hickman.
98

Mas não existiam dados técnicos...

Era mesmo só de prestar atenção e de...

E eles usavam os mesmos livros que se usava aqui?

Sim! Isso era a mesma coisa.

E quais eram?

O Arban (que é o básico); o Théo Charlier 93 que são aqueles 36 estudos


transcendentais; o Goldman94; Marcel Bitsch95; Verne Reynolds, que escreveu (um livro) para
trompistas e aí fizeram a transcrição para trompetistas; o próprio Kopprasch96 que também era
para trompista e fez uma transcrição para trompete; um que chama Maxime Alphonse97 que
também é para trompa e fez transcrição para trompete. Esses métodos são todos dificílimos,
estão no topo (da dificuldade de execução), além de Bozza98 e Tomasi99. Então basicamente
são esses...Caffarelli100, que é aquele italiano.

Que são bem equivalentes aos que você usava aqui...

É, são basicamente os mesmos métodos.

Perfeito. Acabamos, muito obrigado!

De nada.


93
36 Etudes Transcendantes
94
Practical Studies for the Trumpet composto por Edwin Franko Goldman (1878-1956). Editado por Edwin
Franko Goldman para trompete solo. Publicado por Carl Fischer (CF.O243).
95
Vingt Étude de Marcel Bitsch (1954). Editado por R. Sabarich. Publicado por Alphonse Leduc (Paris).
96
Sixty Selected Studies for Horn (1833). Publicado por Breitkopt & Hartel.
97
200 Études nouvelles mélodiques et progressives pour cor de Maxime Alphonse (1920, 21 e 22). Publicado
por Alphonse Leduc (Paris).
98
Eugène Bozza.
99
Six Études por Trompette de Henri Tomasi (1955). Publicado por Alphonse Leduc (Paris).
100
100 Studi Melodici de Reginaldo Caffarelli (1986). Publicado por Ricordi.
99

Daniel Salles D’Alcântara Pereira

Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Daniel Salles D’Alcântara
Pereira em 2014. A veiculação e divulgação desta entrevista foi autorizada pelo
entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.

Como os livros que tratavam do estudo da sonoridade chegaram até você?

Acredito que os músicos começaram a ter acesso a material importado por volta do
final da década de 60 e começo da década de 70. Até então era um mistério. Um ouvia falar
de uma coisa, alguém conseguia traduzir um trecho de uma fotocópia e ouvi meu pai
comentar bastante a respeito disso.
Existia a duvida da respiração para os instrumentos de sopro, eles não sabiam o que
era o diafragma, não tinham essa noção e então as vezes faziam mais força do que o
necessário. Em detrimento disso acabavam prejudicando a embocadura e uma série de outras
coisas, mas eu me lembro que a partir do final da década de 60 começaram a surgir métodos
como o Louis Maggio, o Claude Gordon e o Eby’s.
A partir da década de 70 meu pai começou a viajar por conta das turnês internacionais
com o Roberto Carlos e começou a trazer esses métodos que não eram encontrados aqui no
Brasil. Houve então um movimento para a tradução desse material.
Ele trouxe também o livro do Carmine Caruso, todos métodos calistênicos
direcionados a sonoridade, a resistência e ao controle do ar. Há também o livro do James
Stamp, todos livros que vieram nessa leva de material trazidos a partir do final da década de
70.

Pelo que você me disse até aqui, esses autores se dedicavam a técnicas para
sonoridade no trompete. Você poderia descrever quais eram essas técnicas?

O Louis Maggio usava a nota pedal como referência para a proporção de quanto você
sobe ou desce, usando notas que não eram da extensão do instrumento. Ele propõe que as
notas graves (pedais) sejam tocadas com a mesma abertura de lábio usada nas notas agudas, o
que exige um controle da emissão do ar muito maior.

Ele dava informações detalhadas do que estava envolvido nesse controle de ar?

Existe toda uma ciência que ele explica no método. Ele fala da tomada de ar, da
respiração, da postura, das vogais que usamos para tocar na região grave e nos agudos e da
velocidade do ar. Todas essas coisas estão descritas no método.

Ele descreve de onde foram tiradas essas informações?

Eu não me lembro exatamente, mas isso é fácil de descobrir. O método do James


Stamp é baseado no trabalho do Maggio. Porém, ele é mais moderno, mas também trabalha
com nota pedal, com controle de ar e todas essas coisas.
100

Você lembra de ter lido ou visto em algum lugar quais seriam as origens de todas
essas técnicas?

Eu não tenho certeza disso. O Maggio talvez tenha sido um dos precursores desse tipo
de trabalho. Estudava-se muito a parte técnica do instrumento, com exercícios, escalas,
arpejos, diferentes tipos de articulação, notas longas, mas algo direcionado a isso eu acredito
com quase toda certeza que o Louis Maggio tenha sido o primeiro a fazer.

Quando você acha que os músicos brasileiros passaram a ter acesso a esses conceitos
de sonoridade que me parecem ser relevantes para os trompetistas?

Na realidade os trompetistas até uma certa época, principalmente da escola popular,


focavam em ter resistência e extensão. Eles tinham de tocar um baile de quatro horas e tinham
de ter tessitura. Por isso que o método do Louis Maggio e métodos como o Caruso – que
trabalhavam a resistência – foram muito assimilados.
Mas eu acredito que a real assimilação desse material veio da minha geração para
frente porque todo mundo pesquisou, todo mundo fomentou e se deu bem ou mal. Foi da
década de 90 para frente que surgiram os resultados mais efetivos, com trompetistas com
melhor tessitura e sonoridade. Isso foi gradativo, mas hoje em dia temos uma escola muito
mais sólida e músicos tocando sem esse tipo de preocupação. Existem outros problemas, mas
essa preocupação do domínio de controle de ar e de sonoridade está muito mais resolvido do
que era antes dessa geração. Claro que estou falando do Brasil e, de forma mais específica de
São Paulo, que é onde vivo e onde acompanho o cenário musical a mais de trinta anos.

Podemos então dizer que até a década de 80 os músicos, e de uma maneira mais
direta os trompetistas, tinham acesso a um material que era restrito em vários sentidos, fosse
pela acessibilidade ou pelo entendimento?

Sim, mas pelo menos já tínhamos acesso a esses materiais. Eu tenho a sensação que a
partir da década de 90 essa escola foi se solidificando, tirando tabus, deixando tudo mais
natural.

O que é ser mais natural para você?

Para mim ser natural é você ter o maior rendimento com o menor esforço. Esforço no
sentido de força, de tensão, de ter mais controle do que você toca e dos pontos básicos. Por
exemplo, eu acredito que todo trompetista tem de ter três pilares básicos: o controle de ar, que
envolve a respiração e o controle de ar...

Você viu isso nos livros? Poderia descrever melhor isso?

Eu penso que os instrumentistas de sopro têm de respirar de uma maneira natural,


precisa inspirar a quantidade de ar necessária para tocar aquela frase ou aquele período
musical e ter controle daquela inspiração do começo ao fim. Isso pode ocorrer em toda a
extensão do instrumento.
Eu tento passar para os meus alunos que eles devem pegar o ar necessário inspirando e
expirando de maneira relaxada, de acordo com o que a música ou aquele trecho precisa. Isso
tem de ficar automático, tem de ser natural, assim como quando dirigimos. Nós fazemos
milhares de movimentos e não pensamos neles enquanto dirigimos. Os pilares como eu dizia
seriam o controle do ar, a flexibilidade e as articulações e, quanto a isso, tenho certeza
101

absoluta que quanto menos interrompemos o ar enquanto articulamos nosso rendimento é


melhor. Quando nós usamos mais o ar do que a língua – não estou falando que não devemos
usa-la, mas ela é usada de uma maneira muito mais suave, mais leve e mais natural – o
rendimento é melhor.
O instrumentista que melhor resolve cada um daqueles pilares fará uma música de
melhor qualidade e com maior facilidade. Esse músico não precisará fazer tanto esforço, vai
conseguir estudar mais e terá um melhor desempenho de uma forma geral.

Voltando a questão da respiração, saberia me dizer se em algum dos livros que você
citou existe qualquer menção sobre técnicas envolvidas nesse processo?

Eu cheguei a essa conclusão através da observação, mas eu acho que essa informação
possa existir em algum método, principalmente nos métodos mais recentes. Eu noto que
minha performance melhorou muito tocando com instrumentistas que respiram de maneira
correta. Posso citar como exemplo o Junior Galante.
Ele é um trompetista que obviamente estudou, mas ele tem uma maneira que me
parece ser muito natural de tocar. As qualidades que ele tem não me parecem ser fruto de um
estudo específico, mas de uma assimilação. Tocar com ele por tantos anos me fez – não de
maneira instintiva – respirar junto, timbrar da mesma maneira e isso fez melhorar o meu
desempenho. Eu percebi que ele não faz força tocando e que respira de uma maneira muito
natural.
Outra coisa: em muitos dos trabalhos que fiz toquei com cozinhas 101 que estavam
amplificadas e eu estava sem microfone. O que acontece? Para se fazer ouvir você precisa
arranjar um jeito de tocar e não cansar. Através da respiração mais natural, da garganta livre,
do som com ar quente (que deixa a garganta relaxada), o ar passa mais naturalmente, fica
mais cheio e a parede do instrumento se completa através do ar. Eu procurei achar o meu som
para conseguir tocar os trabalhos que eu me propus a fazer.

Quanto ao posicionamento da garganta, você leu a respeito disso em algum lugar ou


foi algo assimilado também através da observação?

Foi um pouco das suas coisas. Na realidade, eu sempre procurei entender o porque
daquilo. As vezes as pessoas diziam que eu precisava tocar com ar quente, mas eu me
perguntava o porque disso. Daí em ficava na minha casa jogando ar quente e frio nas mãos.
Qual seria a diferença?
Você abre a garganta quando faz o ar quente e sua passagem fica mais livre. As
sílabas “Rá" e “Ró" fazem primeiramente com que você solte o ar de forma mais tranquila,
relaxada e regular. Existem outros conceitos, por exemplo, não de notas longas, mas de frases
longas. Você começa e termina as frases tentando manter o mesmo volume de som e a mesma
quantidade de ar. Quem desenvolveu esses estudos foi um ex-músico da Chicago Symphony
chamado Vincent Cichowicz e são direcionados ao controle do ar e respiração.


101
A seção rítmica, chamada popularmente no Brasil de cozinha, designa um grupo de instrumentos musicais,
comumente dois ou três instrumentos, especialmente responsáveis pelo pulso rítmico da parte musical a ser
executada e também o acompanhamento das partes musicais. O termo também faz referência aos instrumentos
que pertencem a este grupo (seção). Fonte: Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Seção_r%C3%ADtmica).
Acessado em 24 de agosto de 2016.
102

Eduardo Pecci (Lambari)

Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Eduardo Pecci na cidade de
Atibaia em 8 de dezembro de 2014. A veiculação e divulgação desta entrevista foi
autorizada pelo entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.

Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?

Muito bem, eu iniciei com meu pai como professor. Então, sem dúvida nenhuma, era
método e a parte teórica. Na parte de solfejo era mais cobrada, por exemplo, valor de notas,
transposição em clave de Sol e clave de Fá, alguma orientação sobre a clave de Dó, mas na
verdade meu pai exigia de mim um método para o instrumento de saxofone (ou do clarinete,
que foram os dois instrumentos que ele pode me orientar) e que eu trabalhasse bastante
aqueles métodos que um dia poderia dar um resultado positivo e assim foi meu começo.

Como era visto o estudo da música?

Bem, eu tinha por volta de oito para nove anos de idade, era muito garotinho e não
tinha uma consciência do que vinha pela frente, mas eu percebia sim o interesse de alguns
amiguinhos com a mesma idade que gostariam de aprender algum instrumento, mas moleques
e a gente saia para jogar bola. Vinha do colégio, ia jogar bola, aí eu ia fazer meus estudos e
coincidentemente, e essa pergunta é interessante, porque alguns gostavam até de entrar em
casa, assistir eu estudar os métodos e eram métodos técnicos - sem dúvida nenhuma, o
Klosè102.
Mais tarde, com o clarinete, vim a tomar conhecimento de outros métodos e trabalhei
por um período o método do meu próprio pai, Domingos Pecci. Estudei alguma coisa dele que
era até um pouco mais simples do que o Klosè, mas ele fez com que eu lesse aquele método
também para desenvolver, para tocar. Ele me punha para tocar, e por outro lado, ele também
tinha o capricho de escrever alguma música que estivesse em paradas de sucesso, nas rádios
na época. Ele escrevia para que eu tocasse ou algum standard americano que eles conheciam,
porque eu sou irmão de músico também (mais velho do que eu) e o meu irmão sempre trazia
alguma novidade em disco - ele cuidava desse lado - e com isso meu pai então as vezes tirava
alguma coisa desses discos para que eu tocasse aquelas músicas americanas, assimilasse
também um estilo fora do brasileiro.

Então de certa forma nós acabamos voltando nessa pergunta que eu acabei de fazer
que seria “como você aprendeu?” Então na realidade, tinha esse outro lado...

Tinha também, o lado prático.

Além do livro do seu pai, que o próprio senhor Domingos escreveu, também existia
essa coisa das transcrições de música para que você tocasse...

Exatamente.


102
Hyancinthe Klosè foi professor do Conservatório de Paris , compositor e clarinetista na França, tendo
desenvolvido o sistema de chaves para o clarinete que viria a ficar conhecido como Clarinet de Boehm.
103

Muito bom...

Isso ajudava muito.

Como era visto o músico popular pela sociedade nessa época?

É uma boa pergunta. No meu caso, eu já namorando (já com dezessete ou dezoito
anos), muitos aconselhavam minha namorada a largar de mim porque eu seria um viciado em
bebida ou em drogas. Porque era músico ou seria músico. Então, tinha esse preconceito, mas
isso aí com o tempo nós damos um drible em todos eles e mostramos que eles estavam
errados.
E aí, é você se dedicar àquilo que você gosta e levar com seriedade, profissionalmente.
Quando se chega lá, isso desenvolve uma cultura, uma educação na qual ninguém vai
interferir.
Já aos doze anos - aí então eu também estudava clarinete - e uma colega do meu pai
que trabalhava na rádio, na Rádio Bandeirantes para ser mais exato, soube de uma orquestra
juvenil e sugeriu ao meu pai que ele me levasse lá para fazer um teste para entrar como
clarinetista. Lá fui eu para a Orquestra Sinfônica do Museu de Artes de São Paulo que na
época ficava na Rua Sete de Abril [...], no décimo quinto andar de um prédio que hoje eu não
lembro o número. Existia um jornal nesse prédio103 e nós íamos para o décimo quinto andar,
lá tinha uma ampla sala com uma orquestra sinfônica de jovens. Dessa orquestra, e não sei se
estou antecipando alguma coisa, saíram alguns colegas que foram para a Orquestra Sinfônica
Municipal e alguns que se tornaram maestros. Posso citar Rogério Duprat, Leonardo
Federowisk e Isaac Karabtchevsky, que foram meus companheiros de orquestra juvenil e
talvez tenha mais algum que eu não esteja lembrando.

Você lembra o nome da orquestra juvenil?

Orquestra Juvenil do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP). Toquei ali até
me tornar adulto, um músico profissional e ali, um dia, eu comecei a participar também de um
quinteto de sopros extraído dessa mesma orquestra, composto de clarinete, flauta, trompa,
fagote e oboé. O Karabtchevsky pertenceu a esse grupo também, mas ele saiu rápido, porque
o interesse dele era regência. Nós nos apresentávamos nesse período, não me lembro em que
época, e esse quinteto já estava até bem desenvolto. Quem nos conduzia era o professor
maestro Walter Bianchi, que era oboísta da Orquestra Municipal e de outras orquestras e ele
um dia falou para mim: “Olha, está sendo organizado um noneto no Theatro Municipal” -
seria por uma semana, um trabalho passageiro - e você pode participar, assim como algum
colega meu do mesmo quinteto pôde participar também. Quem foi para lá como primeiro
clarinete foi uma pessoa fantástica que eu conheci chamada José Botelho.
O Botelho gostou do meu trabalho, como um elemento amador (eu devia ter uns
quinze anos, dezesseis talvez), ligou para o meu pai e falou assim: “Eu quero esse rapaz como
meu aluno” e me deixou num nível bem superior, porque ele era um concertista, um
catedrático no seu instrumento. Meu pai era um clarinetista de música popular, mais ainda
saxofonista como músico popular e tocava clarinete como um complemento. O Botelho era
um clarinetista clássico, concertista, fazia seus recitais por onde o contratassem e ele foi uma
pessoa muito importante para mim, sem dúvida nenhuma.

103
Sede dos Diários Associados, empresa fundada por Assis Chateaubriand e que, no seu auge, em todo o Brasil,
36 jornais, 18 revistas, 36 rádios e 18 emissoras de televisão, além de bater recordes de tiragem com O Cruzeiro.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Diários_Associados acessado em 14/02/2015.
104

Quais eram as atribuições do músico? Dava aulas, compunha, tocava ou


participavam de bandas? O que era usualmente atribuído como função de um músico
popular?

Certo. Eu comentei até agora o meu ingresso na sinfônica juvenil, mas eu acabei
perdendo o concurso do Theatro Municipal mais tarde [...]. Então, o prazer do meu pai (que
foi meu principal professor) era me ver numa orquestra sinfônica pelo meu desenvolvimento
como clarinetista, mas eu vi que perdi a vaga e na época só existia a Orquestra Sinfônica do
(Theatro) Municipal (de São Paulo) e a orquestra sinfônica da Rádio Gazeta que até então já
estava completa.
Então, peguei meu sax-tenor, fui para a Praça da Sé e fiquei um pouco mais de um ano
numa orquestra coordenada pelo Orlando Ferri e que era conduzida pelo filho dele, José
Roberto Ferri. Fiquei fazendo baile nessa orquestra por um ano.
Quando terminou esse ano eu resolvi dar uma parada e, parece incrível, no mês
seguinte Silvio Mazzuca me chamou para sua orquestra. Era a orquestra de maior sucesso
naquela época! Eu já havia feito alguns cachês no lugar do meu pai, no lugar do Bolão104 -
fantástico Bolão. Meu irmão era baritonista dessa orquestra e meu pai (tocava sax-) alto e eu
acabei naquele ano todo substituindo (os saxofonistas durante suas) férias daqueles que
tocavam (sax) tenor ou alto.
Parece que eu fui bem e então quando aconteceu do Mazzuca renovar a orquestra,
devido a dispensa da orquestra pela (Rádio) Bandeirantes por falta de patrocínio, aconteceu
uma coisa que pouca gente sabe: a orquestra do Silvio Mazzuca, que era uma das melhores do
país como orquestra de baile e shows, recebeu uma ligação de dois elementos, diretores da
Columbia do Brasil: “Silvio Mazzuca, olha, você vai gravar uma música aqui que será
sucesso” e ele sem dúvida falou “mas, nós dispensamos a orquestra. Eu não tenho mais
orquestra”. (Os diretores disseram): “Não, mas vai ter! Você vai gravar e depois quem sabe
refaz a orquestra”.
O contratado da Columbia era um elemento fixo na gravadora chamado José Ribamar,
tocando sax-tenor, e o outro era o José Ferreira Godinho105, um camarada conhecido como
Casé, um dos maiores saxofonista que eu já conheci.
Muito bem, eles realmente gravaram e depois de uma semana do lançamento do disco
começaram a chover pessoas procurando pelo Silvio Mazzuca. Queriam a orquestra para tocar
em bailes, em clubes ou em formaturas e ele falou “E agora, como eu faço?”, porque alguns
elementos - como ele tinha dissolvido a orquestra na Bandeirantes - saíram da orquestra. O
Bolão saiu e outros saíram, então ele me ligou e falou assim “Olha, vem aqui na rádio porque
tem um programa hoje e eu gostaria que você fizesse”. “Está bem, eu vou! Ganhar um cachê”.
Cheguei lá, ele me chamou na sala dele e falou: “De hoje em diante você é músico
meu. Estou te contratando”. Me ofereceu um dinheiro que fiquei até assustado, não pelo
dinheiro, mas porque eu não me achava capaz de trabalhar na orquestra do Silvio Mazzuca até
então. Eu precisaria me preparar um pouco melhor como saxofonista. Mas falou assim “Não,


104
Isidoro Longano (1925 - 2005).
105
José Ferreira Godinho Filho, o Casé, nasceu em 26 de junho de 1932, em Guaxupé, Minas Gerais: pai e mãe
músicos, um irmão trompetista e três irmãos saxofonistas. Aos 10 anos, já tocava bateria com o pai; dois anos
depois, soprava saxofone e clarineta em bailes na Usina Junqueira, perto de Ribeirão Preto, São Paulo. Casé fez
de tudo numa carreira de rápida ascensão: tocou sob a lona de circos e em salões de baile; nas orquestras de
rádio em programas de auditório e no ar enfumaçado dos “inferninhos” dos anos 1950. Aos 21 anos, excursionou
pelo Oriente Médio e pela Europa. E encontrava ainda tempo para estudar harmonia, durante dois anos, com o
maestro erudito Hans-Joachim Koellreutter, o monstro-sagrado da música de vanguarda no Brasil.
105

não. Toda a responsabilidade é minha, se houver qualquer engano ou equívoco, a


responsabilidade é minha e sobe que o programa vai começar, o ensaio vai começar e são dois
saxofonistas somente. Serão você e o Casé que está estreando hoje”.
Eu fui para o palco ensaiar, pela primeira vez tive a oportunidade de trabalhar com o
Casé e por ali ficamos durante alguns bons anos. Depois, no percurso desse trabalho, eu
acabei ficando no lugar do Casé. Para mim foi um presente muito grande e eu estou citando o
Silvio Mazzuca porque ele foi sem dúvida um verdadeiro pai para mim.

Basicamente podemos dizer que nessa época o usual para o músico popular era
participar das bandas que, eu imagino haviam vários tamanhos e em muitas formações...

Muitas, muitas.

Muitas e as formações...

Algumas eram diferenciadas.

Mas basicamente era isso?

Era sim. Eram saxofones, trompetes e trombones, uma base rítmica e cantores que
usavam em shows ou em bailes. Existiam muitas orquestras.
É claro que existia na época um encontro que era feito na Praça da Sé, que foi onde eu
comecei fazendo os bailes com o José Roberto Ferri - que eu agradeço muito a oportunidade
que o pai dele me deu, o Orlando Ferri - e isso é inesquecível. Eu aprendi bastante com os
colegas que lá trabalhavam, isso me ajudou muito. Tanto é que tive a oportunidade do
Mazzuca me deixar na orquestra dele, depois de alguns anos eu passei a tocar sax-alto e, por
sorte minha, imposto pelo Casé.

Lambari, as gravações já aconteciam nessa época?

Sim, já tinha e depois de muito pouco tempo...enfim, eu já estando na orquestra do


Silvio Mazzuca, dessa época para frente, eu estou dizendo de 1958...

Isso era outra coisa que eu iria perguntar. Isso aconteceu mais ou menos na década
de 50...

50. No final da década de 50 eu fui para a orquestra do Mazzuca, mas já [...] em 1956,
1957 estava por ali fazendo alguns cachês com dezesseis ou dezessete anos.

E sendo um pouco mais específico...então nós poderíamos dizer que no final da


década de 50, e já entrando pela década de 60, o que era realmente o forte das atribuições de
um músico popular era tocar e, quando falamos em tocar, podemos dizer que seriam as
participações em orquestras (que hoje em dia são as big-bands) e em gravações. Basicamente
isso Lambari?

Exatamente. Tinha um grupo de músicos que eram considerados especialistas em


estúdio. Então, músicos da orquestra do Silvio Mazzuca, músicos da orquestra do Osmar
106

Milani, do Luís Arruda Paes e Valdemiro Lemke e do Pocho106, maestro Pocho [...], porque as
gravações aconteciam diariamente da hora que os estúdios abriam (por volta de oito horas da
manhã) e se misturavam com gravações de propaganda - gravações de jingles e música
popular acompanhando cantores - tudo gravado com orquestras, inclusive orquestra de cordas.
Nós fazíamos a base com a orquestra de sopros, metais e etc, e depois vinham as
cordas (violino, viola e violoncelo) [...] e era o dia todo. Muitas vezes não se voltava para
casa, você saia de um estúdio para o outro. [...] E nos finais de semana...bailes, shows,
viagens e assim foram se somando os shows nacionais e internacionais que eram feitos
paralelamente.

Lambari, mudando um pouco, nós falamos de trabalho até aqui e agora vamos falar
de estudo. Você se lembra ou tem conhecimento de alguma rotina de estudos feita de forma
específica para o estudo da sonoridade?

Bem, a primeira resposta é simples: trabalhar notas longas, agora de que forma fazer
essas notas longas é que é o grande segredo para você desenvolver uma qualidade de som,
com um certo volume e que você possa trabalhar afinado. Então existem uma série de
técnicas, que alguns modificam um pouco, dando um resultado também positivo, porque é
muito difícil você “ingressar” na boca de um colega. Para um aluno, você o orienta
verbalmente e ele deverá assimilar aquilo que você faz.
Então você fala “respira bem com o nariz e a boca”, respirando o melhor que puder e
impulsiona o ar com o diafragma sem ajustar muito a boca, sem apertar a boca.
Use uma palheta equilibrada, uma boquilha condizente com o seu objetivo...então tudo
isso leva algum tempo. Não é que você vá fazer isso hoje e amanhã vai sair tocando como
tocou em Cannonball Adderley107 , como tocou um José Ferreira Godinho (Casé) e tantos
outros. [...]

Lambari, o que era dito nessa época a respeito de sonoridade? E mais ainda, qual era
a importância atribuída a sonoridade?

Eu acho que eu peguei uma época de transformação, porque veja bem, ouvíamos
saxofonistas fantásticos norte-americanos - e nós estamos falando vez ou outra no Casé - ele
também influenciado por aquela linha de som “miúdo”, eles tinham um som miúdo. Então
vamos lembrar, para quem ler essa entrevista e já ouviu Paul Desmond108...aquele som! Lee
Konitz109...aquele som, um som miúdo, mas de repente de Charlie Parker para cá (juntamente
com) Cannonball essa coisa mudou. Phil Woods110 também adotou uma qualidade mais clara
para o som do saxofone.
Então aí vem a interferência do músico, da própria boquilha e palheta que ele usa.
Existem músicos que não se adaptam a palheta média, ele quer uma palheta dura, então ele
acaba ficando com uma sonoridade um pouco pesada [...], ele pode ser ótimo músico [...], mas


106
Ruben Perez.
107
Julian Edwin “Cannonball” Adderley, saxofonista norte-americano. Biografia completa no site
http://www.cannonball-adderley.com/bio2.htm. Acessado em 23 de agosto de 2015.
108
Paul Emil Breitenfeld, saxofonista norte-americano. Biografia completa em http://www.puredesmond.ca.
Acessado em 23 de agosto de 2015.
109
Lee Konitz é um compositor e saxofonista norte-americano do estilo coll e post-bop.
110
Philip Wells Woods, saxofonista norte-americano. Biografia completa no site
http://www.philwoods.com/Biography.html. Acessado em 04 de março de 2015.
107

o som dele acaba ficando um pouco diferente do que foi “atualizado” na época. Talvez eu
tenha pego exatamente essa transformação da pesquisa com boquilhas e com palhetas. [...]

Então nós poderíamos dizer que você vivenciou uma época onde de fato a sonoridade
já era algo relevante, haviam pesquisas e as pesquisas eram torno disso: de material, de
buscar como isso deveria ser usado. Você poderia falar um pouco disso?

Foi exatamente o que você comentou, porque muitos músicos sopravam com a
garganta e procuravam ter uma palheta dura para produzir som. Produzia, mas ele não tinha
expansão!
Isso foi sendo educado e nós começamos a perceber que você impulsionando o ar com
o teu corpo (como eu disse no início) respirando bem, enchendo o corpo de ar pela boca e
pelo nariz, você tem o corpo cheio, impulsionando com o diafragma e jogando ele para cima
para o ar vir em direção ao instrumento.
Você vê que existem trompetistas que penduram o instrumento do teto [...], colocam o
braço para traz e tocam trompete. Então como é isso? Ele tem uma qualidade de emissão
perfeita! Se ele podia não pegar o instrumento na mão, um trompete, e produzir um som de
qualidade, porque nós com o saxofone não poderíamos, se podemos inclusive apoiar o
saxofone para dentro dos lábios. Foi se descobrindo que a impulsão era melhor feita pelo
corpo, impulsionando o diafragma.

Em que época isso aconteceu Lambari?

Olha, eu acho que já estávamos entrando de sessenta para setenta, foi uma época em
que o pessoal foi se adaptando a isso.

Lambari, vocês usavam métodos? Caso usassem, esses livros ou métodos tinham essas
informações a respeito da sonoridade?

A conversação, a especulação. Eu vou até dizer para você quem esclareceu isso
melhor para mim: uma professora de flauta (chamada) Grace Lauren. Ela é americana e eu
estudei flauta. Toquei flauta durante muitos anos e foi ela que esclareceu o que eu já estava
começando a fazer realmente. Houve uma cobrança em São Paulo e no Rio (de Janeiro) na
década de sessenta para os saxofonistas tocarem flauta por causa da bossa nova.
Quando surgiu a bossa nova diversos arranjadores queriam escrever para naipes de
flautas para tocar bossa nova e samba e os flautistas eruditos não tinham essa habilidade.
Existiam poucos flautistas que tocavam saxofone e vice e versa. Posso citar alguns: Demétrios
Lima, o Renato Mazzola que era um saxofonista tenor que foi para o México e lá ficou, ou
seja, existiam uns dois ou três. Já havia também o Hector Costita, que estava no Brasil nessa
época, mas como eu já disse nesta entrevista, nós tínhamos gravações dia e noite. Com a
bossa nova, como os arregimentadores e os orquestradores iriam escrever para quatro flautas
gravarem nesse, naquele e naquele outro estúdio? Ou mesmo para duas flautas, se não haviam
flautistas populares? Por isso, os saxofonistas resolveram se dedicar ao estudo da flauta e foi
quando eu estudei com a Grace Lauren.

Foi então através da Grace Lauren que você teve acesso a todos esses conceitos
ligados a sonoridade?
108

No meu caso sim. Mas o Bolão, por exemplo, foi aluno do João Carrasqueira111, que já
fazia isso também com perfeição.

Lambari, você não tem notícias do uso de livros ou métodos? Pelo que disse, era uma
transmissão oral e, com a necessidade do aprendizado da flauta pelos saxofonistas, através
de uma flautista...

No meu caso foi isso, embora como eu tive a felicidade de trabalhar com um colega
chamado Casé, eu já via que a qualidade do som dele era diferente. Tanto é que me aproximei
daquela qualidade sem ter consciência do que eu estava fazendo, mas modéstia a parte, eu já
fazia o que a Grace Lauren me passou mais tarde. Ela somente me esclareceu quais técnicas
eu já usava através da intuição, captando o que o colega usava.

Você se lembra se nessa época existia alguma escola de música dedicada


exclusivamente ao ensino da música popular?

Honestamente, não me lembro. Podia até ter, mas eu não conhecia. Sabe o que
acontecia? Eu não saia dos estúdios. Como é que eu ia ver escolas?

Você acha que isso acontecia somente com você ou era o padrão?

Era o padrão daqueles músicos que tinham uma qualidade privilegiada, tanto é que
existia um rodízio. Eram vários estúdios e era impossível a mesma pessoa estar em dois
lugares. Os arregimentadores se preocupavam então em ter aqueles que realmente tinham
condições de participar das gravações nesse estúdio ou no outro. O aprendizado era na prática.

Então como se aprendia?

Tocando. Uma coisa que eu vejo, e claro que eu me calo, mas hoje existem as
faculdades – e eu apoio, eu acho muito interessante. Mas, por exemplo, um músico que já é
profissional e vai fazer uma faculdade merece uma nota dez, porque ele já sabe como tocar.
Agora, se você entra numa escola para aprender somente teoria, exclusivamente teoria, vai
tocar o que? Teoria?
Meu pai dizia para eu ir para o conservatório, que era algo equivalente as faculdades
hoje em dia, e maestros diziam para meu pai me colocar em determinadas escolas. Mas o que
eu iria aprender?

111
João Dias Carrasqueira teve uma carreira semi-profissional até 1964, quando se aposentou de seu trabalho
como pintor de murais na São Paulo Railway e resolveu dedicar-se à música de tempo integral. Na área musical
seguiu três caminhos distintos, porém complementares: músico popular, músico de concerto e professor. Na
música popular, iniciou-se nas orquestras do cinema mudo, passou pelo rádio, chegou a formar um trio com
Garoto e o cantor Aymoré e participou de diversas orquestras e regionais do rádio, como o de Armandinho
Neves. Longe dos holofotes e dos discos, foi presença constante e requisitada nas noites de São Paulo. Nos
meios do choro foi conhecido como “Canarinho da Lapa”, em referência ao bairro onde morou durante grande
parte da vida. Como músico erudito, ainda na juventude, organizou uma pequena orquestra de concertos e um
grupo de músicos para apresentar operetas. Dedicou-se a divulgar o repertório clássico para a flauta, à época
bem pouco conhecido. Um marco nessa iniciativa foi a apresentação da obra completa de Mozart para flauta com
a Orquestra Sinfônica de Amadores de São Paulo. Fez o mesmo para a obra de flauta de Camargo Guarnieri,
acompanhado do compositor ao piano, mas João não se restringiu às formações amadoras; participou de
orquestras importantes, regidas por Villa-Lobos, Camargo Guarnieri e Eleazar de Carvalho. Em 1984, gravou
seu primeiro e único LP popular, ao lado da filha, a pianista Maria José Carrasqueira. Fonte: Músicos do Brasil
(http://musicosdobrasil.com.br/joao-carrasqueira). Acessado em 17 de agosto de 2016.
109

Iria aprender a história da música ou o que Schumann fez quando era garoto? Eu
queira pegar meu instrumento e tocar. Queira estudar meu instrumento, a técnica do
instrumento. Se eu fosse para a escola escrever o que eles falaram ou deixaram de falar eu não
iria tocar.

Mas existiam as escolas que cuidavam do ensino técnico do instrumento?

Talvez em algumas, mas não sei como funcionavam porque eu nunca frequentei.

Será que aquelas que existiam não estavam ligadas a linguagem erudita e não era
exatamente aquilo que você queria naquele momento?

Talvez houvesse uma mistura. Acho que uma mistura era algo possível. Eu não sei se
havia tanta gente preparada para ensinar. Era um pouco difícil, apesar que eu não fui
pesquisar ninguém, mas haviam escolas – e isso sim eu soube – que te vendiam um método
que não servia para nada, com um professor que o adotava e que continuava a vende-lo.
Eu usava métodos americanos e europeus e um pouco da prática da música popular
sempre dentro do possível. Agora usar um método que ensina flauta, clarinete, trompete e não
sei mais o que num mesmo método? Acho isso um pouco difícil.

Lambari, você acabou de dizer que usava métodos. Então você teve acesso a um
material que depois de um certo tempo passou a usar para dar aulas. Como esses livros
chegaram até você?

Isso demorou um pouco para acontecer, mas veio em forma de cópia. Foram alunos
que conseguiram para mim. Aliás, você me fez lembrar de uma coisa. Eu já estava dando aula
há algum tempo e um colega me disse que eu precisava dar ensinar uma pessoa que iria me
procurar. Eu disse que estava com meu quadro de horários completo, mas que iria fazer o
possível diante do pedido do colega.
Essa pessoa realmente apareceu para ter aulas comigo e ele havia voltado dos Estados
Unidos com toda a série do Joseph Viola. Eu achei aqueles métodos fantásticos e perguntei se
ele havia estudado aqueles livros. Ele me disse que não e que queria os estudar comigo. Eu
copiei todos os livros dele e dali em diante adotei os métodos do Joseph Viola e outros, como
o Lennie Niehaus, e pus isso em prática com aqueles que vinham estudar comigo. Além de
métodos técnicos, como o Klosè, que eu mantive.

Em que época isso ocorreu em quem foi esse rapaz?

Eu sinto muito, mas eu não sei o nome dele. Isso ocorreu quando eu estava dando aula
na escola do Célio (Escola Livre de Música Novo Tempo).

Já na década de 80?

Foi na década de 80, no Novo Tempo.

Nesses métodos e livros de ensino o que era prioritário? Qual era o foco principal
desses livros?

Não somente os livros, mas o professor também deve ficar atento para a limpeza
mecânica e técnica com a qual o aluno está manuseando o que está escrito ali.
110

Eram métodos que primeiro apresentavam diversas divisões rítmicas e que eram
depois inclusive inseridas em frases jazzísticas. Mas antes eram colocados arpejos, diferentes
tonalidades e escalas. Tudo isso importantíssimo para você poder tocar bem seu instrumento.

Lambari, você poderia dizer que tem conhecimento sobre todos os processos
envolvidos no estudo da sonoridade?

Eu diria que isso é quase que impossível. Porque veja bem, você vê um colega que
pôde-se aplaudir a qualidade do som, mas a qualidade do som dele nunca será igual à de outro
colega ou mesmo da minha. Isto tem haver com a personalidade dele, mas mesmo assim você
vai aplaudir porque ele toca com alto nível de qualidade, ele sabe tocar afinado, tocando de
forma limpa as notas que ali aparecem. Não existem um distúrbio qualquer na mecânica dele,
mas nós não temos o som um exatamente como o outro.
Tanto que se você ouve um bom naipe de saxofones tocando e parece que está se
ouvindo uma coisa só, um bloco. Mas se ouvirmos cada músico individualmente veremos que
um sax-tenor toca de um jeito e o outro sax-tenor de outro jeito. Cada um tem a sua
personalidade e é o que mais importa, dentro de um padrão de qualidade, do respeito com que
ele está lendo ou tocando se for o caso. Isso é importante porque acaba colaborando com o
naipe, com a banda e com o grupo que ele estiver tocando.
111

Maurício de Souza Roberto

Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Maurício de Souza Roberto
na Escola Municipal de Música de São Paulo (EMSP) em 2014. A veiculação e
divulgação desta entrevista foi autorizada pelo entrevistado tanto no formato impresso,
como no digital.

Quando você iniciou seus estudos na música, como você teve acesso as primeiras
informações sobre sonoridade?

Tudo começou na banda e tinha uma pessoa, que era o maestro Romilson e que não
era um expert em saxofone. Ele era trompetista e tinha noções de todos os instrumentos. Aí
ele me ensinou que eu deveria dobrar o lábio inferior, apoiar o dente na boquilha e soprar.
Foram as primeiras aulas que eu tive e produza som.
Eu nunca tive uma coisa assim específica de um saxofonista passando conhecimento e
a experiência. Praticamente foi minha única aula de saxofone com alguém.

Você conseguiria me descrever em que período você teve acesso às informações mais
corretas e com algum embasamento bibliográfico?

No começo da década de 80 eu tive mais contato com outros músicos, outros


saxofonistas tais como o Caca Malaquias, o Proveta, o Vinícius Dorin e então, era uma coisa
meio assim o Brasil sempre foi um “achismo”. “Eu acho que é isso, eu acho que é aquilo” e
quem acha não sabe de verdade. Naquela época você não tinha uma escola de saxofone. Você
tinha vários “achistas” vamos dizer assim e nós íamos tirando nossas próprias conclusões.
Em muitas conversas com o (Nailor Azevedo) Proveta, com o Caca (Malaquias) e com
o Vinícius (Dorin), cada um tinha uma concepção diferente do que é a embocadura do
saxofone, como é que se toca e com o passar do tempo eu fui vendo que não é nada mais do
que você ficar o mais natural possível com o instrumento. Não tem esse negócio de dobrar o
lábio para dentro da boca ou dobrar o lábio para fora. É o mais natural: como você está, põe o
instrumento na boca e põe o dente em cima da boquilha. Naturalmente, um pouco do lábio vai
entre a palheta e o dente inferior o que é uma coisa natural, até porque dá aquela espremidinha
ali e o resto são conclusões que cheguei tocando.
Depois eu vi alguns livros daquele Eby’s112, que é um livro para trompetistas onde ele
fala sobre respiração e exercícios respiratórios. Depois vi o livro daquele (...) Sigmund
Rachter (Sigur Manfred Raschèr113) onde ele fala de saxofones, uma coisa mais erudita.
Então, existem mesmo na literatura informações controvertidas. Uns falam uma coisa
e outros dizem outra. Eu acho que na verdade existem algumas escolas e não somente uma
maneira de fazer. Existem várias maneiras: tem algumas que funcionam mais para o erudito,
outras que funcionam mais para o popular.
Tudo depende de equipamento, formação fisiológica de cada um, algumas pessoas têm
diferentes formatos de garganta, de palato do céu da boca, arcada dentária, mesmo pulmonar e
diafragmática. Tudo isso influencia no som: as tensões musculares e
equipamentos...boquilhas.

112
Eby's Complete Scientific Method for Cornet and Trumpet (1926), de Walter M. Eby.
113
Saxofonista erudito.
112

Sobre o acesso a informação, você se lembra se existia alguma dificuldade na


obtenção dos materiais (livros ou métodos) ou com a língua em que eram escritos?

Eu me lembro de comentarem que sempre aparecia um material era uma cópia da


cópia da cópia de alguém que tinha vindo dos Estados Unidos e tinha trazido aquelas coisas,
mas nunca foi uma coisa que determinava de forma clara de que maneira deveria ser feito,
como era legal e como funcionava. Nunca tivemos isso.

Qual seria sua percepção sobre a forma como os livros (e métodos) americanos
tratavam a sonoridade? Você acha que esse tema era tratado de forma superficial?

Muito! Você lia o material de vários autores sobre o saxofone, franceses ou


americanos e muitas vezes as informações se confrontavam, eram controversas. Um dizia pau
e o outro dizia pedra. “Ah, faça isso e não faça aquilo”. O outro dizia “não faça isso e faça
aquilo”. Então, você fica sem ter alguém realmente em quem confiar. Você nunca tinha uma
informação precisa sobre a coisa. Aqui no Brasil, que eu acho que pode ser uma coisa legal, é
que as pessoas aprendiam fazendo.
Foi a partir de meados dos anos 80 que começou a haver com essa geração que está
agora, com esses músicos que eu citei (Nailor Azevedo Proveta, Caca Malaquias e o Vinicius
Dorin), a haver uma preocupação maior com esse negócio de sonoridade. De falar “faça nota
longa”, que era uma coisa que ninguém dizia.
Pegar e fazer, por exemplo, um estudo que eu uso muito até hoje que é o estudo do
Carmini Caruso, um ítalo-americano que desenvolveu estudos não só para sonoridade, mas
estudos para a respiração de uma maneira geral. Para você ampliar sua respiração, para você
fortalecer musculaturas que são necessárias para se ter um som bacana, um som constante,
firme e afinado.
Ele que começou a trabalhar com isso e aí chegaram com uma cópia da cópia da
cópia, onde existe o trabalho com as seis notas e a coisa vai evoluindo e foi aí que a gente
começou a pensar em fazer estudos de sonoridade, estudos de notas longas como se faz nos
Estados Unidos.
Mas ainda aqui no Brasil existe muita gente que não faz notas longas e para mim é
uma coisa essencial para você ter um som bacana, firme é você fazer notas longas de uma
maneira geral como um exercício preparatório para você começar a estudar e um exercício
também de manutenção.
Para você conseguir tocar com qualidade, com som firme, com som projetado até uma
longa idade, por que na realidade a gente está preparando a musculatura tanto para tocar agora
como daqui a alguns anos. Essa preocupação de sonoridade do instrumento é uma coisa que
veio mais da nossa geração, a geração dos “cinquentões”, vamos assim dizer.

Nós poderíamos então dizer que por volta da década de 80 começou a haver a
consciência, a pesquisa e o estudo de algo que de fato tinha haver com a sonoridade?

É.

Com formação de sonoridade?

Que eu me lembre, sim. Nós tínhamos um grupo de estudos e a gente discutia muito.
A pessoa que falava sobre respiração de uma maneira geral era o Carlos Alberto (Alcântara),
sobre o método Eby’s que é um método de trompete, mas que ele trata basicamente de
113

respiração e exercícios respiratórios na produção do som, que é uma coisa que te dá um


ganho. É uma maneira de como você soprar o instrumento, de como você respirar bacana,
encher o pulmão como eles dizem em três fases, ou seja, para baixo, para o lado e para cima,
ampliando sua capacidade respiratória e fazendo aquela coluna de ar constante.
A partir daí, nos meados da década de 80 para mim pelo menos, que as pessoas
começaram a falar mesmo dessa coisa de sonoridade. O (Nailor Azevedo) Proveta falava
muito disso, a gente praticava aqueles exercícios de oitava, estudos de tônica, quinta e oitava,
sempre em toda a extensão do instrumento, notas longas, as seis notas do Caruso (que é um
estudo que eu uso até hoje com meus alunos), e que dá um efeito.
A maneira de apoiar o diafragma, que todos têm dúvida e é uma coisa bem simples: é
só você tossir e por a mão aqui no abdômen e ver a contração que faz isso e então tentar tocar
com essa contração sempre. Esse na verdade é o apoio do diafragma. É o apoio dos músculos
abdominais, você dá aquela enrijecida e isso dá apoio no músculo diafragmático, que é um
músculo muito fraquinho. A gente só usa para respirar.
Então, isso são conclusões que tendo acesso a muita literatura específica, você vai
vendo que todos os pensamentos convergem para isso: a maneira de soprar o instrumento, o
apoio de dente na boquilha, o lábio inferior mais para dentro ou para fora. A conclusão que eu
cheguei é que deve ser o mais natural possível, fecha a boca e toca. Somente isso. Agora, isso
é tudo conclusivo mesmo. Não é nada definitivo, como você dizer “é assim porque o cara lá
falou que tem de ser assim”. É uma coisa que você chega a essas conclusões fazendo,
experimentando e que dão mais certo.
Eu acho que a partir de nós, dessa nossa geração, é que nós estamos conseguindo
estabelecer uma “escola” de como tocar o instrumento, do que fazer, com quais coisas nós
temos de nos preocupar mais, os cuidados. Antigamente não tinha muito disso, era toca aí,
está afinado, não está afinado, seu som está uma porcaria, seu som está bom. Era isso que se
dizia.

Você acha que na realidade nem existiam os “porquês” ou até se sabia, mas não se
sabia corrigir os problemas?

Isso, o material era ruim também. Nessa mesma época as vezes usavam-se boquilhas,
por exemplo, Claude Lakey para o saxofone alto e Bob Dukoff no saxofone tenor, que eram
boquilhas que tinham muito som, muita projeção como se dizia. Mas já existia uma corrente
de músicos que diziam que eram boquilhas mentirosas e hoje nós observamos que são
realmente assim. Elas te dão uma pseudo projeção e isso não é o interessante. É uma coisa
mais fácil de tocar num primeiro momento, mas que não dá um bom resultado, tanto é que
ninguém usa mais esse tipo de equipamento. Então, as pessoas usavam equipamentos ruins,
assim como instrumentos ruins.
A partir da década de 90 começou a surgir um movimento mais crescente de material.
Hoje, com a internet está uma gozação, uma brincadeira. Você tem acesso a qualquer tipo de
material, arranjos, métodos, tudo você tem pela internet. Os vídeos são referências porque
você vê os saxofonistas tocando, você observa como é que ele faz, a embocadura que ele usa,
como ele toca. Você pode ouvir a sonoridade de determinados músicos usando um saxofone
Conn antigo ou uma boquilha que não se sabe qual era ou uma Brilhart e isso é uma coisa
dessa geração, que desfruta da internet e que é muito legal. Isso é uma coisa que ocorreu a
partir de meados dos anos 2000, há dez anos vamos dizer.
Então, a coisa está meio que se universalizando, você não precisa mais ir aos Estados
Unidos, não precisa mais ir à Europa, hoje você tem tudo na sua casa se quiser. Basta você
praticar e ter disciplina e a maior conclusão disso tudo é: faça, experimente, toque, observe,
114

estude, faça notas longas e você vai chegar as suas próprias conclusões sobre o que funciona
melhor e sobre o que não funciona.

Me parece, num primeiro momento, que os flautistas e os trompetistas são os


instrumentistas que mais se preocupavam com a sonoridade. A pergunta é: você teria ideia
de onde surgiram essas técnicas de sonoridade? Você já ouviu ou leu alguma coisa sobre
isso?

A impressão que eu tenho, tendo lido bastante sobre técnica de flauta, que não existe
uma coisa definitiva. Existem músicos, por exemplo, como o James Galway114 que tem uma
sonoridade na flauta incrível e eu já ouvi relatos de outros músicos, inclusive um professore
aqui da própria escola, dizendo que ficou hospedado na casa de alguém em Nova York e que
essa pessoa hospedou o James Galway. Um dia ele chegou, entrou no prédio ouvindo aquele
som de flauta maravilhoso e foi subindo para o apartamento ouvindo aquele som lindo
Quando ele abriu a porta do apartamento estava o James Galmay estudando e era um som de
vento saindo junto com o som da flauta. Ele disse que ficou até negativamente impressionado
porque era tanto vento junto com o som, mas o som do cara é maravilhoso. Agora, segundo
esse amigo, quando você chega perto pode se ouvir um som de vento e é uma coisa particular
isso.
Em flauta existem muitos estudos para sonoridade, existem estudos de nota longa,
existem estudos de trinado, estudos de saltos de oitavas e de quintas.
Existe uma preocupação e os músicos eruditos se preocupam mais, por isso que
flautistas e trompetistas tem essa preocupação maior com a sonoridade pura, o que não ocorre
muito no saxofone, por ser um instrumento mais popular e muito vezes tratado com um certo
desprezo até por parte dos executantes. Acham que não precisa da sonoridade porque tem de
tocar e não é bem assim. Então, os flautistas e trompetistas são mais cuidadosos e elaboraram
métodos mais rigorosos justamente por isso, são muito expostos.
Nos métodos de clarinete e de oboé você sempre vê uma preocupação muito grande
com a sonoridade, em busca de uma sonoridade mais pura ou, como dizem os franceses, a
nota filé. Você faz estudos de piano crescendo e decrescendo para piano, crescendo para forte,
piano crescendo para forte, forte decrescendo para piano. A nota filé, aquela nota certinha,
bonita, sem arestas. Isso é um cuidado deles por conta até da própria música.
A música popular é uma coisa mais “tosca” vamos dizer. Muito barulho, todo mundo
tocando junto, então não se tinha muito cuidado com esse tipo de coisa e aqui no Brasil os
músicos eram acostumados a trabalhar.
Nas gerações passadas se fazia baile quase que todo dia, se gravava quase que todo
dia, tinha muito trabalho e então as pessoas não se preocupavam em estudar. Elas que
preocupavam em tocar e era o que se fazia. Pegava o instrumento para tocar. Agora, ter um
cuidado de trabalhar com notas e a sonoridade de uma maneira geral eram muito poucos,
tanto é que as pessoas que se preocupavam com isso viraram lendas, como o próprio Casé115.

114
Mundialmente conhecido como o intérprete supremo do repertório para flauta clássica, Sir James Galway é
um artista cujo apelo transcende todas as fronteiras musicais. Com mais de 30 milhões de gravações vendidas no
mundo todo, uma extensa turnê internacional, aparições frequentes na televisão, incansável promoção das artes e
seu trabalho apaixonado em educação musical, Galway tem sido um nome familiar por décadas. Suas
interpretações excepcionalmente expressivas da literatura da flauta abrangem uma vasta gama de gêneros.
Colaborou em trilhas sonoras de filmes como O Senhor dos Anéis, e em parcerias com artistas populares como
Stevie Wonder, Ray Charles, Joni Mitchell e Sir Elton John. A diversidade do repertório de Galway reflete sua
impressionante gama musical e tem servido para estabelecê-lo como um artista da mais alta estatura.
115
José Ferreira Godinho Filho (Guaxupé, Minas Gerais, 1932 - São Paulo, São Paulo, 1978). Saxofonista,
clarinetista, arranjador e compositor. Numa família de oito filhos, quase todos os irmãos tocam algum

115

Era um cara que estudava e eu ouvi uma história dando conta que ele estudou uma nota só um
dia inteiro. O pai dele chegou no ponto dos músicos e falou “eu não aguento mais o Casé”. O
Bove116 que me contou e ele disse “mas por que?” O pai do Casé respondeu: “poxa, porque
ele estudou o dia inteiro uma nota só!” Ele ficou lá fazendo uma nota o dia inteiro de todas as
maneiras: longa, curta, atacada, piano, forte, era uma cara que tinha uma preocupação e por
isso que ele tinha a fama que adquiriu. Porquê era um cara que se preocupava em estudar e
não em trabalhar e hoje em dia, pela quantidade de músicos que temos e com a redução do
número de trabalhos, os músicos estão consequentemente estudando mais e trabalhando
menos.

Será os músicos de uma certa maneira aqui no Brasil não estão começando a se
aproximar daquilo que os músicos vivenciam lá fora?

Muito.

Porquê nós sabemos que provavelmente a maior diferença entre um músico brasileiro
e um americano, por exemplo, é que o americano sabia que ele jamais deixaria de estudar e
como você muito bem disse, aqui no Brasil era o contrário. A pessoa estudava até ele
começar a trabalhar e depois ele fazia praticamente uma manutenção do que ele havia
aprendido. Você acha que hoje em dia, de uma forma avessa, mas estamos nos aproximando
disso?

As coisas só advêm de uma circunstância. Nos Estados Unidos havia bastante trabalho
nas décadas de 40 e 50, mas existiam também muitos músicos. Então, existia trabalho para
quem? Para quem era melhor. Quem era melhor? Quem estudava mais.


instrumento: trombone, banjo, bateria, percussão, trompete e saxofone. Casé se interessa por trombone, mas o
pai o convence a estudar saxofone. Passa a ter aulas com o irmão mais velho, Clóvis, que toca saxofone e
clarinete. Aos 7 anos, Casé leva uma vida itinerante com a família, que monta o Circo Teatro Irmãos Martins. Na
década de 1940, morando em São Paulo, tem o maior aprendizado musical assistindo às apresentações do irmão
Clóvis em bailes e boates com variados conjuntos e orquestras. Posteriormente, tem aulas com o clarinetista
Antenor Driussi e estuda harmonia com Hans-Joachim Koellreuter. Em 1949, ele, com 17 anos, e o irmão são
destaques na Orquestra da Rádio Tupi. Casé faz sua primeira viagem internacional em 1953. Embarca para
Bagdá, ao lado do pianista e acordeonista belga (radicado em São Paulo) Rudy Wharton, da cantora Sonia
Batista e do baixista Johnny, e depois o grupo passa por Londres e Bruxelas. Grava um disco em 78 rpm, com as
músicas Feitiço da Vila (Noel Rosa e Vadico) e At Last (Mack Gordon e Harry Warren). Retorna ao Brasil em
1954 e convive, em São Paulo, com o instrumentista João Donato e o trombonista Edson Maciel. Em 1955,
muda-se para Assis, São Paulo, e toca na orquestra local. No ano seguinte, volta para São Paulo e participa, no
Teatro Cultura Artística, de um show que resulta no primeiro LP de 12 polegadas feito no país: Jazz after
Midnight (reeditado em 1978 com o título Dick Farney Plays Gershwin). Em agosto desse ano, no mesmo local,
toma parte da gravação dos discos Jazz Festival nº 1 - com as faixas Pennies from Heaven, Blues e Out of
Nowhere - e História do Jazz em São Paulo. Toca na orquestra de Sylvio Mazzuca de 1957 a 1961. Participa de
discos de Walter Wanderley, Dick Farney, Claudete Soares, além de se apresentar com a cantora no programa O
Fino da Bossa. Com o conjunto Brazilian Octopus, se apresenta no show Momento 68, com Raul Cortez,
Walmor Chagas, Gilberto Gil, Caetano Veloso, texto de Millôr Fernandes e direção musical de Rogério Duprat.
Faz os arranjos e grava algumas faixas do disco A Onda É Boogaloo, do cantor Eduardo Araújo, em 1969. A
partir de 1970, faz diversos jingles e trilhas para filmes publicitários. Em 1974, compõe a trilha do filme A
Virgem de Saint Tropez, de Beto Ruschel e Hareton Salvanini. Na década de 1970, afasta-se da gravação de
discos, recusando convites de orquestras e artistas renomados. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural
(http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa617009/case). Acessado em 30 de julho de 2016.
116
Joseph Bove, luthier de saxofones falecido em 1997.
116

Criou-se então essa cultura de você estar sempre evoluindo, sempre fazendo, para
você ter os melhores trabalhos e aqui não. Aqui havia um número limitado de músicos e
existia muito trabalho. Até hoje o meio musical brasileiro é muito generoso.
Qualquer um aí pega um instrumento e sai soprando algumas notas tortas nas
gravações que depois são arrumadas no Pro Tools117 ou sai tocando num casamento, ou seja,
é fácil de se viver de música aqui. Porquê tem muita oferta de trabalho e as pessoas querem
pagar menos, então os músicos profissionais as vezes não fazem aquele tipo de trabalho e os
iniciantes ou estudantes acabam pegando, mas são trabalhos de baixa qualidade.

Concluindo a entrevista você vê pela sua experiência que, quando havia, a


preocupação era por exemplo com a parte mecânica, parte teórica e a parte técnica do
instrumento.

Sim, executar o instrumento.

Mas a questão da sonoridade muitas vezes, ou até em nenhum momento, era citada
como um item específico e que deveria ser trabalhado. Seria mais ou menos isso?

Perfeitamente isso. Você nunca ouvia ninguém falando, além do Casé, coisas do tipo
“estou estudando ataque de notas”. Somente o Casé falava nisso. “Estou estudando notas
longas”, entendeu? E são coisas que são básicas para serem estudadas e tratadas.
Hoje nós entendemos isso, mas aqui não existe a escola enquanto maneira de se fazer
as coisas, não existe. Temos nas faculdades hoje em dia bons orientadores em cursos de
saxofone e de trompete, que são os músicos realmente aclamados, as pessoas com notório
saber que estão passando as informações nas faculdades e nas escolas, mas isso não existia.
Eu mesmo vim a estudar flauta na Escola Municipal (EMSP) porquê não tinha o curso de
saxofone.

Você diria que isso de certa forma perdura até hoje? Há uma mudança, mas numa
análise geral, muitas vezes o saxofone ainda é ensinado dessa forma?

Se você sair desse mundo onde nós damos aula, que é aqui na Escola Municipal, nós
temos técnicas parecidas e pensamentos muito convergentes em relação a isso no
(Conservatório) Souza Lima, mas aí você cai para a iniciação, por exemplo, no projeto Guri.
É uma coisa que é um terror. Porquê, além de não ser aquilo que nós tivemos, que era a
informação passada pelos mais velhos, do “achismo”, mas de pessoas que tinham experiência,
que faziam, hoje você tem pessoas dando aula no Guri que não tem a noção de como tocar. Os
professores não sabem como tocar. Se o professor não tocar, se o professor não ensina aquilo
que o aluno precisa ter para ele ser um profissional da música, que ele precisa ter uma atitude
de estudo profissional, torna-se uma coisa que já começa as avessas. Você tem de desmanchar
e implantar todo um novo conceito. É isso que acontece hoje em dia, aliás, acho hoje em dia
pior, porquê naquela época você aprendia fazendo com pessoas que tocavam.
Eu vejo vários desses professores do projeto Guri e em outros conservatórios
espalhados pela cidade dando aula de saxofone e que são pessoas que eu nunca ouvi falar. Se


117
é um DAW (estação de áudio digital) que integra hardware e software para a produção de áudio. O sistema é
muito utilizado também na pós-produção e na dublagem de filmes e programas de TV. O software é produzido
pela Digidesign, uma divisão da Avid. Fonte Wikipédia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Pro_Tools). Acessado em
01 de agosto de 2016.
117

não foi na lida, se não foi fazendo, poderíamos dizer que ele veio de alguma escola de fora,
mas também não é o caso. Então o que que essa pessoa está fazendo? Está tudo as avessas.
São pessoas que fazem um ano de aula com os professores, por exemplo, aqui da
Escola Municipal e saem por aí dando aula para os outros, sendo que não sabem nada do que
estão fazendo. Além disso, o Guri não embute nos alunos o conceito de estudos diários, tendo
pelo menos um contato com o instrumento ou mesmo, dar uma lista com nome de
saxofonistas e dizer que estas pessoas devem ser suas referências. Nem isso acontece, os
alunos vêm completamente crus, sem saber de nada. Todos querendo tocar e ninguém
querendo estudar.
118

Nailor Azevedo Proveta

Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Nailor Azevedo Proveta em
4 de setembro de 2014. A veiculação e divulgação desta entrevista foi autorizada pelo
entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.

Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?

Era muito diferente de hoje em dia, tínhamos menos informações e tocávamos mais.
Hoje temos muita informação, e isso não está errado, mas para mim ela veio junto com a
música e eram poucas informações. Isso foi a minha experiência.
Eu tinha aulas de solfejo com o instrumento as segundas e quartas-feiras, mas às terças
e sextas-feiras nós tínhamos ensaio na banda. As quintas-feiras eu tinha a aula mais
sensacional que era com meu pai.
Nós não tínhamos partitura, papel ou qualquer outra coisa; tínhamos somente um
acordeonista e um saxofonista e nós tocávamos juntos. Não era aprender música, era tocar
junto. Com oito ou nove anos de idade eu fazia duetos com meu pai aprendendo a tocar choro
e aprendendo a ouvir, mas aquilo que nós estávamos fazendo não tinha nome. Eu fui aprender
a dar nome para o que fazíamos depois de quase vinte anos.
Eu acredito que nós ainda não temos uma escola que fale de conceitos, de qual é a
importância do entendimento das melodias e das tradições.

Você diria que a forma como aprendeu música era uma exceção?

Eu acho que não, porquê nós não tínhamos uma escola. Nós tínhamos alguns músicos
que vieram da banda do Anacleto de Medeiros e do Severino Araújo...

Podemos então dizer que até a década de 50 não havia uma escola estabelecida e que
os músicos aprendiam quase que sozinhos?

Sim. Veja os músicos que tocavam nas orquestras sinfônicas. Outro dia falava com o
Sergio Burgani e ele me contou que aprendiam ouvindo. Um dos poucos professores daquela
época era o Rafael Galhardo Caro que foi professor de uma grande parte dos clarinetistas de
São Paulo. Eu mesmo estudei com ele por cerca de dois anos.
Eu acredito que a grande questão dessa época é que havia algumas pessoas que tinham
uma musicalidade tremenda. Músicos como Abel Ferreira já tinham uma sonoridade no
saxofone que estava seguramente baseada em certas referências, por exemplo, em Johnny
Hodges. Eu acredito que a transmissão é genética, oral e sonora.

Aproveitando esse gancho, o que era dito sobre a sonoridade?

Nada. A única pessoa que falou algo para mim sobre som foi meu pai. Ele falava para
mim que o som era como uma gota de água, redonda e que eu tinha que tirar aquele som. Mas
quem é que falou isso para ele? Eu pesquisei e experimentei muitos instrumentos, boquilhas e
tudo que passo aos meus alunos eles não fui eu que inventei, está escrito nos livros que nós
achamos depois de trinta anos. Com isso podemos dizer a eles que estas eram as informações
que buscávamos durante toda a vida e elas estão escritas nesses livros.
119

Outra pessoa que falou comigo sobre som foi o Rafael Galhardo Caro. Ele dizia que o
som tinha de ser mais justo, mais direcionado e menos espalhado e me lembro que eu não
entendia o que ele queria dizer com aquilo.
Porém, me lembro que perto dos meus vinte anos de idade conheci um clarinetista
chamado Edmilson Nery, antes de conhecer o Rafael. Ele mudou minha cabeça com seu som,
porque ele já tinha entendido, mas aquilo era algo nato, era dele. Essa foi a única pessoa que
me mostrou algo sobre som, mas não com palavras, e sim tocando.

Você acredita que era atribuída importância ao estudo da sonoridade?

Pelas gravações que temos eu acredito que não havia essa consciência. O conceito de
tocar música clássica não existia, assim como o conceito de como tocar jazz.

Quando vocês começaram a ter acesso a informação através de livros ou métodos?

A partir da década de 80. Antes disso era tudo através de certas metáforas, nós não
tínhamos nem boas boquilhas para usar. Tínhamos músicos que eram nossas referências tal
como o Casé, Lambari (Eduardo Pecci), Hector Costita ou o Carlos Alberto Alcântara e eles
tinham como referência a sonoridade das big-bands americanas do jazz.
Nessa época nós começamos a usar as fitas em VHS para assistirmos os músicos
tocando e assimilarmos o som deles. Através disso, começamos também a formar uma
linguagem de frases e articulações, mas tudo de antena. Não existiam livros ou uma
metodologia, mas já era um começo.
Em meados da década de 80 nós já estávamos ouvindo muito bem o jazz e as big-
bands, ou seja, em relação a geração anterior nós havíamos entendido da nossa forma aquela
função, mas faltava e ainda falta muita coisa por aqui.

Vocês tinham acesso a livros e métodos?

Quem tinha alguma coisa para big-bands e de articulação eram o Nelson Ayres e o
Roberto Sion que tinham estudado na Berklee118. Mas como aquele material nos ajudou a
melhorar? Acho que não ajudou muito.

Podemos dizer que até a década de 80 vocês não tinham nenhum acesso a livros que
tratassem da sonoridade de forma específica?

Não tínhamos. Me lembro que em 1985 eu estava traduzindo um livro que falava
sobre ferramentas de improvisação de um pianista americano chamado Jerry Cooker. O mais
importante para nós naquela época era a improvisação. Nosso som ainda era meio pop, mas
tendendo ao jazz. Na realidade, até a década de 90 nós acabamos resolvendo a questão da
sonoridade gravando nos estúdios. O que nos ajudou a encontrar o som não foi exatamente
um livro.

Seria correto afirmarmos que até aproximadamente o final da década de 80 o acesso


a conceitos de sonoridade acontecia através da audição de gravações em discos?


118
Berklee School of Music.
120

Era. Nós fazíamos muitas transcrições de solos que era muito positivo. Quando nós
entendíamos aquele som o adquiríamos, mas o problema é que não tínhamos como passar isso
para frente. Nós não tínhamos essas informações por aqui naquela época.
Para dizer a verdade, uma pessoa me apresentou um livro quando eu estava dando
aulas em Curitiba de um autor chamado Larry Teal. Quando eu comecei a traduzir o livro vi
que ele falava de muitos aspectos do saxofone: do som, dos dedos, da boquilha, mas estamos
falando de um livro de 1960.
Até eu traduzir e entender esse livro nós já estávamos no final da década de 90. No
começo dos anos 2000 que comecei a transmitir um pouco dessa informação para outras
pessoas, pois eu já estava colhendo alguns resultados. Aqui no Brasil nós não tínhamos um
padrão para os saxofonistas. Existiram pessoas que tocavam bem o instrumento, mas cada um
do seu jeito.

Algo era dito a vocês sobre alguns dos conceitos ligados à sonoridade, tais como
respiração, posicionamento de garganta ou mesmo embocadura?

Não, antes da década de 80 não se falava disso.

E quando elas surgiram para você foram através do livro do Larry Teal?

Na verdade, o livro do Larry Teal apareceu para mim na década de 90, mas para mim
isso aconteceu antes porque sempre corri atrás das informações. É engraçado falar sobre isso,
porquê não havia um professor nos dando esses livros.
O dono de uma escola onde dei aulas me arrumou na década de 80 o livro de um
flautista que falava sobre respiração. Foi a primeira vez que vi um livro que falava sobre esse
assunto. Esse método tratava de respiração, de músculos, de anatomia, da glote, ou seja, de
coisas mecânicas, mas eram coisas sobre as quais ninguém havia falado daquele jeito com a
gente.

Você se lembra se alguns desses livros aos quais teve acesso sugeria alguma rotina de
estudos específica para sonoridade?

Não. Existem pontos nos exercícios onde você precisa controlar o som, mas um
trabalho específico não. A poucos dias eu vi uma apostila do David Leibman falando sobre
som pessoal, sobre você desenvolver o seu som.

Você poderia descrever como foi estudar com o professor Rafael Galhardo?

Ele era um clarinetista de primeira linha. Você ouvia ele tocando clarinete e dizia
“isso é um clarinete”. Ele tinha uma baita escola tanto erudita quanto popular e talvez tenha
sido o primeiro clarinetista erudito a tocar jazz, coisa que os clarinetistas eruditos atuais não
fazem mais.
121

Ovanir Buosi

Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Ovanir Buosi Junior em 14
de abril de 2014. A veiculação e divulgação desta entrevista foi autorizada pelo
entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.

Você saberia dizer se para os clarinetistas existe um período, seja ele longo ou não de
preparação, onde a sonoridade é estudada de forma específica?

Eu acho que existem algumas coisas a serem ditas sobre isso. Quando o aluno começa,
estamos falando de um aluno iniciante, muitas vezes você identifica em poucos meses ele vai
ter uma certa naturalidade para o som daquele instrumento ou se vai ter uma naturalidade
técnica. Nesse caso, o som terá de ser trabalhado um pouco mais. Então me parece que alguns
desses aspectos já podem ser previamente notados em cada aluno.

Você poderia então dizer que quando a orientação recebida pelo aluno não é
adequada, ele acabaria vencendo esse problema na marra ou por sorte?

Na marra. A orientação do professor deveria deixar claro aos alunos que a sonoridade
do instrumento tem de ser trabalhada a partir de um relaxamento corporal, para que não seja
uma coisa muito tensa. Porquê o nosso ar, que faz o som, tem de fluir, tem que fluir como
numa voz.
Se eu pego um livro e o leio em voz alta para você de alguma maneira eu interpretarei
o que está escrito sem fazer muita força. Por que? Porquê aqueles aspectos da escrita literária
foram aprendidos desde muito jovem e quando eu chego em determinado ponto sei o que eu
faço, além da minha voz ser a minha voz. Eu não preciso, num nível amador, a incrementar
muito para ler esse livro a você que está aqui do meu lado.
Quando você começa a tocar um instrumento muitas vezes perde-se um pouco dessa
naturalidade. Exceto aqueles que pegam o instrumento e tem muita naturalidade.
Eu acho que o que vai comandar a sonoridade é o ouvido da pessoa. Porquê é comum
a gente ouvir o aluno dizer que quer tocar determinada coisa. Ele escuta o som de um
saxofonista, por exemplo, e diz: “eu quero ter aquele som”! As vezes a pessoa escuta o som
de um clarinetista e diz: “eu quero tocar daquele jeito” e aí ele começa a perseguir aquele
som, o ouvido vai guiando um pouco aquilo. Eu acho que é através do ouvido que a gente vai
refinando a nossa sonoridade e para que servem os exercícios de sonoridade?
Eu gosto de pensar que os exercícios quase sempre vão tratar de intervalos, dos mais
fáceis aos mais difíceis, porquê desde o início você quer ter uma igualdade em toda a
extensão do instrumento. Se eu quero ter isso, eu preciso praticar e desenvolver essa
igualdade e eu preciso manter isso quando eu consigo alcançar. Para mim quase todos os
exercícios servem para isso. Os métodos que tratam de sonoridade buscam estimular de forma
consciente, sabendo para que aquilo serve, o desenvolvimento do seu som.
No início, ou em grande parte da sua carreira, é o professor que vai te alimentar
dizendo se seu som está por vezes estridente demais. Aí entram outras coisas, como material
que também faz parte da sonoridade, porquê em muitos momentos o aluno está querendo um
som que aquele equipamento nunca vai dar e, as vezes pela própria constituição física dele
aquele equipamento não vai servir, sendo necessário trocá-lo. Então, esses exercícios vão
naturalmente ajudar a manter essa regularidade.
122

Você começa a perceber que com quanto mais afinco são feitos aqueles exercícios o
seu som vai se construindo e ficando bonito. Eu acredito que é bem no começo que se
desenvolve o nosso som e depois nós percebemos que ele fica muito diferente de quando
começamos. Você percebe mudanças na sua musicalidade, na construção das frases, você
pensa mais, é mais consciente, mas o som não é muito diferente do que era no começo.

Talvez essa percepção de mudança tenha haver com a mudança de equipamento


utilizado nesses diferentes momentos da sua carreira?

Sim, e muitas vezes no começo você toca de uma maneira mentalmente falando mais
relaxada, porquê isso é meio que inconsciente. O aluno de quinze ou dezesseis anos de idade
não está pensando em coisas muito profundas, que talvez ele comece a pensar perto dos vinte
e poucos anos de idade.
Me lembro que quando fui estudar com o Sergio Burgani ele fez bastante estudos de
notas longas comigo e variações, mas eram coisas muito lentas que ele gostava de passar. Eu
me lembro muito bem: era com o intuito de conseguir manter a coluna sonora, a direção do
som, para eu buscar uma regularidade e uma igualdade que a princípio iriam me ajudar na
obtenção equilíbrio através dos registros. Fazer uma escala ou um arpejo e conseguir
ultrapassar as quebras que o instrumento de uma maneira fluente.

Podemos dizer então que era um trabalho feito de uma maneira muito mais intuitiva
pelos professores do que calcado em conhecimentos teóricos?

Sim, e se você coloca esses exercícios de uma maneira muito...se pega um aluno novo,
eu penso assim pelo menos, e esse aluno toca, você vê que ele tem uma facilidade de leitura,
ele vai tocar e conseguir soprar bem o instrumento, nestes casos eu não gosto de bitolar a
pessoa exigindo demais cuidados com essa coisa da sonoridade. Não num momento que eu
acho que ela tem de desenvolver uma coisa mais natural e intuitiva de soprar e manter o som.
Com o tempo você vai estimulando coisas um pouco mais detalhadas […]. Daí você vai
pensando em mudar e em corrigir um pouco a intenção do aluno conforme ele vai
progredindo.
Se no começo você não deixa o aluno tocar e desenvolver as coisas que as vezes são
naturais, ele pode ficar muito cheio de normas, de regras e de técnicas num momento em que
ele tem que...

Você então poderia dizer que determinadas informações relacionadas, por exemplo, a
respiração, ou técnicas usadas na respiração e na emissão do ar não são naturais?

Muitas delas não. Eu acho que muitas delas são coisas que em algum momento um
professor desenvolveu, achou que aquilo funcionaria para ele e passou a ensinar isso aos seus
alunos. Eu prefiro pensar, e foram coisas que eu descobri com o tempo, não que eu pense
assim desde criança, mas eu prefiro acreditar que essas técnicas vão meio que se auto
desenvolvendo no aluno e que o professor deve o orientar a ter um pensamento correto em
relação ao processo de aprendizado.

E se isso fosse passado não como uma regra, mas como um padrão?

Então vamos dizer que o padrão seria assim: fulano, você precisa ao soprar usar o
diafragma, mas vamos dizer que essa pessoa tenha treze ou quatorze anos de idade e é uma
pessoa que nunca pensou nisso, que respira normalmente. Ele joga bola sete horas por dia, faz
123

um monte de atividades físicas e nunca pensou que tem de respirar. Aí alguém chega para ele
e diz que o certo é usar o diafragma durante a respiração porquê é esse apoio que vai fazer
você ter um som bonito. Foram estas coisas que eu comecei a questionar muito.
Eu mesmo comecei a ter dificuldades em um determinado momento, onde eu me vi
perguntando o que estava acontecendo, e eu cheguei a conclusão que muitos desses problemas
vinham de uma força exagerada que eu desenvolvia no meu diafragma. Nós chamamos de
diafragma, mas que na verdade entra abdômen, entra barriga e aí entra um outro pensamento:
será que realmente o diafragma é um músculo dependente, ou seja, que a gente consegue
comandar ou ele é um músculo independente, como se fosse a nossa bexiga? Você consegue
dizer a sua bexiga que não quer fazer xixi? Muitas vezes você segura ao máximo, mas ela
funciona porquê ela é independente […].
É raro um professor de sopro com quem você converse que não instrua o aluno a usar
o diafragma o tempo inteiro. Eu não acho que o diafragma não entre em ação, acho que ele
entra em ação no processo de execução do instrumento por que todo o nosso corpo, nosso
peito e nosso diafragma, tudo isso entra em ação, mas eu não acho que seja necessário em
esforço exagerado. De certa uma forma, força extra é as vezes muito danosa ao corpo devido
a forma como a respiração é ensinada.
É como a gente dizer para um atleta que corre uma maratona, de nível médio, que faz
essa maratona em torno de duas horas e meia, talvez um pouco menos que isso. Diga que
durante essas duas horas e meia ele deve correr empurrando o diafragma para fora, por que
você precisa. Por que ele é a base e o centro do seu corpo. Sinceramente, eu não sei quanto ele
vai aguentar correr e mais, por que para tocarmos nós músicos temos que fazer desta forma.

Mas na realidade, muita gente diz que deve se usar o diafragma e nem sabe o que ele
é.

Mas então devemos pensar por que o professor fala do diafragma. Em que momento
você aprendeu a usar o diafragma? Você sabe? Eu me lembro.
O professor quer estimular o aluno e o que está por trás disso é muito positivo. Em
algum momento ele quer dar ao aluno algo mais, buscando uma forma de fazer o aluno ter um
som melhor, fortalecer o som e, de repente, passaram a usar essa história de empurrar o
diafragma, transformando e deixando o ar com alguma outra coisa que deixa o som diferente.
Não existem diferenças, mas talvez se não fosse usado para todo mundo...

Se você me permite dizer, me parece que você acha que isso deve ser usado, mas deve
ser respeitado o tempo de cada um e, principalmente, tem de ser algo que aconteça de forma
natural. Seria mais ou menos isso?

Eu acho que é e eu acho que o aluno leva o tempo que ele precisa para desenvolver a
sua sonoridade e a sua musicalidade. A musicalidade e a expressão do que você quer dizer na
música caminha junto com a sua sonoridade, por que o som não é algo sozinho ou espalhado
na música. Eu não acho que temos como dizer que vamos trabalhar somente som num
determinado dia.
Eu acredito que chega um momento em que seu som está dentro do parâmetro do que
você quer expressar com a sua música. Se numa música você tem que variar de coisas muito
estridentes para coisas muito suaves, você vai ter de ter na sua sonoridade essa variação.
Em muitos momentos, da forma como é ensinado, ensina-se uma técnica de
respiração, uma técnica de como soprar, uma técnica de dedos e uma técnica daquilo outro.
124

Dessa forma, se entrega um pacote ao aluno, diz que se usar essas informações ele será uma
pessoa de sucesso. Mas eu acho que o que vai coordenar o uso destas coisas é a forma como a
mente de cada aluno vai raciocinar sobre como serão usadas essas quatro técnicas. Eu acho
que o aluno começa a desenvolver sua musicalidade e a sua sonoridade no momento em que
começa a ter claro em sua mente a intenção do que ele quer na música. Essa intenção nova é
que vai trazer o que ele precisa usar do corpo dele.
No nosso caso, o que eu vejo é que o aluno precisa ir desenvolvendo e educando aos
poucos o ouvido para que ele identificar se o que está dentro da sua cabeça é o que está saindo
do instrumento e assim, ver onde ele precisa fazer correções. A função do professor é estar
junto para dizer quais coisas podem ser repensadas, dizer se aquela pessoa precisa soprar mais
se a sonoridade estiver muito fraca, desenvolvendo mais isso ou se a sonoridade estiver muito
estridente.

Mas isso não envolve também a orientação em relação ao equipamento que essa
pessoa usa?

Aí entra o equipamento também que muitas vezes vai guiar. Eu me lembro que nós
conversávamos sobre qual tipo de som gostaríamos de ter. As vezes você começa a copiar e,
às vezes, isso ocorre de forma natural. Você acaba adaptando alguma coisa.

Ovanir, o que você poderia dizer sobre as origens das técnicas? Você saberia dizer de
onde vieram, quais foram as origens das técnicas usadas para respiração, posicionamento do
diafragma e da glote?

Não. Essas informações chegaram até mim através dos meus dois principais
professores, o Montanha (Luis Afonso Montanha) e depois o Sergio Burgani. Tinha a ideia do
diafragma e era muito falado a coisa do diafragma para frente, empurrando a barriga para fora
e, mais tarde, veio também a informação que não era somente para fora, mas também para
baixo. Essa é a descrição que mais se aproxima do movimento do diafragma mesmo. Ele não
se desloca para fora da barriga, mas para baixo e para cima.
A garganta é um ponto muito sensível por que se falava muito de abrir a garganta para
tocar, que é a busca pelo som escuro. Acredita-se que se você coloca o clarinete na boca e
sopra normalmente sua garganta estaria fechada, o que é meio irreal, porque se você abre a
boca, coloca dois dedos na boca e sopra você não está soprando com um som fino, porque sua
boca já está aberta. Falava-se muito que para tocar com o som bonito o ar teria de ser quente e
que o ar frio deixa o som feio. Isso é a coisa mais incrível que eu já escutei na vida.
Em relação a embocadura existem muitas variações. Os professores americanos têm
uma escola muito definida de projeção. Eles pensam na boca mais na ponta da boquilha, com
o clarinete mais inclinado, ficando mais perto da pessoa, num ângulo mais fechado e soprando
de uma maneira muito direcionada. Quando você coloca a boca mais na ponta boquilha o som
já fica naturalmente mais brilhante e a manutenção de um som muito direcionado acaba
proporcionando uma projeção maior. Essa é a ideia da escola americana.
O que eu aprendi com o Sergio Burgani não era bem assim. Ele colocava a boquilha
mais para dentro da boca e essa era a forma como ele gostava de tocar, porque desta forma
você tem uma área da palheta que é liberada, proporcionando uma maior ressonância e assim
um som mais gostoso. Se deixar sua embocadura muito na ponta terá de mexer muito com seu
lábio inferior para ter uma sonoridade legal, deixando muito pouco espaço para a palheta
vibrar, dando ao seu som uma tendência mais brilhante. Quanto mais espaço é liberado para a
palheta vibrar mais o som tende a escurecer.
125

As vezes essa busca pelo som mais gostoso que era muito aliado a um som escuro
estava atrelada a ideia de manter a garganta aberta. Hoje mesmo eu estava falando com um
aluno descrevendo como seria ele ter de tocar abrindo a garganta e empurrando o diafragma.
Ele estaria somente fazendo força para tocar. Qual seria a graça disso?
Recentemente um professor francês falou muito num Masterclasses sobre o apoio do
diafragma e sobre uma forma que eu me indaguei se ele realmente fazia aquilo. Ele toca
muito, seu nome é Romain Guyot e nessa aula ele dizia que você tem de tocar e estudar
pensando que está fazendo o número dois no banheiro. Eu vi ele tocar uma sonata de Brahms
com uma sonoridade linda e eu pensava se ele estava realmente pensava naquilo enquanto
tocava.

Você não acha que isso funciona como uma mera referência?

Eu acho que como referência é uma verdade. Não tem como você negar que
colocando o instrumento na boca e soprando não vai haver um reflexo lá embaixo, mas é um
reflexo. Quando nós falamos o nosso diafragma está atuando, deixando nossa barriga um
pouco mais dura do que o normal e cabe a cada um ir dosando isso. Claro que tocar é um
condicionamento e uma das coisas que vai manter nossa coluna de ar e som constante é a
manutenção dessa força porque nós sabemos que ela existe, mas nós precisamos ajuda-la
tanto assim.

Podemos então dizer que esse seria um processo que automatização obtida através da
prática?

Eu acredito que a tendência do ser humano é automatizar tudo que ele aprende e a
automatização é benéfica. Imagine se precisássemos dizer a todas as partes do nosso corpo o
que fazer durante a realização de qualquer ação? Nós ficaríamos loucos.
Atualmente, sou um dos quatro brasileiros habilitados a ensinar a técnica de
Alexander119 no Brasil e tudo o que eu penso hoje em dia já é super filtrado por este trabalho.
Alexander criticava a postura do ser humano que, sob seu ponto de vista, está noventa por
cento do tempo num estado de inconsciência automática. Ele buscou através do seu trabalho
fazer com que nós – os músicos – trabalhássemos em contato direto com nossos instrumentos.
Ele tenta proporcionar as pessoas a possibilidade de um controle consciente e que não seja tão
automatizado, ou seja, nós até sabemos que precisamos do automático, mas a todo momento
passamos a questionar e a regular essa automatização.

Podemos então considerar importante que algumas coisas como, por exemplo, a
execução de peças ou trechos complexos sejam feitas de forma automatizada, porém com
ferramentas que ajudem você a regular isso?


119
Frederick Matthias Alexander (1869-1955) foi um homem a frente do seu tempo. No final do século XIX
desenvolveu um trabalho revolucionário sobre o desenvolvimento do ser humano, trabalho este que, ao longo
dos anos, atraiu diversas personalidades da ciência, da educação e das artes. Podemos dizer que Alexander foi
um pioneiro no ocidente a desenvolver um trabalho em que o homem é visto como unidade psico-física.
Alexander acreditava que seu trabalho serviria para as gerações futuras como um instrumento de
aperfeiçoamento do ser humano, através de uma educação integral em que os aspectos físicos, emocionais e
mentais estariam envolvidos. Fonte: Técnica Alexander (http://tecnicadealexander.com/tecnica.php#fm).
Acessado em 10 de agosto de 2016.
126

Concordo. Por que muitos alunos habitualmente erram determinadas passagens


difíceis? Porquê ele estudou, de vez em quando saiu, mas é uma passagem de alto risco. Ele
precisa primeiramente chegar num ponto no qual ele acredite que aquilo pode ser executado e
para isso ele vai errar várias vezes, mas vai ter de compreender quais são os aspectos técnicos
que fazem ele errar aquele trecho. Muitas vezes, eles se preocupam tanto com a dificuldade,
com a palavra difícil, que quando ele passa por aquele trecho esquece de manter o principal
que é o ar. Ele simplesmente erra porquê ele não soprou.
127

Rafael Galhardo Caro

Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Rafael Galhardo Caro na
Escola Municipal de Música de São Paulo (ESMP) em novembro de 2014. A veiculação e
divulgação desta entrevista foi autorizada pelo entrevistado tanto no formato impresso,
como no digital.

Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?

Bom, eu iniciei em Buenos Aires (em) 1945, mas era um professor comum - grande
músico, mas um professor comum. Eu ia na casa dele (não tinha escola e nada), então eu ia
duas vezes por semana (à) segunda e quinta-feira e comecei estudar...mas o interessante antes
foi o seguinte: que eu trabalhava nessa ocasião de garçom em Buenos Aires. Era uma firma
brasileira que chamava Casas do Brasil de um tal de senhor Humberto de Lima que era
carioca.
Então, esse meu professor vinha todos os dias tomar café lá e naquela época se usava
aqueles estojos compridos que se montava o clarinete completo, lembra? E eu, sabe, meio
acanhado assim disse (para mim mesmo) “eu preciso perguntar para esse senhor se ele é
clarinetista então”.
Aí eu perguntei pra ele, um dia falei “o senhor é clarinetista? Ele falou “sim, sim,
sou.” Ele falou “Porque?” Eu falei “Por que olha, eu tenho adoração por esse instrumento e
gostaria de estudar, mas como eu sou brasileiro eu não conheço ninguém...o senhor leciona?”
Ele falou “Eu leciono, mas eu moro muito longe.”
Eu falei “Onde o senhor mora?” (Ele respondeu) “Em Villa Urquiza.” “Pois eu moro
em Villa Urquiza!” (Ele respondeu) “Ah, então não tem problema! Olha, pega aqui meu
endereço e tal (e) amanhã eu te espero em casa de manhã.” e foi assim.
Então, eu ia duas vezes por semana na casa dele (era um professor particular) que ele
era membro da Banda Municipal de Buenos Aires - uma banda muito boa - tinha 32
clarinetes, entendeu? Ele, muito bom clarinetista, e fui aprendendo assim.
Até quando eu voltei para São Paulo, aí eu experimentei vários professores. Quando
você tem uma base boa e os professores não serve, não serve. Aí experimentei vários e nada,
nada até que eu conheci o professor Leonardo Righi.
Na rádio Gazeta, naquele tempo, faziam músicas clássica e tudo e aí eu fui falar com
ele e estudei doze anos com ele até me diplomar.
Depois daí vem, por exemplo, concurso do (Theatro) Municipal (de São Paulo) - que
eu fiz concurso, passei e toquei ao lado dele durante trinta anos.

Como o senhor aprendeu? Tanto nesse início, tanto depois com o professor
Leonardo?

Começou com solfejo, porque em Buenos Aires se estudo mesmo, sabe? Fiquei três
anos estudando só solfejo para depois pegar no clarinete. [...]
Aí já quando eu vim pro Brasil já tinha, quer dizer, vamos supor a metade do curso do
clarinete. Foi mais fácil então, aí eu já estava num outro nível. Mas foi sempre assim, e aquela
boa vontade de estudar, porque como a gente não tinha posses eu passei depois - quando eu
vim de Buenos Aires para cá - passei quase três anos sem poder estudar porque não tinha
dinheiro para comprar um instrumento e naquela época com quinhentos reais você comprava
um instrumento, mas não tinha.
128

E foi indo, foi indo, adquirindo, adquirindo, passando de um para o outro...e foi indo
assim e comecei a estudar, depois ficar conhecido na roda dos músicos e minha vida aí
começou (faz sinal de melhorar).

Como era visto o estudo da música?

Não era muito bom, por que tinha a impressão que o músico era sempre um boêmio,
um beberrão sabe? Tinha essa impressão, quando você falava em música já (se dizia) “Ih,
aquele é vagabundo e coisa e tal.”
Sabe, o conceito não é como hoje que todo mundo...sabe era, o pessoal era meio
ignorante naquela época. Músico? Então não presta, é bagunceiro. Era assim.

Sendo um pouco mais específico, como era visto o músico popular pela sociedade?

Tinha essa impressão.

A mesma coisa?

A mesma coisa.

Não importa se você fosse músico erudito ou músico popular...

Não, músico clássico quase não se falava, porque embora pareça mentira, a nossa
sinfônica deve ter uns setenta anos, oitenta anos, mas pouca coisa se divulgou dela, então o
pessoal não sabia qual era a diferença de clássico com popular. Era músico e acabou! Aquela
impressão sabe...

Quais eram as atribuições do músico? Por exemplo, ele dava aula, ele compunha,
tocava ou participavam de bandas?

É, ele fazia todas essas coisas. Quando o cara tinha aptidão para fazer arranjos ou para
compor ele fazia as composições e dava uma cópia para um de nós e a gente que se incumbia
de, como eu diria, de desenvolver o tema por aí. Não era como hoje, hoje já tem mais análise
para isso. Você hoje pode contar com certas coisas, coisas que não existiam naquele tempo.
Não tinha recurso para nada então você tinha que se virar. Ele (outro músico) fazia uma coisa
que você gostava (você dizia) “Depois você me dá uma cópia?” [...]
Não era divulgado como hoje, porque hoje a divulgação é...você bota num aparelho
desse (apontando para o computador) e acabou. Fica todo mundo sabendo.

Ainda em relação aos músicos populares, as bandas agregavam algo no


desenvolvimento da performance do músico?

Sim!

E fazendo somente um parêntese, eu estou aqui falando bandas, mas o senhor também
poderia me dizer qual era o “tipo” dessas bandas que agregavam alguma coisa?

Bom, tinham as bandas militares e tinham as bandas populares que justamente, por
exemplo, o músico popular geralmente ele trabalhava numa big band. E naquele tempo a
música americana era a mais vista. Então, a gente procurava tocar e tocava os arranjos de
129

Benny Godman, Artie Shaw, Tommy Dorsey, Jimmy Dorsey, e dos brasileiros (o) carioca
Severino Araújo e essa turma toda.
E nas bandas militares não, geralmente nos quartéis funcionava as nossas bandas.
Geralmente saia para fora quando tinha em serviço, mas era raro, a não ser naquelas datas
festivas do ano como sete de setembro...

E o senhor acredita que pelo fato desses músicos participarem dessas bandas, elas
acabavam agregando algo no desenvolvimento e na performance deles?

Sim, sim. Tinham bons músicos, bons músicos. Claro, para nós do jazz, nós músicos
do jazz, a gente acha eles sempre um pouquinho “quadrados”, mas eram bons músicos.
Sentavam na estante e executavam tudo, claro que com o tempo iam se adaptando ao estilo
moderno no músico de jazz que pertencia a mesma coisa (banda).

Professor, o senhor tem conhecimento de alguma rotina de estudos feita de forma


específica para o estudo da sonoridade?

O que a gente aprende desde o começo (são) muitas notas longas, exercícios -
principalmente no meu instrumento, no clarinete - fazer as décimas segundas, os intervalos de
décima segunda. Por exemplo, você está tocando um Mi grave, abre o registro e sai um Si
natural para questão de embocadura, firmeza da embocadura, para poder ter uma sonoridade
boa.

Vocês usavam métodos e se usavam, quais eram os livros ou métodos com essas
informações sobre sonoridade que o senhor teve acesso?

São esses comuns que são usados hoje, Klosè, Giampieri120, depois tem os alemães:
Carl Baermann121...

E nesses métodos de ensino que o senhor teve acesso o que era prioritário neles?
Estudo de sonoridade, estudo de técnica, estudo de articulação...

Um pouco de cada coisa.

Eles abordavam um pouco de cada coisa?

Sim, um pouco de cada coisa.

E mesmo a sonoridade eles abordavam de uma forma específica?

Justamente.

Havia alguma escola de música para o ensino da música popular?


120
Alamiro Giampieri - Método Progressivo para Clarinete. Editora Ricordi.
121
Complete Celebrated Method for Clarinet (1917). Editora Carl Fischer.
130

Que me lembro não. Existia só o Conservatório Dramático, que foi de onde saíram
grandes músicos (tais como) João Seppi e o diabo a quatro, o professor Romeu - grandes
músicos, mas era a tendência mais clássica.
O popular, sabe onde propriamente a gente aprendeu? Tocando em gafieiras e
coisas...era o charme da época.

Bom, então a próxima pergunta o senhor já respondeu que é justamente “como se


aprendia?” Então realmente o senhor acha que se aprendia na prática, tocando?

Isso, na prática. Por que geralmente era assim: vamos supor, tem um conjunto numa
gafieira. Três saxofones, era um trompete e um trombone, bateria, guitarra, raramente tinha
piano e bateria.
Então o primeiro alto, geralmente você entrava de terceiro alto para ir praticando. De
repente o primeiro alto arrumava um serviço melhor e o terceiro alto tinha de sentar no lugar
(do primeiro alto). Tocasse ou não tocasse, mais tinha de tocar (as partes do primeiro alto).
Isso acontecia muito e aí (o músico se) desenvolvia muito, por que daí ele era obrigado a
tocar, não tinha outro caminho a não ser...

Toca ou toca...

É.

Nessa época o que era dito sobre sonoridade? O que eu digo com isso, qual era a
importância atribuída ao estudo de sonoridade?

[...] a sonoridade, veja bem, a sonoridade sempre é o cartão de visita do músico, é


primordial a sonoridade. O músico que tem uma sonoridade bonita e ele toca uma pequena
balada ele diz mais do que aquele que pode ter muito mais técnica, mas tem uma sonoridade
feia. Quem tem sonoridade bonita sempre é mais apreciado do que os outros.

O senhor tem conhecimento sobre todos, ou uma parte, dos processos envolvidos no
estudo da sonoridade?

Olha, o que eu aprendi foram muitas notas longas fazendo o estudo comum de notas
longas entre oitavas [...] e ligaduras, para você ter o controle da ligadura. Foi o que eu aprendi
e sempre deu certo no meu caso. No meu caso deu certo.

Mas alguma coisa mais específica sobre como funciona a questão de respiração, essa
parte mais técnica assim dizendo.

Ah sim. A respiração é aquilo lá: você tem de respirar sempre no lugar onde vai
recomeçar a frase novamente, não no meio da frase. No meio da frase é erro! [...] A respiração
é primordial, é a principal coisa.

O senhor disse que teve acesso livros e métodos. Como esses livros chegaram até o
senhor?

O professor que encomendou. Quando não tinha, se copiava a mão. Não tinha xerox
(fotocópia).
131

E ele encomendou da onde professor?

Da Europa, por exemplo, os métodos alemães. Depois tivemos casas boas aqui que
importavam como a Casa Manon, Casa Vitalle, Casa Amadeus, a gente fazia a encomenda e
eles importavam.

Como vocês tinham conhecimento desses livros?

Isso através do professor. Como o professor tinha estudado na Europa então ele já
tinha a programação (do curso) feita, conforme o ano ele ia recomendando os estudos.

Então esse era um conhecimento que eles (os professores) trouxeram da Europa?

Ah sim, lógico.

E o professor Leonardo Righi ele era de onde?

Italiano.
Ele era italiano...

Italiano.

Então ele fez parte da famosa leva de professores italianos?

É, por que ele veio após a guerra para cá inclusive por que ele fez uma grande coisa lá
antes de sair...ele fez um concurso do [...] Scala de Milão e ganhou o concurso e não ficou
como primeiro clarinete. (Ele) era um clarinetista extraordinário! Então ele veio aqui (para o
Brasil) fazendo escola.

O senhor poderia dizer, sob o seu ponto de vista, que então ele foi aqui em São Paulo
a primeira grande referencia de escola para o clarinete?

Sim, por que eu esqueci de contar um negócio. Quando eu vim de Buenos Aires, eu
vim recomendado para estudar com o senhor Antenor Driussi que tinha o apelido de
Garganta. Dizem que tocava uma maravilha, (mas) eu já peguei ele no fim (da carreira). Mas
naquela época - em 1947 - ele cobrava pela aula cinquenta mil-réis.
Era muita coisa, a gente sempre...tinha que trabalhar para comer, não podia pagar,
então aquilo foi se protelando. Fiquei uns três anos, três anos e pouco sem poder estudar com
ninguém, mas como eu tive uma boa base ei fiquei seguindo aquela base boa que eu tinha
para não perder tudo. Porque eles cobravam mesmo, ele era o primeiro clarinete do Theatro
Municipal (de São Paulo) [...].

Pelo que estou entendo, era muito comum os músicos das orquestras (sinfônicas)
darem aulas particulares...

Isso.

O senhor se lembra se isso era comum também com os músicos populares?


132

Tinham algumas que também (davam aulas).

Mas eram aulas particulares?

Isso, eram. Principalmente saxofone, clarinete, trompete e trombone.

E o senhor se lembraria de alguns nomes desses professores que de fato tinham


relevância e que se dispunham a, além de tocar, darem aulas?

Tinha o Mineirinho - bom tenorista, grande tenorista, grande improvisador - tinham


vários que lecionavam...o Adolar (lembrando-se de mais um nome). Era um americano
tocando viu! Olha, tocava muito...

Adolar?

Adolar! Adolar Lucio é o nome dele e tinham outros velhinhos já encostados, já


reformados que você estuda, aprendia e tudo.

Todos brasileiros ou também tinham estrangeiros?

Todos brasileiros.

Retificação solicitada pelo entrevistado para as seguintes perguntas: o que era dito a
respeito da sonoridade e qual era a importância atribuída a sonoridade.

A sonoridade é o cartão de visita de um músico. Logo quando eu comecei a aprender


se ensinava pelos pulmões que é o ar frio.
Aí veio, analisando os métodos americanos que nós importamos, pra ensinar com o
diafragma que é um ar quente por causa da escala temperada. Senão ela sempre está
desafinada e outra coisa, o tubo do instrumento - principalmente o saxofone - tem de estar
sempre cheio de ar para que as notas não caiam do diapasão.

O senhor falou agora dos livros americanos...o senhor lembra mais ou menos em que
época vocês passaram a ter acesso a esses livros americanos e quais eram?

Isso foi mais ou menos em 1945, 1946.. Tinham os métodos dos grandes jazzistas:
Charlie Ventura122, Tex Beneke123...eram os tenoristas da época. Tinha o Coleman Hawkins,
tinha...

O Lester Young...

O Lester Young.
Então no meio da década de 40, por aí...

Sim!


122
Saxofone tenor e bandleader.
123
Gordon Lee "Tex" Beneke. Saxofonista, cantor e bandleader Americano.
133

Vocês passaram a ter acesso a esses livros americanos...

Isso!

Que aí sim...

Que foi a era do swing...

E aí eles falavam dessa coisa de como usar o diafragma...

Justamente [...].

Existe mais alguma coisa que o senhor queira acrescentar, que o senhor ache
relevante?

Tem de prestar atenção na hora de tocar para não passar de uma escola para a outra.
Quando você diz diafragma (está falando) de diafragma mesmo, não tocar com os pulmões
que é para sempre se manter (o som), porque nós tocamos na escala temperada. Você, por
exemplo, no saxofone, pode tocar meio tom abaixo tanto quanto meio tom acima. Isso
depende do ouvido e do...então a pessoa tem de se dedicar a isso.
134

Sérgio Burgani

Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Sérgio Burgani em 5 de


novembro de 2014. A veiculação e divulgação desta entrevista foi autorizada pelo
entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.

Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?

Bom, eu comecei em música em plena ditadura né, (em) 1968 numa bandinha música
da escola onde eu estudava. (Na escola) tinha uma bandinha onde havia um regente que era
militar, mas esse regente também tocava [...], ele tinha uma formação digamos assim,
levemente erudita, porque ele também tocava um pouquinho de oboé, todos os saxofones e
clarinete. Então ele ensinou pra gente também bastante solfejo e um pouco de harmonia [...].
Esse primeiro contato (foi) através de um ensino do solfejo com o velho e conhecido
Bona. Você fazia primeiro um solfejo falado, (pois) não havia preocupação no ensino de
solfejo cantado ou melódico, mas sim apenas intensivo em relação a você [...] ler o ritmo
básico, só nota e ritmo. Depois de você atingir uma certa desenvoltura no solfejo, aí sim você
pegava o instrumento. Digamos (que depois d)a primeira parte do Bona você começava a
pegar o instrumento.
Daí a gente não tinha opção de escolha, ele que nos impunha um instrumento a ser
tocado, tanto é que eu queria ser trompetista e acabei virando clarinetista. Acho que foi...não
sei!
Aí eu vivi esse meio de banda até os quinze anos, (quando) eu saí de uma banda e fui
para outra. Quando eu tinha quinze anos, através da influência de outros músicos dessa
mesma banda é que eu fiquei conhecendo e eu ouvi dizer sobre ensino de música erudita na
Escola Municipal de Música (EMSP), onde o professor Rafael Galhardo Caro ensinava
clarinete. Eu fiquei muito empolgado e fui ter contato então com esse universo erudito, mas a
primeira formação foi banda mais a música popular.
Eu diria que música erudita a gente só tocava o Guarani para banda, uma valsa
(Danúbio Azul), algumas transcrições de pouca coisa de uma dança húngara nº 5 de Brahms.
[...] Algumas coisas de Von Suppé (música ligeira), era isso que a gente sabia, mas a grande
maioria era música popular: choro, samba instrumental, marchas e valsas brasileiras.
Meu primeiro contato com música erudita foi com quinze anos na Escola Municipal
de Música [...] e mesmo lá o ensino era basicamente você [...], no caso da Escola Municipal
de Música você tinha aulas de teoria, de harmonia e tal. Então era uma coisa específica
voltada para a formação do músico. [...] Lá tinha o treinamento de solfejo, de ditados
melódicos, de desenvolver a percepção musical do aluno.
No caso do (treino) instrumental [...], o ensino era basicamente você trabalhar lições
de um método (ou) vários métodos e você apresentava isso ao professor e ele corrigia ou
incentivava você a fazer novas descobertas. [...] Basicamente era isso.
Também havia a música de câmara na Escola onde eu começo a ter os primeiros
contatos com esse tipo de música. O (meu) começo foi mais ou menos esse então.

Como era visto o ensino da música?

Essa resposta encontra-se inserida na pergunta anterior.


Como era visto o estudo da música?
135

Bom, muito diferente do que é agora. Como eu falei, e eu estou falando da década de
(19)60. Na década de 60 a ditadura, no meu caso eu venho de uma família muito pobre
(sendo) minha mãe doméstica e meu pai pedreiro, mas a princípio minha mãe que nos colocou
numa (eu tenho mais irmãos músicos) ela que nos colocou nessa bandinha porque no interior
onde ela morava no Paraná os tios tocavam numa bandinha [...]. Então ela viu essa bandinha e
quis colocar algo a mais [...] na nossa infância [...] uma atividade a mais para as crianças, mas
com o decorrer do tempo meu pai começou a ficar preocupado, porque ele queria que a gente
fosse ter uma profissão e não apenas ser músico e realmente (existia) aquela história
de...músico eram vistos como aqueles [...] indivíduos que trabalhavam na noite, ou tocavam
em bailes [...] não havia nenhuma perspectiva de uma carreira profissional.
Até (os meus) quinze ou dezesseis anos as opções que tínhamos era ou você entrava
num conjunto de baile ou, se tivesse muita sorte, tentar entrar numa das poucas orquestras
(sinfônicas) que haviam (e) que foi o meu caso.
Depois que eu estava na Escola Municipal eu acabei entrando numa orquestra jovem
que tinha lá, uma prática de música instrumental visando a formação profissional de músico
de orquestra e depois aos dezoito anos eu consegui através de concurso entrar no Theatro
Municipal. Então, muito cedo eu consegui, digamos, me profissionalizar [...] em 1978 já.
Estávamos saindo da ditadura, mas durante toda a década de 70 (e) começo da década de 80
os músicos não eram vistos como...uma atividade...eu não diria digna, mas uma atividade
profissional que fosse reconhecida, porque muitas vezes a gente falava - e eu acho que ainda
acontece - “ah, eu sou músico, toco clarinete. Ah, mas você trabalha?” Essa pergunta que
complementava sempre [...] era muito frequente. “Mas como, você ganha a vida tocando?
Você não tem uma profissão, você não tem um lugar para complementar a sua renda?” Ainda
bem que isso mudou um pouco agora!
Obviamente com novas escolas, com uma...maior educação em massa que aconteceu
[...] a profissão eu acho que está muito melhor e as pessoas tem hoje uma visão do que é ser
músico profissional [...]. Existem muito mais orquestras do que havia no meu tempo e as
chances, não apenas como músico profissional de orquestra, mas como professor numa escola
ou numa universidade, ou mesmo camerista, eu acho que hoje tem um mercado muito melhor
do que tinha [...] na minha adolescência.

Como era visto o músico popular pela sociedade?

Até os dezesseis, dezessete anos ainda...eu consegui pegar um pouquinho do que se


fazia (na) música popular aqui. Eu mesmo toquei saxofone barítono em alguns quatro ou
cinco bailes numa Orquestra Carinhoso que tinha no clube no (bairro do) Ipiranga, Campo do
Ipiranga, eu acho que era uma coisa assim. Substitui o Bauru algumas vezes, que tocava sax-
barítono, porque eu tocava clarinete e ia fazer lá. [...] E também consegui ainda pegar os
últimos momentos do famoso Ponto dos Músicos na Praça da Sé.
O que é que era isso: as pessoas, e temos de lembrar que não havia celular, então as
pessoas não tinham como (se) comunicar. Então, o que faziam os músicos dessa época,
principalmente os populares? Todo final de tarde, eles se dirigiam pra Praça da Sé que havia
um ponto ali na Rua Direita, parece, com a Praça da Sé, onde ali os arregimentadores
buscavam músicos pra formar o seu grupo para ser tocado naquela mesma noite ou no
próximo sábado. Então, ali havia um agendamento de músicos, para formar sempre as big
bands ou os grupos pequenos para bailes.
Geralmente o músico fazia esses trabalhos com baile. Eu acho que tinham alguns que
tinham um bar fixo [...], mas a maioria buscava trabalhos avulsos. Então, não se tinha um
registro em carteira [...], ele vivia do que ele conseguia e isso dependia muito da habilidade
dele também como leitor, porque a gente tem de lembrar que esses grupos não ensaiavam.
136

Chegava-se para tocar, então, o primeiro dos seus pré-requisitos era ter uma boa leitura, senão
você não trabalhava! Você não era escolhido [...]. Então havia essa preocupação que não se
tem hoje, [...] porque é muito raro você fazer hoje - a não ser gravação, mas é muito raro você
fazer um trabalho de primeira vista, mas a vida (de músico) popular não era fácil não.

Quais eram as atribuições do músico popular? Dava aulas, compunha, tocava ou


participavam de bandas?

Eu acho que era um misto (de tudo isso), porque isso dependia muito da habilidade do
músico.
Tinha músico que tinha capacidade de compor, de trabalhar e fazer um arranjo ou
outro, mas tinha aquele que não, que simplesmente era instrumentista. Eles estudam e [...] tem
alguns que inclusive nem davam aulas. Então eu acho que eles viviam, a maioria das vezes,
apenas no máximo dando aulas ou indo tocar, pegando seus serviços. Muito raramente
alguém compunha (ou) fazia arranjo, eram poucos os que faziam isso.

As bandas agregavam algo no desenvolvimento performático do músico?

Eu acho que quem queria aprender, aprendia. Foi o meu caso: eu ficava muito
impressionado [...]. Como eu falei, eu vim de música popular antes da erudita. Então eu tive
amigos que me deram mais experiência, é o caso do Benedito...o Ditinho, que era um
saxofonista que já atuava. Então ele me deu dicas de linguagem da música popular e eu vivo
falando isso para os meus alunos, que isso se perdeu, que eu vivenciei um pouquinho a
questão do samba instrumental.
Um exemplo disso, [...] numa noite a banda tinha uma pasta com quatrocentas músicas
e o maestro simplesmente gritava um número qualquer lá: vai a número quarenta e dois e
você abria, era um maxixe! [...] “Como toca maxixe? Não sei...vamos lá!” Aí você tem de
ficar ligado nos mais experientes, nos mais antigos tentar pegar a linguagem disso. A próxima
música era um fox troat, a próxima sei lá, a próxima era um samba canção, ou um bolero e
não se tinha uma escola pra se ensinar como tocar isso, como tocar aquilo. A não ser se você
tivesse um amigo próximo ou se você...e temos que lembrar que não tinhamos a facilidade de
comprar discos para aprender estilos de música, então aprendia-se na prática, [...] se você
tinha um grupo para aprender a tocar aquilo era aquele o momento para aprender.
Então, para mim que estava começando foi importantíssimo ter contato com essa
linguagem, com esses músicos mais experientes, para aprender como se toca samba
instrumental, ou bolero, ou fox troat. Foi de extrema importância isso.

Tem conhecimento de alguma rotina de estudos feita de forma específica para o


estudo da sonoridade?

Não, eu não me lembro. Nesse momento eu acho que a questão de sonoridade,


digamos no período de banda, não era o primeiro objetivo dos músicos, e sim de aprender
músicas complexas.
[...] esses quesitos de sonoridade e afinação não havia muita preocupação com isso,
não havia muito cuidado com o músico [...] hoje em dia também é assim. O tocar rápido, o ter
uma destreza técnica está sempre na frente de uma boa sonoridade ou de uma boa afinação... e
não devia ser dissociado essas ideias, deviam ser todas muito junto, mas [...] esse é um
137

pensamento que veio para nós músicos - no meu caso - muito tardio [...]. Acho que eu já tinha
vinte anos quando eu comecei a sacar que “nossa, eu preciso ter uma sonoridade melhor, eu
preciso ter uma afinação”, mas até então, isso passou batido eu diria. Não havia uma
preocupação.

Havia alguma escola de música para o ensino da música popular?

Tinha a Fundação das Artes de São Caetano (do Sul) que tinha os dois gêneros nessa
época. Eu mesmo fiz lá um pouquinho...final da década de 70, começo da década de 80 e
tinha depois o CLAM do Zimbo Trio que era uma escola conceituada na década de 80, todo
mundo falava muito [...], mas específica para música popular eram mais os músicos [...] que
davam aulas particulares [...].

Quanto você acha que a sonoridade pode comprometer ou ajudar na performance do


músico? Você acha que ela (a sonoridade) tem essa capacidade (de comprometer ou ajudar
na performance)?

Eu acho que, hoje em dia, ela é extremamente importante. Você não pode desassociar
da música...eu acho que afinação, sonoridade, timbre e projeção fazem parte de uma única
coisa. Você não pode (dizer) “agora vou estudar só afinação, agora vou estudar só
sonoridade” e tal, então, isso precisa estar presente na voz do instrumentista. Eu acho que é de
extrema importância...eu acho que conscientizar o aluno [...] de que ele precisa ter essa boa
base é de extrema importância.
Eu passei dez anos quase do instrumento e não era minha preocupação inicial isso. A
maioria dos músicos de preocupava em aprender uma música, de ter dedos rápidos, de ter som
grande, mas sem qualidade. Hoje em dia eu acho que não dá para você pensar dessa forma,
não dá mais.

De fato, você vê ela como um...

Eu acho que é de extrema importância. Sonoridade precisa fazer parte acho que dos
primeiros dias de aula.
Você se lembra quando passou a ter essa consciência em relação a sonoridade e se
havia algum método, livro...

Não, na prática mesmo!

Você já viu algum livro que trate desse assunto?

Eu percebi que eu era extremamente desafinado quando eu entrei no Theatro


Municipal, eu era segundo clarinete em 1978. Quando eu tive de tocar Brahms, Mozart e
Beethoven com cordas e com outros instrumentinos eu percebi que toda a destreza que eu
tinha com o instrumento não valia nada, que as vezes uma única nota me deixava
desesperado, porque ela não tinha centro, ela não tinha projeção, não tinha timbre, não
mesclava com os outros instrumentos...uma falha de estudo [...].
Por isso que eu acabei de dizer que é de extrema importância logo no início você de
preocupar em construir isso com os alunos, porque ele vai sentir falta lá na frente como eu
senti e daí que eu comecei a correr atrás, começa a entender o que é que era o universo de
tocar junto, de fazer câmara.
138

Porque você passa uma vida só tocando método, método, método...você no máximo
[...] vai tocar com piano [...], mas quando você precisa ser parte de um grupo grande onde as
vezes você se mistura ou está em destaque ou volta a se misturar [...] você precisa ter
realmente uma flexibilidade de timbre, de afinação, de correção que não pode faltar nos
estudos.

Onde você encontrou as informações sobre sonoridade? Isso ocorreu em livros ou em


métodos?

Não, eu achei nas pessoas que tocavam comigo. Um deles foi um fagotista conhecido
como “Mamão” [...] é Sergio Gonçalves acho que era o nome dele e ele se preocupava muito
com a sonoridade, ficava horas e horas estudando intervalos, estudando arpejos com a
preocupação da afinação e do timbre. [...]

Muitos desses músicos davam aulas, como você acabou de dizer...

Sim, alguns estrangeiros já tinham uma informação melhor.

Essa é a pergunta. Desses professores...

Por exemplo, o contato com o Toninho Carrasqueira que tinha chegado de Paris com a
conversa do que...aí começa a pintar a curiosidade [...] “como se estuda lá?”, “o que se faz
lá?”. Eu trabalhei muito tempo com um clarinetista chamado Leonardo Riggi que era um
italiano e que tinha uma sonoridade linda, mas assim, eu aprendi muito a questão de
expressão e interpretação tocando ao lado, mas que ele tenha me transmitido oralmente a
coisa. [...] Músico é um papagaio, repete tudo que ele escuta. É mais ou menos isso, [...] de
tanto você ouvir você acaba assimilando.

E dentre esses professores estrangeiros havia alguma nacionalidade proeminente?

Eu comecei a me profissionalizar no final da década de 70 e a gente tinha muitos


italianos que já estavam encerrando suas carreiras. Então eram escolas já ultrapassadas. Aí
tinham alguns franceses, que é o caso do Sagar – tocava flauta bem pra caramba e aí tinham
os americanos que acabaram [...] sendo maioria na época em que o Eleazar (de Carvalho) (os)
trouxe para a velha Estadual (atual OSESP).
Eu acho que a escola americana começou, digamos, a falar mais forte pela quantidade
de músicos que tinham aqui.

Mais ou menos quando isso?

Na década de 80, principalmente metais. Você tinha muitos metais americanos aqui.
Sopros, você tinha muito poucos americanos [...], sopro eu falo madeiras. [...]

Os professores estrangeiros davam aulas de instrumento para os músicos populares?

Na área popular eu me lembro de alguns que vieram, um deles que (está até) hoje, o
baterista Bob Wyatt que veio também tocar com o Nelson Ayres e acabou ficando. Tinha um
trombonista que veio [...] que eu não sei se ele trabalhava nas duas áreas (erudita e popular),
ele chamava David (que tocava) trombone baixo [...]. Depois teve um trompista, mas aí ele
139

acabou tocando um pouco numa big band do Nelson Ayres que trabalhava lá no Opus (2001).
Era o Chuck, era um negro que tocava muito bem erudito e ele participava dessas big bands
também [...], só que a linguagem...eu me lembro que ele improvisava [...], eu cheguei a ver
uma vez. Eu que talvez seja esse o que mais trilhava um pouco as duas (linguagens) [...].

Então não houveram músicos estrangeiros que deram aulas aos músicos populares...

Não era o estilo deles não. Vieram para tocar em orquestras sinfônicas mesmo.
Acho que músico popular estrangeiro, acho que vieram...eu não me lembro muito, mas
acho que de vez em quando você via alguém, mas que veio conhecer o Brasil e acabava
ficando umas três semanas, tocava um pouco e ia embora. Então, acho que não deixaram nada
aqui, [...] foram transitórios (e) não contribuíram com a formação em hipótese alguma...acho.

Você tem conhecimento sobre todos os processos envolvidos no estudo da


sonoridade?

Sim, eu acho que sim. Eu estou já com experiência de pelo menos trinte e cinco anos
de aula e digamos que eu tenha uma experiência de como fazer o aluno trabalhar.
Eu acho que o mais importante - no meu caso assim - não é fazer o aluno copiar um
som, mas ele encontrar a personalidade dele e para isso eu acho importante você fazer o aluno
entender o conceito da produção sonora do seu instrumento. No nosso caso - palheta simples -
como ela vibra, se você tocava apenas na ponta da palheta, no meio da palheta, se usa maior
ou menor abertura (de boquilha), qual vai ser a resposta dessa palheta, como colocar o ar para
fazer vibrar essa palheta constantemente, questões de articulação, o uso correto da coluna de
ar [...].
Então, tudo isso eu acho que é um... faz parte de você tentar mostrar para o aluno e
fazer com que ele entenda como isso funciona e eu acho que isso é extremamente importante,
porque ele acaba tendo ferramentas para descobrir o som dele, a personalidade dele.
Por que copiar um som é praticamente impossível. Cada um de nós tem uma formação
física diferente de arcada, de lábios, de língua. Então é muito ter dois sons exatamente iguais
e muitos músicos acabam não compartilhando do mesmo equipamento, do mesmo material. A
mesma abertura de palheta, a mesma abertura de boquilha, com numeração de palheta ou com
a mesma (a)braçadeira. Então, isso é muito pessoal.
Se você desperta o conhecimento, a curiosidade do aluno em encontrar [...] diferentes
materiais e as diferentes combinações você dá elementos para que ele encontre uma
combinação que seja ideal para ele, que favoreça as coisas que ele tem em mente, e que possa
[...] ter liberdade de usar como ele imagina. Uma vez que ele tenha decidido tudo isso, iniciar
um processo de buscar uma sonoridade que ele goste, que ele tenha em mente, fica tudo mais
fácil.
Voltando no meu início, eu tocava numa banda que tinha uma boquilha totalmente
errada, com uma palheta extremamente pesada, cortada um talão quase... era impossível você
extrair som de um instrumento que vasava, por exemplo [...].
Então, é impossível você querer imitar a sua primeira clarineta - que era nosso
objetivo - com um equipamento totalmente errado. [...] Antes de tudo, você precisa fazer com
que seu aluno tenha alguma coisa descente, alguma coisa que funcione para que ele possa não
ter nenhuma resistência [...] para desenvolver sonoridade, desenvolver apoio. Eu acho que
isso vai facilitar muito a vida do músico e uma vez que ele, depois dessas aulas, que ele
começa encontrar onde é... o quanto ele tem de embocadura, o quanto ele precisa usa de
pressão para manter a palheta com uma abertura correta, quanto de pressão de ar que ele tem
que usar, fica mais fácil depois você desenvolver exercício de sonoridade, de intervalo, de
140

fazer ele perceber as funções harmônicas que são importantíssimas com [...] tônica, terça
maior, terça menor, quinta, oitavos e eu tenho feito muito - funciona muito - é o ensino de
sonoridade coletiva, quando você tem pelo menos três pessoas que você possa trabalhar com
fundamental, quinta e terça maior ou menor... esse dinamismo com outros instrumentos [...]
você acaba conseguindo uma unidade de som entre eles [...].
Eu percebo isso na universidade [...] que eu consigo fazer com que a afinação desses
músicos melhore muito quando você começa a treinar com eles e fazer eles perceberem os
batimentos - quando eles estão muito fora, muito próximos - e a buscar. Isso existe já na
Europa a muitos anos e aqui nunca é trabalhado muito isso. Eu acho que isso é
importantíssimo.

Você tem ideia de como isso é trabalhado lá (na Europa)? Existe um método, existem
um...

Aqui nós temos uma deficiência muito grande primeiro: é que, em todo lugar [...] e eu
acho que talvez em música popular por causa do teclado possa ser mais fácil, mas na música
erudita [...] nossos alunos raramente com piano, com instrumento de afinação fixa. Então você
vê um garoto europeu de 17 ou 18 anos tocando, a última coisa que ele tem problema é com
afinação. Isso ele já sabe, porque desde os 8 anos quando ele começou, ele começou a
exercitar ouvir o instrumento dele em relação ao instrumento fixo. Então ele passou muito
tempo aprendendo como afinar o instrumento tocando com um fixo. Nós não temos isso.
Quando você tem, você tem um instrumento totalmente desafinado, nós moramos num país
tropical que é extremamente quente, nossa afinação - no caso, sopros de palheta simples -
sobem muito...então, tem essa deficiência: (não) trabalhar com instrumento fixo.
A alternativa que eu encontro é justamente - como a afinação é relativa, não é absoluta
e você precisa aprender a afinar - o treinamento eu acho que ser como você perceber o mais
rápido possível pra onde você ter que ir: ou para cima ou para baixo. Quando você usa três
estudantes sem o instrumento fixo é mais deles perceberem para onde que eles têm que ir e
também com instrumento fixo, no caso depois trabalhar com o piano.
Eu acho que um [...] (se) todas as aulas você trabalhar um pouquinho (dez minutos)
com isso, você vai despertando a percepção auditiva, você vai trabalhando... porque tem um
erro muito grande hoje em dia: todo mundo tem o seu afinador, mas todo mundo usa afinador
para visualizar a afinação. Isso está errado. Você não usa o afinador para olhar se está afinado
ou não, você usa seu ouvido! Seu ouvido precisa ser treinado para saber se você está alto ou
baixo! Os músicos antes disso (dos afinadores) tocavam muito bem afinado e não precisavam
disso, então, a gente está extremamente atrelado a uma agulhinha que sobe ou desce, ou se
deu vermelho ou se deu verde. Está errado!
Eu acho que você pode sim usar um afinador, mas para que ele emita uma
fundamental, um som...e baseado nesse som você coloca sua escala, sua terça, sua quinta, sua
oitava e daí você pode dar uma olhadela na agulha para ver se está mais ou menos afinada,
porque ela trabalha simultaneamente, ou seja, com a sua nota e a fundamental [...], ou até com
dois afinadores é interessante [...], mas nunca usar ele como visual. Isso está errado.
[...] A cada performance a história é diferente, não é absoluto. Aprender a afinar, a
gente costuma dizer que tocar afinado é desafinar junto com os outros sopros. Aí você vai
estar afinado. Então esse treinamento é extremamente importante.

Você não se lembra nem usou nenhum livro, nenhum método, nenhum nada e mesmo
nos livros e métodos que você eventualmente usa para ensinar o clarinete, você se lembra de
algum capítulo, de coisa que falasse sobre...
141

Eu acho que o grande [...] que me vem a mente agora, um dos principais músicos que
revolucionaram a sonoridade [...] do instrumento que ele tocava, mas que é aplicado aos
outros instrumentos é o Marcel Moyse da flauta. Ele tem um estudo de sonoridade que é
usado para vários instrumentos. Eu acho que ele pode ser [...] um guia.

De clarinete você não lembra de ter visto nenhum livro sobre isso...

Não. O que a gente trabalha [...] no caso do clarinete são as fundamentais e as décimas
segundas abrindo o registro (no caso do sax seriam as oitavas), mas [...] eu crio exercícios
com o instrumento e não buscando uma outra ideia. [...]
Que deve existir deve, deve sim. Eu acho que tem muito aí, eu acho que muitos
músicos já se preocupam com isso e já devem ter editado coisas como sonoridade.

Isso seria mais recente então?

É. Eu acho que vem aí da década de 90 pra cá. Nos Estados Unidos talvez na década
de 80 já existisse uma preocupação e até antes na Europa.

Mas que você tivesse conhecimento...

No meu caso não. A minha infância, como eu te disse, não era a coisa principal a
sonoridade e a afinação, era a destreza ou a velocidade com que o músico tocava (o)
Brasileirinho, Apanhei-te Cavaquinho...esse era o melhor músico. Afinação, mais ou menos
afinado, era (em) segundo plano, quando deveria ser o contrário. Você tendo uma base de
sonoridade e afinação sólida mexer os dedos depois é consequência. Você vai poder tocar
mais afinado ainda, porque técnica...não deixa de ser técnica também, você ter sonoridade,
afinação. É técnica, mas é que essa palavra técnica demorou para perceber que haviam outros
quesitos e gente ficava só em manipulação das chaves dos instrumentos.
142

Sidnei Burgani

Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Sidnei Burgani em 6 de


novembro de 2014. A veiculação e divulgação desta entrevista foi autorizada pelo
entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.

Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?

Eu não sei se sou uma exceção na música, mas o meu começo não foi muito
agradável. Eu comecei muito cedo, com sete anos de idade no bairro do Rudge Ramos em São
Bernardo do Campo, e como meus irmãos mais velhos já frequentavam uma banda musical
que existia no bairro eu fui meio que obrigado a segui-los. Era uma tradição nessa época
seguir os passos dos mais velhos e eu comecei a estudar música, de certa forma, obrigado.
Como toda criança brasileira com essa idade eu queria ser jogador de futebol, a música não
estava nos meus planos.
Por que eu acho que não gostei de estudar música? Porque a didática utilizada naquela
época – por volta de 1971 – era bruta. O maestro era um militar e ele usava a força – dando
puxões de orelhas, chutando ou batendo nos dedos – para ensinar música e eu acho que isso
foi uma coisa complexa para mim. Ou você amava e seguia na música, como foi o caso dos
meus irmãos ou você odiava, como foi o meu caso.
Foi um começo traumático na música, mas no decorrer da minha vida eu acabei
adquirindo gosto, numa área diferente, com instrumento e situações diferentes.

Pelo que você me descreveu vocês tinham uma pessoa que fazia o papel do mestre de
banda. Pode me descrever um pouco de como era esse ensino? Haviam mais professores?

Quanto a didática musical o maestro era o grande líder e ele, tinha se não me engano,
uma ou duas assistentes que ajudavam também lecionando. Ele pegava os alunos mais velhos,
que já estavam mais evoluídos e utilizada uma técnica para o ensino através do Bona124 .
Usava-se muito esse livro de solfejo na época e basicamente as pessoas começavam do zero,
fazendo o solfejo falado e não cantado, até perto de um quarto do livro. Depois disso o
maestro perguntava quem queria seguir tocando um instrumento de percussão, dizia que isso
já seria possível. Quem quisesse tocar um instrumento melódico voltaria para a lição um do
Bona e tocaria aqueles solfejos no instrumento.
Esse foi basicamente meu começo na música: fazíamos o Bona, separados em turmas
dependendo do nível de cada pessoa e fazíamos esse livro em solfejo falado.

Como foi o seu aprendizado de fato na música?

Depois que fizíamos o Bona, você tinha condições de pegar o instrumento fazendo
novamente o Bona da lição e a aula de instrumento individual acontecia uma vez por semana.
Nesse começo, pelo que me lembro, eu usei o Bona até o professor indicar no método do
Klosè. Começamos então a fazer as aulas individuais uma vez por semana do método Klosè


124
Método completo para divisão, de Paschoal Bona.
143

juntamente com os ensaios da banda, que aconteciam uma ou duas vezes por semana. Eram
duas bandas: a banda principal e a B, que era dos iniciantes e que era o meu caso.

Como era visto o ensino da música?

Naquela época? Foi uma época na qual havia o ensino da música nas escolas, como
estão tentando fazer novamente, e era realmente música. Não uma coisa cantada, era um
ensino da música onde se ensinavam os elementos musicais essenciais: pentagrama ou mesmo
tocar um instrumento musical.
Como eu disse, no meu caso foi traumático, mas para quem quis seguir como meus
irmãos acho que foi algo muito válido. Era um ensino em escolas públicas no qual você tinha
a oportunidade de aprender música. Eu acho que é uma possibilidade a mais de carreira para
um aluno que está querendo conhecer o mercado de trabalho.

Como era visto o músico popular pela sociedade?

Bem, esse foi meu período inicial, que foi dos meus sete aos quatorze anos de idade,
em que eu odiava e não tinha nenhuma noção do que era a música.
Meus irmãos já eram músicos e, a partir dos meus quinze anos de idade, tínhamos um
trombone de pistom que era usado pelo meu irmão mais velho. Não sei por qual motivo ele
havia comprado um trombone de vara, mas eu tive vontade de aprender trombone
simplesmente para tocar no carnaval. Meus irmãos já tocavam, eu me lembro de ter ido uma
ou duas vezes e gostei daquilo. Então essa era minha ideia: aprender o trombone
simplesmente para tocar no carnaval.
Eu felizmente fui indicado para ter aulas com o grande Gilberto Gagliardi, ao meu
modo de ver uma referência no Brasil para os trombonistas. Assim eu comecei de uma
maneira correta com um grande professor e adquiri gosto muito rapidamente pela música.
Comecei no mundo erudito, mas paralelamente a isso, nós já tínhamos contato com
grandes músicos do mundo popular. Pelo fato de frequentar a Escola Municipal de Música de
São Paulo (EMSP), uma vez ou outra eu ia com meu professor assistir ensaios de big-bands
ou outros grupos e aos poucos ele começou a me mostrar esse outro lado da música. Eu acho
que o músico era ainda muito respeitado nessa época. Os músicos mais antigos contam
histórias nas quais eles se reuniam, principalmente os músicos da área popular, num ponto
que acredito que ficava na praça da Sé. Esse era o Ponto dos Músicos, lugar onde eles se
reuniam para conversar e esperar trabalho. Esse era o local onde se procurava por músicos.

Quais eram as atribuições do músico popular? Davam aulas, compunham, tocavam


ou participavam de bandas?

Eu acredito que até hoje o músico popular sempre foi visto como um profissional
performance. Aquele músico que estuda em casa, ouve, transcreve para pegar seu instrumento
e poder tocar na noite, faz shows, gravações ou televisão. Essa é a visão do músico popular
que eu sempre tive e cresci convivendo com isso.
Com a experiência que eu tenho no mundo da música acho que isso atualmente é
muito pouco. Embora alguns ainda consigam sobreviver simplesmente tocando eu acho que o
mercado te joga para todos os lados, independente de ser erudito ou popular e você tem de
tocar ou arranjar. Se você é um músico erudito, tem de ter um conhecimento básico de
harmonia ou mesmo improvisar alguma coisa muito simples e vice-versa. Se você é um
músico popular não basta simplesmente improvisar. Você tem de estar apito a tocar uma peça
144

com uma leitura um pouco mais complexa ou saber dar um workshop. Acho que o mercado
fez com que os músicos hoje em dia precisassem ter esse âmbito mais abrangente.

Mas na década de 70 ou 80 você acha que ainda não era assim?

Não. Posso falar melhor da década de 80 porque antes disso eu era muito jovem Os
poucos músicos da noite que conheci que tocavam no Gallery125 e no Opus 2004. Eu acho
que o pessoal do popular vivia eram mesmo performances, tocavam na noite e claro também
faziam as gravações.
Em relação a dar aulas, eu acho em primeiro lugar que nunca houve tantas escolas
como hoje em dia. Atualmente temos a EMESP e a Escola Municipal (EMSP), mas acredito
que isso é algo recente. Realmente acho que os músicos de gerações mais antigas eram mais
ligados à performance.

Você acha que essa performance agregava de alguma forma algo no desempenho dos
músicos?

Claro, acredito em cem por cento nisso. Acho que ficar estudando dez horas por dia
em casa sozinho, mesmo com playback, é uma coisa. Agora, você chegar para encarar uma
situação, de tocar com um grupo, exige um outro reflexo, é outra pegada. É muito importante
essa experiência de poder tocar num trio, num quinteto, numa big-band ou mesmo numa
orquestra, isso faz parte do aprendizado.

Voltando um pouco, você disse que foi aluno da Escola Municipal, que é uma escola
dirigida prioritariamente para a música erudita. Poderia me contar como foi a sua vivência
na escola e o que você estudou?

Eu cheguei na Escola Municipal (EMSP) com cerca de quinze anos de idade para
aprender trombone, tive o prazer de estudar com o grande mestre Gilberto Gagliardi e na
visão dele – com a qual eu concordo, independente do estilo e mesmo a Escola Municipal
sendo naquela época noventa e nove por cento voltada a música erudita – primeiramente você
precisa estudar o instrumento.
Nela, você precisa tentar dominar o máximo do instrumento para depois assimilar
algum estilo. Você pode ir para o jazz, popular, o rock, erudito, seja lá o que for. Eu acredito
que no começo dos estudos, quanto mais domínio do seu instrumento, tentando desenvolver
todas as técnicas de respiração, embocadura, afinação, quanto mais você deixar o estilo de
lado e se envolver com o instrumento haverá um progresso melhor. Embora na escola
americana hoje em dia o ensino coletivo não pense dessa maneira, eu ainda acho que você
pode ter aula individualmente, primeiro focando no instrumento.

Sendo a Escola Municipal uma escola voltada para a música erudita, você se lembra
se havia alguma escola voltada à música popular?

Me parece que na época, logo quando eu comecei com quinze anos de idade – ou seja,
estamos falando de 1977 – me parece que tinha a escola do grupo CLAM126, que se não me

125
The Gallery foi uma boate localizada na cidade de São Paulo, fundada em 1979 por José Victor Oliva, José
Pascowich e Ugo di Pace. Fonte: Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Gallery). Acessado em 20 de
agosto de 2016.
126
Centro Livre de Aprendizagem Musical.
145

engano foi fundada pelo Amilton Godoy e era uma escola de referência para todo mundo que
quisesse aprender o popular. Essa era a escola que eu conheci.

E essa era a única forma de se aprender música popular?

Eu acho que, nessa fase as pessoas já estavam procurando por professores e escolas,
talvez estivesse começando a se construir uma filosofia em cima da ideia de se procurar
alguém para ter aula. Eu acho que antes disso, e segundo o que os músicos mais antigos
dizem, as pessoas simplesmente adquiriam o instrumento e ouviam o rádio, copiavam e
imitavam o que eles ouviam ou saíam na noite para conversar com os músicos e tentar
aprender alguma coisa. Essa era uma maneira de se aprender.
A partir da década de 70 ou começo da década de 80, começou a se criar – pelo que eu
me lembro – essa concepção de ter uma escola e de ter um aprendizado, mesmo para a escola
popular.

Você poderia dizer que foi nesse momento que começaram a surgir os professores de
música popular?

Eu não saberia dizer ao certo se foi nesse momento, mas eu acho que a partir da
década de 70 ou 80 o mercado do músico performer começou a diminuir em relação ao
número de trabalhos e automaticamente fez com que os músicos procurassem outras
alternativas. Eu acho que uma primeira alternativa para todo músico que toca é lecionar.

Tem conhecimento de alguma rotina de estudos feita de forma específica para o


estudo da sonoridade?

Eu acho que para o som, qualidade de som, que envolve afinação e timbre o mais
comum no mundo é a nota longa, mas paralelo a isso existem outros estudos. Eu
particularmente gosto de fazer um estudo que abrange algo mais natural do meu instrumento
que é o trombone.
Cada instrumento tem uma característica muito natural que, no caso do trombone, é o
glissando. Eu uso o glissando para melhorar o meu timbre, criar resistência e afinação. No
meu caso eu uso isso, mas acho que a maioria das pessoas faz notas longas.
Uma vez conversando com meu irmão127, que é clarinetista da OSESP128 e falando
sobre o que ele achava das notas longas, ele me disse algo muito interessante. Disse que um
professor dele parece ter dito num simpósio que, ao invés das pessoas estudarem notas longas,
porque elas não tocavam um adagio? Por que as pessoas não escolhiam uma música lenta,
uma balada ou um adagio? Elas estariam fazendo música, isso é mais interessante do que
você ficar parado simplesmente soprando uma nota longa e que a finalidade é a mesma. Isso é
interessante, as vezes eu tento aplicar isso também.

Você poderia dizer que tem conhecimento sobre todos os processos envolvidos no
estudo da sonoridade?

Não. Eu acho que a música atualmente, principalmente por causa da internet, está se
modificando tão rapidamente que é quase impossível alguém falar que tem amplo


127
Sergio Burgani.
128
Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.
146

conhecimento do que se passa em qualquer situação da música. Tudo muda muito rápido: as
escolas, os professores e as técnicas.
Nós, por experiência, por frequentar workshops, simpósios de música, festivais, dar
aulas de maneira rotineira convivendo com alunos por mais de trinta anos, conheçamos
bastante da didática principalmente do mundo popular, mas não cem por cento. Eu poderia
dizer que estou atualizado em oitenta e cinco ou noventa por cento do que acontece no
mundo.

Você usava métodos para trabalhar a sonoridade e, caso tenha usado, se lembra se
eles tinham algo específico sobre a sonoridade?

O início dos meus estudos com o professor Gilberto Gagliardi foi uma época na qual
ele estava elaborando seus métodos para trombone. Eles ficaram famosos e ainda hoje são
usados de forma direta ou indireta pelos alunos. Eu acredito, juntamente com o (trombonista)
Roney Stela, que fomos usados pelo Gagliardi como cobaias de laboratório. A maioria dos
estudos eram baseados no que nós tocávamos ou para que nós tocássemos.
Esse método do Gilberto Gagliardi, principalmente seu começo, era em cima da
sonoridade, com exercícios feitos completamente para o som, a afinação, embocadura e com
coisas lentas. Eu usei muito esses métodos do Gilberto Gagliardi no meu começo.

Você se lembra de alguns desses exercícios? Poderia os descrever?

Esses exercícios não eram somente sobre sonoridade. Ele fazia estudos de som
juntamente com o descobrimento das técnicas da vara do trombone. Temos então sete varas,
com sete posições que ele começava explicando da primeira posição. Através de uma mescla
das posições da vara do trombone estávamos aprendendo ao mesmo tempo as posições das
notas no instrumento e, com isso, ele observava a sonoridade, o timbre e a afinação. Muitos
alunos usam isso ainda hoje.

Você se lembra como os livros que tratavam do estudo da sonoridade chegaram até o
professor Gagliardi ou até você?

O Gagliardi usava paralelamente aos livros dele outros dois ou três livros. Um era um
livro de leitura chamado Blazhevich 129 que é técnico. Os trombonistas, principalmente do
erudito, muitas vezes precisam usar três ou quatro claves e esse livro trata desse assunto. É
um livro com estudos melódicos e com alternância de claves. Outro método anterior ao
Blazhevich era o Peretti130, um método italiano também com estudos melódicos e escalas.
Essas foram basicamente as três metodologias que ele usou comigo.
Nós tínhamos talvez dois ou três lugares em São Paulo com acesso a materiais
musicais, fossem partituras ou métodos que eram a Casa Bevilacqua, a Casa Manon e a Casa
Amadeus. Quem podia comprava esses métodos porque eles eram caríssimos, mas a maioria
os copiava dos próprios professores. Nós não tínhamos esse acesso que existe hoje em dia.
Quem tinha os livros deixava copiar ou mandava importar, mas eles eram caríssimos.

Você se lembra se havia muitos professores estrangeiros dando aulas em São Paulo e,
caso tenha essa lembrança, poderia dizer qual era a metodologia que eles usavam?


129
Vladislav Blazhevich.
130
Metodo per Trombone a Tiro de Peretti S..
147

Como eu falei, comecei com quinze anos de idade, adorei imediatamente estudar
trombone, tive o privilégio de com seis meses de estudo de ir tocar na Orquestra Jovem de
São Paulo e com um ano já estar trabalhando no Orquestra do Theatro Municipal de São
Paulo. Eu pude presenciar uma mudança na orquestra, formada em sua maioria por músicos
da Itália e que entre a década de 80 e 90 começaram a se aposentar. Essa mudança que trouxe
os músicos americanos para o Brasil, ou mesmo, para o estado de São Paulo.
Eu presenciei essa mudança de escolas e maneiras de tocar, na qual os italianos tinham
uma postura mais tradicional e os americanos tinham uma nova roupagem, uma nova visão
musical, além da faixa etária muito mais baixa que dos italianos. Isso foi muito interessante.
Eu me lembro de um jovem trompetista americano chamado Paul Mitchel tocando os
famosos estudos do Arbans131, um método que todos os instrumentistas de metais usam. Nós
aprendemos a execução desses estudos com os italianos de uma forma mais curta e o Mitchel
apareceu aqui tocando tudo mais tenuto, de uma forma mais longa. Me lembro que achamos
isso muito diferente. Não que da outra forma estivesse errado, mas era simplesmente
diferente.
Isso aconteceu dentro do mundo erudito, mas na música popular eu não nunca
presenciei essa mudança com os músicos estrangeiros.

Qual a importância que você atribuiria ao estudo da sonoridade para o desempenho


geral do músico?

Foi bom você ter tocado nesse assunto porque nas minhas conversas com amigos esse
é um item que, na minha maneira de ver, se não for o número um é algo que eu levo muito em
consideração e para mim é essencial. Posso dizer porque que tive o privilégio de ter estudado
fora do país e eu convivi com excelentes músicos.
Me lembro de uma situação na qual eu estava tocando num ensemble da minha
faculdade e havia um saxofonista que tocava sax-alto incrivelmente bem. Ele tinha uma
técnica maravilhosa, tocava os solos do Charlie Parker132 perfeitamente, mas ele tinha um
som horrível. Ele era muito desafinado, mas as notas não tinham um centro. Ele consiga tocar
todos os links do Charlie Parker, mas ele não conseguia ir para lugar nenhum porque, na
minha visão, se a pessoa da uma nota linda e maravilhosa, ele já me ganhou. Dentro da minha
visão musical a técnica vem depois. Primeiramente eu acho necessário um timbre e uma
afinação decentes para depois vir o resto, seja tessitura, técnica ou staccatos duplos e triplos.
O primeiro passo deve ser insistir nesse foco de tentar tocar o mais bonito possível, ou
seja, tentar tocar o mais afinado, correr atrás do melhor timbre que puder ter no instrumento.

Você teve uma oportunidade que poucos músicos brasileiros têm, de estudar fora do
país e viver duas realidades distintas. Você conseguiria descrever quais foram suas
impressões sobre isso?

Eu acho que foram dois momentos distintos. Antes de estudar fora, falei de uma época
na qual não tínhamos a internet e nem os celulares. Minha fase como estudante talvez tenha


131
Complet Conservatory Method for Trumpet de J.B. ARBAN.
132
Charles Parker, Jr. foi um saxofonista e compositor americano de jazz. No início da sua carreira, Parker foi
apelidado de Yardbird; esse apelido mais tarde foi encurtado para Bird e permaneceu como o apelido de Parker
para o resto da sua vida. Fonte: Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Charlie_Parker). Acessado em 21 de
agosto de 2016.
148

sido mais fácil do que a dos meus professores em relação às informações, mas foi mais difícil
do que acontece hoje em dia.
Atualmente, para quem estuda numa grande cidade com acesso a internet e às
informações está muito mais fácil ser um músico profissional. A diferença entre estar no
Brasil e estar lá fora numa grande universidade é que aqui, principalmente quem está numa
grande cidade como São Paulo, encontra excelentes professores, instrumentos bons e
acessíveis para aquisição, metodologia, materiais e internet. Dessa forma, se você está em São
Paulo ou em Nova York a diferença de metodologia entres os professores será mínima,
principalmente por causa da internet.
A grande diferença que realmente senti na pele foi o fato de ter respirado música vinte
e quatro horas por dia. Da hora que levantava e chegava na escola eu tinha quase vinte e
quatro horas de música com aulas, workshops, recitais, palestras, jam sessions, filmes, tudo
em volta do seu instrumento e da música. Isso realmente nós ainda não temos, mas melhorou
bastante.
Hoje em dia as escolas e universidades de São Paulo estão começando a tentar criar
esse ambiente musical, que é tão sadio e tão bom para o profissional. Isso foi o que senti que
eles têm lá e que nós não temos aqui.
Em relação e didática, aos professores e a metodologia, realmente lá ainda existe uma
gama de profissionais ampla, principalmente se estiver na costa leste americana ou mesmo na
Europa, com muitas universidades, muitos professores e muitos músicos, maior do que temos
aqui. Porém, os mundos – por conta da internet – estão tão próximos que para mim essa é a
grande diferença.
149

Vitor Alcântara Brecht

Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Vitor Alcântara Brecht em
27 de janeiro de 2015. A veiculação e divulgação desta entrevista foi autorizada pelo
entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.

Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?

Pela minha experiência ela era ensinada em casa, porque eu tenho família de músicos
– desde a minha bisavó – e eu aprendi em casa. Primeiramente com a minha mãe, depois com
meu avô e, mais tarde, na minha adolescência eu tive a experiência de estudar no
conservatório do Zimbo Trio (CLAM 133 ) onde fui estudar piano, e cheguei a ter uma
experiência estudando com uma professora particular. Eu tinha um conhecimento muito vago
sobre a Escola Municipal (EMSP) na qual eu consegui entrar, mas não consegui conciliar os
horários.
Essa coisa do ensino da música não tinha a amplitude que tem hoje em dia com todas
essas opções de projetos, como o auditório do Ibirapuera, EMESP, Projeto Guri e orquestra de
Heliópolis. Hoje em dia todas as igrejas evangélicas têm algum tipo de ensino de música que
mal ou bem ensinam dando uma direção. Para mim isso aconteceu dentro de casa mesmo.

Como era visto o ensino da música?

Sob meu ponto de vista isso era visto de forma muito séria na minha casa, até séria
demais, mas era uma história que a gente ouvia falar fora dali e uma experiência que eu tive
até uma certa idade, na qual a música era vista como uma profissão marginal, uma coisa
secundária.
As pessoas ricas estudavam música porque era chique ou por uma questão de história,
de arte, cultural, mas não como profissão. As pessoas pobres escolhiam a música porque isso
era melhor do que um trabalho braçal, do que passar fome ou ainda trabalhar de empregado
para os outros. Era uma alternativa, mas a impressão que eu tinha era que se considerava a
música uma profissão marginal. Hoje em dia não mais, mas na minha época era essa a
impressão que eu tinha.

Qual é esse período ao qual você se refere?

Eu comecei a estudar música com nove anos de idade, então estamos falando dos anos
70 até os anos 90. Depois eu fui me envolvendo mais e esses comentários já não faziam
diferença. Já não me interessavam mais porque eu já estava envolvido, já estava vivendo de
música.

Como era visto o músico popular pela sociedade?


133
Centro Livre de Aprendizagem Musical.
150

Se a pessoa era um artista, se ele era conhecido, era respeitado porque era artista. Ele
ganhava dinheiro, era famoso e tudo mundo o conhecia. Mas não porque ele era bom ou ruim
e sim, porque era famoso e ganhava dinheiro. Pessoas famosas ganham dinheiro e então são
bem-sucedidos.
No caso do músico comum, que é o meu caso e da maioria daqueles que gostam de
tocar, éramos marginalizados. As pessoas sempre esperavam que você uma hora desistisse e
arrumasse algum trabalho descente ou alguma coisa séria. Eu costumo falar que todo mundo
quer um quadro do Van Gogh ou um tapete persa, mas ninguém quer uma pessoa sujando de
tinta sua lavanderia tentando pintar. As pessoas querem o produto pronto.

Quais eram as atribuições do músico popular? Dava aulas, compunha, tocava ou


participavam de bandas?

Eu acho que tudo isso aí. Muitas vezes as atribuições não são escolhidas, elas estão
muito ligadas à necessidade de sobrevivência e as vezes da necessidade de realização
profissional, de ser bem-sucedido. Essa é uma negociação bem difícil. Já tive muitos
problemas com isso, já deixei de dormir questionando essa situação.
Eu não entrei na música para ganhar dinheiro. Aliás, eu tenho uma opinião muito clara
sobre isso: eu acho que as profissões não devem ser escolhidas somente em função do
dinheiro. Você escolhe a profissão de acordo com o que você quer fazer e o dinheiro vai
aparecer ou não em função disso. Se for para eu passar fome passarei fazendo aquilo que eu
gosto.
Quanto a essas atribuições, a primeira delas é querer fazer, porque existem muitas
pessoas que estão na música e não queriam fazer música. Acho então que a primeira
atribuição deve ser o querer, não é nem o poder, é querer.

Tem conhecimento de alguma rotina de estudos feita de forma específica para o


estudo da sonoridade?

Na verdade, a primeira informação que eu tive sobre o assunto foi bem superficial, não
por conta da pessoa que a passou para mim, que no caso foi meu tio Carlos Alberto
(Alcântara), mas pela própria postura dele. Ele sempre disse que não era um professor.
Acabou falando exercícios de respiração de uma maneira bem descompromissada, exercícios
que ele chamava de “exercício do Rô”.
Depois eu estudei com o (Nailor Azevedo) Proveta que já era uma pessoa mais
profunda, com mais mecanismos para falar disso. Ele me falava de um exercício utilizado
num determinado período pelos trompetistas – não sei se eles ainda usam – chamado Caruso,
que visa a criação de consistência na embocadura, além da realização de exercícios de
sonoridade sem haver movimentação da embocadura para assim desenvolver a musculatura
dessa região.
Isso foi fundamental para mim porque eu tive muitos problemas de embocadura e
descobri através do Proveta que se tivesse consciência da sonoridade, da minha capacidade de
controlar o som, eu poderia controlar melhor estas dificuldades de embocadura.

O que era dito sobre a sonoridade? Qual a importância atribuída a sonoridade?

No meu caso, devido o envolvimento que eu tinha com o Proveta, era a coisa mais
importante. Até hoje para mim ela não é a coisa mais importante, mas ela é fundamental. Eu
151

vejo grandes representantes da música popular da minha área – instrumentos de sopro – dizer
que a coisa mais importante é a nossa voz, que é sonoridade. Já ouvi vários músicos em
entrevistas, comentários, workshops ou vídeos falarem que se você não tem voz ninguém te
ouve. Se você não consegue ser ouvido não adianta ter assunto. Você precisa ter voz para
transmitir o seu assunto que, no nosso caso, é a sua música.
Então é fundamental o trabalho de sonoridade. Se você tem uma hora para estudar,
deve-se começar estudando sonoridade e no tempo que sobrar estude as outras coisas. Se você
tem duas horas deve fazer a mesma coisa e assim sucessivamente. Eu acho fundamental e
primordial estudar sonoridade.

Você usava métodos para trabalhar a sonoridade e, caso tenha usado, se lembra
quais eram os livros ou métodos com essas informações?

Com o Proveta, eu estudava os exercícios que ele me passava e eram coisas bem
simples, mas existe uma cópia de um livro que ele me deu que não é bem sobre sonoridade.
Ele fala sobre articulação, posição de língua, posição de embocadura e esse livro é do Henry
Lindeman134.
Eu acho que o grande livro, que não fala somente de sonoridade, mas tem muitos
exercícios sobre isso complementados com outras coisas que eu acho muito legais é o livro do
David Liebman. Para mim essa é a bíblia do estudo da sonoridade que se chama Developing a
personal saxophone sound135 que agora foi lançado em português pela editora Souza Lima.
Temos então esse livro que fala sobre sonoridade, sobre posição da boca, da língua, exercícios
de harmônicos, de flexibilidade e é fundamental, muito bom.

Nesses métodos de ensino o que era prioritário? A sonoridade ou algum outro


aspecto?

Pelo que eu entendi, o mais importante é a sonoridade e o trabalho da coluna de ar. Eu


vejo nos meus alunos muitos questionamentos ligados a um aspecto visual, sobre a posição da
boca. Ela faz parte do processo, mas é uma consequência. A postura do seu lábio e da língua
depende muito do que você faz com o ar, mas uma coisa que o Proveta falava muito e que eu
respeito, era que tudo deveria ser antes imaginado. O som tem de estar dentro da sua cabeça,
você tem de imaginar o som, dar forma para o som. Por que assim se entrega esse som para os
mecanismos que você vai usar (coluna de ar, posição de língua e embocadura) como um
produto mais pronto. Tudo isso é usado somente como um veículo, que é a função correta do
corpo.

Você se lembra da existência de alguma escola voltada especificamente ao ensino da


música popular?

Que eu me lembre, havia a Fundação das Artes de São Caetano do Sul, na qual eu
frequentei uma banda chamada Salada Mista que era comandada pelo Antônio Duran, um
argentino que trabalhou na banda do Maksoud Plaza, mas eu não conheci os cursos. Eu sei
que quem dava aula lá era o Hector Costita, o Robero Sion, o Tuca (Amilson) Godoy e outros
importantes nomes da música popular, mas não cheguei a frequentar os cursos porque eu

134
Henry Lindeman Method: A Detailed Analisys of Embochure, Breathing, Tone Production, Vibrato,
Tonguing, Phrasing & Articulation.
135
Desenvolvendo uma sonoridade pessoal no saxofone.
152

trabalhava em um banco e o horário que eu tinha disponível era somente aquele no qual
ensaiava a noite.
Nessa época havia o CLAM136 que era voltado para a música popular e eu me lembro
que fiz uma ou duas aulas no máximo numa escola que se chamava Novo Tempo, uma escola
que tinha um professor muito respeitado por todos chamado Lambari (Eduardo Pecci). Ele
tocava clarinete na Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal de São Paulo, mas foi uma
referência durante muito tempo como primeiro sax-alto nas maiores e melhores big-bands do
Brasil. Ele dava aulas nessa escola, aulas de saxofone popular, mas não voltado à
improvisação. Seu curso era voltado à execução, como tocar em naipes, leitura e tocar o
saxofone direito, que é uma coisa importantíssima. Mas eu não tive a oportunidade de fazer
muitas aulas com ele, foram somente uma ou duas. Essas são as escolas que eu me lembro.

Então como se aprendia música popular?

Tocando, era com a experiência em campo. Eu comecei a estudar com o Proveta e na


primeira oportunidade que tive fui tocar, a convite provavelmente de um dos meus tios que
tinha contato com uma pessoa chamada Eli, numa orquestra de baile que tocava no clube
Homs da avenida Paulista aos domingos à tarde.
Eu me lembro que existiam três tipos de mercado, pelo menos no mundo que eu vivia:
o mercado das gafieiras, o mercado das bandas de baile e o mercado da noite, que eram os
músicos de boate. Cada um desses mercados tinha um trabalho específico. Na gafieira você
lia, havia muita leitura e quem se aventurava a improvisar assim o fazia, senão não
improvisava. As bandas de baile eram os ensaios, a execução e o ensaio. Na noite era a
improvisação, na qual a pessoa aprendia a tocar de ouvido o repertório. Essas eram as coisas
mais específicas.
Existiam os shows e gravações, mas ainda não estava nesse patamar. Eu acho que o
mais importante nessa época era a experiência de conviver tocando com algum tipo de
trabalho específico.

Você poderia então dizer que as bandas agregavam alguma coisa no desenvolvimento
performático do músico?

Alguma coisa não, elas eram fundamentais. Como você não tinha essa acessibilidade
da internet, não tinha essa variedade de ensino com faculdades, com cursos, cursos técnicos,
com alternativas de escola e professores, a melhor alternativa era aprender tocando mesmo.
Você tinha bastante opção para tocar, bastante opção para trabalhar com música. Tivemos um
período em que tínhamos muitas opções de trabalho na música e depois tivemos um período
no qual tínhamos mais opções de tocar, fazer músicas mais improvisadas e mais elaboradas.
Hoje nós temos bastante professores, bastante opções de ensino, seja em escolas ou
em nível superior, técnico ou livre, mas temos poucas opções para tocar. Eu costumo dizer
que não está pior, está diferente.

Você poderia dizer que tem conhecimento sobre todos os processos envolvidos no
estudo da sonoridade?

Não. Eu acho que não, mas eu acho que tenho bastante informações em função do
problema grave que eu tive com a embocadura e que afeta diretamente a sonoridade. Como eu


136
Centro Livre de Aprendizagem Musical
153

tive esse problema acabei me atentando muito mais, tendo muita consciência sobre isso. Mas
dizer que sei todas as alternativas, muito pelo contrário, eu sempre estou me policiando e me
vejo cometendo grandes erros. No meu caso tudo é voltado para a tensão, talvez pela minha
natureza, talvez porque eu comecei mais tarde, por eu ter nascido em São Paulo e essa cidade
ser um lugar estressante e por eu ser latino. Tudo isso acaba influenciando na sonoridade e
então procuro sempre ter um pouco mais de consciência para compensar isso.

Como os livros que tratavam do estudo da sonoridade chegaram até você?

Foi através da famosa xerox, que era uma cópia de alguém que trouxe. Por exemplo,
na época meu tio, o Magno D’Alcântara, trabalhava com o Roberto Carlos que era um dos
poucos artistas brasileiros que viajavam com frequência para a Europa e para os Estados
Unidos. Ele comprava muito material que depois as pessoas copiavam.
Eu não me lembro se esse meu material sobre o qual falei foi conseguido através dele
ou de alguma outra pessoa, mas normalmente era uma cópia. Hoje em dia você pode comprar
através de lojas que importam, através de lojas virtuais ou ainda baixar esse material na
internet gratuitamente, dependendo do método. Esses métodos sobre os quais eu falei de
sonoridade podem ser baixados gratuitamente.
154

ANEXO K (CD)

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