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SÃO PAULO
2016
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SÃO PAULO
2016
3
CDD 788.7
4
____________________________________________
Prof. Dr. Sonia Regina Albano de Lima
UNESP – Orientador
____________________________________________
Prof. Dr. Carlos Afonso Sulpício
FACULDADES SANTA MARCELINA
____________________________________________
Prof. Dr. Flávio Apro
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ - UEM
Agradecimentos
RESUMO
ABSTRACT
This research aims to identify the importance and benefits of a study routine focused on
sonority in wind instruments. The objective of that kind of study is to obtain better
performance development and could be adopted by saxophonists and other wind players as
well. The investigation also found out the origins of sonority techniques, notably the ones
related to the breathing process. The research method concentrates on describing the
pedagogical sonority workbook developed by this researcher; reviewing workbooks and
handbooks that target wind musicians, especially saxophonists; finding theoretical basis
encompassing questions related to breathing process and air emission; conducting an action
research with students from Escola Municipal de Música; and interviewing professional
musicians, both popular and classical, to verify their knowledge regarding study practices,
breathing information and sound emission. That allowed me to delineate a general perspective
regarding the comprehension by musicians and instructors and the approach given by book
authors to sonority studies—it is worth mentioning that musicians and instructors participants
in this study are mainly from São Paulo. The results show that breathing techniques used by
wind performers originate from singing techniques. Additionally, results demonstrate that the
adoption of the practice dedicated to sonority development offers benefits to the practioner, as
volume enhancement and timbre uniformity through all instrument regions. This dissertation
includes, besides Introduction and Final Conclusions, four chapters that describe
simultaneously the pedagogy applied by this researcher in studying sonority, the theoretical
foundation of the research, the action research and the results discussion.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – A pronúncia das articulações..............................................................................21
Figura 2 – Nota de referência................................................................................................22
Figura 3 – Estudo das Articulações da Apostila Básica de Sonoridade............................25
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LISTA DE TABELAS
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 13
1. Problemática ..................................................................................................................................... 13
2. Objetivo ............................................................................................................................................. 15
2.1. Objetivo principal .................................................................................................................................... 15
2.2. Objetivo secundário ................................................................................................................................ 15
3. Metodologia da pesquisa e procedimentos metodológicos ...................................................... 15
4. Descrição dos capítulos ................................................................................................................... 16
CAPÍTULO I ...................................................................................................................................... 18
A apostila básica de sonoridade: função pedagógica e utilização no ensino da sonoridade. .... 18
CAPÍTULO II .................................................................................................................................... 26
Fundamentação teórica para a elaboração da pesquisa ................................................................... 26
1. A origem das técnicas de respiração e sua assimilação pelos instrumentistas de sopro ........ 26
2. O estudo da sonoridade no saxofone ...................................................................................................... 33
3. Estudo da sonoridade em outros instrumentos de sopro
............................................................... 40
4. A necessidade de um olhar interdisciplinar no estudo da sonoridade ......................................... 42
4.1. O fenômeno da respiração avaliada sob o viés da biologia e da fisioterapia. ...................... 43
CAPÍTULO III ................................................................................................................................... 50
A pesquisa-ação ......................................................................................................................................... 50
CAPÍTULO IV ................................................................................................................................... 58
Entrevistas realizadas e discussão dos resultados coletados ........................................................... 58
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 69
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 73
APÊNDICE A .................................................................................................................................... 76
APÊNDICE B .................................................................................................................................... 77
APÊNDICE C ..................................................................................................................................... 78
APÊNDICE D .................................................................................................................................... 79
APÊNDICE E ..................................................................................................................................... 80
APÊNDICE F ..................................................................................................................................... 81
APÊNDICE G .................................................................................................................................... 82
APÊNDICE H .................................................................................................................................... 83
APÊNDICE I ...................................................................................................................................... 84
ANEXO J (Entrevistas) ................................................................................................................. 85
Carina Leal da Fonseca Ladeira ........................................................................................................... 85
Carlos Alberto Alcântara ........................................................................................................................ 88
Carlos Sulpício ........................................................................................................................................... 93
Daniel Salles D’Alcântara Pereira ........................................................................................................ 99
Eduardo Pecci (Lambari) ..................................................................................................................... 102
Maurício de Souza Roberto ................................................................................................................. 111
Nailor Azevedo Proveta ........................................................................................................................ 118
Ovanir Buosi ........................................................................................................................................... 121
Rafael Galhardo Caro ........................................................................................................................... 127
Sérgio Burgani ........................................................................................................................................ 134
Sidnei Burgani ........................................................................................................................................ 142
12
13
INTRODUÇÃO
1. Problemática
prática docente com maior intensidade e que os alunos, necessariamente, precisavam dedicar
mais horas a esse quesito.
Realizei uma análise dos livros e métodos utilizados naquele período (2009) visando
localizar as informações envolvendo o estudo da sonoridade e, assim, repassá-las com maior
clareza aos meus alunos. Os métodos avaliados foram os seguintes:
2. Objetivo
Por meio desses tópicos serão abordadas as questões que, desde o início da minha
formação musical, foram as fontes das maiores controvérsias dentro da minha rotina de
estudos ao saxofone. Pretende-se ainda a obtenção de informações que possibilitem o
17
estabelecimento das origens das técnicas respiratórias utilizadas pelos instrumentistas, bem
como uma possível definição do grau de importância a ser atribuído à respiração durante a
execução dos instrumentos de sopro.
No capítulo seguinte, intitulado A pesquisa-ação, será realizada a descrição das
ferramentas metodológicas adotadas com o propósito de averiguação dos resultados obtidos.
O quarto capítulo deste trabalho tratará da discussão em torno das informações
colhidas por meio de entrevistas realizadas junto a músicos profissionais, assim como das
percepções dos alunos submetidos às informações contidas na Apostila Básica de Sonoridade.
18
CAPÍTULO I
1. Conceitos de Sonoridade
Neste capítulo são apresentados conceitos básicos sobre a sonoridade, assim como
minhas percepções e experiências pessoais sobre o tema. São abordados também aspectos
ligados à respiração, à epiglote e à embocadura, que serão apresentados a seguir.
1.2. Epiglote: essa espécie de lingueta de cartilagem, que funciona como uma válvula e
fica localizada logo acima da entrada da laringe, é uma fonte constante de
controvérsias entre os músicos.
Nesse capítulo são feitas considerações sobre o uso de determinadas sílabas durante o
ataque das notas. Trata-se de um conceito amplamente discutido e adotado pelos músicos,
entretanto, sem esclarecimentos satisfatórios acerca dos motivos pelos quais essas sílabas
devem ser usadas na execução das articulações.
Usualmente, toma-se uma sílaba como referência para o movimento que será usado
durante a articulação das notas. Sua variação decorre de alguns fatores, mas de
forma geral, as sílabas mais comuns são aquelas que se iniciam com as letras n, d e
t, pouco importando a vogal que as seguirá. A ênfase na letra inicial da sílaba que
será usada se deve ao fato dessas letras determinarem o movimento que será
efetuado pela língua ao pronunciá-las, sendo esse o item que deverá ser observado.
Procure recriar exatamente esses movimentos quando for realizar as articulações no
instrumento. Cada uma das sílabas aqui descritas produz um determinado tipo de
som ao serem pronunciadas (POMPEO, 2014, p. 16).
Para mim, o uso dessas sílabas está ligado aos diferentes movimentos realizados pela
língua durante a pronúncia de cada uma delas. Assim, sugiro aos estudantes a prática de um
21
4
& ™™4 ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ¿ ™™
nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu nu
du du du du du du du du du du du du du du du du
tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu tu
Fonte do autor
• Respiração
• Postura da garganta
• Embocadura
• Pronúncia
• Execução
Para cada um dos itens sugeridos foram oferecidas informações complementares a fim
de estreitar as possibilidades de dúvidas durante os estudos.
22
4. Sonoridade
Feita a apresentação sob meu ponto de vista dos conteúdos necessários a uma correta
execução das notas, são introduzidos nesse capítulo os primeiros exercícios nos quais os
estudantes terão a oportunidade de checar na prática a eficácia dessas informações. Após uma
breve consideração sobre a importância do estudo de sonoridade, através das notas longas,
apresento aos estudantes o conceito da nota de referência.
& w ∑ ∑ ∑
Fonte do autor
5. Rotina de estudos
Segundo Castro (2015), qualquer projeto bem-sucedido tem como principal requisito o
estabelecimento de uma disciplina constante de estudos. “Ninguém ganha o jogo ou as
medalhas de ouro treinando só quando dá vontade. É preciso continuidade. Melhor dito, é
preciso disciplina pessoal” (p. 43). Pessoalmente, posso afirmar que o estabelecimento de
uma disciplina, através de uma rotina de estudos contínua, propiciou (e ainda propicia)
grandes ganhos ao meu desenvolvimento musical.
Entretanto, ainda hoje, muitos estudantes de música apresentam dificuldades de
entendimento em relação à necessidade da adoção de tais práticas. A fim de fornecer alguns
parâmetros aos alunos acerca desse assunto, foi elaborado o capítulo Rotina de Estudos.
23
Pode-se notar na tabela 1 uma sugestão de estudo baseada nos assuntos abordados em
meu método. Porém, meu principal intuito é oferecer aos estudantes a possibilidade de uso de
uma ferramenta pela qual será possível organizar e estabelecer, de maneira simples e
eficiente, uma disciplina de estudos eficaz sobre quaisquer que sejam os assuntos abordados.
6. Estudos de sonoridade
1
Algo em torno da nota Dó 5 à nota Lá 5 (in concert).
24
meu ponto de vista, tais alterações são consequência da má utilização do aparelho respiratório
durante a execução do instrumento.
Devido à dificuldade usualmente encontrada em retirar dos estudantes a percepção da
necessidade de utilização dessas alterações, não são trabalhados nos exercícios aspectos
ligados à interpretação musical, tais como: dinâmicas, mudanças de andamentos e
articulações (tenuto, stacatto, sforzando e etc.). Tal fato teve por propósito oferecer ao
estudante a possibilidade de um trabalho exclusivamente direcionado à fixação das
informações e conceitos utilizados durante a emissão sonora e que são apresentados no
capítulo A execução das notas do meu método.
7. Articulações
8. Estudos de articulação
Até 2012, as articulações eram trabalhadas em meu curso basicamente através das
informações presentes em três livros: Método Completo para Todos os Saxofones, de H.
Klosè (19--?), Developing Jazz Concepts: for saxophone (and other instruments), de Lennie
Niehaus (19--?) e Technique of the Saxophone – Chord Studies Vol.2, de Joseph Viola (1963).
Porém, a constatação das dificuldades na execução de determinados estudos do livro de Klosè
(19--?) por parte de muitos estudantes, levou-me a considerar a criação de um capítulo
dedicado à junção dos conceitos de sonoridade e de articulações. Devo esclarecer que um
relato detalhado sobre as dificuldades de execução do livro de Klosè (19--?) será apresentado
no item 2 do capítulo 2 (p. 33) deste trabalho.
25
Surgia assim o capítulo intitulado Estudos de Articulações, composto por vinte e dois
estudos construídos sobre graus diatônicos de escalas maiores e menores (vide anexo H e I).
A opção pela utilização de escalas com no máximo cinco acidentes – sustenidos ou bemóis,
teve por objetivo evitar a exposição dos alunos a situações cujo foco de atenção estivesse
distante do emprego correto da sonoridade. Cada um dos exercícios deve ser executado com
as quatro articulações sugeridas: notas ligadas (nº 1), notas articuladas (nº 2), staccato (nº 3) e
notas acentuadas (nº 4), como mostra a figura 3.
Fonte do autor
26
CAPÍTULO II
Fundamentação teórica para a elaboração da pesquisa
Investigar a origem das técnicas utilizadas pelos instrumentistas de sopro para obter
uma boa sonoridade me pareceu a princípio uma tarefa complexa. Os informes eram bastante
controversos. Alguns instrumentistas de sopro acreditavam que essas técnicas foram
importadas do canto; outros admitiam que elas surgiram de leitura e interpretação dos poucos
livros e métodos existentes no cenário musical aos quais os músicos brasileiros tinham acesso.
Maurício de Souza, em entrevista por mim editada, assim se reporta ao fato:
Tal declaração ilustra o cenário encontrado no início dos meus estudos de saxofone em
1982, na Banda Municipal da cidade de Americana. Porém, a constatação sobre a imprecisão
ou controvérsia nas informações ligadas ao estudo da sonoridade levantaram o seguinte
questionamento: seriam as informações ligadas à respiração fruto de um aprendizado
empírico ou elas poderiam ter alguma fundamentação teórica proveniente do canto?
A publicação intitulada “A Velha Escola Italiana de Canto: um guia teórico e prático”
(The Old Italian School of Singing: a theoretical and practical guide), da pesquisadora
Bloem-Hubatka 3 (1946), apresenta um cenário contraditório ligado às melhores e/ou mais
apropriadas técnicas a serem utilizadas pelos cantores.
2
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Maurício de Souza Roberto na Escola Municipal de
Música de São Paulo (EMSP) em 2014.
3
Professora e cantora lírica, autora do livro The Old Italian School of Singing - a theoretical and practical
guide, sendo considera uma das maiores pesquisadoras das técnicas utilizadas pelos antigos professores de canto
italianos.
27
4
I found that the books of the old masters generally agree on the method of singing, thereby inspiring confidence
and trust by their instructions, whereas their more modern counterparts offer a variety of often conflicting ideas
on singing.
5
Fonte: Enciclopédia Britanica: http://www.britannica.com/biography/Martin-Agricola. Acessado em
05/01/2016.
28
Nesse tempo, surgia na Europa um novo tipo de repertório com uma nova
funcionalidade das palavras que exigia uma preparação cada vez maior dos seus executantes.
Estávamos nos primórdios do estilo Barroco e do surgimento dos cantores solistas na
polifonia renascentista.
Posso ainda citar outra transformação importante desse período: grupos de cantores
amadores da aristocracia passaram a dar lugar a grupos formados por virtuosos cantores
profissionais que não mais cantavam para seu próprio deleite, mas sim para uma audiência
mais seleta.
6
Court chronicles, letters, prefaces to operas and songs collections, reminiscences, and others types of historical
evidence provide a picture of the remarkable rise of a new class of professional virtuoso singers whose vocal
prowess eclipsed amateur choristers, and who established principles of good singing what were to endure for
centuries.
29
Isso comprova um crescente interesse por cores, que são o contraste e a mistura de
timbres, que é uma parte vital da música. Orquestrações, que no início estavam a
critério dos executantes, tornaram-se suficientemente importantes para serem
indicadas pelos compositores; perto de 1600, Giovanni Gabrieli, em Veneza, fixa
pela primeira vez os instrumentos necessários em cada parte, por escrito, nas suas
partituras7 (SACHS, 1940, p. 298, tradução nossa).
A busca – e apreço – desse período por novos timbres (chamados por Sachs de cores)
estimulou a criação de uma grande quantidade de novos instrumentos, que por sua vez
acabaram mudando a percepção dos compositores com relação à utilização de uma
instrumentação variada para obter maiores possibilidades timbrísticas. Essa nova importância
atribuída à música instrumental acabou estimulando o surgimento de um número de tratados
até então sem precedentes para o ensino dos instrumentistas.
7
This testifies to an increasing interest in color, that is, the contrast and blend of timbres, as a vital part of music.
Orchestration, which at first was at the discretion of the performers, at last became important enough ‘to be
indicated by the composer; about 1600, Giovanni Gabrieli in Venice first fixed the instrument required for each
part in writing his scores.
8
The book came out as Musica instrumentalis deudsch; the full title, translated into English, is: “Musica
instrumentalis in German, which comprises a method of learning to play on various wind instruments based on
the art of singing (...).
30
canto e sua utilização pelos instrumentistas de sopro (desde o século XVI) de um método
escrito por um cantor.
Uma vez constatada a origem das técnicas respiratórias utilizadas pelos
instrumentistas de sopro, onde estaria então a origem das controvérsias ligadas a esse assunto
apontadas no início desta seção? As evidências sobre tal fato foram encontradas na pesquisa
da obra do segundo nome ligado a Velha Escola Italiana de Canto abordado por esse trabalho:
Manuel Garcia.
Manuel Garcia (1805–1906), personagem de notória importância dentro da história do
bel canto, é apontado por inúmeros pesquisadores como o último grande mestre da Velha
Escola Italiana. Dentre as realizações a ele atribuídas, destacam-se as observações realizadas
através do laringoscópio do aparelho vocal humano. Alguns historiadores creditam a Garcia a
invenção desse aparelho, demarcando as primeiras observações clínicas realizadas com esse
equipamento.
Muito além das suas criações e realizações, Garcia apresenta indícios sugerindo que as
controvérsias ligadas às origens e utilização de determinadas informações relacionadas à
respiração e à emissão do ar durante a performance dos cantores são muito mais antigas do
que se pode supor:
9
In the preface to the 1841 edition of his Traité, he wrote, “Unfortunately, that epoch has left to us only some
vague and incomplete documents of its traditions. The works of Tosi, Mancini, Herbst, Agricola, some scattered
passages in the histories of Bontempi, Burney, Hawkins, and Baini, give us only an approximate and confused
idea of the methods then followed.”
10
École de Garcia: Traité complet de l’art du chant.
31
Garcia (1841) considera as informações disponíveis sobre tais métodos escassas e confusas,
gerando dúvidas em relação ao seu correto emprego. Porém, para Bloem-Hubatka (1946),
essas mesmas informações não geram nenhum tipo de dúvida ou incerteza.
Essas informações difusas sobre o aparelho vocal, sua utilização (ou não utilização) e
sua possível influência no resultado sonoro dos instrumentistas de sopro, ainda estão
presentes no cotidiano de boa parte dos instrumentistas atuais.
Para se fazer ouvir você tem de arranjar um jeito de tocar e não se cansar, porque
senão você não consegue tocar; usando uma respiração mais natural, fazendo com
que o som saia, a garganta esteja livre, o som saia com o ar quente, que é o que
deixa a garganta relaxada. O ar passa mais naturalmente, o som fica mais cheio, a
parede do instrumento se completa através do ar. [...] eu não consigo te dizer de
onde eu tirei essa informação. Pode ser que eu tenha lido, mas não me lembro
exatamente a fonte, mas basicamente é na observação e na experimentação
(informação verbal)11.
Essas dúvidas de D’Alcântara estariam ligadas a coup de glotte descrito por Manuel
Garcia, em seu tratado de 1841? Vejamos as descrições de Garcia (1841) para a coup de
glotte:
Depois que você está preparado e quando os pulmões estiverem cheios de ar, sem
enrijecimento da garganta ou de qualquer parte do corpo, mas com calma e facilidade,
ataque os sons muito distintamente com um golpe leve da glote em uma muito clara vogal
“a”. O “a” deve ser feito bem no fundo da garganta [...], a fim de que nenhum obstáculo
possa se opor a emissão do som. Nessas condições, os sons devem sair com circularidade
[...] Isso é necessário para preparar o golpe de glote, fechando-o, parando e
momentaneamente acumulando um pouco de ar na passagem; então, por mais que uma
ruptura funcione como um meio de relaxamento, ela se abre com um golpe contundente e
vigoroso, semelhante à ação dos lábios ao pronunciar a consoante “p”. Este golpe da
garganta também se assemelha à ação que o arco palatino realiza no movimento necessário
para a articulação da consoante “k” (GARCIA 1847, 1:25; 1984, 41-2 apud STARK, 1938,
p. 13, tradução nossa).
11
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Daniel Salles D’Alcântara Pereira em 2014.
12
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Daniel Salles D’Alcântara Pereira em 2014.
32
Aparentemente, muitas descrições dadas por D’Alcântara para uma correta abertura da
garganta durante a execução dos instrumentos de sopro coincidem com as definições da coup
de glotte de Garcia (1841), a saber: (1) o estado de relaxamento da garganta e (2) a
naturalidade na inspiração e expiração do ar: “A sílaba “rá” e “rô” faz com que você solte o ar
[...] de maneira mais tranquila, mais relaxada e regular”.
Essa fala de D’Alcântara acerca do uso de vogais para determinados posicionamentos
da garganta também foram encontradas em publicações de autores ligados ao canto, como
exemplo, as descrições realizadas por Mathilde Marchesi, no livro The Old Italian School of
Singing - A Theoretical and Pratical Guide, de Daniela Bloem-Hubatka (1946): “Sobre o
exercício para o ataque da voz ela escreve que a glote tem que ser contraída antes de emitir a
vogal "Ah".13”
Bloem-Hubatka (1946) descreve sua visão sobre o emprego das vogais: “Somente
quando o canto sobre a vogal "ah" é resolvido e tenha atingido a flexibilidade por meio de
exercícios de agilidade, podem ser introduzidas outras vogais, seguido de palavras, de
preferência em italiano"14 (BLOEM-HUBATKA, 1946, p.18, tradução nossa).
Ainda no livro de Bloem-Hubatka (1946) foram encontrados alguns indícios da
origem das informações apontadas por D’Alcântara, quanto a utilização das sílabas “rá” e
“rô”: “Ambos, MacNeil e Hines, parecem empregar um "cantarolar ou ataque ofegante",
também chamado de meio H. Não é um ataque "nas cordas, quase glotal", mas "um ataque
relaxado, iniciado com esse pequeno sopro de ar, geralmente no início de uma frase” 15
(BLOEM-HUBATKA, 1946, p. 19, tradução nossa).
Essas técnicas fazem parte do trabalho Great Singers on Great Singing, do baixo-
barítono americano Jerome Hines; sua principal característica seria o uso da sílaba “H” no
início de todas as frases. O ponto de intersecção entre essas informações, descritas por
D’Alcântara e Hines (1982), passa pela sonoridade da vogal “H” em diferentes línguas.
Na língua inglesa, a letra “H” possui uma sonoridade similar a letra “R” da língua
portuguesa. Com isso, tornam-se mais claras as fontes que podem ter originado o emprego de
determinadas vogais na busca de um correto posicionamento da garganta.
13
Above the exercise for the attack of the voice she writes that the glottis has to be contracted before emitting
the vowel “Ah.”
14
Only when the singing voice on the vowel “ah” is settled and has attained flexibility through agility exercises
can other vowels be introduced, followed by words, preferably Italian.
15
Both MacNeil and Hines seem to employ a “crooning or breathy attack,” also called a half H. It is not an
attack “on the cords, almost glottal” but “a relaxed attack, started with that little breath of air, usually at the start
of a phrase.
33
Uma vez produzido o som o mesmo deve ser sustentado, mantendo a coluna de ar,
tomando-se cuidado para que não fique na boca ou saia pelos cantos da mesma. Desta
forma, a palheta trabalha livremente obtendo suas vibrações com toda facilidade. […] O
mais belo timbre é o que une a doçura ao brilhantismo; por ele temos que procurar, desde o
princípio, obter sons cheios e suaves, dando-lhes ao mesmo tempo força e redondeza
(KLOSÈ, [19xx?], p. 5).
34
Nota-se nesse trecho o uso das expressões “coluna de ar” ou mesmo de adjetivos
(doçura, brilhantismo, cheio, suave) na tentativa de descrever a qualidade do som pretendida.
Entretanto, nenhuma informação técnica ligada diretamente aos processos para obtenção
dessa sonoridade foi encontrada. Tais adjetivos também foram observados nas declarações de
Nailor Azevedo Proveta em entrevista a mim concedida: “Nada. A única pessoa que falou
algo para mim sobre som foi meu pai. Ele falava para mim que o som era como uma gota de
água, redonda e que eu tinha que tirar aquele som” (informação verbal)16.
No livro de Klosè (19--?, p.7-13) foi encontrada uma série de exercícios claramente
destinados à prática da sonoridade. São quatorze exercícios com um grau de dificuldade
técnica baixo, nos quais ele aborda, de forma progressiva, o distanciamento intervalar entre as
notas da melodia. Mais uma vez as instruções relativas à correta execução desses exercícios
são exíguas:
Devo ressaltar que as instruções de Klosè não são incorretas. Todavia, as informações
ou os mecanismos técnicos necessários à obtenção desses resultados não foram encontrados
em parte alguma do seu livro.
Outro questionamento veio à tona com relação a essa publicação: seriam quatorze
exercícios realmente suficientes para um perfeito entendimento, assimilação e
desenvolvimento da sonoridade? Os resultados apresentados por meus alunos de saxofone na
Escola Municipal de São Paulo (EMSP) até 2010 indicavam que essa quantidade de
exercícios era insuficiente para o desenvolvimento e a assimilação das informações ligadas à
sonoridade do instrumento.
Esses indícios foram observados a partir das dificuldades apresentadas pelos alunos na
execução dos exercícios localizados nas seções intituladas 15 exercícios sobre os intervalos
com diversas articulações (KLOSÉ, 19xx?, p. 14) e 30 pequenos solfejos fáceis (KLOSÉ,
19xx?, p. 28). Nessas seções são acrescidas articulações variadas (ligaduras, notas articuladas,
staccato e notas acentuadas) e variações de dinâmica (crescendo, decrescendo, p, f) aos
exercícios que ainda apresentam um baixo grau de dificuldade técnica. Porém, essas
16
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Nailor Azevedo Proveta em 4 de setembro de 2014.
35
17
Nesta ocasião foram entrevistados Nailor Azevedo (Proveta), Sergio Burgani, Ovanir Buosi, Rafael Galhardo,
Maurício de Souza Roberto, Vitor Alcântara, Daniel D’Alcântara, Carlos Sulpício, entre outros.
18
Iniciou sua vida profissional trabalhando do Rio de Janeiro e São Paulo em night clubs, tendo integrado
grandes orquestras de baile e televisão. Foi flautista da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo sob a
regência de Eleazar de Carvalho, tendo ainda acompanhado em shows e gravações grandes nomes da música
brasileira, entre os quais Tom Jobim, Miúcha, Vinícius de Moraes, Chico Buarque, Toquinho, Geraldo Vandré,
Jair Rodrigues, João Gilberto, Elis Regina, Roberto Carlos, Milton Nascimento, entre outros. Participou ainda
36
Para se conseguir uma emissão livre e relaxada, ter um som claro e rico em
harmônicos, é preciso fazer estes exercícios com disciplina e consciência,
observando com atenção alguns pontos: 1º - Deixe o tórax completamente relaxado;
2º - Tome cuidado com a pressão excessiva dos lábios; 3º - Sempre pronuncie a
sílaba “Hoo…”, deixando que a coluna de ar passe livremente, sem interferências; 4º
- Respire calmamente (LIMA, 19xx?, p.3).
Mais uma vez encontramos instruções precisas misturadas a outras não muito claras.
Como exemplo dessa imprecisão, vemos a instrução “Deixe o tórax completamente
relaxado”, para qual não foram encontradas explicações sobre os motivos da adoção desse
procedimento, além da menção à forma de execução ligada ao posicionamento da garganta
durante a execução da palavra “Hoo” (Lição 1, p. 3), comumente adotada por trompetistas e já
citada anteriormente neste trabalho (capítulo 1, item 1, p. 19). Não foram encontradas
instruções claras sobre a forma e a quantidade de tempo indicadas para a prática desses
estudos no livro de Lima (19--?).
Brubeck de 1979 a 1982. É professor no Conservatório New England of Music em Boston e autor de uma série
de livros sobre improvisação publicados pela Advance Music e pela Jamey Aebersold Jazz. Fonte: Wikipedia
(https://en.wikipedia.org/wiki/Jerry_Bergonzi). Acessado em 30 de novembro de 2015.
38
Nos livros de dois saxofonistas – Mule e Rascher – ligados aos primórdios da escola
do saxofone dentro da música erudita, não foram encontradas citações e exercícios
direcionados de maneira específica ao estudo da sonoridade.
Foi encontrada na primeira página do livro de Mule (1948) uma menção à palavra
som, o que nos leva a crer que o autor se preocupava com esse tema, porém, nesse mesmo
trecho, o autor revela que o principal objetivo dos exercícios ali contidos seria obter um bom
desenvolvimento técnico, não priorizando o estudo da sonoridade.
Com essas escalas e arpegios, o saxofonista não terá somente aprendido o essencial
de uma sólida técnica, mas estará apto a manter um bom som mesmo na mais difícil
das passagens. Deve-se ressaltar que essas escalas e arpegios devem ser praticados
legato realçando as várias articulações e ritmos. Tudo isso deve resultar numa
perfeita igualdade de dedos e som26 (MULE, 1948, p. 1, tradução nossa).
26
With these scale and arpeggio, the saxophonist will not only learn the essentials of a solid technique but will
be able to maintain a good tone even in the most difficult of passages. It should be stressed that they are to be
practiced legato while not neglecting to bring out the various articulations and rhythms. All of this should result
in a perfect equality of fingers and tone.
39
Uma situação similar foi encontrada no livro de Liebman (2014). O autor apresenta
informações detalhadas acerca do funcionamento do aparelho respiratório nos capítulos 1
(Visão geral do mecanismo da sonoridade), capítulo 2 (Respiração) e capítulo 3 (Laringe),
com ilustrações e informações expressivas sobre as articulações e posicionamento da língua, a
embocadura e sobre as palhetas e boquilhas (capítulos 5, 6 e 7, respectivamente). Entretanto,
não foram encontrados estudos especificamente direcionados à sonoridade. No capítulo 4 do
livro, intitulado Exercícios de harmônicos (Overtones), nota-se a presença de exercícios de
oitavas descendentes e notas da série harmônica que poderiam sugerir se tratar de estudos de
sonoridade, contudo, em suas instruções, Liebman (2014) deixa claro que o foco desses
estudos deve permanecer sobre o correto entendimento do funcionamento da laringe, assim
como, eventuais movimentos dos lábios na boquilha, em diferentes regiões da extensão do
instrumento.
Finalmente, foram analisados os livros Daily Studies for All Saxophones, de Trent
Kynaston (1981), Playing the Saxophone, de Bob Mintzer (1994) e Melodic Structures, de
Jerry Bergonzy (1994). Neles não foi encontrado nenhum tipo de menção ou apresentação de
estudos direcionados ao trabalho e/ou aprimoramento da sonoridade, e nem informações
ligadas aos conceitos de respiração e emissão do ar.
Sendo assim, foram identificados dois procedimentos distintos entre os autores até
aqui analisados:
1º) autores que não trazem nenhum tipo de informação sobre emissão sonora, não
trabalham os meios para sua fixação e aprimoramento e nem produzem estudos direcionados
para o desenvolvimento sonoro;
2º) autores que, apesar de tratarem de maneira satisfatória os temas ligados ao
conceito de sonoridade, acabam destinando um número desproporcional de exercícios
destinados à fixação e ao aprimoramento de tais informações, frente ao número de exercícios
destinados ao desenvolvimento técnico.
Diante desta realidade decidi ampliar meu levantamento para trabalhos realizados por
autores de outros instrumentos que não fossem o saxofone.
40
Não foram encontrados os motivos pelos quais seria necessário fazer um bocejo no
momento da inspiração, relaxar a musculatura e levar o ar para a região abdominal. Também
não foram localizadas as informações sobre qual musculatura deveria ser relaxada e de que
forma pode-se levar o ar para o abdômen.
41
A primeira regra a respeito disso é que a respiração deve ser regulada de acordo com
o comprimento da passagem a ser reproduzida; o executante deve ter o fôlego que
lhe permita continuar com facilidade até o próximo ponto de respiração 27 ”
(BAERMANN, 1918, p. 11, tradução nossa).
27
The first rule as to this point is that the breathing should be regulated according to the length of the passage to
be played; the player should take so much breath as to enable him to continue with ease till the next breathing
place comes.
28
This leads to saying that a breath can be taken, not through physical necessity, but in order to punctuate a
musical sentence.
42
Logo quando eu comecei a aprender se ensinava pelos pulmões, que é o ar frio. [...]
analisando os métodos americanos que nós importamos, eles ensinavam o diafragma
[...]. Quando você diz diafragma (está falando) de diafragma mesmo, não (de) tocar
com os pulmões (informação verbal)29.
29
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Rafael Galhardo Caro na Escola Municipal de Música de
São Paulo (ESMP) em novembro de 2014.
44
Devo ressaltar que informações similares às apresentadas por Teal (1963) foram
encontradas somente em dois livros por mim analisados: em Chapman (1973) e em Liebman
(2014). Todavia, mesmo entre os autores que abordam de forma direta a respiração, foram
encontradas discordâncias sobre a forma como ela deve ser trabalhada.
30
The thorax, or chest cavity, contains the heart, lungs, esophagus, and trachea (windpipe). It is surrounded by
the bony structure consisting of the spine, breastbone, and the ribs (costals). Between the ribs there are many
small muscles known as the intercostal, which function to expand and contract the ribs. The floor of the chest
cavity is a muscular, membranous partition known as the diaphragm, that operates involuntarily and is controlled
by the action of the surrounding muscles. The diaphragm completely shuts off the chest cavity from the
abdomen. […] The intercostal muscles function differently, as they are voluntary and directly control the
expansion and contraction of the ribs. […] At its upper extremity is the larynx, containing the organs which
control the passage of the air through the windpipe. The uppermost of these organs is the epiglottis, a valve
which directs food into the stomach and air into the lungs.
31
The most natural way to move the diaphragm is by pushing the abdomen forward. This is the action that takes
place when we breathe naturally. Anyone who watches a sleeping person will observe that the stomach moves
rather than the chest. The average person, however, when asked to take a deep breath, will do just the opposite.
He will expand his chest as he inhales and push out the stomach during exhalation.
45
32
No special breathing exercises need be carried out by the student as practice on the lines laid down in the next
chapter will, in time, lead to the requisite control of the diaphragm and therefore of the air supply.
33
Changing one's breathing habits is usually a slow process, and may require patience and continued attention.
In its developmental stage, breathing should be practiced away from the instrument until the action is well under
control.
34
Natural Aspe (Alicante) é doutor pela Universidade de Granada, com menção de "Doctor Europeus", Mestre
em Educação Musical: Uma Perspectiva Multidisciplinar (UGR), professor de saxofone (Conservatório de
Música "Oscar Espla" de Alicante) e é credenciado pela ANECA como professor adjunto na área de Ensino de
Expressão Musical. Foi professor de Educação Secundária, Professor de Música e Artes Cênicas para o
Ministério da Educação e da Ciência e professor no Departamento de Ensino Musical, Plástica e Corporal, na
Faculdade de Educação e Ciências Humanas de Melilla (Universidade de Granada). Atualmente, é Secretário
Acadêmico do Departamento de Musical e Expressão Corporal na Faculdade de Educação da Universidade
Complutense de Madrid, onde leciona na graduação e pós-graduação. Também participa do programa
"Doutorado em Educação" como orientador e diretor de várias teses de doutorado dentro da linha "Pesquisa
Disciplinar no Ensino". Vem realizando pesquisas financiadas e ensinando em universidades nos Estados
Unidos, Brasil, Portugal, México e Espanha.
46
Cabe relembrar a relação existente entre as técnicas respiratórias utilizadas pelo canto
e pelos instrumentistas de sopro e que foram apresentadas nesse trabalho no capítulo 2 (item
1, p. 26). Porém, Andreu (2014) nos apresenta mais uma nova informação a respeito do
assunto, que confere um caráter científico ao uso da respiração diafragmática: “A capacidade
35
No se puede ser u buen cantante, orador o instrumentista de viento si no se posee un buen control de la
respiración. El estudio de la respiración es a base de la técnica instrumental […].
36
Los instrumentistas de viento utilizan en mayor medida la respiración diafragmática para amplificar la
respiración natural, de forma que emplazando el aire en la parte inferior de los pulmones, esta se dilata, el
diafragma baja y aumenta así la capacidad de la cajá torácica y su dimensión en sentido vertical, llenando
completamente los pulmones.
37
The old masters recognized breathing of the second kind called thoracic or intercostal as best suited for
singing because singing is a form of activity that needs a certain supply of energy to make the sound production
effortless. In thoracic breathing, the necessary action of the diaphragm is automatically incorporated, following
the physical anatomical laws.
47
A análise das descrições de Teal (1963), Moussavi (2006) e Andreu (2004) mostraram
divergências em relação ao funcionamento do aparelho respiratório. Apesar de todos
designarem um papel central ao diafragma durante a respiração, Teal (1963) vincula o
estômago ao processo respiratório: “Essa é uma ação natural que acontece quando nós
respiramos naturalmente. Qualquer um que veja uma pessoa dormindo poderá observar que o
estômago se move, em vez do peito” (1963, p. 34). Por outro lado, não foram encontradas
menções de Moussavi (2006) e Andreu (2004) à participação de outros órgãos no processo
respiratório, como, por exemplo, do estômago. Entretanto, um ponto de convergência entre os
autores chama a atenção: a participação dos músculos intercostais no processo respiratório,
citados nos trabalhos de Bloem-Hubatka (1946) e Andreu (2004).
38
La capacidad pulmonar utilizando este tipo de respiración en un niño de 13 años pasa de 2.41 litros a 3.81
litros, aproximadamente.
39
The primary function of the respiratory system is supplying oxygen to the blood and expelling waste gases, of
which carbon dioxide is the main constituent, from the body. This is achieved through breathing: we inhale
oxygen and exhale carbon dioxide. Respiration is achieved via inhalation through the mouth or nose as a result
of the relaxation and contraction of the diaphragm. […] The diaphragm is a dome-shaped muscle with a convex
upper surface. When it contracts it flattens and enlarges the thoracic cavity. During inspiration the external
intercostal muscles elevate the ribs and sternum and hence increase the space of the thoracic cavity by expanding
in the horizontal axis. Simultaneously, the diaphragm moves downward and expands the thoracic cavity space in
the vertical axis. The increased space of the thoracic cavity lowers the pressure inside the lungs (and alveoli)
with respect to atmospheric pressure. Therefore, the air moves into lungs. During expiration, the external
intercostal muscles and diaphragm relax the thoracic cavity which is restored to its preinspiratory volume.
48
Através das informações fornecidas por Fonseca Ladeira e Powers e Howley (2009),
assegura-se de forma incontestável a importância do diafragma e dos músculos intercostais
durante a realização da respiração e a emissão do ar pelos instrumentistas de sopro. Essas
informações também corroboram as descrições e explanações sobre a participação desses
músculos nas descrições de músicos e autores de livros e métodos aqui analisados.
Porém, deve-se ressaltar o surgimento de um novo e relevante dado: a constatação, sob
a ótica da biologia e das ciências da saúde, da utilização pelos instrumentistas de sopro de um
40
Graduada pela UNIP, especialista em fisioterapia ortopédica e esportiva pela UNICID, especialista em
tratamentos posturais (Iso-Stretching, RPG, Pilates, estabilização segmentar cervical, lombar e terapias
manuais), hidroterapia (Bad Ragaz, Halliwick, Watsu, Rad e Ai Chi). Fisioterapeuta em elenco de musicais
desde 2004. Ministra com Fabiana Oishi o curso “Tratamento das Disfunções da Coluna Vertebral”. Experiência
no tratamento de bailarinos. http://physioartstudio.com.br/index_TELA_A_CLINICA_PROFISSIONAIS.htm
acessado em 14 de junho de 2015.
41
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carina Leal da Fonseca Ladeira em 19 de março de 2015.
49
1º) a respiração não possui um papel meramente fraseológico dentro da execução dos
instrumentistas de sopro sendo, na realidade, imprescindível para um bom desempenho;
2º) o uso do diafragma é um conceito largamente difundido entre os músicos
brasileiros, porém, usualmente tratado de maneira equivocada e sem nenhum tipo de respaldo
científico;
3º) pode-se afirmar que a ausência de informações claras e calcadas em dados
científicos são as fontes das discordâncias encontradas em relação a forma como a respiração
deve ser trabalhada. Foram verificados em vários livros e métodos analisados a ausência total
de informações ligadas ao assunto;
4º) apesar das variações encontradas nos nomes dos diferentes tipos de respiração, foi
verificado um consenso em torno da utilização da respiração intercostal ou diafragmática
pelos autores analisados;
5º) as informações fornecidas por Fonseca Ladeira e aquelas encontradas nos trabalhos
de Moussavi (2006), Andreu (2014) e Powers & Howley (2009) forneceram as evidências e
os embasamentos científicos sobre o funcionamento da respiração, além de apresentar um
novo dado: o uso da respiração forçada pelos instrumentistas de sopro, sendo esse tipo de
respiração normalmente associada a realização de exercícios físicos de alta performance.
As demais conclusões e sugestões ligadas ao aprimoramento e desenvolvimento das
técnicas respiratórias serão apresentadas no capítulo Considerações Finais (p. 69).
50
CAPÍTULO III
A pesquisa-ação
Na primeira etapa, a gravação realizada em áudio na primeira aula teve por objetivo
registrar e averiguar os efeitos provocados imediatamente após o contato com as informações
ligadas a respiração e a emissão do ar contidas na Apostila Básica de Sonoridade no
desempenho performático dos estudantes.
Para tanto, os registros em áudio foram executados em dois estágios: 1) a execução de
uma nota ou escala logo no início da aula, tocada de acordo com os conceitos e/ou
informações adquiridos sobre a emissão sonora pelos estudantes antes do acesso a minha
metodologia e, 2) a execução da mesma nota ou escala ao final dessa mesma aula, tocada de
acordo com os conceitos e/ou informações sobre a emissão sonora contidas na Apostila
Básica de Sonoridade.
As análises das gravações foram promissoras, indicando mudanças significativas no
desempenho dos alunos a partir da adoção das informações e conceitos propostos pela
Apostila Básica. Foram verificadas mudanças relevantes em dois aspectos do resultado
sonoro:
42
A prática deliberada é constituída por um conjunto de atividades e estratégias de preparação motora ou
cognitiva, com metas bem elaboradas, objetivos específicos e um plano global de visão dos resultados, com a
finalidade de aprimorar a performance musical. Muitas vezes buscando a opinião de experts, que possam ouvir
os resultados e emitir suas opiniões, possibilitando assim pequenos ajustes e uma melhora efetiva na
performance (FREIRE, 2012. p. 254).
53
Ao final desse período e, uma vez constatado um nível baixo (ou quase imperceptível)
de interferências no som, usualmente identificadas por ondulações, tremidos e desequilíbrio
de volume e timbre entre as notas, deu-se início a terceira e última etapa de aplicação da
metodologia.
Nessa etapa, iniciou-se a utilização da Apostila Básica de Sonoridade apresentada no
capítulo 1 (p. 18), com o intuito de aferir a eficácia no processo de fixação e desenvolvimento
dos conceitos e informações ligadas a sonoridade por meio dos exercícios apresentados na
apostila.
A partir desse ponto, as observações dos progressos dos estudantes passaram a ser
efetuadas aula a aula, a partir dos quarenta e nove estudos do capítulo intitulado Estudos de
sonoridade da primeira parte da Apostila Básica e dos vinte e dois estudos do capítulo Estudo
das articulações da segunda parte da apostila, seguindo-se o critério de observância da
presença ou ausência das características descritas no parágrafo anterior durante a execução
dos alunos. A realização dessa etapa despendeu em média 22 aulas.
De acordo com minhas observações realizadas durante a segunda e terceira etapas, os
primeiros três meses podem ser considerados o período mais crítico para a assimilação das
informações propostas por esta metodologia pois, apesar da maioria dos alunos se
encontrarem em um estágio básico, muitos trouxeram consigo uma bagagem de informações
(usualmente incorretas ou incompletas, ou ambos os casos) relacionadas a execução do
instrumento.
Foi notada também uma constante vinculação dada pelos alunos aos exercícios
propostos na Apostila Básica ao desenvolvimento técnico do instrumento, ou seja, a aspectos
ligados ao desenvolvimento e aprimoramento do caráter mecânico da execução. Tal
associação contraria frontalmente todas as instruções para a realização dos estudos fornecidas
no referido capítulo.
Devo enfatizar que essa ocorrência foi observada entre os alunos dos dois níveis
avaliados, conforme a declaração abaixo.
54
Na apostila de Samuel Pompeo pude reparar que na verdade muito desses exercícios
ainda estão ligados a sonoridade através da busca da igualdade do timbre; porém,
apesar de aparecer algo óbvio (que estes exercícios visam o desenvolvimento da
sonoridade), muitos de nós acabam perdendo o foco passando a se preocupar
somente com a parte da digitação (informação verbal)43.
Lá, ele vem abordando uma metodologia de ensino diferente de outros profissionais
na área do saxofone [...], passando aos alunos o quão importante e eficaz é o estudo
de sonoridade. Por meio desse ensino inovador obtive um grande progresso em
meus estudos [...]. Se trata de um conteúdo que nos faz refletir sobre questões
sonoras, ao invés de técnicas, obtendo assim um som muito melhor, com mais
propagação e uma qualidade melhor (informação verbal)44.
43
Declaração fornecida pelo estudante nº 1 para presente pesquisa em 2015.
44
Declaração fornecida pelo estudante nº 3 para presente pesquisa em 2015.
45
CD anexo ao trabalho, faixas 1, 2, 6, 7, 8, 9 e 10.
55
Com toda essa técnica de sonoridade percebi que ao tocar temos que pensar em
todos esses detalhes básicos que formam a sonoridade. Depois desse novo conceito
passei a tocar com mais segurança, musicalidade e com som controlado (informação
verbal)47.
Após iniciar as aulas com o professor Samuel Pompeo, ele propôs um trabalho de
sonoridade que consistia em trabalhar bastante a respiração e a emissão do ar
utilizando bem o diafragma para que a coluna de ar fosse continua e sem alterações.
Propôs também a execução de toda a extensão do instrumento como se fosse uma
única nota, a “nota de referência” (que no caso é o sol3). Comecei então a trabalhar
esses aspectos e tenho colhido frutos surpreendentemente positivos (informação
verbal)48.
Dado o perfil socioeconômico dos estudantes atendidos pela EMSP, alguns dos
estudantes observados nesta pesquisa se afastaram do curso antes da coleta das declarações
aqui apresentadas, impossibilitando a apresentação de suas declarações, conforme consta na
tabela anexa.
46
CD anexo ao trabalho, faixas 3, 4, 5 e 11.
47
Declaração fornecida pelo estudante nº 11 para presente pesquisa em 2015.
48
Declaração fornecida pelo estudante nº 3 para presente pesquisa em 2015.
56
Foram consideradas aulas elegíveis para esta pesquisa somente as aulas nas quais os
estudantes trabalharam de forma direta o conteúdo da Apostila Básica, sendo desconsideradas
as faltas dos estudantes, a realização de atividades de outra natureza tais como Masterclasses
e Workshops, além de datas facultativas e/ou feriados.
Do total de estudantes avaliados, 63% concluíram a primeira parte da apostila
composta pelos Estudos de Sonoridade, 36% concluíram a segunda parte (Estudos das
Articulações) dentro de período estipulado para a avaliação, que foi do início do primeiro
semestre de 2014 até o final do segundo semestre de 2015 e os desistentes somaram 27% dos
estudantes avaliados.
Entretanto, dentre os estudantes que realizaram 100% das atividades propostas na
apostila, o que corresponde a um total de 36% dos estudantes avaliados, foram observadas
melhoras significativas em áreas da execução do instrumento usualmente não associadas à
sonoridade:
57
Apesar de já estudar saxofone há quatro anos, antes meus estudos de sonoridade não
tinham foco e consciência. Atualmente, estudo esse quesito de forma direcionada,
sabendo o que quero buscar em relação ao timbre, volume, projeção, afinação e total
clareza. Com tudo isso, hoje tenho a possibilidade de ter uma técnica mais clara,
tendo um som definido, independentemente do trabalho musical sendo efetuado
(informação verbal)49.
A declaração acima remete-nos ao que foi relatado na introdução (item 1, p. 13) desta
pesquisa, quando me referi aos ganhos performáticos que o estudante poderia obter após a
realização de um estudo específico de sonoridade.
O levantamento bibliográfico realizado comprova que o estudo da sonoridade não foi
priorizado nos métodos avaliados. Entretanto, os depoimentos e a performance obtida pelos
estudantes e aqui apresentadas demonstram a sua necessidade e, principalmente, os ganhos
obtidos pela adoção da metodologia: “O trabalho com este material foi de grande valia, pois
trata-se de um conceito preciso e especifico, propiciando um resultado gratificante e um som
verdadeiro no saxofone” (informação verbal)50.
A percepção das melhorias obtidas no resultado sonoro com a prática dos conceitos e
exercícios propostos na Apostila Básica foram notados mesmo em estudantes que não
atingiram o número mínimo de aulas a serem frequentadas para análise neste trabalho.
49
Declaração fornecida pelo estudante nº 1 para presente pesquisa em 2015.
50
Declaração fornecida pelo estudante nº 4 para presente pesquisa em 2015.
51
Declaração fornecida pela estudante de saxofone da Escola Municipal de Música de São Paulo César Augusto
Ferreira da Silva considerado não apto a participar desta pesquisa, segundo os critérios aqui estabelecidos.
58
CAPÍTULO IV
53
Possui graduação em Bacharel em Saxofone pela Faculdade Mozarteum de São Paulo (1997). Atualmente é
professor de saxofone da Escola Municipal de Música de São Paulo. Acompanhou artistas como Billy Eckstine,
Lionel Hampton, Michel Legrand, Toshiko Akyoshi, Tom Jobim, Dianne Schurr, Natalie Cole, Les Elgart.
Como arranjador, fez arranjos para Dave Liebman, Wallace Roney, Richard Galliano, David Sanchez, Ted Nash,
Stanley Jordan, Janne Monheit, Carla Cook, Regina Carter, Lenny Andrade, Gal Costa, Miucha, Carlos Lyra,
Fabiana Cozza, Toquinho, Daniela Mercury e etc. Grammy Nomineé pelo CD "Aldeia" da Banda Mantiqueira.
Atuou como saxofonista, arranjador e produtor nos CDs "Uncle Charles", "Maybe September e Made In São
Paulo" da Soundscape Big Band. Foi arranjador e chefe do naipe de saxofones da "Orquestra Jazz Sinfônica"
desde a sua formação (1990) até março de 2014.Lionel Hampton, Michel Legrand, Toshiko Akyoshi, Tom
Jobim, Dianne Schurr, Natalie Cole, Les Elgart. Como arranjador, fez arranjos para Dave Liebman, Wallace
Roney, Richard Galliano, David Sanchez, Ted Nash, Stanley Jordan, Janne Monheit, Carla Cook, Regina Carter,
Lenny Andrade, Gal Costa, Miucha, Carlos Lyra, Fabiana Cozza, Toquinho, Daniela Mercury e etc. Grammy
Nomineé pelo CD "Aldeia" da Banda Mantiqueira. Atuou como saxofonista, arranjador e produtor nos CDs
"Uncle Charles", "Maybe September e Made In São Paulo" da Soundscape Big Band. Foi arranjador e chefe do
naipe de saxofones da "Orquestra Jazz Sinfônica" desde a sua formação (1990) até março de 2014.
59
Nailor Azevedo Proveta 56 , Sergio Burgani 57 , Carlos Sulpício 58 , Rafael Galhardo Caro 59 ,
Eduardo Pecci60 (Lambari), Sidnei Burgani61 e Vitor Alcântara62.
54
Bacharel em Trompete pela Universidade de São Paulo (ECA-USP), iniciou seus estudos musicais com seu
pai, o trompetista Magno D’Alcântara. Lecionou em vários eventos musicais, incluindo o Festival de Inverno de
Campos do Jordão (2000), Festival de Verão de Brasília (2000 e 2001), Festival de Inverno de Tatuí/SP (2002 e
2004) Oficina de Música de Curitiba (2006), além de ter feito parte do corpo docente do Conservatório Musical
de Tatuí, como professor de trompete popular-MPB por cinco anos (1997-2002). Participou de turnês de rock no
Brasil, com a banda Deep Purple e o cantor Alice Cooper, além de acompanhar grandes artistas nacionais como
João Donato, Roberto Menescal, Ivan Lins, Leny Andrade, Joyce, Claudete Soares, Filó Machado, Rosa Passos,
Milton Nascimento, Max de Castro, Pedro Mariano, Eugenia Melo e Castro. Participou do “Chivas Jazz Festival
2003”, integrando o noneto do saxofonista americano Lee Konitz. Como solista convidado da Orquestra Jazz
Sinfônica, participou de duas estréias mundiais, sendo uma em 2004, com a obra “Thaddeus”, de Alexandre
Mihanovich, e em 2005, no Festival de Inverno de Campos do Jordão, com a obra “Brasilianas No.4”, de Cyro
Pereira (sob a regência do próprio compositor). Atualmente leciona no Centro de Estudos musicais Tom Jobim
(ULM), Faculdade Souza Lima/Berklee. Em 2007 participou da big band formada por músicos brasileiros para
executar as obras da maestrina e compositora Maria Schneider (sob regência da própria) no Festival de Jazz de
Ouro Preto-Minas Gerais. É integrante da “Soundscape Big Band Jazz”. Fonte: Faculdade de Música Souza
Lima (http://www.souzalima.com.br/faculdade/index.php/pt/professores/25-professores/professores-
convidados/118-danieldalcantara-pt). Acessado em 27 de abril de 2016.
55
O saxofonista é referência da música instrumental brasileira e considerado uma fonte de conhecimento por
músicos de várias gerações. Participou de diversos movimentos da música popular brasileira no país e no
exterior. Entre as inúmeras estrelas, de diversas gerações, com quem já tocou, estão Hermeto Pascoal, Elis
Regina, Zimbo Trio, Gilberto Gil, Cauby Peixoto, Shirley Bassey, Tony Benetti, Jonny Mathis, Billy Eckstine,
Samy Davis Jr, Ray Conniff, Arturo Sandoval. Tocou nas orquestras de Silvio Mazzuca, Carlos Piper, Osmar
Milani, Maestro Zezinho, entre outras. E, hoje, faz parte da Banda Savana, Soundscape Big Band e Orquestra
Jazz Sinfônica de SP.
56
Líder da banda Mantiqueira desde 1991, participou de inúmeros festivais pelo mundo, entre eles o Centenário
de Pixinguinha, Expo 98 em Portugal e o Free Jazz Festival. Foi nominada em duas ocasiões ao Grammy (1998
e 2006). Acompanhou vários renomados artistas nacionais e internacionais, tais como Vânia Bastos, Guinga,
Joyce, Elza Soares, Mônica Salmaso, Sérgio Santos, Fabiana Cozza, César C. Mariano, Benny Carter, Anita
Oday, Paul West, Joe Willians, e Natalie Cole. Em 2012 foi convidado por Winton Marsalis para concertos em
NY com a cantora Luciana Souza no Jazz Lincoln Center.
57
Começou seus estudos na Escola Municipal de Música de São Paulo (EMSP), bacharelou-se na Faculdade
Carlos Gomes de São Paulo fez estudos de aperfeiçoamento na França com Guy Deplus e na Itália com
Francesco Belli. Primeiro clarinetista na Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) e professor do
Instituto de Artes da UNESP, é presença constante em importantes Festivais de Música como os de Curitiba e
Campos do Jordão. Destacou-se no Ciclo Brahms ao lado de Antônio Meneses, Gilberto Tinetti, José Feghali,
Paulo Ghori e do Quinteto de Cordas Bela Bartók, executando grande parte do repertório de câmara para
clarinete. Como instrumentista, participou da gravação de mais de 20 álbuns de diversos artistas. Foi laureado
em importantes concursos, destacando-se o Jovens Solistas de Piracicaba (SP), o Jovens Intérpretes da Música
Brasileira (RJ), o Sul América - Jovens Concertistas Brasileiros I e II (RJ), o II Prêmio Eldorado de Música (SP)
e o I Concurso Jovens Solistas EPTV-MG. Desde 1994, Burgani trabalha paralelamente com Luis Eugênio
Afonso, Luca Raele, Nivaldo Orsi e Edmilson Nery no Sujeito a Guincho. O primeiro CD do grupo (gravadora
Eldorado, 1995) recebeu o Prêmio Eldorado de Música e o Prêmio Sharp de Música para melhor álbum de grupo
instrumental em 1996. Fonte: Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Sergio_Burgani). Acessado em 27 de
abril de 2016.
58
Doutor em música pela UNESP, Mestre em Brass Performance pela Boston Universisity, School for the Arts,
Bacharel em trompete pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Durante
sua carreira, integrou diversas formações musicais nos Estados Unidos, entre elas Civic Symphony of Boston,
Lexington Sinfonieta, Boston University Symphony Orchestra e ALEA III. No Brasil, Orquestra Sinfônica do
Teatro Municipal de São Paulo, Amazonas Filarmônica, Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto, Orquestra
Filarmônica de São Bernardo do Campo e Bachiana Filarmônica. Participou do 1o Festival Internacional de
Música em Kyoto no Japão em 1993. Atuou como solista na Orquestra Sinfônica da USP, Orquestra Filarmônica
de São Bernardo do Campo, Amazonas Filarmônica, Orquestra Sinfônica de Ribeirão Preto e Orquestra
Acadêmica da UNESP. Realizou inúmeras premières de compositores Brasileiros, incluindo a gravação do CD
do Grupo Novo Horizonte o qual recebeu o prêmio da APCA de 1993. Atualmente é professor da Faculdade
60
Os depoimentos dos alunos avaliados não estarão anexados a este trabalho. Porém, tais
documentos estão em minha posse para quaisquer eventuais necessidades comprobatórias.
Posso afirmar que, a partir das entrevistas realizadas, pude construir um pequeno
retrato do ensino da música direcionado aos instrumentistas de sopro no Brasil durante uma
boa parte do século XX, tendo em vista que a seleção dos entrevistados contemplou músicos
de diferentes gerações. Das entrevistas realizadas foram colhidos três dados significativos:
me uma ação investigativa de importância tanto para os saxofonistas, como para os demais
instrumentistas de sopro.
As declarações do clarinetista Sergio Burgani ilustram de maneira clara as possíveis
defasagens de relevância e tempo destinado aos estudos dedicados ao aprimoramento técnico
e ao aprimoramento da sonoridade:
Então é fundamental o trabalho de sonoridade. Se você tem uma hora para estudar,
deve-se começar estudando sonoridade e no tempo que sobrar estude as outras
coisas. Se você tem duas horas deve fazer a mesma coisa e assim sucessivamente.
Eu acho fundamental e primordial estudar sonoridade (informação verbal)64.
63
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Sérgio Burgani em 5 de novembro de 2014.
64
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Vitor Alcântara Brecht em 27 de janeiro de 2015.
65
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carlos Sulpício na Escola Municipal de Música de São
Paulo (EMSP) em 11 de novembro de 2014.
62
66
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Daniel Salles D’Alcântara Pereira em 2014.
67
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Sérgio Burgani em 5 de novembro de 2014.
68
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Eduardo Pecci na cidade de Atibaia em 8 de dezembro de
2014.
63
Não tinha um método, era somente mesmo o tempo todo “Olha o som, olha o som, não está
bonito! Está feio, o som está metálico. (Faça) mais redondo, mais escuro! “ A gente ouvia
muito isso, aquela coisa do fat sound que eles falavam, aquela coisa da pureza (informação
verbal)70.
Me lembro que em 1985 eu estava traduzindo um livro que falava sobre ferramentas de
improvisação de um pianista americano chamado Jerry Cooker. O mais importante para nós
naquela época era a improvisação (informação verbal)72.
Vemos assim que, aliada à ausência ou irrelevância dada aos livros ou estudos
específicos para a sonoridade, também havia desinteresse por parte dos músicos para com o
assunto. Tal fato foi confirmado na observação de depoimentos espontâneos dos alunos em
sala de aula, que acabaram por reforçar a percepção apresentada no capítulo 3 (p. 50) de
resistência por parte dos alunos à adoção da metodologia sugerida.
Fica evidente que, por um determinado período, as possíveis razões para tal fato seria
um senso comum existente entre os instrumentistas de sopro que consideravam desnecessário
um trabalho dirigido diretamente ao aprimoramento da sonoridade. Porém, devo ressaltar que
o entendimento sobre o assunto passa por transformações, segundo as declarações de Vitor
Alcântara apresentadas no item anterior (p. 60) e de Sidnei Burgani: “na minha maneira de
ver, se não for o número um é algo que eu levo muito em consideração e para mim é
essencial” (informação verbal)73.
As declarações dos outros entrevistados apontam o quanto a falta de um estudo
dirigido para a sonoridade dificultava a performance.
71
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Sérgio Burgani em 5 de novembro de 2014.
72
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Nailor Azevedo Proveta em 4 de setembro de 2014.
73
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Sidnei Burgani em 6 de novembro de 2014.
65
Acredito que os músicos começaram a ter acesso a material importado por volta do final da
década de 60 e começo da década de 70. Até então era um mistério. Um ouvia falar de uma
coisa, alguém conseguia traduzir um trecho de uma fotocópia e ouvi meu pai comentar
bastante a respeito disso. Existia a duvida da respiração para os instrumentos de sopro, eles
não sabiam o que era o diafragma, não tinham essa noção e então as vezes faziam mais
força do que o necessário. Em detrimento disso acabavam prejudicando a embocadura e
uma série de outras coisas (informação verbal)74.
Isso comprova, entre outras coisas, o quão precária era a consulta ao material
pedagógico vindo do exterior e o quanto esse material em língua estrangeira não era
devidamente traduzido para a nossa língua, dificultando a compreensão das informações
prestadas aos instrumentistas nacionais.
No capítulo 2 (item 4, p. 42) foram apresentados dados que confirmaram não somente
as origens das técnicas respiratórias utilizadas pelos instrumentistas de sopro, mas também
muitas contradições ligadas a essa temática. Assim, me pareceu oportuno averiguar se tal fato
poderia ser observado nas considerações dos entrevistados.
De fato, muitas das contradições citadas no enunciado acima foram observadas
durante as entrevistas. Um dado interessante diz respeito à forma como tais contradições
foram apresentadas por entrevistados de diferentes gerações.
Logo quando eu comecei a aprender se ensinava pelos pulmões, que é o ar frio. Analisando
os métodos americanos que nós importamos, eles ensinavam o diafragma. Quando você diz
diafragma (está falando) de diafragma mesmo, não (de) tocar com os pulmões (informação
verbal)75.
A maneira de apoiar o diafragma, que todos têm dúvida e é uma coisa bem simples: é só
você tossir e por a mão aqui no abdômen e ver a contração que faz isso e então tentar tocar
com essa contração sempre. Esse na verdade é o apoio do diafragma. É o apoio dos
músculos abdominais, você dá aquela enrijecida e isso dá apoio no músculo diafragmático,
que é um músculo muito fraquinho. A gente só usa para respirar (informação verbal)76.
Tinha a ideia do diafragma e era muito falado a coisa do diafragma para frente, empurrando
a barriga para fora e, mais tarde, veio também a informação que não era somente para fora,
mas também para baixo. Essa é a descrição que mais se aproxima do movimento do
diafragma mesmo. Ele não se desloca para fora da barriga, mas para baixo e para cima.
(informação verbal)79.
76
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Maurício de Souza Roberto na Escola Municipal de
Música de São Paulo (EMSP) em 2014.
77
Músculo esternocleidomastoideo.
78
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carina Leal da Fonseca Ladeira em 19 de março de 2015.
79
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Ovanir Buosi Junior em 14 de abril de 2014.
67
Na expiração o diafragma sobe e as costelas fecham. Elas têm a função de descer para
facilitar a expiração e o contrário na inspiração, na qual o diafragma desce e as costelas
expandem. As costelas expandem em função dos músculos intercostais e, por isso, eu disse
que eles estão diretamente ligados à respiração. Isso tudo para facilitar a movimentação dos
pulmões (informação verbal)80.
No começo da década de 80 eu tive mais contato com outros músicos, outros saxofonistas
tais como o Caca Malaquias, o Proveta, o Vinícius Dorin e então, era uma coisa meio assim
o Brasil sempre foi um “achismo”. “Eu acho que é isso, eu acho que é aquilo” e quem acha
não sabe de verdade. Naquela época você não tinha uma escola de saxofone. Você tinha
vários “achistas” vamos dizer assim e nós íamos tirando nossas próprias conclusões. Depois
eu vi alguns livros daquele Eby’s81, que é um livro para trompetistas onde ele fala sobre
respiração e exercícios respiratórios. Depois vi o livro daquele (...) Sigmund Rachter (Sigur
Manfred Raschèr 82 ) onde ele fala de saxofones, uma coisa mais erudita (informação
verbal)83.
Muitas das controvérsias descritas foram vivenciadas por mim, durante a análise dos
livros e métodos selecionados apresentadas no capítulo 2 (p. 26). Também observei que
alguns entrevistados abordavam questionamentos voltados para o conceito de coup de glotte
exposto no capítulo 2 (item 1, p. 26).
80
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carina Leal da Fonseca Ladeira em 19 de março de 2015.
81
Eby's Complete Scientific Method for Cornet and Trumpet (1926), de Walter M. Eby.
82
Saxofonista erudito.
83
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Maurício de Souza Roberto na Escola Municipal de
Música de São Paulo (EMSP) em 2014.
68
A garganta é um ponto muito sensível por que se falava muito de abrir a garganta para
tocar, que é a busca pelo som escuro. Acredita-se que se você coloca o clarinete na boca e
sopra normalmente sua garganta estaria fechada, o que é meio irreal, porque se você abre a
boca, coloca dois dedos na boca e sopra você não está soprando com um som fino, porque
sua boca já está aberta. Falava-se muito que para tocar com o som bonito o ar teria de ser
quente e que o ar frio deixa o som feio. Isso é a coisa mais incrível que eu já escutei na vida
(informação verbal)84.
84
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Ovanir Buosi Junior em 14 de abril de 2014.
69
CONSIDERAÇÕES FINAIS
do Bel Canto (porém, aplicados ao estudo dos instrumentos de sopro) propiciou a elucidação
das origens das técnicas respiratórias utilizadas pelos instrumentistas de sopro.
Entretanto, as mesmas pesquisas históricas que comprovaram o vínculo entre os
processos respiratórios utilizados por cantores e pelos instrumentistas de sopro acabaram por
revelar um novo e inusitado contexto. Foram detectadas um número significativo de
discordâncias entre os próprios pesquisadores e professores; verificadas inúmeras
divergências, inclusive dentro do cenário musical brasileiro e que foram confirmadas nas
declarações contidas nas entrevistas realizadas neste trabalho. A falta de um consenso claro
sobre as informações relacionadas à respiração na literatura disponível e/ou junto aos músicos
e professores, podem ser consideradas as causas mais prováveis para as divergências e,
consequentemente, falhas no ensino do funcionamento do aparelho respiratório para os
estudantes.
No que concerne ao funcionamento do aparelho respiratório, foi verificado um
consenso em torno da relevância da participação do diafragma na respiração, podendo-se
mesmo conferir um papel central à atuação desse músculo, apesar das pequenas discrepâncias
observadas em relação ao seu funcionamento. Todavia, as informações colhidas revelaram um
amplo desconhecimento dos músicos e professores entrevistados no que se refere à
participação essencial de outros músculos (sobretudo, dos músculos intercostais) durante a
respiração executada pelos instrumentistas de sopro.
Devo salientar que, mesmo dentro do material bibliográfico utilizado nessa pesquisa,
as informações e explanações sobre tais músculos não foram localizadas na totalidade dos
livros e métodos analisados, o que nos dá fortes evidências dos motivos pelos quais músicos e
professores demonstraram um elevado índice de desconhecimento deste assunto.
As informações colhidas acerca do funcionamento do aparelho respiratório nos
instrumentistas de sopro (advindas da biologia e das ciências da saúde) revelaram ainda
evidências do uso de um tipo específico de respiração nesse processo, denominado respiração
forçada. Conforme as explicações apresentadas no capítulo pertinente, trata-se de um tipo de
respiração usualmente associado à prática de atividades físicas pesadas, abrindo novas
perspectivas de estudos e aprofundamento sobre o tema.
É possível então concluir de maneira clara que a respiração deveria ocupar uma
posição proeminente dentro das rotinas de estudos e dos livros e métodos destinados ao
ensino dos instrumentistas de sopro.
Assim sendo, este trabalho disponibiliza conteúdos que propiciam um maior
esclarecimento sobre muitas das divergências e conflitos relacionados ao aprimoramento dos
72
conceitos de sonoridade, seja na forma de textos com instruções precisas sobre a respiração
ou nos exercícios dirigidos ao contínuo aprimoramento sonoro.
Sobre as entrevistas, devo esclarecer que todos os músicos ouvidos são figuras de
destaque no cenário musical brasileiro, com vivências e práticas performáticas ligadas ao
estado de São Paulo, mais especificamente, da capital. Sendo assim, e apesar da
representatividade da cidade e estado de São Paulo, não é possível afirmar que as ideias e
opiniões ali expressas representem e forneçam uma imagem exata do cenário musical de todo
o país.
Finalizo esta pesquisa esclarecendo que a temática objeto da pesquisa tem importância
para a área da performance e que, de minha parte, esta percepção é motivo suficiente para a
elaboração de uma nova pesquisa.
73
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBINO, César. Método de flauta transversal. São Paulo: Gondini Editora, 2005.
ANDREU, R.C. Aspectos básicos en el desarrollo de la calidade del sonido. In: ZORZAL, R.
C.; TOURINO, Cristina (Org.). Aspectos práticos para o ensino e aprendizagem da
performance musical. São Luís: EDUFMA, 2014. p. 262-285.
BAERMANN, Carl. Complete celebrated method for clarinet. New York: Carl Fischer,
Inc., 1918.
CASTRO, Claudio de Moura. Você sabe estudar? Quem sabe estuda menos e aprende
mais. Porto Alegre: Penso, 2015.
FISCHER, Carl. Foundation to flute playing - an elementar method. New York: Carls
Fischer Inc., 1918.
HINES, Jerome. Great singers on great singing. Michigan, Doubleday Publishing, 1982.
KLOSÈ, H. Método completo para todos os saxofones. São Paulo: Ricordi Brasileira S.A.,
[19--?].
74
KLOSÈ, H.. Metodo completo per clarinetto. Milão: Casa Ricordi, 1956.
KROEPSCH, Fritz. 416 Studies. New York: Internacional Music Company, 1957.
KYNASTON, Trent. Daily Studies for All Saxophones. Alfred Publishing CO., Inc., 1981.
MOUSSAVI, Zahra. Fundamentals of Respiratory Sounds and Analysis. San Rafael (CA):
Morgan & Claypool, 2006.
NIEHAUS, Lennie. Developing Jazz Concepts: for saxophone (and other instruments).
New York: Hal Leonard Publishing Corporation, 1981.
RASCHER, Sigurd M.. 158 Saxophone Exercises. New York: G. Schirmer, 1968.
RUSSO, Amadeu. Método completo de saxofone. São Paulo, Irmãos Vitale, 1997.
SACHS, Curt. The history of musical instruments. New York: W. W. Norton, 1940.
STARK, James. Bel Canto: A History of Vocal Pedagogy. Toronto: University of Toronto
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TEAL, Larry. The Art of Saxophone Playing. Miami: Summy-Birchard Music, 1963.
THIOLLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. 16. ed. São Paulo: Cortez Editora,
2008.
75
VIOLA, Joseph. Technique of the saxofone – Scale Studies (Vol.1). Boston: Berklee Press,
1965.
VIOLA, Joseph. Technique of the saxofone – Chord Studies (Vol.2). Boston: Berklee
Press, 1963.
VIOLA, Joseph. Technique of the saxofone – Rhythm Studies (Vol.3). Boston: Berklee
Press, 1971.
VIOLA, Joseph. Criative reading studies for saxophone. Boston: Berklee Press, 1982.
76
APÊNDICE A
Dó Maior
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77
APÊNDICE B
Intervalos de 3ª
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78
APÊNDICE C
Intervalos de 4ª
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APÊNDICE D
Intervalos de 5ª
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80
APÊNDICE E
Intervalos de 6ª
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81
APÊNDICE F
Intervalos de 7ª
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APÊNDICE G
Intervalos de 8ª
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83
APÊNDICE H
Dó Maior
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84
APÊNDICE I
Lá menor
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85
ANEXO J (Entrevistas)
Carina Leal da Fonseca Ladeira
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carina Leal da Fonseca
Ladeira em 19 de março de 2015. A veiculação e divulgação desta entrevista foi
autorizada pelo entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.
Eu comecei a tentar estudar alguma coisa com músicos porque eu comecei a trabalhar
em musicais. Foi lá o meu primeiro contato e onde eu comecei a desenvolver um trabalho de
fisioterapia focado nos músicos. De lá para cá nós estamos desenvolvendo, estudando e
tentando entender mais para podermos melhorar a postura, porque vimos essa necessidade e
que cada instrumento exige uma parte do corpo diferente.
Na expiração o diafragma sobe e as costelas fecham. Elas têm a função de descer para
facilitar a expiração e o contrário na inspiração, na qual o diafragma desce e as costelas
expandem. As costelas expandem em função dos músculos intercostais e, por isso, eu disse
que eles estão diretamente ligados à respiração. Isso tudo para facilitar a movimentação dos
pulmões.
Pensando nos músicos, existem ações específicas desses músculos quando tocam um
instrumento?
Isso envolve não somente a respiração, mas também a postura. Eu ouvi muito dizer
que os músicos tinham o abdômen flácido para poder ter essa movimentação durante a
respiração. Na realidade, o abdômen não pode ser flácido até por uma questão de saúde.
Inclusive nós temos um músculo abdominal mais profundo chamado transverso que ajuda na
expiração forçada que os músicos usam. A respiração nos músicos não é a basal, é a
inspiração e expiração forçada.
A ação desses outros músculos posturais ajudará muito na qualidade do trabalho do
músico sem que seja prejudicada sua postura, mas devemos pensar também nas costelas que
precisam ter um movimento de expansão e retração, até por uma questão de saúde.
85
Músculo esternocleidomastoideo.
86
Você poderia falar um pouco mais dessa respiração forçada usada pelos músicos?
Quais seriam esses músculos? Além disso, essa seria uma ação específica da
respiração utilizada pelos músicos?
É, porque temos a respiração basal, que é aquela usada no dia-a-dia e a forçada, que é
a que vocês usam para tocar.
Tudo que sai da respiração basal é a forçada. Ela tem vários níveis e os músicos a
utilizam muito dada a pressão necessária para se tocar um instrumento de sopro. Porém, se a
pessoa faz um esporte mais exigente a respiração saí da basal e passa para a forçada.
Essa respiração forçada seria utilizada em mais alguma ação do nosso cotidiano?
Não no cotidiano de uma pessoa que não é artista ou não é atleta. A menos que ela
tenha um problema respiratório, mas daí entramos numa outra história.
Não, não tem conhecimento e muitos fazem força de forma errada ao tocar, o que
acabará os prejudicando. Quanto a postura, ela prejudica a saúde de alguma forma porque isso
não deixa de ser uma repetição. Vou usar como exemplo os músicos que trabalham nos
musicais: eles têm de tocar as mesmas notas nos sete espetáculos da semana, muitas vezes as
cadeiras não são boas e tudo isso influencia.
Se você tem uma consciência corporal melhor e conhece estes outros músculos, os
trabalhando sem sobrecarga, isso fará com você não se machuque e deixe de ter dores. Muitos
músicos têm dores na coluna.
Existem partes do diafragma inseridos na coluna lombar, nas vértebras L1, L2, L3,
havendo lugares que dizem ir até a L4. Algumas fibras dele se inserem na coluna, mostrando
mais uma vez que tudo em nosso corpo está interligado. Desta forma, o diafragma não é
somente ligado a respiração, havendo fibras deste músculo na coluna que, usado de forma
equivocada, acabará afetando também a lombar.
Você acha que esse conhecimento mudaria algo na performance dos músicos?
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carlos Alberto Alcântara
em 2015. A veiculação e divulgação desta entrevista foi autorizada pelo entrevistado
tanto no formato impresso, como no digital.
Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?
Na minha família, meu pai foi um músico amador e em casa sempre havia alguém
tocando ou ouvindo alguma coisa. Ele me ensinou um pouco de leitura, a tocar um pouco de
clarinete, um pouco de piano e foi assim que começamos. O saxofone, que é meu
instrumento, comecei a estudar em 1951 quando estávamos morando no Norte do Paraná.
Meu pai tinha uma orquestra lá na qual eu tocava bateria e pandeiro. Um dia o
primeiro alto da orquestra saiu e lá era muito difícil de conseguir músicos. Meu pai não
pensou duas vezes: veio a São Paulo, comprou um saxofone alto, colocou o instrumento na
minha mão e disse que em quinze dias eu deveria estar tocando o repertório.
Quanto a sonoridade, na época nós usávamos a embocadura como a dos oboístas, mas
com o tempo fomos conhecendo outros músicos mais experientes que disseram como deveria
ser a embocadura correta do saxofone.
Depois veio toda aquela história do diafragma, de saber como os músicos de outros
países trabalhavam o som, além de ouvirmos muito. Ficávamos reparando nas características
do som de cada um e aí apareceram algumas informações, tais como o “som de garganta” e o
“som de diafragma” e foi nesse momento que soubemos do diafragma.
Você sabe me dizer se esse era o padrão de ensino na época ou isso era uma exceção?
Nós nessa época já parecíamos um pouco mais modernos porque nós ouvíamos jazz
desde criança. Através dos rádios de ondas curtas, que sintonizava programas com músicas do
Charlie Parker e outros músicos do jazz, nós ficávamos ouvindo aquilo e, querendo ou não,
acabávamos formando um som em nossas cabeças que depois queríamos seguir.
Aprendiam meio que na raça, não existiam muitos métodos. Aprendia-se algumas
escalas e harmonia nem pensar, se sabia muito pouco sobre isso. As pessoas conheciam no
máximo tríades, ninguém sabia o que eram as sétimas. Era algo bem precário.
Não. Meu pai vinha a São Paulo visitar um primo que tinha uma orquestra muito boa e
mantinha contato com bons músicos que acabavam dando dicas a ele. Meu pai era
considerado um improvisador muito bom para os padrões daquela época, que eram chamados
89
de rotistas. Não eram usadas cifras como hoje em dia, usam-se acordes montados como numa
partitura de piano. Era assim que se tocava: você escolhia as notas e o resto era guiado pelo
ouvido e pelo bom gosto da pessoa.
Você disse que depois de ter vindo para São Paulo acabou descobrindo as primeiras
informações sobre o diafragma e as diferenças de sonoridade de um músico para o outro.
Como foi a acesso as todas essas informações?
Através do famoso "boca a boca". Nós encontrávamos músicos que viajavam mais e
eles sempre acabavam trazendo alguma informação. Nós grudávamos nessas pessoas e
aprendíamos assim. Não existia essa facilidade de pedirmos um material em qualquer lugar e
ele vir à porta da sua casa como hoje em dia.
E os livros e métodos?
Por volta da década de 60 e 70. Aqui em São Paulo era muito exigida a leitura por
conta da escola italiana. Eles gostavam de uma leitura precisa, inclusive cobrando muito isso,
mas não davam muita bola para sonoridade. Quem tinha um som mais bonito acabava
chamando a atenção e se destacava naturalmente.
Era uma escola muito rígida, com uma leitura muito precisa, mas um som muito seco.
Era uma concepção mais antiga que fazia parte da escola que eles trouxeram para o Brasil.
Mais tarde começaram a vir outros músicos, em especial os americanos, que começaram a
modernizar as coisas, mas basicamente aprendíamos trocando informações com os colegas.
Para você ter uma ideia eu aprendi as acentuações musicais tocando, porquê ninguém
conhecia isso. Liam-se as notas e olha lá.
Insistindo um pouco mais nisso, você saberia me dizer quem eram esses músicos
italianos? Poderia me dizer onde eles davam aulas e tocavam?
Eu não cheguei a estudar com nenhum deles. Quando eu cheguei em São Paulo eles já
estavam aqui, mas eles costumavam te testar. Se você tinha uma boa leitura deixavam ficar,
mas se errasse a todo instante diziam que não estava pronto e não te chamavam mais. Outra
coisa: eles não diziam como fazer nada. Somente cobravam muito quando você errava. Mas
houve um desses italianos que me ensinou muito e ele se chamava Bolão86 e era uma das
pessoas mais acessíveis e modernas dentre todos esses músicos. Ele trouxe essa escola italiana
e depois a aprimorou. Tivemos também o Casé 87 , mas ele também não repassava muitas
informações. Nós aprendíamos ouvindo ele tocar.
86
Isidoro Longano (1925 - 2005).
87
José Ferreira Godinho Filho, o Casé, nasceu em 26 de junho de 1932, em Guaxupé, Minas Gerais: pai e mãe
músicos, um irmão trompetista e três irmãos saxofonistas. Aos 10 anos, já tocava bateria com o pai; dois anos
depois, soprava saxofone e clarineta em bailes na Usina Junqueira, perto de Ribeirão Preto, São Paulo. Casé fez
de tudo numa carreira de rápida ascensão: tocou sob a lona de circos e em salões de baile; nas orquestras de
90
Sim, porque conversando era muito difícil. Eles se importavam muito com a leitura,
mas cada um fazia o que queria em relação a interpretação e à sonoridade.
Mas depois isso foi mudando com a chegada de músicos mais modernos, tais como
Nelson Ayres e Roberto Sion.
O Roberto Sion era uma dessas pessoas. Em 1959, eu precisei fazer um estágio em
Santos para regularização de alguns documentos e acabei conhecendo ele e o pai dele que lá
moravam. Nessa ocasião ele já tinha alguns métodos de harmonia.
O pai dele trouxe dos Estados Unidos. Se não me engano ele tinha um amigo pianista,
que talvez fosse na realidade quem trazia esses livros e era assim que nós tínhamos acesso.
Meu pai, numa determinada, época pediu alguns álbuns de Dixieland muito bons
escritos para cinco ou seis sopros. As coisas funcionavam mais ou menos como funcionam até
hoje: sempre que alguém viaja para os Estados Unidos você aproveita para pedir alguma
coisa, mas nós nem sabíamos direito o que pedir.
Você consegue lembrar de mais alguém, além do Sion, que trouxe algum livro?
O Hector Costita. Ele sempre teve uma informação melhor porque a escola argentina
sempre foi mais aprimorada – principalmente a dos clarinetistas. Ele inclusive nos ensinava
alguns temas, assim como um pianista chamado Luís Melo, que era outra pessoa bem
informada; havia também o Chu Viana, que tinha um melhor conhecimento harmônico. Isso
foi um pouco depois, mas a partir disso que se iniciaram as mudanças para melhor.
Tudo isso que você me disse até agora estava ligado aos músicos populares, mas
vocês gravavam muito com músicos eruditos. Saberia me dizer se eles também encontravam
as mesmas dificuldades de acesso a livros e métodos?
Eles tinham menos conhecimento que nós nessa área moderna. Eles eram muito
rígidos – e aí a escola italiana prevalecia – eram grandes leitores, mas o som era ruim. A
verdade é que não gostavam muito de músicos populares, eles nos achavam grosseiros e até
certo ponto eles tinham razão, mas também não ensinavam nada para que isso melhorasse.
Se eu bem entendi, até aqui você me disse que muito do conhecimento ao qual tinham
acesso estava ligado a aspectos técnicos do instrumento e a conhecimentos ligados a
harmonia. Você se lembra de algum material que tratasse da sonoridade de forma
específica? Isso era algo que tinha relevância ou era visto como uma consequência de outros
estudos?
rádio em programas de auditório e no ar enfumaçado dos “inferninhos” dos anos 1950. Aos 21 anos, excursionou
pelo Oriente Médio e pela Europa. E encontrava ainda tempo para estudar harmonia, durante dois anos, com o
maestro erudito Hans-Joachim Koellreutter, o monstro-sagrado da música de vanguarda no Brasil.
91
Isso foi em 1973. Da década de 60 para trás você esquece. Inclusive meu irmão
também estudou com ele porque estava com um problema sério, quase atrofiando o diafragma
por forçar ele de forma errada.
Esse trombonista comentou em algum momento em quais livros ele havia lido ou
descoberto essas informações?
Ele veio para cá colocar em prática os estudos que ele havia desenvolvido nos Estados
Unidos. Ele dizia que havia vindo para o Brasil para pesquisar, que sabia todas as
informações necessárias para que as pessoas tocassem bem e que queira as passar para nós.
Morou. Ele tocou numa orquestra sinfônica aqui de São Paulo por dois ou três anos e
deu uma luz para todos que foram estudar com ele.
Que de fato falou a respeito disso, antes nós ouvíamos falar, ouvíamos comentários,
mas ninguém explicava nada. Haviam inclusive informações completamente equivocadas.
Então, a partir da década de 70, o contato que vocês tiveram com a sonoridade foi
através de um americano que passou para vocês os conceitos de respiração que envolvem o
diafragma, mas houve algum músico brasileiro que tenha trazido algum livro que falasse
sobre isso?
Não. Depois desse rapaz começaram a aparecer alguns livros, tal como o Eby’s88 que
era específico para isso. Algumas pessoas se interessaram, mas a maioria não. Na época eu
pedi para uma pessoa traduzir a introdução do livro que era muito bonita, na qual ele dizia o
que representava a sonoridade no instrumento.
Esse livro tem quatro volumes: o primeiro era pequeno, mas ali estava toda a
informação para que você mudasse seu som; o segundo era uma consequência do primeiro,
assim como os demais volumes. Porém, as pessoas compravam somente os terceiro e quarto
volumes porque tinham muitas notas, mas era o primeiro volume que definia seu caminho.
Eu cheguei a ter problemas com isso pois comecei a levar esses estudos muito a sério
e, quando íamos gravar, meu som ficava muito maior que dos outros músicos.
88
Eby's Complete Scientific Method for Cornet and Trumpet (1926), de Walter M. Eby.
92
Eu sou fiel ao que está escrito no ABC musical: a música é a arte de se manifestar
mediante o som89. Meu pai dizia que quem tem um bom som está a meio caminho andado. Se
o som é bom as pessoas prestam atenção ao que você toca, mas se o som é feio a pessoa terá
de fazer muita pirotecnia para chamar a atenção. O som é o mais importante de tudo.
Tínhamos alguns casos raros de pessoas que usavam o diafragma, mas não sabiam
disso. Esse era o caso de um trompetista chamado Butina, que veio a saber o que fazia quando
eu conversei com ele sobre isso e estamos falando de algo que aconteceu na década de 70.
Você acha que as pessoas aqui no Brasil não davam a devida importância a
sonoridade?
Não, pouquíssimas pessoas. Alguns tinham uma boa sonoridade naturalmente, mas
para os que não tinham não acontecia nada. Havia um problema muito comum em naipes nos
quais não conseguia se casar o som entre os instrumentos. Uma pessoa que toca pela garganta
tem um som sem harmônicos; já o som do diafragma espalha os harmônicos a vontade e
assim o som fica mais cheio. Essa é a grande diferença.
89
Música é a arte de manifestar os diversos afetos da nossa alma mediante o som¨ (P. BONA).
93
Carlos Sulpício
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Carlos Sulpício na Escola
Municipal de Música de São Paulo (EMSP) em 11 de novembro de 2014. A veiculação e
divulgação desta entrevista foi autorizada pelo entrevistado tanto no formato impresso,
como no digital.
Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?
Primeiro, quando eu comecei não foi por causa da música. Era aquela história: foi por
causa da molecada que andava junto por causa da banda.
Então isso era lá em Marília - no interior e tinha a banda do SENAC que passava [...]
onde a gente brincava, e aí a molecada jogava bola (aquela coisa toda) e aí a gente falou: “Pô,
como é que será que faz pra participar desse negócio?” Foi aí que a gente foi atrás.
Então na verdade era mais aquela coisa de farra, não era pela música e na verdade a
nossa banda era interessante porque quem fundou essas bandas em Marília foram uns
missionários canadenses (que eles foram lá para Marília por causa do colégio Cristo Rei, que
existem vários pelo Brasil), e aí uma das funções deles era justamente mexer com música.
Então isso foi legal porque eles ensinavam correto, pra valer. É interessante isso, a gente
aprendia mesmo de verdade e isso foi muito interessante.
Até quando se dizia que precisávamos ir para São Paulo, porque era lá que o pessoal
sabia, era lá que o pessoal conhecia e quando chegamos aqui vimos que era a mesma coisa. É
interessante isso.
Eu...aí é aquela coisa: você chega na banda e você tem que tocar os instrumentos que
têm lá a disposição e eles queriam que eu tocasse trombone. Mas eu não gostava muito,
porque imagina eu com dez anos de idade, era muito pequeno e o instrumento era muito
grande. Aí eu falei que queria tocar trompete. Engraçado...de ver os instrumentos assim o que
mais me chamava a atenção era o trompete, mas eu comecei no trombone, assoprando no
bocal, até conseguir vibrar e aí depois eu falei que queria passar para o trompete. Aí eles me
deram o trompete, eu comecei a soprar, saiu, eu continuei e não parei mais.
Enquanto era farra, vamos se dizer assim, era interessante. A partir do momento que a
gente chega naquela coisa de “Aí, o que que eu vou fazer? Será que eu vou fazer faculdade ou
não sei o que!” aí era um problema, porque imagina, no interior todo mundo achava que
música literalmente era coisa de vagabundo, de quem ia ficar em boteco, aquelas coisas.
Por que é diferente, por exemplo: imagina que você está numa cidade pequena que na
época não tinha nem cem mil habitantes e que a única relação de música que eles conheciam
era a do boteco, ficando em bar, tocando na noite e fazendo bailes. Isso era música para eles.
Eles não tinham essa visão de fazer faculdade, por exemplo, de ter uma escola que
nem a Escola Municipal ou de tocar numa Orquestra Sinfônica. Isso era uma coisa assim
etérea para eles. Por isso que havia muita resistência e eu lembro que até tinha uma matéria
que chamava “Programa de Formação Profissional” na escola, e eu estudei na época da
94
ditadura na escola, mas tinha essa matéria. Quando perguntavam para a professora sobre
música, sobre artes, ela olhava no caderninho dela e falava: “Não, mas isso é inexistente. Isso
não é nem profissão”. Olha só que coisa, eu estou falando dos anos 70 [...], final dos anos 70.
Mas mesmo assim eu não desisti! Eu vim aqui para São Paulo, prestei o vestibular na ECA
(USP), passei e vim para cá.
Como era visto o músico popular pela sociedade? Existia em Marília essa distinção
entre músicos populares e eruditos?
Não, não existia não. Eu mesmo, na época em que eu queria ser músico, não sabia o
que era. Na minha cabeça - e é interessante isso - eu podia fazer baile num dia, tocar numa
orquestra sinfônica no outro e, sei lá, se aparecesse alguma coisa para fazer com música
sertaneja (eu) ia fazer também. A gente mesmo não tinha muita distinção sobre isso, essa
coisa de música erudita e música popular.
Era assim: a molecada (os jovens) tocavam na banda porque não tinha remuneração
nem nada - era aquela coisa da farra - e o músico profissional só tocava. Não tinha esse
costume em Marília, por exemplo, dos músicos profissionais darem aula. Tinha até uma
banda famosa na época que se chamava Iarasus, outra que se chamava Os peoples (era uma
banda até que conhecida, que fez bastante shows pelo Brasil na época) e que tinham
saxofonista e trompetista.
Eu lembro que eu ia até eles para perguntar alguma coisa, mas eles não davam aula,
era uma coisa assim que não fazia parte. Aula era uma função dos professores do
conservatório, mas o que é que tinha no conservatório?
Piano...só, sempre aquela coisa da “pianolatria” brasileira que sempre tem. Pelo Brasil
inteiro, aula de piano você vai achar e conservatório de piano também. Então, em Marília os
conservatórios só davam aula de piano. Você tinha que aprender piano e estudar teoria. Não
tinha como ter uma aula formal de trompete num conservatório. Só piano!
Sim, porque acontecem duas coisas: eu vejo que o músico que participou de banda é
mais aberto, porque ele acaba tocando coisas técnicas do instrumento sem que ele tenha noção
de que aquilo é difícil ou é fácil. Ele simplesmente enfia a cara, vai embora e muitas vezes
aquilo não é nem do instrumento dele, nem da técnica do instrumento, mas ele vai.
Agora, o que eu acho que aconteceu com as bandas e eu não sei se isso é uma coisa de
hoje. O pessoal que passa muito tempo nas bandas, quando vão, por exemplo, para uma
orquestra sinfônica (eu estou falando especificamente da música erudita, da música clássica),
demoram muito até perceberem que o trompete não é solista e não é a voz principal na
apresentação, principalmente se vai tocar uma sinfonia de Haydn, Mozart e Beethoven.
Ele é um acompanhador, mas como teve essa formação na banda, em que era a voz
principal, leva muito tempo até entender que o trompete não é a voz principal numa orquestra
sinfônica, principalmente nessa época do classicismo.
95
Você tem conhecimento de alguma rotina de estudos feita de forma específica para o
estudo da sonoridade?
Não, um método que falasse de sonoridade ou alguma coisa nesse sentido, não. É uma
coisa que está além dos métodos, do professor falar sobre a sonoridade e você saber que isso é
interessante. Porque eu não percebo, quer dizer, eu infelizmente percebo que aqui no Brasil
isso não é uma coisa importante. Mas só descobri isso quando eu fui para os Estados Unidos
porque toda vez que a gente ia tocar, que íamos fazer aula, a sonoridade era tão importante
quanto tocar o ritmo e a afinação certa e aqui no Brasil não, é uma coisa que está em segundo
plano infelizmente.
Não, isso não existia. Só mesmo os conservatórios e você tinha que estudar com os
maestros de banda. Por exemplo, quando eu falei para eles que eu queria fazer vestibular,
quem dava aula de teoria era o maestro, mas tinha o Raimon e o Prof. Nezito que foram meus
professores e faleceram com quase noventa anos a pouco tempo. Na minha memória de
criança, principalmente o professor Nezito, que tocava piano, violino e trompete, era
compositor e dava aula de teoria, nunca esqueço dele porque eu falava assim: “Nossa, como é
que pode uma pessoa (assim) estar perdida aqui em Marília com esse conhecimento todo?”
Para mim ele era um gênio.
Na minha visão, ele tinha um conhecimento muito grande de todos esses instrumentos,
porque eu lembro que quando eu aprendi a fazer stacatto duplo e triplo de trompete eu estava
com dificuldade, e fui mostrar para ele que eu não conseguia fazer a pronúncia do ta ca ta ta
ca ta ta ou ta ca ta ca ta ca ta ca ta. Ele me ensinou a fazer de uma maneira como faço até
hoje.
Olha só que coisa curiosa: eu me lembro que quando fui para os Estados Unidos
estudar com o (Roger) Voisin (ele foi trompetista da Boston Simphony por quarenta anos), eu
falei assim para ele: “(Você) poderia olhar minha técnica, meu stacatto triplo para ver se está
certo, se é assim que se faz?” Eu toquei um pouquinho e ele falou “Ih, (com) isso aí não se
preocupe não. Vá estudar outra coisa que isso está certo!” Olha que coisa curiosa: eu aprendi
em Marília a fazer isso, no lugar mais improvável possível, ou seja, então eles tinham
realmente um conhecimento profundo.
Eles eram todos lá de Marília. Na verdade, o professor Nezito e o Raimon (que era
canadense) davam aulas de trompete e tinha o Brás, o Brás Samperio, que é mais novo e ainda
está vivo.
Todos em Marília! Nenhum deles estudou fora, exceto o Raimon que é canadense.
Porque eu via essas pessoas tocando e elas tocavam muito bem, mesmo com complexo
de inferioridade (e achando) que não, mas eles tocavam bem.
96
Você usava métodos? Se você usava, quais eram esses livros ou métodos?
Sim, no caso, o método que a gente usa até hoje, que é o mais usado no mundo inteiro
e que é o Arban90. Porque eles já tinham esse conhecimento...
É a técnica.
Você lembra como esses livros chegaram até vocês lá (em Marília)?
Esse Arban com certeza veio com o Raymon, mas tinha muito material importado
porque existia uma usina que se chamava Usina Paredão, próxima de Marília, cuja a dona era
uma suíça e essa pessoa que se chamava Dona Margot.
Eu lembro que ela foi até a banda uma vez e eles eram luteranos. Iam fazer uma
apresentação de Natal e eles queriam alguns músicos para tocar junto. Sabe aquela coisa de
encenação, de tocar música de menino Jesus - aquelas coisas - e aí alguns músicos foram. Eu
fui uma das pessoas que foi junto.
Era tipo um quinteto ou quarteto de metais (dois trombones, dois trompetes) que
faziam uns arranjinhos simples com percussão e a gente foi participar. Essa senhora – como
ela era suíça – claro que tinha conhecimento e tinha partituras originais do Maurice André91.
Então, a gente já tinha contato por causa dela e você acredita que agora, no último Natal que
eu estive em Marília, esse meu professor Brás (que ainda vive) me deu essas partituras? Claro
que eu guardo isso a sete chaves.
Os professores que eram estrangeiros lá (em Marília), pelo que eu entendi era um...
É, era o Raimon.
Então, porque não tinha distinção da coisa do popular e do (erudito), era tudo igual.
Você podia tocar baile ou você podia tocar o concerto para dois trompetes de Vivaldi que nós
vivíamos tocando. Você podia tocar na banda, não tinha distinção.
Não, porque é uma coisa muito intuitiva. Até onde eu penso nisso, o que você fala
para um aluno para ele pensar em fazer para o som ficar bonito? A gente pensa em imitação.
Você pensa nos trompetistas que existem mundo afora, fala para ouvirem e tentar imitar esse
90
Jean-Baptiste Arban, Método para Trompete.
91
Maurice André (Alès, 21 de maio de 1933 - Baiona, 25 de fevereiro de 2012) foi um trompetista francês,
considerado um dos melhores trompetistas de música clássica do mundo. Faleceu em 2012 aos 78 anos, na
cidade francesa de Bayonne. Wikipédia: acessado em 03 de dezembro de 2014.
97
som. Isso é bonito, você tem de tocar assim”, mas como fazer isso eu realmente nunca tinha
parado para pensar.
Você acha que esse tipo de conhecimento seria relevante no estudo do seu
instrumento, o trompete?
Sim, eu acho que é relevante, porque é aquilo que eu falei: eu peço para eles fazerem,
mas não tem nenhuma técnica envolvida no caso. Mas o que eu falo é, por exemplo, tocar
nota longa, tentar pensar nessa nota a mais pura possível e aí, quando estiver fazendo escala,
fazer a mesma coisa: pensar nas escalas como se fosse música.
E você lembra, nessa fase de aprendizado, o que era disso (se é que era dito) sobre
sonoridade?
Ninguém falava nada. A única coisa que a gente procurava era imitar e isso também é
interessante. Tinham dois trompetistas que a gente conhecia na época: era o Rafael Méndez92
(um mexicano que morava nos Estados Unidos) e o Maurice André. O nosso ideal de som (na
época que eu estava lá em Marília) era o Maurice André, imitar o Maurice André.
Mas, além de não ser falado nada, não era também atribuído nenhum grau de
importância ao estudo de sonoridade?
Você encontrou alguma semelhança entre o ensino musical daqui e nos Estados
Unidos, por exemplo, em relação a essa coisa do trabalho de sonoridade? Você acha que nos
Estados Unidos eles tratam isso (a sonoridade) da mesma forma que nós tratamos aqui?
De que forma?
Não tinha um método, era somente o tempo todo “Olha o som, olha o som, não está
bonito! Está feio, o som está metálico. (Faça) mais redondo, mais escuro!”. A gente ouvia
muito isso, aquela coisa do fat sound que eles falavam, aquela coisa da pureza...
De percepção...
92
Rafael Méndez (Jiquilpan, Março 26, 1906 - 15 de setembro de 1981) foi um virtuoso trompetista mexicano.
Sua gravação mais famoso, Moto Perpetuo, foi escrita no século XVIII por Niccolo Paganini para o violino. Para
tocar esta peça, Méndez combinou as técnicas da "linguagem dupla" de forma continua por mais de 4 minutos,
enquanto a respiração circular dava a ilusão de não respirar durante a execução. De 1950 a 1975, Méndez se
tornou um solista em tempo integral, chegando a marca de 125 apresentações por ano. Ele também permaneceu
trabalhando de forma ativa nos estúdios de gravação, com muitas dessas gravações disponíveis em CD. Méndez
era lendário pela sua sonoridade, o âmbito de suas notas e sua técnica. Seu modo de tocar ficou caracterizado
pelos tons vibrantes, amplo e rápido vibrato e articulações rápidas e limpas. Seu repertório era uma mistura do
clássico, popular, jazz e música mariachi mexicana. Méndez também contribuiu com vários arranjos e
composições originais para o repertório do trompete. Sua Scherzo in D minor é frequentemente ouvida em
recitais e foi gravada por David Hickman.
98
E quais eram?
De nada.
93
36 Etudes Transcendantes
94
Practical Studies for the Trumpet composto por Edwin Franko Goldman (1878-1956). Editado por Edwin
Franko Goldman para trompete solo. Publicado por Carl Fischer (CF.O243).
95
Vingt Étude de Marcel Bitsch (1954). Editado por R. Sabarich. Publicado por Alphonse Leduc (Paris).
96
Sixty Selected Studies for Horn (1833). Publicado por Breitkopt & Hartel.
97
200 Études nouvelles mélodiques et progressives pour cor de Maxime Alphonse (1920, 21 e 22). Publicado
por Alphonse Leduc (Paris).
98
Eugène Bozza.
99
Six Études por Trompette de Henri Tomasi (1955). Publicado por Alphonse Leduc (Paris).
100
100 Studi Melodici de Reginaldo Caffarelli (1986). Publicado por Ricordi.
99
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Daniel Salles D’Alcântara
Pereira em 2014. A veiculação e divulgação desta entrevista foi autorizada pelo
entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.
Acredito que os músicos começaram a ter acesso a material importado por volta do
final da década de 60 e começo da década de 70. Até então era um mistério. Um ouvia falar
de uma coisa, alguém conseguia traduzir um trecho de uma fotocópia e ouvi meu pai
comentar bastante a respeito disso.
Existia a duvida da respiração para os instrumentos de sopro, eles não sabiam o que
era o diafragma, não tinham essa noção e então as vezes faziam mais força do que o
necessário. Em detrimento disso acabavam prejudicando a embocadura e uma série de outras
coisas, mas eu me lembro que a partir do final da década de 60 começaram a surgir métodos
como o Louis Maggio, o Claude Gordon e o Eby’s.
A partir da década de 70 meu pai começou a viajar por conta das turnês internacionais
com o Roberto Carlos e começou a trazer esses métodos que não eram encontrados aqui no
Brasil. Houve então um movimento para a tradução desse material.
Ele trouxe também o livro do Carmine Caruso, todos métodos calistênicos
direcionados a sonoridade, a resistência e ao controle do ar. Há também o livro do James
Stamp, todos livros que vieram nessa leva de material trazidos a partir do final da década de
70.
Pelo que você me disse até aqui, esses autores se dedicavam a técnicas para
sonoridade no trompete. Você poderia descrever quais eram essas técnicas?
O Louis Maggio usava a nota pedal como referência para a proporção de quanto você
sobe ou desce, usando notas que não eram da extensão do instrumento. Ele propõe que as
notas graves (pedais) sejam tocadas com a mesma abertura de lábio usada nas notas agudas, o
que exige um controle da emissão do ar muito maior.
Ele dava informações detalhadas do que estava envolvido nesse controle de ar?
Existe toda uma ciência que ele explica no método. Ele fala da tomada de ar, da
respiração, da postura, das vogais que usamos para tocar na região grave e nos agudos e da
velocidade do ar. Todas essas coisas estão descritas no método.
Você lembra de ter lido ou visto em algum lugar quais seriam as origens de todas
essas técnicas?
Eu não tenho certeza disso. O Maggio talvez tenha sido um dos precursores desse tipo
de trabalho. Estudava-se muito a parte técnica do instrumento, com exercícios, escalas,
arpejos, diferentes tipos de articulação, notas longas, mas algo direcionado a isso eu acredito
com quase toda certeza que o Louis Maggio tenha sido o primeiro a fazer.
Quando você acha que os músicos brasileiros passaram a ter acesso a esses conceitos
de sonoridade que me parecem ser relevantes para os trompetistas?
Podemos então dizer que até a década de 80 os músicos, e de uma maneira mais
direta os trompetistas, tinham acesso a um material que era restrito em vários sentidos, fosse
pela acessibilidade ou pelo entendimento?
Sim, mas pelo menos já tínhamos acesso a esses materiais. Eu tenho a sensação que a
partir da década de 90 essa escola foi se solidificando, tirando tabus, deixando tudo mais
natural.
Para mim ser natural é você ter o maior rendimento com o menor esforço. Esforço no
sentido de força, de tensão, de ter mais controle do que você toca e dos pontos básicos. Por
exemplo, eu acredito que todo trompetista tem de ter três pilares básicos: o controle de ar, que
envolve a respiração e o controle de ar...
Voltando a questão da respiração, saberia me dizer se em algum dos livros que você
citou existe qualquer menção sobre técnicas envolvidas nesse processo?
Eu cheguei a essa conclusão através da observação, mas eu acho que essa informação
possa existir em algum método, principalmente nos métodos mais recentes. Eu noto que
minha performance melhorou muito tocando com instrumentistas que respiram de maneira
correta. Posso citar como exemplo o Junior Galante.
Ele é um trompetista que obviamente estudou, mas ele tem uma maneira que me
parece ser muito natural de tocar. As qualidades que ele tem não me parecem ser fruto de um
estudo específico, mas de uma assimilação. Tocar com ele por tantos anos me fez – não de
maneira instintiva – respirar junto, timbrar da mesma maneira e isso fez melhorar o meu
desempenho. Eu percebi que ele não faz força tocando e que respira de uma maneira muito
natural.
Outra coisa: em muitos dos trabalhos que fiz toquei com cozinhas 101 que estavam
amplificadas e eu estava sem microfone. O que acontece? Para se fazer ouvir você precisa
arranjar um jeito de tocar e não cansar. Através da respiração mais natural, da garganta livre,
do som com ar quente (que deixa a garganta relaxada), o ar passa mais naturalmente, fica
mais cheio e a parede do instrumento se completa através do ar. Eu procurei achar o meu som
para conseguir tocar os trabalhos que eu me propus a fazer.
Foi um pouco das suas coisas. Na realidade, eu sempre procurei entender o porque
daquilo. As vezes as pessoas diziam que eu precisava tocar com ar quente, mas eu me
perguntava o porque disso. Daí em ficava na minha casa jogando ar quente e frio nas mãos.
Qual seria a diferença?
Você abre a garganta quando faz o ar quente e sua passagem fica mais livre. As
sílabas “Rá" e “Ró" fazem primeiramente com que você solte o ar de forma mais tranquila,
relaxada e regular. Existem outros conceitos, por exemplo, não de notas longas, mas de frases
longas. Você começa e termina as frases tentando manter o mesmo volume de som e a mesma
quantidade de ar. Quem desenvolveu esses estudos foi um ex-músico da Chicago Symphony
chamado Vincent Cichowicz e são direcionados ao controle do ar e respiração.
101
A seção rítmica, chamada popularmente no Brasil de cozinha, designa um grupo de instrumentos musicais,
comumente dois ou três instrumentos, especialmente responsáveis pelo pulso rítmico da parte musical a ser
executada e também o acompanhamento das partes musicais. O termo também faz referência aos instrumentos
que pertencem a este grupo (seção). Fonte: Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Seção_r%C3%ADtmica).
Acessado em 24 de agosto de 2016.
102
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Eduardo Pecci na cidade de
Atibaia em 8 de dezembro de 2014. A veiculação e divulgação desta entrevista foi
autorizada pelo entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.
Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?
Muito bem, eu iniciei com meu pai como professor. Então, sem dúvida nenhuma, era
método e a parte teórica. Na parte de solfejo era mais cobrada, por exemplo, valor de notas,
transposição em clave de Sol e clave de Fá, alguma orientação sobre a clave de Dó, mas na
verdade meu pai exigia de mim um método para o instrumento de saxofone (ou do clarinete,
que foram os dois instrumentos que ele pode me orientar) e que eu trabalhasse bastante
aqueles métodos que um dia poderia dar um resultado positivo e assim foi meu começo.
Bem, eu tinha por volta de oito para nove anos de idade, era muito garotinho e não
tinha uma consciência do que vinha pela frente, mas eu percebia sim o interesse de alguns
amiguinhos com a mesma idade que gostariam de aprender algum instrumento, mas moleques
e a gente saia para jogar bola. Vinha do colégio, ia jogar bola, aí eu ia fazer meus estudos e
coincidentemente, e essa pergunta é interessante, porque alguns gostavam até de entrar em
casa, assistir eu estudar os métodos e eram métodos técnicos - sem dúvida nenhuma, o
Klosè102.
Mais tarde, com o clarinete, vim a tomar conhecimento de outros métodos e trabalhei
por um período o método do meu próprio pai, Domingos Pecci. Estudei alguma coisa dele que
era até um pouco mais simples do que o Klosè, mas ele fez com que eu lesse aquele método
também para desenvolver, para tocar. Ele me punha para tocar, e por outro lado, ele também
tinha o capricho de escrever alguma música que estivesse em paradas de sucesso, nas rádios
na época. Ele escrevia para que eu tocasse ou algum standard americano que eles conheciam,
porque eu sou irmão de músico também (mais velho do que eu) e o meu irmão sempre trazia
alguma novidade em disco - ele cuidava desse lado - e com isso meu pai então as vezes tirava
alguma coisa desses discos para que eu tocasse aquelas músicas americanas, assimilasse
também um estilo fora do brasileiro.
Então de certa forma nós acabamos voltando nessa pergunta que eu acabei de fazer
que seria “como você aprendeu?” Então na realidade, tinha esse outro lado...
Além do livro do seu pai, que o próprio senhor Domingos escreveu, também existia
essa coisa das transcrições de música para que você tocasse...
Exatamente.
102
Hyancinthe Klosè foi professor do Conservatório de Paris , compositor e clarinetista na França, tendo
desenvolvido o sistema de chaves para o clarinete que viria a ficar conhecido como Clarinet de Boehm.
103
Muito bom...
É uma boa pergunta. No meu caso, eu já namorando (já com dezessete ou dezoito
anos), muitos aconselhavam minha namorada a largar de mim porque eu seria um viciado em
bebida ou em drogas. Porque era músico ou seria músico. Então, tinha esse preconceito, mas
isso aí com o tempo nós damos um drible em todos eles e mostramos que eles estavam
errados.
E aí, é você se dedicar àquilo que você gosta e levar com seriedade, profissionalmente.
Quando se chega lá, isso desenvolve uma cultura, uma educação na qual ninguém vai
interferir.
Já aos doze anos - aí então eu também estudava clarinete - e uma colega do meu pai
que trabalhava na rádio, na Rádio Bandeirantes para ser mais exato, soube de uma orquestra
juvenil e sugeriu ao meu pai que ele me levasse lá para fazer um teste para entrar como
clarinetista. Lá fui eu para a Orquestra Sinfônica do Museu de Artes de São Paulo que na
época ficava na Rua Sete de Abril [...], no décimo quinto andar de um prédio que hoje eu não
lembro o número. Existia um jornal nesse prédio103 e nós íamos para o décimo quinto andar,
lá tinha uma ampla sala com uma orquestra sinfônica de jovens. Dessa orquestra, e não sei se
estou antecipando alguma coisa, saíram alguns colegas que foram para a Orquestra Sinfônica
Municipal e alguns que se tornaram maestros. Posso citar Rogério Duprat, Leonardo
Federowisk e Isaac Karabtchevsky, que foram meus companheiros de orquestra juvenil e
talvez tenha mais algum que eu não esteja lembrando.
Orquestra Juvenil do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MASP). Toquei ali até
me tornar adulto, um músico profissional e ali, um dia, eu comecei a participar também de um
quinteto de sopros extraído dessa mesma orquestra, composto de clarinete, flauta, trompa,
fagote e oboé. O Karabtchevsky pertenceu a esse grupo também, mas ele saiu rápido, porque
o interesse dele era regência. Nós nos apresentávamos nesse período, não me lembro em que
época, e esse quinteto já estava até bem desenvolto. Quem nos conduzia era o professor
maestro Walter Bianchi, que era oboísta da Orquestra Municipal e de outras orquestras e ele
um dia falou para mim: “Olha, está sendo organizado um noneto no Theatro Municipal” -
seria por uma semana, um trabalho passageiro - e você pode participar, assim como algum
colega meu do mesmo quinteto pôde participar também. Quem foi para lá como primeiro
clarinete foi uma pessoa fantástica que eu conheci chamada José Botelho.
O Botelho gostou do meu trabalho, como um elemento amador (eu devia ter uns
quinze anos, dezesseis talvez), ligou para o meu pai e falou assim: “Eu quero esse rapaz como
meu aluno” e me deixou num nível bem superior, porque ele era um concertista, um
catedrático no seu instrumento. Meu pai era um clarinetista de música popular, mais ainda
saxofonista como músico popular e tocava clarinete como um complemento. O Botelho era
um clarinetista clássico, concertista, fazia seus recitais por onde o contratassem e ele foi uma
pessoa muito importante para mim, sem dúvida nenhuma.
103
Sede dos Diários Associados, empresa fundada por Assis Chateaubriand e que, no seu auge, em todo o Brasil,
36 jornais, 18 revistas, 36 rádios e 18 emissoras de televisão, além de bater recordes de tiragem com O Cruzeiro.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Diários_Associados acessado em 14/02/2015.
104
Certo. Eu comentei até agora o meu ingresso na sinfônica juvenil, mas eu acabei
perdendo o concurso do Theatro Municipal mais tarde [...]. Então, o prazer do meu pai (que
foi meu principal professor) era me ver numa orquestra sinfônica pelo meu desenvolvimento
como clarinetista, mas eu vi que perdi a vaga e na época só existia a Orquestra Sinfônica do
(Theatro) Municipal (de São Paulo) e a orquestra sinfônica da Rádio Gazeta que até então já
estava completa.
Então, peguei meu sax-tenor, fui para a Praça da Sé e fiquei um pouco mais de um ano
numa orquestra coordenada pelo Orlando Ferri e que era conduzida pelo filho dele, José
Roberto Ferri. Fiquei fazendo baile nessa orquestra por um ano.
Quando terminou esse ano eu resolvi dar uma parada e, parece incrível, no mês
seguinte Silvio Mazzuca me chamou para sua orquestra. Era a orquestra de maior sucesso
naquela época! Eu já havia feito alguns cachês no lugar do meu pai, no lugar do Bolão104 -
fantástico Bolão. Meu irmão era baritonista dessa orquestra e meu pai (tocava sax-) alto e eu
acabei naquele ano todo substituindo (os saxofonistas durante suas) férias daqueles que
tocavam (sax) tenor ou alto.
Parece que eu fui bem e então quando aconteceu do Mazzuca renovar a orquestra,
devido a dispensa da orquestra pela (Rádio) Bandeirantes por falta de patrocínio, aconteceu
uma coisa que pouca gente sabe: a orquestra do Silvio Mazzuca, que era uma das melhores do
país como orquestra de baile e shows, recebeu uma ligação de dois elementos, diretores da
Columbia do Brasil: “Silvio Mazzuca, olha, você vai gravar uma música aqui que será
sucesso” e ele sem dúvida falou “mas, nós dispensamos a orquestra. Eu não tenho mais
orquestra”. (Os diretores disseram): “Não, mas vai ter! Você vai gravar e depois quem sabe
refaz a orquestra”.
O contratado da Columbia era um elemento fixo na gravadora chamado José Ribamar,
tocando sax-tenor, e o outro era o José Ferreira Godinho105, um camarada conhecido como
Casé, um dos maiores saxofonista que eu já conheci.
Muito bem, eles realmente gravaram e depois de uma semana do lançamento do disco
começaram a chover pessoas procurando pelo Silvio Mazzuca. Queriam a orquestra para tocar
em bailes, em clubes ou em formaturas e ele falou “E agora, como eu faço?”, porque alguns
elementos - como ele tinha dissolvido a orquestra na Bandeirantes - saíram da orquestra. O
Bolão saiu e outros saíram, então ele me ligou e falou assim “Olha, vem aqui na rádio porque
tem um programa hoje e eu gostaria que você fizesse”. “Está bem, eu vou! Ganhar um cachê”.
Cheguei lá, ele me chamou na sala dele e falou: “De hoje em diante você é músico
meu. Estou te contratando”. Me ofereceu um dinheiro que fiquei até assustado, não pelo
dinheiro, mas porque eu não me achava capaz de trabalhar na orquestra do Silvio Mazzuca até
então. Eu precisaria me preparar um pouco melhor como saxofonista. Mas falou assim “Não,
104
Isidoro Longano (1925 - 2005).
105
José Ferreira Godinho Filho, o Casé, nasceu em 26 de junho de 1932, em Guaxupé, Minas Gerais: pai e mãe
músicos, um irmão trompetista e três irmãos saxofonistas. Aos 10 anos, já tocava bateria com o pai; dois anos
depois, soprava saxofone e clarineta em bailes na Usina Junqueira, perto de Ribeirão Preto, São Paulo. Casé fez
de tudo numa carreira de rápida ascensão: tocou sob a lona de circos e em salões de baile; nas orquestras de
rádio em programas de auditório e no ar enfumaçado dos “inferninhos” dos anos 1950. Aos 21 anos, excursionou
pelo Oriente Médio e pela Europa. E encontrava ainda tempo para estudar harmonia, durante dois anos, com o
maestro erudito Hans-Joachim Koellreutter, o monstro-sagrado da música de vanguarda no Brasil.
105
Basicamente podemos dizer que nessa época o usual para o músico popular era
participar das bandas que, eu imagino haviam vários tamanhos e em muitas formações...
Muitas, muitas.
Muitas e as formações...
Era sim. Eram saxofones, trompetes e trombones, uma base rítmica e cantores que
usavam em shows ou em bailes. Existiam muitas orquestras.
É claro que existia na época um encontro que era feito na Praça da Sé, que foi onde eu
comecei fazendo os bailes com o José Roberto Ferri - que eu agradeço muito a oportunidade
que o pai dele me deu, o Orlando Ferri - e isso é inesquecível. Eu aprendi bastante com os
colegas que lá trabalhavam, isso me ajudou muito. Tanto é que tive a oportunidade do
Mazzuca me deixar na orquestra dele, depois de alguns anos eu passei a tocar sax-alto e, por
sorte minha, imposto pelo Casé.
Isso era outra coisa que eu iria perguntar. Isso aconteceu mais ou menos na década
de 50...
50. No final da década de 50 eu fui para a orquestra do Mazzuca, mas já [...] em 1956,
1957 estava por ali fazendo alguns cachês com dezesseis ou dezessete anos.
Milani, do Luís Arruda Paes e Valdemiro Lemke e do Pocho106, maestro Pocho [...], porque as
gravações aconteciam diariamente da hora que os estúdios abriam (por volta de oito horas da
manhã) e se misturavam com gravações de propaganda - gravações de jingles e música
popular acompanhando cantores - tudo gravado com orquestras, inclusive orquestra de cordas.
Nós fazíamos a base com a orquestra de sopros, metais e etc, e depois vinham as
cordas (violino, viola e violoncelo) [...] e era o dia todo. Muitas vezes não se voltava para
casa, você saia de um estúdio para o outro. [...] E nos finais de semana...bailes, shows,
viagens e assim foram se somando os shows nacionais e internacionais que eram feitos
paralelamente.
Lambari, mudando um pouco, nós falamos de trabalho até aqui e agora vamos falar
de estudo. Você se lembra ou tem conhecimento de alguma rotina de estudos feita de forma
específica para o estudo da sonoridade?
Bem, a primeira resposta é simples: trabalhar notas longas, agora de que forma fazer
essas notas longas é que é o grande segredo para você desenvolver uma qualidade de som,
com um certo volume e que você possa trabalhar afinado. Então existem uma série de
técnicas, que alguns modificam um pouco, dando um resultado também positivo, porque é
muito difícil você “ingressar” na boca de um colega. Para um aluno, você o orienta
verbalmente e ele deverá assimilar aquilo que você faz.
Então você fala “respira bem com o nariz e a boca”, respirando o melhor que puder e
impulsiona o ar com o diafragma sem ajustar muito a boca, sem apertar a boca.
Use uma palheta equilibrada, uma boquilha condizente com o seu objetivo...então tudo
isso leva algum tempo. Não é que você vá fazer isso hoje e amanhã vai sair tocando como
tocou em Cannonball Adderley107 , como tocou um José Ferreira Godinho (Casé) e tantos
outros. [...]
Lambari, o que era dito nessa época a respeito de sonoridade? E mais ainda, qual era
a importância atribuída a sonoridade?
Eu acho que eu peguei uma época de transformação, porque veja bem, ouvíamos
saxofonistas fantásticos norte-americanos - e nós estamos falando vez ou outra no Casé - ele
também influenciado por aquela linha de som “miúdo”, eles tinham um som miúdo. Então
vamos lembrar, para quem ler essa entrevista e já ouviu Paul Desmond108...aquele som! Lee
Konitz109...aquele som, um som miúdo, mas de repente de Charlie Parker para cá (juntamente
com) Cannonball essa coisa mudou. Phil Woods110 também adotou uma qualidade mais clara
para o som do saxofone.
Então aí vem a interferência do músico, da própria boquilha e palheta que ele usa.
Existem músicos que não se adaptam a palheta média, ele quer uma palheta dura, então ele
acaba ficando com uma sonoridade um pouco pesada [...], ele pode ser ótimo músico [...], mas
106
Ruben Perez.
107
Julian Edwin “Cannonball” Adderley, saxofonista norte-americano. Biografia completa no site
http://www.cannonball-adderley.com/bio2.htm. Acessado em 23 de agosto de 2015.
108
Paul Emil Breitenfeld, saxofonista norte-americano. Biografia completa em http://www.puredesmond.ca.
Acessado em 23 de agosto de 2015.
109
Lee Konitz é um compositor e saxofonista norte-americano do estilo coll e post-bop.
110
Philip Wells Woods, saxofonista norte-americano. Biografia completa no site
http://www.philwoods.com/Biography.html. Acessado em 04 de março de 2015.
107
o som dele acaba ficando um pouco diferente do que foi “atualizado” na época. Talvez eu
tenha pego exatamente essa transformação da pesquisa com boquilhas e com palhetas. [...]
Então nós poderíamos dizer que você vivenciou uma época onde de fato a sonoridade
já era algo relevante, haviam pesquisas e as pesquisas eram torno disso: de material, de
buscar como isso deveria ser usado. Você poderia falar um pouco disso?
Foi exatamente o que você comentou, porque muitos músicos sopravam com a
garganta e procuravam ter uma palheta dura para produzir som. Produzia, mas ele não tinha
expansão!
Isso foi sendo educado e nós começamos a perceber que você impulsionando o ar com
o teu corpo (como eu disse no início) respirando bem, enchendo o corpo de ar pela boca e
pelo nariz, você tem o corpo cheio, impulsionando com o diafragma e jogando ele para cima
para o ar vir em direção ao instrumento.
Você vê que existem trompetistas que penduram o instrumento do teto [...], colocam o
braço para traz e tocam trompete. Então como é isso? Ele tem uma qualidade de emissão
perfeita! Se ele podia não pegar o instrumento na mão, um trompete, e produzir um som de
qualidade, porque nós com o saxofone não poderíamos, se podemos inclusive apoiar o
saxofone para dentro dos lábios. Foi se descobrindo que a impulsão era melhor feita pelo
corpo, impulsionando o diafragma.
Olha, eu acho que já estávamos entrando de sessenta para setenta, foi uma época em
que o pessoal foi se adaptando a isso.
Lambari, vocês usavam métodos? Caso usassem, esses livros ou métodos tinham essas
informações a respeito da sonoridade?
A conversação, a especulação. Eu vou até dizer para você quem esclareceu isso
melhor para mim: uma professora de flauta (chamada) Grace Lauren. Ela é americana e eu
estudei flauta. Toquei flauta durante muitos anos e foi ela que esclareceu o que eu já estava
começando a fazer realmente. Houve uma cobrança em São Paulo e no Rio (de Janeiro) na
década de sessenta para os saxofonistas tocarem flauta por causa da bossa nova.
Quando surgiu a bossa nova diversos arranjadores queriam escrever para naipes de
flautas para tocar bossa nova e samba e os flautistas eruditos não tinham essa habilidade.
Existiam poucos flautistas que tocavam saxofone e vice e versa. Posso citar alguns: Demétrios
Lima, o Renato Mazzola que era um saxofonista tenor que foi para o México e lá ficou, ou
seja, existiam uns dois ou três. Já havia também o Hector Costita, que estava no Brasil nessa
época, mas como eu já disse nesta entrevista, nós tínhamos gravações dia e noite. Com a
bossa nova, como os arregimentadores e os orquestradores iriam escrever para quatro flautas
gravarem nesse, naquele e naquele outro estúdio? Ou mesmo para duas flautas, se não haviam
flautistas populares? Por isso, os saxofonistas resolveram se dedicar ao estudo da flauta e foi
quando eu estudei com a Grace Lauren.
Foi então através da Grace Lauren que você teve acesso a todos esses conceitos
ligados a sonoridade?
108
No meu caso sim. Mas o Bolão, por exemplo, foi aluno do João Carrasqueira111, que já
fazia isso também com perfeição.
Lambari, você não tem notícias do uso de livros ou métodos? Pelo que disse, era uma
transmissão oral e, com a necessidade do aprendizado da flauta pelos saxofonistas, através
de uma flautista...
No meu caso foi isso, embora como eu tive a felicidade de trabalhar com um colega
chamado Casé, eu já via que a qualidade do som dele era diferente. Tanto é que me aproximei
daquela qualidade sem ter consciência do que eu estava fazendo, mas modéstia a parte, eu já
fazia o que a Grace Lauren me passou mais tarde. Ela somente me esclareceu quais técnicas
eu já usava através da intuição, captando o que o colega usava.
Honestamente, não me lembro. Podia até ter, mas eu não conhecia. Sabe o que
acontecia? Eu não saia dos estúdios. Como é que eu ia ver escolas?
Você acha que isso acontecia somente com você ou era o padrão?
Era o padrão daqueles músicos que tinham uma qualidade privilegiada, tanto é que
existia um rodízio. Eram vários estúdios e era impossível a mesma pessoa estar em dois
lugares. Os arregimentadores se preocupavam então em ter aqueles que realmente tinham
condições de participar das gravações nesse estúdio ou no outro. O aprendizado era na prática.
Tocando. Uma coisa que eu vejo, e claro que eu me calo, mas hoje existem as
faculdades – e eu apoio, eu acho muito interessante. Mas, por exemplo, um músico que já é
profissional e vai fazer uma faculdade merece uma nota dez, porque ele já sabe como tocar.
Agora, se você entra numa escola para aprender somente teoria, exclusivamente teoria, vai
tocar o que? Teoria?
Meu pai dizia para eu ir para o conservatório, que era algo equivalente as faculdades
hoje em dia, e maestros diziam para meu pai me colocar em determinadas escolas. Mas o que
eu iria aprender?
111
João Dias Carrasqueira teve uma carreira semi-profissional até 1964, quando se aposentou de seu trabalho
como pintor de murais na São Paulo Railway e resolveu dedicar-se à música de tempo integral. Na área musical
seguiu três caminhos distintos, porém complementares: músico popular, músico de concerto e professor. Na
música popular, iniciou-se nas orquestras do cinema mudo, passou pelo rádio, chegou a formar um trio com
Garoto e o cantor Aymoré e participou de diversas orquestras e regionais do rádio, como o de Armandinho
Neves. Longe dos holofotes e dos discos, foi presença constante e requisitada nas noites de São Paulo. Nos
meios do choro foi conhecido como “Canarinho da Lapa”, em referência ao bairro onde morou durante grande
parte da vida. Como músico erudito, ainda na juventude, organizou uma pequena orquestra de concertos e um
grupo de músicos para apresentar operetas. Dedicou-se a divulgar o repertório clássico para a flauta, à época
bem pouco conhecido. Um marco nessa iniciativa foi a apresentação da obra completa de Mozart para flauta com
a Orquestra Sinfônica de Amadores de São Paulo. Fez o mesmo para a obra de flauta de Camargo Guarnieri,
acompanhado do compositor ao piano, mas João não se restringiu às formações amadoras; participou de
orquestras importantes, regidas por Villa-Lobos, Camargo Guarnieri e Eleazar de Carvalho. Em 1984, gravou
seu primeiro e único LP popular, ao lado da filha, a pianista Maria José Carrasqueira. Fonte: Músicos do Brasil
(http://musicosdobrasil.com.br/joao-carrasqueira). Acessado em 17 de agosto de 2016.
109
Iria aprender a história da música ou o que Schumann fez quando era garoto? Eu
queira pegar meu instrumento e tocar. Queira estudar meu instrumento, a técnica do
instrumento. Se eu fosse para a escola escrever o que eles falaram ou deixaram de falar eu não
iria tocar.
Talvez em algumas, mas não sei como funcionavam porque eu nunca frequentei.
Será que aquelas que existiam não estavam ligadas a linguagem erudita e não era
exatamente aquilo que você queria naquele momento?
Talvez houvesse uma mistura. Acho que uma mistura era algo possível. Eu não sei se
havia tanta gente preparada para ensinar. Era um pouco difícil, apesar que eu não fui
pesquisar ninguém, mas haviam escolas – e isso sim eu soube – que te vendiam um método
que não servia para nada, com um professor que o adotava e que continuava a vende-lo.
Eu usava métodos americanos e europeus e um pouco da prática da música popular
sempre dentro do possível. Agora usar um método que ensina flauta, clarinete, trompete e não
sei mais o que num mesmo método? Acho isso um pouco difícil.
Lambari, você acabou de dizer que usava métodos. Então você teve acesso a um
material que depois de um certo tempo passou a usar para dar aulas. Como esses livros
chegaram até você?
Isso demorou um pouco para acontecer, mas veio em forma de cópia. Foram alunos
que conseguiram para mim. Aliás, você me fez lembrar de uma coisa. Eu já estava dando aula
há algum tempo e um colega me disse que eu precisava dar ensinar uma pessoa que iria me
procurar. Eu disse que estava com meu quadro de horários completo, mas que iria fazer o
possível diante do pedido do colega.
Essa pessoa realmente apareceu para ter aulas comigo e ele havia voltado dos Estados
Unidos com toda a série do Joseph Viola. Eu achei aqueles métodos fantásticos e perguntei se
ele havia estudado aqueles livros. Ele me disse que não e que queria os estudar comigo. Eu
copiei todos os livros dele e dali em diante adotei os métodos do Joseph Viola e outros, como
o Lennie Niehaus, e pus isso em prática com aqueles que vinham estudar comigo. Além de
métodos técnicos, como o Klosè, que eu mantive.
Eu sinto muito, mas eu não sei o nome dele. Isso ocorreu quando eu estava dando aula
na escola do Célio (Escola Livre de Música Novo Tempo).
Já na década de 80?
Nesses métodos e livros de ensino o que era prioritário? Qual era o foco principal
desses livros?
Não somente os livros, mas o professor também deve ficar atento para a limpeza
mecânica e técnica com a qual o aluno está manuseando o que está escrito ali.
110
Eram métodos que primeiro apresentavam diversas divisões rítmicas e que eram
depois inclusive inseridas em frases jazzísticas. Mas antes eram colocados arpejos, diferentes
tonalidades e escalas. Tudo isso importantíssimo para você poder tocar bem seu instrumento.
Lambari, você poderia dizer que tem conhecimento sobre todos os processos
envolvidos no estudo da sonoridade?
Eu diria que isso é quase que impossível. Porque veja bem, você vê um colega que
pôde-se aplaudir a qualidade do som, mas a qualidade do som dele nunca será igual à de outro
colega ou mesmo da minha. Isto tem haver com a personalidade dele, mas mesmo assim você
vai aplaudir porque ele toca com alto nível de qualidade, ele sabe tocar afinado, tocando de
forma limpa as notas que ali aparecem. Não existem um distúrbio qualquer na mecânica dele,
mas nós não temos o som um exatamente como o outro.
Tanto que se você ouve um bom naipe de saxofones tocando e parece que está se
ouvindo uma coisa só, um bloco. Mas se ouvirmos cada músico individualmente veremos que
um sax-tenor toca de um jeito e o outro sax-tenor de outro jeito. Cada um tem a sua
personalidade e é o que mais importa, dentro de um padrão de qualidade, do respeito com que
ele está lendo ou tocando se for o caso. Isso é importante porque acaba colaborando com o
naipe, com a banda e com o grupo que ele estiver tocando.
111
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Maurício de Souza Roberto
na Escola Municipal de Música de São Paulo (EMSP) em 2014. A veiculação e
divulgação desta entrevista foi autorizada pelo entrevistado tanto no formato impresso,
como no digital.
Quando você iniciou seus estudos na música, como você teve acesso as primeiras
informações sobre sonoridade?
Tudo começou na banda e tinha uma pessoa, que era o maestro Romilson e que não
era um expert em saxofone. Ele era trompetista e tinha noções de todos os instrumentos. Aí
ele me ensinou que eu deveria dobrar o lábio inferior, apoiar o dente na boquilha e soprar.
Foram as primeiras aulas que eu tive e produza som.
Eu nunca tive uma coisa assim específica de um saxofonista passando conhecimento e
a experiência. Praticamente foi minha única aula de saxofone com alguém.
Você conseguiria me descrever em que período você teve acesso às informações mais
corretas e com algum embasamento bibliográfico?
Qual seria sua percepção sobre a forma como os livros (e métodos) americanos
tratavam a sonoridade? Você acha que esse tema era tratado de forma superficial?
Nós poderíamos então dizer que por volta da década de 80 começou a haver a
consciência, a pesquisa e o estudo de algo que de fato tinha haver com a sonoridade?
É.
Que eu me lembre, sim. Nós tínhamos um grupo de estudos e a gente discutia muito.
A pessoa que falava sobre respiração de uma maneira geral era o Carlos Alberto (Alcântara),
sobre o método Eby’s que é um método de trompete, mas que ele trata basicamente de
113
Você acha que na realidade nem existiam os “porquês” ou até se sabia, mas não se
sabia corrigir os problemas?
Isso, o material era ruim também. Nessa mesma época as vezes usavam-se boquilhas,
por exemplo, Claude Lakey para o saxofone alto e Bob Dukoff no saxofone tenor, que eram
boquilhas que tinham muito som, muita projeção como se dizia. Mas já existia uma corrente
de músicos que diziam que eram boquilhas mentirosas e hoje nós observamos que são
realmente assim. Elas te dão uma pseudo projeção e isso não é o interessante. É uma coisa
mais fácil de tocar num primeiro momento, mas que não dá um bom resultado, tanto é que
ninguém usa mais esse tipo de equipamento. Então, as pessoas usavam equipamentos ruins,
assim como instrumentos ruins.
A partir da década de 90 começou a surgir um movimento mais crescente de material.
Hoje, com a internet está uma gozação, uma brincadeira. Você tem acesso a qualquer tipo de
material, arranjos, métodos, tudo você tem pela internet. Os vídeos são referências porque
você vê os saxofonistas tocando, você observa como é que ele faz, a embocadura que ele usa,
como ele toca. Você pode ouvir a sonoridade de determinados músicos usando um saxofone
Conn antigo ou uma boquilha que não se sabe qual era ou uma Brilhart e isso é uma coisa
dessa geração, que desfruta da internet e que é muito legal. Isso é uma coisa que ocorreu a
partir de meados dos anos 2000, há dez anos vamos dizer.
Então, a coisa está meio que se universalizando, você não precisa mais ir aos Estados
Unidos, não precisa mais ir à Europa, hoje você tem tudo na sua casa se quiser. Basta você
praticar e ter disciplina e a maior conclusão disso tudo é: faça, experimente, toque, observe,
114
estude, faça notas longas e você vai chegar as suas próprias conclusões sobre o que funciona
melhor e sobre o que não funciona.
A impressão que eu tenho, tendo lido bastante sobre técnica de flauta, que não existe
uma coisa definitiva. Existem músicos, por exemplo, como o James Galway114 que tem uma
sonoridade na flauta incrível e eu já ouvi relatos de outros músicos, inclusive um professore
aqui da própria escola, dizendo que ficou hospedado na casa de alguém em Nova York e que
essa pessoa hospedou o James Galway. Um dia ele chegou, entrou no prédio ouvindo aquele
som de flauta maravilhoso e foi subindo para o apartamento ouvindo aquele som lindo
Quando ele abriu a porta do apartamento estava o James Galmay estudando e era um som de
vento saindo junto com o som da flauta. Ele disse que ficou até negativamente impressionado
porque era tanto vento junto com o som, mas o som do cara é maravilhoso. Agora, segundo
esse amigo, quando você chega perto pode se ouvir um som de vento e é uma coisa particular
isso.
Em flauta existem muitos estudos para sonoridade, existem estudos de nota longa,
existem estudos de trinado, estudos de saltos de oitavas e de quintas.
Existe uma preocupação e os músicos eruditos se preocupam mais, por isso que
flautistas e trompetistas tem essa preocupação maior com a sonoridade pura, o que não ocorre
muito no saxofone, por ser um instrumento mais popular e muito vezes tratado com um certo
desprezo até por parte dos executantes. Acham que não precisa da sonoridade porque tem de
tocar e não é bem assim. Então, os flautistas e trompetistas são mais cuidadosos e elaboraram
métodos mais rigorosos justamente por isso, são muito expostos.
Nos métodos de clarinete e de oboé você sempre vê uma preocupação muito grande
com a sonoridade, em busca de uma sonoridade mais pura ou, como dizem os franceses, a
nota filé. Você faz estudos de piano crescendo e decrescendo para piano, crescendo para forte,
piano crescendo para forte, forte decrescendo para piano. A nota filé, aquela nota certinha,
bonita, sem arestas. Isso é um cuidado deles por conta até da própria música.
A música popular é uma coisa mais “tosca” vamos dizer. Muito barulho, todo mundo
tocando junto, então não se tinha muito cuidado com esse tipo de coisa e aqui no Brasil os
músicos eram acostumados a trabalhar.
Nas gerações passadas se fazia baile quase que todo dia, se gravava quase que todo
dia, tinha muito trabalho e então as pessoas não se preocupavam em estudar. Elas que
preocupavam em tocar e era o que se fazia. Pegava o instrumento para tocar. Agora, ter um
cuidado de trabalhar com notas e a sonoridade de uma maneira geral eram muito poucos,
tanto é que as pessoas que se preocupavam com isso viraram lendas, como o próprio Casé115.
114
Mundialmente conhecido como o intérprete supremo do repertório para flauta clássica, Sir James Galway é
um artista cujo apelo transcende todas as fronteiras musicais. Com mais de 30 milhões de gravações vendidas no
mundo todo, uma extensa turnê internacional, aparições frequentes na televisão, incansável promoção das artes e
seu trabalho apaixonado em educação musical, Galway tem sido um nome familiar por décadas. Suas
interpretações excepcionalmente expressivas da literatura da flauta abrangem uma vasta gama de gêneros.
Colaborou em trilhas sonoras de filmes como O Senhor dos Anéis, e em parcerias com artistas populares como
Stevie Wonder, Ray Charles, Joni Mitchell e Sir Elton John. A diversidade do repertório de Galway reflete sua
impressionante gama musical e tem servido para estabelecê-lo como um artista da mais alta estatura.
115
José Ferreira Godinho Filho (Guaxupé, Minas Gerais, 1932 - São Paulo, São Paulo, 1978). Saxofonista,
clarinetista, arranjador e compositor. Numa família de oito filhos, quase todos os irmãos tocam algum
115
Era um cara que estudava e eu ouvi uma história dando conta que ele estudou uma nota só um
dia inteiro. O pai dele chegou no ponto dos músicos e falou “eu não aguento mais o Casé”. O
Bove116 que me contou e ele disse “mas por que?” O pai do Casé respondeu: “poxa, porque
ele estudou o dia inteiro uma nota só!” Ele ficou lá fazendo uma nota o dia inteiro de todas as
maneiras: longa, curta, atacada, piano, forte, era uma cara que tinha uma preocupação e por
isso que ele tinha a fama que adquiriu. Porquê era um cara que se preocupava em estudar e
não em trabalhar e hoje em dia, pela quantidade de músicos que temos e com a redução do
número de trabalhos, os músicos estão consequentemente estudando mais e trabalhando
menos.
Será os músicos de uma certa maneira aqui no Brasil não estão começando a se
aproximar daquilo que os músicos vivenciam lá fora?
Muito.
Porquê nós sabemos que provavelmente a maior diferença entre um músico brasileiro
e um americano, por exemplo, é que o americano sabia que ele jamais deixaria de estudar e
como você muito bem disse, aqui no Brasil era o contrário. A pessoa estudava até ele
começar a trabalhar e depois ele fazia praticamente uma manutenção do que ele havia
aprendido. Você acha que hoje em dia, de uma forma avessa, mas estamos nos aproximando
disso?
As coisas só advêm de uma circunstância. Nos Estados Unidos havia bastante trabalho
nas décadas de 40 e 50, mas existiam também muitos músicos. Então, existia trabalho para
quem? Para quem era melhor. Quem era melhor? Quem estudava mais.
instrumento: trombone, banjo, bateria, percussão, trompete e saxofone. Casé se interessa por trombone, mas o
pai o convence a estudar saxofone. Passa a ter aulas com o irmão mais velho, Clóvis, que toca saxofone e
clarinete. Aos 7 anos, Casé leva uma vida itinerante com a família, que monta o Circo Teatro Irmãos Martins. Na
década de 1940, morando em São Paulo, tem o maior aprendizado musical assistindo às apresentações do irmão
Clóvis em bailes e boates com variados conjuntos e orquestras. Posteriormente, tem aulas com o clarinetista
Antenor Driussi e estuda harmonia com Hans-Joachim Koellreuter. Em 1949, ele, com 17 anos, e o irmão são
destaques na Orquestra da Rádio Tupi. Casé faz sua primeira viagem internacional em 1953. Embarca para
Bagdá, ao lado do pianista e acordeonista belga (radicado em São Paulo) Rudy Wharton, da cantora Sonia
Batista e do baixista Johnny, e depois o grupo passa por Londres e Bruxelas. Grava um disco em 78 rpm, com as
músicas Feitiço da Vila (Noel Rosa e Vadico) e At Last (Mack Gordon e Harry Warren). Retorna ao Brasil em
1954 e convive, em São Paulo, com o instrumentista João Donato e o trombonista Edson Maciel. Em 1955,
muda-se para Assis, São Paulo, e toca na orquestra local. No ano seguinte, volta para São Paulo e participa, no
Teatro Cultura Artística, de um show que resulta no primeiro LP de 12 polegadas feito no país: Jazz after
Midnight (reeditado em 1978 com o título Dick Farney Plays Gershwin). Em agosto desse ano, no mesmo local,
toma parte da gravação dos discos Jazz Festival nº 1 - com as faixas Pennies from Heaven, Blues e Out of
Nowhere - e História do Jazz em São Paulo. Toca na orquestra de Sylvio Mazzuca de 1957 a 1961. Participa de
discos de Walter Wanderley, Dick Farney, Claudete Soares, além de se apresentar com a cantora no programa O
Fino da Bossa. Com o conjunto Brazilian Octopus, se apresenta no show Momento 68, com Raul Cortez,
Walmor Chagas, Gilberto Gil, Caetano Veloso, texto de Millôr Fernandes e direção musical de Rogério Duprat.
Faz os arranjos e grava algumas faixas do disco A Onda É Boogaloo, do cantor Eduardo Araújo, em 1969. A
partir de 1970, faz diversos jingles e trilhas para filmes publicitários. Em 1974, compõe a trilha do filme A
Virgem de Saint Tropez, de Beto Ruschel e Hareton Salvanini. Na década de 1970, afasta-se da gravação de
discos, recusando convites de orquestras e artistas renomados. Fonte: Enciclopédia Itaú Cultural
(http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa617009/case). Acessado em 30 de julho de 2016.
116
Joseph Bove, luthier de saxofones falecido em 1997.
116
Criou-se então essa cultura de você estar sempre evoluindo, sempre fazendo, para
você ter os melhores trabalhos e aqui não. Aqui havia um número limitado de músicos e
existia muito trabalho. Até hoje o meio musical brasileiro é muito generoso.
Qualquer um aí pega um instrumento e sai soprando algumas notas tortas nas
gravações que depois são arrumadas no Pro Tools117 ou sai tocando num casamento, ou seja,
é fácil de se viver de música aqui. Porquê tem muita oferta de trabalho e as pessoas querem
pagar menos, então os músicos profissionais as vezes não fazem aquele tipo de trabalho e os
iniciantes ou estudantes acabam pegando, mas são trabalhos de baixa qualidade.
Mas a questão da sonoridade muitas vezes, ou até em nenhum momento, era citada
como um item específico e que deveria ser trabalhado. Seria mais ou menos isso?
Perfeitamente isso. Você nunca ouvia ninguém falando, além do Casé, coisas do tipo
“estou estudando ataque de notas”. Somente o Casé falava nisso. “Estou estudando notas
longas”, entendeu? E são coisas que são básicas para serem estudadas e tratadas.
Hoje nós entendemos isso, mas aqui não existe a escola enquanto maneira de se fazer
as coisas, não existe. Temos nas faculdades hoje em dia bons orientadores em cursos de
saxofone e de trompete, que são os músicos realmente aclamados, as pessoas com notório
saber que estão passando as informações nas faculdades e nas escolas, mas isso não existia.
Eu mesmo vim a estudar flauta na Escola Municipal (EMSP) porquê não tinha o curso de
saxofone.
Você diria que isso de certa forma perdura até hoje? Há uma mudança, mas numa
análise geral, muitas vezes o saxofone ainda é ensinado dessa forma?
Se você sair desse mundo onde nós damos aula, que é aqui na Escola Municipal, nós
temos técnicas parecidas e pensamentos muito convergentes em relação a isso no
(Conservatório) Souza Lima, mas aí você cai para a iniciação, por exemplo, no projeto Guri.
É uma coisa que é um terror. Porquê, além de não ser aquilo que nós tivemos, que era a
informação passada pelos mais velhos, do “achismo”, mas de pessoas que tinham experiência,
que faziam, hoje você tem pessoas dando aula no Guri que não tem a noção de como tocar. Os
professores não sabem como tocar. Se o professor não tocar, se o professor não ensina aquilo
que o aluno precisa ter para ele ser um profissional da música, que ele precisa ter uma atitude
de estudo profissional, torna-se uma coisa que já começa as avessas. Você tem de desmanchar
e implantar todo um novo conceito. É isso que acontece hoje em dia, aliás, acho hoje em dia
pior, porquê naquela época você aprendia fazendo com pessoas que tocavam.
Eu vejo vários desses professores do projeto Guri e em outros conservatórios
espalhados pela cidade dando aula de saxofone e que são pessoas que eu nunca ouvi falar. Se
117
é um DAW (estação de áudio digital) que integra hardware e software para a produção de áudio. O sistema é
muito utilizado também na pós-produção e na dublagem de filmes e programas de TV. O software é produzido
pela Digidesign, uma divisão da Avid. Fonte Wikipédia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Pro_Tools). Acessado em
01 de agosto de 2016.
117
não foi na lida, se não foi fazendo, poderíamos dizer que ele veio de alguma escola de fora,
mas também não é o caso. Então o que que essa pessoa está fazendo? Está tudo as avessas.
São pessoas que fazem um ano de aula com os professores, por exemplo, aqui da
Escola Municipal e saem por aí dando aula para os outros, sendo que não sabem nada do que
estão fazendo. Além disso, o Guri não embute nos alunos o conceito de estudos diários, tendo
pelo menos um contato com o instrumento ou mesmo, dar uma lista com nome de
saxofonistas e dizer que estas pessoas devem ser suas referências. Nem isso acontece, os
alunos vêm completamente crus, sem saber de nada. Todos querendo tocar e ninguém
querendo estudar.
118
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Nailor Azevedo Proveta em
4 de setembro de 2014. A veiculação e divulgação desta entrevista foi autorizada pelo
entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.
Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?
Era muito diferente de hoje em dia, tínhamos menos informações e tocávamos mais.
Hoje temos muita informação, e isso não está errado, mas para mim ela veio junto com a
música e eram poucas informações. Isso foi a minha experiência.
Eu tinha aulas de solfejo com o instrumento as segundas e quartas-feiras, mas às terças
e sextas-feiras nós tínhamos ensaio na banda. As quintas-feiras eu tinha a aula mais
sensacional que era com meu pai.
Nós não tínhamos partitura, papel ou qualquer outra coisa; tínhamos somente um
acordeonista e um saxofonista e nós tocávamos juntos. Não era aprender música, era tocar
junto. Com oito ou nove anos de idade eu fazia duetos com meu pai aprendendo a tocar choro
e aprendendo a ouvir, mas aquilo que nós estávamos fazendo não tinha nome. Eu fui aprender
a dar nome para o que fazíamos depois de quase vinte anos.
Eu acredito que nós ainda não temos uma escola que fale de conceitos, de qual é a
importância do entendimento das melodias e das tradições.
Você diria que a forma como aprendeu música era uma exceção?
Eu acho que não, porquê nós não tínhamos uma escola. Nós tínhamos alguns músicos
que vieram da banda do Anacleto de Medeiros e do Severino Araújo...
Podemos então dizer que até a década de 50 não havia uma escola estabelecida e que
os músicos aprendiam quase que sozinhos?
Sim. Veja os músicos que tocavam nas orquestras sinfônicas. Outro dia falava com o
Sergio Burgani e ele me contou que aprendiam ouvindo. Um dos poucos professores daquela
época era o Rafael Galhardo Caro que foi professor de uma grande parte dos clarinetistas de
São Paulo. Eu mesmo estudei com ele por cerca de dois anos.
Eu acredito que a grande questão dessa época é que havia algumas pessoas que tinham
uma musicalidade tremenda. Músicos como Abel Ferreira já tinham uma sonoridade no
saxofone que estava seguramente baseada em certas referências, por exemplo, em Johnny
Hodges. Eu acredito que a transmissão é genética, oral e sonora.
Nada. A única pessoa que falou algo para mim sobre som foi meu pai. Ele falava para
mim que o som era como uma gota de água, redonda e que eu tinha que tirar aquele som. Mas
quem é que falou isso para ele? Eu pesquisei e experimentei muitos instrumentos, boquilhas e
tudo que passo aos meus alunos eles não fui eu que inventei, está escrito nos livros que nós
achamos depois de trinta anos. Com isso podemos dizer a eles que estas eram as informações
que buscávamos durante toda a vida e elas estão escritas nesses livros.
119
Outra pessoa que falou comigo sobre som foi o Rafael Galhardo Caro. Ele dizia que o
som tinha de ser mais justo, mais direcionado e menos espalhado e me lembro que eu não
entendia o que ele queria dizer com aquilo.
Porém, me lembro que perto dos meus vinte anos de idade conheci um clarinetista
chamado Edmilson Nery, antes de conhecer o Rafael. Ele mudou minha cabeça com seu som,
porque ele já tinha entendido, mas aquilo era algo nato, era dele. Essa foi a única pessoa que
me mostrou algo sobre som, mas não com palavras, e sim tocando.
Pelas gravações que temos eu acredito que não havia essa consciência. O conceito de
tocar música clássica não existia, assim como o conceito de como tocar jazz.
A partir da década de 80. Antes disso era tudo através de certas metáforas, nós não
tínhamos nem boas boquilhas para usar. Tínhamos músicos que eram nossas referências tal
como o Casé, Lambari (Eduardo Pecci), Hector Costita ou o Carlos Alberto Alcântara e eles
tinham como referência a sonoridade das big-bands americanas do jazz.
Nessa época nós começamos a usar as fitas em VHS para assistirmos os músicos
tocando e assimilarmos o som deles. Através disso, começamos também a formar uma
linguagem de frases e articulações, mas tudo de antena. Não existiam livros ou uma
metodologia, mas já era um começo.
Em meados da década de 80 nós já estávamos ouvindo muito bem o jazz e as big-
bands, ou seja, em relação a geração anterior nós havíamos entendido da nossa forma aquela
função, mas faltava e ainda falta muita coisa por aqui.
Quem tinha alguma coisa para big-bands e de articulação eram o Nelson Ayres e o
Roberto Sion que tinham estudado na Berklee118. Mas como aquele material nos ajudou a
melhorar? Acho que não ajudou muito.
Podemos dizer que até a década de 80 vocês não tinham nenhum acesso a livros que
tratassem da sonoridade de forma específica?
Não tínhamos. Me lembro que em 1985 eu estava traduzindo um livro que falava
sobre ferramentas de improvisação de um pianista americano chamado Jerry Cooker. O mais
importante para nós naquela época era a improvisação. Nosso som ainda era meio pop, mas
tendendo ao jazz. Na realidade, até a década de 90 nós acabamos resolvendo a questão da
sonoridade gravando nos estúdios. O que nos ajudou a encontrar o som não foi exatamente
um livro.
118
Berklee School of Music.
120
Era. Nós fazíamos muitas transcrições de solos que era muito positivo. Quando nós
entendíamos aquele som o adquiríamos, mas o problema é que não tínhamos como passar isso
para frente. Nós não tínhamos essas informações por aqui naquela época.
Para dizer a verdade, uma pessoa me apresentou um livro quando eu estava dando
aulas em Curitiba de um autor chamado Larry Teal. Quando eu comecei a traduzir o livro vi
que ele falava de muitos aspectos do saxofone: do som, dos dedos, da boquilha, mas estamos
falando de um livro de 1960.
Até eu traduzir e entender esse livro nós já estávamos no final da década de 90. No
começo dos anos 2000 que comecei a transmitir um pouco dessa informação para outras
pessoas, pois eu já estava colhendo alguns resultados. Aqui no Brasil nós não tínhamos um
padrão para os saxofonistas. Existiram pessoas que tocavam bem o instrumento, mas cada um
do seu jeito.
Algo era dito a vocês sobre alguns dos conceitos ligados à sonoridade, tais como
respiração, posicionamento de garganta ou mesmo embocadura?
E quando elas surgiram para você foram através do livro do Larry Teal?
Na verdade, o livro do Larry Teal apareceu para mim na década de 90, mas para mim
isso aconteceu antes porque sempre corri atrás das informações. É engraçado falar sobre isso,
porquê não havia um professor nos dando esses livros.
O dono de uma escola onde dei aulas me arrumou na década de 80 o livro de um
flautista que falava sobre respiração. Foi a primeira vez que vi um livro que falava sobre esse
assunto. Esse método tratava de respiração, de músculos, de anatomia, da glote, ou seja, de
coisas mecânicas, mas eram coisas sobre as quais ninguém havia falado daquele jeito com a
gente.
Você se lembra se alguns desses livros aos quais teve acesso sugeria alguma rotina de
estudos específica para sonoridade?
Não. Existem pontos nos exercícios onde você precisa controlar o som, mas um
trabalho específico não. A poucos dias eu vi uma apostila do David Leibman falando sobre
som pessoal, sobre você desenvolver o seu som.
Você poderia descrever como foi estudar com o professor Rafael Galhardo?
Ele era um clarinetista de primeira linha. Você ouvia ele tocando clarinete e dizia
“isso é um clarinete”. Ele tinha uma baita escola tanto erudita quanto popular e talvez tenha
sido o primeiro clarinetista erudito a tocar jazz, coisa que os clarinetistas eruditos atuais não
fazem mais.
121
Ovanir Buosi
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Ovanir Buosi Junior em 14
de abril de 2014. A veiculação e divulgação desta entrevista foi autorizada pelo
entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.
Você saberia dizer se para os clarinetistas existe um período, seja ele longo ou não de
preparação, onde a sonoridade é estudada de forma específica?
Eu acho que existem algumas coisas a serem ditas sobre isso. Quando o aluno começa,
estamos falando de um aluno iniciante, muitas vezes você identifica em poucos meses ele vai
ter uma certa naturalidade para o som daquele instrumento ou se vai ter uma naturalidade
técnica. Nesse caso, o som terá de ser trabalhado um pouco mais. Então me parece que alguns
desses aspectos já podem ser previamente notados em cada aluno.
Você poderia então dizer que quando a orientação recebida pelo aluno não é
adequada, ele acabaria vencendo esse problema na marra ou por sorte?
Na marra. A orientação do professor deveria deixar claro aos alunos que a sonoridade
do instrumento tem de ser trabalhada a partir de um relaxamento corporal, para que não seja
uma coisa muito tensa. Porquê o nosso ar, que faz o som, tem de fluir, tem que fluir como
numa voz.
Se eu pego um livro e o leio em voz alta para você de alguma maneira eu interpretarei
o que está escrito sem fazer muita força. Por que? Porquê aqueles aspectos da escrita literária
foram aprendidos desde muito jovem e quando eu chego em determinado ponto sei o que eu
faço, além da minha voz ser a minha voz. Eu não preciso, num nível amador, a incrementar
muito para ler esse livro a você que está aqui do meu lado.
Quando você começa a tocar um instrumento muitas vezes perde-se um pouco dessa
naturalidade. Exceto aqueles que pegam o instrumento e tem muita naturalidade.
Eu acho que o que vai comandar a sonoridade é o ouvido da pessoa. Porquê é comum
a gente ouvir o aluno dizer que quer tocar determinada coisa. Ele escuta o som de um
saxofonista, por exemplo, e diz: “eu quero ter aquele som”! As vezes a pessoa escuta o som
de um clarinetista e diz: “eu quero tocar daquele jeito” e aí ele começa a perseguir aquele
som, o ouvido vai guiando um pouco aquilo. Eu acho que é através do ouvido que a gente vai
refinando a nossa sonoridade e para que servem os exercícios de sonoridade?
Eu gosto de pensar que os exercícios quase sempre vão tratar de intervalos, dos mais
fáceis aos mais difíceis, porquê desde o início você quer ter uma igualdade em toda a
extensão do instrumento. Se eu quero ter isso, eu preciso praticar e desenvolver essa
igualdade e eu preciso manter isso quando eu consigo alcançar. Para mim quase todos os
exercícios servem para isso. Os métodos que tratam de sonoridade buscam estimular de forma
consciente, sabendo para que aquilo serve, o desenvolvimento do seu som.
No início, ou em grande parte da sua carreira, é o professor que vai te alimentar
dizendo se seu som está por vezes estridente demais. Aí entram outras coisas, como material
que também faz parte da sonoridade, porquê em muitos momentos o aluno está querendo um
som que aquele equipamento nunca vai dar e, as vezes pela própria constituição física dele
aquele equipamento não vai servir, sendo necessário trocá-lo. Então, esses exercícios vão
naturalmente ajudar a manter essa regularidade.
122
Você começa a perceber que com quanto mais afinco são feitos aqueles exercícios o
seu som vai se construindo e ficando bonito. Eu acredito que é bem no começo que se
desenvolve o nosso som e depois nós percebemos que ele fica muito diferente de quando
começamos. Você percebe mudanças na sua musicalidade, na construção das frases, você
pensa mais, é mais consciente, mas o som não é muito diferente do que era no começo.
Sim, e muitas vezes no começo você toca de uma maneira mentalmente falando mais
relaxada, porquê isso é meio que inconsciente. O aluno de quinze ou dezesseis anos de idade
não está pensando em coisas muito profundas, que talvez ele comece a pensar perto dos vinte
e poucos anos de idade.
Me lembro que quando fui estudar com o Sergio Burgani ele fez bastante estudos de
notas longas comigo e variações, mas eram coisas muito lentas que ele gostava de passar. Eu
me lembro muito bem: era com o intuito de conseguir manter a coluna sonora, a direção do
som, para eu buscar uma regularidade e uma igualdade que a princípio iriam me ajudar na
obtenção equilíbrio através dos registros. Fazer uma escala ou um arpejo e conseguir
ultrapassar as quebras que o instrumento de uma maneira fluente.
Podemos dizer então que era um trabalho feito de uma maneira muito mais intuitiva
pelos professores do que calcado em conhecimentos teóricos?
Sim, e se você coloca esses exercícios de uma maneira muito...se pega um aluno novo,
eu penso assim pelo menos, e esse aluno toca, você vê que ele tem uma facilidade de leitura,
ele vai tocar e conseguir soprar bem o instrumento, nestes casos eu não gosto de bitolar a
pessoa exigindo demais cuidados com essa coisa da sonoridade. Não num momento que eu
acho que ela tem de desenvolver uma coisa mais natural e intuitiva de soprar e manter o som.
Com o tempo você vai estimulando coisas um pouco mais detalhadas […]. Daí você vai
pensando em mudar e em corrigir um pouco a intenção do aluno conforme ele vai
progredindo.
Se no começo você não deixa o aluno tocar e desenvolver as coisas que as vezes são
naturais, ele pode ficar muito cheio de normas, de regras e de técnicas num momento em que
ele tem que...
Você então poderia dizer que determinadas informações relacionadas, por exemplo, a
respiração, ou técnicas usadas na respiração e na emissão do ar não são naturais?
Muitas delas não. Eu acho que muitas delas são coisas que em algum momento um
professor desenvolveu, achou que aquilo funcionaria para ele e passou a ensinar isso aos seus
alunos. Eu prefiro pensar, e foram coisas que eu descobri com o tempo, não que eu pense
assim desde criança, mas eu prefiro acreditar que essas técnicas vão meio que se auto
desenvolvendo no aluno e que o professor deve o orientar a ter um pensamento correto em
relação ao processo de aprendizado.
E se isso fosse passado não como uma regra, mas como um padrão?
Então vamos dizer que o padrão seria assim: fulano, você precisa ao soprar usar o
diafragma, mas vamos dizer que essa pessoa tenha treze ou quatorze anos de idade e é uma
pessoa que nunca pensou nisso, que respira normalmente. Ele joga bola sete horas por dia, faz
123
um monte de atividades físicas e nunca pensou que tem de respirar. Aí alguém chega para ele
e diz que o certo é usar o diafragma durante a respiração porquê é esse apoio que vai fazer
você ter um som bonito. Foram estas coisas que eu comecei a questionar muito.
Eu mesmo comecei a ter dificuldades em um determinado momento, onde eu me vi
perguntando o que estava acontecendo, e eu cheguei a conclusão que muitos desses problemas
vinham de uma força exagerada que eu desenvolvia no meu diafragma. Nós chamamos de
diafragma, mas que na verdade entra abdômen, entra barriga e aí entra um outro pensamento:
será que realmente o diafragma é um músculo dependente, ou seja, que a gente consegue
comandar ou ele é um músculo independente, como se fosse a nossa bexiga? Você consegue
dizer a sua bexiga que não quer fazer xixi? Muitas vezes você segura ao máximo, mas ela
funciona porquê ela é independente […].
É raro um professor de sopro com quem você converse que não instrua o aluno a usar
o diafragma o tempo inteiro. Eu não acho que o diafragma não entre em ação, acho que ele
entra em ação no processo de execução do instrumento por que todo o nosso corpo, nosso
peito e nosso diafragma, tudo isso entra em ação, mas eu não acho que seja necessário em
esforço exagerado. De certa uma forma, força extra é as vezes muito danosa ao corpo devido
a forma como a respiração é ensinada.
É como a gente dizer para um atleta que corre uma maratona, de nível médio, que faz
essa maratona em torno de duas horas e meia, talvez um pouco menos que isso. Diga que
durante essas duas horas e meia ele deve correr empurrando o diafragma para fora, por que
você precisa. Por que ele é a base e o centro do seu corpo. Sinceramente, eu não sei quanto ele
vai aguentar correr e mais, por que para tocarmos nós músicos temos que fazer desta forma.
Mas na realidade, muita gente diz que deve se usar o diafragma e nem sabe o que ele
é.
Mas então devemos pensar por que o professor fala do diafragma. Em que momento
você aprendeu a usar o diafragma? Você sabe? Eu me lembro.
O professor quer estimular o aluno e o que está por trás disso é muito positivo. Em
algum momento ele quer dar ao aluno algo mais, buscando uma forma de fazer o aluno ter um
som melhor, fortalecer o som e, de repente, passaram a usar essa história de empurrar o
diafragma, transformando e deixando o ar com alguma outra coisa que deixa o som diferente.
Não existem diferenças, mas talvez se não fosse usado para todo mundo...
Se você me permite dizer, me parece que você acha que isso deve ser usado, mas deve
ser respeitado o tempo de cada um e, principalmente, tem de ser algo que aconteça de forma
natural. Seria mais ou menos isso?
Eu acho que é e eu acho que o aluno leva o tempo que ele precisa para desenvolver a
sua sonoridade e a sua musicalidade. A musicalidade e a expressão do que você quer dizer na
música caminha junto com a sua sonoridade, por que o som não é algo sozinho ou espalhado
na música. Eu não acho que temos como dizer que vamos trabalhar somente som num
determinado dia.
Eu acredito que chega um momento em que seu som está dentro do parâmetro do que
você quer expressar com a sua música. Se numa música você tem que variar de coisas muito
estridentes para coisas muito suaves, você vai ter de ter na sua sonoridade essa variação.
Em muitos momentos, da forma como é ensinado, ensina-se uma técnica de
respiração, uma técnica de como soprar, uma técnica de dedos e uma técnica daquilo outro.
124
Dessa forma, se entrega um pacote ao aluno, diz que se usar essas informações ele será uma
pessoa de sucesso. Mas eu acho que o que vai coordenar o uso destas coisas é a forma como a
mente de cada aluno vai raciocinar sobre como serão usadas essas quatro técnicas. Eu acho
que o aluno começa a desenvolver sua musicalidade e a sua sonoridade no momento em que
começa a ter claro em sua mente a intenção do que ele quer na música. Essa intenção nova é
que vai trazer o que ele precisa usar do corpo dele.
No nosso caso, o que eu vejo é que o aluno precisa ir desenvolvendo e educando aos
poucos o ouvido para que ele identificar se o que está dentro da sua cabeça é o que está saindo
do instrumento e assim, ver onde ele precisa fazer correções. A função do professor é estar
junto para dizer quais coisas podem ser repensadas, dizer se aquela pessoa precisa soprar mais
se a sonoridade estiver muito fraca, desenvolvendo mais isso ou se a sonoridade estiver muito
estridente.
Mas isso não envolve também a orientação em relação ao equipamento que essa
pessoa usa?
Aí entra o equipamento também que muitas vezes vai guiar. Eu me lembro que nós
conversávamos sobre qual tipo de som gostaríamos de ter. As vezes você começa a copiar e,
às vezes, isso ocorre de forma natural. Você acaba adaptando alguma coisa.
Ovanir, o que você poderia dizer sobre as origens das técnicas? Você saberia dizer de
onde vieram, quais foram as origens das técnicas usadas para respiração, posicionamento do
diafragma e da glote?
Não. Essas informações chegaram até mim através dos meus dois principais
professores, o Montanha (Luis Afonso Montanha) e depois o Sergio Burgani. Tinha a ideia do
diafragma e era muito falado a coisa do diafragma para frente, empurrando a barriga para fora
e, mais tarde, veio também a informação que não era somente para fora, mas também para
baixo. Essa é a descrição que mais se aproxima do movimento do diafragma mesmo. Ele não
se desloca para fora da barriga, mas para baixo e para cima.
A garganta é um ponto muito sensível por que se falava muito de abrir a garganta para
tocar, que é a busca pelo som escuro. Acredita-se que se você coloca o clarinete na boca e
sopra normalmente sua garganta estaria fechada, o que é meio irreal, porque se você abre a
boca, coloca dois dedos na boca e sopra você não está soprando com um som fino, porque sua
boca já está aberta. Falava-se muito que para tocar com o som bonito o ar teria de ser quente e
que o ar frio deixa o som feio. Isso é a coisa mais incrível que eu já escutei na vida.
Em relação a embocadura existem muitas variações. Os professores americanos têm
uma escola muito definida de projeção. Eles pensam na boca mais na ponta da boquilha, com
o clarinete mais inclinado, ficando mais perto da pessoa, num ângulo mais fechado e soprando
de uma maneira muito direcionada. Quando você coloca a boca mais na ponta boquilha o som
já fica naturalmente mais brilhante e a manutenção de um som muito direcionado acaba
proporcionando uma projeção maior. Essa é a ideia da escola americana.
O que eu aprendi com o Sergio Burgani não era bem assim. Ele colocava a boquilha
mais para dentro da boca e essa era a forma como ele gostava de tocar, porque desta forma
você tem uma área da palheta que é liberada, proporcionando uma maior ressonância e assim
um som mais gostoso. Se deixar sua embocadura muito na ponta terá de mexer muito com seu
lábio inferior para ter uma sonoridade legal, deixando muito pouco espaço para a palheta
vibrar, dando ao seu som uma tendência mais brilhante. Quanto mais espaço é liberado para a
palheta vibrar mais o som tende a escurecer.
125
As vezes essa busca pelo som mais gostoso que era muito aliado a um som escuro
estava atrelada a ideia de manter a garganta aberta. Hoje mesmo eu estava falando com um
aluno descrevendo como seria ele ter de tocar abrindo a garganta e empurrando o diafragma.
Ele estaria somente fazendo força para tocar. Qual seria a graça disso?
Recentemente um professor francês falou muito num Masterclasses sobre o apoio do
diafragma e sobre uma forma que eu me indaguei se ele realmente fazia aquilo. Ele toca
muito, seu nome é Romain Guyot e nessa aula ele dizia que você tem de tocar e estudar
pensando que está fazendo o número dois no banheiro. Eu vi ele tocar uma sonata de Brahms
com uma sonoridade linda e eu pensava se ele estava realmente pensava naquilo enquanto
tocava.
Você não acha que isso funciona como uma mera referência?
Eu acho que como referência é uma verdade. Não tem como você negar que
colocando o instrumento na boca e soprando não vai haver um reflexo lá embaixo, mas é um
reflexo. Quando nós falamos o nosso diafragma está atuando, deixando nossa barriga um
pouco mais dura do que o normal e cabe a cada um ir dosando isso. Claro que tocar é um
condicionamento e uma das coisas que vai manter nossa coluna de ar e som constante é a
manutenção dessa força porque nós sabemos que ela existe, mas nós precisamos ajuda-la
tanto assim.
Podemos então dizer que esse seria um processo que automatização obtida através da
prática?
Eu acredito que a tendência do ser humano é automatizar tudo que ele aprende e a
automatização é benéfica. Imagine se precisássemos dizer a todas as partes do nosso corpo o
que fazer durante a realização de qualquer ação? Nós ficaríamos loucos.
Atualmente, sou um dos quatro brasileiros habilitados a ensinar a técnica de
Alexander119 no Brasil e tudo o que eu penso hoje em dia já é super filtrado por este trabalho.
Alexander criticava a postura do ser humano que, sob seu ponto de vista, está noventa por
cento do tempo num estado de inconsciência automática. Ele buscou através do seu trabalho
fazer com que nós – os músicos – trabalhássemos em contato direto com nossos instrumentos.
Ele tenta proporcionar as pessoas a possibilidade de um controle consciente e que não seja tão
automatizado, ou seja, nós até sabemos que precisamos do automático, mas a todo momento
passamos a questionar e a regular essa automatização.
Podemos então considerar importante que algumas coisas como, por exemplo, a
execução de peças ou trechos complexos sejam feitas de forma automatizada, porém com
ferramentas que ajudem você a regular isso?
119
Frederick Matthias Alexander (1869-1955) foi um homem a frente do seu tempo. No final do século XIX
desenvolveu um trabalho revolucionário sobre o desenvolvimento do ser humano, trabalho este que, ao longo
dos anos, atraiu diversas personalidades da ciência, da educação e das artes. Podemos dizer que Alexander foi
um pioneiro no ocidente a desenvolver um trabalho em que o homem é visto como unidade psico-física.
Alexander acreditava que seu trabalho serviria para as gerações futuras como um instrumento de
aperfeiçoamento do ser humano, através de uma educação integral em que os aspectos físicos, emocionais e
mentais estariam envolvidos. Fonte: Técnica Alexander (http://tecnicadealexander.com/tecnica.php#fm).
Acessado em 10 de agosto de 2016.
126
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Rafael Galhardo Caro na
Escola Municipal de Música de São Paulo (ESMP) em novembro de 2014. A veiculação e
divulgação desta entrevista foi autorizada pelo entrevistado tanto no formato impresso,
como no digital.
Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?
Bom, eu iniciei em Buenos Aires (em) 1945, mas era um professor comum - grande
músico, mas um professor comum. Eu ia na casa dele (não tinha escola e nada), então eu ia
duas vezes por semana (à) segunda e quinta-feira e comecei estudar...mas o interessante antes
foi o seguinte: que eu trabalhava nessa ocasião de garçom em Buenos Aires. Era uma firma
brasileira que chamava Casas do Brasil de um tal de senhor Humberto de Lima que era
carioca.
Então, esse meu professor vinha todos os dias tomar café lá e naquela época se usava
aqueles estojos compridos que se montava o clarinete completo, lembra? E eu, sabe, meio
acanhado assim disse (para mim mesmo) “eu preciso perguntar para esse senhor se ele é
clarinetista então”.
Aí eu perguntei pra ele, um dia falei “o senhor é clarinetista? Ele falou “sim, sim,
sou.” Ele falou “Porque?” Eu falei “Por que olha, eu tenho adoração por esse instrumento e
gostaria de estudar, mas como eu sou brasileiro eu não conheço ninguém...o senhor leciona?”
Ele falou “Eu leciono, mas eu moro muito longe.”
Eu falei “Onde o senhor mora?” (Ele respondeu) “Em Villa Urquiza.” “Pois eu moro
em Villa Urquiza!” (Ele respondeu) “Ah, então não tem problema! Olha, pega aqui meu
endereço e tal (e) amanhã eu te espero em casa de manhã.” e foi assim.
Então, eu ia duas vezes por semana na casa dele (era um professor particular) que ele
era membro da Banda Municipal de Buenos Aires - uma banda muito boa - tinha 32
clarinetes, entendeu? Ele, muito bom clarinetista, e fui aprendendo assim.
Até quando eu voltei para São Paulo, aí eu experimentei vários professores. Quando
você tem uma base boa e os professores não serve, não serve. Aí experimentei vários e nada,
nada até que eu conheci o professor Leonardo Righi.
Na rádio Gazeta, naquele tempo, faziam músicas clássica e tudo e aí eu fui falar com
ele e estudei doze anos com ele até me diplomar.
Depois daí vem, por exemplo, concurso do (Theatro) Municipal (de São Paulo) - que
eu fiz concurso, passei e toquei ao lado dele durante trinta anos.
Como o senhor aprendeu? Tanto nesse início, tanto depois com o professor
Leonardo?
Começou com solfejo, porque em Buenos Aires se estudo mesmo, sabe? Fiquei três
anos estudando só solfejo para depois pegar no clarinete. [...]
Aí já quando eu vim pro Brasil já tinha, quer dizer, vamos supor a metade do curso do
clarinete. Foi mais fácil então, aí eu já estava num outro nível. Mas foi sempre assim, e aquela
boa vontade de estudar, porque como a gente não tinha posses eu passei depois - quando eu
vim de Buenos Aires para cá - passei quase três anos sem poder estudar porque não tinha
dinheiro para comprar um instrumento e naquela época com quinhentos reais você comprava
um instrumento, mas não tinha.
128
E foi indo, foi indo, adquirindo, adquirindo, passando de um para o outro...e foi indo
assim e comecei a estudar, depois ficar conhecido na roda dos músicos e minha vida aí
começou (faz sinal de melhorar).
Não era muito bom, por que tinha a impressão que o músico era sempre um boêmio,
um beberrão sabe? Tinha essa impressão, quando você falava em música já (se dizia) “Ih,
aquele é vagabundo e coisa e tal.”
Sabe, o conceito não é como hoje que todo mundo...sabe era, o pessoal era meio
ignorante naquela época. Músico? Então não presta, é bagunceiro. Era assim.
Sendo um pouco mais específico, como era visto o músico popular pela sociedade?
A mesma coisa?
A mesma coisa.
Não, músico clássico quase não se falava, porque embora pareça mentira, a nossa
sinfônica deve ter uns setenta anos, oitenta anos, mas pouca coisa se divulgou dela, então o
pessoal não sabia qual era a diferença de clássico com popular. Era músico e acabou! Aquela
impressão sabe...
Quais eram as atribuições do músico? Por exemplo, ele dava aula, ele compunha,
tocava ou participavam de bandas?
É, ele fazia todas essas coisas. Quando o cara tinha aptidão para fazer arranjos ou para
compor ele fazia as composições e dava uma cópia para um de nós e a gente que se incumbia
de, como eu diria, de desenvolver o tema por aí. Não era como hoje, hoje já tem mais análise
para isso. Você hoje pode contar com certas coisas, coisas que não existiam naquele tempo.
Não tinha recurso para nada então você tinha que se virar. Ele (outro músico) fazia uma coisa
que você gostava (você dizia) “Depois você me dá uma cópia?” [...]
Não era divulgado como hoje, porque hoje a divulgação é...você bota num aparelho
desse (apontando para o computador) e acabou. Fica todo mundo sabendo.
Sim!
E fazendo somente um parêntese, eu estou aqui falando bandas, mas o senhor também
poderia me dizer qual era o “tipo” dessas bandas que agregavam alguma coisa?
Bom, tinham as bandas militares e tinham as bandas populares que justamente, por
exemplo, o músico popular geralmente ele trabalhava numa big band. E naquele tempo a
música americana era a mais vista. Então, a gente procurava tocar e tocava os arranjos de
129
Benny Godman, Artie Shaw, Tommy Dorsey, Jimmy Dorsey, e dos brasileiros (o) carioca
Severino Araújo e essa turma toda.
E nas bandas militares não, geralmente nos quartéis funcionava as nossas bandas.
Geralmente saia para fora quando tinha em serviço, mas era raro, a não ser naquelas datas
festivas do ano como sete de setembro...
E o senhor acredita que pelo fato desses músicos participarem dessas bandas, elas
acabavam agregando algo no desenvolvimento e na performance deles?
Sim, sim. Tinham bons músicos, bons músicos. Claro, para nós do jazz, nós músicos
do jazz, a gente acha eles sempre um pouquinho “quadrados”, mas eram bons músicos.
Sentavam na estante e executavam tudo, claro que com o tempo iam se adaptando ao estilo
moderno no músico de jazz que pertencia a mesma coisa (banda).
O que a gente aprende desde o começo (são) muitas notas longas, exercícios -
principalmente no meu instrumento, no clarinete - fazer as décimas segundas, os intervalos de
décima segunda. Por exemplo, você está tocando um Mi grave, abre o registro e sai um Si
natural para questão de embocadura, firmeza da embocadura, para poder ter uma sonoridade
boa.
Vocês usavam métodos e se usavam, quais eram os livros ou métodos com essas
informações sobre sonoridade que o senhor teve acesso?
São esses comuns que são usados hoje, Klosè, Giampieri120, depois tem os alemães:
Carl Baermann121...
E nesses métodos de ensino que o senhor teve acesso o que era prioritário neles?
Estudo de sonoridade, estudo de técnica, estudo de articulação...
Justamente.
120
Alamiro Giampieri - Método Progressivo para Clarinete. Editora Ricordi.
121
Complete Celebrated Method for Clarinet (1917). Editora Carl Fischer.
130
Que me lembro não. Existia só o Conservatório Dramático, que foi de onde saíram
grandes músicos (tais como) João Seppi e o diabo a quatro, o professor Romeu - grandes
músicos, mas era a tendência mais clássica.
O popular, sabe onde propriamente a gente aprendeu? Tocando em gafieiras e
coisas...era o charme da época.
Isso, na prática. Por que geralmente era assim: vamos supor, tem um conjunto numa
gafieira. Três saxofones, era um trompete e um trombone, bateria, guitarra, raramente tinha
piano e bateria.
Então o primeiro alto, geralmente você entrava de terceiro alto para ir praticando. De
repente o primeiro alto arrumava um serviço melhor e o terceiro alto tinha de sentar no lugar
(do primeiro alto). Tocasse ou não tocasse, mais tinha de tocar (as partes do primeiro alto).
Isso acontecia muito e aí (o músico se) desenvolvia muito, por que daí ele era obrigado a
tocar, não tinha outro caminho a não ser...
Toca ou toca...
É.
Nessa época o que era dito sobre sonoridade? O que eu digo com isso, qual era a
importância atribuída ao estudo de sonoridade?
O senhor tem conhecimento sobre todos, ou uma parte, dos processos envolvidos no
estudo da sonoridade?
Olha, o que eu aprendi foram muitas notas longas fazendo o estudo comum de notas
longas entre oitavas [...] e ligaduras, para você ter o controle da ligadura. Foi o que eu aprendi
e sempre deu certo no meu caso. No meu caso deu certo.
Mas alguma coisa mais específica sobre como funciona a questão de respiração, essa
parte mais técnica assim dizendo.
Ah sim. A respiração é aquilo lá: você tem de respirar sempre no lugar onde vai
recomeçar a frase novamente, não no meio da frase. No meio da frase é erro! [...] A respiração
é primordial, é a principal coisa.
O senhor disse que teve acesso livros e métodos. Como esses livros chegaram até o
senhor?
O professor que encomendou. Quando não tinha, se copiava a mão. Não tinha xerox
(fotocópia).
131
Da Europa, por exemplo, os métodos alemães. Depois tivemos casas boas aqui que
importavam como a Casa Manon, Casa Vitalle, Casa Amadeus, a gente fazia a encomenda e
eles importavam.
Isso através do professor. Como o professor tinha estudado na Europa então ele já
tinha a programação (do curso) feita, conforme o ano ele ia recomendando os estudos.
Então esse era um conhecimento que eles (os professores) trouxeram da Europa?
Ah sim, lógico.
Italiano.
Ele era italiano...
Italiano.
É, por que ele veio após a guerra para cá inclusive por que ele fez uma grande coisa lá
antes de sair...ele fez um concurso do [...] Scala de Milão e ganhou o concurso e não ficou
como primeiro clarinete. (Ele) era um clarinetista extraordinário! Então ele veio aqui (para o
Brasil) fazendo escola.
O senhor poderia dizer, sob o seu ponto de vista, que então ele foi aqui em São Paulo
a primeira grande referencia de escola para o clarinete?
Sim, por que eu esqueci de contar um negócio. Quando eu vim de Buenos Aires, eu
vim recomendado para estudar com o senhor Antenor Driussi que tinha o apelido de
Garganta. Dizem que tocava uma maravilha, (mas) eu já peguei ele no fim (da carreira). Mas
naquela época - em 1947 - ele cobrava pela aula cinquenta mil-réis.
Era muita coisa, a gente sempre...tinha que trabalhar para comer, não podia pagar,
então aquilo foi se protelando. Fiquei uns três anos, três anos e pouco sem poder estudar com
ninguém, mas como eu tive uma boa base ei fiquei seguindo aquela base boa que eu tinha
para não perder tudo. Porque eles cobravam mesmo, ele era o primeiro clarinete do Theatro
Municipal (de São Paulo) [...].
Pelo que estou entendo, era muito comum os músicos das orquestras (sinfônicas)
darem aulas particulares...
Isso.
Adolar?
Todos brasileiros.
Retificação solicitada pelo entrevistado para as seguintes perguntas: o que era dito a
respeito da sonoridade e qual era a importância atribuída a sonoridade.
O senhor falou agora dos livros americanos...o senhor lembra mais ou menos em que
época vocês passaram a ter acesso a esses livros americanos e quais eram?
Isso foi mais ou menos em 1945, 1946.. Tinham os métodos dos grandes jazzistas:
Charlie Ventura122, Tex Beneke123...eram os tenoristas da época. Tinha o Coleman Hawkins,
tinha...
O Lester Young...
O Lester Young.
Então no meio da década de 40, por aí...
Sim!
122
Saxofone tenor e bandleader.
123
Gordon Lee "Tex" Beneke. Saxofonista, cantor e bandleader Americano.
133
Isso!
Que aí sim...
Justamente [...].
Existe mais alguma coisa que o senhor queira acrescentar, que o senhor ache
relevante?
Tem de prestar atenção na hora de tocar para não passar de uma escola para a outra.
Quando você diz diafragma (está falando) de diafragma mesmo, não tocar com os pulmões
que é para sempre se manter (o som), porque nós tocamos na escala temperada. Você, por
exemplo, no saxofone, pode tocar meio tom abaixo tanto quanto meio tom acima. Isso
depende do ouvido e do...então a pessoa tem de se dedicar a isso.
134
Sérgio Burgani
Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?
Bom, eu comecei em música em plena ditadura né, (em) 1968 numa bandinha música
da escola onde eu estudava. (Na escola) tinha uma bandinha onde havia um regente que era
militar, mas esse regente também tocava [...], ele tinha uma formação digamos assim,
levemente erudita, porque ele também tocava um pouquinho de oboé, todos os saxofones e
clarinete. Então ele ensinou pra gente também bastante solfejo e um pouco de harmonia [...].
Esse primeiro contato (foi) através de um ensino do solfejo com o velho e conhecido
Bona. Você fazia primeiro um solfejo falado, (pois) não havia preocupação no ensino de
solfejo cantado ou melódico, mas sim apenas intensivo em relação a você [...] ler o ritmo
básico, só nota e ritmo. Depois de você atingir uma certa desenvoltura no solfejo, aí sim você
pegava o instrumento. Digamos (que depois d)a primeira parte do Bona você começava a
pegar o instrumento.
Daí a gente não tinha opção de escolha, ele que nos impunha um instrumento a ser
tocado, tanto é que eu queria ser trompetista e acabei virando clarinetista. Acho que foi...não
sei!
Aí eu vivi esse meio de banda até os quinze anos, (quando) eu saí de uma banda e fui
para outra. Quando eu tinha quinze anos, através da influência de outros músicos dessa
mesma banda é que eu fiquei conhecendo e eu ouvi dizer sobre ensino de música erudita na
Escola Municipal de Música (EMSP), onde o professor Rafael Galhardo Caro ensinava
clarinete. Eu fiquei muito empolgado e fui ter contato então com esse universo erudito, mas a
primeira formação foi banda mais a música popular.
Eu diria que música erudita a gente só tocava o Guarani para banda, uma valsa
(Danúbio Azul), algumas transcrições de pouca coisa de uma dança húngara nº 5 de Brahms.
[...] Algumas coisas de Von Suppé (música ligeira), era isso que a gente sabia, mas a grande
maioria era música popular: choro, samba instrumental, marchas e valsas brasileiras.
Meu primeiro contato com música erudita foi com quinze anos na Escola Municipal
de Música [...] e mesmo lá o ensino era basicamente você [...], no caso da Escola Municipal
de Música você tinha aulas de teoria, de harmonia e tal. Então era uma coisa específica
voltada para a formação do músico. [...] Lá tinha o treinamento de solfejo, de ditados
melódicos, de desenvolver a percepção musical do aluno.
No caso do (treino) instrumental [...], o ensino era basicamente você trabalhar lições
de um método (ou) vários métodos e você apresentava isso ao professor e ele corrigia ou
incentivava você a fazer novas descobertas. [...] Basicamente era isso.
Também havia a música de câmara na Escola onde eu começo a ter os primeiros
contatos com esse tipo de música. O (meu) começo foi mais ou menos esse então.
Bom, muito diferente do que é agora. Como eu falei, e eu estou falando da década de
(19)60. Na década de 60 a ditadura, no meu caso eu venho de uma família muito pobre
(sendo) minha mãe doméstica e meu pai pedreiro, mas a princípio minha mãe que nos colocou
numa (eu tenho mais irmãos músicos) ela que nos colocou nessa bandinha porque no interior
onde ela morava no Paraná os tios tocavam numa bandinha [...]. Então ela viu essa bandinha e
quis colocar algo a mais [...] na nossa infância [...] uma atividade a mais para as crianças, mas
com o decorrer do tempo meu pai começou a ficar preocupado, porque ele queria que a gente
fosse ter uma profissão e não apenas ser músico e realmente (existia) aquela história
de...músico eram vistos como aqueles [...] indivíduos que trabalhavam na noite, ou tocavam
em bailes [...] não havia nenhuma perspectiva de uma carreira profissional.
Até (os meus) quinze ou dezesseis anos as opções que tínhamos era ou você entrava
num conjunto de baile ou, se tivesse muita sorte, tentar entrar numa das poucas orquestras
(sinfônicas) que haviam (e) que foi o meu caso.
Depois que eu estava na Escola Municipal eu acabei entrando numa orquestra jovem
que tinha lá, uma prática de música instrumental visando a formação profissional de músico
de orquestra e depois aos dezoito anos eu consegui através de concurso entrar no Theatro
Municipal. Então, muito cedo eu consegui, digamos, me profissionalizar [...] em 1978 já.
Estávamos saindo da ditadura, mas durante toda a década de 70 (e) começo da década de 80
os músicos não eram vistos como...uma atividade...eu não diria digna, mas uma atividade
profissional que fosse reconhecida, porque muitas vezes a gente falava - e eu acho que ainda
acontece - “ah, eu sou músico, toco clarinete. Ah, mas você trabalha?” Essa pergunta que
complementava sempre [...] era muito frequente. “Mas como, você ganha a vida tocando?
Você não tem uma profissão, você não tem um lugar para complementar a sua renda?” Ainda
bem que isso mudou um pouco agora!
Obviamente com novas escolas, com uma...maior educação em massa que aconteceu
[...] a profissão eu acho que está muito melhor e as pessoas tem hoje uma visão do que é ser
músico profissional [...]. Existem muito mais orquestras do que havia no meu tempo e as
chances, não apenas como músico profissional de orquestra, mas como professor numa escola
ou numa universidade, ou mesmo camerista, eu acho que hoje tem um mercado muito melhor
do que tinha [...] na minha adolescência.
Chegava-se para tocar, então, o primeiro dos seus pré-requisitos era ter uma boa leitura, senão
você não trabalhava! Você não era escolhido [...]. Então havia essa preocupação que não se
tem hoje, [...] porque é muito raro você fazer hoje - a não ser gravação, mas é muito raro você
fazer um trabalho de primeira vista, mas a vida (de músico) popular não era fácil não.
Eu acho que era um misto (de tudo isso), porque isso dependia muito da habilidade do
músico.
Tinha músico que tinha capacidade de compor, de trabalhar e fazer um arranjo ou
outro, mas tinha aquele que não, que simplesmente era instrumentista. Eles estudam e [...] tem
alguns que inclusive nem davam aulas. Então eu acho que eles viviam, a maioria das vezes,
apenas no máximo dando aulas ou indo tocar, pegando seus serviços. Muito raramente
alguém compunha (ou) fazia arranjo, eram poucos os que faziam isso.
Eu acho que quem queria aprender, aprendia. Foi o meu caso: eu ficava muito
impressionado [...]. Como eu falei, eu vim de música popular antes da erudita. Então eu tive
amigos que me deram mais experiência, é o caso do Benedito...o Ditinho, que era um
saxofonista que já atuava. Então ele me deu dicas de linguagem da música popular e eu vivo
falando isso para os meus alunos, que isso se perdeu, que eu vivenciei um pouquinho a
questão do samba instrumental.
Um exemplo disso, [...] numa noite a banda tinha uma pasta com quatrocentas músicas
e o maestro simplesmente gritava um número qualquer lá: vai a número quarenta e dois e
você abria, era um maxixe! [...] “Como toca maxixe? Não sei...vamos lá!” Aí você tem de
ficar ligado nos mais experientes, nos mais antigos tentar pegar a linguagem disso. A próxima
música era um fox troat, a próxima sei lá, a próxima era um samba canção, ou um bolero e
não se tinha uma escola pra se ensinar como tocar isso, como tocar aquilo. A não ser se você
tivesse um amigo próximo ou se você...e temos que lembrar que não tinhamos a facilidade de
comprar discos para aprender estilos de música, então aprendia-se na prática, [...] se você
tinha um grupo para aprender a tocar aquilo era aquele o momento para aprender.
Então, para mim que estava começando foi importantíssimo ter contato com essa
linguagem, com esses músicos mais experientes, para aprender como se toca samba
instrumental, ou bolero, ou fox troat. Foi de extrema importância isso.
pensamento que veio para nós músicos - no meu caso - muito tardio [...]. Acho que eu já tinha
vinte anos quando eu comecei a sacar que “nossa, eu preciso ter uma sonoridade melhor, eu
preciso ter uma afinação”, mas até então, isso passou batido eu diria. Não havia uma
preocupação.
Tinha a Fundação das Artes de São Caetano (do Sul) que tinha os dois gêneros nessa
época. Eu mesmo fiz lá um pouquinho...final da década de 70, começo da década de 80 e
tinha depois o CLAM do Zimbo Trio que era uma escola conceituada na década de 80, todo
mundo falava muito [...], mas específica para música popular eram mais os músicos [...] que
davam aulas particulares [...].
Eu acho que, hoje em dia, ela é extremamente importante. Você não pode desassociar
da música...eu acho que afinação, sonoridade, timbre e projeção fazem parte de uma única
coisa. Você não pode (dizer) “agora vou estudar só afinação, agora vou estudar só
sonoridade” e tal, então, isso precisa estar presente na voz do instrumentista. Eu acho que é de
extrema importância...eu acho que conscientizar o aluno [...] de que ele precisa ter essa boa
base é de extrema importância.
Eu passei dez anos quase do instrumento e não era minha preocupação inicial isso. A
maioria dos músicos de preocupava em aprender uma música, de ter dedos rápidos, de ter som
grande, mas sem qualidade. Hoje em dia eu acho que não dá para você pensar dessa forma,
não dá mais.
Eu acho que é de extrema importância. Sonoridade precisa fazer parte acho que dos
primeiros dias de aula.
Você se lembra quando passou a ter essa consciência em relação a sonoridade e se
havia algum método, livro...
Porque você passa uma vida só tocando método, método, método...você no máximo
[...] vai tocar com piano [...], mas quando você precisa ser parte de um grupo grande onde as
vezes você se mistura ou está em destaque ou volta a se misturar [...] você precisa ter
realmente uma flexibilidade de timbre, de afinação, de correção que não pode faltar nos
estudos.
Não, eu achei nas pessoas que tocavam comigo. Um deles foi um fagotista conhecido
como “Mamão” [...] é Sergio Gonçalves acho que era o nome dele e ele se preocupava muito
com a sonoridade, ficava horas e horas estudando intervalos, estudando arpejos com a
preocupação da afinação e do timbre. [...]
Por exemplo, o contato com o Toninho Carrasqueira que tinha chegado de Paris com a
conversa do que...aí começa a pintar a curiosidade [...] “como se estuda lá?”, “o que se faz
lá?”. Eu trabalhei muito tempo com um clarinetista chamado Leonardo Riggi que era um
italiano e que tinha uma sonoridade linda, mas assim, eu aprendi muito a questão de
expressão e interpretação tocando ao lado, mas que ele tenha me transmitido oralmente a
coisa. [...] Músico é um papagaio, repete tudo que ele escuta. É mais ou menos isso, [...] de
tanto você ouvir você acaba assimilando.
Na década de 80, principalmente metais. Você tinha muitos metais americanos aqui.
Sopros, você tinha muito poucos americanos [...], sopro eu falo madeiras. [...]
Na área popular eu me lembro de alguns que vieram, um deles que (está até) hoje, o
baterista Bob Wyatt que veio também tocar com o Nelson Ayres e acabou ficando. Tinha um
trombonista que veio [...] que eu não sei se ele trabalhava nas duas áreas (erudita e popular),
ele chamava David (que tocava) trombone baixo [...]. Depois teve um trompista, mas aí ele
139
acabou tocando um pouco numa big band do Nelson Ayres que trabalhava lá no Opus (2001).
Era o Chuck, era um negro que tocava muito bem erudito e ele participava dessas big bands
também [...], só que a linguagem...eu me lembro que ele improvisava [...], eu cheguei a ver
uma vez. Eu que talvez seja esse o que mais trilhava um pouco as duas (linguagens) [...].
Então não houveram músicos estrangeiros que deram aulas aos músicos populares...
Não era o estilo deles não. Vieram para tocar em orquestras sinfônicas mesmo.
Acho que músico popular estrangeiro, acho que vieram...eu não me lembro muito, mas
acho que de vez em quando você via alguém, mas que veio conhecer o Brasil e acabava
ficando umas três semanas, tocava um pouco e ia embora. Então, acho que não deixaram nada
aqui, [...] foram transitórios (e) não contribuíram com a formação em hipótese alguma...acho.
Sim, eu acho que sim. Eu estou já com experiência de pelo menos trinte e cinco anos
de aula e digamos que eu tenha uma experiência de como fazer o aluno trabalhar.
Eu acho que o mais importante - no meu caso assim - não é fazer o aluno copiar um
som, mas ele encontrar a personalidade dele e para isso eu acho importante você fazer o aluno
entender o conceito da produção sonora do seu instrumento. No nosso caso - palheta simples -
como ela vibra, se você tocava apenas na ponta da palheta, no meio da palheta, se usa maior
ou menor abertura (de boquilha), qual vai ser a resposta dessa palheta, como colocar o ar para
fazer vibrar essa palheta constantemente, questões de articulação, o uso correto da coluna de
ar [...].
Então, tudo isso eu acho que é um... faz parte de você tentar mostrar para o aluno e
fazer com que ele entenda como isso funciona e eu acho que isso é extremamente importante,
porque ele acaba tendo ferramentas para descobrir o som dele, a personalidade dele.
Por que copiar um som é praticamente impossível. Cada um de nós tem uma formação
física diferente de arcada, de lábios, de língua. Então é muito ter dois sons exatamente iguais
e muitos músicos acabam não compartilhando do mesmo equipamento, do mesmo material. A
mesma abertura de palheta, a mesma abertura de boquilha, com numeração de palheta ou com
a mesma (a)braçadeira. Então, isso é muito pessoal.
Se você desperta o conhecimento, a curiosidade do aluno em encontrar [...] diferentes
materiais e as diferentes combinações você dá elementos para que ele encontre uma
combinação que seja ideal para ele, que favoreça as coisas que ele tem em mente, e que possa
[...] ter liberdade de usar como ele imagina. Uma vez que ele tenha decidido tudo isso, iniciar
um processo de buscar uma sonoridade que ele goste, que ele tenha em mente, fica tudo mais
fácil.
Voltando no meu início, eu tocava numa banda que tinha uma boquilha totalmente
errada, com uma palheta extremamente pesada, cortada um talão quase... era impossível você
extrair som de um instrumento que vasava, por exemplo [...].
Então, é impossível você querer imitar a sua primeira clarineta - que era nosso
objetivo - com um equipamento totalmente errado. [...] Antes de tudo, você precisa fazer com
que seu aluno tenha alguma coisa descente, alguma coisa que funcione para que ele possa não
ter nenhuma resistência [...] para desenvolver sonoridade, desenvolver apoio. Eu acho que
isso vai facilitar muito a vida do músico e uma vez que ele, depois dessas aulas, que ele
começa encontrar onde é... o quanto ele tem de embocadura, o quanto ele precisa usa de
pressão para manter a palheta com uma abertura correta, quanto de pressão de ar que ele tem
que usar, fica mais fácil depois você desenvolver exercício de sonoridade, de intervalo, de
140
fazer ele perceber as funções harmônicas que são importantíssimas com [...] tônica, terça
maior, terça menor, quinta, oitavos e eu tenho feito muito - funciona muito - é o ensino de
sonoridade coletiva, quando você tem pelo menos três pessoas que você possa trabalhar com
fundamental, quinta e terça maior ou menor... esse dinamismo com outros instrumentos [...]
você acaba conseguindo uma unidade de som entre eles [...].
Eu percebo isso na universidade [...] que eu consigo fazer com que a afinação desses
músicos melhore muito quando você começa a treinar com eles e fazer eles perceberem os
batimentos - quando eles estão muito fora, muito próximos - e a buscar. Isso existe já na
Europa a muitos anos e aqui nunca é trabalhado muito isso. Eu acho que isso é
importantíssimo.
Você tem ideia de como isso é trabalhado lá (na Europa)? Existe um método, existem
um...
Aqui nós temos uma deficiência muito grande primeiro: é que, em todo lugar [...] e eu
acho que talvez em música popular por causa do teclado possa ser mais fácil, mas na música
erudita [...] nossos alunos raramente com piano, com instrumento de afinação fixa. Então você
vê um garoto europeu de 17 ou 18 anos tocando, a última coisa que ele tem problema é com
afinação. Isso ele já sabe, porque desde os 8 anos quando ele começou, ele começou a
exercitar ouvir o instrumento dele em relação ao instrumento fixo. Então ele passou muito
tempo aprendendo como afinar o instrumento tocando com um fixo. Nós não temos isso.
Quando você tem, você tem um instrumento totalmente desafinado, nós moramos num país
tropical que é extremamente quente, nossa afinação - no caso, sopros de palheta simples -
sobem muito...então, tem essa deficiência: (não) trabalhar com instrumento fixo.
A alternativa que eu encontro é justamente - como a afinação é relativa, não é absoluta
e você precisa aprender a afinar - o treinamento eu acho que ser como você perceber o mais
rápido possível pra onde você ter que ir: ou para cima ou para baixo. Quando você usa três
estudantes sem o instrumento fixo é mais deles perceberem para onde que eles têm que ir e
também com instrumento fixo, no caso depois trabalhar com o piano.
Eu acho que um [...] (se) todas as aulas você trabalhar um pouquinho (dez minutos)
com isso, você vai despertando a percepção auditiva, você vai trabalhando... porque tem um
erro muito grande hoje em dia: todo mundo tem o seu afinador, mas todo mundo usa afinador
para visualizar a afinação. Isso está errado. Você não usa o afinador para olhar se está afinado
ou não, você usa seu ouvido! Seu ouvido precisa ser treinado para saber se você está alto ou
baixo! Os músicos antes disso (dos afinadores) tocavam muito bem afinado e não precisavam
disso, então, a gente está extremamente atrelado a uma agulhinha que sobe ou desce, ou se
deu vermelho ou se deu verde. Está errado!
Eu acho que você pode sim usar um afinador, mas para que ele emita uma
fundamental, um som...e baseado nesse som você coloca sua escala, sua terça, sua quinta, sua
oitava e daí você pode dar uma olhadela na agulha para ver se está mais ou menos afinada,
porque ela trabalha simultaneamente, ou seja, com a sua nota e a fundamental [...], ou até com
dois afinadores é interessante [...], mas nunca usar ele como visual. Isso está errado.
[...] A cada performance a história é diferente, não é absoluto. Aprender a afinar, a
gente costuma dizer que tocar afinado é desafinar junto com os outros sopros. Aí você vai
estar afinado. Então esse treinamento é extremamente importante.
Você não se lembra nem usou nenhum livro, nenhum método, nenhum nada e mesmo
nos livros e métodos que você eventualmente usa para ensinar o clarinete, você se lembra de
algum capítulo, de coisa que falasse sobre...
141
Eu acho que o grande [...] que me vem a mente agora, um dos principais músicos que
revolucionaram a sonoridade [...] do instrumento que ele tocava, mas que é aplicado aos
outros instrumentos é o Marcel Moyse da flauta. Ele tem um estudo de sonoridade que é
usado para vários instrumentos. Eu acho que ele pode ser [...] um guia.
De clarinete você não lembra de ter visto nenhum livro sobre isso...
Não. O que a gente trabalha [...] no caso do clarinete são as fundamentais e as décimas
segundas abrindo o registro (no caso do sax seriam as oitavas), mas [...] eu crio exercícios
com o instrumento e não buscando uma outra ideia. [...]
Que deve existir deve, deve sim. Eu acho que tem muito aí, eu acho que muitos
músicos já se preocupam com isso e já devem ter editado coisas como sonoridade.
É. Eu acho que vem aí da década de 90 pra cá. Nos Estados Unidos talvez na década
de 80 já existisse uma preocupação e até antes na Europa.
No meu caso não. A minha infância, como eu te disse, não era a coisa principal a
sonoridade e a afinação, era a destreza ou a velocidade com que o músico tocava (o)
Brasileirinho, Apanhei-te Cavaquinho...esse era o melhor músico. Afinação, mais ou menos
afinado, era (em) segundo plano, quando deveria ser o contrário. Você tendo uma base de
sonoridade e afinação sólida mexer os dedos depois é consequência. Você vai poder tocar
mais afinado ainda, porque técnica...não deixa de ser técnica também, você ter sonoridade,
afinação. É técnica, mas é que essa palavra técnica demorou para perceber que haviam outros
quesitos e gente ficava só em manipulação das chaves dos instrumentos.
142
Sidnei Burgani
Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?
Eu não sei se sou uma exceção na música, mas o meu começo não foi muito
agradável. Eu comecei muito cedo, com sete anos de idade no bairro do Rudge Ramos em São
Bernardo do Campo, e como meus irmãos mais velhos já frequentavam uma banda musical
que existia no bairro eu fui meio que obrigado a segui-los. Era uma tradição nessa época
seguir os passos dos mais velhos e eu comecei a estudar música, de certa forma, obrigado.
Como toda criança brasileira com essa idade eu queria ser jogador de futebol, a música não
estava nos meus planos.
Por que eu acho que não gostei de estudar música? Porque a didática utilizada naquela
época – por volta de 1971 – era bruta. O maestro era um militar e ele usava a força – dando
puxões de orelhas, chutando ou batendo nos dedos – para ensinar música e eu acho que isso
foi uma coisa complexa para mim. Ou você amava e seguia na música, como foi o caso dos
meus irmãos ou você odiava, como foi o meu caso.
Foi um começo traumático na música, mas no decorrer da minha vida eu acabei
adquirindo gosto, numa área diferente, com instrumento e situações diferentes.
Pelo que você me descreveu vocês tinham uma pessoa que fazia o papel do mestre de
banda. Pode me descrever um pouco de como era esse ensino? Haviam mais professores?
Quanto a didática musical o maestro era o grande líder e ele, tinha se não me engano,
uma ou duas assistentes que ajudavam também lecionando. Ele pegava os alunos mais velhos,
que já estavam mais evoluídos e utilizada uma técnica para o ensino através do Bona124 .
Usava-se muito esse livro de solfejo na época e basicamente as pessoas começavam do zero,
fazendo o solfejo falado e não cantado, até perto de um quarto do livro. Depois disso o
maestro perguntava quem queria seguir tocando um instrumento de percussão, dizia que isso
já seria possível. Quem quisesse tocar um instrumento melódico voltaria para a lição um do
Bona e tocaria aqueles solfejos no instrumento.
Esse foi basicamente meu começo na música: fazíamos o Bona, separados em turmas
dependendo do nível de cada pessoa e fazíamos esse livro em solfejo falado.
Depois que fizíamos o Bona, você tinha condições de pegar o instrumento fazendo
novamente o Bona da lição e a aula de instrumento individual acontecia uma vez por semana.
Nesse começo, pelo que me lembro, eu usei o Bona até o professor indicar no método do
Klosè. Começamos então a fazer as aulas individuais uma vez por semana do método Klosè
124
Método completo para divisão, de Paschoal Bona.
143
juntamente com os ensaios da banda, que aconteciam uma ou duas vezes por semana. Eram
duas bandas: a banda principal e a B, que era dos iniciantes e que era o meu caso.
Naquela época? Foi uma época na qual havia o ensino da música nas escolas, como
estão tentando fazer novamente, e era realmente música. Não uma coisa cantada, era um
ensino da música onde se ensinavam os elementos musicais essenciais: pentagrama ou mesmo
tocar um instrumento musical.
Como eu disse, no meu caso foi traumático, mas para quem quis seguir como meus
irmãos acho que foi algo muito válido. Era um ensino em escolas públicas no qual você tinha
a oportunidade de aprender música. Eu acho que é uma possibilidade a mais de carreira para
um aluno que está querendo conhecer o mercado de trabalho.
Bem, esse foi meu período inicial, que foi dos meus sete aos quatorze anos de idade,
em que eu odiava e não tinha nenhuma noção do que era a música.
Meus irmãos já eram músicos e, a partir dos meus quinze anos de idade, tínhamos um
trombone de pistom que era usado pelo meu irmão mais velho. Não sei por qual motivo ele
havia comprado um trombone de vara, mas eu tive vontade de aprender trombone
simplesmente para tocar no carnaval. Meus irmãos já tocavam, eu me lembro de ter ido uma
ou duas vezes e gostei daquilo. Então essa era minha ideia: aprender o trombone
simplesmente para tocar no carnaval.
Eu felizmente fui indicado para ter aulas com o grande Gilberto Gagliardi, ao meu
modo de ver uma referência no Brasil para os trombonistas. Assim eu comecei de uma
maneira correta com um grande professor e adquiri gosto muito rapidamente pela música.
Comecei no mundo erudito, mas paralelamente a isso, nós já tínhamos contato com
grandes músicos do mundo popular. Pelo fato de frequentar a Escola Municipal de Música de
São Paulo (EMSP), uma vez ou outra eu ia com meu professor assistir ensaios de big-bands
ou outros grupos e aos poucos ele começou a me mostrar esse outro lado da música. Eu acho
que o músico era ainda muito respeitado nessa época. Os músicos mais antigos contam
histórias nas quais eles se reuniam, principalmente os músicos da área popular, num ponto
que acredito que ficava na praça da Sé. Esse era o Ponto dos Músicos, lugar onde eles se
reuniam para conversar e esperar trabalho. Esse era o local onde se procurava por músicos.
Eu acredito que até hoje o músico popular sempre foi visto como um profissional
performance. Aquele músico que estuda em casa, ouve, transcreve para pegar seu instrumento
e poder tocar na noite, faz shows, gravações ou televisão. Essa é a visão do músico popular
que eu sempre tive e cresci convivendo com isso.
Com a experiência que eu tenho no mundo da música acho que isso atualmente é
muito pouco. Embora alguns ainda consigam sobreviver simplesmente tocando eu acho que o
mercado te joga para todos os lados, independente de ser erudito ou popular e você tem de
tocar ou arranjar. Se você é um músico erudito, tem de ter um conhecimento básico de
harmonia ou mesmo improvisar alguma coisa muito simples e vice-versa. Se você é um
músico popular não basta simplesmente improvisar. Você tem de estar apito a tocar uma peça
144
com uma leitura um pouco mais complexa ou saber dar um workshop. Acho que o mercado
fez com que os músicos hoje em dia precisassem ter esse âmbito mais abrangente.
Não. Posso falar melhor da década de 80 porque antes disso eu era muito jovem Os
poucos músicos da noite que conheci que tocavam no Gallery125 e no Opus 2004. Eu acho
que o pessoal do popular vivia eram mesmo performances, tocavam na noite e claro também
faziam as gravações.
Em relação a dar aulas, eu acho em primeiro lugar que nunca houve tantas escolas
como hoje em dia. Atualmente temos a EMESP e a Escola Municipal (EMSP), mas acredito
que isso é algo recente. Realmente acho que os músicos de gerações mais antigas eram mais
ligados à performance.
Você acha que essa performance agregava de alguma forma algo no desempenho dos
músicos?
Claro, acredito em cem por cento nisso. Acho que ficar estudando dez horas por dia
em casa sozinho, mesmo com playback, é uma coisa. Agora, você chegar para encarar uma
situação, de tocar com um grupo, exige um outro reflexo, é outra pegada. É muito importante
essa experiência de poder tocar num trio, num quinteto, numa big-band ou mesmo numa
orquestra, isso faz parte do aprendizado.
Voltando um pouco, você disse que foi aluno da Escola Municipal, que é uma escola
dirigida prioritariamente para a música erudita. Poderia me contar como foi a sua vivência
na escola e o que você estudou?
Eu cheguei na Escola Municipal (EMSP) com cerca de quinze anos de idade para
aprender trombone, tive o prazer de estudar com o grande mestre Gilberto Gagliardi e na
visão dele – com a qual eu concordo, independente do estilo e mesmo a Escola Municipal
sendo naquela época noventa e nove por cento voltada a música erudita – primeiramente você
precisa estudar o instrumento.
Nela, você precisa tentar dominar o máximo do instrumento para depois assimilar
algum estilo. Você pode ir para o jazz, popular, o rock, erudito, seja lá o que for. Eu acredito
que no começo dos estudos, quanto mais domínio do seu instrumento, tentando desenvolver
todas as técnicas de respiração, embocadura, afinação, quanto mais você deixar o estilo de
lado e se envolver com o instrumento haverá um progresso melhor. Embora na escola
americana hoje em dia o ensino coletivo não pense dessa maneira, eu ainda acho que você
pode ter aula individualmente, primeiro focando no instrumento.
Sendo a Escola Municipal uma escola voltada para a música erudita, você se lembra
se havia alguma escola voltada à música popular?
Me parece que na época, logo quando eu comecei com quinze anos de idade – ou seja,
estamos falando de 1977 – me parece que tinha a escola do grupo CLAM126, que se não me
125
The Gallery foi uma boate localizada na cidade de São Paulo, fundada em 1979 por José Victor Oliva, José
Pascowich e Ugo di Pace. Fonte: Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/The_Gallery). Acessado em 20 de
agosto de 2016.
126
Centro Livre de Aprendizagem Musical.
145
engano foi fundada pelo Amilton Godoy e era uma escola de referência para todo mundo que
quisesse aprender o popular. Essa era a escola que eu conheci.
Eu acho que, nessa fase as pessoas já estavam procurando por professores e escolas,
talvez estivesse começando a se construir uma filosofia em cima da ideia de se procurar
alguém para ter aula. Eu acho que antes disso, e segundo o que os músicos mais antigos
dizem, as pessoas simplesmente adquiriam o instrumento e ouviam o rádio, copiavam e
imitavam o que eles ouviam ou saíam na noite para conversar com os músicos e tentar
aprender alguma coisa. Essa era uma maneira de se aprender.
A partir da década de 70 ou começo da década de 80, começou a se criar – pelo que eu
me lembro – essa concepção de ter uma escola e de ter um aprendizado, mesmo para a escola
popular.
Você poderia dizer que foi nesse momento que começaram a surgir os professores de
música popular?
Eu não saberia dizer ao certo se foi nesse momento, mas eu acho que a partir da
década de 70 ou 80 o mercado do músico performer começou a diminuir em relação ao
número de trabalhos e automaticamente fez com que os músicos procurassem outras
alternativas. Eu acho que uma primeira alternativa para todo músico que toca é lecionar.
Eu acho que para o som, qualidade de som, que envolve afinação e timbre o mais
comum no mundo é a nota longa, mas paralelo a isso existem outros estudos. Eu
particularmente gosto de fazer um estudo que abrange algo mais natural do meu instrumento
que é o trombone.
Cada instrumento tem uma característica muito natural que, no caso do trombone, é o
glissando. Eu uso o glissando para melhorar o meu timbre, criar resistência e afinação. No
meu caso eu uso isso, mas acho que a maioria das pessoas faz notas longas.
Uma vez conversando com meu irmão127, que é clarinetista da OSESP128 e falando
sobre o que ele achava das notas longas, ele me disse algo muito interessante. Disse que um
professor dele parece ter dito num simpósio que, ao invés das pessoas estudarem notas longas,
porque elas não tocavam um adagio? Por que as pessoas não escolhiam uma música lenta,
uma balada ou um adagio? Elas estariam fazendo música, isso é mais interessante do que
você ficar parado simplesmente soprando uma nota longa e que a finalidade é a mesma. Isso é
interessante, as vezes eu tento aplicar isso também.
Você poderia dizer que tem conhecimento sobre todos os processos envolvidos no
estudo da sonoridade?
Não. Eu acho que a música atualmente, principalmente por causa da internet, está se
modificando tão rapidamente que é quase impossível alguém falar que tem amplo
127
Sergio Burgani.
128
Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo.
146
conhecimento do que se passa em qualquer situação da música. Tudo muda muito rápido: as
escolas, os professores e as técnicas.
Nós, por experiência, por frequentar workshops, simpósios de música, festivais, dar
aulas de maneira rotineira convivendo com alunos por mais de trinta anos, conheçamos
bastante da didática principalmente do mundo popular, mas não cem por cento. Eu poderia
dizer que estou atualizado em oitenta e cinco ou noventa por cento do que acontece no
mundo.
Você usava métodos para trabalhar a sonoridade e, caso tenha usado, se lembra se
eles tinham algo específico sobre a sonoridade?
O início dos meus estudos com o professor Gilberto Gagliardi foi uma época na qual
ele estava elaborando seus métodos para trombone. Eles ficaram famosos e ainda hoje são
usados de forma direta ou indireta pelos alunos. Eu acredito, juntamente com o (trombonista)
Roney Stela, que fomos usados pelo Gagliardi como cobaias de laboratório. A maioria dos
estudos eram baseados no que nós tocávamos ou para que nós tocássemos.
Esse método do Gilberto Gagliardi, principalmente seu começo, era em cima da
sonoridade, com exercícios feitos completamente para o som, a afinação, embocadura e com
coisas lentas. Eu usei muito esses métodos do Gilberto Gagliardi no meu começo.
Esses exercícios não eram somente sobre sonoridade. Ele fazia estudos de som
juntamente com o descobrimento das técnicas da vara do trombone. Temos então sete varas,
com sete posições que ele começava explicando da primeira posição. Através de uma mescla
das posições da vara do trombone estávamos aprendendo ao mesmo tempo as posições das
notas no instrumento e, com isso, ele observava a sonoridade, o timbre e a afinação. Muitos
alunos usam isso ainda hoje.
Você se lembra como os livros que tratavam do estudo da sonoridade chegaram até o
professor Gagliardi ou até você?
O Gagliardi usava paralelamente aos livros dele outros dois ou três livros. Um era um
livro de leitura chamado Blazhevich 129 que é técnico. Os trombonistas, principalmente do
erudito, muitas vezes precisam usar três ou quatro claves e esse livro trata desse assunto. É
um livro com estudos melódicos e com alternância de claves. Outro método anterior ao
Blazhevich era o Peretti130, um método italiano também com estudos melódicos e escalas.
Essas foram basicamente as três metodologias que ele usou comigo.
Nós tínhamos talvez dois ou três lugares em São Paulo com acesso a materiais
musicais, fossem partituras ou métodos que eram a Casa Bevilacqua, a Casa Manon e a Casa
Amadeus. Quem podia comprava esses métodos porque eles eram caríssimos, mas a maioria
os copiava dos próprios professores. Nós não tínhamos esse acesso que existe hoje em dia.
Quem tinha os livros deixava copiar ou mandava importar, mas eles eram caríssimos.
Você se lembra se havia muitos professores estrangeiros dando aulas em São Paulo e,
caso tenha essa lembrança, poderia dizer qual era a metodologia que eles usavam?
129
Vladislav Blazhevich.
130
Metodo per Trombone a Tiro de Peretti S..
147
Como eu falei, comecei com quinze anos de idade, adorei imediatamente estudar
trombone, tive o privilégio de com seis meses de estudo de ir tocar na Orquestra Jovem de
São Paulo e com um ano já estar trabalhando no Orquestra do Theatro Municipal de São
Paulo. Eu pude presenciar uma mudança na orquestra, formada em sua maioria por músicos
da Itália e que entre a década de 80 e 90 começaram a se aposentar. Essa mudança que trouxe
os músicos americanos para o Brasil, ou mesmo, para o estado de São Paulo.
Eu presenciei essa mudança de escolas e maneiras de tocar, na qual os italianos tinham
uma postura mais tradicional e os americanos tinham uma nova roupagem, uma nova visão
musical, além da faixa etária muito mais baixa que dos italianos. Isso foi muito interessante.
Eu me lembro de um jovem trompetista americano chamado Paul Mitchel tocando os
famosos estudos do Arbans131, um método que todos os instrumentistas de metais usam. Nós
aprendemos a execução desses estudos com os italianos de uma forma mais curta e o Mitchel
apareceu aqui tocando tudo mais tenuto, de uma forma mais longa. Me lembro que achamos
isso muito diferente. Não que da outra forma estivesse errado, mas era simplesmente
diferente.
Isso aconteceu dentro do mundo erudito, mas na música popular eu não nunca
presenciei essa mudança com os músicos estrangeiros.
Foi bom você ter tocado nesse assunto porque nas minhas conversas com amigos esse
é um item que, na minha maneira de ver, se não for o número um é algo que eu levo muito em
consideração e para mim é essencial. Posso dizer porque que tive o privilégio de ter estudado
fora do país e eu convivi com excelentes músicos.
Me lembro de uma situação na qual eu estava tocando num ensemble da minha
faculdade e havia um saxofonista que tocava sax-alto incrivelmente bem. Ele tinha uma
técnica maravilhosa, tocava os solos do Charlie Parker132 perfeitamente, mas ele tinha um
som horrível. Ele era muito desafinado, mas as notas não tinham um centro. Ele consiga tocar
todos os links do Charlie Parker, mas ele não conseguia ir para lugar nenhum porque, na
minha visão, se a pessoa da uma nota linda e maravilhosa, ele já me ganhou. Dentro da minha
visão musical a técnica vem depois. Primeiramente eu acho necessário um timbre e uma
afinação decentes para depois vir o resto, seja tessitura, técnica ou staccatos duplos e triplos.
O primeiro passo deve ser insistir nesse foco de tentar tocar o mais bonito possível, ou
seja, tentar tocar o mais afinado, correr atrás do melhor timbre que puder ter no instrumento.
Você teve uma oportunidade que poucos músicos brasileiros têm, de estudar fora do
país e viver duas realidades distintas. Você conseguiria descrever quais foram suas
impressões sobre isso?
Eu acho que foram dois momentos distintos. Antes de estudar fora, falei de uma época
na qual não tínhamos a internet e nem os celulares. Minha fase como estudante talvez tenha
131
Complet Conservatory Method for Trumpet de J.B. ARBAN.
132
Charles Parker, Jr. foi um saxofonista e compositor americano de jazz. No início da sua carreira, Parker foi
apelidado de Yardbird; esse apelido mais tarde foi encurtado para Bird e permaneceu como o apelido de Parker
para o resto da sua vida. Fonte: Wikipedia (https://pt.wikipedia.org/wiki/Charlie_Parker). Acessado em 21 de
agosto de 2016.
148
sido mais fácil do que a dos meus professores em relação às informações, mas foi mais difícil
do que acontece hoje em dia.
Atualmente, para quem estuda numa grande cidade com acesso a internet e às
informações está muito mais fácil ser um músico profissional. A diferença entre estar no
Brasil e estar lá fora numa grande universidade é que aqui, principalmente quem está numa
grande cidade como São Paulo, encontra excelentes professores, instrumentos bons e
acessíveis para aquisição, metodologia, materiais e internet. Dessa forma, se você está em São
Paulo ou em Nova York a diferença de metodologia entres os professores será mínima,
principalmente por causa da internet.
A grande diferença que realmente senti na pele foi o fato de ter respirado música vinte
e quatro horas por dia. Da hora que levantava e chegava na escola eu tinha quase vinte e
quatro horas de música com aulas, workshops, recitais, palestras, jam sessions, filmes, tudo
em volta do seu instrumento e da música. Isso realmente nós ainda não temos, mas melhorou
bastante.
Hoje em dia as escolas e universidades de São Paulo estão começando a tentar criar
esse ambiente musical, que é tão sadio e tão bom para o profissional. Isso foi o que senti que
eles têm lá e que nós não temos aqui.
Em relação e didática, aos professores e a metodologia, realmente lá ainda existe uma
gama de profissionais ampla, principalmente se estiver na costa leste americana ou mesmo na
Europa, com muitas universidades, muitos professores e muitos músicos, maior do que temos
aqui. Porém, os mundos – por conta da internet – estão tão próximos que para mim essa é a
grande diferença.
149
Entrevista realizada por Samuel André Pompeo com Vitor Alcântara Brecht em
27 de janeiro de 2015. A veiculação e divulgação desta entrevista foi autorizada pelo
entrevistado tanto no formato impresso, como no digital.
Quando você iniciou seus estudos na música, como ela era ensinada?
Pela minha experiência ela era ensinada em casa, porque eu tenho família de músicos
– desde a minha bisavó – e eu aprendi em casa. Primeiramente com a minha mãe, depois com
meu avô e, mais tarde, na minha adolescência eu tive a experiência de estudar no
conservatório do Zimbo Trio (CLAM 133 ) onde fui estudar piano, e cheguei a ter uma
experiência estudando com uma professora particular. Eu tinha um conhecimento muito vago
sobre a Escola Municipal (EMSP) na qual eu consegui entrar, mas não consegui conciliar os
horários.
Essa coisa do ensino da música não tinha a amplitude que tem hoje em dia com todas
essas opções de projetos, como o auditório do Ibirapuera, EMESP, Projeto Guri e orquestra de
Heliópolis. Hoje em dia todas as igrejas evangélicas têm algum tipo de ensino de música que
mal ou bem ensinam dando uma direção. Para mim isso aconteceu dentro de casa mesmo.
Sob meu ponto de vista isso era visto de forma muito séria na minha casa, até séria
demais, mas era uma história que a gente ouvia falar fora dali e uma experiência que eu tive
até uma certa idade, na qual a música era vista como uma profissão marginal, uma coisa
secundária.
As pessoas ricas estudavam música porque era chique ou por uma questão de história,
de arte, cultural, mas não como profissão. As pessoas pobres escolhiam a música porque isso
era melhor do que um trabalho braçal, do que passar fome ou ainda trabalhar de empregado
para os outros. Era uma alternativa, mas a impressão que eu tinha era que se considerava a
música uma profissão marginal. Hoje em dia não mais, mas na minha época era essa a
impressão que eu tinha.
Eu comecei a estudar música com nove anos de idade, então estamos falando dos anos
70 até os anos 90. Depois eu fui me envolvendo mais e esses comentários já não faziam
diferença. Já não me interessavam mais porque eu já estava envolvido, já estava vivendo de
música.
133
Centro Livre de Aprendizagem Musical.
150
Se a pessoa era um artista, se ele era conhecido, era respeitado porque era artista. Ele
ganhava dinheiro, era famoso e tudo mundo o conhecia. Mas não porque ele era bom ou ruim
e sim, porque era famoso e ganhava dinheiro. Pessoas famosas ganham dinheiro e então são
bem-sucedidos.
No caso do músico comum, que é o meu caso e da maioria daqueles que gostam de
tocar, éramos marginalizados. As pessoas sempre esperavam que você uma hora desistisse e
arrumasse algum trabalho descente ou alguma coisa séria. Eu costumo falar que todo mundo
quer um quadro do Van Gogh ou um tapete persa, mas ninguém quer uma pessoa sujando de
tinta sua lavanderia tentando pintar. As pessoas querem o produto pronto.
Eu acho que tudo isso aí. Muitas vezes as atribuições não são escolhidas, elas estão
muito ligadas à necessidade de sobrevivência e as vezes da necessidade de realização
profissional, de ser bem-sucedido. Essa é uma negociação bem difícil. Já tive muitos
problemas com isso, já deixei de dormir questionando essa situação.
Eu não entrei na música para ganhar dinheiro. Aliás, eu tenho uma opinião muito clara
sobre isso: eu acho que as profissões não devem ser escolhidas somente em função do
dinheiro. Você escolhe a profissão de acordo com o que você quer fazer e o dinheiro vai
aparecer ou não em função disso. Se for para eu passar fome passarei fazendo aquilo que eu
gosto.
Quanto a essas atribuições, a primeira delas é querer fazer, porque existem muitas
pessoas que estão na música e não queriam fazer música. Acho então que a primeira
atribuição deve ser o querer, não é nem o poder, é querer.
Na verdade, a primeira informação que eu tive sobre o assunto foi bem superficial, não
por conta da pessoa que a passou para mim, que no caso foi meu tio Carlos Alberto
(Alcântara), mas pela própria postura dele. Ele sempre disse que não era um professor.
Acabou falando exercícios de respiração de uma maneira bem descompromissada, exercícios
que ele chamava de “exercício do Rô”.
Depois eu estudei com o (Nailor Azevedo) Proveta que já era uma pessoa mais
profunda, com mais mecanismos para falar disso. Ele me falava de um exercício utilizado
num determinado período pelos trompetistas – não sei se eles ainda usam – chamado Caruso,
que visa a criação de consistência na embocadura, além da realização de exercícios de
sonoridade sem haver movimentação da embocadura para assim desenvolver a musculatura
dessa região.
Isso foi fundamental para mim porque eu tive muitos problemas de embocadura e
descobri através do Proveta que se tivesse consciência da sonoridade, da minha capacidade de
controlar o som, eu poderia controlar melhor estas dificuldades de embocadura.
No meu caso, devido o envolvimento que eu tinha com o Proveta, era a coisa mais
importante. Até hoje para mim ela não é a coisa mais importante, mas ela é fundamental. Eu
151
vejo grandes representantes da música popular da minha área – instrumentos de sopro – dizer
que a coisa mais importante é a nossa voz, que é sonoridade. Já ouvi vários músicos em
entrevistas, comentários, workshops ou vídeos falarem que se você não tem voz ninguém te
ouve. Se você não consegue ser ouvido não adianta ter assunto. Você precisa ter voz para
transmitir o seu assunto que, no nosso caso, é a sua música.
Então é fundamental o trabalho de sonoridade. Se você tem uma hora para estudar,
deve-se começar estudando sonoridade e no tempo que sobrar estude as outras coisas. Se você
tem duas horas deve fazer a mesma coisa e assim sucessivamente. Eu acho fundamental e
primordial estudar sonoridade.
Você usava métodos para trabalhar a sonoridade e, caso tenha usado, se lembra
quais eram os livros ou métodos com essas informações?
Com o Proveta, eu estudava os exercícios que ele me passava e eram coisas bem
simples, mas existe uma cópia de um livro que ele me deu que não é bem sobre sonoridade.
Ele fala sobre articulação, posição de língua, posição de embocadura e esse livro é do Henry
Lindeman134.
Eu acho que o grande livro, que não fala somente de sonoridade, mas tem muitos
exercícios sobre isso complementados com outras coisas que eu acho muito legais é o livro do
David Liebman. Para mim essa é a bíblia do estudo da sonoridade que se chama Developing a
personal saxophone sound135 que agora foi lançado em português pela editora Souza Lima.
Temos então esse livro que fala sobre sonoridade, sobre posição da boca, da língua, exercícios
de harmônicos, de flexibilidade e é fundamental, muito bom.
Que eu me lembre, havia a Fundação das Artes de São Caetano do Sul, na qual eu
frequentei uma banda chamada Salada Mista que era comandada pelo Antônio Duran, um
argentino que trabalhou na banda do Maksoud Plaza, mas eu não conheci os cursos. Eu sei
que quem dava aula lá era o Hector Costita, o Robero Sion, o Tuca (Amilson) Godoy e outros
importantes nomes da música popular, mas não cheguei a frequentar os cursos porque eu
134
Henry Lindeman Method: A Detailed Analisys of Embochure, Breathing, Tone Production, Vibrato,
Tonguing, Phrasing & Articulation.
135
Desenvolvendo uma sonoridade pessoal no saxofone.
152
trabalhava em um banco e o horário que eu tinha disponível era somente aquele no qual
ensaiava a noite.
Nessa época havia o CLAM136 que era voltado para a música popular e eu me lembro
que fiz uma ou duas aulas no máximo numa escola que se chamava Novo Tempo, uma escola
que tinha um professor muito respeitado por todos chamado Lambari (Eduardo Pecci). Ele
tocava clarinete na Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal de São Paulo, mas foi uma
referência durante muito tempo como primeiro sax-alto nas maiores e melhores big-bands do
Brasil. Ele dava aulas nessa escola, aulas de saxofone popular, mas não voltado à
improvisação. Seu curso era voltado à execução, como tocar em naipes, leitura e tocar o
saxofone direito, que é uma coisa importantíssima. Mas eu não tive a oportunidade de fazer
muitas aulas com ele, foram somente uma ou duas. Essas são as escolas que eu me lembro.
Você poderia então dizer que as bandas agregavam alguma coisa no desenvolvimento
performático do músico?
Alguma coisa não, elas eram fundamentais. Como você não tinha essa acessibilidade
da internet, não tinha essa variedade de ensino com faculdades, com cursos, cursos técnicos,
com alternativas de escola e professores, a melhor alternativa era aprender tocando mesmo.
Você tinha bastante opção para tocar, bastante opção para trabalhar com música. Tivemos um
período em que tínhamos muitas opções de trabalho na música e depois tivemos um período
no qual tínhamos mais opções de tocar, fazer músicas mais improvisadas e mais elaboradas.
Hoje nós temos bastante professores, bastante opções de ensino, seja em escolas ou
em nível superior, técnico ou livre, mas temos poucas opções para tocar. Eu costumo dizer
que não está pior, está diferente.
Você poderia dizer que tem conhecimento sobre todos os processos envolvidos no
estudo da sonoridade?
Não. Eu acho que não, mas eu acho que tenho bastante informações em função do
problema grave que eu tive com a embocadura e que afeta diretamente a sonoridade. Como eu
136
Centro Livre de Aprendizagem Musical
153
tive esse problema acabei me atentando muito mais, tendo muita consciência sobre isso. Mas
dizer que sei todas as alternativas, muito pelo contrário, eu sempre estou me policiando e me
vejo cometendo grandes erros. No meu caso tudo é voltado para a tensão, talvez pela minha
natureza, talvez porque eu comecei mais tarde, por eu ter nascido em São Paulo e essa cidade
ser um lugar estressante e por eu ser latino. Tudo isso acaba influenciando na sonoridade e
então procuro sempre ter um pouco mais de consciência para compensar isso.
Foi através da famosa xerox, que era uma cópia de alguém que trouxe. Por exemplo,
na época meu tio, o Magno D’Alcântara, trabalhava com o Roberto Carlos que era um dos
poucos artistas brasileiros que viajavam com frequência para a Europa e para os Estados
Unidos. Ele comprava muito material que depois as pessoas copiavam.
Eu não me lembro se esse meu material sobre o qual falei foi conseguido através dele
ou de alguma outra pessoa, mas normalmente era uma cópia. Hoje em dia você pode comprar
através de lojas que importam, através de lojas virtuais ou ainda baixar esse material na
internet gratuitamente, dependendo do método. Esses métodos sobre os quais eu falei de
sonoridade podem ser baixados gratuitamente.
154
ANEXO K (CD)