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ARTIGO / ARTICLE

Mapa de Risco no Brasil: As Limitações da


Aplicabilidade de um modelo Operário
Brazilian Risk Map: Limited Applicability of a Worker Model
Ubirajara A. de O. Mattos1
Nilton Benedito B. Freitas2

MATTOS, U. A. º & FREITAS, N. B. B. Brazilian Risk Map: Limited Applicability of a Worker


Model. Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (2): 251-258, Apr/Jun, 1994.
This paper shows the limitations identified in Brazilian risk map applications from a legal and
methodological perspective. First, the conception, origin, and value of the risk-map methodology are
presented as perceived under the Italian Health Reform. Next, the authors report on introduction of the
methodology into Brazil in the early 1980s and the reactions by companies when it became a legal
requirement for those which had Accident Prevention Committees.
Finally, a brief discussion on the effectiveness of its use by workers in preventing health risks is included.
Key words: Worker’s Health; Risk Assessment: Italian Worker Model

O QUE É MAPA DE RISCO? 70, através do movimento sindical, com origem


na Federazione dei Lavoratori Metalmeccanici
É uma representação gráfica de um conjunto (FLM) que, na época, desenvolveu um modelo
de fatores presentes nos locais de trabalho, ca- próprio de atuação na investigação e controle
pazes de acarretar prejuízos à saúde dos traba- das condições de trabalho pelos trabalhadores,
lhadores. Tais fatores se originam nos diversos o conhecido “Modelo Operário Italiano”. Tal
elementos do processo de trabalho (materiais, modelo tinha como premissas a formação de
equipamentos, instalações, suprimentos, e nos grupos homogêneos, a experiência ou subjeti-
espaços de trabalho, onde ocorrem as transfor- vidade operária, a validação consensual e a
mações) e da forma de organização do trabalho não-delegação, possibilitando assim a partici-
(arranjo físico, ritmo de trabalho, método de pação dos trabalhadores nas ações de planeja-
trabalho, turnos de trabalho, postura de traba- mento e controle da saúde nos locais de
lho, treinamento etc.) trabalho, não delegando tais funções aos técni-
cos e valorizando a experiência e o conheci-
mento operário existente.
QUAL É A SUA ORIGEM?
“Para que o ambiente de trabalho fique livre da
O mapeamento de risco surgiu na Itália no nocividade que sempre o acompanha, é necessário
final da década de 60 e no início da década de que as descobertas científicas neste campo sejam
socializadas, isto é, trazidas ao conhecimento dos
trabalhadores de uma forma eficaz; é necessário
1
Centro de Estudos em Saúde do Trabalhador e que a classe operária se aproprie delas e se
Ecologia Humana da Escola Nacional de Saúde posicione como protagonista na luta contra as
Pública. Rua Leopoldo Bulhões, 1480, 3º andar, doenças, as incapacidades e as mortes no trabalho.
21041-210, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. Somente uma real posição de hegemonia da classe
2
Departamento Intersindical de Estudos e operária diante dos problemas da nocividade pode
Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho, garantir as transformações que podem e devem
Praça da República, 386, 3º andar, conjunto 33, determinar um ambiente de trabalho adequado
01045-000, São Paulo, SP, Brasil. para o homem.

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Mattos, U. A. O. & Freitas, N. B. B.

Somente a luta, com uma ação sindical de Minas Gerais, preparando 40 novos instruto-
conduzida com precisos objetivos reivindicatórios, res de diversos ramos de atividades, aproximada-
com a conquista de um poder real dos trabalhado- mente 200 empresas já estão aplicando esta
res e do sindicato, é possível impor as modifica- técnica com resultados positivos” (Abrahão,
ções, sejam tecnológicos, técnicas ou normativas, 1993: 22)
que possam anular ou reduzir ao mínimo os riscos
a que o trabalhador está exposto no local de Em 1986 foi lançado no Brasil Ambiente de
trabalho”. (Oddone et al., 1986: 17) Trabalho: a luta dos trabalhadores pela saúde, por
Ivar Oddone e outros sindicalistas, para técni-
Essa metodologia teve um importante papel cos com atuação sindical e acadêmica.
no processo da Reforma Sanitária Italiana (Lei Além do Diesat, que adota este instrumento
833 de 23/09/78 que instituiu o Serviço Sanitá- desde 1983 e que nos últimos seis anos o tem
rio Nacional) que criou condições para cons- utilizado nos cursos de formação de CIPAs (Co-
trução de um sistema participativo e com missão Interna de Prevenção de Acidentes) ou
auto-regulação na eliminação dos riscos, pre- de monitores de Cipa, o Instituto Nacional de
vendo em seu artigo 20 os mapas de risco Saúde do Trabalhador (INST) da Central Úni-
(Oddone et al., 1986). ca dos Trabalhadores (CUT) é atualmente “um
dos principais signatários do método” (Freitas,
1992a: 11).
COMO O MAPA DE RISCO
CHEGOU AO BRASIL?
A CONSTRUÇÃO DE MAPAS DE
O Mapa de Risco se disseminou por todo RISCOS É OBRIGATÓRIA?
o mundo, chegando ao Brasil no início da
década de 80. Existem duas versões quan- A realização de mapeamento de riscos tor-
to à sua introdução no Brasil. A primeira, nou-se obrigatória para todas as empresas do
atribui tal feito às áreas sindical e acadê- país que tenham Cipa, através da portaria nº 5
mica, através de David Capistrano, Mário de 17/08/92 do Departamento Nacional de Se-
Gaawryzewski, Hélio Baís Martins Filho gurança e Saúde do Trabalhador do Ministério
e do Departamento Intersindical de Estu- do Trabalho.
dos em Saúde e Ambiente de Trabalho De acordo com o artigo 1º da referida por-
(Diesat). taria cabe às CIPAs a construção dos mapas
A outra versão atribui à Fundação Jorge de riscos dos locais de trabalho. Através de
Duplat Figueiredo de Segurança e Medicina seus membros, a Cipa deverá ouvir os tra-
do Trabalho (Fundacentro) a difusão do mapa balhadores de todos os setores da empresa
de risco no país. Segundo o Engenheiro Mário e poderá contar com a colaboração do Ser-
Abrahão: viço Especializado de Medicina e
S e g u r a n ç a d o Tr a b a l h o ( S E S M T ) d a
“Técnicos da Fundacentro de Minas Gerais empresa, caso exista.
foram designados para estudar o método de Os riscos deverão ser representados em plan-
trabalho e acompanhar os resultados. Após um ta baixa ou esboço do local de trabalho (cro-
longo acompanhamento e a constatação dos qui) e os tipos de riscos relacionados em tabelas
resultados positivos, eles começaram como próprias, anexas à referida portaria.
agentes multiplicadores a ensinar esta técnica Posteriormente os mapas deverão ser afixa-
por todo o País. Em São Paulo, graças aos dos em locais visíveis em todas as seções para
esforços conjuntos da Fundacentro São Paulo, o conhecimento dos trabalhadores, permane-
Delegacia Regional do Trabalho de Osasco e cendo no local até uma nova gestão da Cipa,
Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco, que em quando então os mesmos deverão ser refeitos
1982 patrocinaram dois cursos com os técnicos (Brasil, 1992).

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Mapa de Risco

AS LIMITAÇÕES NA “Uma limitação ainda não superada pelo


APLICABILIDADE DO MAPA DE modelo é a abordagem deficiente dos fatores do
RISCO grupo 4 de risco: problemas ligados à fadiga e à
saúde mental. Neste particular, ..., torna-se
Além das limitações quando a teorização necessário o aprofundamento das pesquisas e a
deste instrumento, apontadas por pesquisado- aperfeiçoamento da metodologia, pois o julga-
res como Laurel & Noriega, existem também mento global e conciso dos trabalhadores sobre
outras críticas relacionadas com a aplicação da estas questões tem se mostrado insuficiente para
citada portaria, oriundas tanto do meio empre- detectar alterações precocemente e definir ações
sarial como do meio sindical trabalhista. preventivas...
Outra dificuldade a ser superada se refere à
Limitações Quanto à Teorização questão da ‘homogeneidade’ do ‘Grupo
Operário’. Observe-se que em uma dada
Nas primeiras, Laurell & Nuriega constatam condição de estabilidade social,
a ausência de diferenciação entre teoria e prá- organizacional e tecnológica, um grupo de
tica (sem que haja a teorização das experiênci- trabalhadores pode ser considerado homogêneo
as de investigação) e que com aa reestruturação em um determinado departamento da fábrica,
tecnológica e reorganização do trabalho o co- apesar das diferenças observadas quanto ao
nhecimento particular se torna inútil, sendo tempo de trabalho, experiência prévia, exposi-
impossível reprojetar o conhecimento no fu- ção anterior, grau de responsabilidade, bem
turo, no que tange a construção de novas pro- como quanto a fatores externos à própria
postas. Assim, segundo Laurell & Noriega fábrica (culturais, de educação etc.)...
(1989: 94-95): Quando se fala em dificuldades, não deve ser
desprezado o peso representado pela ameaça de
“...quando muda drasticamente a realidade desemprego, que atinge hoje cerca de 10% da força
fabril, o conhecimento particular – por rico que de trabalho italiana e que provoca um desvio da
seja – se torna essencialmente inútil, pois o seu prioridade colocada na luta pela saúde por parte
objetivo desaparece. Por outro lado, uma vez que das organizações dos trabalhadores”.
não se tenha extraído dele o que as situações
particulares têm de geral, torna-se impossível Kuchenbecker (1992) faz comentários sobre
projetar o conhecimento no futuro, em se tratando a necessidade de aperfeiçoamento do instru-
da construção de novas propostas. Ou seja, o mento de investigação operária que possibilite
conhecimento particular baseado na experiência é, uma prática de pesquisa com a participação
no melhor dos casos, um conhecimento conjunta de técnicos no grupo e avaliações de
fenomenológico do passado e do presente até que saúde e trabalho articuladas com os Programas
tenha passado e do presente até que tenha passado de Saúde do Trabalhador.
por um momento de teorização. A ausência de
generalização e de teorização do conhecimento, Limitações Quanto à Portaria
finalmente, o torna dificilmente isolável de seus
portadores específicos. Torna-se uma experiência Esta portaria tem sido objeto de muita dis-
pessoal compartilhada por várias ou mesmo cussão nas empresas e nos sindicatos patronais,
muitas pessoas, mas não passa a ser memória sendo alegadas dificuldades no seu cumprimen-
definitiva da classe, recuperável nos momentos em to por parte dos técnicos e das direções das
que as mudanças na correlação de forças permi- empresas, no que diz respeito a sua construção,
tam avançar as posições operárias”. ou seja, quanto à simbologia empregada (uso
de círculos de diferentes dimensões e cores) e à
Além dessas questões, existem outras limita- definição dos riscos ambientais (onde foram
ções apontadas por Lauar et al. (1991: 48) que introduzidas duas novas categorias, além das
não devem ser ignoradas: três já existentes).

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Setores bastante conservadores e corpo- empresas e na maioria dos países (Freitas,


rativistas do meio técnico de Engenharia de 1992b: 6).
Segurança e Medicina do Trabalho têm É exatamente por isso que os pressupostos
também se manifestado, através de revistas de do Modelo Operário Italiano e da Saúde do
circulação na área, em defesa de um suposto Trabalhador se encontram, estabelecendo prin-
“saber técnico”, em detrimento e em crítica do cípios que são marcados pela análise da
chamado “saber operário”, “conhecimento multicausalidade das doenças; pelo direito
subjetivo” e “avaliação qualitativa” das condi- dos trabalhadores conhecerem os riscos a que
ções de trabalhos (Zocchio, 1993). estão expostos nos locais de trabalho; pelo di-
Sustentados apenas nos seus próprios inte- reito dos trabalhadores de se recusarem a ex-
resses profissionais e comerciais, estes setores por suas vidas e sua saúde aos riscos do trabalho;
evidentemente não conseguem articular o seu pelo direito de acesso dos trabalhadores ao re-
discurso com alguma base técnico-científica. sultado dos seus exames médicos; pelo direi-
No entanto, adquirem valor acadêmico ao tra- to dos representantes dos trabalhadores
zer à tona a reflexão sobre o tradicional mode- acompanharem as fiscalizações das condi-
lo da Saúde Ocupacional (que conhece seus ções de trabalho; pela abolição do uso
limites justamente na própria fragmentação de indiscriminado de EPIs em prol das melhorias
abordagem do trabalho ao estruturar-se em áre- ambientais etc.
as distintas, com saberes e responsabilidades Enfim, um modelo que valoriza sempre a
também distintos, conhecidos como Medici- participação dos trabalhadores nas questões
na do Trabalho (atividade médica voltada fun- relacionadas à sua saúde a partir do reconheci-
damentalmente para o trabalhador), Higiene mento do seu saber e do seu papel no processo
do Trabalho (que atua sobre o ambiente de tra- de trabalho.
balho) e Segurança do Trabalho (a preocupa- Exatamente o que não desejam aqueles que
ção pela prevenção dos acidentes de trabalho) se utilizam da profissão para a simples defesa
(Mendes, 1980). de interesses particulares ou para o exercício
É justamente esta fragmentação que o Mode- inconteste da sua incompetência cotidiana.
lo Operário Italiano e a metodologia do Mapa Vítimas da sua própria ignorância, alguns bem-
de Risco condenam, ao abordar a saúde de um intencionados entre eles sequer compreendem
modo global, unitário, dinâmico, a partir da o sistema complexo no qual estão enredados.
interação dos diversos fatores e agentes pre- Então tentam a todo o custo desqualificar o
sentes no ambiente, com os agentes sociais conhecimento e a intervenção daqueles que
envolvidos (capitalistas e trabalhadores). produzem os bens que pagam seus salários.
A serviço de empresários muitas vezes medí-
“Em primeiro lugar porque o trabalhador vive e ocres e imediatistas, são também estes setores
percebe sua situação laboral como uma unida- os defensores de teorias unicausais e
de...; em segundo lugar porque do ponto de vista reducionistas como aquela do Ato e da Condi-
causal, estes diferentes fatores constituem um ção Inseguros que durante tantos anos ajudou
sistema complexo que inclui interações múlti- o país a cobrir-se com a manta da ignorância e
plas” (Mendes, 1988: 15). a vendar os próprios olhos para não enxergar e
reconhecer os próprios erros e defeitos. En-
Foi este entendimento inclusive que levou a quanto isso, os orientais, com seus olhos pe-
OMS (Organização Mundial da Saúde) a recen- quenininhos..., desenvolviam técnicas e teorias
temente alterar o seu Programa de “Saúde de investigação de falhas e problemas que sem-
Ocupacional” para “Saúde dos Trabalhadores”, pre passaram, para quem quiser saber, pela ab-
reconhecendo nos modelos tradicionais dos sorção do conhecimento dos trabalhadores... e
Serviços de Saúde Ocupacional “um sistema que pela análise múltipla dos fatores envolvidos.
tampouco foi bem-sucedido no controle de aciden- Aliás, receitas “modernas” daqueles que real-
tes e doenças profissionais, a julgar pela permanên- mente se preocupam com qualidade e produti-
cia de significante magnitude” em muitas vidade.

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Mapa de Risco

Não bastasse a crítica à subjetividade do sa- de trabalho” é herança do período da Ditadura


ber operário, as vozes do conservadorismo e Militar no Brasil, quando foi publicada a Portaria
do modelo falido da Saúde Ocupacional se per- 3214 de 08/06/78, em substituição à Portaria 491 de
dem também na crítica ao teor qualitativo da 16/09/65, que foi posteriormente modificada por
metodologia em questão. pequenas alterações intro-duzidas pela Portaria
Criticam os trabalhadores por ficarem 122 de 22/02/67, ambas do então Ministério do
“achando” isso ou aquilo, quando creditam Trabalho e Previdência Social (MTPS).
toda sua análise à sensibilidade dos aparelhos Assim dispunha o art. 1º., parágrafo 3º da
de medição e submetem todos os resultados aos Portaria 491:
números estabelecidos como “Limites de To-
lerância (LT)”, sem se darem conta ou omitin- “Enquanto os órgãos competentes em Segurança
do que estes também são estabelecidos, segundo e Higiene do Trabalho do Ministério do Trabalho
critérios políticos determinados pela força da e Previdência Social não estiveram aparelhados,
indústria, particularmente nos Estados Unidos em material e pessoal técnico para a verificação
da América, de onde são importados os LT (des- dos limites de tolerância dos agentes nocivos nos
de 1977 sem atualização, é bom frisar) (Diesat, ambientes de trabalho, admitir-se-á o critério
1989; Arcuri & Cardoso, 1991). qualitativo apenas”.
Ignoram também ou fingem ignorar as limi-
tações da análise quantitativa da nocividade O mais curioso é que, efetivamente, o qua-
no trabalho como: dro descrito não sofreu grandes alterações de
1965 para 1978 e até o presente momento. É
• “Estima-se que existam de cinco a sete milhões sabido que poucos são os órgãos públicos
de substâncias químicas conhecidas, das quais aparelhados e com pessoal técnico suficiente
70 mil a 80 mil são de uso mais comum. Cerca para a inspeção nos ambientes de trabalho. É
de 500 substâncias novas são introduzidas ao sabido também que este quadro,
ano no mercado (OIT,1989)”. proporcionalmente, não é muito diferente na
• “Só se tem registro de limites de exposição, a iniciativa privada e ainda mais deficitário no
nível mundial, de cerca de 2.100 produtos, vári- setor público empregatício em todos os níveis
os aceitos só por alguns países (OIT, 1991)” (Acuri e instâncias.
& Cardoso, 1991). Então, por que não utilizar-se da análise qua-
• Há ainda pouca informação sobre os efeitos litativa dos riscos, reservando à avaliação quan-
combinados dos agentes químicos e destas titativa o seu verdadeiro papel de aferição da
com fatores como calor, ruído, umidade, tra- eficiência de medidas de proteção adotadas?
balho em turnos, fumo, consumo de álcool, Algum problema com o reconhecimento das
estado nutricional etc. limitações da nossa realidade, ou tudo não passa
• Há ainda poucas metodologias válidas, para de simples retórica para a preservação de
avaliações ambientais de agentes químicos interesses econômicos e corporativistas?
isolados e principalmente combinados (mis- Afinal, alguns dos princípios da metodologia
turas de diferentes substâncias). do Mapa de Risco são os da “não-delegação’
• Poucas são as empresas e serviços públicos das questões de saúde dos trabalhadores aos
aparelhos e com pessoal tecnicamente ha- técnicos e da “validação consensual” das refe-
bilitado para efetuar avaliações ambientais rências à nocividade no trabalho, reafirmando
confiáveis. o radicalismo da proposta em contraposição à
• As susceptibilidades individuais não podem hegemonia capenga do saber técnico-científi-
ser ignoradas quando da comparação de LT co-autoritário na área.
com sinais e sintomas de sensibilização a Ao que tudo indica, a razão de tal resistência
algum agente nocivo. das empresas e órgãos de classe, que estão exer-
cendo forte pressão junto ao Ministério para
Coincidência ou não, o conceito da “determi- que a portaria seja revogada, deve-se muito
nação quantitativa da insalubridade nos locais mais a motivos políticos do que técnicos, pois

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Mattos, U. A. O. & Freitas, N. B. B.

a exposição de mapas de riscos em locais visí- QUANTO À METODOLOGIA


veis cria para a empresa uma situação de cons-
trangimento e uma imagem negativa junto aos • Há dúvidas sobre a maneira de se iniciar o
seus trabalhadores, bem como às pessoas que mapeamento de riscos.
venham visitá-la, nas situações de acesso aos • Sobre a necessidade de agendamento da visi-
locais de trabalho, afinal como diz o ditado ta com o responsável pelo local.
“roupa suja se lava em casa...”. • Sobre a necessidade de informação anterior
Uma outra questão, relacionada com a pri- aos trabalhadores do setor a ser avaliado e
meira, consiste na facilidade que esse instru- de que forma fazê-lo.
mento de análise cria para os órgãos de • Sobre as pessoas da Cipa que devem partici-
fiscalização, em particular a Delegacia Regio- par e sobre a sua representatividade (patro-
nal do Trabalho (DRT) e a Vigilância Sanitá- nal ou profissional).
• Sobre a paralisação ou não dos setores a se-
ria, nas atividades de inspeção dos locais de
rem investigados no momento da visita, em
trabalho, o que torna as empresas mais vulne-
relação à necessidade de entrevistar os tra-
ráveis às intimações, notificações e multas.
balhadores e/ou observar o trabalho.
Talvez a grande falha dessa portaria seja a de • Sobre a forma de “ouvir os trabalhadores”,
atribuir somente à Cipa a tarefa de sua execu- de que forma fazê-lo e sobre como conside-
ção, cabendo apenas aos trabalhadores o direi- rar o ponto de vista das chefias, supervisores,
to de opinarem sobre a sua construção, quando engenheiros e outros.
na realidade estes deveriam ser os reais cons- • Sobre a forma de abordagem dos riscos presen-
trutores, conforme a idéia original. tes ou exemplificados na Portaria nº 5 de 18/
08/92 e aqueles referidos pelos trabalhadores.
As Limitações Quanto aos Cursos • Sobre o momento da realização do
de Treinamento para Construção mapeamento em relação as alternativas do
de Mapa de Risco, que em Geral cotidiano do setor em diferentes horários
São Oferecidos no Brasil da jornada, nas atividades organizadas em
turnos de revezamento, nos processos in-
Uma outra questão que cabe aqui tratar diz res- dustriais semicontínuos ou descontínuos,
peito ao treinamento, que de uma forma geral é nos serviços de atendimento público, nas
oferecido nos cursos de construção de mapas de atividades que sofrem alterações constantes
riscos para membros de Cipa e Profissionais dos (como obras civis) e outros.
Serviços especializados. Tais cursos, na sua • Sobre como realizar a “validação
maioria, somente repassam informações consensual”, para que o mapa represente de
diretamente ligadas às técnicas de elaboração dos fato o sentimento global, frente a uma estru-
mapas, não discutindo junto aos alunos a origem tura organizacional extremamente rígida,
que inclusive não vê com “bons olhos” a
e os propósitos dessa metodologia e a necessidade
reunião e a discussão de trabalhadores den-
de seu repasse aos trabalhadores como forma de
tro da empresa.
um maior envolvimento destes no controle das
• Sobre como alcançar indicadores externos ou
condições de trabalho. indiretos dos riscos no local de trabalho, como
Como conseqüência, as dificuldades encon- índices de absenteísmo, estatísticas de aciden-
tradas pelos cipeiros na hora de fazer o mapa tes de trabalho, registros de doenças ou altera-
são imensas, indo desde o planejamento da ções significativas do estado de saúde,
ação até a sua representação gráfica, sem falar relatórios de ocorrência de anormalidades etc.
nos encaminhamentos posteriores que se fa-
zem necessários.
A partir de cursos sobre o assunto, ministra- SOBRE A CLASSIFICAÇÃO DOS
dos pelo Diesat a membros da Cipa do Banco do FATORES DE RISCO
Estado de São Paulo (Banespa) e de diversas in-
dústrias químicas e petroquímicas do ABC, al- Reside nesta tarefa uma das maiores dificulda-
gumas destas dificuldades foram sistematizadas. des dos trabalhadores, que se acentua tanto quan-

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Mapa de Risco

to mais baixa for a escolaridade dos mesmos. Mas Risco. Este fato pressupõe dois motivos: o tem-
a limitação antes de tudo está na própria portaria po de exercício legal da Portaria ainda não com-
ministerial que aleatoriamente ou arbitrariamen- portou esta fase ou, o que seria muito pior, ela
te estabeleceu grupos de riscos (físicos, químicos, não vem ocorrendo e o mapeamento dos riscos
biológicos, ergonômicos e mecânicos) sem vem se limitando ao desenho em planta baixa
conceituá-los, apenas exemplificando aspectos e afixação do mesmo em algum lugar da fábri-
que estariam contemplados e deixando a porta ca.
aberta através de um genérico “outros”, ao final Mais uma vez as dificuldades dos trabalha-
de cada relação de grupo. dores neste campo são imensas: as informações
Neste particular, os autores da proposta não dos trabalhadores sobre os resultados e con-
seguiram sequer os pais da matéria (os italia- clusões do mapeamento; a validação dos acha-
nos), que categorizaram os riscos em quatro dos; a discussão da contraproposta patronal; a
grupos: mobilização dos trabalhadores de determina-
do setor mais prejudicado etc.
“O 1º compreende os fatores presentes também no Como enfrentar a absoluta autoridade do
ambiente em que o homem vive fora do trabalho empregador dentro da fábrica, possibilitada
(nos locais de habitação)... luz, temperatura, pela forma de contratação individual do
ventilação e umidade. O 2º engloba os fatores trabalho e o arcabouço jurídico-legal de uma
característicos do ambiente de trabalho: poeiras, Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
gases, vapores e fumaças. O 3º compreende os ultrapassa e de caráter antidemocrático?
fatores que exigem trabalho físico, provocam Como possibilitar que as partes com interes-
fadiga física e mental. Por fim, o 4º compreende ses distintos dialoguem e negociem condições
as condições de trabalho que geram estresse e a de trabalho se a organização do trabalho já é
organização de trabalho”. determinada unilateralmente pelo empregador,
(São et al., 1993: 2) definidor da tecnologia a ser utilizada no pro-
cesso produtivo, das matérias-primas emprega-
Não adotando uma conceituação de cada gru- das, do ritmo e da organização da produção, da
po, estabeleceu-se a discórdia e mesmo a dúvi- distribuição dos resultados da produção?
da: o que se entende por riscos ergonômicos, De fato, numa relação desigual de organiza-
quando se exemplifica com “conflitos” e “tra- ção e poder dentro da empresa, as dificuldades
balho de turno”? O trauma pós-assalto ocasio- dos trabalhadores brasileiros para imple-
nado pela violência do ato ou, a ocorrência mentarem a metodologia do Mapa de Risco,
rotineira de estupros no acesso a um local de com resultados efetivos, são imensas.
trabalho isolado, seriam classificados como? Conclui-se então pela assertiva de que uma
Mecânicos? Biológicos? Ergonômicos? metodologia para investigação e negociação
Os exemplos poderiam suceder-se extensa- das causas da nocividade do trabalho no Brasil
mente e o motivo já foi apontado. Daí a difi- só vai ter sucesso efetivo quando acompanha-
culdade e o direito das pessoas também da das condições objetivas para o exercício
inferirem conclusões apressadas. Ainda mais real da democracia e da cidadania nos ambien-
quando elas não são “técnicas”. tes de trabalho, com livre possibilidade de or-
ganização dos trabalhos, com contratação
coletiva de trabalho, com liberdade e autono-
SOBRE A NEGOCIAÇÃO DO mia sindical, conferindo a ambas as partes as
MAPA E SEUS condições propícias para o diálogo e o enten-
DESDOBRAMENTOS dimento na organização do trabalho e da pro-
dução, fazendo com que o “risco” deixe de ser
Pouca informação se tem sobre como tem um fenômeno pré-determinado socialmente.
ocorrido na prática, no cotidiano, o encami-
nhamento e as discussões entre empregados e
empregadores, sobre os achados do Mapa de

Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (2): 251-258, abr/jun, 1994 257
Mattos, U. A. O. & Freitas, N. B. B.

RESUMO DIESAT (Departamento Intersindical de


Estudos em Saúde e Ambiente de Trabalho),
MATTOS, U. A. O & FREITAS, N. B. B. 1989. Insalubridade, Morte Lenta no Trabalho.
Mapa de Risco no Brasil: As limitações da São Paulo: Oboré.
Aplicabilidade de um Modelo Operário. FREITAS, N. B. B., 1992. Mapa de risco
Cad. Saúde Públ., Rio de Janeiro, 10 (2): 251- ambiental agora é lei federal. Trabalho e
258, abr/jun, 1994. Saúde, 33: 10-11.
________, 1992. Da Saúde Ocupacional à Saúde
O texto tece considerações sobre as limita- do Trabalhador. São Paulo: Diesat.
ções encontradas na aplicação do Mapa de (Mimeo.)
Risco no Brasil, sob o ponto de vista legal e KUCHENBECKER, R., 1992. O modelo
metodológico. Inicialmente, são apresentadas operário italiano 30 anos depois. Saúde em
conceituação, origem e importância desta Debate, 36: 48-50.
metodologia na Reforma Sanitária Italiana. A LAUAR, E. C. D.; CORDEIRO, R. &
seguir, são colocadas as versões quanto a sua PINHEIRO, T. M. M., 1991. O modelo
introdução no Brasil, no início da década de operário italiano 20 anos depois. Saúde em
80, e a sua repercussão nas empresas após ter Debate, 32: 47-48.
se tornado exigência legal para aquelas LAURELL, A. C. & NORIEGA, M., 1989.
empresas que possuam Cipa. Finalmente, é Processo de Produção e Saúde – Trabalho e
feita uma breve discussão quanto à sua Desgaste Operário. São Paulo: Hucitec.
eficácia na prevenção de riscos à saúde pelos LOPES-NETTO, A.; PASCOAL, R. M. &
trabalhadores. CARVALHO, S. A. M., 1993. Mapeamento
Palavras-Chave: Saúde do Trabalhador; Ava- de riscos ambientais – Aplicabilidade e
liação de Riscos; Modelo Operário Italiano. definição de responsabilidades. CIPA,
159:32-37.
MENDES, R., 1980. Medicina do Trabalho e
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________, 1988. Subsídios para um debate em
ABRHÃO, M. J., 1993. Mapeamento de risco torno da revisão do atual modelo de
CIPA, 159: 22-27. organização da Saúde Ocupacional no
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