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16° Encontro Nacional da Associação Nacional de Pesquisadores de Artes Plásticas

Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis

Formas da Apresentação: da exposição à auto-apresentação como arte


Notas introdutórias

Helio Custodio Fervenza

Artista plástico, concluiu doutorado em Artes Plásticas na Université de Paris I,


Panthéon-Sorbonne, em 1995. É professor no Programa de Pós-Graduação em Artes
Visuais do Instituto de Artes da UFRGS e pesquisador do CNPq. Coordena o grupo de
pesquisa Veículos da Arte. É membro da ANPAP.

Resumo: Entre os aspectos que produzem a apresentação de um objeto, ação ou


situação como arte, encontram-se também concepções indicando que esse objeto,
ação ou situação, pode ser arte ou de que aí está ocorrendo arte. A exposição e a
auto-apresentação constituiriam dois aspectos da apresentação no campo da arte
contemporânea e, ao mesmo tempo, indicariam limites da atuação desse campo e das
concepções da arte aí relacionadas.
Palavras-chaves: formas da apresentação; exposição; auto-apresentação; arte.

Title: Forms of Presentation: from exhibition to self-presentation as art – Introductory


notes.
Abstract: Among the aspects that produce the presentation of an object, action or
situation as art, one also finds concepts indicating that this object, action or situation
may be art or that art is occurring in that place. Exhibition and auto-presentation
constitute two aspects of presentation in the field of contemporary art and,
simultaneously, indicate limits in this field for actuation and its related art concepts.
Keywords: forms of presentation; exhibition; self-presentation; art.

Para situarmos mais precisamente a problemática que será desenvolvida


neste texto, é importante analisarmos algumas noções e suas implicações,
sobretudo no que diz respeito ao espaço de apresentação da arte. Nas
situações confrontadas, a maneira como a produção artística é percebida está
relacionada ou é afetada pelo contexto de sua apresentação, pelas diferentes
concepções de arte e pelos discursos aí inscritos. Verificamos que foi mais
precisamente na inter-relação da nossa produção artística com esse espaço
que as atuais questões emergem, bem como do estudo de seus componentes
formadores e as relações aí existentes onde se articula nossa prática artística. i
Numa primeira abordagem no campo das artes plásticas, o espaço que
aparece como o mais imediatamente relacionado à apresentação é o espaço
de exposição. Aquele que se estabelece com maior ênfase nesse sentido,
sendo, portanto, o de maior referência. Este espaço surge da apresentação de
produções artísticas em museus, galerias, bienais, feiras de arte, ou em

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qualquer lugar artístico assim definido. Mas de onde surge e qual a importância
desse espaço de exposição para as produções artísticas? Estas não seriam
imediata e simplesmente visíveis? René Vinçon, autor do livro Artifícios de
exposição, nos introduz ao problema, talvez mais do que à resposta: “O
princípio de base é o seguinte: uma obra não é visível por ela mesma, como se
isso pudesse ocorrer pela força natural das coisas (que, como as coisas que se
fazem sozinhas, possuem um ar de magia), e ela não é, sobretudo,
inteiramente visível no sentido em que nós não saberíamos pretender tudo
(fazer), ver ou perceber em uma obra, qualquer que seja a transparência de
seu modo de apresentação”. ii
É importante esclarecermos também que o espaço de exposição não é
produzido simplesmente em decorrência da presença física de uma obra ou
produção artística no lugar constituído pelo museu ou galeria. Ele se
estabelece no cruzamento de toda uma série de dispositivos que operam sobre
a visualidade. Entraria em ação na percepção dessas produções o que o
filósofo Jean-François Lyotard chama os operadores da visão de arte, iii
elementos que enunciam as condições dessa visualidade. São eles: a
transmissão (a exposição) de uma mensagem (a obra de arte), por um
expedidor (o artista, o curador, o galerista) para um destinatário (o público, o
crítico, o colecionador, o comprador) a propósito de algo (referente), utilizando
um feixe de canais (as formas, as cores, os suportes, os lugares, os
paradigmas culturais...), e finalmente, com um efeito (efeito de arte). iv
Algumas dessas posições são intercambiáveis, de modo que produtores e
receptores podem ocupar as mesmas posições em diferentes momentos sem
que, por vezes, o conjunto seja de fato transformado em suas relações
constituintes. Nesse sentido, o artista pode desempenhar o papel de curador, o
crítico pode agir como um agente de vendas e assim por diante. v
Salientamos que, nos diferentes modos de agir da arte contemporânea, a
apresentação de uma produção, como produção artística, não necessita mais
ficar restrita a sua exposição num lugar físico determinado, como um museu ou
galeria. Uma palestra, por exemplo, pode constituir-se numa apresentação e
agregar valor simbólico ou agir sobre a visualidade. Embora possa não ser
designado explicitamente como um ato artístico, ou não querer sê-lo, uma
palestra ou uma publicação podem produzir um efeito de arte, agir no sentido e

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na concepção de uma produção, ser um desdobramento de fato anterior,


mesmo que o ocorrido não esteja mais visível ou acessível, a não ser, talvez,
por sua documentação. Mas pode ocorrer também fato inverso. Como a
informação é um dos produtos mais valorizados, ocorre muitas vezes a
“antecipação do signo sobre a coisa: antes de ter sido exposta, a obra do
pintor, ou mais precisamente seu signo, já circula nos circuitos da rede”. vi
Conseqüentemente entrariam no olhar sobre certa produção, como produção
de arte, operadores que não se limitam àquilo que é exposto, mas incluem,
sobretudo no caso da exposição, tanto o trabalho de curadoria, de arquitetura
ou montagem, o catálogo de exposição, o convite, o mediador durante a visita,
as etiquetas nas paredes, a publicidade ou o marketing. Inclui também todo e
qualquer tipo de discurso produzido em torno ou sobre a exposição, como
entrevistas, documentários, notas de imprensa, trabalhos de formação ou
projetos educacionais. O espaço de exposição pode ser indicado não apenas
pelas paredes ou pelas molduras e bases físicas das galerias e museus, mas,
sobretudo, pelas molduras culturais, sociais e econômicas.
Na coletânea de textos intitulada A arte da exposição, que reúne reflexões e
documentações sobre trinta exposições consideradas exemplares no século
XX, podemos ler logo na introdução: “Desde que as exposições existem elas
são criticadas. Esse meio de comunicação artística o mais antigo existente é,
sem contestação, aquele que conhece o maior sucesso, e que paradoxalmente
permanece suspeito, ao mesmo tempo, face aos artistas, aos críticos e ao
público”. vii
Ao longo das páginas do livro citado anteriormente, podemos acompanhar a
série de mudanças ocorridas na arte em relação ao uso e ao estatuto desse
espaço, sua incorporação pelas práticas artísticas ou os impasses produzidos
diante delas. O que essas práticas nos mostram é que a exposição e seu
espaço não são “neutros”, nem dizem respeito a aspectos puramente técnicos,
nem são um simples espaço de recepção de objetos “autônomos” por si sós
detentores de valor artístico sem relação com esse espaço. O que essas
práticas nos mostram é que a exposição é um meio, conotado histórica,
ideológica e socialmente. A arte da exposição é a percepção da intensidade de
atuação desse meio na visualidade e na concepção da arte.

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Marcel Duchamp com seus ready-mades realizou, de certa forma, a


demonstração desse funcionamento: “Em 1913, Duchamp apresenta os
primeiros ready-mades, Roda de bicicleta; anos depois, em 1917, Fonte, no
Salão dos Independentes de Nova York. Ele deixou o terreno estético
propriamente dito, o “feito à mão”. Não mais a habilidade, não mais o estilo –
apenas “signos”, ou seja, um sistema de indicadores que delimitam os locais.
Expondo objetos “prontos”, já existentes e em geral utilizados na vida cotidiana,
como a bicicleta ou o mictório batizado de fontaine [fonte], ele faz notar que
apenas o lugar de exposição torna esses objetos obras de arte. É ele que dá o
valor estético de um objeto, por menos estético que seja. É justamente o
continente que concede o peso artístico: galeria, salão, museu. Ou, ainda,
textos, jornais, notas, publicações...”. viii
Nas atuais circunstâncias, tanto os operadores da visão de arte, dos quais
nos fala Lyotard, quanto os sistemas de indicadores ou de signos funcionando
em rede, citados por Cauquelin, adquiriram uma importância excepcional. Mas,
o espaço de exposição não continuaria a ser fundamental, sendo o modelo a
partir do qual surgem e se articulam esses operadores e redes? Assim, não
poderíamos considerar o espaço de exposição como paradigma da
apresentação e da recepção nas artes plásticas? Ao se configurar esse
espaço, não seria produzida também uma concepção da arte? Dito de outro
modo, as concepções da arte não estariam diretamente relacionadas às suas
formas de apresentação? Por outro lado, quando observamos o campo
artístico, bem como os estudos realizados a respeito da exposição, deparamo-
nos com alguns problemas. Um deles é o fato de que tal como ela é praticada
nas últimas décadas, através dos grandes eventos, com uma ênfase nos
dispositivos mediadores, discursivos e publicitários que a produzem, a
exposição colocaria entraves às possibilidades críticas e às inquietações da
arte: convencionalismo, domesticação, informação e inteligibilidade a qualquer
custo, insensibilidade... ix . Sendo a exposição uma forma de apresentação, por
que ela seria a priori identificada como a apresentação de uma produção
artística? Seriam os limites do espaço expositivo, ao mesmo tempo, os limites
da apresentação da arte e de sua concepção?
No que diz respeito ainda ao espaço de exposição, o historiador da arte
Jean-Marc Poinsot estabelece uma diferença significativa entre o “local de

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acolhida da obra, quadro social particular e o espaço que a obra precisa para
existir (este espaço sendo considerado como um componente axiomático da
obra)”. x
Entre os trabalhos analisados por Poinsot, encontra-se o do artista Daniel
Buren. A preocupação com o lugar onde ocorre a apresentação do trabalho
artístico é central em sua produção realizada a partir de 1965. Um termo criado
por ele para definir seu trabalho é o de “In Situ”, o qual designa uma inter-
relação necessária, obrigatória e ativa entre esse trabalho e o lugar no qual se
encontra. xi
Termos como os de “Instalação”, “Site-specific” ou “In Situ” definem
produções artísticas que se constituem em relação ao espaço expositivo,
possibilitando problematizar o seu quadro institucional, cultural ou social. A
dimensão crítica de práticas como a do “In Situ”, ou de artistas como Marcel
Broodthaers, residiria na capacidade de interrogar o espaço de exposição de
museus, galerias e outros lugares artísticos, revelando sua constituição e seu
contexto como determinantes nas condições de existência de certo tipo de
visualidade.
Seria importante neste momento precisarmos também o significado de
apresentação. Apresentar relaciona-se com expor no sentido de “pôr diante, à
vista, ou na presença de; oferecer ou expor à vista; mostrar; expor...”. xii
René Passeron também nos diz que: “A apresentação é ao mesmo tempo:
um fenômeno, que tem lugar hic et nunc, uma mira (aquela do fenômeno
mesmo, que desejamos instaurar sobre o horizonte de intenções mais
longínquas) e uma conduta, comportando um saber fazer (savoir-faire), sua
arte própria”. xiii Mas qual seria o atributo específico da apresentação em arte?
Passeron nos responde: “A arte é então esta parte do apresentar que
apresenta o apresentar”. xiv
Entretanto, sabemos também que a apresentação não se restringe ao
espaço de exposição: “É necessário esclarecer a esse respeito que se toda
exposição implica uma apresentação (como ação artificial), toda apresentação
não é uma ‘exposição’ no sentido moderno do termo”. xv Assim, exposição e
apresentação possuem diferenças em seus atributos e abrangências
semânticas. A apresentação sendo uma noção mais ampla que a exposição,
podendo dessa forma englobá-la. O que por outro lado, dependendo dos

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trabalhos e das circunstâncias, permite que possa ocorrer uma separação entre
as duas noções: uma apresentação em arte pode não ser constituída pela
exposição.
Para nós, o espaço de apresentação é aquele que surge no entrecruzamento
dos movimentos orientados a partir dos gestos e dos fenômenos de indicar e
fazer ver. Ele se instaura no entrecruzamento das diferentes operações, gestos
e sistemas de indicação. Sua referência imediata é o campo artístico, mas sua
manifestação abarca todas as situações e atividades em que ele medeia, uma
relação na qual é enfatizada a possibilidade de certo olhar, no sentido amplo do
termo. A apresentação é uma indicação que produz como uma ênfase, um
relevo no olhar.
Mas a espacialidade, assim criada, não seria uma espacialidade difusa, mais
dificilmente localizável, mais disseminada? Certos aspectos sociais e culturais
agiriam também como operadores sobre o espaço de apresentação? Seriam
produzidas concepções da arte nessas operações? E, no caso afirmativo, que
tipos ou formas de arte? No caso do espaço de exposição os operadores aí
atuantes parecem ser mais facilmente detectáveis. Mas, o que ocorre com a
apresentação de uma produção fora dos circuitos da arte? Em que
circunstâncias isso pode ser considerado ou passa a se tornar arte?
Essas perguntas surgem também impulsionadas por produções e atividades
artísticas onde podemos identificar a utilização de outras formas de
apresentação que não a de situações expositivas. Penso especificamente aqui
nos Events (Eventos), de George Brecht, xvi mas também em muitos outros
artistas e produções relacionados ao Fluxus. Penso em Lygia Clark e em sua
proposta de execução do “Caminhando”, ou em Allan Kaprow em suas
atividades e suas idéias sobre uma arte que se parece com a vida. Penso
também em propostas como “Intervenções urbanas / exercícios para a cidade”
de Paulo Bruscky.
Essas produções e atividades extravasam constantemente as práticas
artísticas tradicionais ou o espaço de uma concepção circunscrita da arte. Elas
se diferenciam de outras no sentido em que não visam necessariamente a uma
apresentação no sentido de exposição (observador externo) e, por outro lado,
enfatizavam os processos de realização, relação e envolvimento como criação
e vivência artística, mais do que a produção de objetos para exposição (para o

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olhar do público, do observador). Outro dado importante, presente nessas


produções, é o uso de conhecimentos, situações ou materiais não pertencentes
em princípio ao campo da arte, às suas práticas ou às suas tradições, o que
traz questões sobre a natureza da arte e seus limites. Elas podem ocorrer
totalmente fora das “molduras” ou dos “quadros sociais” estabelecidos pelos
circuitos artísticos. Elas são propositivas no sentido em que não há um objeto
artístico pronto para ser apreciado, mas antes um processo. A frase de
Duchamp “aqueles que olham são os que fazem os quadros” xvii parece estar de
alguma maneira ainda relacionada a uma separação entre produtor e
observador. Em outras palavras, existe alguém que produz um objeto e alguém
que produz um certo olhar sobre esse objeto apresentado. Ela supõe, num
certo sentido, uma noção de público como no teatro ou no cinema. Nas
propostas e nas ações citadas anteriormente pode não haver ninguém
assistindo (elas podem ser realizadas individualmente ou a sós, por exemplo).
Dessa forma, ocorre aqui o que chamo de auto-apresentação. xviii Aquele que
toma parte nesse processo inclui-se como alguém que produz uma experiência
de fazer e abre uma experiência de sentir e pensar, ou pensar, sentir, fazer,
olhar: os termos encontrando-se inter-relacionados e não necessariamente
numa ordem estabelecida. Na auto-apresentação haveria uma inter-relação
entre sentir e fazer e a compreensão disso como ato artístico. A possibilidade
do olhar / sentir seria inseparável do fazer o objeto desse olhar, ou do fazer a
experiência do fazer para esse olhar.
Ainda em relação a Marcel Duchamp, seria possível detectar certas
diferenças em suas declarações e escritos sobre o processo de criação, sobre
o olhar e sobre o ato de expor (apresentação), que nos leva a pensar noutras
possibilidades de abordagem da noção de auto-apresentação. Assim, em
relação a esses três aspectos, é bem conhecida a frase de Duchamp de que
“aqueles que olham são os que fazem os quadros”. xix Essa frase, assim como o
texto “O processo criativo” xx no qual ela se insere, contém aspectos bastante
enfatizados, e que são seguidamente citados, reproduzidos e traduzidos em
livros ou coletâneas. Mas o que parece ter passado despercebido em relação
aos mesmos aspectos relacionados é um trecho de uma de suas entrevistas
com Pierre Cabanne publicadas no livro “Engenheiro do tempo perdido”. xxi

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Nesse trecho, Duchamp nos fala de seu interesse para com o jogo de xadrez,
prática a qual ele esteve ligado durante quase toda sua vida:
Pierre Cabanne — Constatei uma coisa: primeiro, o que não é novo, sua paixão pelo xadrez...
Marcel Duchamp — Não é muito séria, mas existe.
P.C. — Também notei que esta paixão era especialmente grande quando você não estava
pintando.
M.D. — É verdade.
P.C. — Então, imaginei se, durante esses períodos, os gestos dirigindo os movimentos dos
peões no espaço não suscitariam criações — sim, eu sei que você não gosta desta palavra —
imaginárias que, a seus olhos, tinham tanto valor quanto as criações reais de seus quadros e,
ainda , estabeleciam uma nova função plástica no espaço.
M.D. — De certa maneira, sim. Uma partida de xadrez é uma coisa visual e plástica, e se não é
geométrica no sentido estático da palavra, é mecânica, desde que se move; é um desenho, é
uma realidade mecânica. As peças não são belas por elas mesmas, assim como a forma do
fogo, mas o que é belo — se a palavra “belo” pode ser usada — é o movimento. Então, é uma
mecânica, no sentido, por exemplo, de um Calder. No xadrez, existem, sem dúvida, coisas
extremamente belas no domínio do movimento, mas não no domínio visual. Imaginar o
movimento ou o gesto é que faz a beleza neste caso. Está completamente dentro da massa
cinzenta.
P.C. — Em suma, há no xadrez um jogo de formas gratuito que se opõe ao jogo de formas
funcional da pintura.
M.D. — Sim, totalmente. Apesar do jogo não ser gratuito; existe escolha...
P.C. — Mas sem nenhum propósito.
M.D. — Não. Nenhum propósito social. Isso é o mais importante.
P.C. — O xadrez é a obra de arte ideal?
M.D. — Poderia ser. Acrescente-se que o meio dos jogadores de xadrez é mais simpático que
o dos artistas. Estes são completamente confusos, completamente cegos, usam viseira-de-
burro. São loucos de certa natureza, como se espera que eles sejam; mas não o são, em geral.
Isto foi provavelmente o que mais me interessou. Eu estive muito ligado ao xadrez por quarenta
ou quarenta e cinco anos, depois meu entusiasmo diminuiu.
No trecho da entrevista que acabamos de ler as perguntas e respostas giram
em torno do xadrez e da importância significativa que ele teria para Duchamp.
Lemos sobre beleza, movimento, criações imaginárias, olhar e arte. Mas
curiosamente, o xadrez não é uma pintura, não é um quadro, o ato de jogá-lo
não é considerado, em princípio, uma atividade artística. Sua prática não se
inscreve na tradição das artes plásticas, muito menos dentro do campo da arte
e ele não é exposto dentro de espaços considerados artísticos. Quer dizer, pela
maneira como Duchamp discorre sobre esse jogo, seu valor “estético” não viria

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necessariamente de sua inscrição dentro do espaço de exposição. O xadrez


então não possui publicamente ou institucionalmente essa conotação artística
no momento em que Duchamp e Cabanne conversam. Um deslocamento
ocorre aqui, e nem o jogo, nem muito menos o contexto e os participantes
(como enfatizado por Duchamp) pertencem ao campo da arte.
Diante do jogo, Duchamp encontra qualidades plásticas e beleza ao imaginar
o movimento das jogadas. Mas o jogo, em principio, é produzido sem intenções
artísticas, compreendidas tanto no sentido de que ele se oporia “ao jogo de
formas funcional da pintura” quanto no sentido de alguém que produz uma
pintura, a qual visa o olhar do público. Duchamp, sentado diante do tabuleiro no
ato de movimentar as peças, possivelmente tem uma percepção que se faz no
seu envolvimento com o jogo, o qual ele também produz. A um certo momento
ele pode pensar que aquilo poderia ser arte, talvez mesmo “a obra de arte
ideal”. Mas nem o contexto nem talvez o outro jogador, ou alguém que observa,
consideraria ou necessitaria ter esse olhar, nem o jogo é proposto de antemão
aos participantes como arte, quer dizer, enquanto produção de um gesto
artístico. O fato de produzir um jogo e, simultaneamente, oferecer um olhar e
uma posição diante desse momento seriam compartilháveis com um
observador que por sua vez iria “refinar” esse “produto”? Tarefa talvez
impossível, pois, como Duchamp mesmo afirma, isto estaria “completamente
dentro da massa cinzenta”. Parece-me, então, que aqui estamos diante de uma
outra situação artística, diferente daquela descrita no texto “O processo
criativo” como sendo a de uma relação entre dois pólos, onde se encontra de
um lado o artista e de outro o espectador.
Finalmente, nos exemplos apresentados, pudemos então distinguir diferentes
posições dentro do campo artístico e que vão desde produções artísticas que
problematizam o espaço expositivo até outras, onde as proposições artísticas
ocorrem fora desse espaço. Mas haveria ainda outras formas de
apresentação? Seria possível desenvolver proposições críticas no intervalo
entre essas duas posições: exposição e auto-apresentação?

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i
Ver por exemplo os trabalhos e proposições: http://www.heliofervenza.net/arquivo/pontuacoes/castelinho/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/aduvida/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/deserto/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/pontuacoes/artransmedia/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/furtivo/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/transposicoes/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/objetos_mentais/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/pontuacoes/cinco_sete/
ii
René Vinçon. Artifices d’exposition. Paris: Éditions L’Harmattan, 1999. p.31.
iii
Jean-François Lyotard. Que Peindre? - Adami, Arakawa, Buren. Paris: Editions de la Différence, Coll.
La Vue, Le Texte, v.1, 1987, p.91.
iv
Jean-François Lyotard. Que Peindre? - Adami, Arakawa, Buren. p.91, 96.
v
Cf. Anne Cauquelin. Arte contemporânea : uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.72.
vi
Anne Cauquelin. Arte contemporânea : uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.68.
vii
Katharina Hegewisch. Un médium à la recherche de sa forme: Les expositions et leurs déterminations.
L’Art de l’exposition – Une documentation sur trente expositions exemplaires du XXe siècle. Paris:
Éditions du Regard, 1998. p.15.
viii
Anne Cauquelin. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.93-94.
ix
Ver por exemplo: L’Art de l’exposition – Une documentation sur trente expositions exemplaires du XXe
siècle. Paris: Éditions du Regard, 1998. p.29.
x
Jean-Marc Poinsot. In Situ, lieux et espaces de la sculpture contemporaine. Qu'est-ce que la sculpture
moderne?, Paris, M.N.A.M.- Centre Georges Pompidou, 1986. p.323.
xi
Ver Jean-Marc Poinsot. In Situ, lieux et espaces de la sculpture contemporaine. Qu'est-ce que la
sculpture moderne?, Paris, M.N.A.M.- Centre Georges Pompidou, 1986. p.327.
xii
Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1996. p.148.
xiii
René Passeron. Création, Présentation, Présence. La Présentation. Paris: Editions du CNRS, 1985.
p.14.
xiv
René Passeron. Création, Présentation, Présence. La Présentation. Paris: Editions du CNRS, 1985.
p.30.
xv
René Vinçon. Artifices d’exposition. Paris; Éditions L’Harmattan, 1999. p.23.
xvi
Ver a esse respeito: Allan Kaprow. La performance non théâtrale. L’art et la vie confondus. Paris:
Centre Georges Pompidou, Coleção Supplémentaires, p.206.
xvii
Marcel Duchamp. Duchamp du signe. Paris: Flammarion, 1991. p.247.
xviii
Ver Helio Fervenza. Considerações da arte que não se parece com arte. Cultura visual e desafios da
pesquisa em artes. Alice Fátima Martins, Luis Edegar Costa, Rosana Horio Monteiro (Organizadores).
Goiânia : ANPAP, 2005, v.2, p.79. Este texto foi escrito inicialmente para a palestra proferida pelo autor
durante o Colóquio Internacional de Estética – Estética na sociedade contemporânea, realizado em Porto
Alegre de 01 a 03 de setembro de 2004 pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e
pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFRGS.
xix
Marcel Duchamp. Duchamp du signe. Paris: Flammarion, 1991. p.247.
xx
Marcel Duchamp. Duchamp du signe. Paris: Flammarion, 1991. p.187.
xxi
Pierre Cabanne. Marcel Duchamp: engenheiro do tempo perdido. São Paulo: Perspectiva, 1997. p.27-
28.

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