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Dinâmicas Epistemológicas em Artes Visuais – 24 a 28 de setembro de 2007 – Florianópolis
qualquer lugar artístico assim definido. Mas de onde surge e qual a importância
desse espaço de exposição para as produções artísticas? Estas não seriam
imediata e simplesmente visíveis? René Vinçon, autor do livro Artifícios de
exposição, nos introduz ao problema, talvez mais do que à resposta: “O
princípio de base é o seguinte: uma obra não é visível por ela mesma, como se
isso pudesse ocorrer pela força natural das coisas (que, como as coisas que se
fazem sozinhas, possuem um ar de magia), e ela não é, sobretudo,
inteiramente visível no sentido em que nós não saberíamos pretender tudo
(fazer), ver ou perceber em uma obra, qualquer que seja a transparência de
seu modo de apresentação”. ii
É importante esclarecermos também que o espaço de exposição não é
produzido simplesmente em decorrência da presença física de uma obra ou
produção artística no lugar constituído pelo museu ou galeria. Ele se
estabelece no cruzamento de toda uma série de dispositivos que operam sobre
a visualidade. Entraria em ação na percepção dessas produções o que o
filósofo Jean-François Lyotard chama os operadores da visão de arte, iii
elementos que enunciam as condições dessa visualidade. São eles: a
transmissão (a exposição) de uma mensagem (a obra de arte), por um
expedidor (o artista, o curador, o galerista) para um destinatário (o público, o
crítico, o colecionador, o comprador) a propósito de algo (referente), utilizando
um feixe de canais (as formas, as cores, os suportes, os lugares, os
paradigmas culturais...), e finalmente, com um efeito (efeito de arte). iv
Algumas dessas posições são intercambiáveis, de modo que produtores e
receptores podem ocupar as mesmas posições em diferentes momentos sem
que, por vezes, o conjunto seja de fato transformado em suas relações
constituintes. Nesse sentido, o artista pode desempenhar o papel de curador, o
crítico pode agir como um agente de vendas e assim por diante. v
Salientamos que, nos diferentes modos de agir da arte contemporânea, a
apresentação de uma produção, como produção artística, não necessita mais
ficar restrita a sua exposição num lugar físico determinado, como um museu ou
galeria. Uma palestra, por exemplo, pode constituir-se numa apresentação e
agregar valor simbólico ou agir sobre a visualidade. Embora possa não ser
designado explicitamente como um ato artístico, ou não querer sê-lo, uma
palestra ou uma publicação podem produzir um efeito de arte, agir no sentido e
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acolhida da obra, quadro social particular e o espaço que a obra precisa para
existir (este espaço sendo considerado como um componente axiomático da
obra)”. x
Entre os trabalhos analisados por Poinsot, encontra-se o do artista Daniel
Buren. A preocupação com o lugar onde ocorre a apresentação do trabalho
artístico é central em sua produção realizada a partir de 1965. Um termo criado
por ele para definir seu trabalho é o de “In Situ”, o qual designa uma inter-
relação necessária, obrigatória e ativa entre esse trabalho e o lugar no qual se
encontra. xi
Termos como os de “Instalação”, “Site-specific” ou “In Situ” definem
produções artísticas que se constituem em relação ao espaço expositivo,
possibilitando problematizar o seu quadro institucional, cultural ou social. A
dimensão crítica de práticas como a do “In Situ”, ou de artistas como Marcel
Broodthaers, residiria na capacidade de interrogar o espaço de exposição de
museus, galerias e outros lugares artísticos, revelando sua constituição e seu
contexto como determinantes nas condições de existência de certo tipo de
visualidade.
Seria importante neste momento precisarmos também o significado de
apresentação. Apresentar relaciona-se com expor no sentido de “pôr diante, à
vista, ou na presença de; oferecer ou expor à vista; mostrar; expor...”. xii
René Passeron também nos diz que: “A apresentação é ao mesmo tempo:
um fenômeno, que tem lugar hic et nunc, uma mira (aquela do fenômeno
mesmo, que desejamos instaurar sobre o horizonte de intenções mais
longínquas) e uma conduta, comportando um saber fazer (savoir-faire), sua
arte própria”. xiii Mas qual seria o atributo específico da apresentação em arte?
Passeron nos responde: “A arte é então esta parte do apresentar que
apresenta o apresentar”. xiv
Entretanto, sabemos também que a apresentação não se restringe ao
espaço de exposição: “É necessário esclarecer a esse respeito que se toda
exposição implica uma apresentação (como ação artificial), toda apresentação
não é uma ‘exposição’ no sentido moderno do termo”. xv Assim, exposição e
apresentação possuem diferenças em seus atributos e abrangências
semânticas. A apresentação sendo uma noção mais ampla que a exposição,
podendo dessa forma englobá-la. O que por outro lado, dependendo dos
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trabalhos e das circunstâncias, permite que possa ocorrer uma separação entre
as duas noções: uma apresentação em arte pode não ser constituída pela
exposição.
Para nós, o espaço de apresentação é aquele que surge no entrecruzamento
dos movimentos orientados a partir dos gestos e dos fenômenos de indicar e
fazer ver. Ele se instaura no entrecruzamento das diferentes operações, gestos
e sistemas de indicação. Sua referência imediata é o campo artístico, mas sua
manifestação abarca todas as situações e atividades em que ele medeia, uma
relação na qual é enfatizada a possibilidade de certo olhar, no sentido amplo do
termo. A apresentação é uma indicação que produz como uma ênfase, um
relevo no olhar.
Mas a espacialidade, assim criada, não seria uma espacialidade difusa, mais
dificilmente localizável, mais disseminada? Certos aspectos sociais e culturais
agiriam também como operadores sobre o espaço de apresentação? Seriam
produzidas concepções da arte nessas operações? E, no caso afirmativo, que
tipos ou formas de arte? No caso do espaço de exposição os operadores aí
atuantes parecem ser mais facilmente detectáveis. Mas, o que ocorre com a
apresentação de uma produção fora dos circuitos da arte? Em que
circunstâncias isso pode ser considerado ou passa a se tornar arte?
Essas perguntas surgem também impulsionadas por produções e atividades
artísticas onde podemos identificar a utilização de outras formas de
apresentação que não a de situações expositivas. Penso especificamente aqui
nos Events (Eventos), de George Brecht, xvi mas também em muitos outros
artistas e produções relacionados ao Fluxus. Penso em Lygia Clark e em sua
proposta de execução do “Caminhando”, ou em Allan Kaprow em suas
atividades e suas idéias sobre uma arte que se parece com a vida. Penso
também em propostas como “Intervenções urbanas / exercícios para a cidade”
de Paulo Bruscky.
Essas produções e atividades extravasam constantemente as práticas
artísticas tradicionais ou o espaço de uma concepção circunscrita da arte. Elas
se diferenciam de outras no sentido em que não visam necessariamente a uma
apresentação no sentido de exposição (observador externo) e, por outro lado,
enfatizavam os processos de realização, relação e envolvimento como criação
e vivência artística, mais do que a produção de objetos para exposição (para o
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Nesse trecho, Duchamp nos fala de seu interesse para com o jogo de xadrez,
prática a qual ele esteve ligado durante quase toda sua vida:
Pierre Cabanne — Constatei uma coisa: primeiro, o que não é novo, sua paixão pelo xadrez...
Marcel Duchamp — Não é muito séria, mas existe.
P.C. — Também notei que esta paixão era especialmente grande quando você não estava
pintando.
M.D. — É verdade.
P.C. — Então, imaginei se, durante esses períodos, os gestos dirigindo os movimentos dos
peões no espaço não suscitariam criações — sim, eu sei que você não gosta desta palavra —
imaginárias que, a seus olhos, tinham tanto valor quanto as criações reais de seus quadros e,
ainda , estabeleciam uma nova função plástica no espaço.
M.D. — De certa maneira, sim. Uma partida de xadrez é uma coisa visual e plástica, e se não é
geométrica no sentido estático da palavra, é mecânica, desde que se move; é um desenho, é
uma realidade mecânica. As peças não são belas por elas mesmas, assim como a forma do
fogo, mas o que é belo — se a palavra “belo” pode ser usada — é o movimento. Então, é uma
mecânica, no sentido, por exemplo, de um Calder. No xadrez, existem, sem dúvida, coisas
extremamente belas no domínio do movimento, mas não no domínio visual. Imaginar o
movimento ou o gesto é que faz a beleza neste caso. Está completamente dentro da massa
cinzenta.
P.C. — Em suma, há no xadrez um jogo de formas gratuito que se opõe ao jogo de formas
funcional da pintura.
M.D. — Sim, totalmente. Apesar do jogo não ser gratuito; existe escolha...
P.C. — Mas sem nenhum propósito.
M.D. — Não. Nenhum propósito social. Isso é o mais importante.
P.C. — O xadrez é a obra de arte ideal?
M.D. — Poderia ser. Acrescente-se que o meio dos jogadores de xadrez é mais simpático que
o dos artistas. Estes são completamente confusos, completamente cegos, usam viseira-de-
burro. São loucos de certa natureza, como se espera que eles sejam; mas não o são, em geral.
Isto foi provavelmente o que mais me interessou. Eu estive muito ligado ao xadrez por quarenta
ou quarenta e cinco anos, depois meu entusiasmo diminuiu.
No trecho da entrevista que acabamos de ler as perguntas e respostas giram
em torno do xadrez e da importância significativa que ele teria para Duchamp.
Lemos sobre beleza, movimento, criações imaginárias, olhar e arte. Mas
curiosamente, o xadrez não é uma pintura, não é um quadro, o ato de jogá-lo
não é considerado, em princípio, uma atividade artística. Sua prática não se
inscreve na tradição das artes plásticas, muito menos dentro do campo da arte
e ele não é exposto dentro de espaços considerados artísticos. Quer dizer, pela
maneira como Duchamp discorre sobre esse jogo, seu valor “estético” não viria
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i
Ver por exemplo os trabalhos e proposições: http://www.heliofervenza.net/arquivo/pontuacoes/castelinho/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/aduvida/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/deserto/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/pontuacoes/artransmedia/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/furtivo/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/transposicoes/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/proposicoes/objetos_mentais/
http://www.heliofervenza.net/arquivo/pontuacoes/cinco_sete/
ii
René Vinçon. Artifices d’exposition. Paris: Éditions L’Harmattan, 1999. p.31.
iii
Jean-François Lyotard. Que Peindre? - Adami, Arakawa, Buren. Paris: Editions de la Différence, Coll.
La Vue, Le Texte, v.1, 1987, p.91.
iv
Jean-François Lyotard. Que Peindre? - Adami, Arakawa, Buren. p.91, 96.
v
Cf. Anne Cauquelin. Arte contemporânea : uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.72.
vi
Anne Cauquelin. Arte contemporânea : uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.68.
vii
Katharina Hegewisch. Un médium à la recherche de sa forme: Les expositions et leurs déterminations.
L’Art de l’exposition – Une documentation sur trente expositions exemplaires du XXe siècle. Paris:
Éditions du Regard, 1998. p.15.
viii
Anne Cauquelin. Arte contemporânea: uma introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p.93-94.
ix
Ver por exemplo: L’Art de l’exposition – Une documentation sur trente expositions exemplaires du XXe
siècle. Paris: Éditions du Regard, 1998. p.29.
x
Jean-Marc Poinsot. In Situ, lieux et espaces de la sculpture contemporaine. Qu'est-ce que la sculpture
moderne?, Paris, M.N.A.M.- Centre Georges Pompidou, 1986. p.323.
xi
Ver Jean-Marc Poinsot. In Situ, lieux et espaces de la sculpture contemporaine. Qu'est-ce que la
sculpture moderne?, Paris, M.N.A.M.- Centre Georges Pompidou, 1986. p.327.
xii
Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2.ed. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1996. p.148.
xiii
René Passeron. Création, Présentation, Présence. La Présentation. Paris: Editions du CNRS, 1985.
p.14.
xiv
René Passeron. Création, Présentation, Présence. La Présentation. Paris: Editions du CNRS, 1985.
p.30.
xv
René Vinçon. Artifices d’exposition. Paris; Éditions L’Harmattan, 1999. p.23.
xvi
Ver a esse respeito: Allan Kaprow. La performance non théâtrale. L’art et la vie confondus. Paris:
Centre Georges Pompidou, Coleção Supplémentaires, p.206.
xvii
Marcel Duchamp. Duchamp du signe. Paris: Flammarion, 1991. p.247.
xviii
Ver Helio Fervenza. Considerações da arte que não se parece com arte. Cultura visual e desafios da
pesquisa em artes. Alice Fátima Martins, Luis Edegar Costa, Rosana Horio Monteiro (Organizadores).
Goiânia : ANPAP, 2005, v.2, p.79. Este texto foi escrito inicialmente para a palestra proferida pelo autor
durante o Colóquio Internacional de Estética – Estética na sociedade contemporânea, realizado em Porto
Alegre de 01 a 03 de setembro de 2004 pela Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) e
pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFRGS.
xix
Marcel Duchamp. Duchamp du signe. Paris: Flammarion, 1991. p.247.
xx
Marcel Duchamp. Duchamp du signe. Paris: Flammarion, 1991. p.187.
xxi
Pierre Cabanne. Marcel Duchamp: engenheiro do tempo perdido. São Paulo: Perspectiva, 1997. p.27-
28.
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