Sie sind auf Seite 1von 2

bre as questões” ou “debateu sobre as alternativas” em vez

de “os milhares de pessoas”, “estudou as questões” e “deba-


teu as alternativas”. A palavra “sobre” virou uma mania dos
locutores de televisão, que a usam como regência de todos
os verbos e em todas as ocasiões imagináveis. Sei muito
bem que a língua muda com o passar do tempo e que por is-
Disciplina: “Língua Portuguesa” so mesmo o português de hoje não é igual ao de Camões e
Turma: Extensivo Anglo Medicina. Período: 1º semestre nem mesmo ao de Machado de Assis, bem mais próximo de
Responsável: Prof. Adriano Tarra Betassa Tovani Cardeal nós. Uma coisa, porém, é usar certas palavras com significa-
dos diferentes, construir frases de outro modo ou mudar a
Da fala ao grunhido regência de certos verbos. Coisa muito distinta é falar contra
a lógica natural do idioma ou, simplesmente, cometer erros
Ferreira Gullar gramaticais primários. Mas a impressão que tenho é de que
estou malhando em ferro frio. De que adianta escrever essas
Desconfio de que, depois de desfrutar, durante quase coisas que escrevo aqui se a televisão continuará a difundir
toda a vida, da fama de rebelde, estou sendo tido, por certa a fala errada cem vezes por hora para milhões de telespecta-
gente, como conservador e reacionário. Não ligo para isso e dores? Pode o leitor alegar que a época é outra, mais dinâmi-
até me divirto, lembrando a célebre frase de Millôr Fernan- ca, e que a globalização tende a misturar as línguas como
des, segundo o qual “todo mundo começa Rimbaud e acaba nunca ocorreu antes. Isso de falar correto é coisa velha, e o
Olegário Mariano”. Divirto-me porque sei que essa coisa é que importa é que as pessoas se entendam, ainda que apenas
mais complicada do que parece e, fiel ao que sempre fui, grunhindo.
não aceito nada sem antes pesar e examinar. Hoje é comum
ser a favor de tudo o que, ontem, era contestado. Por exem- (Folha de S. Paulo, “Ilustrada”, 25.03.2012)
plo, quando ser “de esquerda” dava cadeia, só alguns poucos
assumiam essa posição; já agora, quando dá até emprego, Verdade e preconceito
todo mundo se diz “de esquerda”. De minha parte, pouco se
me dá se o que afirmo merece essa ou aquela qualificação, Ferreira Gullar
pois o que me importa é se é correto e verdadeiro. Posso es-
tar errado ou certo, claro, mas não por conveniência. Está, Tenho comentado aqui o fato de que, para alguns lin-
portanto, implícito que não me considero dono da verdade, guistas, nunca há erro no uso do idioma: tanto faz dizer
que nem sempre tenho razão, porque há questões complexas “problema” como “pobrema”, que está certo. Confesso que,
demais para meu entendimento. Por isso, às vezes, se não na minha modesta condição de escritor e jornalista, surpre-
concordo, fico em dúvida, a me perguntar se estou certo ou endo-me, eu que, ao suspeitar de que poderia me tornar poe-
não. Cito um exemplo. Outro dia, ouvi um professor de Por- ta, passei dois anos só lendo gramáticas. E sabem por quê?
tuguês afirmar que, em matéria de idioma, não existe certo Porque acreditava que escritor não pode escrever errado. E
nem errado, ou seja, tudo está certo: tanto faz dizer “nós va- agora descubro que ninguém escreve errado nunca, pois to-
mos” como “nós vai”. Ouço isso e penso: que sujeito baca- do modo de escrever e falar é correto! Perdi meu tempo?
na, tão modesto que é capaz de sugerir que seu saber de nada Mas alguma coisa em mim se nega a concordar com os lin-
vale. Mas logo me indago: será que ele pensa isso mesmo guistas: se em todo campo do conhecimento e da ação hu-
ou está posando de bacana, de avançadinho? E se faço essa mana se cometem erros, por que só no uso da língua não? É
pergunta é porque me parece incongruente alguém, cuja difícil de engolir. Essa questão veio de novo à baila com a
profissão é ensinar o idioma, afirmar que não há erros. Se notícia de um livro, adotado pelo Ministério da Educação e
está certo dizer “dois mais dois é quatro”, então a regra gra- distribuído às escolas, em que a autora ensina que dizer “os
matical, que determina a concordância do verbo com o su- livro” está correto. Estabeleceu-se uma discussão pública do
jeito, não vale. E, se não vale essa nem nenhuma outra – u- assunto, ficando claro que, fora os linguistas, ninguém acei-
ma vez que tudo está certo –, não há por que ensinar a lín- ta que falar errado esteja certo. Mas não é tão simples assim.
gua. A conclusão inevitável é de que o professor deveria Falar não é o mesmo que escrever e, por isso, falando, muita
mudar de profissão, porque, se acredita que as regras não vez cometemos erros que, ao escrever, não cometemos. E,
valem, não há o que ensinar. Mas esse vale-tudo é só no às vezes, usamos expressões deliberadamente “erradas”, ou
campo do idioma, não se adota nos demais campos do co- para fazer graça, ou por ironia. Mas, em tudo isso, está im-
nhecimento. Não vejo um professor de medicina afirmando plícito que há um modo correto de dizer as coisas, pois a lín-
que a tuberculose não é doença, mas um modo diferente de gua tem normas. O leitor já deve ter ouvido falar de “entro-
saúde, e que o melhor para o pulmão é fumar charutos. É pia”, uma lei da Física que constata a tendência de sistemas
verdade que ninguém morre por falar errado, mas, certa- físicos para a desordem. Essa tendência parece presente em
mente, dizendo “nós vai” e desconhecendo as normas da lín- todos os sistemas, inclusive nos idiomas, que são também
gua, nunca entrará para a universidade, como entrou o nosso sistemas. Devemos observar que as línguas, como organis-
professor. Devo concluir que gente pobre tem mesmo que mos vivos que são, mudam, transformam-se, como se pode
falar errado, não estudar, não conhecer ciência e literatura? verificar comparando textos escritos em épocas diferentes.
Ou isso é uma espécie de democratismo que confunde Há, ainda, as variações do falar regional, que guarda inevitá-
opini-ão crítica com preconceito? As minorias, que eram veis peculiaridades que constituem riqueza do idioma. Mas
injusta-mente discriminadas no passado, agora estão acima isso não é a mesma coisa que entropia. Já violar as normas
do bem e do mal. Discordar disso é preconceituoso e gramaticais é, sim, caminhar para a desordem. Se isso é na-
reacionário. E, assim como para essa gente avançada não tural e inevitável, é também natural o esforço para manter a
existe certo nem errado, não posso estranhar que a locutora ordem linguística, que não foi inventada pelos gramáticos,
da televisão diga “as milhares de pessoas” ou “estudou so- mas formulada e sistematizada por eles: nasceu naturalmen-

1
te, porque, sem ela, seria impossível as pessoas se entende-
rem. Nesta minha condição de “especialista em ideias ge-
rais” (Otto Lara Resende), verifico que, atualmente, não só
na Linguística, tende-se a admitir que tudo está certo. Se al-
guém discorda dessa generosa abertura, passa a ser tido co-
mo superado e preconceituoso. Agora mesmo, durante a dis-
cussão em torno do livro, os defensores da tese linguística
afirmaram que quem dela discordava era por preconceito.
Um dos secretários do ministro da Educação decla-rou que
aquele ministério não se julgava “dono da verdade” e que,
por isso mesmo, não poderia impedir que o livro fosse com-
prado e distribuído às escolas. Uma declaração surpreen-
dente, já que ninguém estava pedindo ao ministro que afir-
masse ou negasse a existência de Deus, mas, tão somente,
decidisse sobre uma questão pertinente à sua função minis-
terial. Não é ele o ministro da Educação? Não é ele respon-
sável pelo rumo que se imprima à educação pública no país?
Se isso não é de sua competência, é de quem? De fato, o que
estava por trás daquela afirmação do secretário não era bem
isso, e sim que a crítica ao livro em discussão não tinha ne-
nhum fundamento: era mero preconceito. Ou seja, simples
pretensão de quem se julga dono da verdade que, qual se sa-
be, não existe. Tal relativismo, bastante conveniente quando
se quer fugir à responsabilidade, tornou-se a maneira mais
fácil de escapar à discussão dos problemas. Certamente, não
se trata de afirmar que as normas e princípios que regem o
idioma ou a vida social estejam acima de qualquer crítica,
mas, pelo contrário, devem ser questionados e discutidos.
Considerar que todo e qualquer reparo a este ou aquele prin-
cípio é mero preconceito, isso sim, é pretender que há verda-
des intocáveis. Não li o livro, não quero julgá-lo a priori.
Creio, porém, que quem fala errado vai à escola para apren-
der a falar certo, mas, se para o professor o errado está certo,
não há o que aprender.

(Folha de S. Paulo, “Ilustrada”, 29.05.2011)

Das könnte Ihnen auch gefallen