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Informativo 894-STF
Márcio André Lopes Cavalcante

Julgado não comentado por não ter tido o seu mérito apreciado: HC 136720/PB.

ÍNDICE
DIREITO CONSTITUCIONAL
MEDIDA PROVISÓRIA
 O § 11 do art. 62 da CF/88 deve ser interpretado com cautela, não se podendo protrair indefinidamente a vigência
de medidas provisórias rejeitadas ou não apreciadas.

DIREITO ELEITORAL
FUNDO PARTIDÁRIO
 Análise da constitucionalidade do art. 9º da Lei 13.165/2015.

DIREITO PENAL
DESACATO
 Desacato continua sendo crime.

DIREITO PENAL MILITAR


DESACATO
 Desacato continua sendo crime.

DIREITO DO TRABALHO
FGTS
 Constitucionalidade do § 18 do art. 20 e dos arts. 29-A e 29-B na Lei nº 8.036/90.

DIREITO CONSTITUCIONAL

MEDIDA PROVISÓRIA
O § 11 do art. 62 da CF/88 deve ser interpretado com cautela, não se podendo protrair
indefinidamente a vigência de medidas provisórias rejeitadas ou não apreciadas

Determinada medida provisória foi editada criando a possibilidade de que empresas


instalassem Centros Logísticos e Industriais Aduaneiros (CLIA), desde que autorizados pela
Receita Federal.
Diversas empresas fizeram o requerimento pedindo a instalação desses Centros. Ocorre que,
antes que a Receita examinasse todos os pedidos, a MP foi rejeitada pelo Senado.
O Congresso Nacional não editou decreto legislativo disciplinando as situações ocorridas
durante o período em que a MP vigorou (§ 3º do art. 62 da CF/88).

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Diante disso, as empresas defendiam a tese de que os requerimentos formulados deveriam


ser apreciados pela Receita Federal com base no § 11 do art. 62:
“§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição
ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de
atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas.”
O STF não concordou e afirmou que os pedidos formulados pelos interessados durante a
vigência da MP 320/2006 não foram sequer examinados. Logo, não se pode dizer que havia
ato jurídico perfeito.
O simples fato de ter sido feito o requerimento não significa “relação jurídica constituída”, de
sorte que não se pode invocar o § 11 para justificar a aplicação da medida provisória rejeitada.
O mero protocolo do pedido não constitui uma “relação jurídica constituída” de que trata o § 11.
STF. Plenário. ADPF 216/DF, Rel. Min. Cámen Lúcia, julgado em 14/3/2018 (Info 894).

MP 320/2006
Em 24 de agosto de 2006, foi editada a MP 320/2006, que tratou sobre a movimentação e armazenagem
de mercadorias importadas ou despachadas para exportação.
A MP estabeleceu o seguinte:
• Em regra, a movimentação e a armazenagem de mercadorias importadas ou despachadas para
exportação serão feitas sob controle aduaneiro, em locais e recintos alfandegados (art. 1º). Dito de outro
modo, essas atividades deverão acontecer em um local sob a supervisão da Receita Federal.
• É possível, no entanto, que isso seja também feito em um estabelecimento empresarial administrado
por uma empresa, desde que seja licenciado pela Receita Federal. Este local é chamado de Centro Logístico
e Industrial Aduaneiro (CLIA).

Nos arts. 6º a 12, a MP estabeleceu os requisitos para que a empresa interessada pudesse requerer licença
da Receita Federal para explorar uma CLIA. A grande vantagem da CLIA é que, para a sua exploração, não
era necessária licitação. Bastava preencher os requisitos previstos na lei.

Durante a vigência da MP, 43 empresas fizeram requerimento à Receita Federal para instalar CLIA. O Fisco
examinou e acolheu 5 desses pedidos.
Ocorre que, em 13 de dezembro de 2016, antes que a Receita tivesse terminado de examinar todos os
requerimentos, o Senado rejeitou a MP 320/2006. Desse modo, de todos os requerimentos feitos na
vigência da MP 320/2006, apenas 5 deles foram apreciados e os 38 restantes não tiveram resposta antes
de a MP ser rejeitada.

O que acontece se uma MP não é convertida em lei?


Se uma medida provisória não for convertida em lei, ela perde eficácia desde a sua edição.
Ocorrendo essa situação, o Congresso Nacional deverá editar um decreto legislativo disciplinando como
ficarão as relações jurídicas que foram afetadas pela MP no período em que ela vigorou (art. 62, § 3º). Em
outras palavras, este decreto legislativo irá dizer se os efeitos produzidos pela MP no período em que ela
vigorou continuam ou não, mesmo ela não tendo sido aprovada:
Art. 62 (...)
§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a
edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do §
7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo,
as relações jurídicas delas decorrentes.

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E se o Congresso Nacional não editar este decreto legislativo?


Se não for editado o decreto legislativo até 60 dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida
provisória, neste caso, a fim de evitar lacuna e insegurança jurídica, o art. 62, § 11 da CF/88 determina que
a falecida MP continuará regendo as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados
durante a vigência da MP. Veja:
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou
perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos
praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. (Incluído pela EC 32/2001)

Voltando ao caso concreto:


O Congresso Nacional rejeitou a MP 320/2006, mas não editou o decreto legislativo a que se refere o § 3º
disciplinando as relações jurídicas que decorreram da MP.
Diante disso, o que fez a Receita Federal: declarou que os 38 requerimentos que haviam sido feitos estão
prejudicados, ou seja, não podem ser sequer examinados.
As empresas que fizeram esses 38 requerimentos (vamos chama-las de “grupo B”) não se conformaram e
começaram a ingressar com ações judiciais para que a Receita Federal apreciasse os pedidos conforme as
regras da MP 320/2006.
O fundamento para essas ações foi o § 11 do art. 62 da CF/88. Elas disseram o seguinte: como o Congresso
Nacional não editou o decreto legislativo, as situações ocorridas durante a vigência da MP (requerimentos
feitos) continuam regidos pela referida MP mesmo ela tendo sido rejeitada.
Por outro lado, as outras empresas que conseguiram a autorização da Receita antes da rejeição da MP
320/2006 (vamos chamá-las de “grupo A”) tinham interesse que os pedidos não fossem apreciados porque
assim teriam menos concorrência.
Diante dessa situação, uma associação de empresas que trabalham com movimentação, armazenagem e
despacho aduaneiro de mercadorias, em atenção aos interesses do “grupo A”, ajuizou ADPF no Supremo
para evitar que os pedidos de registro para exploração de CLIA feitos sob a vigência da MP 320/2006,
fossem analisados pela Receita Federal. A entidade afirmou que as ações judiciais propostas pelo “grupo
B” estavam tentando dar uma interpretação ilegítima aos §§ 3º e 11 do art. 62 da CF/88.

Primeira pergunta: cabe ADPF neste caso?


SIM.
É cabível ADPF para questionar interpretação judicial de norma constitucional.
Em outras palavras, cabe ADPF para dizer que a interpretação que está sendo dada pelos juízes e
Tribunais a respeito de determinado dispositivo constitucional está incorreta e, com isso, viola preceito
fundamental.
STF. Plenário. ADPF 216/DF, Rel. Min. Cámen Lúcia, julgado em 14/3/2018 (Info 894).

Vale ressaltar que, em outra oportunidade, o STF já havia decidido que:


Cabe ADPF para discutir a adequada interpretação do § 11 do art. 62 da CF/88, ou seja, se ela regularia
apenas as relações no período de sua vigência ou também situações nas relações prospectivas.
STF. ADPF 84 AgR/DF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgado em 31/5/2006.

Segunda pergunta: os pedidos feitos durante a vigência da MP 320/2006 devem ser examinados pela Receita?
NÃO. O § 11 do art. 62 da CF/88 deve ser interpretado com cautela, não se podendo protrair
indefinidamente a vigência de medidas provisórias rejeitadas ou não apreciadas.
O mencionado § 11 tem por objetivo garantir segurança jurídica àqueles que praticaram atos embasados
em medida provisória rejeitada ou não apreciada. Isso, contudo, não pode fazer com que haja uma
sobreposição da vontade do Presidente da República sobre a vontade do Poder Legislativo. Se a

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interpretação do § 11 conduzir à ideia de que todos os efeitos da MP rejeitada ou não apreciada irão
prevalecer, o que acontecerá, na prática, é que a vontade do Chefe do Executivo, manifestada na MP, irá
prevalecer ao final mesmo tendo havido rejeição do ato normativo.
No caso concreto, os pedidos formulados pelos interessados durante a vigência da MP 320/2006 não
foram sequer examinados. Logo, não se pode dizer que havia ato jurídico perfeito. Dessa forma, o simples
fato de ter sido feito o requerimento não significa “relação jurídica constituída”, de sorte que não se pode
invocar o § 11 para justificar a aplicação da medida provisória rejeitada.
Interpretação contrária postergaria indevidamente a eficácia de medida provisória já rejeitada pelo
Congresso Nacional, e ofenderia não apenas o § 11 do art. 62 da Constituição, mas também o princípio da
separação dos Poderes e o princípio da segurança jurídica.

Em suma:
Determinada medida provisória foi editada criando a possibilidade de que empresas instalassem
Centros Logísticos e Industriais Aduaneiros (CLIA), desde que autorizados pela Receita Federal.
Diversas empresas fizeram o requerimento pedindo a instalação desses Centros. Ocorre que, antes que
a Receita examinasse todos os pedidos, a MP foi rejeitada pelo Senado.
O Congresso Nacional não editou decreto legislativo disciplinando as situações ocorridas durante o
período em que a MP vigorou (§ 3º do art. 62 da CF/88).
Diante disso, as empresas defendiam a tese de que os requerimentos formulados deveriam ser
apreciados pela Receita Federal com base no § 11 do art. 62.
O STF não concordou e afirmou que os pedidos formulados pelos interessados durante a vigência da MP
320/2006 não foram sequer examinados. Logo, não se pode dizer que havia ato jurídico perfeito.
O simples fato de ter sido feito o requerimento não significa “relação jurídica constituída”, de sorte que
não se pode invocar o § 11 para justificar a aplicação da medida provisória rejeitada.
O mero protocolo do pedido não constitui uma “relação jurídica constituída” de que trata o § 11.
STF. Plenário. ADPF 216/DF, Rel. Min. Cámen Lúcia, julgado em 14/3/2018 (Info 894).

DIREITO ELEITORAL

FUNDO PARTIDÁRIO
Análise da constitucionalidade do art. 9º da Lei 13.165/2015

O art. 9º da Lei nº 13.165/2015 previu o seguinte:


Art. 9º Nas três eleições que se seguirem à publicação desta Lei, os partidos reservarão, em
contas bancárias específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por cento) e no máximo 15%
(quinze por cento) do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das
campanhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas, incluídos nesse valor
os recursos a que se refere o inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995.
O STF, ao julgar uma ADI proposta contra esse dispositivo, decidiu:
a) Dar interpretação conforme a Constituição ao art. 9º da Lei nº 13.165/2015, de modo a
equiparar o patamar legal mínimo de candidaturas femininas (hoje o do art. 10, § 3º, da Lei nº
9.504/97, isto é, ao menos 30% de cidadãs), ao mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes
serem destinados, que deve ser interpretado como também de 30% do montante do Fundo
alocado a cada partido, para as eleições majoritárias e proporcionais, e fixar que, havendo
percentual mais elevado de candidaturas femininas, o mínimo de recursos globais do partido
destinados a campanhas lhe seja alocado na mesma proporção. Assim, o montante de recursos

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para as campanhas de mulheres deve ser proporcionalmente igual ao número de candidatas,


sendo no mínimo 30%;
b) Declarar a inconstitucionalidade da expressão “três”, contida no art. 9º da Lei nº
13.165/2015. A previsão de recursos mínimos para as campanhas de candidatas não deve ter
um prazo determinado considerando que ela dura até que as desigualdades sejam corrigidas;
c) Declarar a inconstitucionalidade, por arrastamento, do § 5º-A e do § 7º do art. 44 da Lei nº
9.096/95, que tratam dos recursos específicos para a criação e manutenção de programas de
promoção e difusão da participação política das mulheres.
STF. Plenário. ADI 5617/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 15/3/2018 (Info 894).

Lei nº 13.165/2015
A Lei nº 13.165/2015 (conhecida como minirreforma eleitoral de 2015) alterou diversos dispositivos da
legislação eleitoral.
O art. 9º da Lei nº 13.165/2015 previu o seguinte:
Art. 9º Nas três eleições que se seguirem à publicação desta Lei, os partidos reservarão, em contas
bancárias específicas para este fim, no mínimo 5% (cinco por cento) e no máximo 15% (quinze por
cento) do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das campanhas eleitorais
para aplicação nas campanhas de suas candidatas, incluídos nesse valor os recursos a que se refere
o inciso V do art. 44 da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995.

Assim, este art. 9º estabelece percentuais mínimo e máximo de recursos do Fundo Partidário para
aplicação em campanhas eleitorais de mulheres.
De acordo com o dispositivo, nas três eleições que se seguissem à publicação da Lei nº 13.165/2015
(Eleições 2016, 2018 e 2020), os partidos deveriam reservar, em contas bancárias específicas para este
fim, no mínimo 5% e no máximo 15% do montante do Fundo Partidário destinado ao financiamento das
campanhas eleitorais para aplicação nas campanhas de suas candidatas.

ADI
A Procuradoria-Geral da República ajuizou ADI contra este art. 9º.
Segundo a PGR, não basta que a lei reserve percentual de vagas para candidatas, é preciso garantir que
elas tenham recursos suficientes para disputar o pleito eleitoral em igualdade de condições com os
homens.
Defendeu-se que a norma contraria o princípio fundamental da igualdade, deixa de proteger
suficientemente o pluralismo político, a cidadania e o princípio democrático e falha na busca do objetivo
fundamental de construir uma sociedade livre, justa e solidária, além de ferir os princípios da eficiência,
da finalidade e da autonomia dos partidos políticos.
A legislação eleitoral prevê que cada partido ou coligação deverá reservar, no mínimo, 30% de suas
candidaturas nas eleições proporcionais para mulheres.
Segundo a PGR, o limite máximo de 15% previsto na lei produz mais desigualdade e menos pluralismo da
definição das posições de gênero. “Se não há limites máximos para financiamento de campanhas de
homens, não se podem fixar limites máximos para as mulheres”, afirma. Quanto ao limite mínimo, enfatiza
que o patamar de 5% dos recursos para as candidatas protege de forma deficiente os direitos políticos das
mulheres.
Na ação defende-se que o princípio da proporcionalidade só seria atendido se o percentual de recursos
fosse de 30%, pois se equipararia ao patamar mínimo de candidaturas femininas.

O STF concordou com os argumentos da PGR?


SIM. O STF julgou procedente a ADI.

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Noções gerais sobre a constitucionalidade do estabelecimento de regras diferenciadas em favor da


candidatura de mulheres
Com a edição da Lei nº 9.504/97, os partidos passaram a ser obrigados a preencher, do número de vagas
de candidaturas, o mínimo de 30% e o máximo de 70% para cada sexo (art. 10, § 3º).
Na prática, a Lei exigiu que, no mínimo 30% das candidaturas fosse do sexo feminino.
Essa previsão é compatível com a Constituição. Isso porque é possível que sejam feitas determinadas
diferenciações entre as pessoas se estas forem utilizadas para corrigir discriminações. Em outras palavras,
o direito à igualdade permite que seja feita uma desequiparação, desde que pontual e que tenha por
objetivo superar uma desigualdade histórica.
A discriminação contra a mulher significa toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que
tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher,
independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos
humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em
qualquer outro campo.
Especificamente no campo da política, embora as mulheres correspondam a mais da metade da população
e do eleitorado brasileiro, elas ocupam menos de 15% das cadeiras do Legislativo federal, sendo que, na
Câmara dos Deputados, apenas 9,9% dos parlamentares são mulheres. Além disso, apenas 11% das
prefeituras do país são comandadas por mulheres. Não se vislumbra possibilidade de reversão dessa
tendência.
Os obstáculos para a efetiva participação política das mulheres são ainda mais graves caso se tenha em
conta que é por meio da participação política que as próprias medidas de desequiparação são definidas.
Qualquer razão que seja utilizada para impedir que as mulheres participem da elaboração de leis inviabiliza
o principal instrumento pelo qual se reduzem as desigualdades.
Em razão dessas barreiras à plena inclusão política das mulheres, são, portanto, constitucionalmente
legítimas as cotas fixadas em lei a fim de promover a participação política das mulheres.

Inconstitucionalidade dos limites de 5% a 15%


O estabelecimento de um piso de 5% significa, na prática, que, na distribuição dos recursos públicos que
a agremiação partidária deve destinar às candidaturas, os homens poderão receber no máximo 95%.
De outro lado, caso se opte por fixar a distribuição máxima às candidaturas de mulheres, poderão ser
destinados do total de recursos do fundo 15%, hipótese em que os recursos destinados às candidaturas
masculinas será de 85%.
Não existem justificativas para essa diferenciação.
Os partidos políticos, mesmo gozando de autonomia partidária, devem respeitar os direitos fundamentais
a partir da concepção da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.
Assim, é preciso que, no âmbito dos partidos políticos, sejam asseguradas medidas de igualdade material
entre homens e mulheres.
O fato de os recursos partidários terem um caráter público reforça a obrigação de que sua distribuição
não seja discriminatória.
Diante disso, esses limites são inconstitucionais. Os recursos destinados à campanha eleitoral devem ser
distribuídos na exata proporção das candidaturas de ambos os sexos. Ex: se houver 40% de mulheres
candidatas, 40% dos recursos devem ser destinados a elas.
Vale ressaltar, no entanto, que esse percentual é de, no mínimo, 30%, considerando que o percentual de
mulheres candidatas em cada partido é de, no mínimo, 30%.
Assim, o STF decidiu:
Dar interpretação conforme a Constituição ao art. 9º da Lei nº 13.165/2015, de modo a equiparar o
patamar legal mínimo de candidaturas femininas (hoje o do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97, isto é, ao
menos 30% de cidadãs), ao mínimo de recursos do Fundo Partidário a lhes serem destinados, que deve

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ser interpretado como também de 30% do montante do Fundo alocado a cada partido, para as eleições
majoritárias e proporcionais, e fixar que, havendo percentual mais elevado de candidaturas femininas,
o mínimo de recursos globais do partido destinados a campanhas lhe seja alocado na mesma proporção.
STF. Plenário. ADI 5617/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 15/3/2018 (Info 894).

Vejamos agora especificamente o que decidiu o STF sobre a ADI.

Inconstitucionalidade da previsão de regra especial apenas para três eleições


A redação do art. 9º previa que a regra de destinação de recursos partidários para as campanhas de
mulheres iria durar apenas por três eleições.
O STF decidiu que isso é inconstitucional.
Como o STF afirmou que o percentual mínimo de recursos para as campanhas de mulheres deveria seguir
a mesma regra do art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 (no mínimo, 30%), o Tribunal entendeu que não deveria
haver a fixação de um prazo determinado, já que essa regra de 30% também não tem um período certo.
Assim, essa previsão mínima de 30% dos recursos para as campanhas de mulheres deverá perdurar
enquanto existir a regra do art. 10, § 3º.
Desse modo, o STF decidiu:
Declarar a inconstitucionalidade da expressão “três”, contida no art. 9º da Lei nº 13.165/2015.
STF. Plenário. ADI 5617/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 15/3/2018 (Info 894).

§ 5º-A e § 7º do art. 44 da Lei nº 9.096/95


A Lei nº 13.165/2015 acrescentou o § 5º-A e o § 7º ao art. 44 da Lei nº 9.096/95:
Art. 44. Os recursos oriundos do Fundo Partidário serão aplicados:
V - na criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das
mulheres, criados e mantidos pela secretaria da mulher do respectivo partido político ou,
inexistindo a secretaria, pelo instituto ou fundação de pesquisa e de doutrinação e educação
política de que trata o inciso IV, conforme percentual que será fixado pelo órgão nacional de
direção partidária, observado o mínimo de 5% (cinco por cento) do total; (Redação dada pela Lei
nº 13.165/2015)
(...)
§ 5º-A. A critério das agremiações partidárias, os recursos a que se refere o inciso V poderão ser
acumulados em diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias específicas, para
utilização futura em campanhas eleitorais de candidatas do partido. (Incluído pela Lei nº
13.165/2015)
(...)
§ 7º A critério da secretaria da mulher ou, inexistindo a secretaria, a critério da fundação de
pesquisa e de doutrinação e educação política, os recursos a que se refere o inciso V do caput
poderão ser acumulados em diferentes exercícios financeiros, mantidos em contas bancárias
específicas, para utilização futura em campanhas eleitorais de candidatas do partido, não se
aplicando, neste caso, o disposto no § 5º. (Incluído pela Lei nº 13.165/2015)

Pelas mesmas razões acima expostas, o STF decidiu:


Declarar a inconstitucionalidade, por arrastamento, do § 5º-A e do § 7º do art. 44 da Lei nº 9.096/95.
STF. Plenário. ADI 5617/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 15/3/2018 (Info 894).

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DIREITO PENAL

DESACATO
Desacato continua sendo crime

Importante!!!
O crime de desacato é compatível com a Constituição Federal e com o Pacto de São José da
Costa Rica.
A figura penal do desacato não tolhe o direito à liberdade de expressão, não retirando da
cidadania o direito à livre manifestação, desde que exercida nos limites de marcos
civilizatórios bem definidos, punindo-se os excessos.
STF. 2ª Turma. HC 141949/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/3/2018 (Info 894).

Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela continua a ser crime,
conforme previsto no art. 331 do Código Penal.
STJ. 3ª Seção. HC 379.269-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Rel. para acórdão Min. Antônio
Saldanha Palheiro, julgado em 24/5/2017 (Info 607).

Previsão do desacato no direito brasileiro


O Código Penal prevê o crime de desacato no art. 331:
Art. 331. Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.

Código Penal Militar


O Código Penal Militar tipifica o desacato em três artigos:
• Art. 298: pune o desacato cometido por militar contra outro militar de hierarquia superior;
• Art. 299: pune o desacato cometido por qualquer pessoa contra militar no exercício de função de
natureza militar ou em razão dela;
• Art. 300: pune o desacato cometido contra funcionário civil no exercício de função ou em razão dela, em
lugar sujeito à administração militar.

Algumas características desse delito


• Desacatar significa "menosprezar a função pública exercida por determinada pessoa. Em outras palavras,
ofende-se o funcionário público com a finalidade de humilhar a dignidade e o prestígio da atividade
administrativa." (MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado. 4ª ed., São Paulo: Método, 2014, p. 748).
• O delito de desacato, quer conforme tipificado na legislação penal comum, quer na militar, tem por
sujeito passivo secundário o funcionário público (civil ou militar), figurando o Estado como sujeito passivo
principal.
• O bem jurídico tutelado é a Administração Pública, levando-se em conta seu interesse patrimonial e
moral. A vítima primária deste delito é o Estado. O servidor ofendido é apenas o sujeito passivo
secundário. A tutela penal está no interesse em se assegurar o normal funcionamento do Estado,
protegendo-se o prestígio do exercício da função pública.
• O destinatário da proteção legal é mais a função pública do que a pessoa (civil ou militar). Portanto, para
a configuração do crime, não é necessário que o funcionário público se sinta ofendido, sendo indispensável
que o menoscabo tenha alvo certo, de forma que a vítima deve ouvir a palavra injuriosa ou sofrer
diretamente o ato.

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• É essencial para a configuração do delito que o funcionário público esteja no exercício da função, ou,
estando fora, que a ofensa seja empregada em razão dela. Deve, pois, haver o chamado nexo funcional. A
crítica ou a censura sem excessos, por sua vez, não constituem desacato, ainda que veementes.

Convenção Americana de Direitos Humanos


O Brasil é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, que ficou conhecida como "Pacto de
São José da Costa Rica". Neste tratado internacional, promulgado pelo Decreto nº 678/92, foi previsto
como um dos direitos ali consagrados a liberdade de expressão. Confira:
Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende
a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração
de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer
outro processo de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia,
mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser
necessárias para assegurar:
a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de
controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de
equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios
destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de
regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do
disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional,
racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.

Comissão Interamericana de Direitos Humanos


Há muitos anos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) vem decidindo que a
criminalização do desacato contraria o artigo 13 do Pacto de San José da Costa Rica.
Em 1995, a Comissão afirmou que as leis de desacato se prestam ao abuso, como meio para silenciar ideias
e opiniões consideradas incômodas pelo establishment, bem assim proporcionam maior nível de proteção
aos agentes do Estado do que aos particulares, em contravenção aos princípios democrático e igualitário
(CIDH, Relatório sobre a compatibilidade entre as leis de desacato e a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos, OEA/Ser. L/V/II.88, doc. 9 rev., 17 de fevereiro de 1995, 197-212).
Em 2000, a CIDH aprovou a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão, onde reafirmou sua
posição sobre a invalidade da tipificação do desacato:
"11. Os funcionários públicos estão sujeitos a um maior controle por parte da sociedade. As leis que punem
a manifestação ofensiva dirigida a funcionários públicos, geralmente conhecidas como 'leis de desacato',
atentam contra a liberdade de expressão e o direito à informação."

Em suma, para a CIDH, as leis de desacato restringem indiretamente a liberdade de expressão, porque
carregam consigo a ameaça do cárcere ou multas para aqueles que insultem ou ofendam um funcionário
público. Por essa razão, este tipo penal (desacato) é inválido, por contrariar o artigo 13 da Convenção
Americana de Direitos Humanos.

O STJ acolhe esta tese? O desacato deixou de ser crime no ordenamento jurídico brasileiro por força do
Pacto de San Jose da Costa Rica?

Informativo 894-STF (21/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9


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NÃO. O STJ, apreciando um caso envolvendo o art. 331 do Código Penal, decidiu que:
Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela continua a ser crime, conforme
previsto no art. 331 do Código Penal.
STJ. 3ª Seção. HC 379.269-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Rel. para acórdão Min. Antônio
Saldanha Palheiro, julgado em 24/5/2017 (Info 607).

Desacato não viola a liberdade de expressão


A figura penal do desacato não prejudica a liberdade de expressão, pois não impede o cidadão de se
manifestar, “desde que o faça com civilidade e educação”.
A responsabilização penal por desacato existe para inibir excessos e constitui uma salvaguarda para os
agentes públicos, expostos a todo tipo de ofensa no exercício de suas funções.

Descriminalizar o desacato não traria benefícios porque o fato constituiria injúria


A exclusão do desacato como tipo penal não traria benefício concreto para o julgamento dos casos de
ofensas dirigidas a agentes públicos. Isso porque, com o fim do crime de desacato, as ofensas a agentes
públicos passariam a ser tratadas pelos tribunais como injúria (art. 140 do CP), crime para o qual a lei já
prevê um acréscimo de 1/3 da pena quando a vítima é servidor público (art. 141, II).

Corte IDH admite que excessos na liberdade de expressão sejam punidos


Apesar de a posição da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ser contrária à criminalização do
desacato, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão que efetivamente julga os casos envolvendo
indivíduos e estados, já deixou claro em mais de um julgamento que o Direito Penal pode punir as condutas
que representem excessos no exercício da liberdade de expressão.
Assim, o Poder Judiciário brasileiro deve continuar a repudiar reações arbitrárias eventualmente adotadas
por agentes públicos, punindo pelo crime de abuso de autoridade quem, no exercício de sua função, reagir
de modo autoritário a críticas e opiniões que não constituam excesso intolerável do direito de livre
manifestação do pensamento.

E o STF?
O STF, ao julgar uma situação envolvendo civil acusado de desacato contra militar (art. 299 do CPM),
também entendeu no mesmo sentido do STJ e decidiu que:
O crime de desacato é compatível com a Constituição Federal e com o Pacto de São José da Costa Rica.
A figura penal do desacato não tolhe o direito à liberdade de expressão, não retirando da cidadania o
direito à livre manifestação, desde que exercida nos limites de marcos civilizatórios bem definidos,
punindo-se os excessos.
STF. 2ª Turma. HC 141949/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/3/2018 (Info 894).

Natureza do Pacto de São José da Costa Rica


Os tratados de direitos humanos podem ser:
a) equivalentes às emendas constitucionais, se aprovados após a EC 45/2004 e conforme os requisitos do
§ 3º do art. 5º da CF/88; ou
b) supralegais, se aprovados antes da EC 45/2004 e sem os requisitos do § 3º do art. 5º da CF/88.

De toda forma, estando acima das normas infraconstitucionais, são também paradigma de controle da
produção normativa.
O Pacto de São José da Costa Rica possui, portanto, status supralegal, estando hierarquicamente acima
das leis, mas abaixo da Constituição Federal.

Informativo 894-STF (21/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10


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Desacato não é incompatível com o Pacto de São José da Costa Rica


Ao se ler o Pacto de São José da Costa Rica não se identifica uma incompatibilidade do crime de desacato
em relação a esse tratado.
Assim, o tratado não revogou a norma penal, tendo havido a recepção do crime de desacato pela regra
supralegal (Pacto de São José).
O texto do Pacto dispõe que o exercício do direito à liberdade de pensamento e de expressão, embora
não sujeito a censura prévia, deve assumir responsabilidades ulteriores, expressamente fixadas em lei,
para assegurar o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas.
Portanto, o Pacto impõe sim limites à liberdade de expressão, não tendo havido descriminalização do
crime de desacato ou “abolitio criminis”.
A forma como a liberdade de expressão foi tratada no Pacto de São José é parecida com a disciplina dada
pela Constituição Federal ao tema, sendo que esse direito não possui caráter absoluto.
Vale ressaltar que a Constituição, ao tutelar a honra, a intimidade e a dignidade da pessoa humana,
também recepcionou o crime de desacato na forma como prevista em nossa legislação penal.
Direito à liberdade de expressão não é absoluto
O direito à liberdade de expressão deve harmonizar-se com os demais direitos envolvidos, não eliminá-
los. Incide o princípio da concordância prática, pelo qual o intérprete deve buscar a conciliação entre
normas constitucionais.
O exercício abusivo das liberdades públicas não se coaduna com o Estado democrático. A ninguém é lícito
usar sua liberdade de expressão para ofender a honra alheia.
O desacato constitui importante instrumento de preservação da lisura da função pública e, indiretamente,
da dignidade de quem a exerce.
Não se pode despojar a pessoa de um dos mais delicados valores constitucionais, a dignidade da pessoa
humana, em razão do “status” de funcionário público (civil ou militar).
O fato de o indivíduo ter se investido em uma função pública não significa que ele tenha renunciado à sua
honra e à sua dignidade.
Corte Interamericana de Direitos Humanos
Vale ressaltar que a Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgão responsável pelo julgamento de
situações concretas de abusos e violações de direitos humanos, tem, reiteradamente, decidido
contrariamente ao entendimento da Comissão de Direitos Humanos, estabelecendo que o direito penal
pode sim punir condutas excessivas no exercício da liberdade de expressão.
Desacato não tolhe a liberdade de expressão
A figura penal do desacato não tolhe o direito à liberdade de expressão, não retirando da cidadania o
direito à livre manifestação, desde que exercida nos limites de marcos civilizatórios bem definidos,
punindo-se os excessos.
A Constituição impõe à Administração a observância dos princípios da legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência, podendo-se dessumir daí a compatibilidade entre a defesa da honra
e intimidade do funcionário público e a liberdade de expressão.
Não se aplica a teoria da adequação social
Não se pode aplicar ao caso o princípio da adequação social.
O princípio da adequação social, desenvolvido por Hanz Welzel, afasta a tipicidade dos comportamentos
que são aceitos e considerados adequados ao convívio social. De acordo com o referido princípio, os
costumes aceitos por toda a sociedade afastam a tipicidade material de determinados fatos que, embora
possam se subsumir a algum tipo penal, não caracterizam crime justamente por estarem de acordo com
a ordem social em um determinado momento histórico.
Havendo lei, ainda que deficitária, punindo o abuso de autoridade, pode-se afirmar que a criminalização
do desacato se mostra ainda compatível com o Estado democrático.

Informativo 894-STF (21/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 11


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DIREITO PENAL MILITAR

DESACATO
Desacato continua sendo crime

Importante!!!
O crime de desacato é compatível com a Constituição Federal e com o Pacto de São José da
Costa Rica.
A figura penal do desacato não tolhe o direito à liberdade de expressão, não retirando da
cidadania o direito à livre manifestação, desde que exercida nos limites de marcos
civilizatórios bem definidos, punindo-se os excessos.
STF. 2ª Turma. HC 141949/DF, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 13/3/2018 (Info 894).

Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela continua a ser crime,
conforme previsto no art. 331 do Código Penal.
STJ. 3ª Seção. HC 379.269-MS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Rel. para acórdão Min. Antônio
Saldanha Palheiro, julgado em 24/5/2017 (Info 607).

Veja comentários em Direito Penal.

DIREITO DO TRABALHO

FGTS
Constitucionalidade do § 18 do art. 20 e dos arts. 29-A e 29-B da Lei nº 8.036/90

O § 18 do art. 20 e os arts. 29-A e 29-B da Lei nº 8.036/90, introduzidos pela MP 1.951-33/2000


(atual MP 2.197-43), são constitucionais.
STF. Plenário. ADI 2382, ADI 2425 e ADI 2479, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min.
Edson Fachin, julgados em 14/3/2018 (Info 894).

FGTS
FGTS é a sigla para Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.
O FGTS foi criado pela Lei nº 5.107/66 com o objetivo de proteger o trabalhador demitido sem justa causa.
Atualmente, o FGTS é regido pela Lei nº 8.036/90.
O FGTS nada mais é do que uma conta bancária aberta em nome do trabalhador e vinculada a ele no
momento em que celebra seu primeiro contrato de trabalho.
Nessa conta bancária, o empregador deposita todos os meses o valor equivalente a 8% do salário pago ao
empregado, acrescido de juros e atualização monetária (conhecidos pela sigla “JAM”).
Assim, vai sendo formado um fundo de reserva financeira para o trabalhador, ou seja, uma espécie de
“poupança”, que é utilizada pelo obreiro quando fica desempregado sem justa causa ou quando precisa
para alguma finalidade relevante, assim considerada pela lei.
Se o empregado for demitido sem justa causa, o empregador é obrigado a depositar, na conta vinculada
do trabalhador, uma indenização compensatória de 40% do montante de todos os depósitos realizados

Informativo 894-STF (21/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 12


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na conta vinculada durante a vigência do contrato de trabalho, atualizados monetariamente e acrescidos


dos respectivos juros (art. 18, § 1º da Lei nº 8.036/90).
O trabalhador que possui conta do FGTS vinculada a seu nome é chamado de trabalhador participante do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
O FGTS possui natureza jurídica de direito social do trabalhador, sendo considerado, portanto, fruto civil
do trabalho (STJ. 3ª Turma. REsp 848.660/RS, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 13/05/2011).

MP 1.951-33/2000 (atual MP 2.197-43)


O FGTS é regido pela Lei nº 8.036/90.
Em 2000, foi editada a MP 1.951-33, que introduziu o § 18 ao art. 20 e os arts. 29-A e 29-B na Lei nº 8.036/90,
além de outros dispositivos que não interessam para a explicação.
A MP foi posteriormente substituída pela MP 2.197-43.
A MP 2.197-43 passou a ter prazo de vigência indeterminado, com base no art. 2º da EC 32/2001 e, por
não ter sido revogada por nenhuma lei, vigora até hoje:
Art. 2º As medidas provisórias editadas em data anterior à da publicação desta emenda
continuam em vigor até que medida provisória ulterior as revogue explicitamente ou até
deliberação definitiva do Congresso Nacional.

Vejamos os dispositivos inseridos pela MP 1.951-33/2000 (atual MP 2.197-43):


Art. 20 (...)
§ 18. É indispensável o comparecimento pessoal do titular da conta vinculada para o pagamento
da retirada nas hipóteses previstas nos incisos I, II, III, VIII, IX e X deste artigo, salvo em caso de
grave moléstia comprovada por perícia médica, quando será paga a procurador especialmente
constituído para esse fim.

Art. 29-A. Quaisquer créditos relativos à correção dos saldos das contas vinculadas do FGTS serão
liquidados mediante lançamento pelo agente operador na respectiva conta do trabalhador.

Art. 29-B. Não será cabível medida liminar em mandado de segurança, no procedimento cautelar
ou em quaisquer outras ações de natureza cautelar ou preventiva, nem a tutela antecipada
prevista nos arts. 273 e 461 do Código de Processo Civil que impliquem saque ou movimentação
da conta vinculada do trabalhador no FGTS.

ADIs
A Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM), o PT e a OAB ajuizaram três ações
diretas de inconstitucionalidade contra esses dispositivos.
A CNTM argumentou que a exigência de comparecimento pessoal restringe o direito dos sindicatos e
associações de representar seus filiados judicial e extrajudicialmente. Em outras palavras, a Confederação
alegou que os sindicatos e associações poderiam representam o trabalhador para tratar dos assuntos
relacionados com o FGTS.
Já a OAB e o PT aduziram que a norma seria inconstitucional, pois, entre outros pontos, não levou em
consideração os critérios de relevância e urgência para edição de medidas provisórias
(inconstitucionalidade formal).

O pedido dos autores das ADIs foi acolhido? Esses três dispositivos acima transcritos são inconstitucionais?
NÃO. O STF julgou improcedentes as ADIs e declarou a constitucionalidade dos dispositivos.

Informativo 894-STF (21/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 13


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Não há inconstitucionalidade formal


O art. 62 da CF/88 prevê que o Presidente da República somente poderá editar medidas provisórias em
caso de relevância e urgência.
Em regra, não cabe ao Poder Judiciário verificar os requisitos da MP porque configuram conceitos jurídicos
indeterminados que estão situados dentro da discricionariedade política do Poder Executivo.
Somente em caráter excepcional é possível o controle jurisdicional destes requisitos, quando existir abuso
de poder ou a ausência destes pressupostos for evidente.
O STF entendeu que não houve abuso no presente caso, uma vez que a matéria tratada possui evidente
relevância e havia considerável urgência na edição da medida, por meio da qual se buscou reduzir os
inúmeros casos de fraude envolvendo saques de valores depositados nas contas de FGTS dos
trabalhadores brasileiros.

Art. 20, § 18
O art. 20, § 18 prevê que é indispensável o comparecimento pessoal do titular da conta vinculada do FGTS
para a realização de levantamento de valores, em determinadas hipóteses, salvo em caso de grave
moléstia comprovada por perícia médica, quando será paga a procurador especialmente constituído para
esse fim.
O STF reputou que essa exigência é legítima.
Trata-se, tão somente, de condição procedimental para pagamento, a qual não eliminou nenhuma das
hipóteses de saque anteriormente previstas, nem vedou a possibilidade de os sindicatos ou os advogados
atuarem na defesa e representação dos seus filiados ou clientes.
A exigência em questão é uma obrigação personalíssima que resguarda o direito do titular da conta
vinculada, além de evitar fraudes e a malversação dos valores depositados, por parte de terceiros.
Preservados, assim, o direito de representação e o direito adquirido dos trabalhadores.

Art. 29-A
Em relação à impugnação do art. 29-A, o STF considerou válida a explicitação de que os valores suscetíveis
de correção do FGTS devem ser lançados na conta vinculada do trabalhador. Essa norma garante a devida
correção monetária do FGTS por meio de lançamento na própria conta vinculada, como ocorre nos
depósitos do valor principal. Além disso, essa medida evita que ocorram saques de parcelas acessórias
fora das hipóteses que a lei autoriza.

Art. 29-B
O art. 29-B trata sobre direito processual. Os autores da ADI afirmaram que esse dispositivo seria,
portanto, inconstitucional, já que MP não pode dispor sobre direito processual.
Por fim, quanto ao art. 29-B, o STF afastou a apontada inconstitucionalidade formal da medida provisória
na parte em que dispôs sobre o não cabimento de medida liminar, cautelar ou tutela antecipada que
impliquem saque ou movimentação da conta vinculada do trabalhador no FGTS.
Isso porque a vedação de medidas provisórias sobre matéria processual somente se aplica àquelas
editadas posteriormente à Emenda Constitucional 32/2001. Portanto, ao tempo da edição, as disposições
normativas impugnadas obedeceram aos parâmetros constitucionais vigentes.

Em suma:
O § 18 do art. 20 e os arts. 29-A e 29-B da Lei nº 8.036/90, introduzidos pela MP 1.951-33/2000 (atual
MP 2.197-43), são constitucionais.
STF. Plenário. ADI 2382, ADI 2425 e ADI 2479, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, red. p/ o ac. Min. Edson
Fachin, julgados em 14/3/2018 (Info 894).

Informativo 894-STF (21/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 14


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EXERCÍCIOS
Julgue os itens a seguir:
1) (Juiz TJ/RN 2013 – CESPE) Considere que, decorrido o prazo legal após a rejeição de determinada medida
provisória, não tenha sido editado o decreto legislativo, de competência do Congresso Nacional, que
disciplinasse as relações jurídicas constituídas durante a vigência da referida medida, contrariando
dispositivo da CF. Nessa situação, não se pode ajuizar arguição de descumprimento de preceito
fundamental com vistas a sanar possível lesividade advinda da não edição do referido decreto. ( )
2) O crime de desacato é incompatível com a Constituição Federal e com o Pacto de São José da Costa Rica.
( )

Gabarito
1. E 2. E

JULGADO NÃO COMENTADO

DIREITO PROCESSUAL PENAL – EXECUÇÃO PENAL


Execução provisória da pena e trânsito em julgado
A Segunda turma, em conclusão de julgamento, resolveu questão de ordem para julgar prejudicada a
impetração em face de pedido de desistência do impetrante (Informativos 872 e 891).
HC 136720/PB, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 13.3.2018.

OUTRAS INFORMAÇÕES

Sessões Ordinárias Extraordinárias Julgamentos Julgamentos por meio


eletrônico*
Em curso Finalizados
Pleno 14.3.2018 15.3.2017 0 5 68
1ª Turma 13.3.2018 — 1 25 122
2ª Turma 13.3.2018 — 0 38 111
* Emenda Regimental 51/2016-STF. Sessão virtual de 9 a 15 de março de 2018.

TRANSCRIÇÕES
Com a finalidade de proporcionar aos leitores do INFORMATIVO STF uma compreensão mais aprofundada
do pensamento do Tribunal, divulgamos neste espaço trechos de decisões que tenham despertado ou possam
despertar de modo especial o interesse da comunidade jurídica.

Crime de desacato - Prisão preventiva - Controle de convencionalidade - Art. 13 da Convenção Americana de Direitos (Pacto
de São José) - Liberdade de expressão e do pensamento (Transcrições)
HC-141949/DF
RELATOR: Ministro Gilmar Mendes

Informativo 894-STF (21/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 15


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VOTO VENCIDO DO MINISTRO EDSON FACHIN

Saúdo o bem lançado relatório proferido pelo e. Ministro Gilmar Mendes.


O cerne da impetração consiste na análise de compatibilidade entre o crime de desacato, previsto no art. 299 do Código
Penal Militar, e a Constituição da República, lida em conjunto com os tratados de direitos humanos de que a República Federativa
do Brasil faz parte.
A leitura conjunta de ambos os diplomas normativos é indispensável para que se leve a sério o disposto no art. 5º, § 2º,
da CRFB, também conhecido por “cláusula de abertura”. Não deve o intérprete partir do pressuposto de que há eventual
incompatibilidade entre a Constituição e o Pacto de São José da Costa Rica, como se, por meio de uma simples referência à
hierarquia normativa, a ratio decidendi das decisões dos órgãos de direitos humanos pudesse simplesmente ser olvidada.
É desnecessário, pois, falar-se em controle de convencionalidade no direito brasileiro, porquanto a cláusula constitucional
de abertura, art. 5º, § 2º, da CRFB, incorpora no bloco de constitucionalidade os tratados de direitos humanos de que faz parte a
República Federativa do Brasil.
Nesse sentido, quando do julgamento da ADI 4.439, sobre o ensino religioso em escolas públicas, assentei que:

“Os tratados de direitos humanos, na linha do disposto no art. 5º, § 2º, da CRFB, têm
natureza constitucional. Essa afirmação, ao implicar uma equiparação hierárquica entre as fontes dos
direitos fundamentais e dos direitos humanos, impõe que a atividade judicante exercida por este
Tribunal e pelos Tribunais de Direitos Humanos seja efetivamente dialógica e complementar. Noutras
palavras, não há necessária submissão de uma ordem à outra. Com efeito, o direito a ser significado
por um Tribunal é objeto de uma pluralidade de compreensões, a revelar típico desacordo moral
razoável, na conhecida acepção de Jeremy Waldron.
A solução, em casos tais, deve ser a que melhor se adequa à fundamentação democrática do
estado constitucional, ou seja, não apenas a que dê primazia à pessoa humana, fundada no princípio
pro homine, mas a que tenha em conta o valor igual de cada pessoa em dignidade.”

Assim, mais importante do que saber se, por força do disposto no Artigo 62 do Pacto de São José, ou pela aplicação do
princípio da interpretação evolutiva do Artigo 31, § 3º, da Convenção de Viena, são ou não obrigatórios os precedentes do Sistema
Interamericano, é investigar as razões pelas quais determinada conduta é ou não incompatível com a proteção dos direitos
humanos.
É certo que, ao contrário do que lamentavelmente assentou o Superior Tribunal de Justiça, quando do julgamento do HC
379.269, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Rel. para o Acórdão Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Terceira Seção, DJe
30.06.2017, a função da Comissão Interamericana, ao interpretar as normas do sistema interamericano, corrobora para a correta
interpretação da Convenção, contribuindo decisivamente para a atividade jurisdicional dos Estados e da Corte.
Os órgãos do sistema interamericano registraram, em diversas oportunidades, que os chamados delitos de desacato
são incompatíveis com o direito à liberdade de expressão e pensamento, tal como expresso
no Artigo 13 do Pacto de São José:

“Artigo 13. Liberdade de pensamento e de expressão


1 Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito
compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem
consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por
qualquer outro processo de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura
prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser
necessárias para assegurar:
a. o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou
b. a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o
abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de freqüências radioelétricas ou de
equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios
destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de
regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto
no inciso 2.”

No Informe sobre la Compatibilidad entre las Leyes de Desacato y la Convención Americana sobre Derechos Humanos
(OEA/ ser L/V/II.88, Doc. 9 ver (1995)), a Comissão Interamericana assentou que “a penalização de qualquer tipo de expressão só
pode aplicar-se em circunstâncias excepcionais nas quais exista uma ameaça evidente e direta de violência anárquica” e que, por

Informativo 894-STF (21/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 16


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isso, “a proteção especial que as leis de desacata dão aos funcionários públicos contra uma linguagem insultante ou ofensiva é
incongruente com o objetivo de uma sociedade democrática de fomentar o debate público”.
A Corte Interamericana, no caso Palamara Iribarne v. Chile (sentença de 22 de novembro de 2005) afirmou que “a
legislação sobre desacata aplicada ao senhor Palamara Iribarne estabelecia sanções desproporcionais por realizar críticas sobre o
funcionamento das instituições estatais de seus membros, suprimindo o debate essencial para
o funcionamento das instituições estatais” (par. 88).
Tal desproporcionalidade é aferida pela aplicação do chamado teste tripartite que examina eventual restrição sancionada
à liberdade de expressão como dependente (i) de sua definição precisa e clara em lei preexistente; (ii) de terem por objetivo um
valor reconhecido no próprio Pacto de São José; (iii) de serem necessário para a realização dos fins a que se destina uma sociedade
democrática (veja-se, por exemplo, Caso Kimel v. Argentina, Sentença de 2 de maio de 2008). Como norte dessa interpretação é
preciso ter-se em conta, ainda, que a necessidade quando interpretada em relação aos funcionários públicos é mais restrita, ao
passo que o direito à liberdade de expressão é visto como um dos pilares da construção de uma sociedade democrática.
Em Outubro de 2000, a Comissão Interamericana aprovou a Declaração de Princípios sobre Liberdade de Expressão prevê,
em seu Artigo 11 que “os funcionários públicos estão sujeitos a maior escrutínio da sociedade. As leis que punem a expressão
ofensiva contra funcionários públicos, geralmente conhecidas como “leis de desacato”, atentam contra a liberdade de expressão e
o direito à informação”.
O Banco Mundial, por sua vez, em seu informe anual de 2002 sobre o desenvolvimento, afirma que “as leis de desacato
são particularmente restritivas e protegem grupos seletos como a realeza, políticos e funcionário do governo frente às críticas.
Normalmente, as leis de desacato tipificam como delito penal o atentar contra a honra e a dignidade ou reputação desses
indivíduos ou instituições seletas, sem ter em conta a verdade”.
No Informe de 2002, a Relatoria Especial sobre a Liberdade de Expressão da Comissão Interamericana de Direitos
Humanos foi ainda mais longe afirmando que sequer para os delitos contra a honra deveriam ser aplicadas as regras do direito
penal: “o reconhecimento do fato de que os funcionários públicos estão sujeitos a um menor e não um maior grau de proteção
frente às críticas e ao escrutínio público significa que a distinção entre pessoas públicas e privadas deve efetuar-se também nas leis
ordinárias sobre difamação, injúrias e calúnias” (par. 17). Acrescentou, ainda, que “a Comissão considera que a obrigação do Estado
de proteger os direitos dos demais se cumpre estabelecendo uma proteção estatutária contra os ataques intencionais à honra e à
reputação mediante ações civis e promulgando leis que garantam o direito de retificação ou resposta”.
É preciso também ter-se em conta que em diversos países das Américas foram revogadas as leis de desacato: Argentina,
Paraguai, Costa Rica, Chile, Honduras, Panamá, Guatemala, Nicarágua e Bolívia. A Corte
Constitucional da Guatemala, em 1º de fevereiro de 2006, declarou a inconstitucionalidade dos delitos de desacato. No mesmo
sentido, o Tribunal Constitucional boliviano reconheceu, em 20 de setembro de 2012, a inconstitucionalidade da mesma conduta.
Com base nesses precedentes, as Relatorias da Onu e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos afirmaram que
os debates brasileiros para a elaboração de um novo Código Penal poderiam promover a adequação das disposições do direito
interno brasileiro, o que seria “uma medida altamente valorada” (Nota Técnica enviada ao Ministro das Relações Exteriores, em 4
de novembro de 2013).
É evidente que, de modo diverso do que assentou o Superior Tribunal de Justiça no HC 379.269, as inúmeras
manifestações dos órgãos do Sistema Americano não são meras recomendações aos Estados-parte, mas, na linha do disposto no
art. 31, § 3º, da Convenção de Viena, verdadeira medida de interpretação evolutiva.
Limitar a discussão apenas sobre a força vinculante da atividade dos órgãos do sistema interamericano é, no entanto,
desmerecer a autoridade do argumento utilizado por eles.
Com efeito, como indica a decisão da Corte Interamericana no caso Iribarne, é por meio de um juízo de proporcionalidade
que se pode aferir a incompatibilidade das leis de desacato com a Convenção. Como se sabe, a análise desse argumento parte do
pressuposto de que não há direitos absolutos e que os direitos fundamentais, desde que se atenda a um fim legítimo, podem ser
limitados.
Os argumentos da Comissão são os seguintes: a) por expressa previsão do Pacto de São José, a responsabilização ulterior
do atos que abusam da liberdade de expressão deve perseguir fins legítimos e estar expressas em leis clara e prévias; b) o critério
da necessidade devem ser interpretado tendo-se em conta o marco de uma sociedade democrática, a qual depende de um amplo
debate de ideias e opiniões; c) as leis de desacato subvertem o princípio republicano ao outorgar aos funcionários públicos uma
proteção maior do que a que gozam as demais pessoas; e d) as leis de desacato podem ter um efeito dissuasivo em quem deseje
participar do debate público.
A menos que se subverta por completo os precedentes desta Corte Suprema, é evidente que os argumentos trazidos
pelos órgãos do sistema interamericano foram plenamente albergados pelo Supremo Tribunal Federal.
Ressalto, de início, que o e. Ministro Celso de Mello, há muito assenta que, por força do disposto no art. 5º, § 2º, da CRFB,
adotou o Brasil o chamado bloco de constitucionalidade, cuja base normativa é, precisamente, não só a Constituição Federal, mas
também os tratados e convenções sobre direitos humanos.

Informativo 894-STF (21/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 17


Informativo
comentado

Como exemplifica o precedente firmado na ADI 4.815, Rel. Ministra Cármen Lúcia, DJe de 29.01.2016, o caso em que se
debatia a exigibilidade de autorização prévia para a publicação de biografias, esta Corte tem atribuído, nas palavras do e. Ministro
Roberto Barroso, uma prioridade prima facie da liberdade de expressão em relação a outros direitos, como a própria honra e a
imagem.
Ademais, em diversas oportunidades, o princípio republicano foi expressamente definido como impondo o rechaço a
qualquer tipo de privilégio que um funcionário público possa ostentar em relação às demais pessoas. Como bem assentou o e.
Ministro Celso de Mello, o princípio republicano “repele privilégios e não tolera discriminações”
(Inq 1400-QO, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 10.10.2003).
Sendo esses os parâmetros para o controle, é, de fato, difícil sustentar que a tipificação do desacato possa conter
justificação válida para restringir a liberdade de expressão.
A doutrina é uniforme no que tange à identificação do bem jurídico tutelado. Luiz Regis Prado, por exemplo, define que
“o bem jurídico protegido sedimenta-se no interesse em se assegurar o normal funcionamento da Administração Pública,
tutelando-se, destarte, o prestígio dos funcionários públicos perante a comunidade, já que agem como longa manus do poder
estatal” (PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 1404). Cezar
Bitencourt, por sua vez, define-o como sendo “garantir o prestígio e a dignidade da ‘máquina pública’ relativamente ao
cumprimento de determinações legais, expedidas por seus agentes” (BITENCOURT, Cezar. Tratado de Direito Penal. Vol. 5. São
Paulo:
Saraiva, 2015, p. 214).
Não obstante referirem-se esses autores à figura típica do Código Penal, a justificativa dada para a criminalização da
conduta não encontra respaldo na ordem democrática brasileira, seja ela analisada sob o prisma do texto constitucional ou do
bloco de constitucionalidade.
Noutras palavras, também o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido, na linha do sistema interamericano, uma
reduzida margem de aplicação do parâmetro da necessidade e um alto apreço pelo direito à liberdade de expressão.
Por essas razões, pedindo vênia ao e. Relator, voto no sentido de deferir a ordem de habeas corpus para reconhecer a
nulidade da condenação imposta pelo Superior Tribunal Militar.
É como voto.
Secretaria de Documentação – SDO
Coordenadoria de Jurisprudência Comparada e Divulgação de Julgados – CJCD
CJCD@stf.jus.br

Informativo 894-STF (21/03/2018) – Márcio André Lopes Cavalcante | 18

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