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Diálogos entre Carvão animal e o pensamento de Giorgio Agamben1

SILVA, Haniel Duarte da2

O presente artigo procura o diálogo entre o pensamento de Giorgio Agamben,


especialmente em suas reflexões sobre a Biopolítica, e a obra Carvão animal de Ana
Paula Maia. A escrita da autora procura fazer sobressair, a cada momento, os aspectos
da vida de pessoas que transitam pelos espaços invisibilizados pela própria forma de
vida hegemônica na cidade.

A leitura proposta a partir de Agamben se concentra nas conclusões provisórias


que o autor oferece ao final do primeiro volume da obra Homo Sacer3: o bando como
relação política originária; a produção da vida nua pelo poder soberano; e o campo
como paradigma biopolítico do Ocidente.

Como a tentativa é justamente de aproximar o pensar filosófico da questão


literária, os conceitos serão problematizados juntamente com as passagens do livro mais
pertinentes para as questões. A escolha foi de seguir a aparição na própria obra Carvão
animal destas questões, sugerindo uma estrutura formal que não condiz com predileções
ou hierarquizações. Da mesma forma, serão citados os trechos da obra na íntegra, com o
propósito de fazer aparecer o diálogo proposto a partir das possibilidades que o texto
oferece.

A primeira questão que Ana Paula Maia indica é a questão do trágico. Apesar de
estar longe, em termos de gênero, do drama ou da tragédia clássica, a autora suscita a
diferenciação Aristotélica4 entre tragédia e comédia, onde a primeira é a imitação de
indivíduos de alta índole e a segunda a imitação de indivíduos de baixa índole. Este é
um dos critérios apontados por Aristóteles para ajudar a identificar se um texto é trágico
ou não.

No texto de Ana Paula Maia encontramos, logo em seu começo, uma introdução
ao conteúdo de sua novela:

1
Trabalho realizado para a disciplina de Teoria da Literatura do mestrado em Letras da FURG.
2
Mestrando em Letras pela FURG. Bolsista Capes.
3
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2. ed. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2010. p. 176.
4
ARISTÓTELES. Poética. 7ª Ed. [S.L]: Imprensa Nacional, Casa da moeda. 2003. p. 105.
Acostumou-se aos gritos de desespero, ao sangue e à morte. Quando
começou a trabalhar, descobriu que nesta profissão há uma espécie de
loucura e determinação em salvar o outro. Seus atos de bravura não o fazem
julgar-se herói. No fim do dia, ainda sente os seus impactos. É na tentativa de
preservar alguma esperança de vida em algum lugar que todos os dias ele se
levanta e vai para o trabalho5.

A profissão da qual a autora fala é a de bombeiro. Apesar da determinação em salvar


outros, colocando sua própria vida em risco constantemente em atos de bravura, a
personagem não se julga herói. Parece existir, desta maneira, uma separação entre os
atos praticados, que em geral apontam para uma alta índole, e a representação destes
atos, que o subjugam na normalidade. Seus atos profissionais estão mais ligados ao
rotineiro do que o extraordinário. Ao final, existe banalidade no que faz.

É justamente essa banalidade que é analisada por Kosik6, que o permitirá dizer,
ao menos no primeiro momento, que se vive hoje em uma época pós-heroica e que resta
excluída a própria possibilidade do trágico. Não é que Ernesto Wesley não seja um
herói, ou mesmo que não realize atitudes heroicas, mas que

significa apenas que tudo que se faz de bom, grande, corajoso e heróico, tudo
que se cria de belo e poético, é arrastado na correnteza da banalização e da
desindividualização, perdendo sua originalidade e sua força7.

É levando em conta as palavras de Kosik que é possível entender que a banalização dos
atos de Ernesto Wesley se encontra intimamente ligadas com sua profissão, de
bombeiro, que ocasiona em sua desindividualização. Além dele, várias outras pessoas
trabalham em conjunto, diariamente, realizando atos dignos de serem representados.
Ainda assim, a própria personagem não é mais capaz de reconhecer a grandiosidade de
seus atos.

Ainda segundo Kosik8, o trágico é a representatividade do conflito existente na


pólis grega, da comunidade possível na Grécia Antiga. Logo, para haver tragédia, é
necessário um espaço político que propicie a convivência de forças que engendram a
questão trágica. Esta é uma questão importante, que será retomada quando da hora de
refletir sobre o paradigma político da modernidade em Agamben. O importante de

5
MAIA, Ana Paula. Carvão animal. Rio de Janeiro: Record, 2011.A edição utilizada foi digital,
publicada pela Record, na qual não consta numeração das páginas.
6
KOSIK, Karel. O SÉCULO DE GRETE SAMSA: sobre a possibilidade ou a impossibilidade do
trágico no
nosso tempo. Disponível em: http://www.pgletras.uerj.br/matraga/nrsantigos/matraga8kosik.pdf Acesso
em 17/12/2017.
7
Ibid. p. 3-4.
8
Ibid. p. 7.
ressaltar agora é somente que, a partir de Kosik, a banalidade dos atos de Ernesto
Wesley podem ser significados a partir da intersubjetividade criadora dos seus pares.

A desintegração da comunidade, que talvez já tenha perdido qualquer


configuração de pólis, não permite que os indivíduos sejam receptáculos do agir de
Ernesto Wesley. Qualquer valoração de suas ações está condicionada pela sua aceitação
do risco ao se tornar bombeiro. Para a massa, suas ações não são heroicas. Diante de tal
fato, não é surpresa que ele mesmo não consiga se considerar herói.

Outro personagem do livro, Ronivon, também fala sobre banalidade. No seu


caso, no entanto, se trata da banalidade da morte. A personagem

Ronivon acredita que o homem deve retornar ao pó, pois do pó foi criado.
Não concorda com as cinzas finais. Para ele, tornar-se pó é necessário. As
cinzas são subversivas. Uma ossada, restos de tecido orgânico, fios de cabelo,
entre outros, são indícios que perdurarão por anos. Restarem só as cinzas é
não ter vestígio algum. É não ter túmulo, moradia póstuma, flores no dia dos
mortos e a visita de nenhum ente. Os restos são reconhecíveis ao menos num
laboratório. Reduzido a cinzas, não é mais possível identificar a origem; se de
um homem ou de um animal9.

O que está em jogo nesta passagem é justamente a antiga questão que envolve os termos
gregos zoé e bíos. Segundo Agamben10

os gregos não possuíam um termo único para exprimir o que nós queremos
dizer com a palavra vida. Serviam-se de dois termos, semântica e
morfologicamente distintos, ainda que reportáveis a um ético comum: zoé,
que exprimia o simples fato de viver comum a todos os seres vivos (animais,
homens ou deuses, e bíos, que indicava a forma ou maneira de viver própria
de um individuo ou de um grupo

A vida como bíos é uma vida qualificada. A vida das cinzas é completamente
desqualificada, não permanecendo qualquer vestígio das pessoas. Como não é possível
reconhecer a diferença entre as cinzas humanas e não humanas, como acontece com a
diferença das ossadas de animais humanos e não humanos, também resta indiferente
aquilo que separava bíos e zoé. A cinza desqualifica a vida humana.

Essa indiferença não acaba neste ponto. É por isso que, sobre o trabalho de
Ronivon no crematório, pode-se dizer que

o cliente nunca reclama, e, caso a mercadoria sofra danos, basta preencher a


urna funerária com sobras de cinzas que são guardadas pelo funcionário da
manutenção do forno. Este sempre apanha uns punhados de cinzas

9
MAIA, Ana Paula. Carvão animal. Rio de Janeiro: Record, 2011
10
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2. ed. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2010. p. 9
provenientes de muitas cremações e guarda-as num galão de plástico. Depois
são moídas de modo uniforme e repõem a falta dos grãos perdidos dos
outros11.

O processo de individualização, que já não era possível em vida segundo Kosik, ocorre
também após a morte. As cinzas são intercambiáveis e toda qualificação da vida
humana está perdida. Não se trata, é claro, de reivindicar qualquer tipo de diferenciação
típica das sociedades modernas, como classe ou critérios étnicos. Trata-se tão somente
de apontar para a impossibilidade de qualquer alteridade.

Nos termos propostos no presente artigo, esta indiferenciação está relacionada


com a forma política da modernidade. Em Foucault12 aparece a ideia de uma
(bio)política que lida com a população como problema político, científico e biológico ao
mesmo tempo. Trata-se, é claro, da passagem do paradigma de „fazer morrer e deixar
viver‟ ao paradigma do „fazer viver e deixar morrer‟. É um cuidado especial em torno
da estatística, da natalidade, da mortalidade, das questões ambientais da cidade e de sua
higiene, enfim, das características biológicas da vida e da sua inclusão nos cálculos
governamentais. Marca também o aparecimento da ideia de população, que já não
coincide completamente com as ideias modernas de povo de uma nação limitada pelo
seu território, justamente pelo cuidado maior com as especificidades que são
apresentadas pelo maior número de informações coletadas de uma massa de pessoas.

No século XX foi possível assistir um alargamento deste processo inicialmente


identificado como decisão sobre a vida nua, uma ultrapassagem dos limites do estado de
exceção em termos de soberania que representa a passagem de uma decisão sobre a vida
em decisão sobre a morte, sem voltar, no entanto, ao paradigma da soberania: a
biopolítica converte-se em tanatopolítica. É este caminho que Agamben propõe trilhar:
“o campo, como puro, absoluto e insuperado espaço biopolítico (e enquanto tal fundado
unicamente sobre o estado de exceção), surgirá como o paradigma oculto do espaço
político da modernidade, do qual deveremos aprender a reconhecer as metamorfoses e
travestimentos”13

11
MAIA, Ana Paula. Carvão animal. Rio de Janeiro: Record, 2011
12
FOUCAULT, Michel. Em defesa da Sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo:
Martins fontes, 1999, p. 292-293.
13
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2. ed. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2010, p. 119.
Na obra de Ana Paula Maia a biopolítica e a tanatopolítica aparecem fortemente
na figura ambiental. A preocupação com a vida e com a morte aparece como fonte de
um sistema:

O planeta é mensurável e transitório. Assim como o espaço para armazenar


lixo está se findando, para inumar os cadáveres também. Daqui a algumas
décadas ou uma centena de anos haverá mais corpos embaixo da terra do que
sobre ela. Estaremos pisando em antepassados, vizinhos, parentes e inimigos,
como pisamos em grama seca; sem nos importarmos. O solo e a água estarão
contaminados por necrochorume, um líquido que sai dos corpos em
decomposição e possui substâncias tóxicas. A morte ainda pode gerar morte.
Ela se espalha até quando não é percebida14.

A morte que ainda pode gerar morte é representativa de certa forma mentis dessa
política que já não retoma a ideia de pólis grega. Como tão bem demonstrou Antígona
de Sófocles ou mesmo Édipo em Colona, o sepultamento faz parte da organização da
cidade. A contaminação do solo e da água pelos mortos somente é possível pois uma
das características da política moderna é a preocupação excessiva com o momentâneo e
com o imediato. O impacto ambiental das práticas do capitalismo não faz parte da
biopolítica. A vida que importa é aquela que está no presente.

A exceção para esta forma de tratamento no texto de Maia é justamente a


questão econômica possível a partir da tanatopolítica. A única forma de inclusão do
corpo morto na vida em sociedade é através do

calor gerado pelos fornos crematórios passa por uma tubulação ligada a um
conversor termoelétrico, que transforma o calor em energia elétrica. O calor
dos mortos ajuda a suprir parte da energia usada tanto no crematório quanto
no hospital que fica a um quilômetro dali, além de em alguns
estabelecimentos comerciais da redondeza. Os mortos do hospital,
principalmente os indigentes, são cremados no Colina dos Anjos e seu calor
transformado em energia para abastecer os vivos. Os vivos de Abalurdes
sabem aproveitar bem os seus mortos 15

Os mortos são reinseridos na dinâmica da vida através da energia elétrica gerada a partir
de sua cremação. Não existe qualquer relação de respeito, como na Grécia Antiga, ou
mesmo de medo e culto como em outras sociedades. A degeneração do tecido social
impede que mesmo os mortos estejam imunes aos caprichos do sistema capitalista.

A situação se agrava quando se percebe que na cidade imaginária de


Maia, Abalurdes, os corpos “continuam a ser cremados e, ao contrário do que se
imaginou sobre a escassez de matéria-prima nos fornos crematórios, dezenas de

14
MAIA, Ana Paula. Carvão animal. Rio de Janeiro: Record, 2011
15
Ibid.
indigentes e bêbados morrem durante o frio da madrugada em toda a
circunvizinhança”16. Esta pequena passagem joga luz para as três figuras apresentadas
anteriormente e que estão relacionadas com a pesquisa de Agamben e que agora devem
ser analisadas.

A primeira delas é a relação de bando como política originária. A conclusão de


Agamben é que a vida é sempre incluída através de uma exceção. O soberano está
sempre abandonando a vida. Mas essa vida não qualquer vida, mas sim a vida do Homo
sacer, figura que Agamben resgata do antigo Direito Romano. O caminho proposto pelo
autor consiste no tratamento da relação da vida do Homo sacer, como a que se situa no
“cruzamento entre uma matabilidade e uma insacrificabilidade”17, é o da interpretação
do „sagrado‟ como figura autônoma que lançaria luz sobre uma estrutura política
originária que ainda estaria reverberando no contemporâneo.

A importância e o reflexo da vida nua ou o Homo sacer se encontrar em relação


de abandono é que as bases jurídico-políticas de um direito humano estão baseadas na
sacralidade da vida humana. A dignidade da pessoa humana, sim, é uma secularização
de uma ideia teológica. Aquilo que a modernidade colocou como base frente ao poder
soberano é, na verdade, a sujeição da vida ao poder da morte, ao poder soberano18,
motivo pelo qual a concepção já vista quando da sociedade da soberania, onde soberano
é aquele que “faz morrer e deixa viver” permaneceu em ação e inclusive se intensificou
quando da passagem ao paradigma biopolítico (fazer viver e deixar morrer).

Quando Ana Paula Maia retrata os indigentes e bêbados que morrem de frio e
são cremados para gerar calor para a cidade, o que está sendo retratado é também esse
paradigma biopolítico: não se mata essas pessoas diretamente, no fazer morrer, mas sim
existe uma relação de abandono dessa vida, que é deixada morrer. Ela somente é
incluída nos cálculos do poder através de sua exclusão da normalidade.

Essa dinâmica somente é possível pois o nómos soberano é a relação de


abandono. Ou, como propõe Agamben de forma bastante provocativa, não é mais a
pólis a figura que melhor representa a estrutura social, mas sim o campo de

16
MAIA, Ana Paula. Carvão animal. Rio de Janeiro: Record, 2011
17
AGAMBEN, GIORGIO. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2. ed. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2010 p. 76.
18
Ibid. p. 85.
concentração19. Esses seres humanos da qual falou a autora possuem mais valia quando
incluídos no paradigma biopolítico após sua morte. Eles não são sacrificáveis, pois não
podem morrer dignamente, não são objeto do fazer viver do soberano. São apenas
matáveis, através de sua total exclusão da vida política, que engendra as condições de
sua morte.

A produção desse Homo sacer reaparece quando Ana Paula Maia retrata os
trabalhadores de uma carvoaria:

a fuligem cobre os olhos, os ouvidos, a boca. Esses homens carvoeiros são


cegos, surdos e mudos pelas cinzas. Não usam luvas, botas, filtros para
respirar ou roupas adequadas. Manuseiam tudo com o corpo exposto, a pele à
mostra e os pulmões infectados. Enquanto trabalham, são irreconhecíveis.
São todos iguais durante o trabalho que dura dez horas por dia, seis dias por
semana. Passam a maior parte do tempo cobertos de um negrume que não sai
mais, pois todos os dias eles voltam para o mesmo lugar. Assim, vistos de
longe, esses homens são apenas sombras. Todos negros e sem distinção. São
sombras produzidas pelo trabalho duro que é transformar natureza viva em
morta para subsistir20

A vida nua, neste caso, ganha a materialização através das sombras que se tornaram os
seres humanos obrigados a trabalhar em condições que ressaltam sua característica de
ser matável. Eles não usam equipamento de proteção, trabalham tempo demais em uma
mina de carvão sem qualquer segurança e se tornam cada vez mais indiferenciáveis com
relação ao seu meio de subsistência.

É possível dizer que a escrita de Ana Paula Maia reforça as ideias propostas por
Agamben. Ao retratar a vida que é vivida por aqueles que estão separados da
normalidade, excluídos, ela joga luz sobre as dinâmicas da exceção que constitui o
paradigma biopolítico da modernidade. A sua cidade, Abalurdes, não se diferencia de
qualquer cidade grande ocidental, senão pelo fato de ser fictícia.

19
Ibid. p. 173.
20
MAIA, Ana Paula. Carvão animal. Rio de Janeiro: Record, 2011
Referencial bibliográfico

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2. ed. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2010.

ARISTÓTELES. Poética. 7ª Ed. [S.L]: Imprensa Nacional, Casa da moeda.


2003

FOUCAULT, Michel. Em defesa da Sociedade: curso no Collège de France


(1975-1976). São Paulo: Martins fontes, 1999.

KOSIK, Karel. O SÉCULO DE GRETE SAMSA: sobre a possibilidade ou a


impossibilidade do trágico no nosso tempo. Disponível em:
http://www.pgletras.uerj.br/matraga/nrsantigos/matraga8kosik.pdf Acesso em
17/12/2017.

MAIA, Ana Paula. Carvão animal. Rio de Janeiro: Record, 2011.

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