Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Prólogo ................................................................................... 11
9
Prólogo
E
screvo este texto numa sala de espera do Campus da Justiça, em
Lisboa. O espaço, decorado em tons de cinzento, não terá mais
de dez metros quadrados. Dez metros de silêncio. Dez metros de
um edifício recente, sem história, sem alma, sem nada que o distinga de
outros que marcam a zona oriental da cidade.
Há dois dias que, juntamente com o meu colega António José Vilela,
estou a ser julgado pela alegada violação do segredo de justiça no pro-
cesso Marquês. O António está a meu lado, a rabiscar apressadamente
notas dispersas numa folha branca, que contrasta com a tinta preta da
sua esferográfica uni-ball. Será ouvido hoje por um juiz. Talvez. Quanto
a mim, só um milagre me fará avançar para o banco dos réus nas pró-
ximas horas. Porque são 14h24 e o tribunal encerra obrigatoriamente
às 17h00. Mas aqui estou. E estarei amanhã. E depois. E depois ainda.
Porque a justiça é lenta. Tão lenta que desalenta. A justiça é uma car-
ruagem secular arrastada por dois cavalos envelhecidos; o universo dos
média, a que pertenço, é um Ferrari propulsionado por mil cavalos de
potência.
11
A SANGUE FRIO
12
PRÓLOGO
13
A SANGUE FRIO
Os restantes onze nomes que são tratados com detalhe têm, cada um
à sua escala, uma importância capital no processo, quer pelos crimes
que terão cometido, quer pelas notícias que publicaram, quer pelo que
a sua relação com José Sócrates significa sobre si e sobre o ex-primeiro-
-ministro.
Fernanda Câncio e Sandra Santos, por exemplo, foram arrumadas no
mesmo capítulo porque juntas são, sempre segundo o Ministério Público
(MP), uma prova cabal de que José Sócrates tinha um estilo de vida
alicerçado em milhões quando declarava tostões. As duas, ainda que de
forma diversa, obtiveram vantagens na relação com um homem que, na
definição de Fernanda Câncio, era irresistível por, entre outras coisas, ter
«massa e casa em Paris».
Dinheiro é também o que agrupa o quarteto constituído por Ricardo
Salgado, Zeinal Bava, Henrique Granadeiro e Hélder Bataglia. Se Sócra-
tes é o sangue e o ar do processo, Salgado e os seus amigos terão sido,
segundo Rosário Teixeira e Carlos Alexandre, o combustível para que o
ex-primeiro-ministro funcionasse, sempre à velocidade da luz, como
entreposto de interesses e negócios milionários. Falta agora que o provem
de forma cabal em sede de julgamento. A sua importância é nuclear.
Nucleares também têm sido os jornalistas que acompanham o caso,
e que estão agrupados num capítulo à parte. Octávio Ribeiro, diretor do
Correio da Manhã (CM), teve a ideia de investigar a vida de José Sócra-
tes em Paris. Foi a partir desse momento que o país acordou para o tema.
A dupla Pedro Santos Guerreiro/Micael Pereira, do Expresso, também
teve um papel primordial: foi no âmbito da investigação dos Panama
Papers que se identificaram as transferências de milhões de euros entre a
Espírito Santo Enterprises e Carlos Santos Silva, alegado testa-de-ferro
de Sócrates, com passagem pelas contas de Hélder Bataglia. Mais: foi ao
Expresso que o empresário luso-angolano revelou em primeira mão que
Ricardo Salgado lhe pediu para fazer chegar dinheiro a Carlos Santos
Silva. Foi uma declaração curta, de apenas uma linha, mas que provocou
um tumulto na investigação – a partir desse sábado, nada mais foi o
mesmo na Operação Marquês.
14
PRÓLOGO
15
A SANGUE FRIO
16