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OS BEBES E SUAS MAES D. W. Winnicott Martins Fontes Sao Pavia 2002 Prefticio dos organizadores A mde dedicada comum Saber e aprender O recém-nascido e sua mae As origens do individuo .... tre bebe ea mae e entre a mae & © bebe: convergéncias e divergéncias Fontes dos capitulos .. 7 Nota bibliogrifica: as obras de D. W. vil XI B 19 2» B 31 61 2B 9 93 7 INTRODUCAO Peer Tizard Presidente da British Paediauie rante a maior parte de sua vida profissional. E um privilégio imen- so, embora assustador, ter sido convidado pelos organizadores deste livro a escrever uma introducdo, pois o Dr. Winnicott foi, entre 0s meus antecessores, o pediatra que mais admirei e com quem mais aprendi. A partir de seus muitos artigos in: dos em revistas especializadas, portant inacessiveis a0 lcitor co mum, os organizadores selecionaram ¢ ordenaram nove capitulos de modo a oferecer um balanco coerente do inicio da vida de bebés normais e de suas mes — ou maes substitutas —, emo- cionalmente insepardveis. Com excegdo do, capitulo 7, que é um programa de radio, 08 artigos aue compdem este livro do sao enderecados &s macs. No capitulo 8, 0 Dr. Winnicott afirma que a mae niio pode apren- der nos livros, com as enfermeiras ou com os médicos, a fazer © que the cabe fazer. Realmente, estas fontes de consethos po- dem ser mais maléficas do que benéficas. Para 0 “espe em cuidados a crianga, ensinar as maes a grande importancia do jue elas fazem pelos seus bebés signi e “‘a partir dai passam a fazer tudo pior do que faziam’”. O livro destina-se aos assim chamados conselheiros (0 médico, a parteira ou a enfermeira) e a mensagem do Dr. Winnicott a es- sas pessoas & de que fortalecam a confianga da mae em si mes- ma e em sua capacidade de perceber 0 seu bebé no decorrer do processo complexo, mas natural, que parte da total dependén- cia ¢ identificagio para com a mae, € conduz a um estagio que encontra sua melhor definigao nas palavras de Ter So rounds he to a separate mind From whence clear memory may begi ‘As through the frame that binds His isolation grows defined.* As hipéteses de Winnicott sobre o desenvolvimento emo- ccional inicial do bebé ¢ sua facilitago pela mde certamente in- fluenciaram a pratica pediétrica pelo menos nas tiltimas trés décadas, e continuarao a influencid-la. Da mesma forma, suas concepedes ja tiveram um efeito benéfico, nem sempre conscien- temente reconhecido, sobre outros profissionais dedicados aos cuidados de recém-nascidos e de bebés, como é 0 caso de obste- tras ¢ parteiras, visitadores sanitarios e assistentes sociais, inclu- sive os especializados em adogao. Este livro deveria consolidar sua influéncia sobre todos esses grupos profissionais, para os quais © conhecimento do desenvolvimento humano ¢ essencial a uma pratica adequada. Talvez a ligdo mais importante a ser aprendi- da pelo “especialista’” seja nao interferir desnecessariamente ¢ aprender com a mae, ao invés de tentar ensiné-a. 0 Dr. Winnicott foi um bom eseritor, as vezes muito bom, outras vezes nem tanto, mas foi muito melhor como professor e brithante como conferencista. Para expressar suas idéias de mo- do claro e vivido, precisava da proximidade de uma platéia; alm disso, tinha a capacidade de mudar de estilo e de contaddo em funcao do nivel de comipreensao e do humor da platéia, fosse ela constituida de uma pessoa ou de centenas delas. E pena que ele ndo tenha tido um bidgrafo amigo que anotasse minuciosa- mente suas palestras; alias, & pena que ele ndo tenha tido uma diizia deles! © fato de sete dos nove capitulos serern transcrigdes de conferéncias ¢ um ser um programa de radio € um aspect muito positivo deste livro, que torna sua leitura agradavel e mais Facil do que a de alguns de seus artigos escritos. ite: Asim ele hea A independléncia de epi ce esiarecida/E bore ‘Onde pode Seu isolamento st define. (NT) Na conferéncia ‘A comunicacio entre o bebé ea mae e en- wea mae € 0 bebé” (capitulo 9), 0 autor diz: “Poderiamos exa- minar tanto o patolégico quanto 0 normal, mas, como este presta-se mais facilmente a observacdo, é a alterniativa que vou escolher.”" E possivel que Winnicott realmente achasse mais sim- ples caracterizar a comunicagao satisfatoria do que a comunica- cdo insatisfatéria enire o bebé e a mae, embora nao seja verdade, enquanto generalizacdo, que é mais facil descrever a “‘norm: dade"” do que a “anormalidade”’ (o mesmo vale para o bindmio felicidade-infelicidade). Winnicott sabia muito bem disso ¢ 0 tor- nou parte de seus ensinamentos. No entanto, o fato de estar prin- cipalmente voltado ndo para a doenga mental, mas para 0 coneeito mais dificil de saude mental, "*nao para a rigidez, mas para a flexibilidade na organizagao das defesas", como ele mes- mo afirma, 6 outro aspecto positive deste livro, ¢ particularmente do capitulo acima mencionado, A validade da psicdndlise, no s6 enquanto recurso de apren- dizagem mas também como terapia, continua sendo objeto de controvérsia, mas 0 fato de que o extraordindrio conhecimento de Winnicott sobre o desenvolvimento humano inicial tenha or gem no s6 na observacao direta de bebés e de suas maes (pt jpalmente em seu ambulatorio de pediatria), mas também na é suficiente para me fazer ver com bons cle faz do seu saber. Algumas partes do livro contém uma argumentacao intrin- cada, mas a concentragdo necessiria & compreensao do que Win- jcott quer dizer ceveria estimutar a teitar a pensar por si mesma ea chegar as 5 entanto, & nha passagem Vigtlia do beb@ inicialmente esté voltada para a alime ma, bebé est acumulando material para o sonho. Que bela frase! E ainda assim Donald Winnicott era um na arte de provocar riso apelando para uma espécie de “ negro”. E ic nesta conferéncia, apds uma pausa | cuidadosamente dosada, ele nao tenhe feito o seguinte aparte: contanto que OS BEBES F SUAS MAES Apesar da adverténcia do Dr. Winnicott, este livro poderia muito bem ser Lido pelas maes, com proveito e prazer, embora somente depois que tivessem criado seus filhos, ‘“‘maternizando- os bem’, como a maioria das maes o faz. Quanto aos demais 1u ditia que é contraproducente recomendar ivro, por maior que seja seu valor, ou imo que posso desejar € es perar é que Os Bebés e suas Mies, de Donald Winnicott, chegue rapidamente até professores ¢ alunos das varias profissdes que tém, entre suas incumbéncias, 0 desempeaho de um papel con- sultivo na eriagdo de criangas pequenas. Sue leitura atenta au- mentard a consci npreensao a respeito do desenvolvimento inicial do ser humano e do possivel impacto — benéfico ou prejudicial — da atuacdo profission Peter Tizard janeiro de 1986 PREFACIO DOS ORGANIZADORES Nos anos que se seguiram & morte de Donald Winnicott, em 1971, decidiu-se que 05 seus artigos inéditos, juntamente com os que 36 haviam aparecido em revistas e antologias, seriam pul dos em coleténeas. Os textos reunidos neste livro tratam especificamente dos processos psicolégicos que ocorrem com o bebé por ocasiao de seu nascimento ¢ logo apés o mesmo, quando “‘na mente rudi- mentar do bebé ainda nao foi estabelecida uma distincao entre ele ea mae”, ¢ examinam as implicagdes que dai decorrem para aqueles que cuidam dos recém-nascidos € suas maes Esperamos que, em especial, os profissionais da area pos- sam ver neste livro uma fonte valiosa de informagdes e prazer, ‘e que ele alcance uma nova geracdo de leitores que possam utili- zar a capacidade que Winnicott tem de ver o eterno naquilo que € efémero. Ray Sheperd Madeleine Davis Londres, 1986 1. A MAE DEDICADA COMUM Como dizer algo de novo sobre um assunto jé por tantas vezes abordado? Meu nome ficou muito ligado a estas palavras, ¢ tal- vez eu deva, inicialmente, dar algumas explicagdes No verdo de 1949, eu e Isa Benzie, produtora da B.B.C., caminhavamos em busca de um lugar onde pudéssemos beber algo; Isa, que atualmente esté aposentada, é uma pessoa cujo nome me agrada recordar, e enquanto andavamos ela colocou 8 minha disposicAo a possibilidade de fazer uma série de nove palestras, sobre quaisquer temas que eu escothesse. Ela estava, naturalmente, em busca de um bom titulo, mas eu nao sabi disso. a 0 menor interesse em tentar dizer &s pes- soas 0 que clas deveriam fazer. Para comecar, eu também nao sabia, No entanto, eu gostaria de me dirigir a maes e falar-thes sobre a coisa que elas fazem bem, e que assim o fazem simples- ¢ porque toda mac dediea-se & tarcfa que tem pela frente, é, cuidar de um bebé, ou talvez de gémeos. Eu disse que nor- malmente ¢ isso que acontece, ¢ que constitui uma exce¢&o 0 fato de um bebé ser cuidado, desde o inicio, por um especialis- = Antes que ca ros, Isa Benzie percebeu a dica, e disse: “Fantastico! A mae dedicada comum.” E assim oi Como voeés podem imaginar, esta frase deu origem a co- mentarios sarcasticos, ¢ ha muitas pessoas que acham que sou Obs. 2 SEES" 8 BEBES E SUAS MAES sentimental quanto & maes, que as idealizo ¢ deixo de lado os pais, e que sou incapaz de pesceber que algumas macs sio horri- veis, quando nao de todo invidveis. Tenho de conviver com es- inconvenientes, pois no me envergonho daquilo cto naquelas palavras. Ha outro tipo de critica, proveniente daqueles que jé me ou- viram afirmar que 0 fracasso das maes a nivel da mae dedicada comum é um dos fatores na etiologia do autismo. As pessoas sentem que € uma acusacdo, quando na verdade s6 se esta avan- cando com légica e fazendo referéncia aos efeitos do fracasso da mae dedicada comum. Mas nao ser natural que, se esta coi- sa chamada dedicacao for realmente importante, a sua auséncia ‘ou uma fatha nesta rea tenham conseqiiéncias desfavordveis? Voltarei ao tema quando discutir 0 que se entende pela palavra culp Vejo que no posso deisar de dizer 0 dbvio. Faco uma ob- servagdo banal quando digo que com a palavra dedicada quero simplesmente dizer dedicada. Suponhamos que vocés estejam en- catregados de providenciar es flores para o altar de sua igreja, no final de cada semana. Caso assurnam a responsabilidade, nao se esquecerao de cumpri-la, As sextas-feiras vocés certamente es- taro tomiando todas as providéncias para que as flores la este- jam para serem arrumadas; se vocés ficarem gripados, comegardo a telefonar ou mandarao um recado para alguém através do lei- teiro, mesmo que nao iéia de o trabalho ser feito por outras pessoas. Quando a congregacao se reunir no domin- 20, jamais iré se deparar com um altar vazio ou com flores mortas em vasos sujos enfeiando o altar, em vez de enfeita-lo, Ao mes- mo tempo, porém, nao se pode afirmar, espero, que vocés vao ficar perturbados ou preoccpados de segunda a quinta. O as- sunto esta simplesmente adormecido no fundo de suas mentes, € a0 tornar-se ativo, na sexta-feira ou talvez no sébado, faz com que vocés também se lembrem da responsabilidade assumida, Da mesma forma, as mulheres nao ficam 0 tempo todo egi- tadas, pensando que deveriam estar tomando conta de unt be- bé, Jogam ténis, 18m um trabalho que as absorve inteiramente, e fazem, com bastante naturalidade, todo tipo de coisas mascu- lings, como por exemplo serem irresponsaveis, darem tudo co- “MAE BEDICADA COMUM mo certo e sem necessidade de questionamentos, ou participarem de corridas de carros, Em relagao ao caso das flores para o al- tar, isso equivale ao perfodo de segunda a sexta. Entdo, um dia, descobrem que se tornaram anfitrias de um novo ser humano que decidiu alojar-se nelas e, da mesma forma gue Robert Morley na obra The Man who Came to Dinner, fa- zer um ntimero sempre maior de exigéncias até algum dia, num futuro muito distante, quando novamente haverd paz.e trangiii- lidade, e elas, estas mulheres, poderdo voltar a exercer uma for- ma mais direta de auto-expressio, Durante este perfodo prolongado de sexta-sébado-domingo, estiveram atravessando uma fase de auto-cxpressao através da identificagdo com algo ‘que, se a sorte ajudar, se transformara em um bebé que ird tornar auténomo, mordendo a mao que 0 ‘Acontece que existe este periodo muito titil de nove meses, 0 longo do qual ha tempo suficiente para que ocorra uma trans- formacdo importante na mulher, que pode entdo passar de um Lipo de egoismo para outro. © mesmo se observa.com relagao aos pais, ¢ assim também é com as pessoas que decidem adotar um bebé, que se véem as voltas com a idéia da adocio, ficam excitadas ¢ atingem um ponto em que é preciso que o bebé se materialize — infelizmente, para quem o adota, ha nesta altura ‘um desapontamento, pois, quando o bebé ¢ encontrado, nao tem mais a certeza de que 0 queria. Quero enfatizar a importncia deste periodo de preparacao Quando eu estudava medicina, tive um amigo poeta. Como mu tos de nds, era uma das pessoas que dividiam alguns aposentos muito bons na parte mais pobre de North Kensington. Vou con- lar, a seguir, como conseguimos os tais alojamentos. Meu amigo, 0 poeta, que era muito alto ¢ preguicoso, e es- tava sempre fumando, caminhava por uma ladeira quando viu uma casa que Ihe pareceu muito agradavel. Tocou a campainha. Uma mulher veio até a porta, ¢ ele gostou da expresso de seu rosto. Entdo, disse: “Gostaria de alugar u a mulher respondeu que tinha uma vaga, perguntando- do viria, Ble disse: “J4 vim." Assim, ele entrou e, quando a mu- Ther mostrou-lhe o quarto, disse: “Acontece que estou doente, € jamente para a cama. A que horas 0 cha serd 4 05 BEBES E SUAS MAES servido?"” Meu amigo foi para a cama, de ende nio saiu por seis meses. Em poucos dias, todos nés estavamos muito bem instala- dos, mas o poeta continuou sendo 0 favorito da proprietria, A natureza, no entanto, decretou que os bebés niio possam escolher suas maes. Eles simplesmente aparecem, ¢ as maes t&m © tempo necessério para se reorientar e para descobrir que, du- rante alguns meses, seu oriente nao estard localizado a leste, mas sim no centro (ou seré que um pouco fora do centro?). Sugiro, como vocés sabem, ¢ suponho que todos concor- dem, que comumente a mae entra numa fase, uma fase da qual ela comumente se recupera nas semanas ¢ meses que se segtiem a0 nascimento do bebé, e na qual, em grande parte, ela é 0 be- bé, € o bebé é ela. E nao ha nada de mistico nisso. Afinal de contas, cla rambém ja foi um bebé, e traz.com ela as lembrangas de té-10 sido: tem, igualmente, recordagdes de que alguém cui- dou dela, estas lembrancas tanto podem ajuda-la quanto atrapalhé-la em sua propria experigneia como mae. Penso que quando o bebe ja esta pronto para nascer, a mae, se adequadamente assistida por seu companheiro, pela Previdén. cia Social ou por ambos, esta preparada para uma experié nna qual ela sabe, muitissimo bem, quais sio as necessidades do bebé. Vocés naturalmente entenderdo que nio estou apenas me referindo ao fato de ela ser capaz de saber se 0 bebé est ou nao com fome, e todo este tipo de coisas; refiro-me as intimeras coi- a8 sutis, coisas que somente men amigo poeta seria capaz de expressar adequadamente cm palavras. De ninha parte, dou-me por satisfeito en: usar 0 verbo segurar, ar © seu significa. do para que possa abranger tudo aquilo que, nesta casio, uma mie é ¢ faz. Creio que se trata de um periodo critico, mas mal me atrevo a dizer tal coisa, pois seria uma pena fazer com que uum muther se sentisse constrangida exatamente neste ponto em que cla age naturaimente. E neste ponto que cla nao pode aprender nada nos livros. Ela nem mesmo pode recorrer 20 Dr. Spock*, nesie momento em que sente se o bebé precisa ser to- | | | SEDICADA COMUM mado nos bragos ou colocado sobre uma superficie qualquer, sé deixado a 565 ou mudado de posig&o, ou em que sabe que © essencial constitui a mais simples de todas as experiéncias, 2 que se baseia no contato sem atividade ¢ que cria as condigdes necessérias para que se manifeste o sentimento de unidade entre duas pessoas, que de fato s40 duas, endo apenas uma, Estas coisas dao ao bebé a oportunidade de ser, a partir da qual po dem surgir as coisas seguintes, que tém a ver com a ago, 0 fa- zer ¢ o deixar que facam por ele. Aqui estao os fundamentos daquilo que, gradualmente, se torna para o bebé uma existéncia fundamentada na autopercepedo. Tudo isso é muito sutil, mas, ao longo de muitas repeticdes, ajuda a assentar os fundamentos da capacidade que o bebé tem de sentir-se real. Com esta capacidade, o bebé pode enfrentar © mundo ou (eu ditia) pode continuar a desenvolver os proces- sos de maturacio que ele ou ela herdaram, Quando existe estas condigdes, como em geral acontece, © bebé pode desenvolver a capacidade de ter sentimentos que, de alguma forma, correspondem aos sentimentos da mae que 5¢ identifica com o seu bebé; ou, talvez eu devesse dizer, da mae gue esta profundamente envolvida com seu bebé e com os cui- dados que Ihe dedica. Aos trés ou quatro meses de idade, 0 bebé pode ser capaz de mostrar que'sabe o que caracteriza uma mie, mia mae em estado de dedicagio a algo que, na verdade, uuinda muito precoce necessita de muito tempo para estabelecer- se como um mecanismo mais ou menos estavel nos processos men- tais da crianga. Como é de esperar, aquilo que esteve presente pode na verdade perder-se, Mas, aqui, estou mais interessado no fato de que o mais complexo s6 pode manifestar-se a partir do mais simples, ¢ em termos de saide a complexidade da men- te € da personalidade desenvolve-se gradualmente e através de um crescimento constante, que vai sempre do simples para 0 complexo, Com o tempo, o bebé comeca a precisar da mae para ser maisucedido em sua adaptacao — e esta falha também & um pro- cess0 gradual que nao pode ser aprendido nos livros, Para uma crianga, seria mu ‘0 aborrecido continuer vivenciando uma si- uacdo de onipoténcia quando ela ja dispoe dos mecanismos que permitem conviver com as frustragdes e as dificuldades de seu meio ambiente. Viver um sentimento de raiva, que nao se transforma em desespero, pode trazer muita satisfacdo, Qualquer dos pais aqui presentes saberd o que quero dizer quando afirmo gue, por mais que vocés tenham submetido o seu bebé as mais terriveis frustracdes, jamais deixaram de apo’ — isto é, 0 apoio dado pelo seu ego a0 ego do bebé foi digno de confianga. Nunca aconteceu de o bebé acordar gritando e nao hhaver ninguém por perio que © ouvisse. Em outros termas, vo- és constataram que nunca tentai dades para com 0 bebé através de mentiras. Mas, naturalmente, tudo isso implica nao apenas que a mae tenha sido capaz de det fa preocupacao com 05 cuidados para com o seu bebé, mas, também, que ela teve sorte. Nao preciso comegar a enumerar as coisas que po- dem acontecer até mesmo nas familias mais ajustadas, No en- tanto, darei trés exemplos para ilustrar trés tipos de situagoes problematicas. O primeiro detes é uma simples probabilidade — -a doente € morre, € tem que abandonar o seu bebé da maneira que mais odeia. Pode ser também que ela entre em uma nova gravidez antes dc tempo que ela anteriormente consi- derara adequado. Até certo ponto, ela poderia ser responsavel por esta complicagao, mas estas coisas nao so t4o simples as- sim. Uma mée poderia, também, enirar em depressao e sentir que esta privando seu filho daquilo que ele necesita. sem que tenha forgas suficientes para modificar o seu estado de espirito, que pode perfeitamente ser uma reagio a algo que afetou a sua vida privada, Neste caso, ela estara causando as dificuldades, mas ninguém a culpard por isso Em outras palavras, hé um grande nimero de razOes pelas quais algumas criancas s4o atingidas antes que sejam capazes de evitar que sua personalidade seja ferida bu lesada por algum acon- tecimento. - Devo, agora, retomar a idéia de culpa. E necessario que sai- bamos olhar para 0 crescimento e desenvolvimento humanos, com todas as suas complexidades que so pessoais ou intrinsecas & 4 MAE DEDICADA CO! crianca, e sejamos capazes de dizer: houve, aqui, uma falha do fator “mae dedicada comum’”, e fazé-lo sem culpar quem quer que seja. De minha parte, ndo tenho qualquer interesse em dis- tribuir a culpa. Maes ¢ pais culpam-se, mas esta é uma outra ques- to, e de fato eles costumam culpar-se por quase tudo, como, por exemplo, por terem uma crianga mongoldide, pelo que ne- nhum deles certamente pode ser considerado responsév No entanto, precisamos levar em con logia e ser ca- pazes, se necessirio, de dizer que aleumas das falhas de desen- jolvimento com as quais nos deparamos decorrem de uma Falla do fator “mée dedicada comum'* em determinado momento ou a0 longo de uma fase. Isto nada tem a ver com responsabilidade moral; trata-se, na verdade, de um outro assunto. De qualquer forma, “até que ponto terei sido boa enquanto mae?”, Tenho, entretanto, um motivo especial pelo qual sinto que devernos ser capazes de fazer uma diviso eq Lancia da etiologia (¢ nao da culpa), ¢ este motivo diz respeito a0 fato de que no podemos reconhecer o valor positive do fa- tor “mae dedicada comum’’ de nenhuma outra forma — a ne- cessidade vital que tem cada bebé de que alguém Facilite os estdgios iniciais dos processos de desenvolvimento psicolégico, ou desen- volvimento psicossomatico, ou, como talvez eu deva dizer, do desenvolvimento da personalidade mais imatura ¢ absolutamen- te dependente, que é a personalidade humana. Em outras palavras, nao acredito na histéria de Romulo € Remo, por maior que seja o meu respeito pelas lobas. Alguém humano encontrou e cuidou dos fundadores de Roma, se de fa- to pretendemos atribuir alguma verdade a este mito. NZo vou além a ponto de afirmar que nés, como homens ¢ mulheres, de- vemos aleuma coisa a cada uma das respectivas mulheres que fizeram isso por nés. Nao Ihes devemos nada. No entanto, para nds mesmos, devemos um reconhecimento intelectual do fato de que, no inicio, éramos absolutamente dependentes psicologica~ mente, e, por absolutamente, quero dizer absolutamente. Fel mente, recebemos de nossas mies a atencao que comumente elas dao aos bebis. Sera possivel dizer algo sobre as razdes pelas quais é neces- sério que uma mie seja capaz de adaptar-se de forma tao visce- tal as necessidades iniciais de seu filho!! E facil dizer muitas coisas sobre as necessidades mais Sbvias, embora mais comple- as, das criancas mais velhas e das criangas que esto passando pelo processo de nao mais relacionarem-se apenas com a mie, ‘mas Vendo-se, também, as voltas com relacionamentos triangu. lares. E facil perceber que as criancas necessitam de um meio ambiente firme, onde possam resolver seus conflitos de amor € Sdio ¢ suas duas tendéncias principais, isto & uma que os leva 4 se voltarem para o genitor do mesmo sexo, ¢ a outra, que os Gireciona para 0 genitor do sexo oposto, e que podem ser con- sideradas como as tendéncias hetero e homossexual na relagao objetal No entanto, vocés vao querer que eu tente fazer uma afir- magdo sobre as necessidades que a crianga tem neste estégio muito Inicial onde hd, quase sempre, uma figura de mae que se encon- tra numa situagdo de nao ter muitas outras coisas ocupando seus pensamentos, durante uma fase em que a dependéncia do bedé é absolura. Em alguma outra parte, escrevi muito sobre este as- sunto, ¢ talvez no me soja possivel fazer mais que uma sintese, para limitar-me a poucas palavras. Gostacia de dizer que, nestas Primeiras ¢ importantissimas semanas da vida do bebé, 0s est ios iniciais dos processos de amadurecimento tm sua primeira Oportunidade de se tornarem experigncias do bebé. Onde o am- biente de facititagio — que deve ser humano e pessoal — pos- suit caracteristicas suficientemente boas, as tendéncias hereditarias dle erescimento que o bebé tem podem, entdo, alcancar seus pri- meiros resultados favordveis. Pode-se dar nomes a estas coisas. A principal detas pode ser abrangida pela palavra integragao, To. das as particulas e fragmentos de atividade e sensacdo que vio constituir aquilo que passamos a conhecer como este bebé espe. cifico comecam a congregar-se em determinados periodos, de tal forma que hé momentos de integracdo em que o bebé é uma uni- dade, embora, naturalmente, uma unidade muitissimo dependen- ido Dr. Winnion, 4 AME DEDICADA COMUM =r te, Dizemos que o apoio do ego materno facilita a organizagao *do ego do beb&. Com o tempo, o beds torna-se capaz de afir- ‘mar sua propria individualidade, e até mesmo de experimentar uum sentimento de identidade pessoal. Tudo parece muito sim- ples quando vai bem, ¢ a base de tudo isso encontra-se nos pri- mérdios do relactonamento, quando a mie € 0 bebé esto em harmonia. Nao hat nada de mistico nisto. A mae tem um tipo de identificacdo extremamente sofisticada com o bebé, na qual ela se sente muito identificada com ele, embora, naturalmente, Permaneca adulta, O beb@, por outro lado, icentifica-se com a de nos momentos calmos de contato, que € menos uma real zagao do bebé que um resultado do relacionamento que a mae possibilita, Do ponto de vista do bebé, nada existe além dele pré- prio, e portanto a mae é, inicialmente, parte dele. Em outras pa- layras, hd algo, aqui, que as pessoas chamam de identificaga primaria. Isto é 0 comeso de tudo, e confere significado a pala vras muito simples, como ser. Poderiamos usar o termo existir, em sua extragao francesa, ¢ falar a respeito da existéncia, transformar isso numa filosofia € chamé-la de existencialismo, mas de qualquer forma prefer: mos comegar pela palavra ser, ¢ em seguida pela afirmacao eu sou. O importante € que eu sou nao significa nada, a nao ser que eu, inicialmente, seja juntamente com outro ser hurano que ainda nao foi diferenciado. Por este motivo, é mais verdadeiro falar a respeito de ser do que usar as palavras ew sou, que per- fencem ao estagio seguinte. Nao é exagero dizer que a condigao de ser ¢ 0 inicio de tudo, sein a qual 0 fazer e 0 deixar que Ihe Sacam nao tém significado. E possivel induzir um bebé a alimentar-se ¢ a desempenhar todos 0s processos corporais, mas ele nao sente estas coisas como uma experiéncia, a menos que esta Gltima se forme sobre uma proporcao de simplesmente ser, ue seja suficiente para constituir o eu que sera, finalmente, uma pessoa. © oposto da integragdo é uma deficiéncia de integragio, ou uma desintegracio, a partir de um estado de integracao. Trata-se de algo intoleravel ansiedades mais inconcebiveis eb: icas da infancia, que ¢ evitada através dos cuidados do tipo que ‘comumente quase todos os bobés recebem de um ser humano adul- 10 VP" OS BEBES E SUAS MAES to, Vou enumerar rapidamente um ou dois outros processos bast: cos de desenvolvimento semelkantes, Nao € possivel ter a certeza, de que a psique do beb? ird formar-se de modo satisfatorio junta- mente com 0 soma, isto €, com 0 corpo e seu funcionamento. A existéncia psicossomatica é uma realizacao, e, embora sua base se- ja uma tendéncia Hereditaria de desenvolvimento, ela nao pode tornar.se umm fato sem a participagao ativa de um sce humano que sepute 6 bebe é cide Uéle. Um colapso neste area tem a ver com todas as dificuldades que afetam a satide do corpo, que realmente se originam na indefinicdo da estrutura da personalidade. Vocés vverdo que 0 colapso destes processos de desenvolvimento muito ini- ciais nos leva, imediatamente, a0 tipo de sintomatologia que en- contramos em nossos hospitals psiquitricos, de tal forma que a prevengdo dos disturbios comans nestes hospitals diz respe cialmente, aos cuidados com o bebé ¢ s coisas que ocorrem nat- ralmente as mes que querem tomar conta de um bebé ‘Uma outra coisa que eu poderia mencionar tem a ver com as origens das relagdes objetais. Com isto j nos aproximamos de ‘uma concepeao sofisticada da psicologia. Vocés, no entanto, re- cconhecerdio a forma pela qual os abjetos que 0 beb€ pode usar sim- bolicamente comecam a surgir, quando 0 relacionamento entre a mac ¢ 0 bebé € satisfatério; ndo apenas 0 polegar que ele pode chupar, mas também elguma coisa que ele pode agarrar € que, por fim, pode transformar-se em uma boneca ou em um bringuedo. sm que ser avaliado em termos de uma insufi- ciéncia da capacidade de relagdes objetais. Note-se que, embora inicialmente estivéssernos falando sobre Javamos também a respeito de assuntos que so de importancia vital, assuntos que dizem respeito a0 assenta- mento das bases da satide meatal. Nos estagios posteriores, um lon- {go percurso € feito, mas tudo o que for feito neles s6 ter bons tiver sido satisfatério. as vezes acham alarmante pensar que 0 que clas estdo fazendo ¢ tdo importante, € neste caso methor ao Ihes dizer nada, pois acabam Fazando tudo pior. E impossivel aprender estas coisas, ¢ a ansiedade no um substituto desta espécie muito simples de amor, que é qua- se fisico, Poder-se-ia, entdo, perguntar: Por que se dar ao tra- balho de mostrar isto tudo? Entretanto, faco questéo de enfatizar A MAE DEDICADA COMUM que alguém deve preocupar-se com estas coisas, pois de outra forma esqueceremos a importancia dos primérdios do relacio- namento entre mae ¢ filho, ¢ interferiremos com excessiva faci- lidade, Isto é algo que jamais devemos fazer. Quando uma mae é capaz de ser mae com toda naturalidade, jamais devemos in- terferir. Bia seré incapaz de lutar por seus direitos, pois ndo (era uma compreensao dos fatos. Tudo o que saberd ¢ que foi fer da, A tinica diferenca é que o ferimento nao é um osso quebra- do ou um corte em seu braco, mas sim a personalidade mutilada do bebé. E muito comum que uma mae passe anos de sua vide tentando curar este ferimento, que na verdade foi causado por nds quando, desnecessariamente, interferimos em algo que, de to simples, no parecia ser importante, 2. SABER E APRENDER Uma mae jovem tem Ihe dizem, coisas titeis sobre a bre as vitaminas ¢ 0 uso da tabela de peso; ¢ entao, as vezes, ela recebe informacdes sobre algo totalmente diferente, como por exem plo a sua reagio diante do fato de o bebé ndo querer comer. Creio que para vocés! ¢ muito importante saber claram: bebé, esta tio dido quanto a costa leste da Inglaterra fica distante da costa oeste. Nao consigo imaginar uma forma bastante convincente de fazer tal colocacéo, Da mesma forma que o professor que descobriu quais aquele que voces adqi ‘A mde que amamenta o seu bebé simplesmente nao tem que se preocupar com gorduras ¢ proteinas enquanto esté totalmente fa com 0s estégios iniciais. Quando, por volta dos nove me- ses, ela comeca a desmamar, e 0 bebé ja nao the faz tantas exigén- vias, ela comega’a ficar livre para estudar fatos € conselhos que Ihe so dads por médicos ¢ enfermeiros. Obviamente, existem mui- tas coisas que els ndo poderia saber por intuigdo, ¢ ela quer ser formada sobre a inclusdo de s6lidos ¢ a forma de utilizar 0s ti ‘pos de alimentos disponiveis para que o seu bebe possa desenvolv 1 Winn 4 mies. Ver p. 93. (N. Orgs.) ‘ OS™ os BEBES E suas MAES see manter-se saudavel, Para receber estas instrugdes, no entanto, cla deve esperar até que se enconire em um estado mental que The Podemos ver, facilmente, que anos ¢ anos de brilhantes pes- quisas foram gastos para que 0 médico se tornasse capaz de pres- crever as vitaminas adequadas, e podemos também olhar com la neste trabalho; podemos, da mesma forma, nos sentir agra- decidos quando, como resultado das pesquisas cientificas, muito sofrimento pode ser evitado, até mesmo através de um consetho a quanto acrescentar algumas gotas de dleo de figado uA dieta. Ao mesmo tempo o ci com admirapao para o conhecime aprendizado. Na verdade ew diria que a riqueza essencial deste co- mhecimento intuitivo € 0 fato de ele ser natural e ndo conspurcado pelo aprendizado. A tarefa mais di tras € livros sobre a assist turbar aquilo que se dese quando se prepara uma série de pales- s bebés, é saber como evitar per- Quero que vocés consigam se sentir confiantes em sua capa- cidade como maes, e que néo pensem que, por nao terem um co- hecimento profunde de vitaninas, no sabem, por exemplo, qual 2 melhor maneira de segurar seu bebé no colo. Como segurar seu bebé no colo; eis um born exemplo a ser considerado ¢ desenvolvido. A expressiio holding the baby (segurar o beb8)* tem um sen- fido preciso em inglés; alguém que o estava ajuclando a fazer algu- ma coisa desapareceu, € voce ficou “segurando 0 bebe”. Por ai podemos ver que todos sabern que as mées tém, naturalmente, um senso de responsabilidade, ¢ se estiverem com um beb& em seus bragos estardo envolvidas de algum modo especial. E claro que al- +0 autor referese 4 expressio to be left holding the baby, ito é. set deixado NT) SABER E APRENDER Is gumas mutheres so deixadas literalmente “segurando 0 bebe”, quando o pai nao consegue gostar da parte que lhe cabe ¢ nao é capaz de dividir com a mulher a enorme responsabilidade que um bebé deve sempre representar. Pode ser, também, que nao haja um pai, Normalmente, po- rém, a mde se sente apoiada por seu marido, e assim pode ser uma mae adequada; age com naturalidade ao segurar o seu bebé, sem precisar estudar o assunto. Esta mae ficard surpresa se me ouvir dizer que segurar um bebé é um trabalho especializado. Quando as pessoas véem um bebé, adoram que as deixem fa- er exatamente iss0, ou seja, seguré-lo em seus bragos. Voces no permitem que uma pessoa segure o seu bebé se sentirem que, para ela, no se trata de uma experiéncia importante. Os bebés so real- mente muito sensiveis A maneira como so seguracios, 0 que 0s le- va a chorar com algumas pessoas e a ficar calmos ¢ satisfeitos ‘quando no colo de outras, mesmo quando sfo ainda muito no nos. As vezes uma garotinha pede para segurar seu irmao ou ir- mA recém-nascido, ¢ este é um grande acontecimento, A mae que for sabia se lembrard de nao atribuir A crianga toda a responsabili- dade, e permanecerd por perto 0 tempo todo, caso a deixe segurar ‘0 bebé, pronta para trazé-lo de volta A seguranca de seu colo. Se ‘a mie agir com sabedoria, cla ndo ficaré tdo certa de que uma inma mais velha esteja segura com um bebé em seus bracos. Afirmé- lo seria negar o sentido da experigneia como um todo, Conheso pessoas que conseguem se lembrar, durante toda a sua vida, do sentimento terrivel de segurar 0 irmaozinho ou irmézinia, ¢ do pe- saciclo de nao se sentirem seguras. No pesadelo, 0 bebé é derruba- do. O medo, que pode se manifestar no pesadelo sob a forma do Ferimento do bebé, faz com que, na pratica, a irma maior o seg re com forga excessiva. Tudo isso leva 2quilo que voces fazem de forma extremamente tural, devido a sua dedicarao a seus beb@s. Como no esto an- siosas, ndo apertam o bebé ao seguré-io, ¢ nao temem deixé-lo cair. Apenas adaptam a pressio de seus bracos as necessidades do be- bé, movern-se lentamente e, talvez, emitem alguns sons. O beb& sente a sua respiragdo, ¢ do seu halito ¢ de sua pele irradia-se um calor que leva o bebé a sentir que é agradavel estar em seu colo. E claro que existem todos os tipos de mae, e ha algumas que 16 "OS BEBES E suas MES no esto totalmente contentes com 0 jeito que seguram os seus bebés. Algumas sentem-se um pouco em divida, pois 0 bebé pa- rece mais feliz quando esta no bergo. Deve haver, numa mie as- sim, algum remanescente do medo que ela tinka quando, ainda uma garotinha, a mae a deixava segurar um bebé recém-nascido 10 boa para este tipo de coisa, e tenhia medo de ester transmitindo ao seu bebé um pouco da inseguranca que existiu em seu passado. Uma mie ansiosa usa 0 berco ao maximo, ou mesmo entrega 0 bebe 408 cuidados de uma enfermeira criteriosamente escolhida entre as, que sabem lidar com o bebé de uma forma natural. No mundo hd lugar para todos os tipos de mae; algumas fardo bem um de coisa, outras terdo sucesso em o1 zer que algumas se saem mal numa determinada coisa e outras em outro tipo de coisa? Algumas seguram os seus filhos com ansiedade. CCreio que vale a pena examinar mais detaihadamente esta ques- , pois se voces lidam bem com o seu bebé; quero que saibam parte da maneira pela qual dardo um bom alicerce & satide mental deste novo membro da comunidade. TImaginem a situagao. Aqui esta o bebé, bem no inicio de sua vida (a partir do que ia do que acontecera, re- mais tarde). Vou descrever trés estagios da relagdo do bebé com 0 mundo (representado, na mie, pelos bragos ¢ pelo corpo que respira), deixando de lado a fome ¢ a raiva, e todos os grandes transtornos, Primeiro estégio: 0 bebé esta fechado em si mesmo, uma criatura viva que, no. ente }, $e encontra cercada pelo espago. O bebé nao tem conhecimento de nada, exceto de si mesmo. Segundo estégio: 0 beb? mexe urr cotovelo, um joelho, ‘a-se um pouco. O espago foi transposto, o bebé surpreen- deu o meio ambiente. Terceiro estdgio: voc’, que esta segurando 0 bebé, tem ur sobress » pois alguém acaba de tocar a campai- nha ou a dgua da chalcira ferveu, e mais uma vez 0 espaco fot transposto. Desta vez, o meio ambiente surpreendeu o bebé. Prime © bebé fechado em si mesmo esta no espaco que ¢ mantido entre a crianca € 0 mundo; no segundo, o bebé surpreende © mundo, ¢, finalmente, o mundo o surpreende. {sto & t2o simples SABER E'/ eR gue, imagino, thes parecerd uma seqiiéncia natural, sendo, portanto, ura base sélida a partir da qual podemos estudar a maneira co- mo voce segura 0 seu beb@. Tado isso é muito dbvio, mas o problema é que, se vocés souberem estas coisas, poderdo desperdigar f habilidade, uma vez que nao saberdo como explicar aos vizinhos € aos seus maridos o quanto € necessério que vocés tenham tarn- bém um espaco para si préprias, no qual possam iniciar os seus bebés com da pi Permitam-me colocar a qi no espago torna-se pronto, com o passar do tempo, para executar ‘© movimento que surpreende o mundo, ¢ 0 bebé que assim desco- briu o mundo se torna, no devido tempo, preparado para receber com alegria as surpresas que 0 mundo contém. O bebé nao sabe que o espaco circundante é mantido por vo- és. Quantos cuidados vocés tomam para que 0 mundo nao entre em choque com 0 bebé antes que ele 0 descubra! Com trangiili- dade, vocts acompanham com suas préprias vidas a vida nos be- bs, e esperam por seus gestos, pelos mesmos gestos que os levam a descobri-tas. Se voogs se sentem com sono, ¢ principalmente se estiverem deprimidas, colocam o bebé em um bergo, pois sabem que o esta- do de sonoléncia em que se encontram nao é suficientemente para manter ativa a idéia que o bebé tem de um espaco ci O fato de eu ter me referido basicamente a bebés vos, bem como aos cuidados que voces Ihes dedicam ca que eu também nao esteja fazendo referéncia a eriangas mais velhas, E claro que, quase sempre, @ crianga de mais idade ja se encontra em um contexto muito mais complexo, podendo pres- cindir dos cuidados que se manifestam naturalmente em vocés quan- do estao segur bebé que nascew No entanto, é muito comum que uma crianca mi estagios ini nha chorando respeito da qual falei. Primciro, vacés a pegam no colo, calma po: 1 Benes F stuias and rém resolutamente; em seguida permitem que se mova e as encon. tre & medida que as légrimas vio desaparecendo. No final vocés podem, oda naturalidade, colocé-la no chao. A crianga po- de estar triste, indisposta ou cansada; seja como for, num breve espago de tempo ela volta a ser um bebé, e vocds sabern que é pre- ciso dar tempo para que possa haver um retorno natural da sensa- 0 basica de seauranga as condigdes norm E claro que eu poderia ter escolhido muitos outras exemplos da forma como 0 conhecimento de vocés se manifesta, simples. mente porque so especialistas nesta questo especifica que € ci dar de suas proprias fo incentivé-las a conservar € izado, que nao pode ser ensi- iprender outras coi- 0s de esperialistas. Voots sé conseguiriio aprender com seguranga as coisas que os meédicos ¢ enfermeiras podem thes ensinar se forem capazes de conservar, em si mesmas, aquilo que thes é natural Poder-se-ia pensar que estive tentando ensinar-thes como de- ‘vem segurar seus bebés. Isto, parece-me, ¢ dade. Estou tentando descrever os diversos aspectos das coisas que Yoots fazem naturalmente, para que possam reconhecer aquilo que fazem, e para que possam ter consciéncia desta capacidade natu- ral que possuem. isto é importante, pois pessoas insensatas tenta- +o, muitas vezes, ensinar-Ihes como fazer as coisas que voeés podem fazer muito melhor do que podem aprender a fazer. Se estiverem Certas disso, podem aumentar 0 valor que possuem enquanto mies, aprendendo coisas que podem ser e de nossa civilizagdo e cultura tem cer, desde que voeés cot tam de natural, 1950 3. A AMAMENTAGAO COMO FORMA DE ComunicacAo Cheguei a este tema como um pediatra que se tornou psicanalista, € como alguém que possui uma longa experiéncia no tipo de caso ‘que se apresenta a pratica desenvolvida por um psiquiatra infanti Para realizar 0 meu trabalho, preciso de uma teoria do desenve vimento emocional e fisico da crianga no ambiente em que ela vi- ve, € uma teoria precisa abranger todo o espectro daquilo por que se possa esperar. Ao mesmo tempo, a teoria precisa ser flexivel, de tal forma que qualquer fato clinico possa, se necessario, modi- ficar a afirmagao tedrica, Nao estou especialmente interessado em fomentos e incent vos da amamentacao, embora eu realmente espere que as diretri- ze8 gerais do que tenho afirmado ao longo dos anos sobre este assunto tenham tido exatamente este resultado, simplesmente por- que aqui esta algo natural, e & provavel que o que é natural tenha fundamentas muito po: Pretendo, inicialmente, afastar-me de uma atitude sentimen- ‘al em relagdo & amamentacao ou a propaganda a favor da ama- mMentacao. A propaganda da amamentacdo tem sempre um outro: lado que, no final, acaba se revelando como uma reacao a propa- ganda, Nao ha a menor diivida de que, atualmente, um nimero enorme de pessoas se desenvolveu satisfatoriamente sem que te- nha passado pela experiéncia da amamentacdo. Isto significa que existem outras formas através das quais um bebé pode experimen- tar um contato fisi¢o intimo com a mae. No entanto, eu sentiria muito se a amamentacdo estivesse ausente em um tnico caso, sim- 2» ‘0S BEBES & SUAS MATES plesmente porque acredito que @ me ou o bebé, ou ambos, esta- rao perdendo algo se ndo passarem por essa experiencia. Nao estamos apenas preocupados com a doenga ou com dis- tuirbios psiquidtricos; estamos preocupades com a rigueza da per sonalidade, com a forca do cardter e com a capacidade de ser feliz, bem como com a cay ide de revolucionar ¢ rebelar-se. E pro- vavel que a verdadeira forca tenha origem numa experiéncia do processo de desenvolvimento que siga uma trajetéria natural, ¢ & © que desejamos para todas as pessoas. Na pritica, este tipo de forga logo se torna imperceptivel, devido forga compardvel que pode originar-se do medo, do ressentimento, da privagdo e da con- tingéncia de nunca a ter tido. Se levarmos em conta os ensinamentos dos pediatras, & poss! vel perguntar se a amamentago é melhor que outros tipos de al mentagao. Aleuns pediatras realmente aereditam que a alimentacéo artificial, quando bem feita, pode ser mais satisfat6ria em termos de anatomia ¢ fisiologia, que € 0 que os preocupa. Nao precisa- mos achar que assunto foi esgotado assim que o pediatra aca- ou de falar, principalmente se ele parece esquecer-se de que um bbebé é mais do que sangue e ossos. Do meu ponto de vista, a sl de mental do individuo esta sendo construida desde 0 inicio pela mie, que oferece o que chamei de ambiente faclitador, isto &, u ambiente em que 0s processos evolutivos e as interagdes naturals do bebé com o meio podem desenvolverse de acordo com © pa- dro hereditario do individuo. A mae esta assentando, sem que 0 saiba, as bases da s Isso, porém, nao é tudo. Do ponto de vista da satide mental, a mae (se agir de forma adequada) estaré também criando 0s fu damentos da forga de cardter e da riqueza de personalidade do dividuo. A partir de uma tal base positiva, o individuo tem, com © passar do tempo, uma oportunidade de langar-se no mundo de uma forma criativa, © de desfrutar e usar tudo aquilo que o mu do tem a the oferecer, inclusive o legado cultural. Infelizmente, uma grande verdade que, se uma crianga no comecar bem, entio poderd nfo desfrutar do legado cultural e a beleza do mundo niio passard de um colorido torturante, impossivel de desfrutar. Assim, Portanto, existem '“os que tém” e “os que ndo tém", ¢ isso nada tem a ver com financas; tem a ver com aqueles que comegaram "AMAMENTACAO COMO FORMA DE COMUNICAGAO 2i muito bem suas vidas, e com aqueles que ndo tiveram 2 mesma sorte, (© tema da amamentacdo é, por certo, uma parte e pequena parcela desta vasta questo, parte do que pretenddemos dizer quando afirmamos que uma pessoa comeca bem a sua vida quando os re- cursos ambientais de que pode dispor so suficientemente bons. No entanto, isso néo é tudo. Os psicanalistas responsdveis pela teoria do desenvolvimento emocional do individuo que utilizamos atual- mente foram responséveis, até certo ponto, pelo relativo exagero ‘com que o sea foi posto em evidéncia. Nao estavam errados. Con- tudo, com o passar do tempo, constatamos que 0 “seio bom” é tum jargio que, de modo geral, significa uma maternidade ¢ uma patemnidade satisfatsrias. Enquanto evidéncia dos cuidados pres- tados ao bebé, podemos dizer, por exemplo, que o ato de segurd- Jo e manipul termos vitais, do que a experigneia conereta da amamentagao, E também um fato bem co- rnhecide que muitos bebés passam pelo que parece ser uma expe- rigncia bem-sucedida de amamentagdo e, no entanto, so insatisfatérios, no sentido de que se apresenta uma deficiéncia ob- servavel em seu processo de desenvolvimento, bem como em sua capacidade de relacionamento com as pessoas ¢ utilizagdo de ob- jetos — uma deficiéncia resultante do fato de terem sido segura: dos ¢ manipulados de forma insatisfatéria. Uma vez que jé deixei bem claro que a palavra seio € a i de amamentago abrangem toda uma técnica de ser mae de um bebe, sinto-me livre, entéo, para enfatizar quao importante pode ser 0 préprio seio, ¢ € que vou tentar fazer. Talvez vous notern © que estou tentando evitar. Quero me distanciar daqueles que ten- tam obrigar as mies amamentarem os seus bebés. Vi um grande rmimero de criangas que passaram por situagdes muito dificeis, com a mie lurando para que seu peito desempenhasse suas fungdes, al- go que ela, por natureza, é totalmente incapaz de fazer, uma vez que escapa ao controle consciente. Tanto a mae quanto 0 bebé so- frem com isso. As vezes experimenta-se um grande alivio quand Finalmente, passa-se a fazer a alimentacdo por mamadeira, e, sei como for, alguma coisa vai bem, no sentido de que as necessida- des do bebé esto sendo satisfeitas por ele estar ingerindo a quan- (idade exata do alimento adequado. Muitos destes esforgos poderiam 0S BEBES E SUAS MA mento. Creio que o pior sr que gostaria de ama- mentar seu filho, © que vem 2 fazé-lo naturalmente, se dé quando alguma autoridade (um médico ou enfermeira) chega e diz: "Voce ‘Muito bem: ent3a, nao lizmente, as mes tém esta crenca terrivel © pensam, entdo, que o médico sabe como estabelecer um contato muituo entre mée ¢ filho, s6 porque ele sabe 0 que deve ser feito em caso de alguma cirurgia de emer- géncia, Em geral, ele nao entende nada desta questao que se refere vou ainament: nos médicos ¢ enfermei se por um lado sao necessacios, ¢ m do ponto de vista fisico, por outro eles nao so especialistas nas questdes relativas intimidsde, que sdo vitais tanto para a mae quanto para 0 bebé, Se comecarem.a dar conselhos sobre essa in- timidade, estardo pisando em solo perigoso, pois nem a mae, nem © bebé, precisam de conselhos. Em vez de conselhos, eles preci sam de recursos ambientais que estimulem a confianca da mae em si propria. O fato cada vez mais comum de o pai poder estar pre- sente quando um bebé est nascendo ¢ um dos mais importantes avangos de nossa época, pois o pai pode enriquecer a situagdo com um entendimento da importincia dos primeiros momentos, quan- do a mae pode dar uma olhada em seu bebé antes de repousar. © mesmo acontece quando se da inicio & amamentacdo. E algo que pode se tornar muito dificil, pois a mae é ineapaz de ama- mentar através de um esforgo deliberado. Ela precisa aguardar as suas prdprias reapdes, ou, por outro lado, as suas reagoes podem ser tdo intensas que ela mat consiga esperar pelo bebé, quando en- to € preciso ajudé-la devido a retengio do leite. Quanto & educacio de médicos ¢ enfermeiras sobre este as- sunto, é preciso lembrar que eles tém muitas outras coisas a apren- der, pois as exigéncias da medicina e da cirurgia modemnas sao de fato muito grandes, além do que médicos e enfermeiras s40 pes- sas iguais a todo mundo. Cabe aos pais conhecer as suas pro- rias necessidades € preocupar-se com elas neste e cabendo-lhes também insistir em sua busca de auto-re A AMAMENTACAO COMO FORMA DE CONUNICACAO cocasionalmente é possivel que os pais encontrem médicos e enfer- meiras que compreendem qual é a sua funao especifica, ¢ qual 1 funedo dos pais, trabalho conjunto tera sempre lum resultado feliz. Deviclo as minhas fungSes, ogo, naturalmen- te, muita coisa por parte das maes a respeito da angustia causada por médicos ¢ enfermeiras que, embora excelentes do ponto de vista da satide fisica, nao conseguem deixar de interferir e se tornam perniciosos ao relacionamento entre a mae, 0 pai e © bebé. Ha, naturalmente, mes que tém dificuldades pessoais muito erandes devido aos seus préprios conflitos internos, dificuldades que talvez estejam ligadas &s experiéncias pelas quais passaram quan- do criangas. Ha, muitas vezes, uma forma de resolver estes pro- bblemas. Nos casos em que a mac tem dificuldade de amamentar, sera um erro tentar forgar uma situagao que deve, até certo pon (0, fracassar, podendo até mesmo se transformar em um desastr. ‘Ter uma nogdo preconcebida daquilo que deve ser feito pela mae no que diz respeito & amamentagdo é, portanto, uma prética mul- to-desaconselhavel para os profissionais que estdo cuidando do caso. E muito comum que uma mie desista rapidamente e estabeleca outro tipo de alimentagio; ela pode, também, ser bem-sucedida com o segundo ou 0 verceito filho, e ficar muito satisfeita porque isso-aconteceu de forma natural. Nos casos em que um bebé nao possa ser amamentado, existem muitas outras maneiras através das quais as mes podem possibilitar algum tipo de intimidade fisica. ‘A esta altura eu gostaria de ilustrar 0 modo pelo qual estas ‘quest0es podem ser importantes num estdgio ainda muito inicial onhamos que uma muther adotou um bebé de seis semanas, e verificou que ele reagia bem ao contato humano, as caricias ¢ todos os aspectos que envolvem 0 ato de segurar 0 bebé e mani- pulé-lo, Ja as seis semanas, entretanto, a mae descobriu que 0 bebé apresentava uma caracteristica derivada de sua experiéncia anterior, Esta caracteristica s6 se manifestava nos momentos em que ela o alimentava. Para fazer com que ele se alimentasse, tinha que colocé-lo no assoalho ou sobre uma mesa bem firme; em se- guida, sem qualquer espécie de contato fisico, era preciso segurar a mamadeira para que 0 bebé reagisse ¢ comecasse a mamar. Este padrdo anormal de alimentago persistiu e entrelagou-se com 0 tecido da personalidade da crianca, deixando muito claro a quem PY 5 RERES £ SUAS MAES observasse 0 seu desenvolvimento que a sua experigneia muito precoce de alimentacdo impessoal tivera um resultado, que nes- te caso nao fora bom. Se eu continuasse trazendo exemplos, 36 tornaria a questo ainda mais confusa, pois o tema cobre um campo muito vasto, e acho melhor apelar para as experiéncias daqueles que me ou- vem ¢ lembrar-lhes que as coisas muito pequenas que, n0 i se passam entre a mde ¢ 0 bebé so muito significativas, no 0 sendo menos por parecerem to naturais, solidas e inquestio- naveis. Chego, portanto, ao reconhecimento do valor positive da amamentagao, levando em conta que esta ndo é absolutamente essencial e que nao se deve insistir nela, quando a mae tiver al guma dificuldade pessoal. O aspecto dbvio daquilo que desejo er tem a ver com a imensa riqueza contida na experiencia da alimentago; 0 bebé esta vivo e desperto, ¢ toda a sua personal dade em formacdo esté envolvida no processo, Grande parte da vida de vigilia do bebé esta voltada para a alimentagao. De certa forma, o beb@ esta acumulando material para o sonho, embora logo se manifestem todas as outras coisas que também passam a fazer parte do processo, ¢ que podem refletir-se na realidade interior da crianga adormecida, que naturalmente esta sonhan- do. Os médicos esto de tal forma acostumados a falar sobre satide ¢ doenga que se esquecem de falar sobre as enormes va- riagdes da satide, a partir das quais podemos afirmar que, se por um lado as experigncias de uma determinada crianga sao fracas, insipidas ¢ até mesmo entediantes, hd, por outro lado, criangas cujas experiéncias so intensas, cheias de cor e sensagdes, ¢ de uum alto grau de fecundidade, Para alguns bebés as experiéncias ligadas a alimentagao so tao enfadonhas que deve ser um gran- de alivio chorar de raiva e frustragto, o que, de qualquer modo, € real e necessariamente envolve a personclidade toda, Portan- to, a0 examinarmos a experiéneia de amamentagao de um bebé, a primeira coisa a fazer é pensar em termos da riqueza da expe- rigncia e do envolvimento total da personalidade. Muitos dos as- pectos importantes da situagdio de amamentagao também esto Presentes quando se utiliza a mamadeira. Por exemplo, o fato dea mae ¢ seu bebé olharem-se nos olhos, que é uma caracteris- HAMAMENTACAO COMO FORMA DE COMUNICAGAO tica do estagio inicial, € algo que absolutamente nao depende do uso do verdadeiro seio. Esta afirmagdo, porém, deixa margem a dtividas, uma vez que 0 gosto, 0 cheiro e a experiéncia sensual da amamentacio esto ausentes quando 0 bebé se vé As voltas com o bico de borracha da mamadeira. Sem diivida, os bebés tém outras formas de superar até mesmo esta desvantagem, e, ‘em alguns casos, a superestima do uso sensual da borracha po- de remontar a uma ligacdo muito forte com a borracha na al mentagdo por mamadeira. A capacidade de experiéncia sens do bebé pode ser vista no uso daquilo que chamei de objetos tran- sicionais, em que, para o bebé, existe toda diferenga possivel en- tre a seda, 0 nailon, a la, © algodao, o linho, um avental engomado, borracha ou um guardanapo molhado. Este, porém, é outro tema, ao qual s6 estou fazendo reteréncia para lembrar- Ihes que coisas imensas se passam no pequeno universo do bebé. Junto a observacdo das experiéncias do bebé, que so mais ricas quando se usa 0 seio em vez da mamadeira, € preciso levar em conta tudo 0 que a propria mae sente ¢ experimenta. Creio ser quase desnecessario fazer referéncia a este grande tema para tentar descrever a sensacdo de realizaciio que a mae pode sentir quando a fisiologia e a anatomia, que talvez tenham sido para ela um grande incémodo, de repente fazem sentido e Ihe permi- tem lidar com 0 medo de que 0 bebé vai comé-la, ao descobr que ela de fato tem algo chamado leite, com 0 que pode acalma- Jo temporariamente. Prefiro que vocés usem sua imaginacdo, mas € importante chamar a aten¢do para o fato de que, qualquer que seja o modo de alimentar um bebé, e por mais satisfatério que possa ser, a satisfacdo da mulher capaz de usar uma parte de seu préprio corpo desta forma é algo totalmente diferente, A sa- tisfaclo esta ligada as suas prdprias experincias como bebé, ¢ a experiéncia toda remonta ao inicio dos tempos, quando os se- res humanos mal haviam superado a postura dos animais ma- miferos. Chego, afinal, ao que considero a observacao mais impor- tante neste campo, e que diz respeito & existéncia de agressivida- de no bebé. Com o passar do tempo, 0 bebé comega a chutar, gritar e arranhar. Na situagdo de alimentagdo havia, no inicio, ‘uma atividade vigorosa da gengiva, um tipo de atividade que pode facilmente resultar em rachaduras no mamilo; alguns bebés real- mente aderem ao seio com as gengivas e 0 machucam bastante, Nao se pode afirmar que estejam tentando ferir, porque o beb& ainda ndo esta suficientemente desenvolvido para que a agressi- vidade j4 possa significar alguma coisa. Com 0 passar do tem- po, porém, os bebés jé tém um impulso de morder. Trata-se do inicio de algo muito importante, que diz respeito & crueldade, 0s impulsos e 4 utilizarao de objetos desprotegidos. Muito ra- pidamente, os bebés passam a proteger o seio, e na verdade & muito raro que mordam com o objetivo de ferir, mesmo quan- do j4 possuem denies. Isto ndo acontece pelo fato de eles ndo terem o impulso, mas sim devido a algo que corresponde & domesticacao de um Jobo em cdo, ou de um ledo em gato, Com os bebés humanos, porém, ha um estagio muito dificil, que nao pode ser evitado. A mie pode perceber facilmente o que se passa com o bebé, nese estagio em que ela esta sendo destruida por ele, se tiver conheci- mento da situacdo ¢ proteger-se sem sc valer de retaliacdo ¢ vinganga. Em outras palavras, ela tem uma fungao a cumprir sempre que o bebé morder, arranhar, puxar os seus cabelos e chutar, € esta funcao € sobreviver. © bebé se encarregara do resto. Se cla sobreviver, o bebé encontrar um novo significado para a palavra amor, ¢ uma nova coisa surgira em sua vida: a fantasia, E como se o bebé agora pudesse dizer para sua mae: “Eu a amo por ter sobrevivido minha tentativa de destrui-la, Em meus so- nhos e em minha fantasia eu 2 destruo sempre que penso em vo- cé, pois a amo.” £ isto que objetifica a mae, coloca-a num mundo gue nao € parte do bebé, ¢ < torna itil. Vocés podem pereeber que estamos falando de um bebé que tem mais de seis meses, ¢ estamos falando de uma crianga de dois anos, Estamos encontrando uma linguagem importante pa ra.a desericdo geral do desenvolvimento futuro da erianca, em que cla passa a fazer parte do mundo em vez de viver num mun- do protegido, especializado ov subjetivo, criado pela enorme a- pacidade que a mae tem de adaptar-se as necessidades de seu filho. Nao vamos, porém, negar que os rudimentos destas coisas esto resentes até mesmo no recém-nascido. A AMAMENTAGAO COMO Fl Nao nos cabe, aqui, examinar pormenorizadamente esta transigdo que tem tamanha importancia na vida de toda crianga e que lhe permite tornar-se parte do mundo, usé-lo e contribuir com ele. © que importa, no momento, é 0 reconhecimento do fato de que a base deste desenvolvimento saudavel dos seres hu- manos é a sobrevivéncia do objeto que foi atacado, No caso da mae que alimenta um bebé, nao se trata apenas de sua sobrevi- véncia como uma pessoa viva, mas também como uma pessoa que nao se transformou, no momento critico, em uma pessoa vingativa, nem partiu para retaliagdes. Em breve outras pessoas, inclusive 6 pai, animais e brinquedos, passam a representar 0 mes- mo papel. Pode-se perceber 0 quanto é complicado para a mae estabelecer uma separacdo entre o desmame e esta questéo da sobrevivéncia do objeto que se apresentou a destrui¢do, devido ‘20s processos evolutivos e naturais do bebé. Mesmo que no exa~ minemos as implicagdes extremamente interessantes desta ques~ 10, & possivel afirmar, pura e simplesmente, que o aspecto essencial é a sobrevivéncia do objeto em face destes anteceden- tes, Agora ja € possivel perceber as diferencas que existem entre 0 seio © a mamadeira. Em ambos os casos, a sobrevivencia da mée é fundamental. E claro, entretanto, que existe uma diferen- ga entre a sobrevivéncia de uma parte do corpo da mae € a so- brevivéncia de uma mamadeira. A titulo de comentario, podemos citar as experiéncias extremamente traumatizantes que a quebra da mamadeira pode representar para o bebé durante a alimenta- cdo, quando, por exemplo, a mae a deixa cair. Algumas vezes €0 bebé que empurra'a mamadeira e faz com que ela se quebre. ‘A partir destas observavbes voues talvez possam chegar elas, em seu prdprio ritmo, e ver comigo que a sobrevivéncia de algo que é parte da mie, como 0 seio, tem uma importéncia in- teiramente diversa daquela representada pela sobrevivencia de uma mamadeira de vidro. Estas consideragdes levam-me a ver a amamentagdo como mais um daqueles fendmenos naturais que se justificam por si prdprios, mesmo quando possam, se neces- sitio, ser ignorados 1968 4. O RECEM-NASCIDO E SUA MAE © tema que me foi proposto é to complexo que hesito em dar- Ihe uma nova dimensdio. Contudo, ereio que se a psicologia é Util no estudo do reeém-nascido, € somente a prética que ela torna confusa!. No Ambito tedrico, qualquer contribuigdo necessaria- mente é errada (caso em que o problema permanece intacto), ou contém uma parcela de verdade, e neste caso cla simplifica, co- mo a verdade sempre o faz. © recém-nascido e a mae constituem um tema bastante am- plo, e no entanto eu no gostaria que me fosse atribuida a tare- fa de descrever 0 que se sabe sobre o recém-nascido considerado isoladamente: 0 que est em discussao é a psicologia, e gosto de partir do principio segundo 0 qual, ao considerarmos um bebé, também consideremos as condigdes ambientais e, por tras delas, a mae. Secu disser “a mac"? muito mais vezes ue que 08 pais me compreendam E necessario reconhecer a enorme diferenca que deve haver entre a psicologia da mae e a da crianga. A mae é uma pessoa ticada, 0 contrario daquilo que o bebs ¢ inicialmente. Mui- tos acham dificil atribuir a um bebé qualquer coisa que pudesse ser chamada de “psicol6gica” até que algumas semanas ou me mo meses tenham se passado, e € preciso dizer que sao os médi- cos, muito mais que as maes, que tém esta dificuldade. Seré que no poderiamos dizer que sempre se espera que as maes vejam ot se dirae 20s pediteas, Wer p. $3. (N. Ores.t mais do que existe e que os cientistas nada vejam até que haja provas? 3a ouvi dizer que € no recém-nascido que a fisiologia e a psi- cologia constituem uma uridade (John Davis)?. E um bom co. evo. A psicologia é uma extensdo gradual da fisiologia. Nao ha necessidade de brigas quanto & data desta transformago, pois Poderia ser varidvel de acordo com os acontecimentos. No en. tanto, a data de nascimenta poderia ser considerada como um momento em que grandes transformacdes se operam neste cam. Po, de modo que o bebé prematuro pode estar em muito melho. Fes condigdes psicoldgicas numa incubadeira, once um beb& POs-maduro nao cstaria bem, pois precisaria de bragos nos € contato corporal Dentre as teses que defendo, imaes, @ ndo ser que estejam psiquiatricamente doentes, se pre. Param para a sua tarefa bastante especializada durante os ulti. mos meses de gravidez, mes que gradualmente voltam 20 seu stado normal nas semanas e meses que se seguem ao processo dle nascimento. Jé escrevi muito sobre este assunto, sob o t ““preocupacdo materna priria!”. Neste estado, as maes se tor. nam capazes de colocar-se 10 lugar do bebé, por assim dizer: {sto significa que elas desenvolvern wma capacidade surpreendente de identificacdo com o bebé, o que thes possibilita ir a0 encom, iro das necessidades basicas do recém-nascido, de uma forma que nenhuma maquina pode imitar, e que nao pode ser ensina. ta. Posso tomar tal fato como certo quando vou além ¢ afirmo GUE © Prolstipo de todos os cuidados com os bebés é 0 ato de seauri-los? E 0 que quero dizer é segurados por uma pessoa. Te. ho consciéncia de estar esticando o significado de termo "se. gurar'', mas sugiro tratar-se de uma afirmacdo econémica suficientemente verdadeira, Um bebé a quem seguram bem é muito diferente de outro, Cul experiéncia de ser segurado nao foi muito positiva. Nenhu, ha observacdo a respeito de cualquer bebé tem, para mim, qual Guer valor, a menos que se descreva expressamente de que maneira ma- ma especial: a de que as 0 RECEM-NASCIDO E SUA MAE 31 © seguram. Por exemplo, acabamos de ver um filme a que atri- buo um valor muito especial. Vimos 9 Dr. MacKeith segurando aquele beb@ que caminhava, para ilustrar a fase em que uma crian- ga comega a andar. Caso voces tenham observado a lingua do Dr. MacKeith, terdo percebido o quao cuidadoso e sensivel ele estava sendo, @ que o bebé nao estava se comportando da mes- ma forma que estaria se alguma outra pessoa o estivesse segu- rando. Acho que os pediatras, em geral, so pessoas capazes de se identificar com o bebé e seguré-lo, e talvez seja esta capacida- de de identificagdo que atraia as pessoas para a pediatria. Parece- ‘me que vale a pena mencionar aqui este aspecto t2o dbvio, pois As vezes deserevem-se grandes variacées na forma como um bebé Se comporta, ¢ acho que sempre deveriamos ter um filme de quem estd realizando a pesquisa, para que pudéssemos julgar por nds mesmos se cra alguém que sabia o que 0 bebé estava sentindo naquele momento. A razao pela qual esta caracteristica especial dos euidados aos bebés deve ser mencionada, mesmo resumida- mente, é que angustias muito fortes sdo experimentadas nos es- tagios iniciais do desenvolvimento emocional, antes que os sentidos estejam organizados, e antes que ali exista algo que possa ser chamado de um ego auténomo. Na verdade, a palavra ‘‘an- siistia” é init, pois 0 tipo de afliedo que o bebé sente neste es- tagio € muito parecido ao que se encontra por trds do panico, €0 panico ja é uma defesa contra a agonia que faz com que as bessoas se suicidem, em vez de reverem o seu passado. Usei aqui luma linguagem propositalmente forte. Consideremos dois bebés: him a quem se segurou m fo amplo que dou a0 termo “'segurar”), no havendo nada que impeca um répido desenvolvimento emocional, de acordo com as tendéncias ina tas. O outro no passou pela mesma experiencia, isto é, ndo 0 Seguraram suficientemente bem, c o resultado é que 0 seu de- senvolvimento teve de ser deturpado e protelado, e algum grau da primitiva agonia estard sempre presente ao longo de sua vi- da. E possivel dizer que, na experiéncia comum de seeurar ade- quadamente o bebé, a mae foi capaz de atuar como um ego iar, de tal forma que o bebé teve um ego desde o primeiro instan €g0 muito fragil ¢ pessoal, mas impulsionado pela adaptacdo sensivel da mae, ¢ pela capacidade desta em identificar- OS BEBES B SUAS MAES se com seu bebé no que diz respeito as suas necessidades basi- cas. A crianca que ndo passou por esta experineia ou precisou { desenvoiver prematuramente 0 seu ego, ou, talvez, tenha se tor- | nado extremamente confusa. ‘Acho que devo fazer uma afirmagio crua, pois nao € ne- cessariamente verdade que as pessoas experientes quanto 20s as- pectos fisicos tém um bom conhecimento teérico de psicologia. Na psicologia do desenvolvimento emocional os processos de ma- turagdo do individuo precisam de um ambiente de facilitaco para que possam concretizar.se. Este ambierite de facilitacio torna- se rapidamente muito complexo. $6 um ser humano pode co- mhecer um bebé de forma a possibilitar uma complexidade de adaptago cada vez maior, ¢ graduada de acordo com as trans- formagdes das necessidades dos bebés. A maturagao nos esta. gios iniciais e, na verdade, ao longo de toda a vida é muito mais luma questo de integragdo. Nao posso repetir pormenorizada- mente aqui tudo 0 que ja se escreveu sobre 0 desenvolvimento emocional primitivo, mas este tema abrange trés tarefas princi- pais: a integracio do eu, a psique que habita o corpo ¢ a relagdo objetal. Numa correspondéncia aproximada a estes trésitens, te- | mos as trés fungSes da mae: segurar, manipular e apresentar 0 | objeto. Trata-se de um tema em si mesmo vastissimo, Tentei apresenti-lo em meu ensaio “The First Year of Life'"?, mas no momento estou tentando nio me distanciar do periodo do nas- cimento. Vocés verdio que estou tentando chamar a atenedo para 0 fato de que os bebés so humanos desde o inicio, isto ¢, estou partindo do principio segundo o qual eles possuem um sistema eletrdnico adequado. Sei que, aqui, nao é necessario que eu chame a atens&o para o fato de que os bebés so humanos. Este é 0 denominador comum da psicologia que a pediatria assimilow, ¢ com certeza considero o Dr. Gaddini corzo um pediatra que acre- dita particularmente que os bebés sejam humanos. E dificil encontrar uma forma de determinar os primérdios das pessoas. Poder-se-ia dizer que, se alguém ali se encontra pa- © RECEM-NASCIDO E SUA MAE’ +a juntar experiéncias, confronté-las, sentir ¢ estabelecer distin- Ses Entre os sentimentos, ficar apreensivo no momento adequado @ comecar a organizar defesas contra o softimento mental, en- tdo é possivel afirmar, como faco, que o bedé E, ¢ que o seu estudo, a partir deste ponto, precisa incluir a psicologia. (Veja © capitulo 5.) ‘Vooés certamente estdo familiarizados com as diversas ten- tativas que esto sendo feitas para estudar o bebé através da ob- servacdo directa, Quanto a isto, vou me limitar a fazer referencia { bibliografia contida no final de um livro recente, Determinants ‘of Infant Behavior‘, vol. 2. Nao tratarei especificamente deste tipo de trabalho, e poder-se-ia perguntar: Por que no?, uma vez que a observagao direta é necessiria para fazer sentido Aqueles (dos quais ha muitos aqui) cujo campo de atividade é a ciéncia fisica. Mas, nestes poucos minutos de que disponho, eu preferi- ria tentar transmitir-lhes uma pequena parcela de minha expe- Hiéneia como psicanalista e psiquiatra infantil, a que cheguei ha muito tempo, a partir de meu trabalho em pediatria. De que forma a psicandlise pode contribuir para a psicolo- gia do recém-nascido? Obviamente, muito poderia ser dito, aqui, sobre,a estranheza dos comportamentos psiquidtricos da mae, ou do pai; no entanto, para manter as coisas sob controle, em meu estudio do bebé pio que os pais sao sauda- veis, ¢ que o bebé ¢ tat fisicamente saudavel. auxilio prestado pela psicandlise deu-se, em primeiro f gar, pela criagdo de uma teoria do desenvolvimento emocional — a tiniea teoria, na verdade. No inicio da psicandlise, entretan- 0, 08 assuntos relativos a infAncia s6 apareciam na simbologia dos sonhos, no bojo da sintomatologia psicossomatica € da ati- vidade criativa. Gradualmente, a psicandlise foi ampliada, de mo- do a abranger até mesmo as criangas muito novas, digamos de dois anos ¢ meio de idade. Isto, entretanto, nao foi suficiente para o objetivo que temos em vista aqui, uma vez que as crian- cinhas de dois anos € meio estdo, surpreendentemente, muito dis- tantes de seus primeiros meses de vida, a menos que sejam doentes e imaturas | IS E SUAS MAES Estou sugerindo que, do nosso ponto de vista aqui, 0 avan- ‘so mais importante da psicanalise é a ampliaco do trabalho do analista que resultou no estudo de pacientes psicéticos. Tem-se constatado que, enquanto « psiconeurose leva o analista a meni- nice do paciente, a esquizofrenia leva-o a0 inicio da infancia, a uum estdgio em que a dependéncia do paciente é quase absoluta. Em resumo, nestes casos touve falhas do ambiente de facilita- cao num estagio anterior & aquisicao, por parte do ego imaturo © dependente, da capacidade de organizar defesas. Para restringit 0 campo ainda mais, o melhor paciente pa- Fa o pesquisador que estuda a psicologia do bebé deste modo € 0 esquizofrénico limitrofe, isto é, aquele cuja personalidade fui para que ele possa ser analisado e passe pelo cansativo trabatho E rio quando a parte muito doentia da personalidade ¢ posta em relevo. Posso fazer pouco mais do que apresentar-Ihes a maneira pela qual um paciente 1 gar, ¢.a dependéncia es também ali, na plenitude de sua forea; a atuagdo do psicanalista como ego ausiliar esta em acdo a observacdo do bebé pode ser feita diretamente, a menos que o paciente soja um adulto que possui, naturalmente, um certo grau de sofisticagdo. Temos que levar em conta "avo que distorce 0 foco de nossa lente. Quero que saibam que estou consciente das distorcdes, e que nada do que digo tem a intengdo de provar alguma coisa, embo- a possa ser ilustrativo. Aqui esto dois exemplos de minha ten- tativa de mostrar que sei alguma coisa a respeito das distoredes. 9, temos um garoto esquizofrénico de quatro anos, Que estd sob 0s cuidados de seu pai e de sua mae. Foi-lhe dada tuma atengdio muito especial, e como nao se trata de um. caso muito grave, ele estd se recuperando aos poucos. Em minha sala, ele esta brincando de nascer de novo de sua mae, Ele estica as per- nas dela, escorregando por sobre elas do colo até 0 chao; trata- se de algo que ele repete intimeras vezes. E um jogo Speci fico, derivado do relacionamento especial que ele mantém com @ mae, © que tem sua explicacdo no fato de cla ter se tornado uma enfermeira de uma crianga mentalmente doente, e nao uma © RECEM.NASCIDO E SUA MAE 35 mac, Agora, este jogo contém um simbolismo: liga-se a todas as coisas que as pessoas comuns ¢ normais gostam de fazer, © também maneira que o ato de nascer surge em sonhos. Mas serd uma Iembranga que este garoto tem do momento em que nasceu? Na verdade, trata-se de uma hipstese impossivel, pois ele nasceut de uma cesariana. © que estou tentando dizer € que qualquer tentativa de examinar o passado, em um paciente, tem de ser cortigida o tempo todo, ¢ sei disso, mesmo que o simbo- lismo seja convincente. No segundo exemplo, temos uma muther histérica “‘relem- brando” 0 seu nascimento, Ela 0 relembra com muitos detalhes tem sonhos angustiados; de fato, num dos sonhos o médico se aproxima, usando um fraque e uma cartola, ¢ tem uma bolsa, cela se lembra do que ele disse & sua mae. Esta, naturalmente, uma distoredo histérica tipica, embora nao exclua a possibilida de de que esta mulher arbém estivesse as voltas com recorda- gées verdadeiras de seu nascimento, Este tipo de material de sonho no pode ser utilizado nesta discusszo, ¢ naturalmente, como uma pessoa adulta, ela estava informada sobre processos de nascimento, além de ter varios irmdos que nasceram depois dela, Em contraste, posso apresentar uma descricdo de uma ca de dois anos representando 0 papel de sua nova irmazinha que estava nascendo. Ela estava tentando estabelecer um novo relacionamento com a irma. Havia uma coisa especifica que pre- cisdvamos fazer. Ela entrou sabendo 0 que queria, colocou-me no assoalho entre os brinquedos e tive que ser “‘ela propria” Em seguida saiu ¢ foi até a sala de espera onde seu pai se encon- trava, trazendo-o até a sala onde estavamos (poderia ter sido a mae, mas quem lé estava era o pai), sentou-st em seu colo e pas sou a representar o nascimento do bebé. Para tanto, comecou a movimentar-se para lé e para cd no colo do pai, por cujas per- nas deslizou, em seguida, até 0 cho, dizendo: “Sou um bebe!" Depois, passou a observar-me, ¢ me atribuiu uma funcao espe~ cifica, Passei a representar o seu papel, ela me dizia mais ou me- nos 0 que fazer, ¢ tive que ficar muito zangado, derrubar os brinquedos e dizer: ‘Nao quero uma irmazinha!”, ¢ todo este tipo de coisas. A representagdo prosseguiu,, repetindo-se muitas vezes. Vejam como foi facil para esta garotinha representar 0 36 processo de nascimento langando-se ao chiio, o que ela fez por vais ou menos dez vezes, ¢ quando o pai ndo agientava mais tla comecou a nascer da parte superior de sua cabega; natural- mente que isto no 0 deixou muito incomodado, pois € um pro- fessor e tem muito boa cabera. ‘Vou, agora, tentar desenvolver uma atividade, Eu poderia ter-thes pedido que olhassem uma das ilustragdes do livro a que me referi, Determinants of Infant Behavior, mas pudemos vé-la ‘num dos filmes que projetamos: o Reflexo de Moro*. Nestes fil- ‘mes que vimos (de qualquer forma, voc8s todos esto muito fa- mniliarizados com 0 assunto, € ndo preciso descrevé-lo aqui) pudemos pereeber que quando a cabeca do bebé perde 0 apoio, fle reage de modo previsivel. Aqui esté um pormenor daquilo {que chamo de maternagem insuficiente, isolada para fins de es- tudo cientifico. Isto é exatamente aquilo que uma mie ndo faria ‘20 seu bebé, Quero dizer que a razio pe'a qual os médicos nao so esbofeteados quando o fazem aos bebés & que sfio médicos, ¢-as maes tém medo dos médicos. E claro que um Reflexo de Moro nao perturba a psicologia de um bebé, mas se fOssemos considerar uma me que s¢ interessasse muito pelo Reflexo de Moro, e a cada vinte minutos erguesse 0 bebe ¢ deixasse sua ca Deca pender para ver o que aconteceria, este bebé com certeza no teria uma mie suficientemente boa, Trata-se, entdo, exata~ mente daquilo que uma mae nao faria a seu filho. Se, por um lado, uma mae pode ndo ter palavras para descrever 0 que sente por seu bebé, por outro ela o aninha em seus bragos sempre que © levanta. Pretendo, agora, examinar o tratamento analitico de uma paciente, Esta mulher precisou pasar por uma regressao pro~ funda e prolongada até a dependéncia. Seu tratamento durow muitos € muitos anos, dando-me uma oportunidade iinica de ob- servar o periodo inicial da vida de uma crianga manifestando-se fem um adulto, © bebé que esta sendo submetido a um Reflexo de Moro nao tem condigdes de Falar sobre 0 que aconteceu. Quian- resposta reflexa de uma crane, com a eo ndo per subitameete (0 RECEM.NASCIDO do, gor outro lado, a mulher se recupera de cada fase de Pfos Tanda resreseo, 0 que temos diante de nds ¢ um adulto, intormado e sofisticado. Ela é capaz de falar. Temos que levar fem conta a complicacdo provocada pelo fato de ela nao ser ape- rnas um bebé, mas também uma pessoa sofisticada. No estgio muito primitivo de desenvolvimento emocional a que esta mulher regrediu existe uma idéia muito simples do ev. De fato, com uma maternagem suficientemente boa, basta que existam 0s rudimentos de uma idéia do eu, ou, eu diria, absolt- famente nenhuma, O ato de segurar mal uma crianga (Ou a fa- Tha do meio ambiente que elicia o Reflexo de Moro) forca-a a ter uma conscigncia prematura para a qual ndo esté bem equl- pada, Seo bebé pudesse falar, diria: “Aqui estava eu, desfru: tando uma continuidade de ser. Nao tinha nenhum: sobre fg melhor forma de representacdo grafica do meu eu, mas pode fia ter sido um circulo.” (Interrompendo o bebé neste ponto, parece-me que 0s fabricantes das bolas que so vendidas nos pay hues, nas segundas-feiras de Pascoa — acontece o mesmo na Lh- glaterta —, se esquecem de que as criangas gostam mesmo é de ima eafera simples que nao obedera as leis da gravidade. Elas ‘nao querem orelhas e narizes com coisas escritas, ¢ todo esse po de coisas.) “Uma representagao sréfica do meu eu poderia Pe sido um eirculo” (quem fala & 0 bebé) “De repente, duas colsas terrivels aconteceram: a continuidade de meu ser, que é tudo que possuo atualmente em termos de integracdo pessoal, foi Fompida, ¢ esta interrupgao resultou do fato de eu ter tido que texistir em duas partes, um corpo € uma cabeca. A nova repre- Sentacao gréfica de mim mesmo, que fui subitamente forgude 4 fazer, tinha dois circulos desconexos, em vez do circulo sobre © qual eu nem mesmo tinha que saber nada, antes que essa coisa terrivel acontecesse.”” O bebé esté tentando descrever uma cisdio na personalidade, e também a consciéncia prematura resultante do fato de sua cabega ter ficado pendida ‘0 fato € que o bebé foi submetido a um sofrimento mental, e € exatamente este sofrimento mental que 0 esquizofrénico leva consigo como uma meméria € uma ameaca, ¢ que faz do suici- dio uma razodvel alternativa para a vida. rei o relato sobre minha paciente. Vocés po- 38 ‘OS BEBES & SUAS MABS derdo perguntar por que motivo hé, nela, um impulso de regres- sto & dependéncia, ¢ devo in:cialmente responder a esta pergunta. No chamado caso “‘limitrofe”” ha um impulso para dar conti- nuidade ao desenvolvimento emocional que foi interrompido. Nao ha como recordar experiéacias muito primitivas, a nao ser. vivenciando-as novamente, 2 como estas experiéncias foram por demais dolorosas na época (uma vez que surgiram quando 0 ego estava desorganizado, e 0 ego auxiliar da mde estava imperfei- to), 0 ato de vivencid-las de novo deve ocorrer em uma situacdo cuidadosamente preparada € testada, como no contexto propi- ciado pelo psicanalista. Além do mais, o analista ali se encontra pessoalmente, de tal forma que, quando tudo corre bem, 0 pa- ciente tem alguém a quem odiar pela falha original do ambiente de facilitagdo que deturpou 0s processos de maturacao. No caso especifico desta paciente, muitos pormenores dos primeiros meses de vida aflcraram e puderam ser discutidos com ela, Acontece que, neste caso, fiz uma coisa muito rara em mi- nha pratica. Num determinado momento da psicanalise deste caso pouco comum, vi-me sentado no diva, ao lado da paciente, € com sua cabeca em minha méo, Este contato direto € muito ra- ro na prética psican € fiz esta coisa muito imprépria, que absolutamente nao faz parte da psicandlise. Testei o que aconte- ceria se eu simplesmente deixasse sua cabeca pender para ver se © seu Reflexo de Moro se manifestaria. E claro que eu sabia 0 acontecer. A paciente sofreu uma agonia mental muito tensa, que se deveu ao fato de ter sido dividida em duas, ea partir dai pudemos finalmente prosscguir c tentar descobrir 0 sig- nificado psicoldgico da agonia mental. Ela acabou sendo capaz de me deixar saber 0 que havia acontecido ao seu ego de bebé; ensinow-me que 9 circulo se transformou em dois circulos na- quele momento, ¢ a experincia foi um exempio de uma ciséo na person: rovocada por uma biente de facilitacdo, uma falha que rest vido do ego. E muito raro que eu tenha uma oportunidade de fazér este tipo de teste, pois meu trabalho como terapeuta é nao incidir exatamente nestes erros ou falhas que provacam um sofrimento mental intolerdvel, Nao posso sacrificar uin paciente sobre o al ‘0 RECEM-NASCIDO E SUA MAE tar da ciéncia. No entanto o terrivel é que, com o passar do tem- 1po, acabamos cometendo todos os erros simplesmente por sermos humanos, de tal forma que os testes sio realizados, ¢ lidamos com os resultados da melhor forma possivel. No comego que ci- tei fiz, deliberadamente, um teste. ‘A partir deste pormenor, é possivel ver que 0 Reflexo de Moro pode ou ndo depender da existéncia de um arco reflexo. Estou simplesmente afirmando que nao é necessario. Nao preci- sa haver um substrato neurolégico, ou seja, a reagao pode ser neurofisiolégica e psicolégica. Uma pode transformar-se na ou- tra, O que estou sugerindo & que ndo é seguro ignorar a psicolo- gia quando se esté A procura de uma explicacaio completa, Estas agonias muito primitivas sao poucas. Incluem, por ‘exemplo, a sensacao de queda no vacuo, ¢ todos os tipos de de- sintegragao e coisas que geram uma desunido entre a psique ¢ © corpo. E facil perceber que estas questdes dizem respeito a0 avango no desenvolvimento emocional que ocorre quando esta presente uma maternagem suficientemente boa — movimento de avanco do desenvolvimento emocional do bebé. E ao mesmo tem- po, em termos de esquizofrenia, hé um movimento de retroces- so. O esquizofrénico tem um impulso de entrar em contato exatamente corn os processos que danificam o impulso para frente da fase mais inicial, relativa ao periodo neonatal. Esta forma de ver a esquizofrenia contribui tanto para a compreensdo dela pré- pria quanto para a compreensao dos bebés. Ainda hé muito por realizar no que diz respeito ao tema das lembrangas do nascimento € 0 significado que tem, para 0 bbebé, a experiéncia de nascer. Nao disponho do tempo necessé- rio para desenvolver este tema aqui. Quero, porém, relatar 0 so- mho de uma garota esquizofrénica cujo nascimento foi muito dificil. Antes, no entanto, devo fazer algumas consideragdes sobre um parto normal — psicologicamente normal — em que o trauma psicolégico é minimo. Num parto normal, do ponto de vista do bebé, ele proprio possibilitou a ocorréncia do nascimento, porque estava preparado para o evento. Por m de esforcos convulsivos, por uma necessidade de respirar ou por algum outro motivo, 0 bebé fez alguma coisa, de tal forma que, sob seu ponto de vista, 0 nascimento ¢ algo “realizado pelo be- 40 " SUAS MAES. bé’”, Acho que isso ndo s6 é normal, como também comum. Estes tatos auspiciosos no se manifestam em nossos tratamentos ana- icos tanto quanto o fazem no simbolismo, nas invengdes cria- as ¢ nas brincadeiras. O que surge durante o tratamento é a coisa que ndo dew certo, e uma destas ccisas € a demora, que parece infinita, pois no ha nenhuma razdo para que o bebé es- teja na expectativa de um resultado. Volto, agora, & garota esquizofrénica a qual dediquei 2.500 horas de meu tempo. Ela tinha um QI excepcionalmente eleva- do — creio que algo em torno de 180 — e ao comecar seu trata- mento perguntou-me se eu a capacitaria a s motivo justo, e no por um motivo imprdpric. Quanto a isto, falhei: quando ela teve este sonho, encontrava-se no ponto ¢m ‘que reexperimentava 0 parto, com tadas as distoredes de que € capaz uma mulher adulta € muito inteligente. Tinha uma mae exiremamente neurética, ¢ ha evidéncias de que havia sido des- pertada para a consciéncia (se tal coisa, como creio, & possivel) poucos dias antes do nascimento, devido a um grave choque so- frido pela mae. Além disso, o parto complicou-se por uma pla- centa prévia nao descoberta com suficiente antecedéncia. Esta garota comegara a viver com ‘‘o pé errado"” € nao conseguit ja- mais acertar 0 passo, Em meio a esta nova tentativa que fazia de dar conta dos efeitos disso tudo, ela pediu que eu Ihe emprestasse o meu exem- plar do livro Trauuna of Birth, de Rank. Como podem ver, mais uma complicagéo, Todas estas complicacdes tém de ser aceitas no tipo de trabalho que estou relatando, e levadas em conside- ragdo. Uma noite apds ter lido 0 livro ela teve um sonho que considerou extremamente significativo, e creio que voces verao que, de fato, o era, Para o analista, tais sonhos sdo arroz com feijdio. Se vocés estiverem familiarizados com os sonhos, verao como este sonho especifico inclui uma a‘irmacao da confianea que ela depositava em mim — 0 analista— como a pessoa que 8 segurava, isto é, que cuidava de seu caso ¢ a analisava. O s0- ‘ho também oferece um quadro de seu permanente estado pa- randide, sua vulnerabilidade, sua inexperiéncia essencial, contra © que ela havia organizado todas as formas de defesa possiveis. Avesta altura, um psicanalista chamaria a atengo para 0 fato de que hd imimeros determinantes deste sonho que possivelmente nndo ge situiem, em sua origem, na ocasido em que se deu o nasci mento. Estou, no entanto; apresentando-Ihes este sonho a titulo de ilustracdo. Aqui esta a concepedo que minha paciente tinha de ter acabado de nascer: Ela sonhou que estava sob uma pilha de cascalho. Seu cor- po todo, & superficie, estava extremamente sensivel, num grau de sensibilidade quase impossivel de ser imaginado. Sua pele qu mava, 0 que era a sua forma de afirmar a sua extrema se dade ¢ vulnerabilidade. Ela queimava por inteiro. Sabia que, se cchegasse alguém e lhe fizesse qualquer coisa, a dor, tanto fisica quanto mental, se tornaria simplesmente impossivel de tolerar, ¢ tinha conhecimento do perigo que seria se alguém chegasse, retirasse o cascalho e tentasse curé-la; a situacdo era insuporta- vel. Ela enfatizava que, junto a isso, havia sentimentos intoleré- veis, comparaveis aqueles que acompankaram sua tentativa de suicidio, (Ela tentara suicidar-se duas vezes, 0 que mais tarde aca- ‘bou conseguindo fazer.) Disse: “Era impossivel continuar supor- tando qualquer coisa, 0 horror absolute de ter um corpo, ¢ @ mente, jé por demais saturada. Era o conjunto da coisa, © mon- ante da tarefa, que tornava tudo tao impossivel. Se pelo menos as pessoas me deixassem sozinha, e no ficassem atentas a mim. No entanto, 0 que aconteceu no sonho foi que alguém chegou e derramou 6leo sobre o cascalho no interior do qual ela se en- contrava, O dleo peneirou, chegou a sua pele ¢ a cobriu. Ela foi entao deixada sem qualquer tipo de interferéncia por trés sema- nas, ao fim das quais o cascalho péde ser removido sem dor: Havia, contudo, uma area ferida entre os seus scios, “uma area triangular que nao havia sido alcaneada pelo dleo — da qual sur- gia algo semelhante a um pequeno pénis ow cordao. Foi preciso dar atencao a isso, ¢ naturalmente foi um pouco doloroso, mas bastante toleravel. Simplesmente, nao tinha importéncia, € al- guém o retirou” ‘A partir deste sonho, creio que vocés podem ter (entre mui- tas outras coisas) uma idéia de como poderia parecer, a uma pes- soa, 0 fato de ter acabado de nascer. Este néo foi um daqueles partos que chamo de normais, devido consciéncie prematura ante de demoras no processo de nascimento. t 08 Benes & SUAS MAES balho que esté sendo realizado, do qual vocés poderiam néo ter ouvido falar, uma vez que faz parte de uma disciplina de natu teza diferente da que praticam. A teoria da esquizofrenia enquan- to anulagdo dos processos de maturagao que ocorrem nas fases iniciais da infancia tem muito a ensinar ao psiquiatra; acredito ‘que também tenha muito a ensinar ao pediatra, ao neurologista ¢ a0 psicdlogo, a respeito dos recém-nascidos ¢ suas maes. 1964 5. AS ORIGENS DO INDIVIDUO Em uma carta para o Times, de 3 de dezembro de 1966, 0 Dr. Fisher! levantou, mais uma vez, a seguinte questéo: quando 0 \dividuo tem inicio? Evidentemente ele estava lidando com 0 ponto de vista da Igreja Catdlica, segundo o qual o aborto é um assassinato. O principal da carta era que, com certeza, 0 mo- mento ébvio no qual tem inicio 0 individuo é 0 momento em que ele nasce. Trata-se de um ponto de vista que muitos pode- iam compartilhar, mas que parece pedir uma exposicao dos di- ferentes estgios de desenvolvimento que poderiam ser utilizados numa discussdo deste tipo. Aqui est4, ento, uma periodizacao do desenvolvimento que pode ser usada, e que certamente pode ter o seu aleance amplia- do. Parece ser necessario aceitar um certo grau de economia na utilizacao dessas idéias, através da referéncia a todos os fend- menos fisicos e psicolégicos relevantes. (0) O ato de conceber mentalmente. O inicio das-criangas se dé quando elas sto concebidas mentalmente. E um fato que se manifesta no brincar de muitas criangas de qualquer idade, apés os dois anos. Faz parte do material de que se constituem ‘05 sonhos muitas outras ocupagdes. Apés 0 casamento, hé um periodo em que a idéia de filhos comeca a se formar. E desne- cessirio dizer que 0 ato de desejar criangas nao é, por si s6, ca T. Na époce, Areebispo de Canterbury. (N. Orgs.) ‘BEBES E SUAS MAES € disto temos um triste exempl Lamb, em The Essays of Elia* m “Dream (2) A concepedo. E um fato fisico. A concepcéo depende da fertilizagio de um dvulo e de seu alojamento firme no endo- métrio do iitero, Nao existe um nico caso conhecido de parte- nogénese, # no ser na mitologia. Em alguns casos raros, 2 concepeaio ocorre fora da titera, no saco peritoneal. Pode-se di zer que a psicologia da concepeao diz respeito a um ou outro estas casos, ou seja: ou a idéia de concepsfo resultou em con- cepgao, ou a concepcao deu-se por acidente. E provavel que de- vamos considerar normal que o filho seja resultado de um pequeno acidente, ¢ que ¢ uma atitude sentimental dar muita im- portancia ao fato de que a crianga seja concebida a partir de um desejo consctente, Ha, de fato, muitas coisas a serem ditas a fa- vor da teoria da concepeao como umn pequeno acidente, que deixa 6 pais inicialmente surpresos, quando nao aborrecidos, devido ‘aos imensos distiirbios que tal fato traz para as suas vidas. B um desastre que s6 se transforma em seu contrério em circunstan- cias favoraveis, quando 05 pais, répida ou lentamente, chegam & conclusdo de que este é exatamente o desastre de que precisam. (3) O cérebro como dredo. O estagio seguinte € necessaria- mente indefinido, ¢ poderia ser dividido em varios subestagios. Seria légico determinar a idade exata’em que é perigoso que a mae contraia rubéola; em outras palavras, 0 periodo que vai, mais ou menos, dos dois aos trés meses, quando hé um desen- volvimento muito répido no inicio das transformacdes que cul- minarao na existéncia de um cérebro. E algo muito diferen- te considerar uma crianca como um ser humano antes que exis- ta.um cérebro, ¢ pensar nela como um ser humano uma vez que um cérebro esteja anatomicamente presente. Estes argumentos, naturalmente, no afetardo aqueles que ter: um enorme vigs emo- sional que os leva a crer na idéia de que o ser humano comeca rive erie de ensaios, The Esse sa. Noensaio "Dreath Chi GENS 4 énpca da fertilizacdo do dvulo, com ou sem o seu alojamento em um meio adequado. A consideracao deste estagio leva & dis cussdo a respeito de ser ou nao humana uma erianga que nasce anencefalica, ¢ existem amplas possibilidades de desacordo quanto ao status das criancas com diferentes graus de deficiéncias men- is baseadas no desenvolvimento deficiente do mecanismo de computacdo da crianga. Na pratica, nao temos diividas de que algumas ‘criangas retardadas sejam humanas, mas podemos deparar-nos com graus de retardamento que nos fazem desejar que tivéssemos uma caregoria de retardamento que nos permi- ‘ar uma crianca como ser humano. Emogdes mui- to fortes podem surgir em qualquer discussio, quer a respeito da existéncia de tal regido limitrofe, quer sobre a classificagao de criangas em seu Ambito. (4) Sinais de vida, Entre (3) e (5) surge 2 evidencia de que 0 feto esta “vivo e chutando”’. No entanto, este fato, que tem importancia para os pais, ndo faz parte desta seqiiéncia, uma vez que ndo é constante. E varidvel quanto ao seu tempo de ocor- réneia, ¢ pode acontecer ao lado de qualquer grau de deficincia no desenvolvimento do tecido cerebral. (5) Viabitidade. Em algum estagio, pode-se afirmar que @ crianga nao-nascida é vidvel, no sentido de que, se ela nascer pre- maturamente, ha uma postibilidade de sobrevivencia. Esta de- pend, em grande parte, das condigées ambientais. Tém nasci criangas de seis meses, ¢ através de cuidados médicos ¢ de enfe ‘magem tem-se conseguido que elas cheguem aquilo que parece- ria normal a época em que deveriam ter nascido. Ha muitos estudos sobre a histéria subseqtiente de criangas prematuras, mas para fins desta exposigdo deve-se considerar que, se uma crian- ‘ga nascida aos seis meses tornou-se saudavel, entao teoricamen- tea viabi uia-se aos seis meses, e para muitos este parece ser um estagio muito importante em qualquer discussdo sobre as origens do indi (6) A psicologia rorna-se significativa, Em algum estagio do desenvolvimento do ser humano saudavel da-se uma transfor- macdo que s6 pode ser descrita afirmando-se que, & anatomia ¢ fisiologia, vem somar-se a psicologia. O cérebro como érgao toma possivel o regisiro das experiéncias e a acumulacao de da- dos, bem como os primérdios de uma separacdo e classificacao dos fendmenos, Palavras como frustragdo comegam a ter urn si ficado, no sentido de que 0 bebé é capaz de ter, em sua mente, a nogéo de que algo era esperado, mas que a expectativa nao se realizou plenamente. A partir desta espécie de relato descriti- vo podem-se encontrar provas da existéncia de um individu, an- tes do processo de nascimento. Isto deve ser objeto de debate em qualquer discusso, mas 0 psicanalista, mais que qualquer outro tipo de observador atento, encontra-se numa posico que ihe permite afirmar, a partir de sua experincia clinica, que a vi- da psicoldgica do individuo a0 tem inicio exatamente no mo mento em que ele nasce, A maneira mais Pécil de abordar este problema é levar em considerago o contraste entre nai prematuros e pés-maturos. O psicanalista ¢ levado a cone! ‘© momento certo do nascimento, no sentido psicold mento do parto a termo, no cual, fisiologicamente, pode-se tam- bém afirmar que chegou a hora de 0 bebé abandonar o titero. E.até mesmo possivel formutar de um parto normal & que aconteca no momente exato, do ponto de vista da er ca, de tal forma que ela seja capaz de sentir todo 0 processo co- ‘mo algo natural, na medida da organizacdo mental existente nesta cocasio. Seria excessivamente complicado levar em consideragao, aqui, os diferentes tipos de traumas de nascimento, embora eles também possam ajudar a esclarecer este dificil problema. E mais facil langar mao das imensas diterencas psicologicas que podem ser observadas entre as crianeas prematuras e pés-maturas. Em resumo, para a crianga prematura a incubadeira é um meio am- biente natural, ao passo que, para uma crianga pés-matura, que talvez jd tenha nascido frustrada e com o polegar na boca, uma existéncia no interior de uma incubadeira é um equivoco. Este tema poderia ser amplamente desenvolvido, mas a conclusio prin- cipal é que a observacao feita pelo Dr. Fisher a respeito do-ias- mento como inicio do individuo carece de uma maior elaboragao. PF AS ORIGENS LO INDIVIDUO a (1) O nascimento, Este € 0 momento escolhido pelo Dr. Fi- sher, em sua carta, e talvez ele diga mais respeito & transforma- do que se dé na mae ou nos pais do que a transformacdo que se dé na crianga. Fisiologicamente, as transformagdes que 0 nas- cimento acarreta so, como se sabe, imensas, mas nao é neces sério pensar que algo tio memoravel quanto 0 inicio do individuo esteja estritamente ligado ao processo de nascimento. Neste tipo de discussao, ¢ provavel que tenhamos que deixar de lado esta idéia. O argumento a favor da incluso do proceso de r mento aqui €a imensa transformacio que se da na atitude dos pais. A crianga poderia ter nascido morta, quando nao mons- truosa, mas aqui estd 0 beb@, reconhecido por todos como um (8) EU — ndo-EU. A partir deste ponto, a fisiologia pode ser enitregue aos seus préprios cuidados. Ela inclu fatores gené- {icos que determinam a tendéncia para a maturagdo do indivi- duo, ¢ pode ser afetada por processos mérbidos, que podem ou niio ocorrer. Nao se discutiria se uma crianga € ou ndo um indi- viduo se uma encefalite, por exemplo, produzisse uma distor¢ao do processo de desenvolvimento. Portanto, a discussdo encontra- se agora nos dominios da psicologia, mas existem dois tipos de psicologia. A psicologia académica, como podemos chamé-la, acupa-se dos fendmenos fisicos. A psicologia que, para nds, tem relevancia aqui ocupa-se dos fatores emocionais, da estrutura- 40 da personalidade e da jornada progressiva ¢ gradual que vai da dependéncia absoluta 2 independéncia, pasando por ura fase de dependéncia relativa. Uma grande parte depende dos recur sos ambientais, de tal forma que ¢ impossivel deserever um bebé ow uma crianca pequena sem que se inclua uma descri¢ao dos cuidados que cla recebe, ¢ que so gradualmente vao se transfor~ mando em algo separado do individuo. Em outras palavras, os processos de maturacao, facilitados de uma forma extremamen- te complexa pelos seres humanos qite cuidam do bebé, terminam por fazer com que a crianga repudie 0 que ¢ 0 ndo-EU, vindo a constituir o EU. Chega um momento em que, se a crianga pu- dese falar, diria EU SOU, Uma vez atingido este estdgio, no- vos progressos precisam ser feitos para a sdlida instituicdo do 48 os aEbES E SUAS MAES estagio em que, inicialmente, alterna contatos renovados com 0 estigio mais primitivo no qual tudo esté fundido, ou a partir do qual os diferentes elementos nao foram adequadamente separa~ dos entre si. Ha, aqui, um momento muito definido na vida de toda crianca, embora possa set difuso em termos do limite de tempo, no qual ela se deu conta de sua existéncia ¢ tem algum tipo de identidade estabelecida, nao na mente dos observadores, mas em sua prépria mente. Este seria um bom momento para io do individuo, mas ele seria evidentemente , em qualquer discusszo de cunho re- ligioso. (9) Odjetividade, Juntamente com estas transformagées que fazem parte do desenvolvimento do individuo, surge a capaci- dade da crianga de, gradualmente, levar em consideragao 0 fato de que, embora a realidade psiquica interior continue sendo pes- soal (apesar de enriquecida pela percepgac do meio ambiente), ‘mesmo assim existe um ambiente ¢ um mundo exterior a ela, que poderia ser chamado de verdadeiro. A diferenga entre estes dois extremos é suavizacia pela adaptacao da mie, dos pais € da fa- milia, bem como daqueles que cuidam do bebé e da crianga pe- quena, mas a crianga termina por aceitar o principio de realidade, € muito se beneficia do fato de conseguir fazé-lo. Todas estas coisas so uma questo de desenvolvimento, € no ocorrem, ne- cessariamente, no caso de qualquer crianga cujas condigdes am- bientais tenham sido confusas e desorganizadas. Aqui, novamente, estamos diante de um novo estégio, o qual, quando alcangado, produz uma resposta obvia & pergunta: A crianca jé € um individuo? (0) Cédigo moral. Entrelagado a estes fendmenos esté 0 desenvolvimento de um cédigo moral pessoal, um assunto que diz, muito respeito aos professores religiosos. Nos dois extremos estdo aqueles que nao podem correr.o risco, mas devem, desde 0 inicio, incutir na crianga um cédigo moral, e aqueles que tudo arriscam para permitir que o individuo desenvolva um cédigo moral pessoal. A educacao das criancas situa-se em algum pon- to entre estes dois extremos, mas, tanto para a sociedade quanto Do InDIviDUO para os que costumam travar polémicas religiosas, a teoria das gens do individuo deve levar em consideracdo o momento em ‘que uma crianga sente-sé responsavel por suas idéias ¢ ages. (11) O brincar e a experiéncia cultural, Poder-se-ia dizer que, como recompensa por uma combinagao satisfatéria de influén- cias ambientais com os processos hereditarios de maturacio, aca- tba por firmar-se uma érea intermediéria que vem a ser de grande nportancia para a vida do individuo. Comeca com atividades ladicas muito intensas, que sio uma caracteristica exclusiva das criangas muito novas, e pode evoluir para uma vida cultural de finita riqueza. Estas coisas, no entanto, pervencem a esfera da saiide e nfio podem ser consideradas como um fato. Na medida fem que Sao verificadveis no caso de uma determinada crianca, pode-se entdo afirmar que constituam uma parte importante deste individuo. (12) A realidade psiquica pessoal. De acordo com suas ¢x- Pe ¢ capacidade de armazenar experiéncias, 0 individuo desenvolve uma capacidade de acreditar... ou confiar. De acor- do com os recursos culturais imediatos, a crianca serd levada a luma crenga nisso ou naquilo, ou em algo mais, mas o funda- mento é a capacidade que se baseia na experiéneia acumulada, tanto de fatos como de sonhos. Embora sejam de enorme im- portdncia numa descricdo do individuo, estes assuntos ja so por demais sofisticados para que sejam incluidos numa discussao do tema aqui proposto, on seja: quando tem inicio o individuo? ‘Supde-se, no entanto, que as pessoas interessadas nas origens ¢s- tejam, também, interessadas no ponto que pode ser aleangado pelo individuo em scu desenvolvimento como ser humano. Vocés! esto aqui para refletir sobre determinados problemas da Infancia, e trazem a este encontro, cada um de uma forma espe- cial, uma experiéncia com bebés que se baseia em seu crescimento e desenvolvimento, ber como em distirbios do desenvolvimen- to causados por fatores fisicos. Pretendo falar sobre as dificul- dades que independem de motéstias fisicas. Para sim tema, tenho que admitir que, fisicamente, o bebé esta bem. Creio ‘que vocés nao se aborrecerao pelo fato de eu chamar a atengao para os aspectos nao fisicos dos cuidados dispensados aos be- bés, uma vez que, em sua pratica, vocés estao 0 tempo todo dando com estes problemas e seu interesse vai, necessariamente, além do campo da doenga fisica propriamente dita. Como voets provavelmente saber, comecei carreira como pediatra € me transformei, aos poucos, cm psicanalista e psiquia- tra infantil, € 0 fato de no inicio ter sido um médico voltado pa- ra problemas fisicos teve uma grande influéncia sobre o meu trabalho. Tenho uma vasta experiéncia, o que se deve simples- mente ao fato de eu ter desenvolvido uma pratica ininterrupta a0 longo de quarenta € cinco anos, tempo suficlente para que alguém possa acumular um grande mimero de dados, Em meia hora no posso fazer muito mais que mencionar a teoria extre- mamente complexa do desenvolvimento emocional do ser humano como pessoa. O que devo fazer, entretanto, para meu préprio 1 Winale Ver pp. 93-4. tia Soviedave Real de Medicina ase 4 Divisto 08 BEBES E SUAS M2 bem, é passar-Ihes um pouco da intensidade de sentimentos que acumulei nestes quarenta © cinco anos. E estranho, mas o treinamento que médicos e enfermeiras recebem quanto aos aspectos fisicos € algo que, sem divida, faz desaparecer parte de seu interesse pelos bebis enquanto seres hu- manos. Eu mesmo, quando comecei, estava consciente de m nha incapacidade de aplicar aos bebés minha empatia natural com as criancas. Eu tinha plena consciéncia de que isto era uma deficiéncia, e foi para mim um grande alivio quando aos poucos passei a ser sensivel ao relacionamento do bebé com a mae, ou do bebé com o pai. Creio que muitos daqueles que se especi zaram em problemas ffsicos tm o mesmo tipo de bloquelo que eu tive, ¢ € preciso um grande esforgo de sua parte para que con- sigam estabelecer uma relacdo de afinidade com o bebé. Para o pediatra ¢ importante conhecer as questdes ineren- tes aos seres humanos, tal como se manifestam no inicio da v de um novo individuo, uma vez que, ao conversar com os pais, le precisa saber a funcdo importante que os mesmos tém. O mé- dico entra em cena quando surge uma doenga, mas os pais sf importantes 0 tempo todo, independentemente de a crianca es- tar doente. E muito dificil para os pais perceber que 0 médico que chamam com tanta confianca, quando a erianga esta com pneumonia, é cego a todas as coisas que eles fazem para adaptar- se s nevessidades do bebé quando este nao esta doente. Por exem- plo: a maior parte das dificuldades em alimentar o bebé nao de- corre de infecgdes ow impropriedades bioguimicas do leite, mas sim do cnorme problema que toda mae tert em adaptar-se as ne cessidades de um novo bebé. Bla tem que tomar suas prdprias decisdes ¢ iniciativas, pois ndo existem dois bebés iguais, da mes- ma forma que também nao ha duas maes iguais, sendo que uma mae nunca € a mesma com cada filho. A mae ndo pode apren- der a fazer as coisas que Ihe competem a partir de livros, enfer- meiras ou médicos. Ela pode ter aprendido muito a partir do fato de ja ter sido crianga, ¢ também a partir da observagao de ou- 110s pais com seus filhios, ¢ do fato de ter ajudado a tomar conta de seus irmaos; acima de tudo, porém, ela aprendeu muitas coi- sas de importancia vital quando, ainda mu‘to novinha, brineava de pai e mae. "0 AMBIENTE SAUDAVEL NA INFANCIA™ 33 E verdade que algumas mées conseguem obter uma ajuda limitfida nos livros, mas nao podemos esquecer que, se uma mae se volta para um livro ou pessoa em busca de conselho, ¢ tenta dessa forma aprender o que deve fazer, € valido perguntar se ela esta a altura de suas fungdes. Seus conhecimentos tém de vir de um nivel mais profundo, e nao necessariamente daquela parte da mente onde ha palavras para tudo. As principals coisas que uma mae faz com 0 bebé nao podem ser feitas através de pala- vras. Isto € dbvio demais, mas também é algo muito Facil de es- quecer, Em minha longa experiéncia tive a oportunidade de conhecer muitos médicos, enfermeiras e professores que imagi- navam poder dizer as maes o que elas deveriam fazer, ¢ que passavam a maior parte do tempo dando instrugdes aos pais; observei-os, depois, quando também se tornaram pais e mes @ tive com eles longas conversas sobre as suas dificuldades. Descobri que muitos precisavam esquecer tudo o que pensa- vam saber, ¢, até mesmo, tudo aquilo que vinham ensinando. Fregiientemente descobriam que as coisas que sabiam desta forma interferiam tanto, no infcio, que ndo conseguiam agir naturalmente com seu proprio primeiro filo. Aos poucos, con- seguiam desprender-se desta camada inutil de conhecimentos ligados as palavras, e s6 entdo eram capazes de se envolver com aquele bebe. Segurar e manipular Os cuidados com as criangas giram em torno do termo “se- gurar’’, principalmente se permitirmos que seu significado* se amplie & medida que 0 bebé cresce e que seu mundo vai se tor~ nando mais complexo. O 1ermo pode incluir, com muita pro- priedade, a fun¢ao do grupo familiar, e, de uma forma mais sofisticada, pode também ser empregado para caracterizar 0 tra- I-como ele se dé nas profissdes cuja caracte- ica bdsica € a prestagdo de cuidados. ars amparr, impel que aia, agarrae, cover, pen asiegurar tranqilizar,serenar,sosegar: nto se desfaret de, cor 1, presaverse. (NT 0s BERES E SUAS MAES No inicio, porém, &0 ato fisico de segurar a estrutura Fisica do bebdé que vai resultar em circunstancias satisfatbrias ou des- favoraveis em termos psicolégicos. Segurar ¢ manipular bem uma crianga facilita os processos de maturacdo, ¢ segurd-la mal sig- nifica uma incessante interrupedo destes processos, devido as rea- gdes do pebé as quebras de adaptaczo Neste contexto, facilitagao significa a existéncia de adapta- cao as necessidades basicas, ¢ isto € algo que sé pode ser feito por um ser humano. Uma incubadeira é adequada para 0 bebe promaturo, mas na data de seu nascimento 0 erau de maturida- de do bebé ja pede cuidados humanos, mesmo que, para a mae, seja conveniente usar um bergo ou carrinho, A mae humana po- de adaptar-se as necessidades de seu beb neste estagio inicial, pois neste periodo ela ndo tem nenhum outro interesse. ‘A maioria dos bebés tém a sorte de serem bem segurados na maior parte do tempo, A partir daf, eles adquirem confianga em um mundo amigavel, mas, 0 que é ainda mais importante, por terem sido segurados suficientemente bem, tornam-se capa- zes de atravessar bem todas as fases de seu desenvolvimento emo- clonal muito répido. A base da personalidade estaré sendo bem assentada se o bebé for seguraco de uma forma satisfatéria. Os bebés ndo se recordam de que as pessoas os seguravam ber — no entanto, lembram-se da experiéncia traumatizante de nfo te- rem sido seguradas de forma adequada As mies saber destas coisas € ndo se preocupam com els, Sentem-se fisicamente feridas quando alguém, talvez o médico que estd fazendo um Reflexo de Moro, maltrata seu bebé diante de seus olhos. Mau trato so as palavras que melhor expressam 0 efeito que tem, sobre uma crianea, o fato de a segurarem mal, ¢ pode- se mesmo dizer que a maior parte dos bebés atravessa as pri as semanas ou meses sem serem maltratados. Em ger ceio que isso seja verdade, os maus-tratos que acorrem sao pro: vocados por médicos e enfermeiras que nao esto, no momento, preocupados, como a mae esté, com @ adaptacdo as neces des bisicas do bebe Tenham a certeza de que estes maus-tratos so muito sign ficativos. Em nosso trabalho com criancas mais velhas ¢ adultos, (0 AMBIENTE SAUDAVEL NA INFANCIA constatamos que eles contribuem para um sentimento geral de inseguranca, e que o proceso de desenvolvimento é retardado pelas reagdes aos maus-tratos, que fragmentam a linha continua que é a crianga. A relaco objetal ‘Ao lidar com a amamentacao ou com a alimentagdo por mamadeira como pediatras, vocés estar pensando em termos da fisiologia da amamentago ou da alimentac4o por mamadei- a, € sob esse aspecto seus conhecimentos de bioquimica tém ‘uma importancia especial. Estou chamando a atencio de vocés para o fato de que, quando a mae e 0 bebé chegam a um acordo na situacio de alimentacdo, esto lancadas as bases de um rela- cionamento humano. E a partir dai que se estabelece o padrao da capacidade da crianga de relacionar-se com os objetos ¢ com o mundo. ‘Minha longa experiéncia me levou a perceber que 0 padrao para a relac&o objetal ¢ assentado na primeira infancia,.¢ que ‘mesmo as coisas que se passam no inicio sao, de fato, muito im- portantes. E facil demais pensar em termos de reflexos. Médi- cos e enfermeiras nunca deveriam cair na armadilha de pensar que, como os reflexos s40 um fato, ndo ha nada além: deles, O bebé é um ser humano, imaturo ¢ extremamente depen- dente, ¢ também um individuo que esta tendo e armazenando experigncias. Isto tem uma enorme importaneia pratica para to- dos que se ocupam dos estgios iniciais. Um nimero realmente alto de maes seria capaz de instituir a amamentacdo se os médi- cos e enfermeiras dos quais so tao dependentes pudessem acel- tar o fato de que esta tarefa s6 pode ser adequadamente realizada pela mae, Ela pode ser bloqueada e pode ser ajudada se ihe der- mos apoio em todos os outros aspectos. Ela nao pode ser en- sinada. Ha coisas muito sutis que a mle sabe por intuigtio e sem qualquer apreciacao intelectual daquilo que esta acontecendo, quais ela s6 pode chegar se a deixarmos com toda a responsabi- lidade neste campo especifico. Ela sabe, por exemplo, que 0 ndo alimentar constitui a base do alimentar. Be See os BED Quando uma enfermeira exasperada empurra o mamilo da mie ou o bico da mamadeira na boca do bebé, ativando um re- flexo, configura-se um mau trato, ou, como eu talvez posse di- zer, uma espécie de violacao. Por si prépria, nenhuma mae faria isso. Muitos bebés precisam de um periodo de tempo antes de comegarem a buscar, ¢ quando encontram um objeto ndo vo ‘querer, necessariamente, transformé-lo de imediato em uma re- feicao. Eles querem explord-lo com as m&os ¢ a boca, € talvez ‘queiram prendé-lo com as gengivas. Ocorre, neste caso, uma enor me gama de variagdes, de acordo com 0 tebé ¢ a mie. Este € 0 inicio ndo s6 da alimentacio, € 0 inicio da relagéo objetal. A totalidade do relacionamento deste novo individu com ‘9 mundo real tem que se basear na forma como as coisas se ini- me no padrao que se desenvolve gradvalmente, de acordo com a experiéncia que faz parte deste relacionamento humano entre o bebé ¢ a mac. Estamos novamente diante de um tema muito vasto, que diz respeito até mesmo aos fikisofos, uma vez que temos de aceitar ‘© paradoxo de que aquilo que o bebé cria jd se encontrava ali, e que, na verdade, a coisa que o bebé cria ¢ parte da mae que foi encontrada. (© fato é que a coisa nao estaria ali se a mde nao estivesse naquele estado especial que da as maes concigSes de estarem pre- sentes mais ou menos no momento ¢ no lugar certos. Isto se cha~ ma adaptagio as necessidades, que permite ao bebé descobrir 0 mundo de forma criativa ‘© que podemos fazer se no somos capazes de instruir as mies quanto a estas questdes de procedimento? O que podemos fazer como médicos ¢ enfermeiras ¢ evitar interferéncias. Trata- se de algo realmente simples. Temos que saber qual & a nossa especialidade, e temos que saber exatamente de que forma as maes realmente necessitam de cuidados de médizos e enfermeiras. De posse deste conhecimento, facilmente deixamos a cargo da mae exatamente aquilo que ela € capaz de fazer sozinha. Quando estamos tratando de criangas mais velhas ¢ de adul- tos, descobrimos que grande parte dos distirbios com os quais temos de lidar, em termos de distirbios ¢a personalidade, aca~ 0 AMBLENTE SAUDAVEL NL 0 RINCTA bar por se mostrar evi em geral, trata-se de problemas {que foram causados por médicos e enfermeiras, ou por concep- des médicas errGneas. Descobrimos inumeras vezes que, se um médico, enfermeita ou suposto auxiliar nao tivesse interferido nos processos naturais extremamente sutis que dizem respeito 20 relacionamento entre a mae € 0 bebe, talvez os distiirbios do de- senvolvimento pudessem ter sido evitados. Naturalmente, & medida que 0 bebé fica um pouco mais ve- Iho, a vida vai se tornando cada vez mais complexa. As falhas de adaptacao por parte da mde sdo, elas préprias, uma adapta- cdo a necessidade crescente da crianga de reagir a frustracdo, de ficar zangada ¢ lidar com a rejeigao de tal forma que a acei- tagdo se torne cada vez mais significativa ¢ instigante, Em ter- mos gerais, a mae ¢ o pai crescem com cada filho de uma forma muito sutil. Muito rapidamente 0 bebé se transforma em uma pessoa facilmente identificavel como humana, mas, na verdade, ele jé tem sido humano desde que nasceu. Quanto mais cedo reconhe- cermos tal fato, tanto melhor. Permitam-me abordar uma terceira érea de procedimento. © trato com as exeregdes Inicialmente o bebé est muito envolvido com a ingestéo. Isto inclu a descoberta de objetos ¢ seu reconhecimento através da visio ¢ do olfato, ¢ 0 inicio da formacao da constancia do objeto*, com o que quero dizer que um objeto adquire impor- tancia em si, nao simplesmente como um tipo de objeto ou co- mo algo capaz de produzir satisfacao. ‘Através do processo de crescimento ¢ desenvolvimento emo- cional e da maturacdo, que acompanha o desenvolvimento do ido cerebral, 0 beb@ adquire uma visdo mais ampla do tubo digestivo c do processo de alimentagdo. Digamos que, em suas primeiras semanas ou meses, o bebé se familiarizou muito com 58 OS BEBES £ SUAS MAES a Ingest, € que no mesmo periodo excretou fezes e urina. A ingestao foi complicada por todos os tipos de atividades além- frontciras, que para o bebé enquanto pessoa mo tiveram qual- quer significado. Por volta dos seis ou sete meses, 0 bebé é manifestamente capaz de estabelecer relacdo entre a excrego e a ingestao. O be- bé, que esta se tornando cada vez mais consciente, desenvolve uum interesse pela parte interna de seu corpo, isto &, a érea com- preendida entre a boca e o anus. O mesmo é verdade com rela- G40 & mente, de modo que, tanto na mente como no corpo, 0 bebé se tornou um recipiente. , ha duas espécies de excrecao. Uma delas é con- © dizemos que é ma; para dispor dela, o bebé precisa da mae. A outra é considerada boa, ¢ pocle ser uma subs- tAneia a ser oferecida como presente em um momento de amor. Estas sensagdes relativas & funcc so acompanhadas do desen- volvimento correspondente na mente e na psique. A razdo pela qual Shes pedimos que nao interfiram quando os pais permitem que seus bebés encontrem sua prépria maneira de se tornarem aguilo a que chamiamos de “limpo’’ ou “enxu- to” & que cada bebé precisa de tempo para estabelecer, com se- guranga, uma distinedo entre a boa e a ma substdncia, e para adquirir confianga quanto ao préprio ato de dispor daquilo que vai ser descartado. A mie sabe, de uma forma extremamente sensivel, quais so 0s sentimentos de seu bebé com relacdo a essas coisas, pois, temporariamente, ela se encontra em sintonia com elas, Ela aju- da o bebé a livrar-se dos gritos, dos berros, dos chutes ¢ das subs- tancias excretadas, e esté pronta para receber os presentes de amor Ros momentos em que estes esto disponiveis. Ela vai ao encon- tro do potencial do bebé, de acordo com @ forma em que a po- lade dele sc manifesta no momento, © na fase exata do mento em que ele se enconttra. O treinamento faz com que toda esta sutil comunicagiio ene tre o bebé ea mae fique muito mais dificil e perturbe o padrio que vem se delineando rumo a uma capacidade harmoniosa de doagdo ¢ de esforcos construtivos, Pior que a interferénci através de um treinamento rigoro- (0 AMBIENTE SAUDAVEL NA INFANCIA so € a interferéncia ativa e especifica por meio da manipulaco anal ¢ uretral e de supositérios e clister. Estes quase nunca sdo necessdrios, e nunca € demais enfatizar que as pessoas que cui- dam dos bebés devem se sentir livres para por em pratica o res+ peito que tém pelas fungdes naturais do bebé. : # claro que existem mies ¢ figuras maternas que nao con- seguem deixar que as fungdes naturais predominem, mas trata- se de excecdes; de qualquer modo, ndo devemos basear nossas tudes em coisas que, segundo nossa observacio, sio contra- tias as leis da natureza, doentias e ndo-maternais, Nao posso provar a veracidade destas coisas, 2 ndo ser pa ra aqueles que puderem me dar muito tempo para faz8-lo. No entanto, se vocés puclerem aereditar em mim, ento os convido a aceitar que a profilaxia ¢ muito mais importante que 0 frata- ‘mento de distirbios psiquiatricos (que tem sido o meu trabalho); trata-se de algo que pode ser posto em pratica imediatamente, ndo se ensinando as maes como serem maes, mas levando médi- cos e enfermeiras a entenderem que ndo devem interferir nos me- ismos delicados que se revelam no estabelecimento das relagées interpessoais como as que se dio entre o bebé ¢ sua mac. 7. A CONTRIBUIGAO DA PSICANALISE A OBSTETRICIA Deve-se sempre lembrar que é habilidade da parteira, baseada em um conhecimento cientifico dos fendmenos fisicos, que dé as suas pacientes a confianga nela de que elas necessitam. Sem esta habilidade basica quanto 20 aspecto fisico, seus estudos de psicologia serdo intiteis, pois ela nao poderd substituir o conhe- cimento sobre o que fazer quando uma placenta prévia compli- ca 0 processo de nascimento por um insight psicoldgico. No entanto, uma vez garantidos os conhecimentos ¢ as habilidades necessérias, nao hd diivida de que uma parteira aumentaré em muito 0 seu valor se adquirir, também, uma compreensao de sua paciente como um ser hum: 0 lugar da psicanstise De que forma a psicanalise associa-se ao tema da obstetri- cia? Em primeiro lugar, através de seu estudo minucioso dos por- menores de tratamentos longos e dificeis. A psicanalise esta comegando a projetar luz sobre todos 0s tipos de anomalias, tais, como a menorragia, os abortos sucessivos, a ndusea ¢ 0 vomito (ez, a inércia uterina priméria, € muitos ou- tros problemas de ordem fisica que as vezes podem ter um con- flito na vida emocional inconsciente do paciente como parte de sua causa, Muito tem sido escrito sobre estes jos psicos- sométicos. A , estou preocupado com outro as- lentarei indicar, em termos 62 OS BEBES E SUAS MAES: gerajs, o efeito das teorias psicanaliticas sobre as relagdes entre © médico, a enfermeira ¢ a paciente, tendo em vista a situacdo do parto. A psicandlise ja resultou em uma grande mudanga de énfa- Sse, que pode ser claramente observada na atitude das parteiras atuais em comparacao com as de vinte anos atras. Atualmente 6 ponto pacifico que a parteira queira acrescentar, & sua habili- dade basica ¢ essencial, alguma avaliacdo da paciente como pes- soa — uma pessoa que nasceu, ja foi uma crianga, brincou de pai e mae, ficou apavorada com as mudaneas decorrentes da pu- berdade, passou pela experiéncia dos impulsos recém-descobertos na adolesc€ncia, tomou decisdes importantes, talvez tenha se ca- sado ¢, por vontade prépri ilmente, teve um filho. um hospital, ela estard preocupada com o lar para o qual deve retornar e, de qualquer forma, existe a transformagao que 0 nascimento do bebé provocard em sua vida pessoal, em seu relacionamento com o mai ‘ido, com seus pais € com seus sogrus. Freqilentemente, também, podem ocor- rer complicacdes em seu relacionamento com seus outros filhos, além de alteracdes dos sentimentos destes entre si ‘Se nds todos nos tornarmos pessoas.em nosso. trabalho, es- te, entdo, se tornara muito mais interessante ¢ compensador. Na ‘ua¢do cm pauta, temos quatro pessoas a considerar, e quatro ontos de vista, Primeiro, hé a mulher, que se encontra em um estado muito especial, que se assemelha a uma doenga, exceto pelo fato de ser normal. O pai, até certo ponto, esté em um es. tado pareci igenciado, o resultado seré um grande empobre . A erlanca, ao nascer, ja ¢ uma pessoa, ¢ do seu ponto de vista existe teda uma diferenca entre a quali- dade boa ou ma dos cuidados que Ihe sejam dispensados. Em seguida, temos a parieira. Ela nao é apenas um técnico, mas tam. bbém um ser humano; tem seus sentimentos e seu humor, expec- tativas € decepgdes; talvez gostasse de estar no gar da mac, do bebé ou do pai, ou de todos a0 mesmo tempo. Em geral sente.se satisfeita por ser a parteira, mas as vezes isto a deixa frustrada A CONTRIBUICAO DA PSICANALISE A OBSTETRICIA Um proceso essencialmente natural ‘Uma idéia geral vem diretamente ao encontro do que tenho: 2 dizer, isto €: ha processos naturais que constituem a base de tudo que esta ocorrendo, € nosso trabalho enquanto médicos e enfermeiras s6 seré apropriado se respeitarmos ¢ facilitarmos estes processos naturais. As maes tiveram bebés por milhares de anos, antes do aparecimento das parteiras, e é provavel que estas ini- cialmente lidaram com a supersticao. A forma moderna de lidar com a supersticao ¢ a adocdo de uma atitude cientifica, com a cigncia baseada na observacao objetiva. O treinamento moder- no, baseado na ciéncia, dé a parteira os fundamentos necessé- rios para que ela evite as préticas supersticiosas. O que dizer dos pais? Antes dos médicos, estes tinham uma funcao definida, mas a Providéncia Social chamou a si a responsabilidade: eles no apenas compartilhavam os sentimentos de suas mulheres e pas- ‘savam por uma parte de sua agonia, como também participavam, ajudando a evitar eventuais distirbios externos e propiciando & mae a oportunidade de ficar preocupada, de s6 se preocupar iados para com o bebé que se encontra em seu corpo ‘ou em seus bracos, Mudanea de atitnde para com o bebé Houve uma evolucdo na atitude para com o bebé. Imagino que, 20 longo dos séculos, os pais passaram a considerar 0 bebé como uma pessoa, vendo nele muito mais do que ali estava — um homenzinho ou uma mulherzinha. Isto inicialmente foi re- jeitado pela ciéncia, que afirmava que a crianca ndo é um pe- queno adulto, ¢ por muito tempo os observadores consideraram objetivamente as criancas como seres muito pouco humanos, até que comecassem a falar. Recentemente, entretanto, descobriu- se que os beb@s so, de fato, humans, embora adequadamente infantis. A psicandlise vem mostrando gradualmente que mes- mo 0 processo de nascimento nao passa despercebido pelo be- bé, e que, do seu ponto de vista, pode haver um parto normal ou anormal. E possivel que cada pormenor do parto (da manei- 6 “OS BEBES £ SUAS MAES Fa que este € percebido pela crianga) fique registrado em sua mente, ¢ isto normalmente se evidencia no prazer que as pessoas sentem com os jogos que simbolizam os virios fendmenos que foram vivenciados pelo bebé ~ virar-se, cair, sensacdes que di zem respeito & passagerh de um meio Iiquido para um territério seco, de uma temperatura constante para o ajustamento obriga- tério a mudangas de temperatura, de suprimento de oxigénio e de alimento através do cordao umbilical para a dependéncia de seus proprios esforcos para a obtencdo de ar ¢ alimento. A mie saudsivel Uma das dificuldades encontradas no que diz respeito & ati- tude da parteira para com a mae situa-se no Ambito da questo do diagnéstico, (Nao me refiro, aqui, ao diagndstico das condi- Ges do corpo, que deve ser deixado a cargo da enfermeira e do médico, nem me refiro & anormalidade fisica; estou preocupado com a sade ¢ a doenca apenas no sentido psiquidtrico.) Come- cemos pelo lado normal do problema. No extremo saudavel, a paciente nao ¢ um paciente, mas sim uma pessoa perfeitamente saudavel e amadurecida, em ple- nna capacidade de tomar suas préprias decsdes sobre os assun- tos de maior importincia, e talvez mais adulta que a parteira que a assiste, Devido as circunstdncias em que se encontra, estd em. um estado de dependéncia, Temporariamente, ela coloca-se nas maos da enfermeira, e ser capaz de faz@-lo requer saiide e matu- ridade, Neste caso, a enfermeira respeita a independéncia da mae Por tanto tempo quanto possivel, e até mesmo ao longo de todo © trabalho de parto, se o parto propriamente dito for Ficil e nor- mal. Da mesma forma, cla accita a dependéncia total de muitas mes que s6 conseguem passar pela expariéncia de um parto se transferirem todo o controle & pessoa que thes presta assisténcia. O relacionamento enire a mae, 0 médico e a enfermeira Sugiro que, px ta, ela nao pode i to de a mae saudavel ser madura ou adul- nsferir a responsabilidade a uma enfermeira ICANALISE A OBSTETRICIA ou médico que ndo conhece. Ela deve, primeiro, conhecé-los, € i0%€ a coisa mais importante do perfodo de preparagao que le- va a0 parto propriamenté dito. Ela pode ter contianga neles, ca- so em que os perdoara mesmo que cometam alguma falha; se, entretanto, esta confianca estiver ausente, toda a experincia es- tard arruinada para ela; ela tera medo de delegar responsabili- dades, tentaré dirigir os acontecimentos por conta prdpria e, na verdade, tera medo !acdo em que se encontra, culpando- 03 por qualquer coisa que no dé certo, sejam eles culpados ou no. E teré razdo se eles nao permitiram que ela os conhecesse. Coloco no primeiro ¢ mais importante lugar esta questéo da familiaridade entre a mae, 0 médico e a enfermeira e da con- nuidade desse contato, se possivel ao longo de toda a gravidez, Se isto for impossivel, entdo pelo menos deverd existir um c tato muito claro ¢ definido com a pessoa que dard assistén i mae no momento do parto, bem antes da data em que se espe- ra que este titimo ocorra. Um sistema hospitalar que nao permite que uma mulher sai- ba com antecedéncia quem serd seu médico e sua enfermeira por ocasido do parto nao pode ser considerado bom, mesmo que se trate da clinica mais moderna, bem equipada, esterilizacla € cro- E este tipo de coisa que leva as maes a preferirem ter seus filhos em casa, as 6 correndo a um hospital em caso de emergéneia. Pessoalmente, acho que devemos apoiar cotalmente as maes que queiram d 2 luz em suas casas, e seria um fato lamentavel se, na tentativa de propiciar os cuidados tisicos ideais, chegasse uma época em que 0 parto em casa se tornasse invidvel Uma completa explicagao do processo de trabalho do par- to e nascimento deveria ser dada & mae pela pessoa em quem cla depositou sua confianga, € a eliminagdo de informagdes as- sustadoras ¢ incorretas que eventualmente se interponham em seu caminho requer um longo tempo. A mulher saudavel € a que mais necessita disso e a que tem mais condicdes de utilizar-se da verdade da melhor forma possive Nao é verdade que, quando uma mulher madura, saudavel © com um dtimo relacionamento com 0 marido e a familia che- ga a0 momento do parto, cla necesita de toda a imensa hab 08 Benes £ suas ie dade que a enfermeira adquitiu? Ela necessita da presenca da enfermeira e de sua capacidade de ajudar da forma certa no mo- mento certo, caso haja algum problema. Nao obstante, ela esta sob 0 dominio de forcas naturais, e de um processo que é 20 automitico quanto a ingestao, a digesto e a exereea0, e quanto mais se deixar a natureza agir livremente, tanto melhor para a mulher ¢ para o bebé. Uma de minhas pacientes, que teve dois filhos e que agora, Parece, esta passando por um tratamento muito dificil, 20 lon. 80 do qual ela propria teve que rever todas as suas concepedes = Para livrar-se das influéncizs exercidas sobre ela, em seu de. senvolvimento inicial, por uma nae dificil —, escreveu o seguinte: ‘mesmo admitindo-se que a mulher seja bastante amadure- cida emocionalmente, © processo todo do trabalho de parto ¢ do nascimento rompe tantos mecanismos de controle que a gen- te necessita do maximo de assisténcia, consideragdo, incentive ¢ familiaridade por parte da pessoa que nos. assiste, do mesmo ‘modo que uma crianga precisa de uma mie através da qual pos- sa ver € assimilar cada uma das novas e importantes experién- ias com as quais se depara ao longo de seu desenvolviment ‘Contudo, no que diz respeito ao processo de nascimento tural, hé algo de que raramente podemos nos esquecer: 0 fato de que 0 bebé humano tem uma cabeca absurdamente grande, A mie doente Em contraste com a mulher saudavel e amadurecida que se coloca sob os cuidados da parteira, hd a mulher que esta doen- tc, isto é, emocionalmente imatura ou desinformada sobre o pa. Pel representado pela mulher na épera da natureza, ou que talvez se encontra deprimida, ansiosa. desconfiada ou, simplesmente, confusa. Nestes casos, a enfermeira deve sor capaz de fazer um diagnéstico, ¢ aqui temos outre razdo pela qual ela precisa co- nhecer sua paciente antes que esta se encontre no estado espéial € desconfortivel que é a fase final da gravidez. A parteita certa- mente precisa receber um ireinamento especial no diagnéstico de adultos psiquiatricamente doentes, para que tenha condigdes 6 A CONTRIBUICAO DA PSICANALISE A'O8S de tratar como saudaveis aqueles que so saudaveis. E claro que @ mae imatura ou doente de alguma outra forma precisa de al- gum tipo especial de ajuda por parte da pessoa que cuida do seu caso: onde a mulher normal precisa de orientacdo, a que esta doente precisa de amparo ¢ encorajamento; ela poderd testar 0 nivel de tolerancia da enfermeira, ¢ transformar-se em uma fon- te comereta de transtornos, podendo até mesmo ser necessario conté-la, caso se torne maniaca. Mas isto é, em grande parte, uma questo de senso comum, de saber harmonizar a necessida- de com a aco adequada ou a inagéo deliberada. No caso da mae ¢ do pai saudaveis, que & 0 mais comum, a parteira é um empregado que tem a satisfacdo de poder dar a ajuda para a qual foi contratada. No caso da mae que, de al- suma forma, esta doente e nao consegue ser plenamente adulta, 2 parteira € a enfermeira que atua com 0 médico na prestacdo de assisténcia a um paciente — a agéncia ¢ o servigo hospitalar so 0s seus empregadores. Seria terrivel se esta adaptacdo a uma satide deficiente pudesse vir a criar dificuldades para um proce- dimento natural, adaptado ndo 4 doenga, mas a vida. Naturalmente muitas pacientes situam-se entre 0 dois ex- tremos que imaginei, para fins descritivos. O que desejo enfati- Zar é que a observacto de que muilas mes sao histérieas, ansiosas ou autodestrutivas néo deve tornar as parteiras incapazes de atri- buir & satide o seu valor, nem & maturidade emocional o seu de- vido lugar; ndo deve, também, levé-las a classificar todas as suas pacientes como infantis, quando, na verelade, a maioria é plena- ‘mente capaz, exceto quanto aos aspectos coneretos que devern saber deixar a cargo da enfermcira. Pois, sem diivida, as melho- Tes s8o sauiddveis; as mulheres saudaweis so as mées e esposas (© parteiras) que ndo s6 enriquecem a mera eficiéncia, mas tam- bém melhoram a rorina, que & bem-sucedida simplesmente por- ue nao contém acontecimentas desastrosos, A forma de lidar com a mie e seu bebé Consideremos agora a forma de lidar com a mae apés o par- to, em seu primeiro relacionamento com 0 recém-nascido. Por 68 (0s BERES E SUAS MAES gue sera que, quando damos as mies uma oportunidade de fa- lar livremente ¢ recordar os fatos passados, ¢ tao comum nos depararmos com um comentirio do tipo que reproduzo a seguir? (A citacdo foi retirada de um caso relatado por um colega, mas eu também ja ouvi o mesmo tipo de relato intimeras vezes.) le nasceu de parto normal, e seus pais o desejaram. Aparentemente, sua suecdo era normal logo apés o nascimento, mas durante trinta ¢ seis horas nfo foi realmente amamentado, Ficou, ent, dificil e sorolento, «nos quinze dias cias de sa alimentacdo foram. extremamente insatisfa- jatizava com as enfermeiras, achando que no a deixavar por tempo suficiente com 0 bebe, cuja boca, segundo ela, forgavam contra seu imbém, que 0 seguravam pelo queixo para forcé-lo a mamar € apertavam seu nariz para [azé-Lo largar o peito. Quando foi para ease com ele, ia que sO entdo fol capaz de amamenté-lo normalmente e sem nenbuma dade Nao sei se as enfermciras sabem que as mulheres fazem es- sas.queixas. Talvez nunca lhes seja possivel ouvir suas observa- Ges, € naturalmente pouco provavel que as mes se queixem para a enfermeira a quem, com certeza, dever tanto. Além dis- ‘so, nao devo obrigatoriamente acreditar que o quadro que as mes pintam seja muito exato. Devo estar preparado para enfrentar aacio da imaginacdo, ¢ é certo que assim seja, uma vez que nao somos apenas um amontoado de fatos. O modo como sentimos nossas experigncias ea forma pela qual classe interligam aos nos- sos sonhios faze 1a coisa toral a que chamamos vida, bem como da experiéneia individual A sensibilidade do estado pés-natal Em nosso trabalho psicanalitico especializado, sempre cons tatamos que a mic que acabou de dar a luz encontra-se num es tado de muita sensibilidade, ¢ que, durante uma ou duas semanas, ela tem uma forte tendéncia a acreditar na existéncia de uma mu- Sher que, segundo cla imagina, a persegue. Creio que devemos considerar a existéncia de uma tendéncia ccrrespondente por parte da enfermeira, que nesta ocasizio pode, muito facilmente, aca- bar se tornando uma figura dominadora, E também muito co- IBLICAO DA PSICANALISE A OBSTETRICIA™ mym que as duas coisas coincidam: uma mae que se sente perseguida ¢ uma enfermeira contratada que parece agir estimu- lada mais pelo medo do que pelo amor. £ muito comum que em casa a mie resolva esta situagao dificil demitindo a enfermeira, o que constitui um procedimen- to muito doloroso para todas as pessoas envolvidas. Pior que isso é a alternativa em que, por assim dizer, a enfermeira acaba vencendo: a mae afunda-se em desamparo e submissao, ¢ 0 re- lacionamento entre ela ¢ 0 bebé nao consegue se estabelecer. Nao encontro palavras para expressar as forgas imensas que esto em atuacao neste momento critico, mas posso lentar ¢x- plicar alguma coisa do que esta se passando. Ha uma coisa ex- tremamente curiosa acontecendo: a mée, que talvez esteja fisicamente exausta ¢ incontinente, € que depende, de muitas iferentes formas, da atencAo especializada que a enfermeira’e © médico podem Ihe dispensar, é ao mesmo tempo a tinica pes- soa capaz de apresentar 0 mundo ao bebé de uma forma ade- quada e que Ihe faca sentido, Ela sabe como fazé-lo, ¢ para tanto nao precisa de nenhuma forma de treinamento ou habilidade es- pecial: sua sabedoria decorre do fato de ser a mae natural. No entanto, seus instintos naturais nao conseguirao se desenvolver se ela estiver amedrontada ou nao vir-seu bebé quando ele nas- nda se o bebé s6 the for trazido em momentos preesta- Jas autoridades como sendo ideais para a alimentacao. Desta forma, as coisas simplesment nam. O leite da mac nao flui como uma excregio; é uma resposta 2 um estimu- lo, ¢ este estimulo € a visdu, 0 cheiro € o tato de seu bebé, ¢ 0 choro do bebé, que expressa necessidade. E tudo uma coisa 86: 0 cuidado que a mae toma com o bebé, ¢ a alimentacao periédi- ca que se desenvolve como se fosse um meio de comunicagao entre ambos — uma cance sem palavras Aqui temos, entéo, por um lado, uma pessoa extremamen- te dependente, que éa mie, ¢ ao mesmo tempo, € na mesma pes- soa, um especialisia naquele processo muito delicado que é 0 da amamentagao, ¢ também em todo o lufa-lufa dos culdados ao bebé. Para algumas enfermeiras é dificil levar em considera- cdo estas duas caracteristicas antagénicas da mae, eo resultado é que clas tentam ir 0 relacionamento ligado a alimentacdo da mesma forma que o fariam com a defecacdo, em caso de re- tengao das fezes. Esto tentando o impossivel. Sao muitas as ini bigdes alimentares que se iniciam dessa forma; ou mesmo quando se institui a alimentacdo por mamadeira, muitas vezes esta prée tica continua sendo um fato isolado na vida da crianga, inade- quadamente desvinculado do pracesso tot que damos o nome de cuidados infantis. Em meu uabalho, estou constantemente tentando evitar esta espécie de falha, que na verdade em alguns as0s & originada nos primeiros cias e semanas, por uma enfer- meira incapaz de perceber que, embora ela seja uma pessoa es- pecializada em seu trabalho, nao faz parte déle estabelecer uma telagao entre uma crianga ¢ 0 seio da mae, Como eu disse, além disso a parteira tem sentit entos, ¢ ela. pode achar dificil ficar impassivel, observando um beb? desper- dicando tempo no seio da mae. Ela sente vontade de colocar o seio na boca do bebé, ou de fazer com que a boca deste seja co- locada no seio, mas ele reage afastando-se. HA um outro aspecto: em termos quiase universais, a mae sente, com pequena ou grande intensidade, que ela roubou o seu bebé de sua propria mae. Isto tem suas orizens no fato de ela ter brincado de pai e mae, e de seus sonhos na época em que ela era apenas uma garoti € tinha no pai o seu beau ideal. Assim, ela pode facilmente sentir, c em alguns easos deve sentir, que a enfermeira é a mde vingativa que veio para levar o seu be. bé. Com relacdo a isso, a enfermeira nada precisa fazer, mas se- ra muito se ela conseguir nio afastar 0 bebé da mae — privando-a daquele contato natural — e 6 trazer o bebé atéa mae, embrulhado em um xale, no momento da alimentacao, Esta pratica no € moderna, mas até pouco tempo atras era muito comum, Os sonhos, as idéias e as brincadeiras que estdo por wréi destes problemas permanecem, mesmo quando 0 modo de agir da enfermeira da A mae a ‘oportunidade de recuperar seu senso de realidade, o quai ela de qualquer forma recupera em ques- 4 CONTRIBUICAD DA PSICANALISE A OBSTETRICIA to de poucos dias ou semanas. Muito ocasionalmente, entao, ‘a enfermeira deve contar com 0 fato de ser considerada uma f gura persecutéria mesmo quando nao 0 seja, ou, pelo cont rio, mesmo quando seja uma pessoa de compreensdo ¢ tolerancia ‘cepcionais. Tolerar este fato é algo que faz parte de seu traba- 10. Em geral a mae termina por recuperar-se, quando entdo passa a enfermeira como ela é, como uma enfermeira que tenta a compreender, mas que é humana, e cuja tolerancia, portanto, tem seus limites. Outro aspecto a considerar é que a mae, especialmente s ela for um tanto imatura ou tiver sido uma crianga carente em a histéria inicial, teré muita dificuldade em desistir da assis téncia da enfermeira e ter que cuidar sozinha de seu bebé, exata- mente da maneira que ela prépria precisa ser tratada. Quando for assim, a perda do apoio de uma boa enfermeira pode acar- retar sérias dificuldades na fase seguinte, quando a mae dispen- sa a enfermeira ow é por ela dispensada Por meio destes procedimentos, a psicandlise, como a vejo, oferece & obstetricia, e a todo trabalho que diga respeito as rela- Ges humanas, um aumento do respeito qi tem uns pelos outros, bem como pelos sociedade precisa de técnicos até mesmo para os cuidados n cos e de enfermagem, mas onde houver pessoas, ¢ no maqui- has, 0 técnico precisa estudar a forma como as pessoas vivem, Pensam € crescem ao longo de suas experiéncias. 1957 8. A DEPENDENCIA NOS CUIDADOS INFANTIS E importante reconhecer 0 faro da dependéncia. A dependéncia é real. E 10 Sbvio que os bebés e as criangas ndo conseguem se virar por si proprios, que as simples ocorréncias de dependén- cia passam facilmente despercebidas. Pode-se afirmar que a histéria do. desenvolvimento infantil € uma histéria de dependéncia absoluta, que avanga firmemente através de graus decrescentes de dependéncia, e vai, tateando, em direcdo a independéneia. Uma crianca ou um adulto amadu- recidos tém um tipo de independéncia que se mescla, de uma for- ma feliz, a todos os tipos de necessidade, ¢ a0 amor, 0 que se toma evidente quando a perca provaca um estado de luto ‘Antes do nascimento, pensa-se na dependéncia absoluta do bebé basicamente em termos fisicos ou corporais. As tiltimas sc- manas da vida do bebé no itero afetam o seu desenvolvimento corporal, ¢ € plausivel pensar no infcio de uma sensacdo geral de seguranga (ou inseguranga), que varia de acordo com o esta- do mental do bebé ainda nao nascido, o qual, naturalmente, tem uma capacidade de operagao muito uma vez que 0 cérebro ainda nao se encontra plenamente desenvolvido. O nivel de conscigncia antes do nascimento ¢ du- ante 0 proceso de nascimento também varia de acordo com 0s efeitos casuais que decorrem do estado em que a mae se en- contra e de sua capacidade de superar as agonias alarmantes, perigosas e, em geral, recompensadoras dos iltimos estégios da gravidez. Devido ao fato de os bebés serem criaturas cuja dependén- cia € extrema no necessariamente afetados por tudo 0 que acontzce. m @ compreensao Que teriamos se estivéssemos no mesmo lugar em que eles se € contram, mas esto o tempo todo tendo experiéncias que se ar- Tazenam em seus sistemas de meméria, de uma forma capaz de dar-thes confianca no mundo ou, pelo con:rario, de deixi-ios com falta de confianca e com a sensacdo de serem um pedaco de corti¢a no oceano, um joguete das circunstancias. No extre- mo da falha ambiental, ha ura sensacao de imprevisibilidade A coisa que, em tiltima instancia, constréi um senso de Previsibilidade no bebé pode ser caracterizada como adaptagiia da mae as necessidades do beb@. Trata-se de um assunto extre mamente complexo ¢ di s, ede fato a adaptacao as necessidades do bebé s6 pode ser bem feita, ou suficientemente bem feita, pela mae que, temporariamente, se dedica por completo aos cuidados para com 0 seu bebé. Nao se trata de algo que possa ser feito através de esforcos deliberados ou do estudo de livros. Faz parte do estado especial em que as mes se encontram. ao final de seus nove meses de gravidez, um estado em que esto, com muita naturalidade, voltadas para es- {a coisa central que ¢ 0 bebé, eno qual saber como o bebé est se sentindo. Algumas mies nao conseguem chegar a este estado quando de seu primeiro filho, ou tém seus-motivos para nao consegui. rem chegar Id com um de seus filhos, embora 0 tenham conse- ido com algumn filho nascido enteriormente. Simplesmente, no como ajudar nestas coisas. Nao se pode esperar que uma pes- soa seja sempre bem-sucedida. Em geral, ha alguém disponivel Para providenciar 0 que for nevessdrio — talvez o pai da crian- a, uma avé ou uma tia, nos casos em que a mae nao for capaz de fazé-lo com nenhum bebé. Porém, isto acontece se as circuns- tancias forem bastante seguras para a propria mae, que entdo (talvez apés alg: 108 OL horas de rejci¢do de seu bebé) Sabe, sem a necessidade de compreender tudo, como adaptar-se as necessidades do bebé. Quando ela também era bebé, teve éka- tamente as mesmas necessidades. Ela nao se lembra, mas nunca Se perde uma experiéncia para sempre, ¢ de alguma forma acon- tece de a mae ajustar-se & dependéncia de seu bebé através de 15 uma compreensio pessoal extremamente sensive capaz de adaptar-se a necessidades reais Os conhecimentos tedricos so absolutamente desnecessa- ios, € a0 lonigo de milhdes de anos as maes vem realizando esta tarefa com prazer, e de forma satisfatoria, E claro que se pode acrescentar um pouco de teoria 20 que é natural, o que sera tan- to melhor, especialmente se a mae tiver que lutar por se de fazer as coisas bem ¢ a seu proprio modo, bem como, é cla- ro, cometer eros, Por maior que seja a sua boa vontade, 0s au- ares (Inclusive os médicos e enfermeiras necessérios em casos de emergéncia) nto podem saber tanto quanto sabe a mae (que passou por um aprendizado de nove meses) quais s20 as necessi- dades imediatas do beb@, ¢ como adaptar-se a clas. variadas, € no se a pena dar exem- plos, a menos que fosse para mostrar que ninguém, a no ser ‘um poeta, seria capaz de dizer com palavras aquilo que pode va- jas maneiras. Alguns pormenores, contudo, talvez para ajudar o leitor a saber como é a necessidade quando um bebé se encontra em estado de dependéncia, Ha, primeiro, as necessidades do corpo. Talvez seja pre- ciso que alguém levante 0 bebé e o vire de lado, Talvez cle precise de mais aquecimento, ou de menos roupas, para que a transpiracdo possa ocorrer. Pode ser, também, que a sens dade de sua pele precise de um contato mais suave como, por exemplo, o da ld. Talvez ele sinta ale plo, ¢ por alguns momentos precise ser colocado no ombro. A alimentacdo deve ser incluida entre estas necessidades fisicas. Nesta lista, estamos tomando por certa a proteedo contra as perturbagbes mais grosseiras — nada de fazer do bebé um avido em vo rasante, 0 berco do bebé nao deve ser inflavel, 0 sol nao pode incidir diretamente sobre os s Em segundo lugar, ha un que s6 0 contato humano pode satisfazer. Talvez o bebé precise deixar-se envolver pelo ritmo respiratorio da mae, ou mesmo ouvir € sentir os batimentos cardiacos de um adulto. Talvez seja-lhe necessario sentir 0 cheiro da m&e ou do pai, ou talvez ele precise ‘ouvir sons que the transmitam a vivacidade e a vida que ha no que a torna meio ambiente, ou cores e movimentos, de tal forma que 0 bebé no seja deixado a sés com os seus propries recursos, quando ainda muito jovem e imaturo para assumir plena responsabili- dade pela vida, Por tras desias necessidades ha o fato de que os bebés so sujeitos as mais terriveis ansiedades que se possa imaginar. Se deixado a sés por muito tempo (horas, mirutos), sem nenhum, contato humano ou familiar, passam por experiéncias que s6 po- dem ser descritas através de palavras como ser feito em pedacos cair para sempre perder todos os vestigios de esperanga de renovagdo de conrates. E muito importante o fato de que a maioria dos bebés pas- sa por estes estagios iniciais de dependéncia sem ter, jamais, es- tas experincias, e isso acontece porque sua dependéncia € reconhecida ¢ as suas necessidades basicas sdo satisfeitas, uma vez que a mée, ou figura materna, adapta a sua forma de vida a estas necessidades. Um fato importante a considerar é que, gracas a uma assis- (ncia satisfatdria, estes sentimentos terriveis se transformam em experigncias positives, vindo somar-se & confianca que o bebé adquire com relacdo ao mundo e as pessoas. Ser feito aos peda- 20s, por exemplo, passara a ser uma sensagdo de relaxamento 2 repouso se o bebe estiver em boas maos; cair para sempre se transforma na alegria de ser carregado, e no entusiasmo e pra- zer que decorsem do movimento; morrer e morrer e morrer pas- sa a ser a consciéncia deliciosa de estar vivo, e, quando a constancia vier em auxilio & dependéncia, a perda de esperanca quanto aos relacionamentos se transformaré numa sensacéo de seguranca, de que, mesma quando a sds, o deb tem alguém que se preocupa com ele, A maior parte dos bebés recebe uma boa assisténcia e, mais, importante ainda, a recebe continuamente por parte de uma pes- soa, até que se sinta satisfeito em conhecer e confiar em outras pessoas também, que Ihe dao amor desta mesma forma capaz de fazer com que se torne confiante e adaptavel ‘Com base nos primérdios desta experiéncia de ver satistei- A DEPENDENCIA NOS Ct ta.a sua dependéncia, 0 bebé torna-se capaz de reagir as exigén- cias que a mae e 0 meio ambiente devem, mais cedo ou mais tarde, comecar a fazer-lhe. Por outro lado, uma certa proporeao de bebés experimen tou falhas ambientais quando a dependéncia era um fato; nes ‘caso, em graus variados, houve um prejuizo conereto, que pode ser muito dificil de reparar. Na melhor das hipéteses, o bebé que estd se tornando uma crianga au um adulto leva consigo a me- méria latente de um desastre ocorrido com o seu eu, ¢ muito tem- po ¢ energia siio gastos em organ de tal forma que esta dor nao volte a ser experimentada. Na pior das hipdteses, 0 desenvolvimento da crianga como pessoa é distorcido para sempre, e em conseqiléncia a personali- dade é deturpada, ou o cardter & deformado. Hé sintomas que provavelmente sio experimentados como algo desagradavel, & a crianga pode sofrer com as pessoas que pensam que punigao ou treinamento corretivo so capazes de curar 0 que é, na ver: dade, um fato solidamente assentado, conseqiiéncia de uma fa- tha do meio ambiente. Pode ser, também, que a crianca enquanto pessoa esteja t2o perturbada que é feito um diagndstico de doenca mental seguido pelo tratamento de uma anormalidade que de- veria-ter sido evitada. O elemento invariavel na consideragdo a que estamos sub- metendo estas questdes muito sérias é que, numa grande pro- porgao de casos, os bebés ndo passant por este tipo de sofrimento, e sobrevivem sem que thes seja necessério gastar tempo ¢ ener- gia construindo uma fortaleza ao redor de si para manter afas- tado um inimigo que, na verdade, se encontra no interior das paredes desta fortaleza. No caso da maior parte dos bebés, 0 fato de serem deseja- dos e amados pelas maes, pais e demais membros da f fornece-Ihes 0 contexto no qual cada crianga tem a oportunida- de de se tornar um individuo, ndo apenas realizando seu destino seguindo a trajetéria do legado hereditario (na medida em que a realidade exterior o permita), mas também feliz por ser capaz de identificar-se com as outras pessoas, animais e coisas do meio ambiente, bem como com a Sociedade e sua perpétua auto- organizacto. Em geral, estas coisas sfio possiveis principalmente porque adependéncia, que é absoluta a principio, mas caminha gradual- mente para a independéncia, fo: aceita como fato ¢ preenchida or seres humanos que se adaptaram as necessidades do indivi- duo em desenvolvimento, sem ressemimentos e em funeao de um sentimento natural de fazer patte, que pode ser convenientemente chamado de amor. 1970 9. A COMUNICACAO ENTRE O BEBE E A MAE E ENTRE A MAE E O BEBE: _ CONVERGENCIAS E DIVERGENCIAS Na primeira conferéncia desta série, 0 Dr. Sandler falou sobre a natureza da psicandlise. Nas duas proximas conferéncias, vo- cés vao ouvir falar a respeito da comunicacao inconsciente, co- mo, por exemplo, entre pais e filhos ¢ entre marido e mulher. Na presente conferéncia vou falar sobre a comunicago entre o bebé ea mae. Vocés jd terdo percebide que a palavra inconsciente nao aparece no meu titulo!, Ha uma razao dbvia para isso. Incons- ciente é uma palavra que sé poderia ser aplicada a mac. Para © bebé, ainda ndo existe um consciente e um inconsciente na drea ‘que pretendo examinar. O que ha, ali, é um complexo anaté- mico ¢ fisiolégico, e, junto a isso, um potencial para o desen- volvimento de uma personalidade humana. Ha uma tendéncia geral voltada para o erescimento fisico, ¢ uma tendéncia a0 desenvolvimento da parte psiquica da integragao psicossométi- a; ha, tanto no campo fisico quanto no psicolégico, as tendén- s, e estas, do lado da psique, incluem as tendéncias que levam a integragfo ou & consumacao da totalidade. A base de todas as teorias sobre o desenvolvimento da personalidade hu- ue provavelmente tem. injeio antes do nascimento concreto do bebé; continuidade em” Que estd implicita a idéia de que nada daquilo que fez parte da experincia de um individuo se perde ou pode jamais vir a perder- Ver a5 Rotas pre fe tcabal nares esritas| 1p, 946, (N. Orgs.) ‘se para este individuo, mesmo que, por forca de causas comple- ‘as € variadas, viesse a tornar-se (como de fato se torna) inal- cangavel & consciéncia. Para que o potencial hereditario venha a ter uma oportu- nidade de atualizar-se, no sentido de que venha a manifestar- luo, € necessério que as condig6es ambientais sejam_ ntemente boa’’ para transmitir uma concepcdo nao idealizada da fungao materna; mais cinda, é importante ter em mente o conccito de dependéncia atsoluta (do bebé em relagdo ao meio ambiente), que se transforma tapidamente em dependéncia relativa, sempre numa trajetéria em direedo & inde- pendéncia (que jamais € alcancada). Independéncia significa au- Tonomia; a pessoa torna-se vidvel como pessoa e também fisi- camente (uma unidade independente). Este esquema do ser humano em dese ‘imento leva em consideracao o fato de que, no inicio, o bebé ainda nao estabe- leceu uma divisto entre aquilo que constitui o ndo-EU e 0 EU, de tal forma que, no contexto especial dos :elacionamentos i

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