Sie sind auf Seite 1von 4

1

Piedade (litoral sul do Recife), 21 de abril de 2018

CARTA ABERTA SOBRE O CAPES WAY OF LIFE

Chamo-me Luciano Oliveira, tenho 65 anos e vários meses, sou professor aposentado da
UFPE desde 2012 e, desde 2014, retomei meu trabalho de professor e pesquisador na
Universidade Católica de Pernambuco. O que se segue são algumas reflexões sobre o que
tem sido chamado de capes way of life, ao qual todas as pós-graduações no Brasil estão
submetidas, e, portanto, também o Programa de Pós-Graduação em Direito onde estou
inserido. Aqui reúno algumas coisas em que venho pensando desde que, voltando à ativa,
me defrontei com uma exigência sistemática de produtividade custe o que custar, palavra
de ordem que hoje plana como uma ameaça sobre todos os programas de pós-graduação
do país.

Bem de acordo com o meu jeito de ser, tenho aqui e ali, sempre que posso (inclusive em
reuniões do colegiado de que faço parte), brincado com essa situação. Nessas ocasiões,
fica parecendo que estou simplesmente me divertindo com coisa séria. Mas o diabo é que
não estou. É por isso que resolvi escrever este pequeno texto, no momento em que
estamos prestes a passar por uma nova avaliação da Capes, e vejo as pessoas ao meu redor
afogueadas, fazendo esforços para se lembrar de tudo o que fizeram o ano passado mas
esqueceram de colocar no Lattes, quem sabe até correndo atrás de uma declaração de
participação em alguma evento que não forneceu certificado, tudo isso para mostrar que
produzimos acima da média nacional! (O que de certa forma me lembra a agonia dos
aldeões da peça de Gógol se preparando para receber a visita do Inspetor Geral... Perdoem
a brincadeira, mas, sobretudo quando brinco, estou falando a sério.)

Para além do desconforto que sinto de modo permanente com essa situação, o que me
levou a escrever estas linhas neste momento foi a sensação esquisita que senti quando, há
dias, atualizei meu Lattes e constatei o quanto meu desempenho, nesses três últimos anos,
tem sido pífio! Cingindo-me ao tópico “produção bibliográfica” (de um lado porque é aí
que sempre se concentrou meu percurso acadêmico, e de outro porque é na produção
2

escrita que se concentram as cobranças), devo estar num patamar baixíssimo em relação
à média nacional – sobretudo nesses tempos de “publish or perish selvagem” (piscadela
ao conceito hoje esquecido de “capitalismo selvagem”). Senão, vejamos: em 2016,
publiquei dois artigos; em 2017, um livro e um artigo; em 2018, um artigo! E não deverá
sair outro tão cedo, porque no momento estou fazendo leituras, que deverão ser
numerosas, sobre a questão da prisão no mundo moderno (compreendendo centro e
periferia), das quais, se tudo der certo, deverá resultar um livro – mas que não será coisa
para este ano. Tenho, é verdade, um livro no prelo (pois o contrato já está assinado) sobre
a criminologia crítica, fruto da minha inserção no Grupo de Pesquisa Asa Branca da
Universidade Católica de Pernambuco, a sair pela Revan, mas a perspectiva é que saia
apenas no início de 2019. E é tudo!

É verdade que, pessoalmente, não sou nenhum exemplo de dinamismo. Mas também não
me considero um inerte, ainda que ache que poderia ter publicado mais na vida. Para se
ter uma idéia, minha produção no Lattes dá conta de “apenas” 37 artigos publicados ao
longo de toda minha trajetória acadêmica. Houve outros, certamente, mas deles não achei
rastro no momento em que, com a criação do Lattes, pus-me a procurar minha produção
pretérita. De todo jeito, olhando os títulos que aparecem, considero que esses artigos
contêm o que importa do que publiquei em revistas acadêmicas na minha vida inteira.
Como o primeiro registro é de 1985, eles representam 32 anos de trabalho. Na média, dá
pouco mais de um por ano... É pouco? É possível. Mas também não acho que deva ser
muito mais do que isso. Não acho, por exemplo, que um pesquisador que publique,
digamos, “apenas” um artigo a cada seis meses, seja um sujeito improdutivo. Estou
falando, claro, de um artigo original, que dê conta de um trabalho de pesquisa e de
pensamento que constitua algo a mais – ou diferente – em relação àquilo que ele publicou
seis meses antes, ainda que fazendo parte, um e outro, de uma mesma obra em andamento.
Mas, claro, poderia ser mais, dependendo da capacidade de trabalho de cada um. Mais,
ma non tropo...

O que considero demasiado – no limite, inconcebível – é que (sem pretender dizer que o
sistema de avaliação atual foi concebido para chegar adredemente a isso) estejamos todos
na pós-graduação brasileira a fixar quantitativos de produção com o olho atento à
3

quantidade de textos que os programas co-irmãos produziram! Independentemente das


intenções de quem criou o sistema atual de avaliação, a verdade é que o seu
funcionamento levou a esse capes way of life que nos arrasta de modo irresistível, e dentro
do qual não somos mais co-irmãos, somos con-correntes. É uma doidice. Porque não se
produz mais conhecimento como se produz mais mercadoria, botando os trabalhadores
para fazer turnos extras. Mas, mutatis mutandis, é o que estamos fazendo. Estamos, na
instituição em que trabalho, cobrando-nos não-sei-quantos artigos de cada um de nós
publicados em revistas de QUALISdade – de preferência, A, mas B também serve. Já C...
Estamos impondo a nós mesmos que, enquanto orientadores, publiquemos em co-autoria
com nossos orientandos – claro, o nosso nome virá em primeiro lugar, ainda que a
escritura do texto possa ter sido do que vem em segundo... Estamos pressionando nossos
doutorandos bolsistas para publicarem, os de bolsa integral, três artigos por ano, os de
bolsa parcial podendo se safar com apenas dois artigos... E por aí vai. Não vai dar outra:
a exigência de se publicar custe o que custar levará a que se termine publicando qualquer
coisa – “n´importe quoi”, como dizem os franceses numa expressão deliciosa. No que diz
respeito às consequências disso para o sistema da pós-graduação brasileira como um todo,
aonde isso nos levará? Pressinto que a nada de importante.

Isso que estamos fazendo na instituição onde trabalho está sendo feito do Oiapoque ao
Chuí. Entre nós mesmos, nas nossas reuniões, chegamos, nas conversas espontâneas, a
reconhecer que essa produtividade a todo custo implica o recurso a expedientes editoriais
que algumas vezes levam a risos – como quando reunimos textos às pressas e publicamos
coletâneas virtuais de que ninguém tomará conhecimento. É como se estivéssemos
conscientes de que o que está sendo feito não é para ser levado exatamente a sério. É mais
uma coisa para cumprimento de metas mesmo. Ora, como todo mundo faz a mesma coisa,
nós também não levamos a sério o que fazem no Amazonas ou no Rio Grande do Sul, e
eles, obviamente, retribuem pensando a mesma coisa de nós – ainda que estejam de olho
na nossa “produtividade”, como nós estamos de olho na “produtividade” deles. Pensando
nisso tudo, tive um dia desses o insight de que, como acontece com o capital especulativo
e sua capacidade para inventar ativos sem um lastro sólido correspondente, estamos
produzindo uma “bolha” – feito aquela que explodiu espetacularmente em 2008 pelo
mundo inteiro. Acho que o capes way of life está também produzindo uma espécie de
4

“bolha” que se não chegar exatamente a explodir em meio a um enorme barulho, é porque
não será necessário: antes disso, teremos todos nos acomodado na irrelevância.

Estou plenamente consciente de que para mim é fácil dizer isso. Tendo já ultrapassado
(um pouquinho) a metade do meu estatuto de sexagenário, não tenho mais para onde ir.
Propriamente falando, não tenho mais uma carreira a fazer. Mas temo que os que ainda
têm, ou estão iniciando-a, estejam confundindo carreira com prova de velocidade. É-me
muito fácil, a título pessoal, exercer a discreta “desobediência civil” que tenho exercido
(“esquecendo” a obrigação de escrever artigos para cumprir metas; fazendo ouvidos
moucos às sugestões de convocar alunos para escreverem comigo etc.). Não estou, assim,
fazendo uma conclamação para uma sublevação geral. Feliz ou infelizmente, nunca tive
um espírito de condottiere. Além do mais, sinceramente, não saberia o que propor para
substituir esse sistema de avaliação. Temo mesmo que não seja fácil. Afinal, se o sistema
opera num ambiente de democracia; se, destarte, todos devem ser tratados com isonomia;
se se trata, como se trata, de distribuir recursos públicos que são escassos; se os
demandantes por esses recursos são centenas de programas e, dentro deles, milhares de
pesquisadores, o estabelecimento de critérios objetivos de avaliação parece inafastável e
justo. Daí o estabelecimento de um vasto e complexo sistema burocrático que terminou
redundando no capes way of life, movido a uma insana luta pela sobrevivência de todos
contra todos. Como poderia ser diferente? É uma pergunta que, honestamente, tenho me
colocado. E chego a me lembrar da advertência de Bobbio de que mais democracia tem
historicamente significado, sempre, mais burocracia... Há maneiras de sair disso? Não
sei.

Mas estou convencido de que o que está aí não presta. Estou até convencido, pelo que
escuto de uns e de outros, quando não de todos, nas conversas de corredor e de cafezinho,
que todo mundo está descontente. E se estamos, deve também haver muitos outros
descontentes do Oiapoque ao Chuí. Por isso acho que, mais cedo ou mais tarde, surgirá
uma discussão em nível nacional sobre o assunto. Espero que isso aconteça.

Prof. Luciano Oliveira

Das könnte Ihnen auch gefallen