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revista
cadernos
de pesquisa

e arquitetura e urbanismo para o


ão das unidades de conservação
ança no espaço urbano ana catarina
e como ver ondas laura pappalardo
des e estranhamentos marian rosa
liberdade: a experiência do comum
de: táticas de convivência natalia
cidade no contexto do PMCMV larissa
xto gabriella gonçalles cartografia
beatriz dias, felipe brunelli, lucas
a schiesari, marina bagnati, pedro
abrina sobreiro, stella tamberlini
#5
abril – 2018
revista
cadernos
de pesquisa
escola
da cidade

A Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da


Cidade é uma publicação periódica criada com
o objetivo de divulgar e tornar públicas as ações
de Iniciação Científica desenvolvidas por essa
instituição. De caráter acadêmico e científico
configura-se como um espaço de discussão
e reflexão dedicado às questões afeitas à
pesquisa de arquitetura e urbanismo — e áreas
afins — em seus múltiplos aspectos. Voltada
para a publicação de trabalhos de pesquisa
desenvolvidos por alunos durante a graduação,
Cadernos de Pesquisa busca qualificar e
fomentar as pesquisas desenvolvidas na Escola
da Cidade, bem como chamar ao diálogo
pesquisadores de outras instituições.
Comissão editorial
Amália Cristovão dos Santos (EC)
Ana Carolina Tonetti (EC)
Ana Claudia Scaglione Veiga de Castro (FAU-USP) 5 Apresentação
Eduardo Augusto Costa (FAU-USP)
Marianna Boghosian Al Assal
Fernanda Mendonça Pitta (EC)
Gilberto Mariotti (EC)
Joana Mello de Carvalho e Silva (FAU-USP) Artigo
Ligia Nobre (EC) 7 A importância dos projetos de
Marianna Boghosian Al Assal (EC) arquitetura e urbanismo para o
Pedro Lopes (EC)
desenvolvimento e preservação das
Conselho consultivo unidades de conservação urbanas
Anarrita Bueno Buoro (EC) Ivan da Silva
Cristiane Checchia (ILAACH-UNILA)
Fabio Lins Mosaner (UFSC)
Artigo
25
Fany Galdender (EC)
Marta Maria Lagreca de Sales (EC) A (in)segurança no espaço urbano
Nilce Cristina Aravecchia Botas (FAU-USP) Ana Catarina Ferreira Lima
Pablo Emilio Robert Hereñú (EC)
Renato Cymbalista (FAU-USP)
Ensaio
Taisa Helena Pascale Palhares (IFCH-UNICAMP)
45 Guia introdutório de como ver ondas
Editora Laura Pappalardo
Marianna Boghosian Al Assal
Ensaio
55
Assistentes editoriais
Juliane Bellot Rolemberg Lessa Motéis/Hotéis: entre familiaridades
Marina Pedreira de Lacerda e estranhamentos
Marian Rosa van Bodegraven
Revisão de texto
MPMB
Artigo
Projeto gráfico e diagramação
Núcleo de design da Escola da Cidade
77 Arquitetura da liberdade:
Celso Longo e Daniel Trench (Coordenação)
a experiência do comum
Marina Pedreira de Lacerda Marcella Arruda
Mateus Tenuta
Marina Coccaro Ensaio
Luisa Verenguer
93 Direito à cidade: táticas de convivência
Associação Escola da Cidade Natalia Gonçalves dos Santos
Anália M. M. C. Amorim (Presidente)
Artigo
Escola da Cidade
Ciro Pirondi (Diretor)
107 O direito à cidade no contexto
do PMCMV
Conselho Escola Larissa Cristina da Silva
Álvaro Puntoni (Coordenação)

Conselho Científico Ensaio


Fernando Viégas (Coordenação) 117 A Imagem do Texto
Marianna Boghosian Al Assal (Coordenação) Gabriella Gonçalles
Editora da Cidade
Relato de Pesquisa da Escola da Cidade
127
Anderson Fabiano Freitas
Fábio Rago Valentim Cartografia das
José Paulo Neves Gouvêa Territorialidades Culturais
Beatriz Dias, Felipe Brunelli,
Lucas Rodrigues, Marília Serra,
Marina Schiesari, Marina Bagnati,
Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade Pedro Norberto, Rebeca de Paula,
Número 5 / abr. 2018 Sabrina Sobreiro, Stella Tamberlini
ISSN 2447-7141

Rua General Jardim, 65 - Vila Buarque 153 Normas para a submissão de trabalhos
CEP 01223-011, São Paulo, SP, Brasil
cadernosdepesquisa@escoladacidade.com.br
www.ec.edu.br
Apresentação
Marianna Boghosian Al Assal
Editora

O quinto numero da revista Cadernos dos textos à impressão e montagem –


de Pesquisa da Escola da Cidade vem de forma coletiva, integrando espaços e
a público trazendo importantes novidades, equipes diversos da Escola.
simbólicas de seu amadurecimento como O novo desenho, nos leva à terceira
espaço de debates sobre as diversas áreas novidade, antes ensaiada, mas que
da pesquisa em arquitetura e urbanismo. aqui se coloca de maneira plena: a
Bem como, indicativas de sua afirmação articulação complementar entre Iniciação
como espaço de extroversão, valorização Científica (stricto sensu) e Pesquisa
e reflexão sobre as diversas possibilidades Experimental – a partir da qual se
das atividades investigativas como concebeu o Programa de Iniciação
instrumento pedagógico fundamental Científica da Escola da Cidade, e que aqui
nos cursos de graduação. se coloca a partir da relação entre artigos
A primeira novidade diz respeito a e ensaios. O conteúdo da revista
sua periodicidade: a revista passa a ser apresenta-se assim como costura
semestral, contando com um lançamento entre estratégias diversas que, amparadas
no primeiro semestre, além do numero no rigor metodológico da pesquisa,
que tradicionalmente acompanha, no optam por desdobrar-se em formatos
segundo semestre, a realização da distintos de reflexão ou proposição.
Jornada de Iniciação Científica da Iniciamos assim tal percurso, com
Escola da Cidade, e traz incluso seus anais. os artigos de Ivan Silva e Ana Catarina
A segunda novidade torna possível a Ferreira Lima – respectivamente
primeira, ao aumentar e complexificar “A importância dos projetos de
a equipe responsável pela publicação, arquitetura e urbanismo para o
bem como nos traz outras possiblidades desenvolvimento e preservação das
editoriais através de seu desenho unidades de conservação urbanas” e
renovado. Como parte das atividades “A (in)segurança no espaço urbano” –
desenvolvidas pela Editora da Cidade que buscam discutir as conexões entre
– nesse caso a partir de ação conjunta o desenho arquitetônico-urbanístico e
com o Conselho Científico – a revista problemas cotidianos como o manejo
Cadernos de Pesquisa passou a ter de resíduos ou a violência. Para tanto,
seu desenho concebido pelo Núcleo de partem de construções conceituais e
Design que, iniciando seus trabalhos aproximam-se como esforço ora de
no final de 2017, assumiu o desafio de análise, ora propositivo, de comunidades
redesenhar a identidade da Escola da e espaços concretos entendendo suas
Cidade. Importante salientar que trata-se especificidades, dinâmicas e relações com
de desafio que se pretende enfrentar de os espaços construídos.
dentro para fora, de maneira pedagógica Embora lidando com temas e escalas
(contando inclusive com a participação do distintas, é também a partir da abordagem
corpo discente) e pensando a atividade conceitual a questões prementes do
gráfica como intimamente relacionada à cotidiano nas metrópoles contemporâneas,
arquitetura e ao urbanismo. Parece assim e do esforço de aproximação dessa vez
emblemático, tanto desse desafio quanto não da comunidades mas dos sujeitos, que
da identidade construída na prática pela podemos ler os dois ensaios que se seguem:
Associação Escola da Cidade em seus 22 “Guia introdutório de como ver ondas”
anos de existência, que a revista Cadernos de Laura Pappalardo e “Motéis/Hotéis:
de Pesquisa seja a primeira publicação a ser entre familiaridades e estranhamentos” de
lançada com esse novo desenho e, assim, Marian Rosa van Bodegraven. Busca-se de
integralmente produzida – da recepção forma provocativa instigar o leitor a entrar

7
ARTIGO
em jogos – de forma literal ou não – que uma revista que publique exclusivamente
possibilitam a leitura ou vivência
daquilo que está invisível mas que
pesquisas de alunos de graduação; aos
meus colegas membros da Comissão A importância dos projetos de arquitetura
convivemos de maneira muito próxima
e cotidiana na relação entre o que é
Editorial e do Conselho Consultivo; à
extensa equipe sem a qual teria sido
e urbanismo para o desenvolvimento e
publico ou privado, interior ou exterior, impossível concretizar esse quinto preservação das unidades de
autorizado ou proibido. número; e, na figura dos autores, aos
São novamente as relações entre alunos que dão sentido a tudo isso! conservação urbanas
corpo, vivência-experiência e espaços
urbanos que estão em pauta no artigo Ivan da Silva
“Arquitetura da liberdade: a experiência
do comum” de Marcella Arruda e no
Orientadora: Profa. Dra. Maria Fernanda Britto Neves (Universidade Católica de Santos).
ensaio “Direito à cidade: táticas de
Pesquisa: Iniciação Científica do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica e
convivência” de Natalia Gonçalves dos
Santos. São discutidos do ponto de Tecnológica da Universidade Católica de Santos, 2017-18.
vista mais conceitual por uma lado
e mais aplicado por outro as possibilidades Este trabalho tem como base a pesquisa local, que busca soluções para seus conflitos
da arquitetura mínima ou transitória de Iniciação Científica (IC) no âmbito do socioambientais, alinhando os desejos e
e do urbanismo tático de interpretar curso de Arquitetura e Urbanismo, para o sonhos a ideias concretas, com objetivos e
e reforçar ou propiciar relações entre estudo de uma Unidade de Conservação metas exequíveis, traduzidas em ações que
indivíduos e vazios urbanos por vezes no Litoral Sul Paulista, região da Juréia, na passam pela gestão responsável da geração
intensamente habitados. Reserva de Desenvolvimento Sustentável e destinação de resíduos sólidos; programas
Por sua vez o artigo “O direito à Barra do Una (RDSBU), em Peruíbe, SP. que visem a geração de emprego e renda,
cidade no contexto do PMCMV” de O objetivo é desenvolver um projeto de como a implantação de um parque
Larissa Cristina da Silva analisa o arquitetura e urbanismo para a área citada de turismo ecológico e sustentável e
emblemático Programa Habitacional como Trabalho de Final de Curso (TC), cujas programas de conscientização ambiental
Minha Casa Minha Vida confrontando proposições contribuam com a comunidade para a população local e flutuante.
algumas de suas realizações concretas
com o conceito de direto à cidade. Tensiona- Palavras-chave: unidades de conservação urbanas; arquitetura sustentável;
se assim, em última análise, as possibilidade gestão de resíduos sólidos.
e limites de nossa atuação como arquitetos
e urbanistas de maneira análoga aos
tensionamentos e discussão dos limites La importancia de los proyectos de
que Gabriella Gonçalles traz no ensaio The importance of architecture and urban arquitectura y urbanismo para el desarrollo
“A Imagem do Texto”. planning projects for the development and y la preservación de las unidades de
Por fim, nossa quarta e última preservation of urban conservation units conservación urbanas
novidade desse quinto número: Cartografia
das Territorialidades Culturais inaugura This work is based on an undergraduate research project Este trabajo tiene como base la investigación de Iniciación
a seção Relato de Pesquisa da Escola da within the framework of the Architecture and Urbanism Científica (IC) desarrollada por el autor, en el ámbito del
course, for the study of a Conservation Unit in the South curso de Arquitectura y Urbanismo, para el estudio de
Cidade na revista. Traz a público pelos
Coast of Juréia, in the Sustainable Development Reserve una Unidad de Conservación en el Litoral Sur Paulista,
olhos dos alunos participantes – como Barra do Una (RDSBU), in Peruíbe, SP. We intend to región de la Jureia, en la Reserva de Desarrollo Sostenible
essa seção pretende fazer – o projeto develop an architecture and urbanism project as a Final Barra do Una (RDSBU), en Peruíbe, SP. La pretensión, a
de pesquisa desenvolvido por uma Paper for the aforementioned area, whose propositions partir de la investigación de IC, es evolucionar hacia el
equipe interdisciplinar da Escola contribute to the local community, which seeks Trabajo de Fin de Grado (TFG), para el desarrollo de un
solutions for their social and environmental conflicts, proyecto de arquitectura y urbanismo para dicha área,
da Cidade com o objetivo de estudar
aligning the desires and dreams to concrete ideas, with cuyas proposiciones contribuyan con la comunidad local,
a produção cultural da região do achievable goals translated into actions supported que busca soluciones para sus respectivos conflictos
Campo Limpo e os espaços em que by the responsible management of the generation socioambientales, alineando los deseos y los sueños a
acontecem essas atividades, como and destination of solid waste; programs that aim to ideas concretas, con objetivos y metas viables, traducidas
subsídios ao desenvolvimento do generate jobs and income, such as the implementation en acciones que pasan por la gestión responsable de
of an ecological and sustainable tourism park and la generación y destino de residuos sólidos; programas
projeto arquitetônico da nova unidade
environmental awareness programs for the local que apunten a la generación de empleo y renta, como
de um Sesc no Campo Limpo. and floating population. la implantación de un parque de turismo ecológico y
Tantas novidades certamente são sostenible y programas de concientización ambiental
Keywords: urban conservation units; sustainable
motivos para comemoração, mas para la población local y flotante.
architecture; solid waste management.
também para agradecimentos: à Palabras clave: unidades de conservación urbanas;
Diretoria da Escola da Cidade que arquitectura sostenible; gestión de residuos sólidos.
segue acreditando na proposta de

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1. Introdução Barra do Una (RDSBU), em Peruíbe, SP, e para frear e mitigar tais problemas. Neste saneamento básico, é a principal ameaça
a Estação Ecológica Juréia-Itatins, atual contexto, o papel social do arquiteto e aos ecossistemas costeiros. A atividade
Pensar no desenvolvimento das cidades Mosaico Juréia-Itatins. urbanista se faz presente, sendo essencial turística desordenada é uma outra causa de
e sua relação com o meio natural é Foram levantados aspectos físicos sua contribuição técnica e humanista. destruição de habitats naturais litorâneos.
hoje um exercício fundamental para que da Juréia, como a geomorfologia, a A zona costeira brasileira nos reserva Além da poluição de origem doméstica,
se possa garantir a sustentabilidade do hidrografia, a vegetação e o clima, para singularidades que remontam ao período também a originada de atividades
nosso planeta. A urbanização na região posterior elaboração de mapa síntese. dos nossos antepassados. Segundo Cunha industriais, portuárias, agrícolas e de
costeira do Brasil tem historicamente se O trabalho foi complementado por (2005), esta unidade territorial1 foi palco mineração são mencionadas como focos de
expandido sobre a influência de atividades estudos das legislações urbanísticas e para a formação dos primeiros núcleos contaminação (CUNHA, 2005, p.6).
econômicas de grande relevância nacional ambientais pertinentes ao tema. Foram de cidades no Brasil, ocasionando um De acordo com Oliveira (2013), o litoral
que atraem, cada vez mais, uma parcela analisadas as leis referentes ao Sistema adensamento populacional significativo paulista, em especial a região da Baixada
significativa de pessoas que passam a Nacional de Unidades de Conservação que, mesmo após a migração ocorrida Santista, teve sua ocupação também
habitar o seu território. (SNUC), os Planos de Gerenciamento para o interior do país, ainda é bastante pautada no desenvolvimento de atividades
Considerando que a zona costeira Costeiro, de Zoneamento Ecológico expressiva nos dias atuais. industriais, portuárias e logísticas, que
brasileira reúne uma grande variedade Econômico (ZEE), o Plano Diretor do De acordo com dados do Censo impactam o crescimento urbano e
de ecossistemas de características e município de Peruíbe, assim como a Demográfico de 2010 do Instituto estimulam a disputa cada vez maior por
fragilidades ímpares, como o bioma Lei de Uso e Ocupação do Solo e o Plano Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), água, energia, habitação, transportes e
Mata Atlântica, a floresta de restinga, Municipal de Gestão Integrada de Resíduos atualmente cerca de 50,7 milhões de outros serviços públicos.
os mangues, entre outros, esses avanços Sólidos. Foi possível com este estudo pessoas, equivalente a aproximadamente Atualmente, de acordo com Oliveira
socioeconômicos que por um lado compreender os diversos aspectos legais 27% da população brasileira, residem (2013), a Região Metropolitana da Baixada
promovem o crescimento do país, por que influenciam direta ou indiretamente na zona costeira (IBGE, 2010). Ainda Santista (RMBS) é composta por cerca
outro, colocam em risco o equilíbrio sobre as questões ambientais e no conforme Cunha (2005), a zona costeira 1,7 milhões de habitantes, com um grau de
socioambiental, uma vez que essas desenvolvimento da cidade de Peruíbe, é uma região de transição ecológica que urbanização de aproximadamente 99,7%.
atividades carecem de uma melhor em especial na RDSBU e como estes possui um importante papel de ligação e Constitui uma das mais importantes
ocupação e distribuição espacial e de aspectos se relacionam entre si. trocas genéticas entre os ecossistemas cadeias produtivas do país, que integram
infraestruturas importantes como o Outras produções científicas foram marinhos e terrestres. Sendo os mais nove municípios, entre eles Cubatão,
saneamento ambiental. pesquisadas e analisadas, com objetivo antigos espaços de urbanização, estas com seu polo industrial e as cidades de
O presente artigo busca descrever o de obter uma visão mais analítica sobre regiões guardam também casarões, igrejas, Santos e Guarujá, que abarcam o principal
desenvolvimento e a sustentabilidade a existência de alguns problemas e ruínas de fazendas de escravos, todo um centro de escoamento dos produtos das
socioambiental na zona costeira potencialidades existentes atualmente na conjunto de monumentos arquitetônicos atividades industriais e agrícolas do Brasil
brasileira, sua evolução, os conflitos RDSBU. Também foram realizados trabalhos que, como diz a estudiosa Judith Cortezão, e da América do Sul, por meio do porto
existentes e os mecanismos desenvolvidos em campo que possibilitaram uma maior “documentam o namoro do homem com de Santos. Outras atividades e serviços,
para mitigar tais conflitos. A pesquisa aproximação com os dados levantados nos a natureza ao longo da história do Brasil. principalmente aqueles voltados para o
aborda o caso da Reserva de estudos do referencial teórico. Por fim, foi Todo este patrimônio natural e construído turismo de veraneio e que são desenvolvidos
Desenvolvimento Sustentável Barra do realizada a sistematização das informações está submetido às pressões associadas com maior intensidade nos demais
Una, importante comunidade da região e dos resultados obtidos. às diferentes manifestações da crise municípios da RMBS, compõem a dinâmica
costeira do Estado de São Paulo e que ambiental brasileira” (CUNHA, 2005, p.2). socioeconômica da região.
tem enfrentado grandes desafios para se A zona costeira tem sido um espaço Destaca Oliveira (2013) que apesar da
manter o equilíbrio entre o desenvolvimento 2. Desenvolvimento e historicamente privilegiado para o importância e do dinamismo que estas
das atividades na comunidade e o seu sustentabilidade socioambiental assentamento urbano, cujo atividades trazem para a região da Baixada
meio natural. Por fim, são apresentados na costa brasileira desenvolvimento se deu, em muito, Santista, geram também consequências
alguns casos de programas e projetos por políticas governamentais socioambientais e urbanas relacionadas “à
exitosos que, de acordo com os diagnósticos A pressão causada pelo desenvolvimento desenvolvimentistas, passando a incentivar carência de infraestrutura de saneamento
apresentados nesta pesquisa, podem das atividades humanas sobre os atividades econômicas de grande relevância ambiental, como água, esgoto, drenagem
servir de parâmetro no desenvolvimento ecossistemas e a biodiversidade tem para o país, como a implantação de e resíduos sólidos e de transporte e
de ações socioambientais para a mitigação gerado algumas consequências graves, usinas de eletricidade, grandes polos habitação”, que são agravados em períodos
de problemas relacionados a gestão de como o aquecimento global, os desastres industriais, terminais de petróleo, em que o movimento de turistas aumenta,
resíduos sólidos em cidades próximas ou ambientais, a poluição de rios e oceanos, a ampliação de instalações portuárias e o principalmente no verão.
detentoras de unidades de conservação. extinção de espécies da fauna e flora, entre turismo, o que tem gerado conflitos de Considerando essas características de
Para realizar esta pesquisa foram feitos outras. Nota-se cada vez mais presente no uso e problemas associados a essas desenvolvimento e fragilidades, a Zona
levantamentos bibliográficos de textos cotidiano o resultado deste desequilíbrio, atividades. Esse desenvolvimento Costeira, junto com os biomas da Mata
científicos, documentos e mapas, de modo com a escassez de recursos naturais e os também provocou a expulsão em sua Atlântica, da Serra do Mar, do Pantanal
a permitir a identificação, compreensão e problemas relacionados à saúde humana. grande maioria dos moradores tradicionais Mato-Grossense e a Floresta Amazônica,
análise do processo histórico de evolução Pensar na organização dessas atividades (CUNHA, 2005; OLIVEIRA, 2013). recebeu um tratamento especial na
da região objeto de estudo, que engloba a e no uso adequado dos espaços onde O avanço da urbanização, com formas Constituição Brasileira de 1988, que
Reserva de Desenvolvimento Sustentável estão inseridas as cidades é fundamental de ocupação e uso do solo irregulares, sem as considerou patrimônio nacional,

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devendo assim “merecer uma atenção como sendo um conjunto de ambientes
especial do poder público quanto a delicados e vulneráveis, difundindo-se
sua ocupação e uso de seus recursos, entre novos setores da sociedade a
assegurando a preservação do meio relevância de ordenar a distribuição
ambiente” (ASMUS, 2006, p.54). das diversas atividades econômicas e
Como forma de cumprir com o que urbanas, levando a crer que uma cidade
determina a Constituição, a Comissão que se localiza na costa “deva ser diferente
Interministerial para os Recursos do dos exemplos de cidades grandes que
Mar (CIRM) estabeleceu, em 1987, o conhecemos” (CUNHA, 2005, p.8).
Programa Nacional de Gerenciamento A zona costeira é um território de grande
Costeiro, sendo promulgada em 1988 a importância para os ecossistemas marinhos
Lei 7.661 que instituiu o Plano Nacional e terrestres. Sobre seu domínio existe
de Gerenciamento Costeiro (PNGC). Este uma riqueza enorme de espécies da fauna
plano tem por objetivo orientar a utilização e flora, sendo muitas delas endêmicas e
racional dos recursos da Zona Costeira ameaçadas de extinção. Como forma
Fig. 1:
de forma a melhorar a qualidade de vida de promover a proteção dos biomas
Mapa de limite
de sua população e a proteção do seu costeiros, muitos mecanismos legais e localização
patrimônio natural, histórico, étnico e foram sendo implantados e o PNGC é geográfica
da Estação
cultural. O PNGC II leva em consideração um bom exemplo entre eles. Em seus Ecológica de
sete instrumentos de gestão que servem objetivos, metas e diretrizes é possível Juréia-Itatins.
como base para a execução de seus observar uma preocupação com a questão SANCHES, 2004.
objetivos, destacando-se entre eles o ambiental de maneira incisiva.
Plano de Gestão da Zona Costeira e o As Unidades de Conservação Ambiental
Zoneamento Ecológico Econômico Costeiro. são também outra relevante forma de que veio ordenar as diversas leis que caipiras e caiçaras que habitam o seu
O Plano de Gestão da Zona Costeira proteção. Implantadas no Brasil a partir disciplinavam sobre as Unidades de território. Sua biodiversidade tem
tem por objetivo, de acordo com Asmus da década de 1930, tem o propósito de Conservação no Brasil. Além disso, grande relevância mundial.
(2006, p.56), orientar a execução do resguardar e garantir a sobrevivência dos introduziu a obrigatoriedade e a finalidade A parcela remanescente e mais
Gerenciamento Costeiro, através de ecossistemas terrestres e marinhos, bem de implantação do Plano de Manejo, significativa da Mata Atlântica
um conjunto de ações articuladas e como promover o uso sustentável dos documento de relevante interesse na concentra-se, atualmente, no eixo
localizadas. Já o Zoneamento Ecológico recursos naturais existentes. gestão das unidades de conservação, Paraná/Rio de Janeiro. Diversas Unidades
Econômico Costeiro (ZEEC) é uma De acordo com Schenini (2004, p.2), além de ser uma ferramenta eficaz de de Conservação foram criadas nesta
ferramenta que “ajuda a estabelecer o entende-se por unidades de conservação comunicação entre os diversos entes da área após o advento da Lei 9.985/00.
limite sustentável da ocupação da zona todas as áreas protegidas que possuem sociedade, aumentando a percepção e Uma destas unidades, a Reserva de
costeira, de acordo com a fragilidade regras próprias de uso e manejo, com compreensão sobre a importância das Desenvolvimento Sustentável Barra do Una
ambiental e o potencial socioeconômico”. a finalidade própria de conservação e unidades de conservação (SCHENINI, 2004). (RDSBU), pertencente ao Mosaico Juréia-
De acordo com a Lei 6.938/8, que proteção de espécies vegetais e animais, de A zona costeira do Estado de São Paulo Itatins, situado entre as cidades de Iguape,
instituiu a Política Nacional de Meio tradições culturais, de belezas paisagísticas é composta por diversas Unidades de Miracatu, Itariri e Peruíbe, é o foco de
Ambiente, o ZEE é instrumento básico de ou de fontes científicas, dependendo da Conservação. Sobre seus limites está um estudo desta pesquisa.
planejamento que através de instrumentos categoria em que se enquadra. dos biomas mais importantes do país, a
específicos permite a gestão dos Estas Unidades de Conservação, Mata Atlântica, que é considerada, junto
recursos naturais da zona costeira, de segundo o Ministério do Meio Ambiente, com a zona costeira brasileira, patrimônio 3. O desenvolvimento
forma integrada e participativa, visando asseguram às populações tradicionais o uso nacional. A Mata Atlântica é um dos socioeconômico das comunidades
a melhoria da qualidade de vida das sustentável dos recursos naturais de forma ecossistemas mais ameaçados do Brasil. caiçaras na Juréia e a criação
populações locais, fixas e flutuantes, racional e ainda propiciam às comunidades Seu território sofreu uma severa redução do Mosaico de Unidades de
objetivando o desenvolvimento sustentado do entorno o desenvolvimento de atividades nos últimos 500 anos. De acordo com o
Conservação Juréia-Itatins
da região, adequando as atividades econômicas sustentáveis. Ministério do Meio Ambiente, cerca de
humanas à capacidade de regeneração No final da década de 1980 foi proposta 90% da sua área total foi devastada, Antes de se consolidar a criação do Mosaico
dos recursos e funções naturais renováveis a revisão e atualização do Plano de colocando em risco a sobrevivência de de Unidades de Conservação Juréia-Itatins,
e ao não comprometimento das funções Sistemas de Unidades de Conservação. várias espécies de animais e vegetais, assim a região da Juréia foi palco de diversas
naturais inerentes aos recursos não Foram realizados diversos estudos e como o desequilíbrio no desenvolvimento da ações humanas que foram moldando
renováveis (BRASIL, 1981). propostas que tramitaram no Congresso espécie humana; possui papel fundamental a dinâmica da relação entre a Floresta
Esse processo de discussão sobre o Nacional durante oito anos, sendo no equilíbrio climático, na proteção dos Atlântica e um dos atores principais
zoneamento da costa vem capacitando promulgada em 18 de junho de 2000 a mananciais, na fertilidade dos solos, na desta história: a população caiçara,
diversos agentes sociais na região, Lei 9.985. Essa lei instituiu o Sistema proteção das escarpas e encostas das cuja origem está na miscigenação entre
conscientizando sobre a importância e Nacional de Unidades de Conservação serras, assim como de comunidades os colonos portugueses e os índios, e
características da região costeira, (SINUC), um importante instrumento tradicionais indígenas, quilombolas, posteriormente com os escravos

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africanos, durante o povoamento do oportunidade de negócio a implantação
Vale do Ribeira (SANCHES, 2004). de loteamento para mais de 70.000
Ainda conforme Sanches (2004), esta habitantes, com o foco de atender a
dinâmica foi acompanhada por fatores demanda que provinha do desenvolvimento
como os ciclos econômicos regionais, a da atividade de turismo de balneário, que
especulação das terras, a pressão das despontava no litoral paulista nesta época.
indústrias de palmito e caxeta, o turismo, Movimentos ambientalistas começaram
as ações do Governo Federal com o projeto a surgir neste período como forma de
de implantação de uma usina nuclear e os frear estas ações que colocariam em
movimentos ambientalistas com a posterior risco a biodiversidade existente na Juréia,
criação da Estação Ecológica Juréia- comprometendo as espécies da fauna e
Itatins (EEJI). Esses fatores fizeram com flora e o uso dos recursos naturais de forma
que a população caiçara se adaptasse a sustentável por gerações futuras.
Fig. 2:
essas mudanças e garantisse, assim, a sua Na década de 1980, o governo federal
Croqui
sobrevivência no interior da Juréia. propôs um projeto de instalação de usina ilustrativo do
O ciclo econômico da produção de nuclear na Juréia e para tanto criou por Mosaico Juréia-
Itatins.
arroz no Vale do Ribeira foi o propulsor meio de decreto a coexistência de um
Fundação
da ocupação das terras na Juréia, ainda parque ecológico que ocuparia uma área Florestal.
no período colonial. Muitas famílias de aproximadamente 22.000 hectares.
provenientes de Pariqueraçu, Iguape e Estava a partir daí proibida a exploração
Peruíbe migraram para o interior da Juréia dos recursos naturais e/ou manejo do meio. difícil, pela sua diversidade de Inconstitucionalidade, de acordo com
em busca de terras férteis e foram se Esta área passou a ser administrada pela características e também pela sua análise realizada por Veronez e Barrella
instalando principalmente ao longo da empresa NUCLEBRÁS, cuja presença na região ocupação humana relativamente grande e (2016), elas demonstraram uma
planície do rio Una do Prelado, que serviu perdurou até meados de 1985, colaborando deveria constituir um Mosaico Ambiental, preocupação especial com a dignidade
como principal meio de escoamento das com a atenuação dos conflitos existentes, formado pela justaposição de áreas humana, buscando regular e equilibrar a
riquezas da região rumo ao porto de impedindo o avanço do mercado imobiliário com diferentes características: Estação relação entre os habitantes do interior da
Iguape, em meados do século XIX. na região, e contribuindo, de certa forma, Ecológica, Parque, Reserva Extrativista, Juréia com o seu meio ambiente e assim
Segundo Sanches (2004), neste período com a preservação dos ecossistemas e a Áreas de Relevante Interesse Ecológico. promover a preservação e a diminuição
em que não se tinha restrições para a permanência, mesmo que instável, das Em 2006, foi promulgada a Lei de situações conflituosas, bem como a
exploração dos recursos naturais na Juréia, famílias caiçaras (SANCHES, 2004). Estadual nº 12.406/06, instituindo o garantia dos direitos das futuras gerações.
os caiçaras tiveram plenas condições para Com a desistência do governo federal Mosaico de Unidades de Conservação As atividades que estavam sendo
desenvolver sua agricultura, caça e pesca em implantar a usina nuclear e a saída da Juréia-Itatins que excluiu, reclassificou realizadas para a elaboração do Plano
artesanal, mediante uma rede de trocas empresa NUCLEBRÁS da Juréia, a fragilidade e incorporou novas áreas bem como de Manejo do Mosaico Juréia-Itatins, sob
e sociabilidade. Foi um período de grande dos ecossistemas passou a ser novamente regulamentou ocupações, conforme a direção da Fundação Florestal, foram
valor histórico-cultural, que está registrado uma preocupação para os ambientalistas observa-se na fig. 2. Tal lei vigorou até interrompidas de 2009 a 2015 em face
nos vestígios de sua ocupação remota, e sociedade civil. Estes, por sua vez, meados de 2009, quando foi julgada dessas questões jurídicas. Os trabalhos
bem como na memória daqueles que pressionaram o governo local, que acabou procedente pelo Poder Judiciário Paulista foram retomados no final do ano de 2015
ainda ocupam a região. por atender as exigências e promulgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade, e estão em fase de conclusão.
Depois deste período e com o declínio decreto criando a Estação Ecológica Juréia- promovida pela Procuradoria Geral de Vale ressaltar a importância que se tem
das atividades ligadas à produção do Itatins (Fig. 1) em 1986, considerando-a Justiça do Estado de São Paulo, com o na conclusão da elaboração do Plano de
arroz, a dinâmica da comunidade caiçara como sendo de utilidade pública. fundamento em vício formal e por não ter Manejo para o Mosaico. É um documento
no interior da Juréia passou por novas A criação da EEJI, correspondente ao sido realizado o Estudo Prévio de Impacto técnico de gestão que, de acordo com
transformações com a invasão de Tempo da Ecologia, segundo Sanches Ambiental (VERONEZ; BARRELLA, 2016). o Sistema Nacional de Unidades de
empresas que passaram a explorar a (2004), representou um importante Em 2013, nova lei estadual foi Conservação (SNUC), regulamenta o uso
extração do palmito e da caxeta; esta passo na preservação e garantia promulgada, a Lei 14.982/13, excluindo da área e o manejo dos seus recursos
última para a produção de celulose e de sobrevivência de uma parcela áreas originalmente incluídas na EEJI e naturais. Conforme abordado por Schenini
calçados, utilizando-se da mão-de-obra representativa da Floresta Atlântica, reclassificando novamente o Mosaico (2004), é uma ferramenta eficaz de
caiçara de forma abusiva. Foi também a porém passou a ser um entrave para em outras espécies de Unidades de comunicação entre os diversos entes da
fase em que oportunistas, como os grileiros, as famílias caiçaras que passaram Conservação. Essa lei também foi objeto sociedade, aumentando a percepção e
tomavam posse das terras que foram à condição de intrusos dentro da de Ação Direta de Inconstitucionalidade, compreensão sobre a importância da
sendo abandonadas, até mesmo Unidade de Conservação, uma vez porém desta vez julgada improcedente pelo unidade de conservação.
causando a expulsão dos moradores que nesse tipo de área protegida não se Poder Judiciário Paulista, sendo interposto A conclusão do Plano de Manejo para
que ainda habitavam o local. permite a existência de habitações. recurso ao Supremo Tribunal Federal, o Mosaico Juréia-Itatins pode contribuir
Somado a isso, em meados da década Conforme Nogueira Neto (2004, p.15), estando pendente de solução definitiva. significativamente para a questão
de 1970, a especulação imobiliária passou a Estação Ecológica Juréia-Itatins é Apesar de essas duas leis terem da população que reside atualmente
a agir também na Juréia, vendo como considerada uma área de administração sido objetos de Ações Direta de na Reserva de Desenvolvimento

14 15
Fig. 3:
Imagem de
satélite com a
localização da
comunidade Fig. 4:
Barra do Una. Percentuais dos resíduos sólidos observados na região
google earth. entremarés da praia da Barra do Una, na floresta de
Editado pelo manguezal e na região de marismas.
autor. Acesso sassaki; baroni; costa lucas, 2016, p.90.
em: 31 jan. 2017. Editado pelo autor.

Sustentável Barra do Una (RDSBU) e que Desenvolvimento Sustentável, permitindo veraneio. Vivem da exploração da pesca influencia diretamente na qualidade das
vive atualmente nas incertezas de sua assim, de acordo com o Sistema Nacional artesanal e principalmente do turismo. águas, uma vez que é rotineiro o aporte
permanência ou não na Juréia, o que põe de Unidades de Conservação (SNUC), a “Com aproximadamente 52 famílias de esgoto doméstico nas praias ao longo
em risco o desenvolvimento socioeconômico coexistência de atividade humana e meio residentes, a população fixa da Vila Barra do litoral brasileiro.
e cultural dessas pessoas. ambiente de maneira equilibrada. Esta do Una está estimada em 200 pessoas, Outro grave problema recorrente na
O Mosaico Juréia-Itatins possui distintos classificação dá condições, dentro de certos número que sobe para mais de 2.000 Vila Barra do Una e que merece uma
ecossistemas remanescentes e pouco critérios, para a permanência em seu interior pessoas na época das férias e/ou feriados atenção especial, é a geração e o destino
alterados, como as restingas e as dunas das populações caiçaras, que habitam este prolongados” (QUINONES; MENEZES, 2014, dos resíduos sólidos. A intensa geração de
presentes nas praias e os manguezais ao local desde o final do século XIX. A vila Barra p.3). De acordo com Ferreira, “a quantidade resíduos sólidos é um dos grandes problemas
longo do Rio Una do Prelado e a Ilha do do Una (Fig. 3) pertence ao município de de turistas é motivo de preocupação [...] o ambientais da atualidade e sua presença
Ameixal. As restingas presentes na Juréia Peruíbe. Está localizada a uma distância de acúmulo de lixo e o descuido por parte dos em regiões costeiras representam graves
são consideradas o remanescente mais 25km do seu centro urbano, sendo 7km em turistas são recorrentes preocupações de riscos à fauna e à saúde humana podendo
bem preservado do Estado de São Paulo. estrada asfaltada e mais 18km de estrada moradores” (2015, p.171). muitas vezes afetar a biodiversidade do
A vegetação de boa parte do Mosaico é a de terra (FERREIRA, 2015). A degradação ambiental, a aglomeração local impactado. A região entremarés de
Floresta Ombrófila Densa (FERREIRA, 2015). A estrada Barra do Una foi construída na de resíduos sólidos, bem como a falta de um praias arenosas, assim como os manguezais
Quanto ao aspecto fisiológico do década de 1970 e passou a ser o principal sistema de coleta e tratamento de esgoto e regiões de marismas2 sofrem com a
Mosaico Juréia-Itatins, no seu interior meio de acesso do vilarejo a região central são desafios enfrentados pela Vila Barra influência e a deposição de resíduos (SASSAKI;
distingue-se três principais unidades de Peruíbe, permitindo assim o acesso à do Una no seu contexto de relação homem- BARONI; COSTA-LUCAS et al., 2016).
geomorfológicas que são denominadas, cidade pelos moradores. Porém, trouxe ambiente. Segundo estudo realizado por A coleta de lixo na Vila Barra do Una
segundo Celia e Agenor Souza (2004), também, de certa maneira, a ação da Menezes e Quinones (2014), a vila Barra é realizada semanalmente (QUINONES;
como Morros, Serras e Planícies Costeiras. especulação imobiliária com a venda do Una não possui um sistema público MENEZES, 2014). Em áreas de difícil acesso,
Quanto ao clima, a região é considerada de lotes e terrenos na Juréia. Antes da de coleta e tratamento de esgoto e, de a coleta ocorre pela disponibilização
uma das mais chuvosas do país, com construção da estrada, o acesso à cidade acordo com suas análises, “isso pode de contêineres para entrega voluntária
média anual de 2.200 milímetros, sendo era feito pelo mar ou rio. De acordo com acarretar em sérios prejuízos à saúde da (LITORAL SUSTENTÁVEL, 2012).
o período de janeiro a março, o mais relato feito pelos moradores, eram raras população e danos ao meio ambiente”, uma De acordo com levantamento realizado
chuvoso (FERREIRA, 2015). as vezes em que se deslocavam até a vez que, boa parcela das enfermidades que por Sassaki, Baroni, Costa-Lucas et al.
cidade; quando ficavam doentes havia atingem o homem, em especial as crianças, (2016) entre os dias 05 e 06 de setembro
curadores que usavam as ervas do mato está direta ou indiretamente ligada às de 2015, cujo objetivo foi caracterizar e
4. A reserva de desenvolvimento como remédios (FERREIRA, 2015). contaminações da água. quantificar os resíduos sólidos presentes
sustentável Barra do Una: Seus A vila Barra do Una é composta de Conforme aponta o diagnóstico nos três ecossistemas presentes na Vila
desafios e oportunidades moradores tradicionais, os caiçaras; de realizado pelo Observatório Litoral Barra do Una, região entremarés, mangue
moradores não tradicionais, ou seja, Sustentável, parceria realizada entre e marisma, foram encontrados 156 itens de
A vila Barra do Una é considerada aqueles que vieram de outras localidades o Instituto Pólis e a Petrobrás, apenas resíduos sólidos com uma predominância
atualmente pela Lei 14.982/13 como sendo antes ou após a criação da EEJI e por 59% do esgoto da cidade de Peruíbe é maior de resíduos plásticos e vidros,
uma unidade de conservação, Reserva de proprietários de segunda residência, para coletado e tratado no município, o que conforme demonstra a fig. 4; podendo

16 17
estar associado, além da crescente Outro problema que atinge de maneira Nossos filhos estão há um mês e meio às muitas restrições a eles infligidas.
ação antrópica, ao elevado período de direta o cotidiano dos moradores que sem aulas. Também não temos lixeiros e Pois muitas vezes são impedidos, por
degradação deste tipo de resíduo (SASSAKI; habitam a vila Barra do Una é o seu médicos. (PIRES, 2016, s.p.). processos burocráticos, de realizarem
BARONI; COSTA-LUCAS et al., 2016). deslocamento até a área central da cidade reformas em seus estabelecimentos,
Neste estudo notou-se também que a de Peruíbe, onde se concentram a maioria Pedrosa e Clauzet (2016) concluem como em quartos de pousadas, pequenas
região de marisma foi a que apresentou dos serviços públicos ligados à saúde e que a Vila Barra do Una ter características construções ou campings.
maior abundância e densidade de resíduos educação, assim como o comércio e serviços de RDS e estar inserida em uma região de Isso acaba por gerar uma relação
sólidos, fator que pode estar atrelado necessários às atividades desempenhadas Unidades de Conservação Integrais, que conflituosa entre os moradores da vila
“à maior proximidade do centro urbano e pelos moradores da vila. limitam certas obras degradantes, não Barra do Una e o Governo do Estado de
à presença de vegetação que retêm o lixo, Mais de 90% das necessidades da impede que ações sejam tomadas de São Paulo, por meio da Fundação Florestal
impedindo a passagem deste para região de população localizam-se fora da forma sustentável, como por exemplo, (FF) e do Instituto Florestal (IF) que institui
manguezal durante a maré cheia” (SASSAKI; comunidade, exigindo uma logística e a utilização de máquinas motoniveladoras regras e normas para a área em total
BARONI; COSTA-LUCAS et al., 2016, p.92). condições adequadas, dado o de solo e o uso de cascalhos, garantindo desacordo como os estilos de vida e anseios
Nota-se que na área de praia ou distanciamento e as condições da estrada assim que a estrada tenha maior dos moradores da vila. Como hipótese,
restinga não se identifica nenhum local que leva aos centros comerciais mais condição de trânsito, diminuindo o tempo indica-se que, mesmo numa RDS, os
para depósito de resíduos, encontrado próximos (PEDROSA; CLAUZET, 2016, p.98). de percurso e proporcionando maior ocupantes fiquem cercados pelos órgãos de
apenas na rua principal da vila e no O transporte público é a principal forma conforto a seus usuários. governo (FF e IF) para desenvolver o turismo
ponto central da praia (NARDINI, 2016). de locomoção dos moradores da vila e é A comunidade da Vila Barra do Una, na região, mesmo que este tenha bases
De acordo com Nardini (2016), a também utilizado muitas vezes por turistas em função da sua proximidade e acesso à sustentáveis (FERREIRA, 2015, p.28).
degradação ambiental na vila Barra que frequentam o local. Atualmente, cidade de Peruíbe, desenvolveu ao longo dos De acordo com Clauzet, Ramires,
do Una também se mostra presente nos segundo Pedrosa e Clauzet (2016), o serviço anos a exploração da atividade turística, Chamite et al. (2015), a maioria dos
diversos acessos feitos irregularmente e de transporte público oferecido à população que se tornou uma das principais fontes de moradores vê no desenvolvimento da
nas passagens efetuadas pela atividade é ineficiente. Os constantes atrasos, o renda da população local. O vilarejo possui atividade relacionada ao turismo ecológico
humana, que tem provocado a destruição tempo médio de percurso que pode grande potencial para as atividades de potencial econômico para o aumento de
de áreas de restinga e um avançado atingir até 2 horas para se chegar ao turismo de base comunitária. É cercado por sua renda, mas também destaca a
processo de desertificação. Em seu destino final, e a falta de conforto, com uma natureza de alta biodiversidade, por carência de melhorias no vilarejo para
estudo foram identificadas três áreas consequências à saúde – provocando muitas praias e cachoeiras. Desenvolve uma que “o turismo se torne uma atividade
com acentuado grau de degradação da dores no corpo, lombares e coluna –, relação de proximidade entre os nativos organizada e eficiente na geração de
mata de restinga provocado pelas são os problemas mais apontados pelos e turistas, seja nas pousadas e campings renda e benefícios locais [...]; o
trilhas que foram sendo abertas para usuários. As condições da estrada são seja nas atividades de pesca artesanal turismo de base comunitária poderia
acesso à praia. Nardini alerta também precárias, o que contribui diretamente e esportiva, de monitoria e recepção de desencadear a justa distribuição de
para o fluxo de águas pluviais que corre para os problemas elencados, e a sua grupos escolares e universidades, que benefícios para a comunidade e o
a céu aberto na região central do bairro manutenção é realizada semestralmente, ultrapassam o cunho de prestação de desenvolvimento local” (CLAUZET,
atravessando diversas propriedades e sob responsabilidade da prefeitura do serviços, fazendo com que muitas vezes os RAMIRES, CHAMITE et al., 2015, p.120).
que tem como foz o Rio Una do Prelado, município de Peruíbe, conforme apontado visitantes retornem ao local (FERREIRA, 2015; Em função destas características
com a possibilidade de ser utilizado para pelos moradores (PEDROSA; CLAUZET, 2016). CLAUZET, RAMIRES, CHAMITE et al., 2015). peculiares, a questão ambiental no
lançamento de esgoto doméstico. Em matéria de Orion Pires, publicada Os moradores da vila, sejam eles município de Peruíbe é muito relevante e
Há a necessidade de se efetuar um plano nos dias 17 de novembro de 2016 pelo portal tradicionais, não tradicionais e os próprios o seu desenvolvimento urbano deve ser
de manejo para as atividades realizadas G1, foi retratada a situação atual que proprietários de segunda residência, pautado em políticas públicas que levem
na Vila, sejam elas desempenhadas pelos enfrentam os moradores do vilarejo. Com possuem um afeto e enraizamento muito em consideração tal particularidade. Os
próprios moradores ou principalmente a falta de manutenção, que não está sendo forte com o local, desenvolvendo um laço de instrumentos urbanísticos do município de
pelos turistas, que aumentam o fluxo realizada há meses, a principal estrada vizinhança e sociabilidade muito importante Peruíbe, como o Plano Diretor, a Lei de Uso
de pessoas que visitam a praia e nela de acesso estava intransitável, deixando entre eles e aqueles que visitam o vilarejo e Ocupação do Solo e o Código de Obras
desenvolvem atividades de lazer. Além do praticamente ilhados seus habitantes, (FERREIRA, 2015). De acordo com Ferreira demonstram certo grau de preocupação
Plano, um planejamento de fiscalização acarretando sérios prejuízos, conforme (2015), eles possuem um grau expressivo com a questão do meio ambiente e o
voltado para a conservação das áreas da foi relatado por moradores em entrevista de conhecimento na atividade de turismo desenvolvimento sustentável do município.
RDSBU se faz necessário (NARDINI, 2016). concedida ao portal: e certo nível de organização socioprodutiva A questão fundiária é talvez o ponto
O autor conclui que a pouca estrutura do que constitui um dos elementos-chaves mais crítico a ser enfrentado pelo
local, o desconhecimento dos preceitos Estamos passando necessidades, pois o para o desenvolvimento de um turismo município em seu planejamento urbano,
de sustentabilidade por parte dos seus turista não consegue chegar e não temos de base comunitária. uma vez que existe uma expansão
frequentadores, assim como a falta de como vender o peixe que pescamos. As Outro ponto destacado, pelo autor fragmentada das áreas urbanas sobre
informações a eles disponibilizadas faz mães que recebem pelo Programa citado, está nos potenciais parceiros da vila ambientes de restinga, acentuada a
com que as atividades desempenhadas no Bolsa-família vão ficar sem receber, adquiridos ao longo dos anos: governos, partir da década de 1980, assim como
local comprometam o equilíbrio de alguns já que dependem do dinheiro. A associações, ONGs, universidades, ocupações irregulares decorrentes de
ecossistemas que ali desempenham seus comunidade já fez mutirões. Perdemos entre outros. Porém, aponta também urbanizações formais e informais que
papéis para manter a biodiversidade da RDS. dias trabalhando na estrada e nada [...] as aflições dos moradores quanto atingem áreas de preservação ambiental

18 19
5.1. ARDS de Mamirauá diminuição da geração de renda local em
Esta unidade foi pioneira a ser considerada decorrência do acatamento das normas de
como Reserva de Desenvolvimento manejo e, sempre que possível, aumentar a
Sustentável, na qual há permanência geração de renda por meio de mecanismos
e participação de populações locais não impactantes, ajudando a melhorar a
em ambientes sob proteção ambiental. qualidade de vida local (QUEIROZ, 2005).
Ela foi criada em 1996 e desenvolveu um Ainda conforme Queiroz, estas atividades
sistema de organização cuja característica devem “promover uma correlação direta
principal está no manejo participativo entre geração de renda e conservação,
aliado à pesquisa científica, ou seja, a com amplas implicações educativas e
agregação do conhecimento tradicional demonstrativas” (2005, s.p.).
ao científico por meio do envolvimento Considerando as características da
das comunidades em todas as etapas de Vila Barra do Una e suas potencialidades,
execução das atividades, assim como na criar um zoneamento nos moldes do que
Fig. 5: participação dos benefícios gerados pela foi realizado em Mamirauá, o qual uniu o
Imagem do lixo biodiversidade (QUEIROZ, 2005). saber tradicional com o científico, é um
e containers importante ponto de partida para
encontrados
ao longo da via Obviamente, aliando o uso tradicional garantir a preservação dos ecossistemas
principal. e o saber ancestral das populações existentes na região, assim como
Foto do autor, locais ao conhecimento científico, o desenvolvimento sustentável da
2017.
haverá uma maior probabilidade de comunidade. Além disso, promover projetos
que as Unidades de Conservação de que busquem alternativas econômicas
Uso Sustentável alcancem resultados como forma de manter, e até mesmo
como o Parque Estadual da Serra do Mar pelo caminho, demonstrando o positivos para a conservação da aumentar, a renda da população local é
(PESM) e a EEJI (LITORAL SUSTENTÁVEL, 2012). descuido com a destinação adequada biodiversidade. (QUEIROZ, 2005, p.9). um excelente mecanismo para garantir
De acordo com as visitas realizadas desse material (Fig. 5). a dignidade social dessas pessoas que
em campo pelo pesquisador, nos dias 19 de Em Mamirauá, foi realizado um sistema dependem diretamente da Juréia.
fevereiro e 26 de março de 2017, pôde-se de zoneamento baseado na distribuição Pensando nesta proposição e levando
atestar e reforçar algumas indagações 5. Casos de sucesso e espacial e no uso dos recursos pesqueiros, em consideração as análises feitas do local,
aqui apontadas pelo referencial teórico experiências exitosas que representam o principal recurso identificamos algumas potencialidades para
no que tange a problemática do lixo e o natural explorado pela população local. a geração de renda para a comunidade, por
transporte público. Nesses dois dias Levando em consideração as afirmativas Para a concretização deste zoneamento meio da conservação aliada à educação
foram utilizados os meios de transporte apresentadas e discutidas neste foi aplicada a técnica de mapeamento ambiental, através do aproveitamento dos
coletivo no percurso entre o centro da trabalho e considerando o seu objetivo, participativo para a identificação dos usos resíduos sólidos gerados na Vila Barra do
cidade de Peruíbe até a Vila Barra do foram identificadas ações, planos e tradicionais, assim como potenciais conflitos Una. Assim, destacamos os projetos
Una e o que se pôde observar e projetos no âmbito da arquitetura e existentes. Este zoneamento classificou o realizados nas comunidades de
afirmar é sobre a precária condição de urbanismo que poderão ser aplicados território em zonas de proteção total, de Cumbe, Tofo e Nosara que envolvem
acesso ao local. O percurso durou em como proposta para a mitigação e a uso sustentável e de assentamento, com toda a comunidade local na promoção
média 2 horas, tornando-se longo e promoção do desenvolvimento sustentável o objetivo de promover a proteção dos do desenvolvimento socioambiental.
cansativo. A estrada apresentava de áreas detentoras de Unidades de recursos genéticos da reserva e garantir
péssimas condições de trafegabilidade, Conservação Ambiental Urbanas. recursos disponíveis e modificações 5.2. Outras experiências:
com muitos buracos e pedras no caminho. Considerando a importância de se mais intensas por parte dos moradores, Cumbe, Tofo e Nosara
Em função das constantes chuvas no ter um plano de manejo adequado respectivamente (QUEIROZ, 2005). No município de Cumbe, um pequeno
período, em alguns dias não foi possível que leve em consideração a estruturação Outro mecanismo importante aplicado vilarejo de aproximadamente 3.500
a realização dos trabalhos em campo, do manejo dos recursos naturais de em Mamirauá corresponde às alternativas habitantes no Estado de Sergipe, Brasil,
pois o acesso estava interditado. forma equilibrada, que propicie a econômicas, como são chamadas na região foi criado em 1998 o projeto Tudo Encaixa,
Nestes dias de visita local na Vila, preservação dos ecossistemas e garanta as medidas compensatórias às restrições do programa Pró-Sertão do Nutrac, Núcleo
constatou-se a falta de equipamentos ao mesmo tempo o desenvolvimento determinadas no plano de manejo, do Trabalho Voluntário de Sergipe, que
urbanos para a coleta e devida sustentável das populações que habitam oferecendo à população local propostas envolve a participação permanente de
destinação dos resíduos sólidos. Havia regiões pertencentes a unidades de de atividades produtivas, tradicionais jovens e adolescentes na produção, através
dois contêineres localizados na área central conservação, foram observados os ou até mesmo não tradicionais, de baixo do reaproveitamento de papel, de objetos
e no acesso principal à praia que ao final do casos da Reserva de Desenvolvimento impacto ambiental, com o objetivo de utilitários e de decoração para instituições
dia já estavam com capacidade Sustentável Mamirauá, localizada no valorizar os produtos da biodiversidade públicas, privadas, comércio, até casas
esgotada. Ao longo das duas vias Estado do Amazonas, no Brasil, local no mercado, agregando valor a estes e condomínios com grande aceitação no
principais foi possível visualizar muitas considerada como um dos Sítios da produtos e a produtos similares produzidos mercado nacional e internacional. Este
embalagens de plásticos jogadas Convenção Ramsar, das Nações Unidas. localmente. Outro objetivo é impedir a projeto tem como proposta abranger

20 21
junto com os alunos da escola um projeto em seu território em função de um
de um centro de reciclagem e educação desenvolvimento mal planejado.
para a comunidade de Nosara, na A falta de infraestruturas urbanas,
Costa Rica, que tem enfrentado sérios principalmente voltadas para o
problemas com a gestão e destinação saneamento básico, como tratamento do
adequada do lixo produzido em seu esgoto doméstico e industrial, assim como
território. A maioria dos resíduos sólidos os resíduos sólidos produzidos por estas
urbanos da Costa Rica são despejados atividades é um fator também alarmante.
em lixões aberto, rios e florestas tropicais, As pressões decorrentes do
poluindo o meio ambiente e ameaçando desenvolvimento econômico e urbano
a saúde de comunidades locais. O projeto nesta região levaram à criação de diversos
que está em fase de construção teve a mecanismos, como o Plano Nacional de
participação de financiamento coletivo. Gerenciamento Costeiro (PGCN) e o Sistema
O projeto aplica estratégias de uma Nacional de Unidades de Conservação
arquitetura sustentável, com a preocupação (SNUC), com o objetivo de promover a
em minimizar o máximo possível o proteção e a preservação dos diversos
impacto no local. A configuração do ecossistemas existentes e ao mesmo tempo
edifício, de forma alongada e estreita, garantir o desenvolvimento sustentável da
foi pensada para maximizar o resfriamento população local e suas gerações futuras.
passivo através da ventilação cruzada, bem Como forma de avaliar estas questões e
como a geometria do telhado é otimizada o objetivo deste trabalho escolheu-se como
para capturar a brisa predominante ao local de estudo a comunidade Vila Barra
mesmo tempo em que protege dos do Una, importante comunidade caiçara
ventos fortes sazonais. Sua altura e os da região costeira do Estado de São Paulo,
materiais aplicados permitirão reduzir localizada no interior da Juréia, na cidade
Fig. 6: ainda mais o acúmulo de calor. A estrutura de Peruíbe. Trata-se de uma das regiões
Imagem do projeto Render e construção do Centro de Reciclagem e Educação Nosara. da edificação tem como base o uso de que possui parcela mais bem preservada do
holler architecture. Disponível em: <hollerarchitecture.com>. Acesso em: 28 abr. 2017. árvores que são cultivadas no próprio remanescente da Floresta Atlântica.
local da construção e os resíduos gerados Nesta vila, os problemas enfrentados em
na obra serão reutilizados sempre que grandes cidades são visíveis, como a
aspectos de educação ambiental, que podem servir como base para a criação possível. A captação da água da chuva, falta de infraestrutura para o saneamento
reciclagem, geração de renda, autogestão e de um programa de gestão de resíduos através do telhado projetado, e que será básico, a gestão inadequada dos resíduos
associativismo na comunidade, promovendo sólidos consistente e que esteja atrelado armazenada em cisternas, também foi sólidos gerados, a questão da propriedade
a formação da cidadania e o resgate da ao Plano de Manejo da comunidade pensada para o uso das necessidades da da terra, o desenvolvimento de atividades
dignidade humana. Hoje, grandes empresas Barra do Una. Tornando-se, assim, uma instalação. Um lobby de entrada aberto e turísticas e a falta de transporte público
apoiam e financiam o projeto de Cumbe. alternativa econômica que segue os uma área de estar ajardinada com vistas e acesso adequados à vila; e levantam
Outro exemplo bem-sucedido é ocorre preceitos aplicados na RDS Mamirauá. para a área de reciclagem permitirá que a questões importantes no que tange
em Moçambique, na província costeira de Para tanto, é de extrema importância comunidade se envolva e seja educada ao equilíbrio das ações humanas
Inhambane, no vilarejo de Tofo, que por meio criar uma infraestrutura adequada para sobre o processo de reciclagem. produzidas e o meio ambiente.
de projeto desenvolvido pela organização que essa comunidade possa colocar em Neste sentido, é fundamental refletir
moçambicana ALMA, em 2007, a comunidade prática o programa desenvolvido. Através como os projetos de arquitetura e urbanismo
tem transformado o lixo recolhido em seu de conceitos arquitetônicos é possível 6. Conclusão podem contribuir para mitigar e promover
entorno em artesanato. São produzidos propor um ambiente que seja salubre e que o desenvolvimento sustentável de regiões
brincos, bolsas, bases de copos, esteiras esteja em equilíbrio com o meio natural – A zona costeira brasileira é uma região de detentoras de Unidades de Conservação
de mesa e pequenas carteiras com a o que se torna muito pertinente em uma características muito singulares; ambiente Urbanas, a partir da participação do
utilização de tampas de garrafas, anéis região que requer cuidados especiais para em que há a existência de inúmeros arquiteto urbanista nos trabalhos
de latas, pacotes de salgadinhos e restos se implantar uma edificação. Também se ecossistemas, tanto marinhos quanto desenvolvidos, seja pelo poder público
de capulanas. O dinheiro com a venda faz necessário propor o uso de materiais terrestres, de interesse regional e global. seja pela iniciativa privada, na elaboração
dos artigos de artesanato é revertido que sejam adequados, de fácil aplicação e Tem apresentado um desenvolvimento de diagnósticos e na criação de ações,
aos trabalhadores locais que produzem de baixo custo de aquisição, aproveitando urbano intenso, em que atividades planos, programas e propostas de projetos
as peças. O projeto tem recebido apoio ao máximo o uso de mão de obra local. econômicas e sociais entram em conflito e infraestruturas que visem organizar os
internacional para introduzir a venda dos Foi pensando em um espaço adequado com estes ambientes naturais. espaços e atividades desenvolvidas pelas
artigos nos países europeus. para a realização dessas atividades que É nesta região que se concentra boa atividades humanas em ambientes de
Essas ações propostas têm promovido a escola de arquitetura do Instituto de parte do remanescente da Floresta Mata preservação ambiental de modo a garantir o
uma transformação muito eficaz e Tecnologia de Nova York (NYIT), liderado Atlântica, importante bioma mundial, uso dos recursos naturais para a população
duradoura nessas duas comunidades, e pelo professor Tobias Holler, desenvolveu que sofreu uma redução considerável atual e suas gerações futuras.

22 23
reports-and-documentation/mozambique- OLIVEIRA, Luis R. N. ZEE Baixada Santista: SASSAKI, Beatriz; BARONI, Priscila C.; COSTA
Notas
demonstration-site-and-national-events/ zoneamento ecológico-econômico – setor LUCAS, Alexandre A. da, et al. Composição
1. A zona costeira brasileira possui extensão de 8.500 km
em sua parte terrestre, somada a uma faixa marinha de supplementary-project-to-support-demo- costeiro da Baixada Santista. Secretaria e caracterização dos resíduos sólidos
12 milhas náuticas a partir da costa (Cunha, 2005). site-activities>. Acesso em: 22 set. 2016. do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, de diferentes ecossistemas costeiros da
2. Marisma é um ecossistema costeiro entremarés,
ASMUS, Milton L. et al. Gestão Costeira Coordenadoria de Planejamento Ambiental. Reserva de Desenvolvimento Sustentável
vegetado por herbáceas que contribuem na exportação
de matéria orgânica para estuários e área costeira no Brasil: instrumentos, fragilidades e São Paulo: SMA, 2013. 104p. da Barra do Una (Peruíbe-SP). Revista
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Sobre o autor
de Pós-Graduação em Mudança Social e Dossiê Amazônia Brasileira II. Revista
Acesso em: 15 mai. 2017. Participação Política – USP: São Paulo, 2015. Estudos Avançados – USP, SP, v.19, n.54,
Aluno de graduação do curso de
SÃO PAULO. Lei 10.019/98. Plano Estadual de IBGE. Atlas geográfico das zonas costeiras 2005. Disponível em: <dx.doi.org/10.1590/
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24 25
ARTIGO

A (in)segurança no espaço urbano


Ana Catarina Ferreira Lima

Orientadora: Profa. Dra. Gabriela de Souza Tenório (Universidade de Brasília).


Pesquisa: Trabalho de Conclusão de Curso na Universidade de Brasília, 2016.

O crescente avanço da insegurança de caso da Praça do DI e da Praça do


impacta diretamente na qualidade de Bicalho em Taguatinga Norte, Distrito
vida da população e na produção dos Federal. O levantamento em campo é
espaços urbanos brasileiros. Frente à desenvolvido a partir de diferentes frentes
extensa problemática da violência urbana, de investigação, compreendendo análises
este artigo busca entender o papel das físicas e comportamentais, a produção
qualidades espaciais dos espaços urbanos de mapas axiais, além da entrevista com
enquanto facilitadoras ou inibidoras da a comunidade. A análise comparativa da
criminalidade, partindo-se da hipótese de teoria acerca dos espaços inibidores de
que o local onde ocorrem os crimes não delitos é confrontada com a realidade
é neutro. Este estudo está dividido em dessas praças. Desse modo, o presente
duas etapas principais. Primeiramente artigo traz a aplicação prática dos
apresenta-se a revisão da literatura e pressupostos teóricos acerca dos
a segunda etapa consiste no estudo espaços urbanos seguros.

Palavras-chave: violência urbana; criminalidade no espaço urbano; espaços urbanos seguros.

(In)security in urban spaces La (in)seguridad en el espacio urbano

Increasing insecurity in urban spaces impacts directly El creciente avance de la inseguridad impacta
on the life quality of the population and on the directamente en la calidad de vida de la población y
production of Brazilian urban space. Faced with the en la producción de los espacios urbanos brasileños.
extensive problem of urban violence and the installation Frente a la extensa problemática de la violencia urbana
of crime, this essay seeks to understand the role of y la instalación de la criminalidad, este artículo busca
spatial qualities of urban spaces as facilitators and entender el papel de las cualidades espaciales de los
inhibitors of crime, based on the hypothesis that the espacios urbanos como facilitadoras o inhibidoras de
place where crimes occur is not neutral. This study can la criminalidad, partiéndose de la hipótesis de que el
be divided into two main stages. Firstly, the literature lugar donde ocurren los crímenes no es neutro. Este
review and the second stage consists of the case study estudio está dividido en dos etapas principales: primero
of Praça do DI and Praça do Bicalho in North Taguatinga, se presenta la revisión de la literatura y la segunda
Federal District. The field survey is developed indifferent etapa consiste en el estudio de caso de la Praça do DI y
research fronts, including physical, behavioural analysis, Praça do Bicalho en Taguatinga Norte, Distrito Federal.
production of axial maps, and interview with the El levantamiento en campo se desarrolla a partir de
community. We carry out a comparative analysis of diferentes frentes de investigación, comprendiendo
the theory with the reality of these squares. Thus, the análisis físicos, comportamentales, producción de
present essay brings the practical application of the mapas axiales, además de entrevista con la comunidad.
theoretical assumptions about safe urban spaces. El análisis comparativo entre la teoría sobre los espacios
inhibidores de delitos se enfrenta a la realidad de
Keywords: urban violence; criminality in urban spaces; esas plazas. De ese modo, el presente artículo trae la
safe urban spaces. aplicación práctica de los presupuestos teóricos sobre
de los espacios urbanos seguros.

Palabras clave: violencia urbana; criminalidad en el


espacio urbano; espacios urbanos seguros.

27
1. Introdução Para entender melhor esse papel das Quanto aos procedimentos no debate político e principalmente no
características físicas e contextuais na metodológicos, a segunda parte deste cotidiano da população.
O avanço da violência e da criminalidade ocorrência de crimes é importante estudo contextualiza a problemática De acordo com Pinheiro e Almeida
configura-se como um dos fenômenos que ressaltar o trabalho de Paul e Patrícia da violência urbana, em especial as (2003), a violência tornou-se “lugar
mais preocupa os residentes das cidades Brantingham (1981 apud FERNANDES, 2007), transformações dos espaços da cidade comum”, evidenciada pelos índices
brasileiras, influenciando novas formas de no qual o crime é caracterizado a partir em decorrência do medo e da insegurança, “epidêmicos” de criminalidade nas
sociabilidade e de apropriação dos espaços de quatro dimensões: a lei, o infrator fenômeno também conhecido na literatura cidades brasileiras, principalmente quando
públicos. As cidades passaram de “locais de motivado, a vítima/ alvo vulnerável e como “arquitetura do medo” (LIRA, 2008). comparados com outros países. Somente
encontro, troca, comunidade, participação o ambiente favorável1. Desse modo, Na terceira parte é apresentada uma em 2012 mais de 40 mil pessoas morreram
coletiva” a “palcos de horror, do pânico e do parte-se do princípio que as estratégias revisão da literatura levantada com o vítimas de arma de fogo no Brasil,
medo” (PINHEIRO; ALMEIDA, 2003, p.19). preventivas também deverão incidir nas intuito de se obter um referencial equivalendo a 116 óbitos por dia (WAISELFISZ,
A insegurança e a criminalidade características do espaço. teórico para compreensão sobre o 2015). Pinheiro e Almeida ressaltam ainda o
representam hoje um fator determinante Por fim, destaca-se a relevância do tema tema da pesquisa. Dentre os autores crescimento acelerado dos crimes contra
na qualidade de vida da população e na de estudo na medida em que compreende pesquisados estão: Jane Jacobs em a propriedade, como o roubo, o furto,
produção e transformação dos espaços a segurança enquanto pilar fundamental "Morte e Vida de Grandes Cidades" (1961); a fraude e os atos de vandalismo.
urbanos. As edificações tornam-se cada vez para a vida nos espaços públicos (MONTEIRO; Oscar Newman e o Defensible Space; Além das graves consequências ao
mais distantes da rua, silenciadas por IANNICELI, 2009). Para um determinado Timothy Crowe e Lawrence Fennelly, em direito à vida digna e à integridade humana,
suas fachadas cegas, por suas grandes espaço ser atrativo é necessário que a Crime Prevention through Environmental a violência traz efeitos econômicos
áreas de estacionamento e por seu população sinta segurança e conforto ao Design (CPTED) e, por fim, Bill Hillier e negativos para os espaços urbanos, como
aparato de segurança. Aliadas às apropriá-lo. Nesse sentido, a qualidade da Simon Shu na obra Crime and urban a desvalorização imobiliária e a perda de
mudanças físicas do espaço urbano, vida urbana diminui consideravelmente layout: the need for evidence. oportunidades de emprego nos comércios
mudanças de hábitos em decorrência da quando prevalece o sentimento de A partir do referencial teórico construído locais. A incidência da criminalidade motiva
violência também são evidentes. insegurança e a existência de ameaças, ao longo da revisão da literatura, parte- os moradores a procurarem novos locais
As pessoas, por medo de serem vítimas medos ou constrangimentos. se na quarta parte para o estudo de caso para se fixarem, ocasionando uma queda
de furtos, roubos ou outros tipos de crime O objeto de estudo do presente da Praça do DI e do Bicalho, na Região nos preços das propriedades e dos aluguéis.
moldam seus comportamentos, deixando ensaio é a relação entre o espaço urbano Administrativa de Taguatinga. Esta etapa Os moradores que não conseguem se
de frequentar locais públicos, por exemplo. e a ocorrência da criminalidade, no consiste em quatro meios de investigação: mudar, por outro lado, investem menos
Segundo o Instituto Latino-Americano sentido de compreender mais a fundo 1. Levantamento das estatísticas; em suas moradias e na sua comunidade,
das Nações Unidas para a Prevenção como alguns atributos físicos podem 2. Levantamento de campo; acarretando a degradação dos espaços
do Delito e Tratamento de Delinquente inibir ou facilitar a insegurança urbana 3. Análise morfológica do espaço; urbanos. Associados a isso, o comércio
(Ilanud), 50% dos moradores das capitais e consequentemente a apropriação ou 4. Entrevista com a comunidade. tende a se mudar para locais mais
brasileiras evitam sair à noite com medo não desses espaços pela população. Essa A partir das investigações, chega-se lucrativos e seguros, diminuindo a geração
dos assaltantes; 38% não circulam por compreensão pauta-se principalmente à análise dos resultados, observando se de empregos (PINHEIRO; ALMEIDA, 2003).
algumas ruas que consideram perigosas, em entender o papel da arquitetura e determinados atributos físicos Nesse contexto, a violência urbana acarreta
e 24% mudaram o trajeto até a escola ou urbanismo na complexa temática da pautados no referencial teórico possuem o declínio econômico das regiões afetadas.
trabalho afim de evitar locais inseguros. violência urbana e promover o debate relação na prática com a ocorrência Diante desse contexto, diversos
Nota-se assim que o binômio violência- sobre a relevância do projeto, de delitos, bem como o sentimento de pesquisadores procuraram explorar as
segurança mina paulatinamente as principalmente de desenho urbano, no insegurança da população. causas da violência urbana a partir de
condições de vida e os indicadores de uso seguro dos espaços. Por fim, na quinta parte as considerações diversas abordagens como a Sociologia,
bem-estar da população (ILANUD, 2008). Partindo da hipótese de que o finais retomam os objetivos iniciais a partir Antropologia, Economia, Psicologia, Direito,
Este estudo parte do interesse em espaço urbano não é neutro, mas atua da perspectiva dos resultados obtidos e demais áreas afins. Dentre eles destaca-
identificar o papel da arquitetura e como elemento ativo para as ocorrências no estudo de caso. Além disso, abre-se a se a contribuição de Luiz Flávio Gomes
urbanismo na temática da violência criminais e considerando o objetivo discussão da importância do projeto e da (2003), que defende que “a miséria, por
urbana e da incidência da criminalidade geral, se destacam como objetivos requalificação de espaços vulneráveis e si só, não é fator determinante do crime.
nos espaços urbanos. Entende-se que específicos do trabalho: propícios para a ocorrência da criminalidade. Mas, se aliada à urbanização desordenada,
a criminalidade possui um conjunto • Identificar elementos arquitetônico- que se deve à ausência do Estado, torna-
de variáveis decorrentes, por exemplo, urbanísticos que influenciam na se naturalmente causa determinante da
do desemprego, da violência familiar, vulnerabilidade dos espaços urbanos, 2. A problemática da violência” (GOMES, 2003, p.5). A urbanização
da pobreza, do consumo de drogas e tornando-os mais propícios aos violência urbana desordenada à qual o autor se refere está
especialmente da desigualdade social delitos e ao sentimento de ligada às condições urbanas precárias,
e econômica. Porém, o ambiente físico insegurança na população; 2.1. A violência no espaço urbano como a falta de acesso a equipamentos
no qual os crimes ocorrem pode ser um • Analisar as qualidades espaciais de A violência urbana e a criminalidade públicos, a espaços urbanos de qualidade,
facilitador para a ocorrência, isto é, um determinado espaço urbano no despontam como um dos maiores desafios à educação e lazer e à segurança. Com base
determinadas propriedades do espaço Distrito Federal por meio de estudo de enfrentados pelas cidades brasileiras, nisso, destaca-se a contribuição do campo
repercutem a existência e a instalação caso e compará-las com as estatísticas sendo amplamente presente na agenda da Arquitetura e Urbanismo na qualificação
da criminalidade (SABOYA, 2012). criminais e percepções da população. pública, nos meios de comunicação, e promoção de espaços urbanos seguros.

28 29
2.2. Arquitetura do medo de vigilância e de controle de fronteiras
As cidades brasileiras presenciam as sociais. A autora ressalta ainda que esses
mudanças arquitetônicas e urbanísticas dispositivos de segurança são comumente
em decorrência da criminalidade e do adotados em bairros socialmente
sentimento de insegurança generalizado privilegiados, configurando o que ela
pela população. Tais sensações de medo denomina como “estética da segregação”,
refletem no modo de habitar humano, onde visto que o emprego extensivo desses
as residências passam a não ser mais uma elementos também revela o status social
forma de integração urbana, tornando- dos moradores (CALDEIRA, 2008, p.294).
se hoje claustros isolados, protegidos É importante ressaltar que na temática
do ambiente externo. Observa-se a da violência existe uma discrepância entre
incorporação de elementos medievais, como a insegurança efetiva e o sentimento
muralhas, torres de vigia, fossos, portões de insegurança. Os sentimentos de
duplos e guaritas, além dos aparatos insegurança, muito subjetivos, são
comercializados pela crescente indústria influenciados pelas experiências pessoais
da segurança privada, como câmeras de do indivíduo, pelo seu estilo de vida e pelo
vigilância e cercas eletrificadas. modo como interagem com os espaços da
Nesse contexto, nota-se ainda o cidade. Segundo Nasar e Fisher (1993 apud
fechamento dos espaços públicos, por LIRA, 2008) os sentimentos de insegurança,
meio da privatização da cidade: o número embora não indiquem a concretização do
crescente de shopping centers que tendem crime em si, podem ter efeitos prejudiciais
a acumular diferentes atividades, os aos indivíduos e comunidades, limitando
condomínios residenciais fechados e as as suas atividades e propiciando o
áreas de lazer restritas. As edificações fechamento das edificações como uma
viram as costas para a rua, formando forma de se protegerem dos perigos da
longas fachadas cegas, ocasionando o rua, do estranho e do vizinho.
abandono do espaço público e propiciando Nos contextos urbanos, esse sentimento
oportunidades para a ação dos de insegurança é agravado pelos sinais de
delinquentes (SABOYA, 2012). degradação que se encontram os espaços
Diante desse quadro de transformações urbanos nas cidades brasileiras. Segundo
urbanas, destacam-se os estudos Fernandes, “hoje está bem demonstrado
produzidos por Tereza Caldeira (2008) que os sinais de desordem nos locais
acerca dos novos padrões de segregação que frequentamos, como equipamentos
socioespacial decorrentes da combinação vandalizados, estruturas físicas em más
do aumento do crime e do medo da condições, má iluminação noturna, entre
violência na cidade de São Paulo. outros, alimentam o sentimento de
Segundo Caldeira, o medo gerou uma insegurança” (2007, p.12).
série de respostas e estratégias de Além disso, a mídia possui importante
proteção, resultando no que ela denomina papel na disseminação desse sentimento
como “enclaves fortificados”, caracterizados de insegurança, criando uma “cultura do
pela valorização do ambiente privado, medo” entre os moradores das cidades
a homogeneidade social, a demarcação brasileiras. A violência urbana passa assim
e isolamento físico através de muros, a ser uma mercadoria comercializada pela
o distanciamento da rua e a mídia através da divulgação constantes de
desarticulação com o entorno. eventos delituosos, formando uma sensação
Na cidade de São Paulo, mas também de insegurança muito maior do que a real.
em outras capitais brasileiras, nota-se Desse modo, a mídia possui forte papel
o surgimento de um novo padrão de na responsabilização dos atos violentos,
segregação, muito mais complexo que a associando diretamente as classes
segregação espacial entre centro e periferia socialmente marginalizadas ao ato criminal,
(CALDEIRA, 2008). Nesse novo padrão, as levando a mais preconceito e segregação. Fig. 1:
classes sociais estão muitas vezes mais Diante desse quadro, observam-se Praça do Bicalho.

próximas no espaço, porém separadas graves consequências para a qualidade Foto da autora, 2016.

por barreiras físicas e sociais ostensivas, de vida urbana, com o abandono da Fig. 2:
representadas pelos altos muros, pelos vida pública, o isolamento social e a Praça do DI.
dispositivos de segurança e mecanismos configuração de paisagens urbanas Foto da autora, 2016.

30 31
hostis (LIRA, 2008). O permanente estado O conceito de “olhos da rua” diz respeito da hora ou dia da semana, faz com que na década de 1970, quando presenciou a
de alerta que a sociedade urbana se à vigilância natural que os moradores, este se torne mais seguro pela presença de demolição do conjunto habitacional Pruitt-
encontra estimula atitudes agressivas transeuntes e pessoas nas janelas das “olhos da rua”, retomando assim a primeira Igoe, em St. Louis, construído em 1954 para
frente aos espaços públicos e grupos sociais edificações próximas realizam nos espaços variável, onde tentativas de crimes e delitos cerca de 2.740 famílias carentes. A princípio,
considerados responsáveis pela crescente urbanos. Quando os olhos atentos estão são muitas vezes frustradas pela vigilância, Pruitt-Igoe foi considerado um projeto
criminalidade. Essas reações agressivas voltados para o espaço público, uma consciente ou inconscientemente, dos urbano e arquitetônico modelo, baseado
tendem a perpetuar-se, realimentando o rede informal de controle social se forma, transeuntes, comerciantes e por pessoas nas diretrizes da arquitetura moderna.
círculo vicioso da violência nas cidades. assumindo o papel de policiamento natural, nas janelas. Essa movimentação em No entanto, o conjunto se tornou um local
o que pode inibir consequentemente a diferentes horários para as mais diversas suscetível a crimes, roubos e vandalismo,
ocorrência de crimes. Jacobs aponta que atividades é descrita por Jacobs como “balé principalmente nas áreas comuns, como
3. Revisão da literatura as relações de confiança e solidariedade das ruas”, fator essencial para a interação os corredores, escadas e halls, e acabou
que se formam entre os vizinhos com o social e vitalidade dos espaços urbanos. sendo implodido em 1972.
A relação entre o espaço urbano, passar do tempo e por meio dos diversos Quanto ao desenho urbano, Jacobs A partir dessa demolição, Newman
arquitetura e a ocorrência da criminalidade contatos nos locais públicos se tornam defende que as quadras sejam curtas, passou a investigar a ocorrência de
foi tema de diversos estudos nas últimas elementos essenciais para essa vigilância possibilitando uma melhor integração atividades delituosas e transgressivas em
décadas. Na década de 1960, a obra "Morte natural. Apesar de Jacobs apontar a e permeabilidade da malha urbana. conjuntos residenciais de diferentes rendas
e Vida de Grandes Cidades", da escritora relação de vizinhança como essencial Segundo Jacobs: “vizinhanças separadas e nos seus espaços públicos imediatos.
americana Jane Jacobs, foi o primeiro para o senso de comunidade, a autora não permitem o entrosamento entre os Segundo o autor, a vulnerabilidade ao
trabalho influente a sugerir que a vida ativa considera ainda a presença e movimento moradores, isolando-os em pequenos crime não seria apenas uma questão
nas ruas poderia diminuir as oportunidades de estranhos na vizinhança como guetos” (JACOBS, 2000, p.44). A social, mas também física, visto que
de o crime acontecer. Na década de 1970, fundamental para a integração social. oportunidade de virar a esquina possibilita, a forma das edificações influencia
surgiu o interesse pelas possibilidades Para a autora, a rua é a parcela do portanto, uma maior variedade de diretamente no comportamento de
de manipular o ambiente construído, espaço público onde é possível conviver caminhos possíveis e impulsiona uma vigilância e controle social pelos moradores,
buscando prevenir delinquência e crime. com a diversidade e ter contato visual com maior diversidade de usos nessas ruas, aspectos considerados pelo autor como
Dois trabalhos tiveram grande importância estranhos. A partir do momento em que visto que o público a frequentá-las não é fundamentais para a segurança urbana.
nesta época: a primeira versão da obra certos locais são utilizados exclusivamente exclusivo daquela vizinhança. A facilidade Segundo Newman, “espaço defensável”
Crime Prevention Through Environmental por determinado grupo, a tensão social de circulação dos pedestres associada ao corresponde ao “espaço físico cuja posse
Design, do autor Ray Jeffrey (1971 apud e hostilidade contra os desconhecidos uso regular dos espaços públicos diminui a foi tomada por um indivíduo e que ele
FERNANDES, 2007) e Defensible Space de se agrava, inibindo-os de frequentar vulnerabilidade à prática criminal. defende contra os outros” (NEWMAN, 1996,
Oscar Newman (1972). Nas décadas de livremente a cidade. Jacobs defende A terceira variável está relacionada à p.22). Para tanto, deve-se promover a ação
1980 e 1990, Bill Hillier e Shu relacionaram que “a segurança das ruas é mais eficaz, clara diferenciação entre o espaço público vigilante e o senso de “territorialidade”
as análises morfológicas dos espaços mais informal e envolve menos traços de e privado. Jacobs defende que a área entre os moradores, inibindo o acesso de
urbanos com a criminalidade, produzindo hostilidade e desconfiança exatamente pública precisa ter limites definidos para pessoas estranhas e transmitindo a ideia
importantes estudos como Crime and urban quando as pessoas as utilizam e usufruem que a população se responsabilize e cuide de que aquele território pertence a alguém.
layout: the need for evidence. espontaneamente” (JACOBS, 2000, p.37). desse espaço. Essa ideia é uma crítica às Para Newman, desconhecidos são vistos
A vigilância a partir do interior das construções modernistas sobre pilotis ou como potenciais riscos a comunidade.
3.1. Jane Jacobs: os olhos da rua edificações também assume importância, soltas em amplos espaços verdes, onde não O conceito de territorialidade remete
A discussão realizada por Jane Jacobs e Jacobs reconhece o papel da visibilidade há uma diferenciação precisa entre público ao “sentimento de posse” que os habitantes
em "Morte e Vida de Grandes Cidades" é entre o espaço público e as edificações e privado. Para Jacobs, tais configurações de determinado local desenvolvem e,
considerada um marco na abordagem que quando destaca: “Os edifícios de uma seriam prejudicais à segurança, visto que portanto, reconhecem aquele espaço
relaciona espaço urbano e criminalidade. rua preparada para receber estranhos e a população não reconhece onde deve ser como parte de sua responsabilidade.
A autora defende que a segurança garantir a segurança tanto deles quanto exercida a vigilância natural. Newman defende que comportamentos
não é fundamentalmente atrelada ao dos moradores devem estar voltados para associados à demarcação e defesa de
policiamento, mas a uma “rede intrincada, a rua. Eles não podem estar com os fundos 3.2. Oscar Newman: teoria do territórios resultam em uma hierarquia de
quase inconsciente, de controles e ou um lado morto para a rua e deixá-la espaço defensável espaços, que ele classifica entre público,
padrões de comportamentos espontâneos cega” (JACOBS, 2000, p.36). Oscar Newman, à semelhança de semipúblico, semiprivado e privado:
presentes em meio ao próprio povo e por A segunda variável diz respeito ao uso Jane Jacobs, foi outro estudioso dos • Espaço público: espaços pertencentes a
ele aplicados” (JACOBS, 2000, p.32). Nesse contínuo das calçadas que está diretamente problemas das cidades norte-americanas, toda a comunidade, por exemplo, praças
livro são identificadas três variáveis que associado à diversidade de usos e vitalidade principalmente com relação à criminalidade. e ruas, com acesso para todos;
influenciam a segurança urbana: do espaço urbano. Segundo a autora, Seus estudos voltam-se para os “espaços • Espaço semipúblico: espaços
1. A vigilância dos moradores e pedestres devido à não variedade de usos, existem defensáveis”, nos quais identifica pertencentes a um conjunto de pessoas,
de forma casual, referida como locais que em certos horários do dia características espaciais de lugares seguros por exemplo, áreas externas de um
“olhos da rua”; tornam-se desertos e inutilizados ao ponto e inseguros e indica modos de contornar os conjunto de casas ou edifícios, com
2. O uso contínuo das calçadas; de os habitantes, por falta de segurança, problemas de criminalidade. acesso caracterizado por certa restrição;
3. A definição territorial clara entre áreas terem medo de frequentá-lo. Por outro Segundo Newman (1996), seu interesse • Espaço semiprivado: espaços
públicas e privadas. lado, o uso ativo do lugar, independente em pesquisar o espaço defensável surgiu pertencentes a um grupo de pessoas de

32 33
um único prédio, ou de poucos prédios, por não apresentar aplicação prática ou espacial, a integração está diretamente • Vigilância natural;
com acesso mais restrito do que o sugerir medidas concretas, ficando apenas relacionada com a acessibilidade e • Conexões visuais entre espaço
espaço semipúblico; no campo teórico (apud FERNANDES, 2007). quantidade de movimento, isto é, espaços público e privado;
• Espaço privado: espaço pertencente Em 1999, Timothy Crowe e Lawrence que apresentam elevada integração são • Movimento/ integração nos
a uma única moradia, espaço com Fennelly aperfeiçoam o conceito do CPTED, mais acessíveis dentro do sistema e tendem espaços públicos;
acesso restrito. iniciando a 2ª geração do CPTED2. a apresentar maiores fluxos de pedestres • Presença de estranhos;
A partir dessa hierarquização dos Essa nova geração aprofunda e veículos (MONTEIRO, 2009). • Demarcação clara entre espaços
espaços e com base nos estudos dos principalmente a dimensão social enquanto De acordo com Hillier e Shu (1998), públicos e privados.
conjuntos habitacionais, Newman forma de prevenção da criminalidade, há uma distribuição extremamente
identificou três tipos arquitetônicos mais envolvendo o papel da comunidade nessa desigual de oportunidades ao crime nas 3.5.1. Vigilância natural
comuns e suas relações público-privado: prevenção dos delitos. Crowe e Fennelly cidades, porque as cidades têm uma As quatro abordagens pesquisadas
1. Residências unifamiliares: possuem ressaltam a importância da vigilância distribuição desigual de pessoas, defendem que a segurança é mantida
espaços com alto nível de controle, visto natural e criação de atividades sociais atividades e fluxos. Para entender melhor basicamente não pela polícia, mas
que apenas uma família é responsável positivas e diversificadas para encorajar essa distribuição desigual, Hillier e pelas próprias pessoas que usam e se
por eles. Nessa tipologia, existe um limite os residentes a se apropriarem mais dos Shu elaboraram, em 1998, o trabalho movimentam pelo espaço em seu cotidiano
bem definido entre o privado e o público; espaços urbanos. Essa nova estratégia Crime and urban layout: the need for e que com isso o vigiam naturalmente,
2. Edificações com até três pavimentos do CPTED assume cinco princípios evidence, onde debatem a necessidade inibindo as oportunidades de crimes.
e sem elevadores: há uma área de fundamentais (CROWE; FENNELLY, 2013): de evidências entre a morfologia urbana O conceito de “olhos para a rua” de
circulação comum no interior do edifício, • Vigilância natural: visibilidade e a localização dos delitos, até então Jacobs foi pioneiro nessa estratégia,
espaço este considerado semiprivado e possibilidade de controle que discutida apenas teoricamente, mas sendo posteriormente citado em
porque é compartilhado por um número os moradores e usuários de um pouco explorada na prática. diversos estudos sobre segurança urbana.
reduzido de famílias. A única área determinado espaço têm sobre ele; Os autores passam a analisar a Hillier e Shu defendem que a “vigilância
privativa se reduz à parte interna do • Reforço da territorialidade: sentimento localização de dois tipos de “crimes natural é desenvolvida por todos
apartamento. Neste caso, a possibilidade de propriedade e pertencimento que os domésticos” (HILLIER; SHU, 1998, p.3), aqueles que estão presentes num dado
de controle do espaço também é grande; indivíduos têm sobre os espaços urbanos, como eles próprios denominam, que são os momento no espaço público” (HILLIER; SHU,
3. Edificações com mais de três pavimentos o que contribui para a manutenção e assaltos e arrombamentos em residências 2000, p.13) e aponta a vigilância natural
e com elevadores: a única área privada utilização apropriada desses locais; e roubos de carros. O objetivo do trabalho como umas das estratégias mais
corresponde ao apartamento; as demais, • Controle natural de acessos: era investigar quais características do eficientes para a inibição de crimes.
como os corredores, as escadas, os desencorajar o acesso ou proximidade a layout urbano aumentam a vulnerabilidade Crowe reconhece que a possibilidade de
elevadores, os halls e as áreas externas determinados espaços por estranhos; a esse tipo de crime doméstico e quais ver e ser visto no espaço urbano favorece
são consideradas semipúblicas. Nessa • Manutenção do espaço: um lugar contribuem para a sua diminuição. Após o uso seguro e inibe a prática criminal.
tipologia, o controle do espaço é seguro é aquele que é conservado analisarem 519 ocorrências criminais em Newman, em suas análises de
seriamente comprometido visto que de forma contínua; três cidades distintas nas proximidades de espaços habitacionais, defende que os
“quanto maior o número de pessoas que • Incentivo a atividades: promoção de Londres concluíram: próprios moradores são responsáveis pela
compartilham um território, mais difícil espaços úteis a diferentes usuários. • Locais com maiores níveis de integração vigilância e o controle dos espaços públicos
para as pessoas identificarem-no como e acessibilidade tendem a apresentar próximos a sua residência.
sendo delas” (NEWMAN, 1996, p.17). 3.4. Bill Hillier e Simon Shu menores ocorrências criminais; É interessante notar que para Jacobs,
Na década de 1970, Bill Hillier e seus colegas • O movimento de pessoas e veículos ajuda Hillier, Shu e Crowe a vigilância natural
3.3. Crime prevention through da University College of London (UCL) a inibir práticas criminais; é exercida de maneira espontânea pelos
environmental design conceberam a Teoria da Sintaxe Espacial, • A vigilância natural é uma estratégia usuários do espaço público, consciente ou
Em 1971, Ray Jeffrey lança a primeira versão com o objetivo de investigar a forma e preventiva eficaz; inconscientemente. Newman (1996),
do livro Criminal Behavior and the Physical organização do espaço e suas relações • A visibilidade entre o espaço público e o por sua vez, considera a vigilância uma
Environment (Comportamento criminal e com as dinâmicas sociais nas cidades. privado desempenha importante papel atribuição ativa, consciente e responsável
o ambiente físico), no qual apresenta pela Hillier afirma que configuração da malha na redução dos crimes. dos moradores sobre os espaços públicos.
primeira vez o conceito de crime prevention urbana em si constitui o principal gerador
through environmental design – CPTED dos padrões de movimento determinando 3.5. Análise comparativa 3.5.2. Conexões visuais entre
(Prevenção criminal através do desenho as vias que serão potencialmente mais As quatro abordagens expostas neste espaço público e privado
ambiental) (FERNANDES, 2007). ou menos percorridas pelos diversos trabalho apresentam uma série de A visibilidade entre o espaço público e as
Segundo Jeffrey, o CPTED abarca o ideal deslocamentos (HOLANDA, 2011). similaridades, mas também de divergências, edificações também foi outra variável
de que um desenho urbano apropriado e a Com base nos conceitos da Sintaxe sobretudo com relação ao movimento comum a todos os estudos, sendo
utilização adequada do espaço construído Espacial, Hillier, juntamente com Simon nos espaços urbanos e ao comportamento diretamente ligada à vigilância natural.
podem inibir a ação dos criminosos, Shu realizaram seus primeiros estudos em relação aos estranhos. A partir do Para Jacobs, Newman, Crowe e Hillier e Shu
conduzindo a uma melhoria da segurança correlacionando a configuração da malha referencial teórico levantado, foram a presença de janelas voltadas para a rua
urbana. Apesar das contribuições de Jeffrey urbana e a ocorrência de crimes na década identificadas algumas variáveis possibilita uma maior vigilância, além de
para a prevenção situacional dos crimes, o de 1990, utilizando principalmente o associadas à incidência de crimes incentivar o sentimento de segurança pelos
conceito de CPTED sofreu diversas críticas conceito de integração. Na sintaxe no espaço urbano: usuários do espaço urbano.

34 35
3.5.3. Movimento/ integração faz muitas vezes por meio da exclusão e não possui extremos de vulnerabilidade atividade e a posição do indivíduo no
nos espaços públicos estigmatização dos desconhecidos. social, apresentando renda e escolaridade mapa. Buscou-se diferenciar homens de
A permeabilidade e a facilidade de Crowe defende pontos similares aos de acima da média do DF (CODEPLAN, 2013), mulheres, e pessoas sozinhas daquelas
circulação pelos espaços urbanos estão Newman, mas de maneira menos radical. possibilitando analisar de forma mais exercendo atividades em grupos;
entre os principais pontos defendidos por O CPTED traz o princípio do controle de assertiva os aspectos físicos dos espaços • Análise morfológica do espaço:
Jacobs, Hillier e Shu. Para Jacobs, o uso acessos a estranhos como estratégia e não apenas os sociológicos. por meio da elaboração de mapas
ativo de uma área gera segurança, preventiva em áreas mais propícias à A escolha dessas duas praças se deu por axiais das variáveis de integração
assim as ruas com movimentação de ocorrência de delitos. dois motivos principais. Primeiramente, global e integração local, com base no
pessoas tendem a tornar-se mais observou-se a limitação dos registros de referencial teórico proposto por Hillier
seguras. Hillier, ao utilizar as técnicas 3.5.5. Demarcação clara entre ocorrência no DF, devido a imprecisão de e Shu (2000). Foi utilizado a base CAD
da sintaxe espacial, conclui que as ruas espaços públicos e privados localização desses crimes. Essas praças, da malha viária do Distrito Federal
integradas e que apresentam maior A diferenciação legível entre os espaços por terem uma delimitação bem definida desenvolvida em 2014 pelo professor
potencial de movimento tendem a ser públicos e privados foi abordada por dentro da malha urbana, proporcionam Frederico de Holanda da Universidade de
mais seguras. Segundo o autor, as áreas Jacobs, Newman e Crowe. Segundos uma maior confiabilidade nos dados Brasília. A geração dos mapas axiais se
urbanas onde se evidenciam as “lacunas esses autores, a demarcação clara coletados, garantido que de fato o crime deu através do software Depthmap;
de movimento” estão mais propícias à favorece o senso de responsabilidade ocorreu nas praças selecionadas. O segundo A escolha das variáveis de integração
instalação do crime. e territorialidade sobre o espaço, não motivo está no aspecto comparativo entre foi motivada pela sua forte implicação
Os princípios de Hillier e Jacobs de que criando ambiguidades para os usuários e essas duas praças: ambas estão localizadas nos padrões de movimento e presença
maior movimento implica maior segurança moradores sobre se determinado espaço em áreas residenciais de Taguatinga de pessoas no espaço urbano. Isto
se opõem às ideias de Newman, que é público ou privado e se as atividades Norte e apresentam uso do solo limítrofe ocorre porque as pessoas sentem-se
considera que espaços controlados por nele exercidas são condizentes. A partir do semelhante, no entanto, a Praça do DI mais atraídas por espaços
moradores, com menor movimento e reconhecimento desses limites, os próprios apresentou 70% mais ocorrências criminais movimentados e tendem a evitar
menor acessibilidade de estranhos, seriam frequentadores do espaço passam a em 2015 que a Praça do Bicalho. espaços desertos. A variável de
os mais seguros. Na abordagem do CPTED, exercer a manutenção e a vigilância, integração pode ser global ou local.
Crowe adota uma postura intermediária contribuindo para a segurança no local. 4.1. Procedimentos metodológicos A primeira (integração global) relaciona
entre Jacobs/ Hillier e Newman. O autor Essa variável não é discutida na de investigação cada linha do sistema com todas as
incentiva as atividades e o uso contínuo abordagem de Hillier, visto que a Sintaxe Por se tratar de uma pesquisa explicativa demais e a segunda (integração local
dos espaços públicos, mas ressalta a Espacial adota a estrutura viária como (GIL, 2010) na qual se busca compreender ou R3) é definida como sendo a medida
necessidade do controle de acessos a base para a análise da permeabilidade dos melhor a relação entre a ocorrência da que relaciona cada linha a apenas as que
determinados locais mais vulneráveis, espaços urbanos, e os espaços privados criminalidade e as qualidades físicas do se limitam a até 3 linhas de distância
como agências bancárias, por exemplo. são desconsiderados nessa análise, pois espaço de análise, viu-se a necessidade de desta primeira. Diz-se que um espaço
configuram barreiras para o movimento. diferentes frentes de investigação, que são integrado é aquele que para
3.5.4. Presença de estranhos descritas a seguir: ser alcançado requer um menor
A contribuição da presença de estranhos • Levantamento das estatísticas: número de espaços intermediários,
na segurança urbana está entre os 4. Estudo de caso consistiu na primeira etapa do estudo ou seja, a integração mede a
pontos de maior divergência entre os de caso, na qual foram levantadas as profundidade (distância) que uma
autores. Jacobs e Hillier defendem um Nesta parte, é apresentado o estudo de ocorrências criminais reportadas à Polícia linha axial está de todas as outras do
espaço urbano plural, onde a diversidade caso de dois espaços urbanos do Distrito Civil do Distrito Federal no ano sistema e seu inverso é denominado
de usos e frequentadores é estimulada Federal, a Praça do Bicalho e a Praça do de 2015. Os dados foram disponibilizados segregação (HOLANDA, 2002);
constantemente. Para esses autores, os DI, localizados na Região Administrativa de no formato de planilhas pela Secretaria • Entrevistas com a comunidade:
habitantes e estranhos desempenham Taguatinga. O procedimento investigativo de Segurança Pública do Distrito Federal incluindo moradores, trabalhadores e
papéis complementares para a inibição consiste em um estudo comparativo entre e fornecem as seguintes informações: transeuntes/ visitantes da região. A
da criminalidade, sendo que o uso as ocorrências criminais nessas localidades localização, natureza do crime, escolha deste instrumento se deu pela
seguro também está relacionado com o e as características desses dois espaços hora e dia da semana da possibilidade de coletar dados de
acolhimento dos estranhos. Para esses urbanos, bem como confrontação da ocorrência criminal; caráter mais subjetivo, como a
autores, os estranhos são fonte de realidade desses espaços com o referencial • Levantamento físico-espacial: para a percepção de segurança e medo. Como a
segurança e vitalidade no meio urbano. teórico construído na parte anterior. análise das qualidades físicas do espaço e entrevista é feita in loco, os entrevistados
Newman, por outro lado, vê os estranhos A Região Administrativa de Taguatinga também para observação da apropriação podem contribuir de maneira mais
como fonte de perigo. Para o autor, a ideia foi adotada como ponto inicial de análise desses locais pela população, seja pelo enriquecedora com as perguntas
não é integrar os estranhos a todos os devido a sua importância no Distrito movimento seja pela permanência. O feitas, analisando criticamente o
espaços, mas reforçar a territorialidade, Federal. A região, formada antes mesmo mapa comportamental foi a ferramenta espaço em que estão inseridos. O
a vigilância e a inibição dos acessos, da inauguração de Brasília, se configura utilizada para análise das atividades questionário conta com perguntas
diferenciando claramente os habitantes hoje como uma das centralidades mais desempenhadas pelas pessoas na Praça abertas, fechadas e mistas, e está
dos estranhos. Na abordagem de Newman, consolidadas do DF, abrigando mais de do Bicalho e na Praça do DI. Com o auxílio dividido em cinco partes, sendo:
a preocupação com a segurança visa 220 mil habitantes (CODEPLAN, 2016). de mapas impressos das praças, foram 1) perfil do entrevistado, no qual se
exclusivamente os habitantes, e isso se Além disso, Taguatinga é uma região que registradas de duas em duas horas a busca a relação do entrevistado com

36 37
local (trabalhador, morador, transeunte/ • Quiosque.
visitante), o gênero e a faixa etária; A Praça do Bicalho, oficialmente
2) percepção do local, explorando denominada Praça Almirante Tamandaré,
quais as características influenciam na está localizada no Setor D Norte de
percepção de insegurança e abandono; Taguatinga. As áreas adjacentes à
3) vitimização, onde é explorada a praça são as quadras comerciais e
vivência pessoal do entrevistado com a de uso misto. Na praça estão instalados
ocorrência de crimes; 4) comportamento, os seguintes equipamentos:
onde se busca identificar quais • Paróquia São José;
mudanças de hábito o entrevistado • Centro de Ensino Fundamental 11
adotou em decorrência da violência e, de Taguatinga;
por fim, uma seção onde o entrevistado • Centro de Saúde nº 2 de Taguatinga;
pode realizar livremente comentários • Posto Comunitário de Segurança nº 16;
gerais. A realização das entrevistas foi • Agência de distribuição dos Correios;
feita em um dia de semana no período • Quadras esportivas descobertas;
matutino e vespertino. • Quadra esportiva coberta;
• Revistaria; Fig. 3:
4.2. Caracterização geral da • Aparelhos de ginástica (PEC – Ponto Natureza dos crimes ocorridos nas praças em análise, 2015.
área de estudo de Encontro Comunitário); Elaborado pela autora, 2016.
A Região Administrativa de Taguatinga • Parque Infantil;
tem aproximadamente 70 mil domicílios • Estacionamento;
urbanos e conta com uma renda domiciliar • Quiosques. modo, foi possível mapear que os crimes campo foi: 24,62 pessoas/ hora na Praça do
de 7,2 salários mínimos, acima da média se concentram ao longo da semana e Bicalho e 19,25 na Praça do DI.
do Distrito Federal (CODEPLAN, 2015). De 4.3. Levantamento das com média/ baixa incidência aos finais de Quanto à variedade de pessoas,
acordo com a CODEPLAN (2013), 47,27% da estatísticas criminais semana em ambas as praças. observa-se que os homens predominam
população tem a percepção de policiamento De acordo com os dados levantados pela O horário da ocorrência criminal foi nas duas praças. Nota-se que as crianças
regular na região, índice baixo quando CODEPLAN (2013), 19,28% da população outro dado fornecido, sendo possível e adolescentes estão mais presentes que
comparado a outras regiões administrativas do Distrito Federal foi vítima direta observar uma diferença importante entre as mulheres devido à presença de escolas
do DF. Em relação aos espaços de lazer, da violência urbana. Em 2015, foram as duas praças. A Praça do DI possui nas praças, quadras esportivas e parque
Taguatinga possui 61 praças, sendo as registradas 475.670 ocorrências criminais uma distribuição mais homogênea das infantil. Os alunos do CEF 11 na Praça do
principais a Praça do Relógio, onde se na Polícia Civil do DF, sendo que dessas ocorrências criminais, com pico no Bicalho costumam ficar na porta da
localiza a Administração Regional, a Praça 84% correspondem a furtos e roubos período noturno. Já a Praça do Bicalho escola após o término das aulas ou
do Mercado Norte, importante centro de (SSP_DF, 2015). Em Taguatinga foram apresenta baixíssima incidência esperando o próximo turno. Já na
compras e prestação de serviços, a Praça registradas 6.519 ocorrências no ano de criminal após o anoitecer. Praça do DI, as crianças e adolescentes
do DI e a Praça do Bicalho. 2015, especialmente, em “crimes contra frequentam as aulas de futsal nas
A Praça do DI, oficialmente chamada o patrimônio”, conforme a nomenclatura 4.4. Levantamento físico-espacial quadras e o parque infantil no período
de Praça Santos Dumont, está adotada pela Polícia Civil do DF, que A visita à Praça do DI foi realizada no vespertino. Observou-se que apesar da
localizada próxima à Avenida Comercial correspondem a roubo a transeunte, dia 27 de outubro, quinta-feira, no presença dos mais jovens nessas duas
e à Administração Regional. As áreas veículos, comércios, em coletivos e furto período matutino e vespertino, e na praças, há uma separação física clara
adjacentes à praça são as quadras em veículo (SSP_DF, 2015). Em relação Praça do Bicalho no dia 01 de novembro, entre a área dos adultos e a área juvenil.
comerciais e de uso misto. Na praça estão às áreas de estudo, a Praça do DI teve terça-feira, no mesmo horário. O mapa Quanto à permanência das pessoas em
instalados os seguintes equipamentos: 46 ocorrências registradas, e a Praça do comportamental foi preenchido a cada diferentes horários, nota-se baixa presença
• Centro de Educação Infantil 04 Bicalho 27 ocorrências. duas horas ao longo do dia e início da noite. no início da manhã em ambas as praças,
de Taguatinga; Observa-se que os crimes que As figs. 04 e 05 sintetizam os principais sendo que o movimento é maior na Praça
• Quadra poliesportiva coberta; predominam nas duas praças fluxos e os pontos de maior aglomeração do Bicalho devido as pessoas que entram na
• Quadra poliesportiva descoberta; correspondem aos crimes de maior de pessoas observados nas praças. fila de atendimento do posto de saúde logo
• Parque de areia infantil; ocorrência na escala do Distrito Federal Observa-se que as praças em pela manhã. No horário do almoço, devido
• Banheiro público; e de Taguatinga, o furto e o roubo. Além análise apresentam baixa permanência, à presença das escolas e dos quiosques que
• Quadra de vôlei descoberta; disso, a Praça do DI apresenta uma maior principalmente frente a sua localização servem almoço, nota-se um aumento dos
• Posto de atendimento da variedade de crimes, incluindo aqueles privilegiada e equipamentos públicos e frequentadores nas praças. Como o posto
Secretaria de Fazenda; relacionados ao uso e porte de drogas, comércios presentes na sua proximidade. de atendimento da Secretaria de Fazenda
• Posto policial desativado; revelando um dos primeiros fatores para a Em relação às atividades, nota-se a da Praça do DI só inicia o expediente às 12h,
• Banca de revistas; insegurança nesse espaço público. predominância de atividades passivas observa-se uma aglomeração de pessoas
• Área arborizada com bancos, mesas, Nos dados fornecidos pela Secretaria nas duas praças, visto que dispõem de para serem atendidas nesse horário.
coreto e jardim; de Segurança Pública estão registrados poucos equipamentos de lazer. A média O período vespertino é mais intenso na
• Chaveiro; o dia e mês de cada ocorrência. Desse de frequentadores levantada na visita de Praça do DI, visto que pequenos grupos

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Fig. 6:
Melhorias apontadas nos questionários para as Praças do DI e do Bicalho.
Elaborado pela autora, 2016.

de homens organizam partidas de cartas conhecer histórias de criminalidade


e há aulas de futsal para os jovens nas nas praças, corroborando o sentimento
quadras esportivas. Na Praça do Bicalho, generalizado de insegurança da população.
observa-se uma maior quantidade de Em relação às melhorias que poderiam
frequentadores no fim da tarde, devido ser realizadas, “maior policiamento” foi
à saída dos alunos do CEF 11. a mais apontada nas duas praças. É
interessante notar que o posto policial
4.5. Levantamento das da Praça do DI foi desativado, mas há
percepções da população um em funcionamento na Praça do
Os questionários foram aplicados nas Bicalho. Apesar deste estar em
praças do DI e do Bicalho nos dias funcionamento, muitos entrevistados
27 de outubro e 01 de novembro, relataram que as rondas são feitas
respectivamente. Foram entrevistadas esporadicamente e geralmente quando
30 pessoas em cada praça, sendo divididas solicitadas pelos comerciantes.
na seguinte proporção em relação ao Outro ponto notável é a disparidade
gênero: 15 homens e 15 mulheres na entre as duas praças no quesito
Praça do DI; 13 homens e 17 mulheres “manutenção dos pavimentos e mobiliários”.
na Praça do Bicalho. Isso se deve ao fato que uma reforma geral
Em relação à percepção geral, a se iniciou em 2014 na Praça do Bicalho, mas
maioria dos entrevistados apontou baixos não foi finalizada, deixando pontos críticos
níveis de satisfação quanto à segurança. de acessibilidade e falta de mobiliário.
Em ambas as praças, o item “inseguro” foi Na Praça do DI, a pista de skate foi
apontado majoritariamente por mulheres. A removida em 2014 sob alegação de
Praça do DI mostrou ainda resultados mais atrair a venda de drogas para a praça.
negativos quanto à percepção de segurança A última seção da entrevista trata do
em comparação com a Praça do Bicalho. comportamento geral frente à violência,
Quanto à vitimização, 4 de 30 e desse modo os dados computados
entrevistados (13,3%) afirmaram ter sido consideram as 60 pessoas entrevistadas.
vítima de algum crime em cada uma das Observa-se que a violência possui
Fig. 4: praças, índice alto ao considerar o universo impacto direto nas escolhas das pessoas,
Mapa comportamental síntese de apenas 30 entrevistados. Esses crimes que mudam seus trajetos, horários e
da Praça do DI.
correspondem a furtos e roubo nas duas hábitos de compras. Além disso, o alto
Elaborado pela autora, 2016.
praças, sendo a maioria denunciados à índice de respondentes que evitam
Fig. 5:
polícia. O que mais chamou a atenção contato com pessoas estranhas reafirma
Mapa comportamental síntese
da Praça do Bicalho. nessa seção da entrevista foi o elevado as questões de isolamento social já
Elaborado pela autora, 2016. número de respondentes que afirmou apontadas pela literatura revisada.

40 41
Os dispositivos de segurança em ainda um processo de verticalização das evidenciando que maior movimento implica a seguir são apresentados os principais
residências foram adotados por 35 dos residências, o que ocorre de maneira maior segurança, conforme a literatura de fatores levantados durante a investigação
60 entrevistados, sendo que muitos que muito incipiente na Praça do DI. Hillier, Shu e Jacobs. Na Praça do Bicalho, que contribuem para maior vulnerabilidade
responderam não possuir tais dispositivos observa-se o fenômeno oposto: no fim da Praça do DI:
revelaram a intenção de adquiri-los no
4.7. Conclusões acerca das da tarde e início da noite, as ocorrências • Há menos frequentadores na Praça do
futuro quando tiveram condições de relações entre espaço e criminais são baixas e coincidem com a DI em comparação à Praça do Bicalho
arcar com os custos. criminalidade na área de estudo saída dos alunos do CEF 11 que permanecem e, consequentemente menor vigilância
Com base nas diferentes frentes de na praça conversando após a aula. natural;
4.6. Análise da configuração investigação adotadas na Praça do DI Presença de estranhos – A variável • Não há atividades noturnas na Praça
espacial dos objetos de estudo e do Bicalho, parte-se para a análise da acerca da presença de estranhos só foi do DI, ficando completamente isolada
Nesse trabalho, foram utilizados os relação entre o espaço físico e a ocorrência avaliada nas entrevistas e observou-se após o anoitecer, diferentemente da
instrumentos da sintaxe espacial para da criminalidade. Primeiramente, que 44 dos 60 respondentes (73%) Praça do Bicalho;
analisar a implantação das Praças do confronta-se a investigação com as afirmam evitar contato com pessoas • A Praça do DI é dominada por homens e
Bicalho e do DI na malha urbana de cinco variáveis levantadas anteriormente estranhas. Esse elevado número se há uma separação física clara da área
Taguatinga, com foco nas variáveis de no referencial teórico. No segundo aproxima das ideias de Newman que dos jovens. Com isso, o espaço é pouco
integração global e integração local. momento, compara-se as duas praças, suas considera os estranhos como fonte de convidativo para a permanência de
Essa etapa volta-se para a análise qualidades físicas e comportamentais. perigo. Como são locais essencialmente de mulheres e crianças;
comparativa com o intuito de observar Vigilância natural – Observa-se que nas passagem, a criação de vínculos entre os • A iluminação na Praça do DI é
se espaços urbanos mais integrados, duas praças, o uso misto limítrofe contribui frequentadores dos espaços é dificultada e insatisfatória devido às árvores com
acessíveis e que possibilitem maior positivamente para a vigilância natural. o julgamento de quem é ou não “estranho” copas frondosas sem manutenção.
movimento de pessoas e veículos Os usos institucionais presentes atraem acaba sendo generalizada. A Praça do Bicalho passou por uma
possuem relação com a ocorrência da uma quantidade significativa de pessoas, Demarcação clara entre espaços reforma em 2014, onde foram instaladas
criminalidade nas praças em análise. mas somente durante o dia, visto que públicos e privados – Observa-se nas duas luminárias bem localizadas;
Ao observar o mapa de integração global funcionam em horário comercial. Segundo praças que os espaços privados são bem • O posto policial na Praça do DI está
do Distrito Federal, nota-se que a Região as entrevistas, a iluminação precária delimitados por muros e grades, havendo desativado há dois anos, mas o da Praça
Administrativa de Taguatinga encontra-se no período noturno afeta fortemente a uma forte diferenciação entre público do Bicalho continua em funcionamento;
medianamente acessível dentro da malha segurança nos espaços, bem como prejudica e privado. Na Praça do DI existe uma • Na proximidade da Praça do DI há
urbana do DF. Observa-se ainda que essa a vigilância natural. Em conformidade com particularidade na análise dessa varável, um número significativamente maior
integração se mantem homogênea por a literatura (Jacobs, Hillier, Shu, Crowe visto que as quadras de esporte, parque de estabelecimentos voltados para a
toda a região de Taguatinga, visto que e Newman), os locais apontados pelos infantil e banheiro, todos equipamentos venda de bebidas alcoólicas, influindo no
Taguatinga possui conexões viárias diretas entrevistados como os mais vulneráveis são públicos, são delimitados por grades em cometimento de incivilidade na região
com diversas regiões limítrofes. àqueles isolados de atividades, onde não é todo o seu perímetro; possuem apenas pelos frequentadores;
Com o mapa de integração local é possível o contato visual direto. um acesso e horário de funcionamento • Nota-se um acúmulo maior de lixo na
possível avaliar a acessibilidade das praças Conexões visuais entre espaço público definido. Observa-se que esses espaços Praça do DI, alimentado o aspecto de
em análise de maneira mais pontual. e privado – O fechamento em muro dos públicos encontram-se em condições boas abandono e degradação do espaço;
Nota-se que ambas estão próximas a equipamentos institucionais nas praças de manutenção e limpeza e reúnem uma • Conforme relatado pelos entrevistados e
um eixo mais integrado dentro da malha compromete a conexão visual entre o quantidade significativa de jovens no corroborado pelas estatísticas criminais,
que corresponde à Avenida Comercial de espaço público e privado. As calçadas período vespertino. No entanto, é um local a Praça do DI tornou-se um ponto de
Taguatinga. De maneira geral, os níveis estreitas ao longo de fachadas cegas estão com baixa acessibilidade e frequentado por uso e tráfico de drogas à noite. A praça,
de integração local da Praça do Bicalho presentes nas duas praças. Notou-se que os grupos específicos de pessoas. cada vez menos apropriada pela
e do DI são semelhantes, isso se dá pelo transeuntes evitam esses locais, preferindo Nota-se ainda que os quiosques população, tornou-se vulnerável às
padrão de loteamentos adotados na passar pelo leito carroçável da rua. em funcionamento e os abandonados, ações delituosas desse tipo e hoje
concepção da região, que se repete ao Movimento/ integração nos espaços ocupam espaços públicos de passagem, encontra-se isolada do convívio social
longo de toda Taguatinga Norte. públicos – Tanto a Praça do DI quanto a comprometendo a fluidez e visibilidade. dos moradores e comerciantes;
Com base nos estudos de Hillier e Shu Praça do Bicalho apresentam configurações Como estão localizados, em sua maioria, • Os equipamentos de lazer são menos
(2000), analisou-se ainda o uso do solo espaciais semelhantes. Como o uso nas esquinas, geram insegurança por acessíveis na Praça do DI em comparação
limítrofe da praça do DI e do Bicalho comercial encontra-se nos dois lados bloquearem a visão dos transeuntes. à do Bicalho, tornando-os menos
com o intuito de observar a geração de das praças, observa-se um movimento Seguindo as abordagens da literatura, esses estimulantes e convidativos.
atividade e o equilíbrio entre o uso acentuado de transeuntes que cruzam a quiosques irregulares em áreas públicas Ainda que o quadro seja mais positivo
comercial e residencial. Conforme praça durante todo o dia. No entanto, as desfavorecem o senso de responsabilidade na Praça do Bicalho em comparação com o
apresentado anteriormente, locais com entrevistas apontaram que os espaços da população, o que pode ser evidenciado da Praça do DI, ambas apresentaram níveis
uso misto tendem a inibir a ação de abertos são evitados durante a noite, pelo acúmulo de lixo em diversos pontos. insatisfatórios de segurança pela população.
criminosos e proporcionar vigilância natural. até mesmo para a passagem. Esse fato Na Praça do DI, conforme o Esses espaços apresentam grande
Observa-se que nas duas praças o uso é corroborado quando se confronta o levantamento das estatísticas criminais potencial de melhoria, enquanto locais de
misto está presente nas ruas adjacentes aumento da criminalidade com a diminuição de 2015, ocorreram 70% mais atos criminais passagem e mais ainda enquanto espaços
à sua área. Na Praça do Bicalho nota-se do número de usuários na Praça do DI, que na Praça do Bicalho. Desse modo, de permanência e fruição pública. Mais

42 43
LIRA, Pablo Silva. Geografia do Crime e
equipamentos de lazer, manutenção dos relação interdependente entre a falta de Referências Arquitetura do Medo. Vitória: Gráfica e
jardins, mobiliários e pavimentos estão entre vida urbana e a instalação de atividades
CALDEIRA, Teresa P. do R. Cidade de muros: Editora GSA, 2008.
as melhorias apontadas pelos entrevistados. criminosas, como o tráfico de drogas.
As entrevistas com a comunidade crime, segregação e cidadania em São Paulo. MONTEIRO, Circe; IANNICELI, Carolina. Spatial
confirmam o sentimento generalizado 2.ed. São Paulo: Editora 34/Edusp, 2008. Profiles of Urban Crimes - The Role of
5. Considerações finais de insegurança em que se encontra a CODEPLAN. Pesquisa Distrital Por Amostra Morphology in a Context. In: Internacional
sociedade brasileira. As mudanças de De Domicílios – Taguatinga – PDAD 2016. Space Syntax Symphosium. Stockholm:
O presente estudo partiu da convicção que a hábitos cotidianos, a estigmatização Brasília, jul. 2016. Disponível em: Forsknings publikation, 2009. Disponível
questão da segurança deve ser entendida a dos estranhos, o isolamento social e <www.codeplan.df.gov.br/images/ em: <www.sss7.org/Proceedings/08%20
partir de uma perspectiva multidimensional a transformação das residências em CODEPLAN/PDF/pesquisa_socioeconomica/ Spatial%20Configuration%20and%20
(sociológica, antropológica, legal, verdadeiras fortalezas são algumas das pdad/2016/PDAD_Taguatinga.pdf>. Acesso Social%20Structures/080_Monteiro_
urbanística e arquitetônica), onde os consequências da crescente violência e em: 21 out. 2016. Iannicelli.pdf>. Acesso em: 23 ago. 2016.
elementos físicos também contribuem na ansiedade gerada pela insegurança. CODEPLAN. Pesquisa Metropolitana Por NEWMAN, Oscar. Defensible Space.
inibição de oportunidades de ocorrências Esse tema se mostra extremamente Amostra De Domicílios – Taguatinga – Washington: U.S. Department of Housing
delituosas e facilitam a relação entre relevante para futuras investigações PDAD 2013. Brasília, dez. 2013. Disponível and Urban Development, 1996.
a comunidade e o espaço, de forma a de modo a aprofundar a temática da em: <www.codeplan.df.gov.br/images/
PINHEIRO, Paulo Sérgio de Moraes Sarmento;
incentivar sua apropriação. prevenção e adequação dos espaços CODEPLAN/PDF/pesquisa_socioeconomica/
ALMEIDA, Guilherme Assis de. Violência
Os quatro autores escolhidos para urbanos para o uso seguro. Para próximos pdad/2013/PDAD_Taguatinga_2013.pdf>.
urbana. São Paulo: Publifolha, 2003.
compor o referencial teórico deste estudo estudos, sugere-se análises comparativas Acesso em: 25 out. 2016.
foram fundamentais para as análises entre diferentes regiões na cidade, bem SABOYA, R. T. Arquitetura, espaço
CROWE, Timothy D.; FENNELLY, Lawrence J.
subsequente no estudo de caso. Ainda como uma análise temporal do avanço urbano e criminalidade: relações
Crime prevention through environmental
que escritas em contextos internacionais, ou diminuição da criminalidade em entre espaço construído e segurança
design. Wlatham, MA: Butterworth-
as principais ideias de cada autor foram determinados espaços urbanos. Indica-se com foco na visibilidade. Anais do II
Heinemann, 2013.
observadas em campo, especialmente na ainda a solicitação de dados no início das Encontro da Associação Nacional de
FERNANDES, Luis Fiães. Jacobs, Newman e C. Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura
questão da vigilância natural e presença investigações devido às limitações quanto
Ray Jeffrey. Contributos para a prevenção e Urbanismo, 2012.
de atividades que geram permanência e ao endereçamento que podem ocorrer, além
da criminalidade. Urbanismo, Segurança e
apropriação pela população. da demora para a obtenção de tais dados. SSPDF – Secretaria de Segurança Pública
Lei. Coimbra: Almedina, 2007.
A escolha da Praça do DI e do Bicalho Por fim, destaca-se a relevância do tema do DF. Balanço da Segurança Pública em
foi fortemente motivada pelas limitações de estudo na medida em que compreende GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de Brasília. Disponível em: <www.ssp.df.gov.br/
dos dados da Secretaria de Segurança a segurança enquanto pilar fundamental pesquisa social. São Paulo: Atlas, 2010. estatisticas/balanco-da-seguranca-publica.
Pública do DF. No entanto, com o para a vida nos espaços públicos. Para um GOMES, L. Neoliberalismo e urbanização html>. Acesso em: 21 out. 2016.
desenvolvimento das diversas frentes determinado espaço ser atrativo e para que desordenada = criminalidade. Disponível SSP – Secretaria de Segurança Pública
de investigação, a comparação entre as nele se promova novos usos e atividades é em: <www.buscalegis.ufsc.br/revistas/files/ do DF. Balanço da Segurança Pública
duas praças revelou-se muito pertinente necessário que a população sinta segurança anexos/13492-13493-1-PB.pdf>. Acesso em Brasília, 2015. Disponível em: <www.
devido à sua semelhança básica em termos e conforto ao apropriar-se dele. Em em: 12 out. 2016. ssp.df.gov.br/images/PASTANOVA/
de equipamentos públicos presentes suma, não pode haver qualidade de vida HILLIER, Bill; SHU, Simon. Crime and urban ApresentacoesDeColetivas/balano%20
e implantação na malha urbana de urbana quando prevalece o sentimento de layout: the need for evidence. In: MACLAREN, de%20criminalidade%20%202015%20
Taguatinga Norte. O objetivo inicial de insegurança e a existência de ameaças, V.; BALLANTYNE, S.; PEASE, K. (Eds.) Crime dezembro.pdf>. Acesso em: 19 out. 2016.
compreender a relação entre as qualidades medos ou constrangimentos. As melhorias Prevention and Community Safety. IPPR: WAISELFISZ, Júlio. Mapa da Violência
físicas e a vulnerabilidade aos crimes foi no desenho urbano e nas qualidades físicas London, 2000. 2015. Mortes matadas por arma de
alcançado. Os dados de criminalidade da dos espaços possuem, portanto, papel
DE HOLANDA, Frederico. O espaço de fogo. Brasília, 2015. Disponível em:
Praça do DI e sua posição de destaque fundamental na apropriação e uso
exceção. Brasília: Editora UnB, 2002. <www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/
no rol dos espaços mais violentos de seguro pela população.
ILANUD – Instituto Latino Americano das mapaViolencia2015.pdf>. Acesso em:
Taguatinga corroboraram a leitura física
Nações Unidas para a prevenção do delito 24 out. 2016.
e comportamental realizada.
Com o estudo de caso, foi possível fazer e tratamento do delinquente. Prevenção
análises práticas de como as qualidades Notas primária, polícia e democracia. In: ILANUD.
sobre a autora
físicas influenciam a vulnerabilidade dos Das políticas de segurança pública às
1. As análises do autor FERNANDES (2007) na obra
espaços urbanos. A Praça do DI, e em alguns Jacobs, Newman e C. Ray Jeffrey. Contributos para a políticas públicas de segurança. São Paulo, Arquiteta e urbanista graduada pela
aspectos da Praça do Bicalho, mostrou mais
prevenção da criminalidade foram essenciais para a 2002. Universidade de Brasília em 2016.
construção da revisão bibliográfica deste artigo.
um exemplo do círculo vicioso do abandono e JACOBS, Jane. Morte e Vida de Grandes Atualmente cursa Especialização em
2. Para este artigo foi considerada a abordagem da
instalação da violência nos espaços públicos 2ª geração do CPTED para a análise e comparação do Cidades. 1.ed. São Paulo: WMF Martins Direito Urbanístico e Ambiental pela
brasileiros. Esses espaços, apesar de bem
referencial teórico. Isso se deu devido às limitações que
Fontes, 2000. PUC Minas Gerais.
a 1ª geração apresentou enquanto abordagem prática
localizados, apresentam baixa permanência na questão da prevenção criminal. anacatarina.lima16@gmail.com
e apropriação, sendo temidos e evitados
em diversos horários. Nota-se assim uma

44 45
ensaio

Guia introdutório de como ver ondas


Laura Pappalardo

Orientadora: Profa. Joana Barossi (Escola da Cidade).


Pesquisa: Trabalho de Conclusão de Curso, Escola da Cidade, 2017.

O espaço urbano está inundado por sinais, e eficaz, servindo como arma às entidades
ou mais precisamente, são as ondas mais poderosas do mundo. Busca-se
eletromagnéticas que formam nossos investigar nesse trabalho a dimensão
prédios e cidades. Afogados em ondas sem material que viabiliza a difusão das mídias,
ter consciência, não nos damos conta de redes de informação e comunicação,
como a infraestrutura de comunicação com o intuito de revelar a geografia da
orquestra atividades de modo imperceptível informação gerada a partir das antenas.

Introductory guide to see ingwaves Guía introductorio de cómo ver las olas

The urban space is full of signals, or more precisely, El espacio urbano está inundado por señales o, más
our buildings and cities are formed by electromagnetic precisamente, son las olas electromagnéticas que
waves. Drowned in waves without being aware of this forman nuestros edificios y ciudades. Ahogados en olas
condition, we are not aware of how the infrastructure of sin tener conciencia, no nos damos cuenta de cómo la
communication orchestrates activities in a imperceptible infraestructura de comunicación orquestra actividades
and efficient way, working as a weapon for the most de modo imperceptible y eficaz, sirviendo como arma
powerful corporations in the world. This work aims a las entidades más poderosas del mundo. Se busca
to investigate the material dimension that allows investigar, en este trabajo, la dimensión material que
information to be spread, revealing the geography of viabiliza la difusión de los medios de comunicación y de
information coming from the sign al antennas. redes de información, con el fin de revelar la geografía
de la información generada a partir de las antenas.

47
Ei, Você!
Acho que seu celular está aí
pertinho, certo?
Cuidado!
As ondas que ele emite estão
atravessando minhas páginas,
você pode, por favor, pedir para
respeitarem meu espaço?
Não pode? Puxa, bem que imaginei...
Ok. Não precisa tentar interromper
a propagação das ondas
(se quiser interrompê-las, veja: www.
esquerdadiario.com.br/Indios-Guarani-
que-reivindicam-remarcacao-de-
sua-terra-desligam-antenas-do-
Pico-do-Jaragua).
Mas ora, vamos ao menos discutir
um pouco sobre o assunto? Apenas
para você não ser atravessado
assim, de supetão, sem consciência
de que te atravessam.
As antenas, esses elementos físicos
que viabilizam o espalhamento da
mídia, estão vivas. Vivemos no mundo
invisível da irradiação (WIGLEY, 2015)
e mudanças em sua organização
constituem mudanças de informação
(EASTERLING, 2012). Busco, portanto,
inquietá-lo frente a distribuição
espacial das redes de informação
e comunicação.
Infraestruturas de mídia são, afinal,
construções materiais e discursivas que
demandam projeto, instalação
e manutenção (GIRARD, 2017).
Propõe-se, de antemão, um exercício.
Regras do jogo:
1. Descondicione seu olhar. O primeiro
exercício é desenhar as coisas de
ponta-cabeça.
2. Questione o olhar como sentido
predominante. Ande descalço.
3.a. Para conseguir sentir e ver coisas
que não tínhamos acesso até então,
é preciso tomar banho de luz apagada.
Todas as luzes apagadas. Então
coloque uma música, qualquer uma.
Sinta a água correr pelo corpo, é
mais ou menos a essa sensação que
vamos nos abrir. A diferença é que a
água quer entrar em nosso corpo,
mas não consegue.
3.b. Desligue a água, e deixe a música.
No escuro. Sinta a música entrar em
seu corpo. Ondas o atravessam.
4. Na Avenida Paulista (pode ser em
um domingo para evitar riscos de
vida) deite no meio da rua, e tome
um banho consciente de ondas por
aproximadamente 15 minutos.
5. Repita os passos 2, 3 e 4 até
atingir a regra 6:
6. O jogo termina (ou começa de fato)
quando você não precisar mais ativar
o despertador do celular para acordar,
pois já sente automaticamente as
ondas eletromagnéticas entrando em
seu cérebro. Um som estridente para
condicioná-lo não será mais necessário:
o despertar é feito pela sensibilidade
adquirida do corpo às ondas.

*esse jogo não se responsabiliza por demissões


no trabalho por conta de atraso, é muito comum
pessoas acharem que já estão preparadas para a
etapa 6 e perderem o horário matinal.
ReferênciaS Sites
BECHER, Bernd; BECHER, Hilla. Basic Forms. radio.garden
Munique: Schmirmer/Mosel, 2014. Disponível em: <radio.garden/live/>
CAREY, James W. Communication as culture: lightyear.fm
essays on media and society. Nova Iorque: Disponível em: <lightyear.fm/>
Routledge, 1992. Portal Telebrasil
CRARY, Jonathan. 24/7: late capitalism and Disponível em: <www.telebrasil.org.br/>
the ends of sleep. London: Verso, 2014. Agência Nacional de Telecomunicações
EASTERLING, Keller. An internet of things. Disponível em: <www.anatel.gov.br/>
E-flux Journal. Nova Iorque, jan. 2012. My Tower
Disponível em: <www.e-flux.com/ Disponível em: <mytower.com.br/>
journal/31/68189/an-internet-of-things/>.
Acesso em: 02 set.2017.
______. Extrastatecraft: The Power of Aplicativos
Infrastructure Space. Londres: Verso, 2014. Architecture of Radio
GIRARD, Lucas Tavares de Menezes. Disponível em:
A Programação Total do Ambiente: <www.architectureofradio.com>
Infraestruturas Planetárias de White Spots
comunicação. 2017. 126 f. Dissertação de Disponível em: <white-spots.net>
mestrado - Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo.
São Paulo, 2017. Sobre A autora
KOOLHAAS, Rem. Nova York Delirante: um Arquiteta e urbanista graduada pela
manifesto retroativo para Manhattan. São Escola da Cidade em 2017.
Paulo: Cosac Naify, 2010.
pappalardolau@gmail.com
MCLUHAN, Marshall. Understanding Media:
the extensions of man. Nova Iorque: New
American Library, 1964.
METAHAVEN. Black Transparency: The Right
to Know in the Age of Mass Surveillance.
Berlim: Sternberg Press, 2015.
SANTOS, Milton. Técnica, espaço, tempo:
globalização e meio técnico-científico-
informacional. São Paulo: Edusp, 2009.
______. A natureza do espaço: técnica e
tempo, razão e emoção. 4. ed. São Paulo:
Edusp, 2009.
VIRILIO, Paul. O espaço crítico e as
perspectivas do tempo real. Rio de Janeiro:
Ed. 34, 1993.
VIRILIO, Paul; RICHARD, Bertrand. The
administration of fear. Los Angeles, CA:
Semiotext(e), 2012.
WIGLEY, MARK. Buckminster Fuller Inc:
architecture in the age of radio. Zurich: Lars
Müller Publishers, 2015.

55
ensaio

Motéis/ Hotéis: entre familiaridades


e estranhamentos
Marian Rosa van Bodegraven

Orientadora: Prof. Dr. Gilberto Mariotti (Escola da Cidade).


Pesquisa: Trabalho de Conclusão de Curso, Escola da Cidade, 2017.

O estímulo visual que disparou a pesquisa uma ficção. Assim, a narradora inventou
foi a insinuante ambiguidade das letras nos motéis-hotéis um potencial de revelar
m/h. Menos glamorosos que os de beira outras partes componentes dela própria,
de estrada, os motéis-hotéis são um como se estes lugares, por também serem
convite econômico para uma experiência ambíguos e incógnitos, permitissem este
de realização sexual. Para dar conta de encontro. Num processo simultâneo de
sua complexidade tanto material como libertação e frustração, as múltiplas
intangível, o trabalho se constrói como narradoras se agenciam.

Motels/Hotels: between the Moteles/Hoteles: entre


familiar and the uncanny familiaridades y extrañamientos

The visual stimulus that motivated this research was El estímulo visual que ha disparado la investigación
the insinuating ambiguity of the letters m/h. Less fue la insinuante ambigüedad de la letra m/h. Menos
glamourous than the roadside ones, the motel-hotels atractivos que los que se encuentran al borde de las
are a cheap invitation to an experience of sexual carreteras, los moteles hoteles son una invitación
fulfillment. In order to comprehend its material and económica a una experiencia de realización sexual.
intangible complexity, the work was built as fiction. The Para comprender su complejidad tanto material como
narrator invented a potential that could reveal in the intangible, el trabajo se construye como una ficción.
motel-hotels other parts embedded on her, as if these De esa manera, la narradora ha inventado en los
places, for being ambiguous and disguised, allowed this moteles hoteles un potencial de revelar otras partes
to happen. In a simultaneous process of liberation and componentes de ella misma – como si los moteles, que
frustration, the multiple narrators act on themselves. son ambiguos e incógnitos, permitiesen ese encuentro.
En un proceso simultáneo de liberación y frustración,
las muchas narradoras se agencian.

57
O motel tem três andares. Foi permitida nossa entrada,
A escada fica no meio, tem então continuamos a subir.
quatro quartos de um lado do Ao chegar na recepção, dou de
corredor, quatro do outro. Ao cara com um espelho, que me
todo, são trinta e dois quartos. impediu de entender de imediato
onde estava e onde estaria a
pessoa que estava procurando.
Eu me vi, porém não a via1.
Pagamos o quarto.
Seguimos pelo corredor,
entramos.
Diferente da vista para o
elevado, tínhamos vista para
um fosso decadente e para a
janela do quarto vizinho, na qual
podíamos ver xampus e produtos
que indicavam alguém que se
hospedava no quarto por mais
de algumas horas.
Fiquei lá por duas horas.
Não era possível pagar por
menos. Durante esse tempo
olhei-me nos espelhos. Eles me
engavam o tempo todo, fazendo
com que eu acreditasse que
havia mais alguém ali.
Com o passar do tempo,
acomodei-me. Quase dormi.
O som próximo do abrir e fechar
das outras portas no corredor
não me perturbava mais, pois
agora eu já conseguia reconhecer
de onde vinha.
Começamos a explorar nossa Conforme os frequentamos,
relação com o ambiente. nos revelamos múltiplas. A cada
Buscando maior conforto, experiência, elas se fizeram
tiramos nossas roupas. Embora mais presentes.
nos conhecêssemos há muitos
anos, nunca havíamos ficado
em um espaço tão restrito,
tão próximas da nudez
uma das outras.
Acordei. Agora também a vejo
deitada, olhando para mim
como se eu fosse um reflexo.
Percebo então que estou presa
à superfície espelhada daquele
quarto. E que de fato sou seu
reflexo. Ela segue seu dia e
eu espero a próxima ressaca
para me despertar.
Eu e ela parecíamos gostar
bastante. De jeitos diferentes.
Ela talvez mais virtualmente.
Começamos a nos movimentar
do mesmo modo. Um sussurro
do espelho me deixa mais
animada. Ao meu redor todas
pareciam gozar.
Notas
1. Em seu ensaio “O Estranho”, Freud menciona uma
situação em que viajava de trem e uma freada brusca
fez com que a porta do banheiro se abrisse. Na porta,
havia um espelho que refletiu o próprio Freud, dando-
lhe a impressão que um outro senhor havia entrado na
cabine em que estava.

Referências
Cavalcanti, Lauro; Guimaraens, Dinah.
Arquitetura dos Motéis Cariocas: espaço e
organização social. Rio de Janeiro:
Espaço, 1982.
Colomina, Beatriz. The Split Wall. In:
______. Sexuality and Space. Nova Iorque:
Princeton Architectural Press, 1992.
Freud, Sigmund. O Estranho. In: Obras
Completas de Freud, vol XII. São Paulo:
Imago Editora, 2006.
Na saída, ele bateu os olhos Kafka, Franz. A Metamorfose. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
no meu tripé. Emputecido,
Lispector, Clarice. A paixão segundo G.H.
perguntou: — Que merda é essa?
Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2009.
Percebi que aquela era minha
Mulvey, Laura. Topographies of Mask and
quebra de contrato. Que não Curiosity. In: Colomina, Beatriz. Sexuality
éramos mais bem-vindas ali. Na and Space. Nova Iorque: Princeton
última vez, gozei acompanhada. Architectural Press, 1992.
Agora, gozo de uma saída Preciado, Beatriz. Pornotopía: Arquitectura
y Sexualidad en “Playboy” durante la guerra
solitária. Foi como um coito
fría. Barcelona: Editorial Anagrama, 2010.
interrompido. Algumas de
Sontag, Susan. On Photography. Nova
nós não se desprenderiam Iorque: Penguin Classics, 2002.
das toscas paredes. Stevenson, Robert Louis. O médico e o
Monstro. São Paulo: Editora Paz e
Terra, 1995.
Vidler, Anthony. The Architectural Uncanny.
Cambridge, Massachusetts: The MIT
Press, 1992.

Sobre A autora
Arquiteta e urbanista graduada pela
Escola da Cidade em 2017.
marianrvb@gmail.com

77
ARTIGO

Arquitetura da liberdade: a experiência


do comum
Marcella Arruda

Orientadora: Profa. Dra. Marina Mange Grinover (Escola da Cidade).


Pesquisa: Trabalho de Conclusão de Curso, Escola da Cidade, 2016.

O presente trabalho especula como o urbanismo rodoviarista e abandonado pela


arquiteto pode participar da retomada cidade formal. A partir da prática projetual
do espaço público, projetando um espaço tática, na relação com os atores e pautada
livre aberto a significações e em constante pela reflexão-em-ação, o projeto buscou
transformação a partir dos atores que responder ao que seria uma arquitetura da
dele se apropriam. O recorte foi o baixio liberdade e qual o papel do urbanista diante
do Viaduto Júlio de Mesquita Filho, em da construção da mínima infraestrutura
São Paulo: um terreno vago, resultante do para emergir o espontâneo.

Palavras-chave: comum; vazios urbanos; liberdade.

Architecture of freedom: the experience Arquitectura de la libertad: la experiencia


of the common del común

The present work investigates how the architect can El presente artículo aborda la forma como el arquitecto
participate in the reclaim of public space, projecting puede participar en la retomada del espacio público,
a free space open to meanings, and constantly proyectando un espacio libre, abierto a significaciones,
transformed by the actors that appropriate it. The en constante transformación por los actores que de él
framework was the underpass of Júlio de Mesquita se apropian. El recorte fue el viaducto Júlio de Mesquita
Filho, in São Paulo: a terrain vague, resulting of Filho, en São Paulo: un terreno vacío, resultante del
car-oriented urbanism and forgotten by the formal urbanismo vial y olvidado por la ciudad formal. A
city. Through the tactical project practice, in relation partir de la práctica proyectual táctica, en relación con
to the actors, and oriented by the reflection-in-action, los actores y pautada por una reflexión en acción, el
the project aims to answer what would be a freedom proyecto buscó contestar lo que sería una arquitectura
architecture would be and what is the role of the de la libertad y cuál es el papel del urbanista delante de
urbanist in the construction of minimal infrastructure la construcción de la mínima infraestructura para que
from which emerges the spontaneous. emerja el espontáneo.

Keywords: common; terrain vagues; freedom. Palabras clave: común; terreno vacío; libertad.

79
1. Introdução haver dispositivos que permanentemente Para a criação de um espaço assim, A partir dessa relação se constrói um
redefinam seu conteúdo. é necessária uma “situação efetiva de significado compartilhado: afeto. Uma
Assim como a arquitetura da liberdade1, A arquitetura da liberdade só existe na abertura da discussão” (NEGRI, 2005), gestão compartilhada baseada no convívio
este trabalho busca abrir um espaço a ambiguidade: é o paradoxo, o um e o muitos, dando voz a grupos que de outra forma cotidiano, no fortalecimento de vínculos;
ser ativado e preenchido por significações o lugar de encontro entre o estabelecimento seriam mantidos invisíveis, e na qual as e uma atuação baseada na integração,
e subjetividades múltiplas. Apresenta-se de limites (que controlam, definem e formas de operar se fazem enquanto se inclusão, relação com as pré-existências,
como um ensaio: um suporte para outras repetem) e a quebra deles (o indeterminado, opera. Tal metodologia constitui uma que se manifesta através de uma
reflexões; uma estrutura que se transforma o espontâneo, o inesperado, o livre) (SANTI, maneira de pensar o urbanismo a partir reflexão em ação. Praticar democracia na
a cada leitura; um texto-convite à sua 2010). Libertar o usuário do espaço de do conceito de tática de Michael de contemporaneidade seria talvez retomar
apropriação e ressignificação. Como um comportamento de mera repetição, Certeau (1994). Discute-se, assim, a o conceito da ágora2, espaço vazio onde
afirma Duarte (2016): “O ensaio não significa fomentar um comportamento construção de uma arquitetura que há encontro entre corpos dispostos a
esgota totalmente o conhecimento de livre (portanto, autônomo, participante não trabalha somente a partir da redefinir seus limites pessoais e negociar
seu objeto nem o cria a partir do nada, e co-responsável) e os agenciamentos matéria perene (constituída pela mínima constantemente o espaço comum. E
mas o faz aparecer por um ângulo novo decorrentes desta ativação. Pressupõe- infraestrutura para fomentar tais usos), depois de retomado, proteger este
ou instigante”, a indeterminação do se, assim, a necessidade do diálogo e mas das forças e movimentos que espaço dos valores e lógicas da cidade
ensaio instiga um imaginário porvir. da relação: a experiência do comum se qualificam-na como espaço imantado neoliberal, garantindo a manutenção
Para realização desse trabalho mostra como uma forma de construção (como definido por Lygia Pape no trabalho de um território político fluido, um lugar
partiu-se do espaço existente, seus dessa arquitetura, dos agenciamentos de mesmo nome em 1968), como vazio praticado em permanente transformação,
elementos e fluxos, para imaginar entre singularidades. Além de um espaço magnetizado – ativado por elementos, feito e refeito a cada relação, no qual as
relações distintas e intensidades que físico vazio, aberto à apropriações dispositivos, corpos e práticas diversas pessoas participam do desenho e da gestão
existem em potencial. O processo se coletivas, é fundamental que se construa em tensão permanente. A partir da cotidiana do espaço; onde há garantia do
desenrolou a partir de ensaios de formas um imaginário espaço simbólico-psíquico presença e da vivência do espaço, pode-se direito à cidade a todos e todas.
livres de relacionar o corpo e a cidade, de pertencimento, de identificação, de compreender a complexidade de fluxos Diante de uma conjuntura de crise
decodificando-as para extrair um novo reconhecimento e autonomia. que nele operam e redinamizá-los, propor política, falta de reconhecimento cidadão,
território, mantendo, no entanto, seus Para que de fato se sustente esse espaço novos elementos e, portanto, outros ineficácia do sistema de representatividade
limites. E é dentro deste contexto de de liberdade é preciso que nenhum ator ou movimentos – possibilitando um constante e esvaziamento do real significado de
limites, ambiguidades e indefinições lógica de operação tenha maior peso do que rearranjo da maneira como o espaço opera democracia, emerge de maneira sincrônica
que este trabalho se situa. os demais ou se fixe em lugar de dominância. a partir do corpo e do afeto. um desejo por participação dos processos
Para experienciar um espaço livre É por excelência um espaço de equilíbrio de construção e gestão dos espaços
é necessário que não haja regras e dinâmico, território fluido, feito e refeito A propriedade comum não passa públicos. Uma busca pelo direito que “não
limites rígidos, nem formas de controle a partir de negociações e agenciamentos simplesmente pelo Estado, passa pelo é simplesmente o direito ao que já existe
pré-estabelecidas; mas sim um campo constantes, da oscilação entre padrões exercício que as singularidades fazem na cidade, mas o direito de transformar
indeterminado, com uma estrutura mínima de comportamento, no qual valores como desse espaço comum, pela maneira a cidade em algo radicalmente diferente”
aberta para apropriações múltiplas. É heterogeneidade, mistura e diversidade são de exercer esse espaço comum. [...] O (HARVEY, 2011). A dificuldade na relação
necessária uma arquitetura aberta para cultivados (o contrário do que normalmente comum é sempre construído por um com a esfera pública, enraizada social e
a transformação e para o movimento: ou vemos no status quo: monocultura, reconhecimento do outro, por uma culturalmente, vem se transformando
que a própria estrutura seja mutável ou, homogeneidade, hierarquia, controle, regras relação com o outro que se desenvolve nos últimos anos no Brasil. A noção de
então, que dentro de seus limites possam definidas a priori das situações). nessa realidade. (NEGRI, 2005, p.6). ágora passa a fazer sentido.

fig. 1: fig. 2:
Vão livre do baixio do Viaduto Júlio de Mesquita Filho com a presença das infra-estruturas de morar. Baixio Libertas (Viaduto Júlio de Mesquita Filho), antes da derrubada dos muros.
Fotomontagem da autora. 2016. Imagens Google. Acesso em: ago. 2016.

80 81
O recorte escolhido para investigar social, cultural ou educacionais” (EDITAL partir dos afetos, mas que também busca táticas, procedimentos e abordagens
essas questões foi o baixio do Viaduto de Concorrência Pública: Processo proteger o que é comum. possíveis para uma leitura crítica e
Júlio de Mesquita Filho, na altura da Rua Administrativo nº 2015-0.087.205-5, p.4). A primeira seção “O pensamento propositiva acerca da construção de
Major Diogo, no Bixiga, centro de São Conveniência ou convivência? da arquitetura da liberdade” realiza espaços comuns e democráticos.
Paulo. Por muitos anos, o espaço público Atuando a partir de um protocolo muito uma revisão teórica do tema abordado,
permaneceu esquecido pela cidade formal, recorrente na reativação e revalorização inserindo a pesquisa no contexto geral do
no entanto historicamente passou por de áreas urbanas pelo poder público, pensamento da arquitetura e urbanismo 2. O pensamento da arquitetura
um processo de disputa de imaginário e que terceiriza ao capital a gestão desses contemporâneos e evidenciando a da liberdade
apropriação – sutil porém existente. Um espaços da cidade, privatizando-as, criando relevância e a atualidade da discussão. Para
intervalo no tempo e no espaço, o baixio usos exclusivos e gentrificando a região, que o estudo sobre o comportamento e Nesta seção realiza-se um aprofundamento
(parte inferior do viaduto) se configura o edital propunha repetir uma atuação espaço livre fosse desenvolvido de maneira crítico sobre como a arquitetura foi
como uma área de imprevisibilidade, sem histórica: o ato de passar a tabula rasa, ampla porém igualmente aprofundada, historicamente estruturada enquanto
funções determinadas. Afinal, nasceu como de ignorar os usos e atores antes presentes foram criadas relações no campo expandido disciplina, com o objetivo de descortinar
resto, sem um propósito. É um espaço não no lugar, trazer o novo, “revitalizar”. Além da arquitetura e urbanismo, mobilizando possíveis referências para projetos abertos
produtivo, que escapa do funcionamento disso, abrir as portas para a especulação noções como terrain vague de Solá que possibilitem a mudança e instiguem
e do controle da cidade-global, operando imobiliária, deixando de garantir a função Morales, apropriação de Guilherme Wisnik, a apropriação e o comportamento livre
sob outras lógicas – e apropriado por social deste espaço, originariamente público. comportamento livre de Hélio Oiticica, de seus usuários. Diante da concepção
atores que se favorecem dessas condições. Após nenhuma inscrição e forte pressão dos arquitetura-suporte de Igor Guatelli, e da arquitetura como sendo pautada
Por essas razões, o baixio Libertas se atores da sociedade civil organizada, houve a ideia de liberdade materializada nos pela organização, codificação, controle
mostrou o espaço ideal para estudar na o cancelamento do edital. projetos de Lina Bo Bardi3. e determinação do espaço, exercitou-se
prática a “arquitetura da liberdade e a O que se coloca em questão não é a A seção intitulada “A experiência do pensar uma arquitetura que descondiciona,
experiência do comum”. Trata-se de um requalificação urbanística e paisagística comum: tática como estratégia projetual” que seja um suporte para usos espontâneos
espaço em suspensão; um território em do espaço, porém os processos pelos aborda a metodologia de pesquisa, diversos, uma estrutura para possibilitar
diálogo constante entre diferentes atores e quais essa transformação pode se dar. É relatando um panorama do processo variações múltiplas. Desenhar o vazio,
desejos, aberto, sem protocolo de controle fundamental ir além do modelo de delegar e detalhando os procedimentos adotados de forma a deixar emergir o indefinido, a
das relações que o habitam. É um lugar a gestão do espaço público a uma empresa em campo, os recursos mobilizados, os imprevisibilidade. Examino abordagens
de equilíbrio dinâmico, que integra em privada para sua exploração comercial. instrumentos e métodos de atuação – e matrizes que abrem espaço para a
movimento o que está separado. Porém, quais os desafios de transformar pautados na noção de tática de Michel diferença, o outro, a participação, o sujeito,
O viaduto rompeu o tecido urbano e e gerir tal espaço de maneira participativa, de Certeau e do comum de Antonio o contexto, o espontâneo (que surge do
social do Bixiga, bairro que foi habitado compartilhada entre diversos atores? Neste Negri4. A seção é assim dividida em três momento, do uso e ativação do espaço).
na sua origem pelo quilombo Saracura e processo os questionamentos se deram aspectos norteadores da abordagem, Reflexões de uma outra arquitetura que
que deixou vestígios tanto na presença da com relação a maneiras de propor uma complementares e simultâneos: buscam servir de contribuição acadêmica e
escola de samba Vai-Vai como na vivência transformação do espaço que incluísse reconhecimento das pré-existências, profissional: formas de investigar, praticar e
do corpo na rua. O bairro, que recebeu um aqueles que já o habitam, e também existência do grupo como ator do aprender projeto na contemporaneidade.
grande número de imigrantes italianos, teve o abrisse a outros atores e públicos, espaço e coexistência cotidiana com É possível dizer que a investigação do
muitos de seus casarões transformados democratizando o baixio. os demais atores do lugar. que constitui uma arquitetura da liberdade
em cortiços. Hoje hospeda muitos grupos O projeto de pesquisa foi realizado Por fim, a parte “Considerações tem sido uma linha dentro do campo
teatrais e atores culturais. Esse contexto dentro do contexto acadêmico: um trabalho finais: (r)existências” apresenta as expandido da arquitetura e urbanismo
de pulsação de vida cultural e de rua não de conclusão de curso em grupo, que conclusões do processo de pesquisa, desde 1947, com a construção do MASP
se refletia na ocupação do Baixio, espaço engajou seis outros estudantes de demais as reflexões realizadas, as dificuldades da arquiteta Lina Bo Bardi que, a partir
culturalmente desvalorizado, caracterizado anos da Escola da Cidade. O método de encontradas no processo de investigação do desenho do cheio, cria o vazio para
pela precariedade e “informalidade”, trabalho foi uma proposição de vivência e os possíveis desdobramentos das ser apropriado como lugar ativado por
habitado majoritariamente por moradores dos estudantes da práxis: um processo de estratégias de retomada dos espaços situações. Segundo Tschumi (1981),
em situação de rua. investigação que dialoga com Situated públicos e da construção do comum na “Space is not simply the three-dimensional
Em um determinado momento, o espaço, Design e Permaculture Design. Ao longo da contemporaneidade no âmbito do ensino projection of a mental representation, but it
antes esquecido e invisível, passou a ser pesquisa, investiguei como o conceito de e prática de arquitetura e urbanismo. is something that is heard, and is acted
enxergado e disputado pela cidade formal. liberdade se manifestava no Baixio Libertas, Busca-se alimentar outras perspectivas upon”, e tal abordagem, focada no uso e
Foi lançado um edital pela Subprefeitura quais as ferramentas para instigar outras teóricas em torno da coprodução da cidade ativação de estruturas, é aprofundada
da Se,́ em dezembro de 2015, que previa o apropriações e como criar um sistema ao se aproximar dos desafios presentes nos anos 1960 com os experimentos
desenvolvimento de projetos de parceria flexível que possibilite a existência de uma em processos participativos de ativação em participação no fazer artístico de
público-privada de duração de 10 anos para arquitetura da liberdade. Para explorar de espaços públicos e sua decorrente Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape, e
a requalificação urbanística e paisagística tais questões, junto ao grupo de pesquisa, gestão. As reflexões são trazidas como uma materializado na Cidadela da Liberdade
de uma área de 11,5 mil m2 embaixo do colocamos nossos corpos disponíveis abertura da discussão, uma provocação (Fábrica do Sesc Pompéia) em 1977.
viaduto. As propostas avaliadas deveriam para experienciar esses enfrentamentos, para significar outros espaços e relações. Conforme Argan (1992, p.2), em "A
compreender “o desenvolvimento de nos colocando como mais um agente O estudo do comum é então visto como História na Metodologia do Projeto", o ato
atividades de conveniência cotidiana, que negocia o espaço, interpretando-o a uma estratégia fundamental para fornecer de projetar é, em uma primeira camada,

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a análise crítica do existente. O ato de infraestruturas rodoviaristas. Estes vazios, baixa codificação, aberta, que possa ser deixa espaços vazios para que elas
projetar, como atribuir valor ao que já espaços-entre, surgem como lugar sem praticada de diversas formas. Um projeto aconteçam. (MARTUCCI, 2009, p. 14).
existe, é reconhecer o presente histórico fim, e, portanto, completamente livres, nas que cria condições para que se dê um lugar
e atuar a partir de um restauro crítico, palavras de Koolhaas (1985, s.p.): “Where praticado (DE CERTEAU, 1994), maleável Para além do projeto dessa arquitetura-
como “uma capacidade de entender there is nothing, everything is possible [...] programaticamente, que coloca limites suporte, a pesquisa percorreu um
historicamente o passado, saber distinguir the void has the meaning of a mutable para serem esgarçados; não define e caminho de vivência cotidiana do espaço
o que irá servir para novas situações stage of human life”. O vazio na cidade impõe um padrão de comportamento, mas e de proposição de práticas ativadoras
de hoje que se apresentam a vocês [...] contemporânea é traduzido no conceito convida à múltiplas apropriações, oferecendo que instigassem o imaginário do lugar,
Na prática, não existe o passado, o que de terrain vagues (SOLA-MORALES, 1995), para cada percepção um percurso possível. fazendo uso de táticas de dinamização e
existe é o presente histórico” (BARDI, 1992, territórios de incerteza e indefinição, Uma estrutura que, juntamente com as magnetização do vazio. Uma metodologia
p.61-62). No projeto do Sesc Pompéia, de movimento e oscilação constantes, práticas realizadas ao longo do processo de reflexão em ação: estar no espaço e agir
ao manter grande parte da estrutura do vazios porém expectantes, com potencial de pesquisa descritos no capítulo seguinte, em resposta a ele, deixando-se atravessar
galpão industrial existente, Lina apontou latente. Espaços esquecidos pelos circuitos instiga o surgimento de um espaço por afetos. Uma prática projetual inspirada
para uma possibilidade de atuação do de eficiência e estruturas produtivas libertário, democrático e inclusivo. nos princípios do Permaculture Design e
arquiteto na contemporaneidade: fazer da cidade global, porém promessas de na metodologia do Situated Design, que
uso da apropriação, manobra do campo da outros mundos possíveis. simultaneamente reconhecem os
arte (WISNIK, 2016), descobrir, imaginar e Desenha-se ao longo do processo de 3. A experiência do comum: tática elementos pré-existentes, propõem
materializar novas relações e significados pesquisa uma arquitetura do vazio: flexível, como estratégia projetual uma existência no espaço através do
daquilo que existe. É lançada então uma que possibilita diversos desdobramentos, corpo e coexiste no tempo com os atores,
provocação: o arquiteto que não mais significações, modos de usar e se apropriar, Em uma sociedade em que os limites criando um lugar praticado (DE CERTEAU,
projeta o espaço construído (cheio), mas em transformação por diferentes atores não são negociados, mas sim estabelecidos; 1994). Segundo Ingold (2012, s.p.):
constrói vazios, como aponta o depoimento ao longo do tempo, um suporte onde as narrativas dominantes são “Improvisar é seguir os modos do mundo
de Lina sobre a visita de John Cage ao Masp: potencializador de comportamentos do funcionalismo, eficiência, disciplina à medida que eles se desenrolam, e não
livres e criativos. “É o imutável que cria e controle; onde não há flexibilidade, conectar, em retrospecto, uma série de
É a arquitetura da liberdade! condições para a transformação, é o relação, empatia, mas sim uma cultura da pontos já percorridos.”.
Acostumada aos elogios pelo “maior vão permanente que liberta o temporário, privatização, individualização e competição,
livre do mundo, com carga permanente, como diz Bernard Leupen. E é a soma entre é preciso, além de construir espaços, 3.1. Pré-existências: lugar
coberto em plano”, achei que o esse suporte que pode ser inventado pelo(a) instigar outros comportamentos para A primeira etapa da metodologia criada foi
julgamento do grande artista talvez arquiteto(a) e os diversos momentos de criar uma arquitetura de fato livre. Neste perceber e reconhecer as pré-existências,
estivesse conseguindo comunicar aquilo sua existência, distante das mãos de quem caminho, práticas alternativas de para então dialogar com elas e
que queria dizer quando projetei o Masp: o concebeu, o que constitui a potência de retomada do espaço público vêm recompô-las de maneira a gerar outros
o museu era um “nada”, uma procura da uma arquitetura da liberdade” (MACIEL, instigando a retomada dessa noção de imaginários e narrativas. Habitando o
liberdade, a eliminação de obstáculos, a 2015, s.p.). Admite-se a ambiguidade “público” desde a crise econômica de espaço cotidianamente foi possível perceber
capacidade de ser livre perante as coisas. e a possibilidade do contradizer do 2011, pautadas no uso como proposição. os fluxos, forças e desejos se manifestando
(BARDI, 1990, s.p.). uso imaginado e do que emerge. Uma Práticas micro de arquitetura efêmera, através de demarcações no território,
arquitetura sem fim, sem utilidade centros sociais autogeridos, urbanismo elementos materiais que materializam
A transformação, a pós-ocupação e pré-determinada e que nunca está tático e iniciativas bottom-up propõe limites e estabelecem novos espaços.
a apropriação dos usuários são parte do acabada, pois se dá em experiência. uma transformação cultural a partir de Dessa forma, percebemos a necessidade
projeto, como um processo que se faz no Uma arquitetura do porvir. valores como cidadania ativa, autonomia, de um processo simultâneo, no qual nossa
tempo. No entanto, o que se propõe aqui Pensar uma arquitetura que não é de cooperação e cuidado, fomentando assim a ação no território se dê de maneira tática,
vai além de construir o cheio que evidencia propriedades, mas de capacidades, como um constituição do comum. em resposta às dinâmicas pré-existentes.
o vazio, mas sim reconhecer o vazio como acontecer. A noção de arquitetura-suporte Perceber, reconhecer, se relacionar com os
espaço potencial na cidade existente. supõe um espaço que existe à medida que Restituir à base da cultura, quer dicer limites e então tensioná-los.
Um enfrentamento com o existente: é ativado, e coexiste com as práticas que (sic) à vida quotidiana dos homens, a
transformar resíduo em potencial, tabu em o caracterizam. Qualificar o espaço-entre, consciência da força enorme da qual é A tática é movimento. Ela opera golpe
totem. Não exercer um posicionamento de maneira a unir os planos horizontais dotada a vida mesma significa redispor por golpe, lance por lance. Aproveita
modernista e utópico a partir da tábula que lá estão e criar um vazio magnetizado: (sic) essa força ao uso. Tal como por as “ocasiões” e delas depende [...]
rasa, do papel em branco, mas investir no “no vão livre, temos um vazio impregnado Lina Bo Bardi, também por Hélio Oiticia Este não lugar lhe permite sem dúvida
direito de inventar uma nova cidade a partir de possibilidades ao ser humano: o ócio, o a tarefa do artista não consiste em mobilidade, mas numa docilidade aos
do real, e através desse gesto projetual lúdico, o afeto” (PERROTTA-BOSCH, 2013, s.p.). criar objectos (sic) ou imagens fixas, azares do tempo, para captar no vôo
construir uma cidade onde o espontâneo e Espaço imantado, definido por intervenções mas de propor practicas (sic), de as possibilidades oferecidas por um
a indeterminação possam existir. sutis com elementos que incitem outras sugerir usos possíveis dos espaços instante. [...] sem lugar próprio, sem
O contexto escolhido para evidenciar práticas e deem suporte a elas. Buscou- criados, deixando-os abertos a todas as visão globalizante, cega e perspicaz,
tal questão é uma situação recorrente se então trabalhar com uma estrutura propostas por parte dos utilizadores como se fica no corpo a corpo, sem
na cidade contemporânea: os baixios de mínima que possibilitasse movimento e ou, simplesmente, dos passantes. distância, comandada pelos acasos
viadutos, espaços residuais gerados pelas transformação ao longo do tempo com Espera do público performances, do tempo, a tática é determinada

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fig. 4:
Projeto de infraestrutura mínima para despertar uma arquitetura da liberdade.
Imagem da autora, 2016.

pela ausência de poder assim como a esse movimento de abertura, dinamizando


estratégia é organizada pelo postulado o lugar, seus movimentos e imaginários,
de um poder. (CERTEAU, 1994, p.100). criando um novo tipo de espaço a partir da
presença dos nossos corpos, e evidenciando
Propõe-se um fazer arquitetônico seu caráter público. A fricção era evidente
através de outras estratégias (no caso, e despertava curiosidade e outras
táticas), metodologias e linguagens possibilidades de relação com o espaço.
diferentes dos mecanismos de participação Esse processo de reconhecimento do lugar:
convencionais e do ensino de projeto
que impera na academia contemporânea. [...] se debería convertir en una
A criação de situações se dá como uma oportunidad tanto para la calidad de los
ferramenta projetual que alimenta resultados de investigación como para
outros imaginários para o espaço, el enriquecimiento de la propia reflexión,
instiga sua apropriação e a retomada abriendo la puerta a un escenario de
de seu caráter público; envolve tentativas disolución de la dicotomía sujeto-objeto,
de mobilização através de eventos al modo en que recientemente viene
temporários que recaracterizam o lugar. intentando la teoría no representacional
Fazer emergir a potência latente no – con aportaciones concretas para el
espaço através de um corpo disponível e caso de la geografía (Thrift, 2007) y los
de uma escuta ativa: posição que oscila estudios urbanos – y la investigación
constantemente entre atenção e relação. performativa. (BUITRAGO, 2010, s.p.).

3.2. Existência: práticas As práticas poético-sensíveis de


Através de práticas corporais coletivas percepção do baixio instigavam um
realizadas semanalmente com o grupo comportamento livre, um convite à
de trabalho abriu-se um “espaço dentro biopotência, entendimento do corpo
do espaço” e foi conquistada certa como auto produção, auto poiesis,
legitimidade e confiabilidade para ocupá-lo potência de vida dentro de um sistema que
através dos vínculos criados com os o controla. Através de práticas coletivas
habitantes do lugar. Quando começaram as de expressão corporal e exploração
práticas no baixio, este era um espaço de espacial, o corpo era convidado a se
certa maneira estabelecido e homogêneo. expressar como potencialidade criadora de
Havia uma predominância do uso de diferença de transformação. As situações
espaço para morar, o que afastava demais sugeriam outros usos possíveis, abertos a
usos. Apesar de diversos grupos terem se interação dos passantes. E foi através do
apropriado do espaço ao longo dos últimos movimento dos nossos corpos no espaço
anos, cultivando esse caráter plural (como que tensionamos os limites estabelecidos,
o grupo Terreyro Coreográfico, que atou no mapeando e questionando os espaços de
espaço desde 2014 a 2016), no momento em repulsão e atração dos corpos.
fig. 3: que nos aproximamos do lugar não havia
Projeto de infraestrutura mínima nenhum grupo que estivesse utilizando 3.3. Coexistência: lugar praticado
para despertar uma arquitetura da
liberdade. o espaço com frequência. Colocamo-nos Segundo Norberg-Schulz (1980, p.30),
Imagem da autora, 2016. como mais um ator, dando continuidade a “Architecture means to visualize the genius

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a disputar o espaço, reorganizando permanência e a apropriação do espaço se
seus fluxos e elementos. Depois de um dá através da frequência, do cultivar,
processo gradual de abertura e aumento da presença; do coabitar.
da permeabilidade do espaço, o lugar, que Após o processo de pesquisa,
antes era ocupado majoritariamente por compreendeu-se que houve uma
moradores de rua, carros estacionados e transformação significativa do imaginário
por nós, em outubro passou a ser ocupado e dos usos do baixio: o objetivo de fertilizar
também por grupos de meninos e jovens o espaço, atraindo outros atores, foi de
que jogavam futebol durante a semana fato alcançado, estabelecendo no vazio
à noite e aos finais de semana, e que um espaço imantado, caracterizado por
demarcaram seu espaço pintando com relações democráticas de conflitos
tinta uma quadra no chão. e afetos. O conhecimento e a ação
fig. 5: Tal acontecimento reafirmou uma produzidos foram em direção a
Projeto de infraestrutura mínima para despertar uma arquitetura da liberdade. sequência de ações que iniciou a experiência experimentar abordagens de
Imagem da autora, 2016. do comum no baixio do Viaduto Júlio de reconhecimento do espaço e das
Mesquita. Este novo uso respondeu aos relações que o habitam (também em
nossos anseios de diversificar os usos do potencial) e caracterizam, e os métodos
loci and the task of the architect is to Através de uma postura aberta e espaço, no entanto aconteceu através de agenciar tais singularidades. A noção
create meaningful places, whereby he helps corpos disponíveis para perceber e se de uma forma agressiva com as pré- de negociação neste espaço foi levada
man to dwell. [...] His existence depends relacionar com o outro, a membrana de existências do lugar, definindo limites ao extremo, onde o efêmero e o afeto
on belonging to places”. Nesse sentido, relação tornou-se mais flexível e permeável, rígidos através do poder. O espaço, que tiveram papel fundamental.
buscamos explorar maneiras de criar possibilitando a criação de um campo antes era de certa forma homogêneo,
experiências significativas, que produzam empático e íntimo. A frequência de uso agora havia sido dinamizado. Os
identificação e reconhecimento com o sustentou essa conexão, promovendo movimentos se transformaram juntamente 4. Considerações finais:
espaço, com a cidade e despertem um convivência e confiança, tecendo relações e com os códigos e limites. No entanto, às (r)existências
sentimento de pertencimento, que por sua tornando as negociações e agenciamentos custas do quê? Expulsando os que lá viviam
vez se manifesta no cuidado com o lugar. mais flexíveis – ou pelo menos, mais sinceros e ameaçando-os pelo bem do “coletivo”? Devemos pensar a resistência em sentido
Entende-se que para reclamar a esfera – e com maior possibilidade de diálogo. Além Que coletivo é esse do qual se exclui o positivo, ou seja, como uma ação criativa,
pública não basta criar um espaço, mas disso, percebemos que para estabelecer outro? Como demonstrar a necessidade uma ideia emancipadora, questionadora,
também é preciso alimentar seu imaginário, essa boa relação foi fundamental a de tolerância e respeito? potencializadora de diferenças, “[u]ma
seu caráter comum, através de elementos abordagem de uma aproximação de peito Diante disso, se tornou clara a diferença profunda, conceitual, capaz
que produzam novas relações e afetos. Para aberto, feita sem roteiro ou expectativa, necessidade de demonstrar os limites de alterar ou expandir de maneira muito
isso, além das práticas corporais coletivas, para uma delimitação momentânea de um para tal ocupação, dinamizar os fluxos do significativa nossa compreensão sobre
realizamos eventos no baixio buscando espaço para o encontro e para o inesperado, espaço novamente na tentativa de negociar algo existente” (GUATELLI, 2008, s.p.).
nos aproximar dos atores do espaço para as relações. A partir de um convite o espaço, buscar o equilíbrio – impedir Acredita-se que tais práticas em
(existentes e potenciais), articulando o em linguagem acessível e de uma estética sua privatização, fixação e definição. escala micro constituem por si só
tecido social rompido com a construção do do familiar (falar a mesma língua), com Através da nossa presença no espaço e da meios de resistência.
viaduto e despertando as pessoas para as elementos de um certo imaginário coletivo, articulação com outros atores do bairro,
potências do espaço. Através de situações com signos já assimilados, foi possível reafirmamos a necessidade de coexistir no São ações moleculares, que atuam
de caráter efêmero, buscamos engajar uma construir momentaneamente espaços de espaço. Em sequência, o grupo do Terreyro nas frestas e interstícios do tecido
multiplicidade de atores para exercitar troca e de afeto. Pensando nisso, realizamos Coreográfico voltou a frequentar o espaço, urbano espetacularizado, mas que
um espaço de coexistência e tolerância: os eventos como cafés da manhã, sambas de desenvolvendo um conjunto de atividades podem representar importantes
moradores do próprio Baixio, as crianças roda, jogos de xadrez humano etc. e colocando-se como mais uma força pontos de partida para novos
de escolas próximas, moradores e grupos de disputa do espaço. entendimentos do espaço enquanto
culturais do bairro etc. The events were particularly successful Percebeu-se então que o espaço de corpo vivo a ser impresso e modificado
Para construir tal espaço heterogêneo in getting people to meet, overcome the participação e construção coletiva do pela ação humana de forma colaborativa
e inclusivo, foi necessário o “redesenho das stultifications of shyness, begin to baixio não funciona através de canais e participativa, na constituição de
condições participativas no processo de listen to one another, and build and formais e institucionalizados, mas ações micropolíticas que englobem
formulação da vida pública” (RENA, 2015, transmit excitement. [...] These events em embates in situ, corpo a corpo, o espaço urbano numa construção
p.168), baseado essencialmente nas relações provided a space for a range of people atuando sobre o lugar em tempo real, comum. (RENA, 2015, p.169).
cotidianas. Conhecer as pessoas, inventar from many different backgrounds to simultaneamente a outros atores e forças.
e sustentar certa intimidade (DUNKER, 2016) experience being-in-common. (GIBSON- A gestão do espaço se dá de maneira Ao longo de seis meses de pesquisa, foi
e agenciar tais públicos e limites do GRAHAM, 2003, p.24). autônoma, em escala micro, próxima da feito do espaço do baixio um laboratório:
espaço in situ foram ferramentas de vida cotidiana, escapando de lógicas de ensaio em processo, espaço de teste
um urbanismo sutil e de uma prática de Após três meses de vivência cotidiana controle e determinação que operam e investigação, tentativa e erro. Uma
cuidado com o espaço e com o outro. no baixio, outros atores passaram também através do biopoder. A garantia da abordagem tática de experienciar com

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ser agenciadas? Como criar uma nova símbolos já assimilados pelas pessoas deste
narrativa e significado para o espaço? contexto, atraindo-as para usar o espaço.
Aqui se desdobram algumas ferramentas Trabalhar com aquilo que é estranhamente
que caracterizaram o conteúdo das familiar atrai pela proximidade, mas cria
ações, a partir de práticas comuns e dobras, curiosidade e estranhamento,
comportamentos corriqueiros, mas que leva a um outro lugar.
colaboraram para criar um campo de Por meio de tais atividades de
relação e magnetismo, como por exemplo: relação e ativação do espaço foram
pedir a vassoura emprestada para limpar criadas memórias afetivas: momentos
o espaço antes de fazer a atividade no significativos de criação de vínculos, que
bar da esquina; dar bom dia e chamar fomentaram identificação, reconhecimento
passantes para a atividade; fazer um café e pertencimento ao lugar e às pessoas. A
da manhã na rua; investigar as memórias criação de intimidade, que se deu com a
e o imaginário coletivo; fazer um samba; postura dos corpos – disponíveis, abertos
propor atividades lúdicas que instiguem para se relacionar com o diferente, com
a participação das crianças (que por sua o outro –, flexibilizou as relações, criando
vez, trazem os pais); realizar reuniões e uma outra dinâmica de negociação do
articulação com instituições próximas, espaço e seus limites. Não se pode negar
trazendo tais redes para também se que espaços de participação, construção
apropriarem do espaço (escola, centros coletiva e tomada de decisões mais formais,
culturais); realizar um evento e envolver são importantes5, porém percebeu-se
atores locais (pedir ajuda aos marceneiros que as relações informais entre tais
e serralheiros para participar da construção singularidades realizam de maneira muito
fig. 6:
da instalação, chamar comerciantes para mais efetiva essa construção. O convívio
Sarau do Baixio: prática de ativação do espaço que evidenciou o vazio magnetizado,
espaço entre imantado. vender seus produtos); realizar um encontro cotidiano entre as pessoas, que agora se
Fotografia de Antonio Carlos Silva Santos, 2016. para reunir pessoas para pensar ações para conhecem e trocam de maneira direta,
o espaço; cobrar da prefeitura a zeladoria mostrou-se ferramenta fundamental de
(limpeza, manutenção), entre outros. gestão e experiência do comum.
o corpo, propor e então entender não só de agir mais inclusiva que trabalha com A partir de tais experiências, percebeu-se O processo de investigação passou por
o impacto e a apropriação da ação, mas o programa, não determinando usos ser fundamental trabalhar com estratégias dificuldades relacionadas principalmente
como o novo elemento ressoa no espaço contínuos, porém múltiplos em diversos de comunicação e engajamento dos atores, ao engajamento dos moradores do
e cria outras dinâmicas e relações. tempos com diversos públicos – abordagem dispositivos de atração e estabelecimento bairro e outros atores, uma vez que foi
Sugere-se outra prática projetual que que exige a vivência do espaço em de vínculos para criar novas apropriações, necessário romper preconceitos culturais,
aproxima pensar e agir; que percebe e momentos diferentes e o agenciamento de sentimento de pertencimento e cidadania desconstruindo narrativas dominantes de
transforma o espaço a partir de seu próprio seus elementos e atores. ativa. Considerando que existem desejos marginalização da pobreza e da postura
corpo, mas que também busca criar algo Foi realizado um roteiro de perguntas e intenções individuais e coletivas, a do cidadão como consumidor e não como
comum, que acolha a multiplicidade de que orientou o reconhecimento das articulação do tecido social para construção coprodutor da cidade. No entanto, a
singularidades. Um projeto que dialoga pré-existências e das camadas a serem do comum se pautou a partir da relação aproximação destes outros atores (como
essencialmente com as pré-existências: agenciadas: Quais as maneiras de se afetiva cotidiana e de ações que instigaram os treinadores de futebol) mostrou ser
não constrói do terreno limpo, mas se relacionar com as pessoas e com o espaço? sua aproximação, magnetizando o espaço. fundamental fomentar dinâmicas de
apropria de terrain vagues, espaços O que pode e o que não pode em termos Reconheceu-se o afeto como projétil, cooperação e respeito pelo espaço do
residuais existentes e os ressignifica a partir de comportamento? Qual o imaginário e as imaginação de futuro que atravessa o outro: a construção de práticas de
de intervenções pontuais (infraestrutura sensações que habitam esse espaço? Quais espaço e o tempo, articulando pessoas liberdade, resistir ao discurso do ódio, da
mínima que qualifica o vazio). as memórias e imaginário coletivo que o em seu lançamento. Para além disso, a violência, da competição e da privatização.
Através da arquitetura da liberdade, caracterizam? Qual a relação que diferentes afirmação e comunicação do espaço Após a constituição desta zona
do desenho da mínima infraestrutura que pessoas do bairro têm com esse lugar? como sendo vazio, livre e aberto a múltiplas autônoma temporária perguntou-se:
possibilita diversas apropriações, e da Quais os elementos materiais que definem apropriações convida à aproximação como sustentar este movimento? É
sugestão de práticas e usos alternativos limites e apropriações? Quais os territórios de atores e usos diversos. No entanto, interessante perceber que após a pesquisa
do espaço, admite-se a ambiguidade de se proibidos, limites e lógicas invisíveis? não garante essa avizinhação. Por isso, ter terminado, em maio de 2017, foi
colocar no lugar de propositor-universal- O que atrai e o que repele diferentes outra tática foi fazer uso de dispositivos realizada a primeira reunião institucional de
comum e ator-sujeito que cria regras e pessoas a usarem este espaço? Quais ativadores, como música, comida, abrigo moradores e atores do bairro para discutir
propõe comportamentos, mas também os interesses e desejos que as pessoas (atividades que se relacionam com práticas a gestão do baixio Libertas, com pessoas
incita a liberdade para subvertê-los. A têm para esse espaço? Como cada um da cultura local); e o uso de uma linguagem de iniciativas diversas (grupos artísticos,
contradição é visível no contraponto poderia se apropriar deste espaço (a partir acessível e de uma estética do familiar, treinadores de futebol, músicos do
do desenho diante do lugar praticado do olhar de necessidades e potências)? trabalhando com elementos que habitam maracatu, representante do jornal do bairro
independentemente. Busca-se uma maneira Quais as singularidades que poderiam o imaginário coletivo, usando signos e etc. Durante a reunião, foi formado um

90 91
ações e articulações. Salvador: EDUFBA, 2010. MARTUCCI, Elena. Um caminho de liberdade.
grupo gestor diverso e plural, com corpos
Docomomo, 2009. Disponível em: <www.
sobre a autora
disponíveis e empáticos, reafirmando BUITRAGO, Álvaro. Urbanismo, biopolítica,
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a dinamização e fertilização do espaço
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ao longo deste tempo de trabalho e
desdobrando caminhos de continuidade CF+S, Sevilla, 44, p.41-49, 2010. MIRANDA, Danilo Santos de. Cidadela da marcella_arruda@hotmail.com
deste movimento. CORSINI, Leonora. Biopolítica, biopoder, Liberdade. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.
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sensível do espaço e seus atores, e o uso biopoder-e-o-deslocamento-das-multidoes- Internacional Capitalismo Cognitivo
cotidiano (práticas na escala micro), entrevis- ta-especial-com-leonora-corsini>. – economia do conhecimento e da
podem de fato contribuir para Acesso em: ago. 2016. constituição do comum. Tradução de
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DE OLIVEIRA, Olivia. Lina Bo Bardi: obra OITICICA, Hélio. The sense pointing to a new
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construída. Barcelona: Gustavo Gili, 2002. transformation, 1969, doc. no. 0486.69, p.4.
Uma ferramenta possível para garantir
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entre as singularidades sejam definidos DUNKER, Christian. Vida pública, vias arquitetura-dos-intervalos-por-francesco-
pelas formas de operar vigentes no privadas e a erosão da intimidade. São perrotta-bosch/>. Acesso em: set. 2016.
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dunker>. Acesso em: out. 2016. possibilidades de constituição do
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Notas the local. Rethinking Marxism, 15, 2003. comum, 2015 p.169. Disponível em:
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de curso em 2016. GUATELLI, Igor. Entrevista 035.01. mf/1426309376Revistacompletan.%C2
2. A palavra "ágora" significa praça principal das Vitruvius, 2008. %BA43.pdf>. Acesso em: ago. 2016.
antigas cidades gregas, local em que se instalava o
mercado e que muitas vezes servia para a realização HARVEY, David. Direito à Cidade. 10 out. SANTI, Marina. Improvisation: between
das assembléias do povo; [...] era também um centro 2011. Disponível em: <edisciplinas.usp. technique and spontaneity. Newcastle upon
religioso (HOUAISS, 2009).
br/pluginfile.php/272071/mod_resource/ Tyne: Cambridge Scholars, 2010.
3. Ver mais em: SOLA-MORALES, 1995; WISNIK, 2016;
OITICICA, 1969; GUATELLI, 2008; BARDI In: RUBINO, Silvana; content/1/david-harvey%20direito%20a%20
SOLA-MORALES, Ignasi de. Terrain Vague.
GRINOVER, Marina (org.), 2009. cidade%20.pdf>. Acesso em: 15 set. 2014.
Extrato publicado em "Anyplace".
4. Ver mais em: DE CERTEAU, 1994; NEGRI, 2005.
HEIDEGGER, Martin. Building dwelling Cambridge, MA: MIT Press, 1995.
5. Inclusive, propusemos o Fogo do Conselho, encontro
para reunir pessoas interessadas em participar do
thinking. In:______.Poetry, language,
SPERLING, David. Corpo + Arte =
processo de gestão compartilhada do baixio. thought. Nova Iorque: Harper Perennial
Arquitetura. As proposições de Hélio
Modern Classics, 2013.
Oiticica e Lygia Clark. Revista do Fórum
INGOLD, Tim. Horizontes Antropológicos. Permanente, 2006.
Referências Porto Alegre, ano 18, n.37, jan./jun. 2012.
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Berenstein (Eds.). Corpocidade: debates, home/post/1170>. Acesso em: set. 2016. hoje>. Acesso em: nov. 2015.

92 93
ensaio

Direito à cidade: táticas de convivência


Natalia Gonçalves dos Santos

Orientadora: Profa. Dra. Eneida de Almeida (Universidade São Judas Tadeu).


Pesquisa: Trabalho Final de Graduação, Universidade São Judas Tadeu, 2017.

Abordar a cidade contemporânea com as práticas de ocupação do espaço e


suas complexidades e frequentes disputas intervenções em microescala, explorando as
físicas e sociais requer compreendê-la possibilidades da arquitetura efêmera e do
como uma cidade em movimento, em urbanismo tático. Considerando que essas
constante mutação. Para tanto, este texto iniciativas abrem oportunidade para uma
apresenta as reflexões que deram suporte abordagem mais humanizada do ambiente
para o desenvolvimento de um Trabalho urbano, permitindo ainda a participação da
Final de Graduação (TFG), juntamente com população, é seguro dizer que tais práticas
os experimentos de projeto apresentados participativas possibilitam uma nova
na forma de instalações temporárias forma de pensar a cidade, promovendo a
propostas para áreas destinadas a usos integração da sociedade com a construção
diversificados, situadas no espaço público dos seus espaços públicos e fomentando a
do Bairro da Luz. Foram priorizadas vida urbana em sua dimensão cotidiana.

Palavras-chave: cotidiano; urbanismo tático; espaço público.

Derecho a la ciudad: tácticas


The right to the city: tactics of coexistence de la convivencia

Addressing the issue of the contemporary city, Abordar la ciudad contemporánea con sus
its complexities and frequent material and social complejidades y frecuentes diferencias físicas y sociales
disputes, requires an understanding of it as a city requiere entenderla como una ciudad en movimiento, en
in movement, constantly changing. Therefore, this constante mutación. Para tal fin, este texto presenta
text presents the reflections that supported the las reflexiones que dieron base para el desarrollo de un
development of a undergraduate research, as well Trabajo de Conclusión de Curso, junto a los experimentos
as the project experiments presented as temporary de proyecto presentados en la forma de instalaciones
installations proposed for areas in the public space of temporales propuestas para las áreas destinadas para
Luz neighborhood, in São Paulo. Aimed at diverse uses, diferentes usos, ubicadas en el espacio público del
focusing on the microscale interventions and in the Barrio de la Luz. Fueron priorizadas las prácticas de
practices of occupation of space, through the possibilities ocupación del espacio e intervenciones en microescala,
of ephemeral architecture and tactical urbanism. explorando las posibilidades de la arquitectura efímera y
Whereas these initiatives open the opportunity for a del urbanismo táctico. Considerando que esas iniciativas
closer approach to the urban environment, allowing the abren oportunidad para un abordaje más humanizado
participation of the population, it is safe to say that such del entorno urbano, permitiendo la participación
participatory practices enable a new way of thinking the de la población, es seguro decir que tales prácticas
city, promoting the integaration of the society with the participativas permiten una nueva forma de pensar la
construction of its public space and instigating urban life. ciudad, promoviendo la integración de la sociedad con la
construcción de sus espacios públicos y fomentando la
Keywords: daily life; tactical urbanism; public space.
vida urbana en su dimensión cotidiana.

Palabras clave: cotidiano; urbanismo táctico;


espacio público.

95
Numa cidade de muros e enclaves o deslocamento do pedestre na cidade, funcionalistas que dominaram a essa transformação depende do exercício
como São Paulo, carente de serviços articulado à permanência –, tornando-se, arquitetura do século XX, caminhando para de um poder coletivo para remodelar os
básicos e de áreas verdes, a cultura do então, o elemento central desse projeto. uma alternativa que permita lidar com processos de urbanização. A liberdade
medo prospera proporcionalmente ao Já o conceito de habitar aqui empregado estratégias peculiares e pontuais. de fazer e refazer as nossas cidades, e
abandono do espaço público, considerado é amplo, equivale ao exercício de uma a nós mesmos, é, ao meu ver, um dos
perigoso. Nesse contexto, as iniciativas capacidade humana conectada à É apenas com muita relutância que nossos direitos humanos mais preciosos
dos coletivos criam uma nova perspectiva memória, instaurada a partir da própria se admite associar a inutilidade à e ao mesmo tempo mais negligenciados.
de transformação no futuro da cidade: vivência que possibilita transformar arquitetura. [...] a necessidade social (HARVEY In: REVISTA PIAUÍ, 2013).
possibilitam ampliar as discussões além de o espaço geométrico, abstrato, da arquitetura reduziu-se a sonhos e
revigorar as práticas cotidianas, capazes de indiferenciado, em lugar inseparável da utopias nostálgicas. A “salubridade das É importante, em primeiro lugar,
reverter o esvaziamento do espaço público experiência da vida comum participativa. cidades” hoje é ainda mais determinada entender que a proposta de novas
e de se contrapor tanto à segregação “Só há lugar quando frequentado por pela lógica da economia do uso do solo, dinâmicas urbanas pode amparar a
socioespacial, quanto à discriminação dela espíritos múltiplos, ali escondidos em enquanto “a boa ordem da vida civil” é possibilidade de reaver dois direitos
decorrente (ALMEIDA; MAZIVIERO, 2017). silêncio, e que se pode ‘evocar’ ou não. quase sempre a ordem dos mercados fundamentais: a rua e a moradia. Embora a
Após atravessar um processo de Só se pode morar num lugar povoado de privados. [...] É certo que a arquitetura proposta aqui apresentada esteja voltada
crescimento acelerado, São Paulo lembranças [...]” (CERTEAU, 2014, p. 189). encontrará meios de salvar sua natureza ao espaço público, sua plena realização
tornou-se uma cidade cindida territorial O trabalho apresentado tem, portanto, peculiar, mas somente o fará onde se está vinculada à presença de habitações na
e socialmente, por conta da disparidade como campo de estudo, táticas de questionar, e negar ou romper com a área do entorno. Essa seria uma condição
na distribuição de renda e no acesso aos convivência que possam reanimar o forma que a sociedade conservadora essencial para a alteração da dinâmica de
bens de consumo. Os planos e práticas cotidiano de algumas áreas centrais da espera dela. Afinal, se a arquitetura é usos, que pudesse propiciar maior vitalidade
herdadas da experiência utópica moderna, cidade. Nessa perspectiva, a conexão inútil, [...] essa mesma inutilidade poderá à trama da vida coletiva, na medida em
ou mesmo as ações neoliberais das últimas entre mobilidade e permanência como ser sua força em qualquer sociedade que se reforçaria o tecido social, o que
décadas, nessas circunstâncias, mostram- ações complementares interliga-se à onde prevalece o lucro. Mais uma vez, intensificaria uma teia de sociabilidade nas
se incapazes de conter, minimizar ou temática do direito à cidade, que se mostra se nos últimos tempos há motivos para imediações, estratégia de contraponto ao
contrapor-se a esse quadro adverso. essencialmente relevante para as inúmeras duvidar da necessidade da arquitetura, esvaziamento do espaço público.
Centro e periferia sofrem dos mesmos possibilidades esboçadas a seguir. Sendo então a necessidade da arquitetura pode O direito à moradia é garantido pela
males marcados pela presença expressiva assim, para problematizar o uso do muito bem estar em sua desnecessidade. Organização das Nações Unidas (ONU), por
de espaços residuais, decorrentes de espaço público da área central da cidade (TSCHUMI, 1978, In: NESBITT, 2013, p.578). meio da Declaração dos Direitos Humanos
intervenções descontínuas, que deixam e a relação dos corpos atuantes nela (1948) e, no Brasil, pela Constituição
à margem trechos em estado de chegamos ao bairro da Luz. Tschumi sugere a oportunidade de Brasileira (1988) através do Estatuto da
suspensão. Desprovidos de investimentos Inserir-se nessa região valida a examinar posturas potencialmente Cidade (2001). Este último reconhece o
e manutenção, desvalorizados pelo necessidade de compreender que espécie compatíveis com o caráter fragmentário direito à moradia como parte do direito
mercado imobiliário, esses territórios de objetos, ou instalações, poderiam dos atuais territórios metropolitanos à cidade, assim como às infraestruturas
são considerados inóspitos, inseguros, engendrar transformações sutis, de modo rompendo com as lógicas organizativas urbanas, como terra, saneamento e
favorecendo as percepções subjetivas a atender às solicitações das pessoas utilitárias e rentáveis, de modo a influir transporte – compreende-se, portanto,
que os consideram “terra de ninguém”, não que circulam e habitam aquele lugar. tanto nas formas de organização territorial, que para garantir de forma plena esse
só amplificando o medo, mas tendendo a Trata-se de readquirir o domínio sobre o quanto nos sistemas de ordenação direito, a moradia deve estar inserida num
banalizar e interiorizar comportamentos território ao exercitar um deslocamento institucional, o que implica necessariamente contexto que propicie tal condições.
violentos (ZALUAR, 1991). que não tem a ver com automatismos a revisão de conceitos e métodos que Entretanto, a atual oferta de
Dado esse cenário, o presente estudo dos trânsitos utilitários do tipo casa- orientam a prática tradicional da moradia aos setores de menor renda
pretende se inserir na discussão do trabalho, casa-escola, trabalho-escola, arquitetura e urbanismo. encontra-se em situação deficitária.
Direito à Cidade (LEFEBVRE, 2001) e seus mas sim recuperar um caminhar que De acordo com o Instituto Pólis, essa
possíveis desdobramentos, abordando os instaura vínculos com os lugares por precariedade é resultado de um modelo
modos de construção da cidade e suas onde se transita. Assim, entender que as Direito à Cidade de desenvolvimento econômico e político
transformações, buscando referências pessoas, e consequentemente o ambiente desigual adotado pelo país há décadas,
situadas num campo de revisão crítica urbano, estão em constante movimento foi Saber que tipo de cidade queremos é que perpetua a concentração de renda
do pensamento moderno. determinante para a escolha do tipo uma questão que não pode ser dissociada e “faz prevalecer o interesse privado e
Tomando de empréstimo as palavras de intervenção a ser desenvolvida, que de saber que tipo de vínculos sociais, a obtenção de lucros em detrimento
de Michel de Certeau, o trabalho em visa resgatar o interesse público na relacionamentos com a natureza, estilos dos interesses público e coletivo” (2012,
questão “consiste em sugerir algumas área, assumindo seu caráter como um de vida, tecnologias e valores estéticos p.06). Esse modelo vigente de oferta de
maneiras de pensar as práticas cotidianas lugar de passagem, mas, ao mesmo nós desejamos. O direito à cidade é moradia popular dificulta que a maioria da
[...], supondo, no ponto de partida, que tempo, explorando seu potencial como muito mais que a liberdade individual população adquira sua casa nas condições
são do tipo tático. Habitar, circular, falar, um local de permanência. de ter acesso aos recursos urbanos: é oferecidas pelo mercado, sendo, então,
ir às compras ou cozinhar [...]” (CERTEAU, Para tanto, a pesquisa é endereçada às um direito de mudar a nós mesmos, necessário o papel do Estado de garantir
2014, p. 97). O conceito de circular remete referências de projeto que se distanciem mudando a cidade. Além disso, é um uma política pública que assegure o acesso
à mobilidade – aqui considerada como das lógicas racionalistas e das posturas direito coletivo, e não individual, já que do trabalhador à moradia digna. Mas,
ainda de acordo com o Instituto Pólis, outro A segregação urbana não só acentua
elemento dessa conjuntura é a omissão do a segregação social como produz espaços
Estado na gestão da terra urbana, “por isso vazios – geralmente espaços residuais,
é necessário que se faça bom uso da terra às margens do traçado viário, ou lotes de
existente não permitindo imóveis vazios interesse do capital privado, que espera
ou subutilizados. [...] o Estado deve ter essas áreas se valorizarem sem dar
como obrigação a gestão do uso do solo, chances de poder de compra às classes
garantindo [...] acesso à moradia para a menos abastadas.
população de baixa renda” (2012, p. 06).
Persiste no cenário atual um alto número
de famílias sem moradia. De acordo com o Experiências alternativas ao
Observatório do Solo e da Gestão Fundiária urbanismo: o urbanismo tático
no Centro de São Paulo, entre 1997 e
2004, foram ocupados 44 prédios pelos O Urbanismo Tático se apresenta como
movimentos de luta por moradia como uma importante contribuição para
forma de pressionar os órgãos públicos repensar os espaços públicos e os modos
a responderem às suas reivindicações. de vida urbanos. Diante da pouca
As ocupações são, portanto, além de atenção destinada aos espaços para
uma reação da população incapaz de pedestres – em contraponto à
acessar a moradia formal, uma estratégia valorização do espaço destinado aos
para se obter acesso à infraestrutura veículos – e dos vários espaços
urbana, valendo-se das prerrogativas subutilizados ou residuais, decorrente de
constitucionais que dispõem sobre a função transformações sucessivas da malha
social da propriedade. Essas disposições viária urbana, esse tipo de intervenção
legais prevê a desapropriação de imóveis urbana “se propõe a refletir sobre a
vacantes devedores de impostos, com o maneira de atuar na cidade e nos [...] esses tipos de proposições criativas Experiências alternativas em São
intuito de combater a ociosidade e alcançar espaços públicos para além das praças, na cidade utilizam-se de fases de Paulo: projeto Centro Aberto
uma distribuição mais equilibrada e racional parque e áreas verdes” (FERNANDES BARATA; desenvolvimento, muitas vezes com
dos usos no território. SANSÃO FONTES, 2016, p.02). uma gama de estágios temporários ao Valendo-se dessas iniciativas, em 2013 a
David Harvey (2014) aponta que a Apontando o desequilíbrio existente longo de um caminho que, com mais Prefeitura de São Paulo criou o Projeto
lógica capitalista acarretou a produção entre carros e pedestres e a presença flexibilidade, se movem em direção a Centro Aberto, que buscava transformar
das cidades atuais, resultante das de vazios na cidade contemporânea, o uma “visão final vagamente definida”, ao espaços e estruturas preexistentes no
estratégias do urbanismo neoliberal, urbanismo tático atua destacando a invés de um estado final absolutamente centro da cidade por meios de projetos que
em que as cidades se desenvolvem e se importância do papel da rua e das pronto. Pacotes escalonados de proporcionassem a ativação do espaço
transformam basicamente em função do áreas livres para o convívio social, pequenas iniciativas podem ser mais público, permitindo o que eles chamavam
lucro e a serviço das instituições privadas. intervindo através de táticas adequados para desbloquear o potencial de “atividades de celebração”, envolvendo
Consequentemente, os espaços públicos temporárias que promovam a de locais. [...] Utilizações temporárias os cidadãos com a cidade e instigando um
originados a partir desse processo são participação social (bottom-up). podem criar uma dinâmica urbana sentimento de identificação da população
os espaços segregados como os que As iniciativas bottom-up permitem e valorização de um lugar, tanto em com o Centro de São Paulo.
convivemos hoje. uma abordagem que seria improvável aspectos de sociabilidade, com de Com workshops que incluíram a sociedade
Raquel Rolnik sustenta posição nas práticas de planejamento top-down: mercado, e podem até mesmo acelerar civil atuante no centro em um processo
semelhante: a experimentação, que é uma forma de o seu eventual desenvolvimento participativo, foram criados dois projetos
abordar a complexidade das cidades “permanente” e quiçá de segurança piloto, implantados num primeiro momento
[...] as ruas se redefinem em vias de contemporâneas, segundo Marcos L. Rosa, para futuros investidores durante um em caráter experimental para serem
passagem de pedestres e veículos, como em seu livro “Microplanejamento: práticas processo mais complexo, como o de um testados pelo uso efetivo da população.
a casa se volta para dentro de si e lá urbanas criativas” (2011, p.14). Com o masterplan urbano. (BISHOP; WILLIAMS, Os workshops contribuíram na
dentro se fecha e esquadrinha a família. apoio de movimentos culturais e 2012 apud BALEM, 2017, p.102). concepção do projeto, auxiliando na escolha
Esta reorganização espacial, introduzida comunitários, as “práticas urbanas dos lugares a serem implantados os
pela necessidade da segregação da criativas” realizadas numa escala Utilizando-se da microescala e do projetos e nos tipos de atividades a serem
cidade, tem uma base econômica e uma aproximada da cidade exploram espaços processo participativo, as ações desenvolvidas. Utilizaram-se da “Caixa
base política para sustentá-la. Do ponto esquecidos e incluem características temporárias desafiam a noção e a de Ferramentas”, que funciona como um
de vista econômico ela está diretamente sociais e físicas nele, ao invés de excluí-lo, necessidade de permanência das cardápio de elementos de projeto para
relacionada à mercantilização ou ignorá-lo, promovendo a vida cotidiana. intervenções que buscam modificar ativação dos espaços públicos, que podem
monetarização dos bens necessários Do mesmo modo, Balem defende essas o espaço urbano, podendo ser mais ser aplicados em todas as unidades, e
para a produção da vida cotidiana. iniciativas, remetendo-se às contribuições efetivas, pois dão espaço às também no diálogo entre os frequentadores
(ROLNIK, 2012, p.57). de Bishop e Williams: imprevisibilidades (BALEM, 2017). dos espaços, com fim de incentivar pactos
de convivência e não inibir o uso dos em determinado lugar. (NORBERG-SCHULZ, entrelaçam, criando um tecido urbano, O Plano de Avenidas e a atuação
espaços por moradores e frequentadores 1976 In: NESBITT, 2013, p.455). e posta sob o signo do que deveria ser, política de Prestes Maia foi progressista,
da região devido à imagem estigmatizada enfim, o lugar, mas é apenas um nome, a no sentido de modernizar a cidade e
de determinados usos de alguns espaços Norberg-Schulz aponta “orientação” e Cidade. (DE CERTEAU, 2014, p.170). identificá-la com a burguesia industrial,
públicos do centro. “identificação” como pontos fundamentais setor avançado do modo de produção
do “estar-no-mundo do homem”. Enquanto capitalista, que aqui se implantava [...].
a orientação torna o homem capaz de ser Luz Por outro lado, o Plano de Avenidas
Evocando o espaço o “homem-peregrino”, que faz parte da sua é elitista. A periferia foi ignorada – e
própria natureza migrante, exploratória, No final do século XIX, com a fundação ela já existia com o rótulo de cidade
Ao apreciar as táticas de ocupação a partir a identificação é a base do sentimento da The São Paulo Railway Company Ltda clandestina – e a área considerada como
do envolvimento da população, reavendo o de pertencimento, e significa, segundo pelo Visconde de Mauá, Frederico Glette cidade compreendia apenas o quadrante
sentimento de enraizamento com o espaço, o autor, “ter uma relação amistosa com e Victor Nothmann planejaram um grande central e sul [...]. A atual configuração
voltamos a Michel de Certeau e às práticas determinado ambiente”. Isto posto, e loteamento na Chácara Mauá, que logo da cidade de São Paulo, com o centro
cotidianas – “habitar, circular, falar [...]” compreendendo a citação anterior, incentivou a transformação de outras dedicado ao comércio e serviços, as
(2014, p.97) e às reflexões de Norberg- entende-se que identificar-se a um chácaras da região. A elite cafeeira periferias para habitação popular e o
Schulz, que se solidarizam com essa visão. ambiente é habitá-lo e finalmente pertencer passa a ocupar o recém-criado bairro de quadrante sudoeste para residências de
Afinal, como identificar-se com o lugar? a um lugar (In: NESBITT, 2013, p.455). Campos Elíseos, ostentando sua riqueza alto padrão é decorrente de seu plano.
Mover-se é, segundo M. de Certeau, em construções ecléticas. (LIBÂNEO, 1989 apud FRÚGOLI, 2000, p.54).
Usamos a palavra “habitar” para nos apropriar-se do sistema topográfico da O surto de urbanização da época
referirmos às relações entre o homem e o cidade, buscando a identidade do lugar. iniciou um processo de descentralização O cenário exposto por Maria Lúcia
lugar. [...] Quando o homem habita, está e segregação, consolidando alguns Libâneo mostra como o centro chegou ao
simultaneamente localizado no espaço Caminhar é ter falta de lugar. É o bairros operários e outros ocupados seu panorama atual e se constituiu como o
e exposto a um determinado caráter processo indefinido de estar ausente pela burguesia, que assim que adverte “local de consumo, comércio e negócio das
ambiental. Denominarei de “orientação” e à procura de um próprio. A errância, a chegada do proletariado, desloca-se elites” (BONDUKI apud FRÚGOLI, 2000, p.49).
e “identificação” as duas funções multiplicada e reunida pela cidade, faz de Campos Elíseos para Higienópolis; Depois da evasão da burguesia, o processo
psicológicas implicadas nessa condição. dela uma imensa experiência social da depois em direção à Avenida Paulista de popularização, iniciado na década de
Para conquistar uma base de apoio privação de lugar – uma experiência, é e, a seguir, aos Jardins. Nos anos 1930, ampliou-se a partir dos anos 1950-60
existencial, o homem deve ser capaz de verdade, esfarelada em deportações seguintes, a transformação da área se com a continuidade da migração nordestina
orientar-se, de saber onde está. Mas ele inumeráveis e ínfimas (deslocamentos e deu pelas alterações na malha viária e na e de um contingente maior de pessoas das
também tem de identificar-se com o caminhadas), compensada pelas relações implementação da rodoviária intermunicipal classes populares, que vinham ocupar a
ambiente, isto é, tem de saber como está e os cruzamentos desses êxodos que se na Praça Júlio Prestes: área central para desenvolver atividades
informais como estratégia básica de Avenida Prestes Maia e locais como a Escola
sobrevivência (FRÚGOLI, 1995): Técnica Santa Ifigênia e outros edifícios
públicos que atraem fluxos de pedestres.
Nos espaços públicos da área central da
cidade, por conseguinte, distintos grupos
sociais formaram variadas redes de Táticas de convivência
relações voltadas à sobrevivência – como
camelôs, engraxates, desempregados, Existe uma arquitetura fluida, e que, ao
aposentados “plaqueiros”, vendedores mesmo tempo, permita reconhecer sua
de ervas, de bilhetes de loteria, de forma? É possível pensar uma cidade
churrasquinho, pregadores religiosos, que está em fluxo, transforma-se,
videntes, prostitutas, travestis, mesmo que, por determinado período de
homens e menores de rua, artistas de tempo, haja elementos invariáveis que a
rua, “rolistas”, batedores de carteira, organizam? (BOGÉA, 2009, p.24).
trapaceiros e muitos outros [...] Há uma
enorme diversidade sociocultural nos No final da década de 1950, o grupo
espaços do Centro, complexa e da Internacional Situacionista (IS)
conflitiva [...], bastando aqui frisar seu desenvolveu um discurso acerca da
forte caráter interclasses, em que produção das cidades diferente dos que
membros das classes médias e altas eram apresentados até então, fazendo uma
que trabalham em empresas, escritórios crítica direta ao Movimento Moderno.
e instituições cruzam cotidianamente Enquanto os modernos acreditaram,
com os oriundos das classes populares, em um primeiro momento, que a
desde os que também trabalham e arquitetura e o urbanismo poderiam
moram na região, até os milhares de mudar a sociedade, os situacionistas
usuários do transporte coletivo em estavam convictos de que a própria
meio a ocupação já mencionada de sociedade deveria mudar a arquitetura
seis espaços públicos para atividades e o urbanismo. Enquanto os modernos
informais [...]. (FRÚGOLI, 2000, p.59). chegaram a achar, como Le Corbusier, que
a arquitetura poderia evitar a revolução
As diversas disputas econômicas – “Arquitetura ou Revolução. Podemos
e sociais moldaram o centro de São evitar a revolução" (LE CORBUSIER, 1923)
Paulo como ele é hoje. Pela localização – os situacionistas, ao contrário, queriam
privilegiada, a região oferece inúmeros provocar a revolução, e pretendiam usar a
tipos de serviços e usos, além da arquitetura e o ambiente urbano em geral
grande concentração de empregos, que para induzir à participação, para contribuir
atrai todo tipo de usuário – aqueles que com a revolução da vida cotidiana contra
moram, que trabalham, ou aqueles a alienação e a passividade da sociedade
que simplesmente passam por ali. (JACQUES, 2003). Em seu “Manifesto pela
Sendo assim, a área central da vida urbana” o grupo da IS apresentava
cidade deveria ser fundamentalmente outro modo de fazer cidade, em que o
um espaço democrático, visto a cidadão não era só mero espectador,
diversidade que ela abrange. mas um participante ativo. Propunham
Compreendendo a presença de disputas vivenciar as cidades sem a formalização
e conflitos, o centro se confirmou como de um projeto urbano, baseada na
o local ideal para o tipo de intervenção construção de situações urbanas.
proposta. A partir de aproximações na A estratégia situacionista, apoiada
área ao redor do centro histórico da cidade, nas experimentações do espaço e na
levando em conta os diversos serviços apropriação do lugar pelos habitantes,
e usos existentes, chegamos ao bairro pode ser relacionada com as práticas e
da Luz. O setor escolhido para estudo, ocupações contemporâneas do espaço,
entretanto, não segue os limites do bairro, através de ações de coletivos e mobilizações
mas certos marcos da área e seu entorno, sociais, conforme o entendimento de Balem:
conformando, portanto, uma área que vai
da Pinacoteca do Estado até o Viaduto [...] projetos de comunidades, jardinagem
Santa Ifigênia, abrangendo inclusive a de rua, dança de rua, transformação de
lugares de estacionamento, ocupações (mobilidade, cultura, espaços culturais, na integração da sociedade com o espaço nele permaneçam, estimulando a presença
programáticas de espaços abandonados participação política, liberdade etc.) e a forma mais criativa e democrática de se e interação de distintos segmentos sociais.
ou subutilizados, intervenções artísticas defende o discurso da revolução através confrontar com a cidade. A partir das experiências de ocupação
de interação com a paisagem urbana, da criatividade e irreverência. Para investigadas e compreendendo o espaço
dentre outros. De diferentes formas tanto, criou um bloco de carnaval, o de acordo com as narrativas exploradas
criam lugares para promoção de “Me Ocupa que Eu Sou da Rua”. Depois Estratégias de intervenção no texto, o trabalho se desenvolve como
encontros ou de cultura, estares públicos, das manifestações de julho de 2013, que um ensaio projetual de espaços públicos
espaços de brincar, bancas de comércio emergiram por conta de reivindicações Abordar o centro de São Paulo demanda e situações urbanas, inserindo-se e
alternativo e áreas de criatividade. relacionadas às questões da mobilidade uma investigação acerca da degradação justapondo-se à lógica cotidiana.
Esse tipo de proposta como experiência urbana, o Coletivo concebeu o projeto e problemas urbanos do local. Entretanto, Vislumbrando apenas eventos e
criativa parece ter a capacidade de “Roosevelt Livre”, uma ocupação discutir a degradação e os meios para a situações surgidas a partir de um
“ressignificar lugares e os trazer de volta permanente na Praça Roosevelt, requalificação urbana com a profundidade suporte que os conformem, podendo ser
como espaços de alteridade” e espaços com oficinas abertas, apresentações que o tema merece escapa ao escopo reconfigurado ou realocado de acordo com
revigorados para o desenvolvimento artísticas e debates que contava com deste ensaio, o que nos levou a expor até a necessidade, o ensaio de projeto não
econômico social. (BALEM, 2017, p.4). diversas pautas e convidados. aqui, de modo introdutório, não só os possui nenhuma definição programática a
Outro coletivo que promove ações principais problemas, mas também as priori. Desta forma, o projeto se configura
Marcos Rosa aborda tais projetos de grande repercussão, completamente potencialidades presentes no território. em plataformas, uma estrutura modular e
como “microarquiteturas sobrepostas a diferente do ARRUA, é o Basurama, um Com base nos levantamentos in loco e flexível, que pode ser organizada de acordo
estruturas modernas monofuncionais” grupo espanhol que atua em diversos na revisão bibliográfica que deu suporte com a necessidade presente.
(p.18), que instituem “microambientes” na países com pesquisas e intervenções no teórico ao desenvolvimento da proposta, Apesar da aparente rigidez que a
cidade como resposta à falta de espaços de espaço público, estudando a questão dos reafirmamos que o objetivo do trabalho não estrutura modular possa transparecer, ela
coexistência. Segundo o autor, as “práticas resíduos e promovendo a discussão da é intervir em grande escala, menos ainda deve ser encarada como uma probabilidade
urbanas criativas organizam lugares para o produção massiva do lixo e de seus efeitos criar um edifício isolado com a ingênua de variabilidade de usos e formas, podendo
encontro – pontos de contato que resistem nocivos à sociedade contemporânea. O ideia de que isso requalifique a área. A gerar assim, espaços flexíveis, que podem
à desertificação de espaços coletivos de coletivo está presente no Brasil desde 2007 questão aqui levantada, aliás, não diz ser alterados periodicamente, nos quais o
qualidade” (ROSA, 2011, p.16). realizando inúmeros projetos na cidade de respeito à requalificação, mas sobretudo usuário possa sugerir seus usos por meio
Essas práticas de ocupação podem São Paulo, através de oficinas que atraem à compreensão de que sujeitos e usos de processos participativos. Pressupõe,
ser ilustradas com a atuação de coletivos a população. Por meio do urbanismo compõem o lugar, e como seria oportuno portanto, o incentivo a iniciativas que
no meio urbano. O ARRUA, por exemplo, participativo e da lógica do uso temporário potencializar usos complementares que convocam os cidadãos a intervir no espaço
posiciona-se como um grupo político dos espaços, compartilhando suas técnicas pudessem contribuir para democratizar o público, como meio de propiciar que a
com pautas ligadas ao Direito à Cidade de transformação do lixo, o coletivo busca espaço urbano e fazer com que as pessoas comunidade se reconheça nos projetos
para deles se apropriar. De um lado, essa Referências
prática favorece o cuidado espontâneo com
a manutenção do lugar, de outro, fortalece ALMEIDA, E. de; MAZIVIERO, M. C. Os
um sentimento de inserção social. coletivos, corpo a corpo com a cidade.
Anais do IV Seminário Internacional da
Academia de Escolas de Arquitetura e
Considerações Finais Urbanismo de Língua Portuguesa – AEAULP.
Belo Horizonte, 2017, p.425-436.
Ao embasar-se em teorias e experiências BALEM, Tiago. Microurbanismo Efêmero:
práticas sustentadas pelas referências entre táticas de construir e revelar a cidade.
aqui mencionadas, este ensaio intenciona In: XVII ENANPUR, 2017, São Paulo.
bem mais exprimir as vocações de um BOGÉA, Marta. Cidade Errante: arquitetura
lugar, em vez de ambicionar a “realização em movimento. São Paulo: Editora Senac
formal” de projeto em si mesmo. O São Paulo, 2009.
trabalho se arremata em uma rede, mesmo
CORBUSIER, Le. Por uma arquitetura. São
que hipotética, de percursos voltados à
Paulo: Perspectiva, 2014.
integração de espaços fragmentados, com
DE CERTEAU, Michel. A Invenção do
o propósito de convertê-los em espaços
cotidiano:1. Artes de fazer. 21.ed. Petrópolis,
de encontros, considerados fundamentais
RJ: Vozes, 2014.
à mobilidade, à permanência e às
experiências urbanas compartilhadas. FERNANDES BARATA, A.; SANSÃO FONTES, A.
Bernard Tschumi (1994) se refere à Urbanismo Tático: experiências temporárias
ocupação a partir da interação dos na ativação urbana. In: III Fórum Habitar,
corpos no espaço, o que permite a 2016, Belo Horizonte.
incidência dos eventos de movimento e FRÚGOLI JR, Heitor. Centralidade em São
revela as ações da própria arquitetura, Paulo: trajetórias, conflitos e negociações
não apenas como relações entre espaço na metrópole. São Paulo: Edusp, 2000.
e forma – o evento é “um acidente, uma ______. Espaços Públicos e Interação Social.
ocorrência; um item particular em um São Paulo: Marco Zero, 1995.
programa. Eventos podem envolver usos
HARVEY, David. Cidades Rebeldes: do direito
particulares, funções singulares e atividades
à cidade a revolução urbana.São Paulo:
isoladas. Incluem momentos de paixão,
Martins Fontes, 2014.
atos de amor e o instante da morte”
(TSCHUMI, p.21 apud BALEM, 2017, p.12). ______. O Direito à Cidade. São Paulo:
Entendendo o espaço público como Revista Piauí. Edição 82, julho de 2013.
um lugar sujeito a eventos, a intervenção INSTITUTO PÓLIS. Moradia é Central: lutas,
proposta procura dar margem às mais desafios e estratégias, 2012.
variadas situações urbanas na tentativa de JACQUES, Paola Berenstein. Breve histórico
experimentar proposições alternativas da Internacional Situacionista – IS.
às consagradas ações arquitetônicas Arquitextos. São Paulo, ano 03, n.035.05,
que se sobrepõem ao lugar existente, Vitruvius, abr. 2003. Disponível em:
como um projeto definitivo, dotado de um <www.vitruvius.com.br/revistas/read/
programa fixo de usos, pronto a solucionar arquitextos/03.035/696>. Acesso em:
os problemas diagnosticados. Ao invés out. 2017.
disso, a instalação proposta mostra-se
LEFEVBRE, Henri. O Direito à Cidade. São
aberta à apropriação, como que disposta
Paulo: Centauro, 2001.
a dialogar com a população do lugar.
Um experimento que assume o caráter NORBERG-SCHULZ, Christian. O fenômeno
temporário e admite a ideia da cidade em do lugar, 1976. In: NESBITT, Kate (Org.). Uma
movimento, mas também como um convite nova agenda para a arquitetura: antologia
à permanência, criando novas perspectivas teórica (1965 – 1995). São Paulo: Cosac
de produção da cidade. Ao comportar Naify, 2013. p.444-461.
os processos participativos, abre-se PREFEITURA DE SÃO PAULO. Reconstruir
às imprevisibilidades da vida urbana, o Centro: reconstruir a cidade e a
estimulando a convivência e a coexistência. cidadania, 2001.

107
ROLNIK, Raquel. O que é Cidade? São Paulo: ARTIGO
Brasiliense, 2012.
ROSA, Marcos L. Microplanejamento:
O direito à cidade no contexto do PMCMV
práticas urbanas criativas. São Paulo:
Editora de Cultura, 2011. Larissa Cristina da Silva
TSCHUMI, Bernard. O prazer da arquitetura,
Orientadora: Profa. Dra. Maria Beatriz Cruz Rufino (FAU-USP).
1978. In: NESBITT, Kate (Org.). Uma nova
Pesquisa: Disciplina Organização Urbana e Planejamento (AUP-0280), FAU-USP, 2016.
agenda para a arquitetura: antologia
teórica (1965 – 1995). São Paulo: Cosac
Naify, 2013. p.575-584. O Programa Habitacional Minha Casa urbanas em sua plenitude. O presente
ZALUAR, A. Para não dizer que não falei de Minha Vida (PMCMV) constitui-se como ensaio tem a intenção de tecer relações
samba: os enigmas da violência no Brasil. um marco da política habitacional do e reflexões sobre qual é o significado da
In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História governo federal no século XXI. A análise produção nacional do PMCMV apoiando-
da vida privada no Brasil. Contrastes da do espaço urbano produzido pelo PMCMV se na compreensão do direito à cidade
intimidade contemporânea. São Paulo: Cia. desde 2009 permite observar que, em conforme dois autores: Henry Lefebvre
das Letras, 1991, p.245-318. grande medida, os conjuntos habitacionais e David Harvey. Posteriormente será
construídos encontram-se em áreas elaborada uma retomada histórica com
longínquas aos espaços estruturados da elementos relevantes que contribuíram
sobre a autora cidade. A condição geográfica da maioria para o surgimento do PMCMV culminando
destes empreendimentos contribui para em uma reflexão acerca do significado
Arquiteta e urbanista graduada pela
afastar o beneficiário do programa da produção habitacional pelo programa
Universidade São Judas Tadeu em 2017.
das dinâmicas urbanas que ocorrem no espaço urbano nacional. Ao final se
natalia.gsantos@outlook.com primordialmente nas centralidades espera tecer relações sobre a efetividade
existentes na cidade. Tal distanciamento do direito à cidade pela parcela da
compromete o direito de uma parcela sociedade que habita os empreendimentos
da sociedade de vivenciar as dinâmicas construídos pelo PMCMV.

Palavras-chave: espaço urbano; direito à cidade; PMCMV.

The right to the city in the context El derecho a la ciudad en el contexto


of the PMCMV del PMCMV

The Brazilian housing program Programa Habitacional El Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida
Minha Casa Minha Vida (PMCMV) is a milestone in the (PMCMV) se constituye como un marco de la política de
federal government housing policy in the 21st century. vivienda del gobierno federal en el siglo XXI. El análisis
The analyses of the urban space produced by PMCMV del espacio urbano producido por el PMCMV desde 2009
since 2009 shows that the housing units were permite observar que, en gran medida, los conjuntos
largely built in areas far away from structured spaces habitacionales fueron construidos en zonas lejanas
of the city. The geographic condition of most of those a espacios estructurados de la ciudad. La condición
housing units ends up excluding the beneficiary of the geográfica de la mayoría de esos emprendimientos
program from the urban dynamics that occur contribuye para alejar el beneficiario del programa de
primarily in the existing centralities in the city. Such las dinámicas urbanas que puedan ocurrir
distance compromises the right of a portion of primordialmente en las centralidades existentes en
society to experience urban dynamics at the most. la ciudad. Tal alejamiento compromete el derecho de
This essay intends to establish relations and reflections una parcela de la sociedad de vivenciar las dinámicas
on the meaning of PMCMV’s national production, based urbanas en su plenitud. El presente ensayo tiene
on the understanding of the right to the city, la intención de tejer relaciones y reflexiones sobre
according to two authors: Henry Lefebvre and David cuál es el significado de la producción nacional del
Harvey. After that, we will summarize chronologically PMCMV apoyándose en la comprensión del derecho a
relevant elements that contributed to the emergence la ciudad según dos autores: Henry Lefebvre y David
of PMCMV. Finally, we present a reflection about the Harvey. Después se elaborará un resumen histórico
meaning of housing production by the program in con elementos relevantes que contribuyeron a la
the national urban space. We aim to understand the aparición del PMCMV, culminando con una reflexión
effectiveness of the right to the city on those that acerca del significado de la producción habitacional por
inhabits the housing units of PMCMV. el Programa en el espacio urbano nacional. Al final se
espera tejer relaciones sobre la efectividad del derecho
Keywords: urban space; right to the city; PMCMV.
a la ciudad por la parcela de la sociedad que habita los
emprendimientos construidos por el PMCMV.

Palabras clave: espacio urbano; derecho a la


ciudad; PMCMV.

108 109
1. Introdução inicial sobre a efetivação e garantia de tal do que é o direito à cidade elaboradas por direito à cidade, espera-se poder refletir se
direito no âmbito do programa. Lefebvre e por Harvey. a produção do PMCMV atende tal direito em
O presente artigo tem a intenção de Em seguida, será feita uma apreciação Henri Lefebvre3 foi um filósofo e alguma medida.
tecer relações e reflexões sobre qual é da produção do PMCMV por meio de uma sociólogo francês. Desenvolveu seu conceito
o significado da produção do Programa análise iconográfica de projetos localizados do que é o direito à cidade em 1968 em um
Minha Casa Minha Vida (PMCMV) no âmbito em diferentes regiões do Brasil. A leitura de livro de mesmo nome. Para Lefebvre (1968) 3. Programa Minha Casa Minha Vida:
nacional, apoiando-se na compreensão alguns projetos realizados pelo programa ter direito à cidade significa ter direito à origens
do direito à cidade conforme dois autores: tem a intenção de verificar critérios e vida urbana. Direito à cidade é o direito
Henry Lefebvre e David Harvey. características dos conjuntos construídos já de não exclusão da sociedade urbana, das De acordo com o que propõe Bonduki
A análise do espaço urbano produzido apontados em grande parte da bibliografia qualidades e benefícios da vida urbana. (2014) ao afirmar que ainda não há um
pelo PMCMV desde 2009 permite observar que versa sobre o tema. Ou seja, não é apenas um direito de ir e distanciamento temporal suficiente que
que, em grande medida, os conjuntos Ao final, será tramada uma reflexão vir na cidade como um objeto no espaço, suporte uma visão bem estruturada do
habitacionais foram construídos em crítica, e mais ampla que aquela já configura-se mais como uma garantia de que foi a produção habitacional propiciada
áreas longínquas e próximas às bordas da apresentada ao longo do texto, sobre poder usufruir das dinâmicas e espaços pelo PMCMV, os parágrafos seguintes
tessitura urbana. A condição geográfica da o que significou a produção do PMCMV produzidos pelas ações que geram a buscarão realizar uma leitura das políticas
maioria dos empreendimentos construídos para a efetivação do direito à cidade pelo configuração da sociedade, a qualquer e ações de fomento à atenuação do
contribui para afastar o beneficiário do beneficiário do programa, pautando-se em momento e por qualquer indivíduo. problema do déficit habitacional brasileiro
programa das dinâmicas urbanas que um ponto de vista urbano e social. É interessante ressaltar que ao desde o início do século XXI.
ocorrem primordialmente nas centralidades conceito Lefebvre (1968) atrela a ideia No âmbito da política habitacional,
existentes na cidade. Tal distanciamento da necessidade e existência da pressão os anos de governo do sociólogo Fernando
compromete o direito de uma parcela 2. O direito à cidade da classe operária para o reconhecimento Henrique Cardoso (FHC)5 podem ser
da sociedade de vivenciar as dinâmicas do direito à cidade. Será por meio da identificados pela diversificação dos
urbanas em sua plenitude. Para entender o que é o direito à cidade pressão das massas, a qual ainda não programas de habitação (ARAÚJO, 2013).
Em um primeiro momento, pretende-se inicialmente é necessário ter clareza do é forte o suficiente, reivindicando a Tal postura pode ser observada como
compreender o termo “direito à cidade”, que é a cidade. Distanciando-se de uma apropriação das qualidades e dos benefícios uma ampliação do entendimento pelo
inicialmente proposto por Lefebvre, contradição simplória de sua oposição da vida urbana, a qualquer momento e Governo Federal sobre a pluralidade do
presente no Estatuto das Cidades e ao campo e de uma limitação de suas por qualquer um, que se poderá de fato déficit habitacional brasileiro e das
hoje amplamente utilizado no campo características geográficas, para Rolnik atingir a garantia do direito à cidade. diversas possibilidades de se intervir
dos estudos pertinentes à cidade. Serão (1988) a cidade pode ser entendida Já o geógrafo britânico David Harvey4 (LORENZETTI, 2001).
consideradas as interpretações do termo como um imã. A cidade como um objeto apropria-se deste conceito e o interpreta Sobre o governo FHC, outra relevante
propostas por Lefebvre e por Harvey, magnetizado possui um campo magnético de maneira um pouco distinta. Harvey observação acerca da mudança da
pois ambos possuem visões e se inserem que atrai, reúne e concentra pessoas. parte da ideia de uma ausência de perspectiva sobre o problema habitacional
em momentos distintos do processo Entendida como um imã que atrai podemos participação na formação da cidade pela refere-se à vinculação da discussão e das
de crescimento das cidades. Com isto, estender esta definição para a ideia de parcela da sociedade que esteve excluída propostas de moradia se transferirem para
acredita-se que seja possível ampliar a uma centralidade, ou seja, a cidade é do desenvolvimento econômico. o Ministério do Planejamento, admitindo
reflexão da relação da implementação do como um núcleo que exerce influência De tal maneira, o direito à cidade não assim o caráter econômico e não apenas
PMCMV na efetivação do que seria o direito em seu entorno, pois tende a atrair tudo é um direito à liberdade individual de social do morar brasileiro (MARICATO, 1998).
à cidade por parte de seus beneficiários. o que ocorre ao seu redor. usufruir dos recursos e espaços urbanos, Há autores como Shimbo (2010) que,
Posteriormente, será realizada uma Lefebvre (1969) argumenta que a isto porque é um direito que necessita da apesar de compartilharem da crítica de
breve revisão histórica sobre o início e cidade2 é composta de símbolos, possui organização de um poder coletivo para ser que o Estado não interveio diretamente
desenvolvimento do PMCMV no Brasil. a característica de ser um documento, alcançado. O direito à cidade é a garantia na área habitacional e não colocou em
Ainda que se possa definir uma data de entretanto, encontra-se morta. Contudo, ao de poder mudar a nós mesmos mudando prática avanços institucionais (MARICATO,
criação e início do programa, evidenciam- considerarmos que toda a cidade é histórica também a cidade (Harvey, 2009, s.p.). Ou 1998), ressaltam aspectos positivos como
se como relevantes eventos anteriores1 que porque é formada a partir de um processo seja, é criar um tipo de cidade que atenda o reconhecimento da cidade ilegal, da
possibilitaram a criação de um caminho histórico de modificação de seu território, as carências e os desejos de dinâmicas e concentração do déficit nas camadas de
para o avanço da política pública nacional podemos aplicar este entendimento da espaços da sociedade enquanto indivíduos, menor renda, da relevância da participação
no campo habitacional. cidade como algo físico e independente das e não como meros manipuladores da lógica democrática na gestão da política
Em uma terceira etapa, por meio de um relações com o homem a todas as cidades. e “ciclicidade” do capital. habitacional e da própria necessidade da
entendimento da compreensão do que é O urbano, ou seja, a atualidade, a ação, “O direito à cidade não é simplesmente diversidade de programas.
ter o direito à cidade e qual o quadro de as relações cotidianas entre a sociedade o direito ao que já existe na cidade, mas o Conforme Bonduki (2014), a trajetória
desenvolvimento da política habitacional (LEFEBVRE, 1968; ROLNIK, 1988) incorpora-se direito de transformar a cidade em algo da política pública habitacional no Brasil
brasileira no século XXI, será elaborada uma a esta discussão como algo inerente à vida radicalmente diferente.” (Harvey, 2009, tem seu ponto de inflexão no ano de 1999,
breve reflexão sobre o significado desta social na cidade, a qual possui um modo de s.p.). É o direito de poder construir e de com a elaboração do Projeto Moradia.
produção de espaço urbano pelo PMCMV. produção e de organização da vida coletiva ter acesso econômico e físico à cidade. Este projeto, formulado ao longo de um
Com base na estruturação deste raciocínio, e da vida privada. Neste ponto, a existência Assim, com o conhecimento de duas ano, constituiu-se de um estudo com
pretende-se ter um panorama crítico e do urbano aproxima-se às conceituações visões diferentes, mas próximas sobre o proposições de ações para sanar o déficit

110 111
habitacional no Brasil. Contudo, tal ação • 2003: Criação do Ministério das Cidades; subsídio conforme o perfil de cada faixa de incompleta toda a problemática da questão
não partiu do Estado, uma vez que se • 2003: 1ª Conferência Nacional atendimento. Ou seja: que já havia sido incorporada ao PlanHab.
iniciou no Instituto Cidadania, que era das Cidades; Basicamente, o PMCMV foi estruturado
coordenado por Luiz Inácio Lula da Silva. • 2004: Formulação da Política Nacional O grupo dos mais pobres, que não por faixas de rendas, para famílias com
A compreensão da organização e de Habitação (PNH); tem capacidade de retornar um renda de até 10 salários mínimos, com
das proposições do Projeto Moradia é • 2008: Elaboração do Plano Nacional financiamento, seria beneficiado com a eleição de financiamento apenas de
importante uma vez que se apresenta como de Habitação (PlanHab). subsídio total, enquanto as famílias unidades prontas, e com uma “meta
a síntese de como a política habitacional Todos os acontecimentos anteriores à que tivessem condição de assumir o cabalística” (BONDUKI, 2009, p.8) de
brasileira se desenvolveria nos anos formulação do PNH podem ser vistos como financiamento de pelo menos uma quantificação da produção (1 milhão
seguintes com a era Lula6: fundamentais por embasarem discussões parte do custo total da unidade de unidades habitacionais em sua
de diversas esferas que eram pertinentes habitacional, mas que apresentassem primeira etapa). Ou seja, foi um
O projeto propôs a criação do Sistema à proposição de soluções para o déficit risco para os agentes financeiros, programa cujo foco era a produção
Nacional de Habitação, formado pelos habitacional. Dentre as discussões pode- teriam acesso a um subsídio parcial [...]. numérica da casa (ARAÚJO, 2013).
três entes da Federação, que atuariam se destacar: a importância da articulação (BONDUKI, 2014, p.117).
de forma estruturada sob a coordenação entre a questão urbana e habitacional, o
de um novo ministério (Cidades). envolvimento nas ações propostas de todos No entanto, a estratégia para sanar 4. O direito à cidade no âmbito do
O controle social seria exercido pelo os entes federativos (município, estados, o problema habitacional acabou ficando no Programa Minha Casa Minha Vida
Conselho Nacional das Cidades e órgãos nação), a garantia do acesso e da função papel quando o governo decidiu priorizar o
nos estados e municípios, aos quais social da terra, e o entendimento de que a investimento público no setor habitacional Antes de uma reflexão sobre a ocorrência
caberia gerir fundos de habitação, produção habitacional para a população de como uma medida de contenção do ou não do direito à cidade, faz-se
que deviam concentrar recursos para baixa renda deveria ocorrer principalmente avanço da crise econômica internacional necessária a realização de uma leitura
subsidiar a baixa renda. Nesse aspecto, por meio de uma configuração econômica no Brasil em 2008. Como resultado, tem- geral do modo como ocorreu a produção do
seria prioritária a aprovação do projeto de subsídios e não por meio do se a aprovação do pacote habitacional PMCMV. Assim, tendo em mãos o panorama
de lei de iniciativa popular de instituição financiamento total do imóvel. originário no Ministério da Fazenda com dos resultados obtidos com tal política
do Fundo Nacional de Habitação, O PlanHab “um dos componentes a participação de entidade empresariais, habitacional, espera-se ter uma perspectiva
bandeira do movimento de moradia centrais da nova PNH [...], resultou de um concebido com o título de Minha Casa crítica e inicial sobre a efetivação e garantia
que tramitava desde 1991 no Congresso amplo processo participativo, que Minha Vida (ARAÚJO, 2013; BONDUKI, 2014). do direito à cidade no âmbito do programa.
Nacional. A política de subsídios previa envolveu todos os segmentos da sociedade Localizada dentro do Ministério Uma análise das três etapas do PMCMV
um mix de recursos não onerosos – do durante dezoito meses” (BONDUKI, 2009, das Cidades, a Secretaria Nacional de (1, 2 e 3) permite observar um bom
Orçamento Geral da União (OGU) e do p.12). No mesmo momento, buscando Habitação passou a coordenar a desempenho quantitativo, pois em todas
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço estimular a produção de habitação de iniciativa do programa, o que permitiu as etapas as metas numéricas de unidades
(FGTS) – com recursos retornáveis, para mercado para a classe média, ações que o programa assumisse parcialmente habitacionais que deveriam ser produzidas
viabilizar o crédito e o acesso à moradia legislativas do governo geraram um um caráter mais social. Frente a isto, sempre foram superiores a 50%. Em termos
digna para a população de baixa renda. intenso processo especulativo da terra. ainda que de modo limitado, algumas numéricos o programa resultou em uma
(BONDUKI, 2009, p.9). Entre 2007 e 2008, a busca de terrenos ações estratégicas do eixo de fração significativa de produção de moradia
para a produção de habitações voltadas financiamento presentes no PlanHab na história da habitação no Brasil (mais de
Outros importantes pontos de para tal classe culminou em um boom foram absorvidas, o que se converteu 4,3 milhões de unidades habitacionais).
ação elaborados pelo projeto eram: a imobiliário, o qual se apresentou como em uma elevação dos recursos disponíveis Contudo, conforme afirma Bonduki
necessidade da retomada da produção uma dificuldade a mais a ser superada para a produção de habitação social e de (2014), a distribuição nacional da produção
habitacional pelo mercado destinada dentro do PlanHab em virtude do mercado (BONDUKI, 2014). habitacional pelo PMCMV foi bastante
à classe média, pois isto permitiria o exponencial aumento do custo da terra Lançado em 2009, o PMCMV reproduziu desigual. A região Sudeste, que contém
direcionamento massivo do Fundo de urbanizada e regularizada. a lógica de programas habitacionais as cidades de maior dimensão e tem uma
Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) Observado como “o último grande esforço já observadas em governos populistas maior porção do espaço urbanizada, teve
para políticas habitacionais de atendimento para operacionalizar a concepção de política anteriores: “quem conseguiu atendimento apenas 6,1% de seu déficit sanado, ao
à baixa renda; e a aprovação do Estatuto habitacional tributária do movimento da se tornou privilegiado, enquanto a grande passo que o Nordeste produziu 10,3% das
da Cidade, pois era o meio primordial de reforma urbana” (BONDUKI, 2014, p.116), de maioria ficou de fora” (BONDUKI, 2014, p.119). moradias inicialmente apresentadas em
se facilitar e baratear o acesso à terra uma maneira inédita o PlanHab reconheceu Frente a isto, há autores que observam a seu déficit (ambos na faixa de renda 1).
(Bonduki, 2009). e incorporou a diversidade da rede urbana ação não como uma política habitacional, Esta discrepância ocorre em virtude de
Assimilando a importância do Projeto brasileira. Com o estabelecimento de mas como uma medida puramente as zonas urbanizadas e metropolitanas
Moradia, segundo Bonduki (2014), o quatro eixos estratégicos (financiamento econômica cuja estratégia foi de aumento possuírem um custo da terra mais elevado,
desenrolar da trajetória habitacional e subsídios, arranjos institucionais, cadeia dos empregos no setor da construção civil que exige uma articulação mais elaborada
brasileira pode ser observada por meio produtiva da construção civil, estratégias e seus adjacentes (ARAÚJO, 2013). entre produção habitacional, política
dos seguintes marcos: urbano-fundiárias) e seus funcionamentos Do modo como foi elaborado, o PMCMV habitacional e política fundiária.
• 2000: Inclusão do Direito de Moradia de modo articulado e simultâneo, o Plano não foi capaz de minimizar expressivamente As soluções elegidas frente às
na Constituição; tinha uma configuração financeira que o déficit habitacional brasileiro, pois dificuldades encontradas para sanar o
• 2001: Aprovação do Estatuto da Cidade; permitia uma mudança na política de abordou de maneira exponencialmente déficit habitacional no Sudeste foram

112 113
1. 5.
análogas àquelas observadas em outras (por exemplo, a dependência do transporte
porções do território nacional. Ao estipular público). A condição de dependência de
um teto de investimento único por fatores para uma atividade programada
região, o PMCMV determinou a localização para o acesso à cidade não pode ser
periférica de seus empreendimentos, pois compreendida como uma garantia de
é o local onde o custo da terra é menor. livre acesso às ações que Lefebvre considera
Assim, a característica de os conjuntos como fundamentais para o acesso à cidade.
habitacionais produzidos localizarem-se Sob a ótica de Harvey, na qual a
predominantemente em áreas periféricas realização do direito à cidade acontece
reforçou um modelo de ocupação quando o indivíduo tem a autoridade e
inadequado, mas já existente, nas cidades liberdade de participar do processo de
brasileiras: habitações em áreas carentes construção da cidade, a efetivação de tal
de empregos, infraestrutura, equipamentos, direito também não se verifica. O exclusivo
2. 6.
e desarticuladas da malha urbana existente financiamento pelo PMCMV de unidade
ou de planos de expansão urbanas, o que habitacionais prontas e em locais pontuais
ocasiona a privação da grande maioria da cidade em virtude do tamanho dos
das atividades oferecidas na cidade para empreendimentos executados, faz com
a população que habita tais espaços que o indivíduo não goze do direito à cidade.
(BONDUKI, 2014; OLIVEIRA, 2016). Morando em uma casa pronta e
Ao considerarmos também o significado localizada em um determinado espaço
desta localização no âmbito de crescimento físico da cidade, o qual se encontra
da mancha urbana das cidades, também em certo grau já “pronto”, a
observamos que os empreendimentos parcela da sociedade destinada a
destinados para as faixas de renda 1, morar em tais espaços recebe um
no geral, localizam-se nas periferias modelo de cidade muito pronto no qual
consolidadas ou em grandes glebas a atividade do morar é predominante 3. 7.
adjacentes ao tecido urbano, o que origina sobre as demais atividades possíveis
“frentes pioneiras” de expansão da macha no território. Deste modo, a construção
urbana (RUFINO, 2015, p.65). da cidade por este fragmento da
O modelo de produção habitacional sociedade evidencia-se como uma
pautado na produção pelo setor privado e ação de difícil execução. Sem contribuir
com massivos subsídios, do qual se excluiu para a estruturação de uma cidade na
o enfrentamento da questão urbana e qual ocorra um reconhecimento naquilo
fundiária do Brasil, resultou, com algumas que se observa, o indivíduo não desfruta
exceções, na construção de “casinhas e do poder de conceber a cidade que se quer
predinhos nas periferias urbanas, com e, assim, não tem a possibilidade de ter
projetos de baixa qualidade arquitetônica e seu direito à cidade atendido.
urbanística” (BONDUKI, 2014, p.123).
Uma análise da tal produção sob a ótica 4.
do direito à cidade defendido por Lefebvre, 5. Revisão iconográfica da
na qual cada indivíduo deve ter a garantia produção nacional do PMCMV Fig. 1: Conjunto Real Conquista, Goiânia – GO.
de acesso e de utilização das dinâmicas Fig. 2: Conjunto Jardim Mangueiral, Brasília – DF.
e dos espaços produzidos pela cidade, Uma breve análise das imagens deixa clara Fig. 3: Conjunto Bangu, Rio de Janeiro – RJ.
nos leva a entender que este direito não a uniformidade de escolhas, no âmbito Fig. 4: Residencial Figueiras – MG.
é garantido aos moradores dos conjuntos nacional, de “busca por terrenos baratos Fig. 5: Conjunto Viver Melhor, Manaus – AM.
produzidos pelo PMCMV. nas periferias, a ampliação da escala dos Fig. 6: Conjunto Vista Linda, Londrina – PR.
O decisivo fator de localização de empreendimentos e a padronização dos Fig. 7: Bairro Tarumã – AM.
tais empreendimentos faz com que a projetos” (OLIVEIRA, 2016, p.49). Verifica-se
dificuldade de acesso físico à cidade também que em regiões muito urbanizadas, BONDUKI, N. G. Os pioneiros da habitação social: Cem
anos de política pública no Brasil. v. 1.1. ed. São Paulo/
consolidada seja um empecilho à garantia como no caso do Conjunto Bangu, ocorre
Editora Unesp: Edições Sesc, 2014.
do direito à cidade. Sem poder estar e o predomínio da opção por tipologias de
participar dos espaços e dinâmicas gerados edifícios, ao passo que em áreas com graus
pela sociedade em qualquer momento, de urbanização menor, como no Amazonas,
vivenciar a cidade torna-se uma atividade prevalece a disseminação de unidades
programada em virtude da dependência habitacionais térreas e isoladas que
de outras variáveis, como o deslocamento ocupam uma vasta porção do território.

114 115
Marilia/SP. 2013. Tese (doutorado), Instituto
6. PMCMV e a efetivação do direito de produção muito rígido, no qual a Nesta visão, há que se considerar
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
à cidade: considerações finais participação destes profissionais é também que em empreendimentos
de São Paulo, São Carlos, 2013.
garantida apenas como agente de execução localizados nas áreas descoladas da malha
Ao realizar uma busca para verificar a do que foi decidido. Assim, a atividade (tão urbana o exercício do direito à cidade BONDUKI, Nabil. Os pioneiros da habitação
efetividade do direito à cidade na política literal) de construir a cidade não pode ser mostra-se como algo complexo, pois social: Cem anos de política pública no
de produção habitacional propiciada pelo vista como uma efetivação do direito à tecer relações cotidianas com a Brasil. v.1., 1.ed. São Paulo: Editora Unesp/
PMCMV, as variáveis que mais impactam, cidade, pois não é voluntária. dinâmica da cidade evidencia-se como Edições Sesc, 2014.
devido a sua constante presença e De modo geral, o que se observa é uma algo dificultado pela distância. Nos casos ______. Do Projeto Moradia ao Programa
importância para esta análise, são a sequência de reações de não efetivação dos empreendimentos localizados em vazios Minha Casa Minha Vida. Teoria e Debate,
inserção urbana dos empreendimentos e do direito à cidade a partir de escolhas urbanos de periferias já consolidadas, São Paulo, n.82, p.8-14, mai./jun. 2009.
a segregação socioespacial. Tal segregação (as quais podem ser vistas quase como a garantia de tal direito também se expõe HARVEY, David. Direito à Cidade. In:
decorre do fato de se destinar unidades diretrizes, em virtude de sua constante como algo complicado devido a organização Seminário Lutas pela reforma urbana:
habitacionais mal localizadas e que repetição na elaboração dos projetos dos que os empreendimentos habitacionais o direito a cidade como alternativa
somam diversos fatores negativos, empreendimentos MCMV) que condicionam do PMCMV apresentam: a lógica do ao neoliberalismo. Belém: Fórum
no que tange à vida urbana, para uma a parcela da sociedade que fará uso destas condomínio fechado, que rompe com Social Mundial, jan. 2009. Disponível
camada numericamente significativa construções a um desligamento físico da as relações urbanas do conjunto com seu em: <midiaindependente.org/pt/
da população brasileira. vida urbana que existe nas centralidades de entorno e estimula o empreendimento blue/2009/02/440802.shtml>. Acesso
Partindo-se de uma ênfase distinta áreas urbanas já consolidadas. a fechar-se em si mesmo. em: out. 2016.
de Bonduki (2014) ao tratar do problema Sob a perspectiva de um direito Ainda que as afirmações acima pareçam
LEFÈBVRE, Henri. O direito à cidade. 1.ed.
da localização periférica dos conjuntos individual de usufruto dos espaços e das um pouco desconexas por não pontuarem
São Paulo: Editora Documentos, 1969.
habitacionais, Rufino (2015) ressalta a dinâmicas produzidas pelas ações da uma região específica, há que se ressaltar
tendência das periferias em serem territórios configuração da sociedade, no geral os que, salvo algumas exceções de projetos LORENZETTI, Maria Silvia Barros. A questão
mais dinâmicos, ainda que se priorize sua empreendimentos do PMCMV não garantem pontuais, tais considerações são válidas habitacional no Brasil. Consultoria
característica monofuncional de habitação. o direito à cidade. Em grande medida para todo o território nacional. Isto porque Legislativa da Câmara dos Deputados.
Ainda assim, ambos autores convergem isto ocorre em virtude da localização as condições dos projetos e de seus espaços Brasília, jul. 2001. Relatório apresentado
ao declararem a carência de atividades espacial dos projetos, que foram de implementação se repetem ao longo com base em monografia final do curso
econômicas nestas localidades, o que edificados em áreas caracterizadas por de todo o país, como foi exemplificado na de Especialização em Políticas Públicas da
condiciona o morador de tais áreas a buscar uma monofuncionalidade habitacional. breve revisão iconográfica apresentada. EEPG/UFRJ, em 1998 e em artigo publicado
empregos em outras regiões da cidade. Territórios que se caracterizam pela Com este panorama, pode-se perceber na Revista da ASLEGIS. Disponível em:
Salvo o Conjunto Bangu, os demais exclusividade do uso habitacional que a produção do PMCMV não gozou <www2.camara.gov.br/publicacoes/
empreendimentos expostos na revisão pressionam seus moradores ao constante de uma preocupação sobre as relações estnottec/tema14/107075.pdf>.
iconográfica demonstram suas condições deslocamento para a realização de urbanas necessárias no território e com Acesso em: nov.2016.
de “frentes pioneiras” (RUFINO,2015, p.65). atividades e uso de espaços que não a garantia do direito à cidade por parte MARICATO, Erminia. Política urbana e
Ou seja, rasgam partem do território que podem ser encontrados ali, por mais da sociedade que usufruiria de sua de habitação social: um assunto pouco
ainda não foi atingido pela mancha urbana. dinâmica que a região possa aparentar-se. produção. Mesmo utilizando-se de importante para o governo FHC. Revista
Tem início então uma precária urbanização Assim, com a atividade do morar leituras distintas sobre a garantia do direito Praga, São Paulo, Hucitec, v.1, n6,
monofuncional, na qual a ocupação enraizada em áreas demasiadamente à cidade, foi perceptível que o PMCMV, da p.67-78, 1998.
habitacional determina o traçado e a afastadas, a condição de acesso em forma como foi executado, não garantiu a OLIVEIRA, Renata da Silva. O acesso à
distinção entre público e privado que qualquer momento a espaços e dinâmicas concretização de tal direito. arquitetura e à cidade na produção estatal
segue a lógica dos condomínios produzidos pela interação da sociedade de habitação popular em Belo Horizonte/
construídos pela iniciativa privada fica comprometida. Tal condição agrava-se MG e São Paulo/SP. 2016. Dissertação
(OLIVEIRA, 2016; RUFINO, 2015). com a não disponibilidade de um sistema (mestrado) – Instituto de Arquitetura e
Tratando-se de uma discussão a respeito de mobilidade urbana satisfatório que Notas Urbanismo da Universidade de São Paulo,
da efetivação do direito à cidade na seja capaz de atender as demandas de 1. Estatuto das Cidades, Ministério das Cidades e Plano São Carlos, 2016.
produção do PMCMV, além dos pontos deslocamentos cotidianamente necessários. Nacional de Habitação.
2. Considerando sua história, ou seja, a cidade histórica.
ROLNIK, Raquel. O que é cidade. 3.ed. São
já colocados, em menor grau também Já pela ótica do direito de modificar
3. 1901-1991, formado pela Université de Paris. Paulo: Editora Brasiliense, 1988.
se mostra importante considerar a a si mesmo modificando a cidade, os
mão-de-obra que efetivamente constrói as projetos do PMCMV tampouco asseguram 4. 1935, formado pela University of Cambridge. RUFINO, Maria Beatriz Cruz. Um olhar sobre
moradias. Regressando-se ao entendimento a efetivação do direito à cidade. O 5. Foi presidente do Brasil de 1995 a 2001. a produção do PMCMV a partir de eixos
de Harvey sobre o direito à cidade, oferecimento de um empreendimento
6. Foi presidente do Brasil de 2003 a 2010. analíticos. In: AMORE, Caio Santo; RUFINO,
pode-se enxergar na ação de execução da acabado, no qual não se pode escolher nem Maria Beatriz Cruz; SHIMBO, Lúcia Zanin.
obra dos empreendimentos habitacionais o revestimento e tipo de piso, atrelado à Minha casa... e a cidade? Avaliação do
Referências programa minha casa minha vida em seis
– ou seja, no ofício dos operários do condição de grande gasto de tempo com
canteiro – a possibilidade de construir- viagens intra-urbanas, gera uma situação ARAÚJO, Ana C. da Silva. Programa Minha estados brasileiros. 1.ed. Rio de Janeiro:
se efetivamente a cidade. Contudo, tal em que não há como modificar a cidade Casa Minha Vida: antigos e novos dilemas Letra Capital, 2015. Cap. 3, p.51-70.
ação está condicionada por um sistema alterando inicialmente a própria residência. da habitação de interesse social e o caso de

116 117
SHIMBO, L.Z. Habitação Social, habitação ensaio
de mercado: a confluência entre Estado,
empresas construtoras e capital financeiro. A imagem do texto
2010. Tese (doutorado) – Escola de
Engenharia de São Carlos, Universidade de Gabriella Gonçalles
São Paulo, São Carlos, 2010.
Orientadora: Profa. Joana Barossi (Escola da Cidade).
sobre a autora Pesquisa: Trabalho de Conclusão de Curso, Escola da Cidade, 2017.

Aluna de graduação do curso de Arquitetura Talvez minha maior virtude tenha sido A noção de profundidade é anulada. Tudo
e Urbanismo na Faculdade de Arquitetura e nascer míope. A paisagem do míope é como se apresenta em um único plano. É como
Urbanismo da Universidade de São Paulo. um grande borrão, mancha disforme em se os olhos estivessem em lágrimas: vemos
larissa2.silva@usp.br que as cores dos objetos vistos ultrapassam uma única coisa, o borrão. E é como
se
as fronteiras dos seus próprios contornos: percebêssemos o espaçamento do tempo,
entram na borda da borda do outro e ou melhor, deixássemos de percebê-lo.
formam então, juntos, uma paleta de poças É como se as pausas fossem tiradas.
de aquarela. E o mais bonito não é isso, e O vazio entre a rampa a dez metros e a
sim a ideia de que aquilo que está a dez mulher com seus livros a 50 metros se
metros de mim se mistura nesse momento encurtou. Não existe o eixo “z”. A pausa
à pessoa que chega segurando seus livros acaba. É como se víssemos um fluxo
de
a 50 metros de distância. Parecem estudos consciência. É o “como” que faz as vezes
ainda não prontos de pinturas ligadas à do próprio objeto, estando e não estando
escola veneziana de Giorgione e Ticiano, que ali. Isso porque é “muita coisa junta em
privilegiam a cor em detrimento da linha. um único plano”. Muita não, infinitas.

The image of the text La imagen del texto

Perhaps my greatest virtue was to be born nearsighted. Tal vez mi mayor virtud haya sido nacer miope. El
The landscape of the myopic is like a great blur, a paisaje del miope es como un gran borrón, mancha
misshapen stain in which the colors of the spotted objects disforme en que los colores de los objetos vistos
seem to go beyond the borders of their own contours: exceden las fronteras de sus propios contornos:
they enter the border of each other’s border, and together entran en el borde del borde del otro y forman, juntos,
form a palette of watercolor pools. The most beautiful una paleta de charcos de acuarela. Y lo más bonito no
observation is nonetheless the idea that what is ten es eso, sino la idea de aquello que está a diez metros de
meters from me is mixed, at that moment, to the person mí se mezcla, en ese momento, a la persona que llega
who arrives holding his books 50 meters away. They can sosteniendo sus libros a 50 metros de distancia. Parecen
be mistaken by unfinished studies of paintings from the estudios, todavía no listos, de pinturas relacionadas
Venetian School of Giorgione and Titian, which favors a la escuela veneciana de Giorgione y Ticiano, que
color at the expense of the line. The notion of depth is privilegian el color en detrimento de la línea. Se anula
nullified. Everything presents itself in a single plane. It is la noción de profundidad. Todo se presenta en un único
as if the eyes were in tears: we see a single thing, the blur; plano. Es como si los ojos estuvieran en lágrimas: vemos
as if we perceived the spacing of time, or rather, failed to una sola cosa: el borrón. Y es como si percibiéramos el
perceive it. It’s as if the breaks are taken. The emptiness espaciamiento del tiempo, o mejor dicho, dejáramos de
between the ten-foot ramp and the woman with her percibirlo. Es como si las pausas fueran quitadas. El vacío
books at 50 meters shortened. There is no “z” axis. The entre la rampa a diez metros y la mujer con sus libros a
pause is over. It is as if we see a stream of consciousness. 50 metros se ha acortado. No existe el eje “z”. La pausa
It is “how” that makes the object itself, being and not se acaba. Es como si viéramos un flujo de conciencia. Es
being there. This is because “a lot of things come together el “cómo” que hace las veces del propio objeto, estando y
in one plan”. Not many, endless. no estando allí. Eso porque son “muchas cosas juntas en
un único plano”. Muchas no, infinitas.

118 119
Me interesso pela parte unreadable do texto.
É nessa brecha que a arquitetura existe.

O artista mexicano Alejandro Magallanes (e lembrando que tais regras, por não
defende que uma imagem jamais valerá pairarem no vácuo, só vivem nos próprios
por mil palavras, “porque mil palavras poemas e imagens analisados). Passemos
combinadas podem criar mais ou ao poema “Mandala”, de Pedro Xisto.
menos seis milhões de imagens”. Isso se Neste temos juntos espaço e texto em
evidencia no poema 13 Variationen eines uma única imagem. O texto salta da
themas, do poeta suíço-boliviano Eugen página, colocando em confronto o visível
Gomringer. Nele, vemos treze poemas versus o espacial. Talvez o poema tátil seja
diferentes feitos a partir de uma mesma o que se oferece, num primeiro momento,
matriz: quatro letras se espaçam do como a mais imediata junção de poema +
centro de maneira similar, podendo fazer questões arquitetônicas, uma ocasião
diversas combinações com as sílabas que para que interpretação textual e espaço
permanecem centrais. Pode-se formar estejam imediatamente juntos.
em diferentes direções as palavras baum
[árvore] e wind [vento]. A ordem escolhida Voltando a Magallanes, autor da frase
pelo leitor nesse caso determina a imagem. que define o principal caminho do
projeto, nos perguntamos: partindo
Este evidentemente é apenas um do princípio de que texto é imagem,
exemplo pragmático do que Magallanes quais são os eixos que fazem com que
afirma. Porém, o que nos interessa é o uma narrativa possa ser imagem?
seguinte: que o jogo espacial que o poema Acredito que, ao se torcer o conceito de
possui é determinante para que “mais cada eixo linguístico e colocá-lo no nosso
outras seis milhões de imagens surjam”. universo de apreensão [a arquitetura], é
O jogo espacial faz com que se criem possível ver uma cosa mentale. Ou
mais campos de significação. Existe um melhor, várias cose mentali. Foram
arranjo dado a este jogo para que ganhe então escolhidos cinco eixos da língua
mais camadas. A palavra wind [vento] para serem entremeados na paisagem
pode sugerir “um milhão de ventos”. A [a pontuação, o fluxo de consciência,
imagem de um vento é um único vento, a sintaxe e a parataxe, a sintaxe e a
ou ainda, uma única imagem. semântica da palavra, e a falta do texto].
Se a parataxe é a falta de conjunção
Que 13 Variationen eines themas seja ou coordenativa em um texto, afirmo que
não um grande poema está, por enquanto, é possível vê-la como cosa mentale na
fora de nossas preocupações, embora paisagem urbana. Ler um texto e idear
seja inegável seu papel exemplar, isto é, uma conjunção coordenativa, bem como
entendido como um feliz casamento entre também a falta dela. O que se pretende
a regra/ teoria que estamos discutindo e o fazer é alargar o sentido de cada eixo
caso propriamente dito, o próprio poema linguístico escolhido.
Se alterarmos o texto dentro do editor
da imagem JPEG, produzimos uma nova
imagem. Atrás de toda imagem existe
uma linguagem.
A pontuação
...como em Graciliano Ramos.

Talvez minha maior virtude tenha sido nascer míope.


A paisagem do míope é como um grande borrão, mancha
disforme em que as cores dos objetos vistos
ultrapassam
as fronteiras dos seus próprios contornos: entram na
borda da borda do outro e formam então, juntos, uma
paleta de poças de aquarela. E o mais bonito não é
isso, e sim, a ideia de que aquilo que está a dez metros
de mim se mistura, nesse momento, à pessoa que
chega segurando seus livros a 50 metros de distância.
Parecem estudos, ainda não prontos, de pinturas ligadas
à escola veneziana de Giorgione e Ticiano, que privilegiam
a cor em detrimento da linha.

A noção de profundidade é anulada. Tudo se apresenta


em um único plano. É como se os olhos estivessem em
lágrimas: vemos uma única coisa, o borrão. E é como
se
percebêssemos o espaçamento do tempo, ou melhor,
deixássemos de percebê-lo. É como se as pausas fossem
tiradas. O vazio entre a rampa a dez metros e a mulher
com seus livros a 50 metros se encurtou. Não existe o
eixo “z”. A pausa acaba. É como se víssemos um fluxo
de
consciência. É o “como” que faz as vezes do próprio objeto,
estando e não estando ali. Isso porque é “muita coisa junta
em um único plano”. Muita não, infinitas. No texto fluido
de Ulisses de Joyce, o fluxo de consciência das suas trinta
últimas páginas (o monólogo da personagem Molly Bloom)
é como um borrão de aquarela: as marcas do vazio foram
retiradas. A pontuação, que regula, dá ritmo, hierarquia,
mas sobretudo profundidade – no sentido espacial, de
atmosfera, de lugar – desaparece de cena. Estar sem óculos
é como estar sem pontuação, é ser privada dos intervalos,
daquilo que me faz ser um corpo no espaço.
CRÉDITO das IMAGENS
13 variationen eines thema (GOMRINGER,
1988). Imagem modificada pela autora.
Albert Einstein, fotógrafo Alfred
Eisenstaedt. Imagem modificada pela
autora.
Retina do olho [sem vírgula]. Biblioteca de
Imagens de Células. Disponível em: <www.
cellimagelibrary.org/home>. Imagem
modificada pela autora.
Impression, soleil levant, Claude Monet, 1872.
Disponível em: <www.theartpostblog.com/
en/things-to-know-about-claude-monet/>.
Imagem modificada pela autora.

referências
XISTO, Pedro. Mandala 1. In: Caminho.
Rio de Janeiro: Berlendis & Vertecchia
Editores, 1979.
Gomringer, Eugen. 13 variationen eines
themas. In: 31 poemas. trad. Percy Garnier
e Philadelpho Menezes. São Paulo: Editora
Arte Pau-Brasil, 1988.
Magallanes, Alejandro. História da arte em
100 desenhos. Revista Serrote, n 26.

Sobre A autora
Arquiteta e urbanista graduada pela
Escola da Cidade, em 2017.
gabriellagoncalles@gmail.com

127
Relato de Pesquisa da Escola da Cidade

Cartografia das Territorialidades Culturais


Beatriz Dias; Felipe Brunelli; Lucas Rodrigues; Marília Serra; Marina Schiesari;
Marina Bagnati; Pedro Norberto; Rebeca de Paula; Sabrina Sobreiro; Stella Tamberlini.

Orientadores: Prof. Dr. Pedro Sales; Prof. Ms. Fábio Mosaner;


Prof. Ms. Yuri Tambucci e Prof. Pedro Vada.

Histórico e objetivo Para alcançar seus objetivos a pesquisa


utilizou metodologias variadas e se dividiu
Cartografia das Territorialidades Culturais nas seguintes etapas:
foi um projeto desenvolvido por uma equipe • Constelações: descrição estatística e
interdisciplinar da Escola da Cidade que geoprocessada, tanto da localização de
teve início em um convênio firmado entre espaços e eventos de produção cultural
a faculdade e o Serviço Social do Comércio não institucionais – espaços e eventos
(Sesc) visando a construção da unidade aqui identificados como territorialidades
definitiva do Sesc Campo Limpo. Esta culturais – quanto dos contextos urbanos
pesquisa teve como objetivo estudar a em que se encontram inseridos e com os
produção cultural daquela região e os quais se relacionam diretamente;
espaços em que acontecem essas • Redes: a partir do levantamento de
atividades para oferecer subsídios campo e da elaboração de diagramas
adequados ao desenvolvimento do vetoriais, busca-se a descrição da(s)
projeto arquitetônico da nova unidade, escala(s) nela(s) implicada(s) (local,
permitindo que para além de um Sesc no urbana, regional e metropolitana) e os
Campo Limpo a nova unidade se torne um fluxos (de pessoas, de ideias, de ritmos,
Sesc do Campo Limpo. de narrativas, hábitos e condutas), que
Para captar a influência da futura atravessam, operam e dão sentido a
unidade do Sesc foram considerados cada territorialidade cultural;
os coletivos culturais que se localizam • Tipos: mapeamento e sistematização
em um raio de 3km do Sesc Campo Limpo, da tipologia dos espaços (condições e
escolhidos de acordo com a definição de suportes físicos) onde se dá a produção
Territorialidade Cultural: modos de cultural coletiva no território do Campo
povoar coletivamente o tempo, fora Limpo. Esse processo, realizado para
da segmentação durada vida: família, definir os lugares de operação de cada
escola, assistência e suas “idades” territorialidade cultural, deu-se a partir
(LAPOUJADE, 2015). da identificação, caracterização e
A noção de cultura que fundamenta agrupamento em séries pertinentes
a citada definição das territorialidades das estruturas morfológicas da cidade
culturais é aquela cujos sentidos são e dos edifícios utilizados;
dados pela antropologia. Segundo Wagner, • Grid: produção de material gráfico
“podemos falar de cultura como controle, que reúne, sistematiza e confronta
refinamento e aperfeiçoamento gerais entre si as informações obtidas nas
do homem por ele mesmo, em lugar da fases precedentes diante dos mesmos
conspicuidade de um só homem nesse parâmetros, com o objetivo de fazer
aspecto” (2010, p.54). Por sua vez, emergir padrões de regularidades
Manuela Carneiro da Cunha a descreve reconhecíveis entre as diversas
como “esquemas interiorizados que manifestações e eventos que constituem
organizam a percepção e a ação das cada uma das territorialidades
pessoas e que garantem um certo mapeadas e analisadas;
grau de comunicação em grupos • Cruzamento: atividade devolutiva
sociais” (2009, p.313). através de discurso e debate aberto

129
com todos os atores sociais envolvidos definidores de posições políticas ou de esta reflexão: quando se remete o “devir- Conhecimento em construção:
na implementação da unidade definitiva valores práticos e simbólicos: cidade” à possibilidade/ potencialidade de experiências interdisciplinares
do Sesc no território do Campo Limpo • pra lá/ pra cá da ponte; propiciar novos encontros e usos coletivos para leitura projetual
(produtores culturais, moradores da • Campo Limpo/ Capão Redondo; que não preexistiam, próprios e originais ao
região, frequentadores da unidade e • arte/ cultura; programa tradicional do Sesc, mas que só Pedro Henrique Norberto
funcionários da instituição), organizados • indivíduo/ instituições (na configuração nascem mesmo após serem postos em ato.
segundo dinâmica que inclui exposição das redes de apoio). Daí poder-se perguntar em que sentido, Glossário
física e divulgação material e oral dos “Tipo” separa territorialidades culturais medida e intensidade o projeto da nova Assunto: substantivo masculino. 1. Objeto,
resultados obtidos; desde o princípio em duas séries espaços- unidade Campo Limpo disporá condições/ matéria (de que se trata); 2. Tema, ponto.
• Site: reunião dos resultados e temporais: sedes e eventos. A primeira configurações físicas e funcionais, espaciais Adjetivo. 3. Elevado, assumido4. (PRIBERAM, 2013).
conclusões, através de textos, desenhos, diz respeito a uma posição fixa, estável, e programáticas capazes de fazê-la abrir- Conteúdo: substantivo masculino. 1. Assunto;
2. Os dizeres (duma carta); 3. O contido em
tabelas e quadros com o objetivo de contínua e frequente de ocupação do se àquela potencialidade/ possibilidade.
caixa ou qualquer invólucro. Adjetivo.
preparar material para o site (de um) espaço. A segunda mobiliza os Claro, sem deixar – evidentemente ou
4. Contido5. (PRIBERAM, 2013).
de divulgação do trabalho. modos de povoar o tempo livre, através geneticamente – de ser Sesc2. Mas poderá Dado: unidade de conteúdo que descreve
A produção de material técnico e do encontro/ intercâmbio ou da música/ ser isso admissível ou mesmo possível3? propriedades sobre as coisas; é quantificável e
expressivo visou coligir, sistematizar e poesia/ dança e, por isso, permite um Grid Seja como for, o foco da pesquisa sobre por si só raramente gera uma imagem sobre esse
confrontar entre si as informações obtidas que reagrupa seus componentes em três os grupos comunitários coletivos – e seu objeto. Ex.: dados do censo demográfico como
em cada fase precedente, de modo a reunir sub-séries: sarau, festival e cortejo. modo de povoar criativamente o tempo, preenchidos nas tabelas pelos censores.
e sintetizar argumentos e posições claras A matéria prima fundamental para isto é, as territorialidades culturais – buscou Epistemologias: estruturas que determinam
sobre o território e as territorialidades a reflexão e elaboração de síntese crítica captar não sua extensão, mas a intensidade sob uma perspectiva conhecimento e crença
culturais levantadas. Tinha como objetivo que pudesse alimentar e provocar, das forças e das vozes locais de expressão justificada, determinando seus meios de atuação.
fazer emergir padrões de regularidades programática e conceitualmente, o projeto cultural e de resistência/ reivindicação Estrutura: parâmetros que definem como se
coleta e armazena conteúdo, tanto na coleta/
que se possam construir entre as da nova unidade Sesc do Campo Limpo política supostamente mais capazes
produção quanto seu acesso. Ex.: um censor ao
diversas manifestações e eventos adviria, como previsto desde a concepção de enxertarem (fertilizarem) e serem
entrevistar uma pessoa contém um questionário
que consubstanciam cada uma das inicial da pesquisa, do cruzamento de enxertadas (fertilizadas reciprocamente) com perguntas preestabelecidas pela estrutura
territorialidades culturais mapeadas e pontos de vista técnico dos pesquisadores; pelo Sesc Campo Limpo. de informação construída pelo instituto do
analisadas. Ademais, encadeamento desde sua abordagem urbanística, A realização desse trabalho possibilitou censo, que leva em consideração as demandas
necessário ao desenvolvimento da antropológica e arquitetônica da realidade à equipe de pesquisa o estabelecimento de seus usuários sobre qual tipo de conteúdo
pesquisa, tal material organizado em do território em pauta, seu funcionamento de uma nova metodologia a partir de eles precisam que seja fornecido para a
forma expositiva alimentou uma e os modos de vidas que o permeiam um enfoque interdisciplinar. Não apenas realização de serviços.
espécie de “devolução crítica” dos e modificam continuamente e aquele em seu objetivo principal, mas também Influência: condição que um objeto tem
conteúdos aos grupos pesquisados, ao prático-político-sensível dos moradores e em relação a seu caráter formativo, o que o atrela um elemento de si a um elemento
Sesc e ao próprio grupo técnico que produtores culturais, resultante trabalho possibilitou novas reflexões de outro, ou seja, que seu funcionamento
modifica o funcionamento alheio. Ex.: hoje o dia
projeta a nova unidade Campo Limpo. sempre renovada da percepção e e experiências para os estudantes de
está nublado, portanto sairei com um
Sem a intenção de descrever os resistência direta, cotidianamente arquitetura integrantes da equipe. Os
guarda-chuva caso chova.
resultados (provisórios e sempre parciais, experimentada desta realidade. artigos a seguir trazem contribuições ricas Informação: unidade de conteúdo que
pois sujeitos a combinações múltiplas), a É sobre a linha que articula e faz cruzar – para compreender aspectos do trabalho e permite acesso a uma leitura sobre um conjunto
revisitação da série de dados e informações em perspectiva técnica e político-sensível – dilemas, oportunidades e especificidades de dados, através de uma visualização ou filtro
trabalhadas sob o tema Constelações os conteúdos e formas de expressão de do processo científico e técnico do dos mesmos. Ex.: a confecção de produtos
indica o afortunado cruzamento e cada um dos módulos que uma reflexão fazer arquitetônico e seu contato com gráficos (gráficos, mapas, diagramas etc.)
recombinação de layers ou camadas crítica deve ser construída, com o objetivo outras disciplinas. Realizar esse tipo de a partir de um repositório.
temáticas, ao produzir novas pistas de apontar ou, pelo menos, sugerir experimento e refletir sobre a experiência Procedimento: comportamento previsto
(cartográficas) para a apreensão da caminhos interpretativos e alternativas é fundamental para o estabelecimento num processo descrito por uma estrutura de
realidade estudada. O procedimento provocadoras ao projeto de arquitetura da não de um método fechado, mas de um pensamento Ex.: os procedimentos para análise
para isso dá-se por divisão, justaposição nova unidade. Nesse sentido, não parece protocolo de atuação que segue sendo quantitativa do censo demográfico.
Processamento: ocorrência na qual um
e agrupamento das tipologias de demasiado retomar o que se alertava desenvolvido e aprimorado.
conteúdo é acessado, interpretado e
territorialidades culturais – mapeadas já no plano de trabalho: tal provocação São apresentados a seguir duas
sintetizado, geralmente ascendendo
e caracterizadas em suas singularidades não pretende evocar nenhum sentido reflexões sobre os processos de trabalho
nos estratos da corrente DICS.
pelas operações das quais resultam ou contextualista, ou caráter mimético, da e seus desafios, desenvolvidas por alunos
das quais derivam, assim como pelos cópia de modelos, da analogia tipológica ou integrantes da pesquisa Cartografia das
traços ou qualidades expressivas da representação/ reprodução de situações Territorialidades Culturais. 1. Introdução
que lhes correspondem. locais, mas sim o de apontar linhas do Organizar o mundo a nossa volta é
A etapa “Rede” retoma pela mapa do “devir-cidade”1 do Sesc. uma atividade fundamental da mente
confrontação e cruzamento entre “séries O que poderia parecer algo obscuro humana. Na casa, no trabalho em lojas e
geográficas” de pares, não dicotômicos, talvez possa ganhar contornos mais nítidos até em computadores humanos tendem
nem sempre complementares, mas e servir, uma vez mais, de orientação a

130 131
a agrupar coisas. [...] Reconhecer itens grupo de pesquisa e, por consequência,
similares e distingui-los de outros é enriquecê-la. Extrapolando estes esforços,
parte de como damos sentido ao mundo as questões levantadas pelo projeto da
e parte de nossa cognição. (GOLUB, 2014, exposição também se mostraram válidas no
p.1, tradução nossa). entendimento do método da pesquisa. Tendo
em vista os procedimentos de levantamento
No momento em que se coleta um de cada uma das etapas da pesquisa,
dado é necessária a construção de uma levantaram-se as interações entre disciplinas
estrutura para contê-lo, a qual prevê no momento de processá-los e as inúmeras
uma série de perguntas ao mundo que demandas de tradução do conteúdo em
conduzem a construção de informações forma de produtos legíveis, tanto para o
que buscam descrevê-lo. Numa pesquisa cliente, quanto para o grupo de projeto da
como a Cartografia das Territorialidades nova unidade do Sesc Campo Limpo.
Culturais, o processo de transformar o O foco deste ensaio é entender como
dado em informação é resultado de se organizaram os dados levantados,
uma série de interações entre disciplinas, no relembrar de suas várias origens de
que teve como condições para essa prospecção e na produção prevista entre
transformação uma troca clara de as etapas da pesquisa, por meio do esforço
procedimentos e metodologias entre de ler a estrutura da Cartografia das
Antropologia, Arquitetura, Etnografia e Territorialidades Culturais; trabalhando
Urbanismo, que se traduziu em etapas de noções de conteúdo e assunto em estruturas
trabalho para coleta de dados. de informação para descrever novas
Em projeto realizado paralelamente6 faces da não linearidade na pesquisa da
com a Cartografia das Territorialidades Cartografia das Territorialidades Culturais.
Culturais por alunos-pesquisadores
da Escola da Cidade, foi estudado
2. Lendo o conteúdo da pesquisa:
extensivamente o funcionamento do
método do projeto a partir de sua descrição
a hierarquia entre fases e a
e criação de diagramas para representar dualidade dado-informação
sua estrutura de funcionamento. Em um primeiro contato com os produtos
Ao fim deste projeto paralelo, (e o próprio plano) da pesquisa a impressão
identificou-se que o método continha um que temos é de execução do plano de
funcionamento não linear, ou seja, que a trabalho com sentido único, levantando
execução de uma etapa não continha só conteúdo da fase atual, processando-os
um sentido de influência do começo ao fim e por fim levantando o necessário para
da pesquisa, mas que esta influência de prosseguir a fase seguinte:
um procedimento sobre outros que viriam
depois pode pular etapas, constituindo uma Reunião, sistematização e
rede que descreve novas possibilidades entrecruzamento das análises e
sobre como reinterpretar a aplicação informações urbanísticas (contexto)
do método, as quais foram descritas no [constelações], antropológicas/
Diagrama da Máquina (fig. 1). etnográficas (rede) [redes] e
No entanto, com o fim da pesquisa era arquitetônicas (tipologias espaciais)
prevista uma devolutiva7 aos produtores [tipos] em um processo de síntese
culturais da região, o que resultou na que possa expressar as singularidades
exposição Cartografia das Territorialidades de cada territorialidade estudada e
Culturais, que ficou em mostra na unidade as operações que delas derivam ou
do Sesc Campo Limpo durante os meses de que são possibilitadas por elas [grid,
setembro a dezembro de 2017. cruzamento]. (GPEC, 2016, p.4).
Projetar a exposição levantou questões fig. 1:
diversas, desde como organizar os dados Houve um certo cuidado na descrição Diagrama da Máquina: este diagrama é uma ampliação de um diagrama maior realizado no trabalho “Pesquisa-
expostos com clareza – para permitir dos produtos e objetivos de cada etapa, Projeto-Cliente-Arquiteto”. Uma linha cinza estabelece a ordem de execução das etapas de trabalho na pesquisa.
Um nó pequeno fora da linha cinza representa uma pergunta, a qual conecta a partir de linhas pretas contínuas, as
leituras as quais o grupo de pesquisa principalmente com os procedimentos, para questões diretamente relacionadas aos procedimentos das etapas. Indica-se através de linhas pontilhadas, etapas de
pretendia transmitir com a sua coleta –, que estes correspondessem às disciplinas e trabalho da pesquisa indiretamente influenciados pelas respostas dos procedimentos de linha cheia, assim mapeando
uma rede de influências ao longo do método desenhado para a Cartografia das Territorialidades Culturais.
como possibilitar aos visitantes articular também procurando antecipar como iriam
Imagem elaborada por Gabriela Duarte; Layla Kamilos; Marília Serra; Pedro Norberto; Sofia Boldrini, 2017.
informações por vias não exploradas pelo interagir. Por exemplo, previu-se que na fase Disponível em: <ev.escoladacidade.org/portfolio/modos-de-pensar-modos-de-fazer-g-01/>.

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Grid existisse um espaço em comum para efetividade. O julgamento de valor de culturais e das fichas tipológicas; e, por gerais e sua inter-relação com o
que nas etapas tivessem a oportunidade de um ato nunca é independente do juiz, e fim, o conteúdo abstrato, a partir das contexto urbano, a localização […] e a
justapor seus conteúdos, seus resultados, raramente é o mesmo entre dois juízes. justaposições e novas leituras realizadas inserção urbana […] das territorialidades
como meio de permitir construção mais (ACKOFF, 1999, p.170-172, tradução nossa). em Grid, como especificado por etapa: culturais identificadas […] [informação
complexa e aprofundada do conhecimento Constelações – genérico; Redes – específico; (constelação), dado-informação (redes e
sobre a produção cultural dos arredores Ackoff separa conteúdo em quatro Tipos – específico; Grid – específico- tipos), informação (grid)]
do Sesc Campo Limpo, construção essa categorias, que estão organizadas numa abstrato; Cruzamentos – específico- 2. Redes [...]
que seria capaz de provocar a produção hierarquia de conteúdo menos processado abstrato; e Relatório – site-abstrato. [...] 2.2 Pesquisa em campo para
arquitetônica da nova unidade. (dado) a mais processado (conhecimento), Contudo, de acordo com Hey (2004), entender alguns fenômenos sociais
Discutir sobre estes estratos de com cada nível desta estrutura o poder de um dos elos da corrente (fluxos, ocorrências, dinâmicas e
conteúdo, no entanto, exige maior correspondendo a uma finalidade ao DICS de influenciar, assim como de se estáticas) destas territorialidades,
detalhamento do que seria uma quase- conteúdo: dados descrevendo propriedades transformar em outro elo, a Cartografia mostrando-se necessária a investigação
hierarquia com a qual identifico tais sobre objetos; informação atuando como das Territorialidades Culturais apresenta de parte da vida cotidiana atual [dado
estratos; descrita por Hey (2004, tradução leitura regrada destas propriedades; a mesma dinâmica com sua produção. (redes), informação (tipos)]
nossa) como a “Corrente Dado, Informação, conhecimento como a articulação As etapas preliminares da pesquisa [...] 2.3 Mapeamento, sem distinção de
Conhecimento e Sabedoria” (DICS), e destas leituras de modo a construir atuam como ponto de partida de etapas importâncias e hierarquias, das forças
ilustrada ao citar o poema “The Rock” procedimentos; e por fim, sabedoria que subsequentes: seja abrindo mão do seu e interações reconhecidas por parte
(ELIOT, 1934): “Where is the life we have lost articula a noção destes procedimentos poder de síntese como produto por si só da Escola da Cidade com intenção de
in living? Where is the wisdom we have lost de modo a atribuir valor, a capacidade de ou como o ápice do conteúdo sintetizado identificar padrões de comportamento
in knowledge? Where is the knowledge we julgar conjuntos de procedimentos. e interpretado sob uma perspectiva – logo [informação (redes), dado - informação
have lost in information?”. Ao construir essa corrente entre saber, atuando como sabedoria ou conhecimento; (grid)]. (GPEC, 2016, p.7-9).
A corrente DICS prescreve uma relação conhecimento e informação é exposta ou descrevendo detalhadamente as
direta e crescente entre dado, informação, uma relação entre os conceitos que é propriedades de um objeto observado – Em Constelações, etapa alinhada à
conhecimento e sabedoria na qual: usualmente expressada por seus níveis atuando como dado ou informação. produção e procedimentos de
de processamento, ao articular “grandes Isto é visível na descrição das atividades urbanismo, por exemplo, o item 1.2
Dados são símbolos que representam quantidades de dados que são destilados de cada etapa, que estabelece mais de atua como dado e informação para
as propriedades de objetos e eventos. a uma quantidade menor de informação, um produto ao qual pertence a ordens uso nos procedimentos da fase, mas
Informação consiste em dado que em seguida é agregada para ser mais diferentes na corrente DICS, podendo uma seu conteúdo em geral foi utilizado
processado, com seu processamento destilada, para ser mais amplamente mesma fase conter dado, informação etc.; como dado para melhor definir quem são
direcionado em aumentar sua aplicável como conhecimento” (HEY, 2004, assim como se observada pelo ponto de os produtores culturais a serem visitados
usabilidade. Por exemplo, censeadores p.2, tradução nossa). vista de uma fase seguinte, o produto que em Redes e Tipos, etapas alinhadas à
coletam dados. A equipe do censo então Com a leitura das fases de pesquisa antes era dado pode se comportar como produção e procedimentos de antropologia
processa estes dados, convertendo-os e o modo como conteúdo tomou forma informação para ela e vice-versa: e arquitetura respectivamente.
em informação a ser apresentada nas na chave descrita acima, rapidamente Desta forma é possível entender como
numerosas tabelas publicadas nos se identificou aproximações desta 1. Constelações [...] as atividades de uma fase continham ainda
Resumos Estatísticos. Assim como interpretação com o conteúdo e a estrutura [...] 1.2 Compilação de informações já produções que tem um fim em si mesmas.
dado, informação também representa da pesquisa, tanto a partir de esforços recolhidas, busca e identificação de Passíveis de construção de conhecimento
as propriedades de objetos e eventos, similares no processamento de dados em potencialidades na Internet; [dado - em suas respectivas etapas ao mesmo
porém de forma mais compacta e útil. Constelações, Redes e Tipos, como no informação (constelações), dado (redes tempo em que se comportaram como
A diferença entre dado e informação é processamento de conteúdo a níveis mais e tipos)] dado, informação etc, de acordo com a
estrutural, e não funcional. altos da corrente DICS – neste caso o grid, o 1.3 Verificação e convite por parte da etapa que as processou. Logo, serviram
Informação está contida nas descrições, qual se julga ser mais apto de provocação Gerência da unidade do Sesc Campo como conteúdo necessário para dar início
respostas as questões que começam de projeto, acesso e fertilização cruzada8 Limpo, junto com Escola da Cidade, dos a fases posteriores.
com palavras tais como quem, quê, por seus “juízes” subsequentes, neste caso principais agentes culturais coletivos Ou seja, a fase Grid, que serviu como
quando, onde e quantos. Conhecimento os usuários e os produtores culturais em atuantes no campo de estudo; [dado - agregador de conteúdo entre etapas e
convém as instruções, respostas as momento de devolutiva. informação (constelações), dado (redes procedimentos entre disciplinas, e
perguntas de como […] Isso se torna mais aparente na medida e tipos)] comotal tem aptidão para atuar como
[...] Sabedoria lida com valores. Ele em que o Grupo de Pesquisa Escola 1.4 Levantamento e mapeamento recurso que sintetiza grande porção da
envolve o exercício de julgamento. da Cidade (GPEC) classificou conteúdo censitário preliminar do perfil pesquisa, não deve ser lida como um
Avaliações de eficiência são todas em três ordens: o conteúdo genérico, socioeconômico dos segmentos produto isolado e único capaz de
baseadas numa lógica, que a princípio, proveniente de dados estatísticos e leituras populacionais presentes, incluindo descrever o trabalho. Grid é crucial
pode ser programada num computador urbanísticas que dão uma imagem sobre número de habitantes, renda, faixa caso se pretenda explorar a complexidade
e automatizada. Estes princípios o objeto de estudo numa esfera genérica, etária; [dado (constelações), informação da pesquisa e conhecer o andamento
avaliativos são impessoais. Podemos de escala urbana; o conteúdo específico, (redes e tipos) […] das etapas que precedem, pois sua
falar de eficiência como um ato que provém das leituras antropológicas a 1.8 Cartografia interpretativa (gráfica execução pode mudar à medida que se
independente do autor. Não tanto para partir dos relatos e visitas aos produtores e textural) das condições urbanísticas exploram os resultados das fases iniciais

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da pesquisa, assim como o próprio No entanto, problemas podem surgir a epistemologias, ou seja, nos pontos em de se definir os limites de um assunto, e
funcionamento delas. partir dessa mesma interação. Vejamos, por comum entre as estruturas que definem com isto definir limitações no escopo de
A partir do pressuposto de que a exemplo, o caso que Golub (2014) apresenta conhecimento para uma disciplina, atuação de uma disciplina que facilmente é
ordem das etapas da pesquisa influencia no prefácio de seu livro, em relação à longa consequentemente moldando seus confundível com outra, com a qual contenha
em procedimentos e produtos, colaboração em sistemas de acesso à procedimentos e sua aproximação diante objetivos, práticas e discussões em comum.
apresentamos alguns dos recursos informação entre biblioteconomia e de um objeto de assunto. E adiciona:
identificados em sua estrutura que ciências da computação: E como tal, o assunto-conteúdo é
permitiram a interação das etapas essencial para definição destas interações, Renunciar a uma determinação exata
de trabalho – que se relacionam mais A natureza interdisciplinar de ciência através de uma relação objeto-índice9 sobre um dos conceitos básicos de
diretamente com algumas das disciplinas da informação e de biblioteconomia existente entre assunto e conteúdo. Ela biblioteconomia e ciências da informação
em atuação na pesquisa – e algumas das tornou evidente que existe potencial permite discutir sobre a produção, sem é matéria questionável. Não aceitamos
dificuldades na realização do mesmo. considerável para esforços conjuntos lidar com algumas das complexidades que tal agnosticismo como Patrick Wilson10.
para criar sistemas de recuperação se encontram em práticas limitadas às Como veremos adiante, é possível
de dados efetivos e amigáveis ao áreas e em contato direto com a produção, definir assuntos. Mas não através do
3. Conexões de conhecimento: usuário [...] Ambas as disciplinas tornando assunto um recurso agregador ou exame das mentes de autores, usuários
assunto como ponte científicas partilham de alvos comuns, segregador de conteúdo. ou quaisquer grupos específicos de
Como já mencionado, as etapas da um dos maiores sendo suportar Além disso, o termo “assunto” direciona pessoas [...] Tentativas de ir além
pesquisa envolveram discussões e recuperação de dados de recursos o escopo de investigação, seja de disso levantam a questão: quais são
procedimentos que se alinharam mais por assuntos ou tópicos. acesso, processamento e/ou produção de os critérios objetivos para o assunto
com determinadas disciplinas devido As duas disciplinas contêm planos de conteúdo, mas não sem conter alguns de um documento? (BIRGER, 1992, p.176,
à natureza do conteúdo que aquela fundo epistemológicos distintos, que vícios e dificuldades de interpretação tradução nossa).
etapa se propunha a trabalhar, fosse ele são ambos uma vantagem e como Birger (1992) apresenta em
conteúdo proveniente de tabelas de censo desvantagem em relação a junção de diferentes leituras filosóficas que tratam Construir sobre essa perspectiva
demográfico ou conteúdo construído esforços para a criação de sistemas da definição de assunto: isolada, definida a partir de um espectro
a partir dos relatos feitos nos dias de de recuperação de dados amigáveis de atuação que tem sua origem na
visita à exposição pelos pesquisadores. ao usuário. Uma vantagem seria que De um ponto de vista ingênuo leitura e interpretação de pessoas
Ou seja, os conteúdos com os quais a a mistura das teorias, metodologias (realista direto), o conceito de (idealismo subjetivo), não isola a prática
pesquisa se propunha antecipadamente e aproximações das disciplinas ‘assunto’ ou ‘matéria de assunto’ não se de uma disciplina da outra, e sugere uma
a trabalhar, posteriormente alimentaram feitas de forma apropriada, podem mostra como problema: é meio óbvio o interação entre conteúdos por meio
a realização de outra etapa, alterando gerar excelentes soluções para que são assuntos. O livro Psicologia Geral desses critérios de objetividade que
o comportamento e interpretação do certos problemas [...] Uma grande tem naturalmente o assunto ‘psicologia’, cercam esse invólucro de conteúdo com
conteúdo, este agora a ser lido por outra desvantagem pode ser que as teorias, e a História da Inglaterra Cambridge suas práticas, leituras e interpretações.
etapa da pesquisa. metodologias e aproximações que tem ‘história’ como seu assunto, Isto se torna muito relevante à medida
Inicialmente, falar de assunto é tratar diferem entre si, possam criar obstáculos podendo ser subdividido, caso assim que trazemos esta reflexão para o conteúdo
de temas e limites que ele assume, de à comunicação e o entendimento se deseje, em ‘história mundial’ da pesquisa, uma vez que nesta associação
forma a complementar conteúdo. Se por entre as duas disciplinas. Ciências da e ‘história da Inglaterra’. direta, mas não exclusiva, entre etapa
um lado conteúdo trata da composição computação, biblioteconomia e da Um ponto de vista menos ingênuo e disciplina, levanta-se a questão de
de algum quê sem distinções, por outro, informação freqüentemente utilizam reconheceria que não é necessária a quais os critérios que dão forma à
assunto determina como dividi-lo e terminologias diferentes que significam correspondência entre, por exemplo, o atuação de uma etapa?
limitá-lo de acordo com a aproximação a mesma coisa e contenham diferenças título de um livro e seu ‘assunto’ de fato. Durante o processo a pesquisa trilhou
feita por um observador. Essa aproximação conceituais inatas[...]. (GOLUB, 2014, p.1, Autores com um pano de fundo numa um caminho similar à leitura de assunto
é arbitrária, mas em geral é definida pela tradução nossa). disciplina em particular (por exemplo idealista subjetivo para realização
metodologia de uma disciplina, como psicologia, psiquiatria ou sociologia) de leituras na fase do Grid. Com um
ocorre usualmente numa pesquisa, No caso citado, as vantagens podem apresentar a tendência de entendimento das questões a serem
ou resultado de uma interação entre residem na ampliação de recursos nomear seus trabalhos com sua própria levantadas em cada fase, determinou-se
disciplinas, como ocorreu na Cartografia e leituras que resultam desta disciplina, mesmo quando o conteúdo quais seriam as informações necessárias
das Territorialidades Culturais. colaboração, e simultaneamente trazem dos trabalhos pode tão facilmente para prosseguir com a confecção do
Por um lado, a escolha pela combinação incompatibilidades de terminologia ao justificar menção de outro campo. ‘Uma Grid para então agregar informações de
de metodologias entre etapas diante de representarem conceitos diferentes com história de psiquiatria dinâmica’ também diversas origens e formas de expressão.
um assunto pode apresentar grandes as mesmas palavras. Isso coloca em risco pode ser chamada de ‘Uma história de Em suma, procurou-se objetivar a
vantagens quanto à representação que as facilidades de acesso e produção de psicologia dinâmica’ e qual seria o seu informação ao afastar o acesso ao
uma pesquisa apresenta, e na atenção conteúdo, tornando mais complexo o assunto de fato [...]? (BIRGER, 1992, p.172- conteúdo de particularidades trazidas
a conteúdo durante levantamento e processo de trabalho. 173, tradução nossa). anteriormente pelo interpretante.
processamento do conteúdo, até soluções Mas como Golub ressalta em seguida, Contudo, Birger atenta que nos esforços
inusitadas a problemas que venham o ponto chave dessa forma de abordagem Ao mencionar uma abordagem realista pela busca de critérios em comum entre
à tona por meio deste choque. reside nas compatibilidades entre as direta, Birger aponta para as dificuldades assuntos no momento em que se objetiva

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conteúdo, propõe-se encontrar uma e dos isolados guiou a conjuntura de exija pré-requisitos subjetivos especiais, novos conhecimentos enquanto se preserva
estrutura que não é limitada pelo particular, que talvez exista uma ‘sintaxe absoluta’ isto implica que a realidade, o teste a memória do processo na pesquisa.
já que a expressão de conteúdo sobre diante dos constituintes dos assuntos do documento em prática, irá em Cada fase, representada na fig. 2 pelos
determinados assuntos é universal: dentro de um assunto básico, talvez última instância decidir seu potencial círculos, está inscrita em polígonos em
paralela à sequência do processo de informativo, não importe quantas más tons de cinza equivalente às categorias
Idealismo objetivo [...] considera um pensamento em si mesmo, independente colocações sejam feitas anteriormente. de conteúdo genérico e subjetivo, contidas
conceito como um resumo psíquico da língua na qual as ideias serão (BIRGER, 1992, p.176, tradução nossa). por um polígono em branco maior que
ou entidade mental (uma ideia) expressadas, independente do plano de os anteriores, onde há possibilidade para
que existe em si e por si próprio, e a fundo cultural ou outras diferenças nos No momento em que realidade é eleita movimentação e reorganização dentro do
relação disto com coisas concretas é ambientes em que especialistas, assim como árbitro assunto-conteúdo acaba se que seria o espaço do conteúdo articulado.
tal que estas coisas compartilham nas como criadores e usuários do assunto, valendo de uma interpretação subjetiva Pela forma como foi representada, a
entidades mentais que as representam serão colocados [...]. (GOPINATH, 1976 apud (no que concerne o conhecimento dos figura sugere que existam trocas entre
via o conceito. Realismo (no sentido BIRGER, 1992, p.178, tradução nossa). interpretantes), determinando como fases, e como levantado ao longo do
acima) considera, noutras palavras, cada interpretante possui abertura para texto, a ordem de execução do método
que conceitos genéricos representam Essa sintaxe absoluta de ideias, embora manipular esse assunto de acordo com modifica o funcionamento de fases
algo universal, que existem além e levante fatores cruciais na comunicação sua metodologia, e parte objetiva que subsequentes. No entanto, isso independe
independente da consciência humana, entre etapas, “não é a mais eficiente almeja a interação entre interpretações de da existência de conexão (já foi constatada
e que ao mesmo tempo existem ante em toda a situação. Ao abrir mão de diferentes origens. Essa estrutura esteve uma interação com todos os nós dessa
coisas separadas [...] contexto e particularidades que dependem diretamente alinhada aos interesses da rede), voltando-se à interpretação de
Traduzido em termos do problema do contexto” (BIRGER, 1992, p.178) para etapa Grid: “A primeira noção de grid que conteúdo em seus diversos graus de
de ‘assunto’, isto significa que melhor cercar o conteúdo abordado, aqui interessa explorar é a de estrutura processamento, representados pelo
documentos concretos compartilham como as demandas para a produção do potencial de construção e organização gradiente de menos processado (mais
‘ideias’ expressadas num dado conteúdo, ela perigosamente traz esforços formal e de disseminação de informação escuro) até mais processado (mais claro).
assunto. Estas ideias existem além da de agregação (similares ao Grid) como visual. Nesse sentido, grid se apresenta A partir da reorganização destes polígonos
consciência humana (ou dentro dela elementos que achatam a interpretação como possibilidade de integrar, num internos, construiu-se uma articulação
como percepções ‘a priori’) e também da realidade e suas ramificações possíveis. mesmo espaço articulado, vários tipos de de conhecimento, que no momento
precedem conceitos individuais em Demandas de produção que quando informação [...]” (GPEC, 2017, p.9). de ser posta em teste, vinculou-se a
documentos individuais. Estas ideias levadas em consideração abrem caminho Tomar como premissa que grid é outras unidades de conhecimento para
ou assuntos têm propriedades fixas para a apreensão de propriedades em uma estrutura que prevê e permite que construir uma imagem mais precisa sobre
ou universais; eles podem de uma vez potencial que sejam relevantes aos construções em potencial se agreguem, conhecimento do objeto de estudo.
por todas serem separados em partes objetivos de uma pesquisa. reforça a noção de que ordem da pesquisa Logo o diagrama sugere que a produção
individuais [...]. (BIRGER, 1992, p.176, Falar de potencial, segundo Birger, é influencia o produto final, tanto a partir da de conteúdo na pesquisa poderia ter
tradução nossa). “falar de possibilidade objetiva” (1992, produção que pode ser readaptada até certo como ponto de partida tanto a execução
p.185). Neste caso, objetividade se relata a momento na pesquisa, quanto pela maneira de fases como Constelações, quanto
Sob esta ótica, o assunto assumiu duas condições a partir “da epistemologia como ela se propõe a ser testada pela Redes, ambas alimentam a etapa Tipos
um papel que exprimiu e articulou seus realista: 1. é independente do sujeito que realidade, como previsto pela realização de (tanto se inicialmente, quanto se realizada
elementos constituintes numa macroescala a apreende; 2. está em acordo com a uma devolutiva em P6 - Cruzamento. posteriormente) e que quando realizada
diante destas ideias que estavam para realidade.” (BIRGER, 1992, p.182). Isso é real Para demonstrá-la na estrutura da são concentradas e relidas diante dos
além do objeto e que, por isso mesmo, tanto para acesso a conteúdo quanto para pesquisa, sugiro num primeiro momento parâmetros de Grid.
realizou interfaces e permitiu a busca por produção, e que este conteúdo em potencial reconstituir o fluxo de andamento da Finalmente essas partes de conteúdo
regularidades, proximidades e disparidades se intensifica à medida que sua descrição é pesquisa, relembrando os momentos de contam com Constelações e Redes nos
diante deste parâmetro em comum. Não colocada a teste com a realidade: conteúdo genérico > específico > abstrato pontos menos processados da corrente,
por coincidência tal leitura se assemelha agora os sugerindo como genérico > lembrando que agora temos produtos de
ao objetivo e funcionamento de Grid, cuja Para repetir: existe um contraste direto subjetivo > articulado. Sugere-se esta cada uma das fases em diferentes
distância pode ser ilustrada por Birger entre os dois conceitos de objetividade mudança pelo objetivo da criação das pontos da Corrente DICS, enquanto
quando cita um artigo sobre a Classificação na avaliação das propriedades mais categorias durante a pesquisa, de Tipos e Grid se aproximam de um
de Vírgulas (GOPINATH, 1976, p.60): significativas de um livro e seus assuntos, iluminar as qualidades de cada uma grau de processamento dos dados -
sucessivamente. A solução não é uma das classificações diante dessa então informação como conhecimento para
2.7 Sintaxe absoluta de ideias decisão por maioria (um reconhecimento apreendida progressão do conteúdo, futuramente realizar essas comparações
Um assunto é em grande parte o por uma maior quantidade de pessoas). buscando novos jeitos de abordar o de conhecimento com a devolutiva.
produto de pensamento humano. Ele A solução é uma argumentação explícita conteúdo da pesquisa, ainda mantendo Prosseguir com o reconhecimento de
apresenta um padrão de ideias criado e, se não é a provisão de uma prova, deve a noção das escalas de pensamento. Por potencial na estrutura de pesquisa exige
por especialistas de qualquer campo ao menos ser capaz de estabelecer uma meio dessa terminologia se propõe vincular entender que, em geral, cada uma das fases
de inquisição. Trabalhando num nível possibilidade. Quando mantemos que a escala da informação, com nível de contém três momentos de execução:
quase-seminal e postulando sobre uma as propriedades de um documento são objetividade e processamento de conteúdo • Levantamento: definição de um escopo
sequência favorável diante das facetas objetivas, mesmo que a sua descrição (seja dado ou informação) para articular de conteúdo para prospecção ora de

138 139
fig. 3:
Ampliação do Diagrama Genérico –
Subjetivo – Articulado: indica dinâmicas
fig. 2: e interações internas e entre fases de
Diagrama Genérico – Subjetivo – Articulado — Nós respectivos as fases inseridos numa lógica do quão processado pesquisa analisadas.
é o dado de acordo com seu gradiente representado pelos planos(Cinza Escuro: Dado/Informação; Cinza Claro: Imagem elaborada pelo autor, 2018.
Informação; Branco: Informação/Conhecimento), e pela maneira como articula esse conteúdo produzido para
interpretar a realidade, e por fim, ser posto à prova tanto por ela, quanto por outras descrições dela(devolutiva). fig. 4:
Dados e informações de Constelações e Redes foram necessários para dar início a Tipos tanto quanto Grid logo Ampliação do Diagrama Genérico –
se conectam tanto a esta etapa intermediária de processamento quanto a final, indicando em cada tom deste Subjetivo – Articulado: indica dinâmicas
gradiente, a conformação de diferentes grupos de informação numa unidade de conhecimento. Conhecimento este e interações internas e entre fases de
posto a prova em contato com a realidade e outros conhecimentos. pesquisa analisadas.
Imagem elaborada pelo autor, 2018. Imagem elaborada pelo autor, 2018.

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dado, ora de informação etc, a depender o funcionamento de outras fases e atuam de recursos que permitam melhor descrição mais detalhada de como ela se
do objetivo da fase; como vínculos entre disciplinas. compreender a produção da Cartografia configurou e quais eram seus objetivos.
• Interpretação: leitura do conteúdo Desta forma, começar com Constelações das Territorialidades Culturais, como Tendo como intuito fomentar um
levantado para seleção e filtro, de ou começar com Redes mudaria a qualidade resultado de uma pesquisa interdisciplinar diálogo12 entre as partes envolvidas na
modo a melhor se enquadrar no escopo do andamento da pesquisa, pois a produção que trabalhou com conteúdo proveniente de produção da pesquisa – pesquisadores e
previsto pela fase; resultante da fase determina uma reflexão múltiplas fontes, formas de representação pesquisados –, além de levar o conteúdo ao
• Tradução: construção de produtos inicial sobre a etapa seguinte podendo e uma devolutiva com a população, público geral (não apenas frequentadores
legíveis que descrevam o conteúdo modificar seus pontos de partida por meio produtores culturais do Campo Limpo do Sesc, mas à população dos bairros
levantado e estejam preparados para de alguns dos vínculos mapeados na fase e público do Sesc Campo Limpo. E que de Campo Limpo, Capão Redondo e
uso numa leitura posterior. que lhe antecede, para além de outros que ao fim de tudo, propôs-se a revisar todo Jardim São Luís como um todo), a
É importante ressaltar que embora a podem existir em seu conteúdo. o conteúdo levantado com o intuito de etapa Cruzamentos se materializou
atuação das fases da pesquisa transmita Com isto, essa reflexão sobre o conteúdo provocar o projeto de um condensador em uma exposição no Sesc Campo
a aparência de uma linha de sentido da Cartografia das Territorialidades social do porte do Sesc. Limpo denominada Cartografia das
único, sua operação ocorreu muitas Culturais chega a uma conclusão Assunto e conteúdo têm o potencial Territorialidades Culturais, de setembro a
vezes de forma simultânea, pois o trazendo à luz um dos pensamentos sobre de permitir novos pontos de partida para dezembro de 2017, onde foram exibidos os
conteúdo levantado frequentemente tinha fertilização cruzada citados no Relatório 7: responder à demanda, uma vez que cada resultados dos meses de produção.
diferentes níveis de processamento. Relatório Conclusivo (GPEC, 2017, p.68): fase contém um produto resultante de Essa etapa do trabalho foi configurada
Por fim, é preciso reforçar a escolha uma subjetividade e que, em última pelo esforço de cruzar conhecimentos;
de se debruçar sobre as fases de A orquídea deixa-se contagiar pela instância, determinam os critérios para aquele construído com o processo de
Constelações e Tipos para produzir vespa, ela se desterritorializa (saindo objetivar as leituras e, por fim, potenciais pesquisa com o produzido naquele
este ensaio. Essa decisão partiu da do território puramente de orquídea) acessos que um leitor faria sobre a pesquisa momento da exposição, de troca e
clareza de que as duas fases estavam e forma uma imagem de vespa nela levantando a questão: Quais seriam os contato com o público. Buscou-se a
respectivamente alinhadas, tanto com mesma (devir-vespa e não imitar ou acessos em potencial de conteúdo que um partir das conversas com a população do
relação ao seus métodos e acessos copiar), e a vespa se reterritorializa nesta projetista do Sesc Campo Limpo faria ao Campo Limpo, frequentadores do Sesc e
quanto às disciplinas de arquitetura, imagem criada na orquídea. material de pesquisa? produtores locais de cultura levantar novas
urbanismo e antropologia. Como foi Ela não faz isso porque quer imitar uma percepções e reprocessar as informações já
descrito anteriormente, ter pontos de vespa, mas é uma captura, ela incorpora consolidadas, com o objetivo de evitar que
partida diferentes influencia a produção o movimento da vespa. os dados obtidos fossem interpretados de
do grupo de pesquisa, no momento em ‘E a vespa faz o mesmo, é capturada A linguagem e a pesquisa uma forma muito subjetiva.
que os dados/ informações a serem pela orquídea, devém orquídea, não acadêmica para outros públicos Para apresentar os dados da pesquisa
levantados para realizar leituras sobre a porque quer ser uma, mas porque quer ao público a equipe se debruçou na
área de estudo são diferentes, mudando ser apanhada por esse movimento’. Beatriz Ribeiro de Souza Dias produção de um projeto de expografia que
depois a atuação de uma etapa posterior. [FRAGMENTOS DE INTENSIDADE] buscava sintetizar o trabalho realizado
Logo, os gráficos (Figs. 3 e 4) internalizaram Entre a vespa e a orquídea algo se passa Dentro da metodologia de trabalho de maneira a possibilitar aos visitantes
em sua representação a condição descrita. que as liga. Uma forma de sintonia entre estabelecida para o desenvolvimento uma leitura articulada das informações.
Tanto a fase Constelações quanto a o reino animal e o vegetal. Há algo de da pesquisa das Cartografias das Foram produzidas 23 pranchas ao todo,
Redes partiram da descrição de algum vespa na partitura da orquídea e vice- Territorialidades Culturais, os meios entre painéis de cada etapa do trabalho,
aspecto do objeto de estudo (tanto na versa. “A vespa se desterritorializa, antropológicos aliaram-se aos chamada, apresentação e diversos mapas.
forma de dado quanto informação) no entanto, tornando-se ela mesma arquitetônicos e urbanísticos como A linguagem, embora adaptada para a
para construir seu andamento. uma peça no aparelho de reprodução forma de reunir dados e produzir exposição, mantinha um diálogo com a
Posteriormente, os produtos que foram da orquídea; mas ela reterritorializa informações em ambos os campos de estética das peças gráficas produzida
processados na linha metodológica da a orquídea, transportando o pólen. conhecimento, tendo por objetivo ao longo da pesquisa. Associado às
etapa deram resultado ao produto (DELEUZE, GUATTARI, 1987 apud GPEC, 2017, “expressar as singularidades de cada pranchas de conteúdo, foi pensado um
principal daquela fase – ora como uma p.68, grifo do autor). territorialidade estudada e as espaço expositivo que fosse convidativo e
imagem genérica do Campo Limpo a ser operações que delas derivam ou que são estimulasse a permanência dos visitantes,
obtida por meio de leitura urbanística Neste jogo de contágio entre a vespa possibilitadas por elas” (GPEC, 2016, p.4). abrigando debates e conversas. Para
como em Constelações, com dados e a orquídea, a interação entre elas Dessa maneira, o trabalho de campo alcançar esse objetivo, foi projetado um
levantados pela produção de mapas nos depende destes elementos que compõem e o contato com o público pesquisado deque de madeira com alguns bancos em
temas explorados pela etapa, ora como o plano comum entre as duas, sem que – os produtores culturais – aconteceu frente ao contêiner onde estava a exposição.
análise específica de interações e sigam o esforço de imitar uma a outra. em diversos momentos no decorrer Os desenhos (Figs. 1, 2 e 3) ajudam na
atividades realizadas por um conjunto de Mas sim, que tragam a atenção para a de toda a pesquisa, assim como ficou compreensão do projeto expositivo.
produtores culturais do Campo Limpo, interação entre ambas, expandindo especificado no plano de trabalho11 Para que o diálogo desejado
como feito em Redes; e nesses nosso entendimento delas a partir da estabelecido: Constelações, Redes, Tipos, acontecesse de uma maneira mais efetiva
subprodutos, que são importantes observação de como interagem. Grid, Cruzamento e Relatório-Site. Sendo foram organizadas algumas ações que
para a construção deste resultado final Explorar assunto e conteúdo deriva a etapa Cruzamentos o objeto de estudo buscavam estabelecer um contato mais
da fase assim como alimentam reflexões, de preocupação similar com a busca deste ensaio, é válido fazer aqui uma direto do público com os pesquisadores.

142 143
fig. 1:
Perspectiva descritiva da área da exposição.
Imagem elaborada pela equipe da Pesquisa Cartografia das Territorialidades Culturais, 2017.

Primeiramente foram planejadas quatro equipe para cada um dos agentes culturais
oficinas realizadas aos sábados, durante presentes na pesquisa.
o mês de setembro de 2017, cada uma Outra ação organizada, que aconteceu
programada para descrever e refletir ao longo de todo o período expositivo,
sobre uma etapa da pesquisa. Tais foram as monitorias, ocasião em que os
oficinas aconteceram em forma de pesquisadores permaneciam disponíveis
bate-papo com o público participante, no espaço expositivo durante três horas, de
de modo a ter sua discussão guiada quinta a domingo, realizando atendimentos fig. 2 e 3:
a partir dos interesses por eles levantados. aos visitantes que se mostrassem Elevação e corte da área da exposição.
O último painel do material elaborado interessados; convidando-os a partilharem Imagem elaborada pela equipe da Pesquisa Cartografia das Territorialidades Culturais, 2017.
para a exposição, nomeado de cenários suas percepções sobre o conteúdo
futuros, foi mais um elemento pensado levantado e utilizando deste momento
como provocador da discussão e tomado de possibilidade de fala durante o Hans-Georg Gadamer13, filósofo alemão no entanto, têm consciência de suas
como ponto de partida para essas cotidiano da exposição. que afirma que a linguagem, forma situações históricas – suas ideias e
oficinas. Nele eram apresentados Após a realização da exposição, através da qual a conversa14 se veicula, pré-compreensões – e, assim, estão
projetos públicos que geram perspectivas os pesquisadores, tendo participado é por onde se dá todo o entendimento; abertos as questões e intenções de
de transformação no entorno do território ativamente dela, puderam ponderar consequentemente podemos entender que seus interlocutores. Creio que esse
do Sesc Campo Limpo. Em paralelo, sobre o seu alcance em relação aos uma conversa é a maneira pela qual duas terceiro entendimento é raro na
uma nuvem de palavras sob o título de objetivos estabelecidos no momento de pessoas se entendem. pesquisa antropológica (inviabilizado,
“Projeto Sesc Campo Limpo” instigava as sua elaboração, além de refletir sobre as Dentre os três modos pelos quais em parte, pela intenção científica do
expectativas e receios dos visitantes em questões surgidas de forma espontânea. Gadamer acredita ser possível entender o pesquisador e pela postura observante
relação à nova unidade. Retomando o conceito de diálogo, outro, é no terceiro deles em que o diálogo requerida), embora seja o que desejam
Como método de divulgação para enumerado como um dos objetivos da se encontra: os antropólogos que sentem falta de
essas conversas, além das convocatórias exposição, pretende-se agora abordá-lo algo em sua compreensão do povo que
realizadas pelo Sesc, foi desenvolvido de uma forma mais complexa utilizando [...] O terceiro modo é imediato, aberto estudam. (CRAPANZANO, 1991, p.62).
um caderno com o relatório da etapa como fundamentação o entendimento do e autêntico. À diferença do segundo,
anterior (grid) e o calendário das antropólogo Crapanzano, exposto em seu em que a pretensão de entender o Tendo como base de análise os conceitos
oficinas, que funcionava como um convite texto “Diálogos” (1991). Crapanzano traz outro distancia, neste terceiro modo, de conversa como entendimento do outro,
e que foi entregue pessoalmente pela algumas perspectivas fenomenológicas de aberto, não há distância. Os falantes, é possível identificar a etapa Cruzamentos

144 145
justamente como essa tentativa de da mesma forma que o visitante deve
aproximação do pesquisador com os atores ser capaz de compreender o conteúdo
relacionados e objetos pesquisados, as por conta própria. Mais que isso, em
territorialidades culturais, na medida em circunstâncias ideais onde o visitante teria
que se quebra essa barreira da pesquisa absorvido todo o conteúdo pretendido fig. 4:
antropológica, em que o antropólogo se pela exposição, ele ainda assim não teria Diagrama sobre transmissão
distancia e mantêm-se como observador. a possibilidade de questioná-la ou debatê- de informação.
A interação proposta pela exposição é la, por isso dizemos que seria uma mera Netto, 2003.
exatamente a busca da pesquisa em organização de novos dados.
entender o outro (os produtores culturais, Por outro lado, as ações interativas
frequentadores do Sesc e moradores do promovidas, que permitem a relação do Campo Limpo, viu como muitos eles agradeceram e seguiram lendo a
Campo Limpo como um todo) de acordo direta presencial dos dois lados do dos produtores culturais da região exposição. (DIAS, 2017).
com o terceiro modo de Gadamer, diálogo, atuariam como o “engajar-se realizavam seu trabalho como uma
o diálogo ou a conversa. numa conversa”. Dessa maneira, seja forma de atividade não remunerada É possível assim perceber que o diálogo
Sobre o mesmo conceito, o filósofo no cenário ideal de total compreensão e com certo grau de fragilidade, por entre pesquisadores e visitantes da
apresenta ainda de que maneira uma da exposição pelo visitante seja em não existirem programas de fomento exposição, mesmo que não diretamente
conversa é capaz de gerar entendimento situação de dificuldade de entendimento tais como o VAI, ou até mesmo a relacionados ao conteúdo exposto, foram
e engajamento de ambos os lados: ”[...] do conteúdo exposto, o contato direto cultura de valorizar produção de fundamentais para permitir avanços no
A conversa exige que ‘os participantes se com um pesquisador pode aumentar a arte na época [...]. (NORBERTO, 2017). entendimento de diversos aspectos da
entendam’, que estejam um ‘com’ o outro, produtividade da visita; ora traduzindo o região, de seus moradores e dos temas
e que se deixem ‘conduzir pelo objeto’ da conteúdo exposto em uma linguagem mais Segundo relato: relacionados às Territorialidades Culturais.
conversa. Na verdadeira conversa, surge acessível, ora respondendo às indagações, Eram três garotas. Uma delas já O engajamento desses visitantes em uma
algo novo para os participantes e, de certo provocações ou fomentando-as. Além havia visitado a exposição e por ver conversa – com os monitores – possibilitou
modo, independente deles.” (GADAMER apud disso, qualquer que sejam os assuntos que o Cendira16 aparecia, quis levar que inquietações pessoais suscitadas
CRAPANZANO, 1991, p.62-63). incitados pela exposição, ou meramente as amigas que participam da pelo conteúdo apresentado na exposição
Existe, portanto, para Gadamer, uma pela interação, já são potenciais criadores organização junto com ela. Elas se fossem expostas e debatidas.
diferença entre “ter uma conversa” – uma de conhecimento. demoraram olhando a exposição. No primeiro relato apresentado, o
entrevista fixa, por exemplo – e “engajar-se Portanto, podemos dizer que foi Uma delas estava super empolgada visitante levantou questões instigado pelo
numa conversa”: apenas através da realização das oficinas enquanto a outra parecia desconfiada assunto abordado na exposição, mesmo
e monitorias, que foi possível gerar uma e apontando críticas (o fato do espaço que não fossem diretamente ligadas ao viés
Sugiro que, no primeiro caso, só o que “verdadeira conversa” com produção e comunidade não existir mais: “tá meio abordado. Ao relatar sua experiência como
obtemos são dados que podem ser troca de conhecimento. desatualizada essa pesquisa, né?”; produtor cultural da região no passado,
arrumados num quadro. No segundo, A partir dessa reflexão nota-se a apontou que o Sacolão das Artes foi capaz de trazer à tona questões
temos a compreensão; o fato criativo; o relevância e necessidade das ações estava no lugar errado; questionou o desconhecidas para os pesquisadores
fato fértil; o fato que sugere e gera”, de propostas para além de sua importância porquê da escola em que trabalha não que atuaram unicamente no momento
que fala Virginia Woolf (1942) em no cumprimento do objetivo da etapa. aparecer no mapa interativo enquanto a presente. O relato seguinte, no entanto,
seu estudo sobre biografia. Tal A seguir serão apresentados alguns da sua amiga aparece). No geral ficaram estabeleceu-se diretamente com um
entendimento pode facilmente relatos15 feitos a partir das experiências de uns 20 minutos observando a exposição visitante que integra o grupo pesquisado,
degenerar em simples conhecimento monitoria e oficina, que poderão mostrar de e agradeceram ao sair. (DIAS, 2017). deixando o contato estabelecido mais
do ser humano, enquanto que o fato maneira mais aproximada a relevância da conectado diretamente à pesquisa (mais
‘criativo’ e ‘fértil’ pode facilmente presença física dos dois lados da conversa Terceiro relato: especificamente o material da etapa
transformar-se num mero dado. no período da exposição. Cada um deles Logo que chegamos à monitoria, o Grid que apresentava e caracterizava
(GADAMER apud CRAPANZANO, 1991, p.63). retrata diferentes situações de interação, casal estava entretido olhando a as territorialidades culturais estudadas).
todas elas com abordagem e desenrolar prancha de constelação e relacionando-a Esse contato, entendido como uma
Esse último trecho citado pode ser completamente distintos. com o mapa inicial. Estavam bem devolutiva, evidenciou a importância
diretamente relacionado às estratégias confusos, mas entretidos. Nos da questão de identificação e presença
do grupo de pesquisa de realizar ações Primeiro relato: apresentamos, Marília e eu, como no material exposto.
interativas com o público visitante da Um funcionário do Sesc e morador da integrantes do grupo de pesquisa e eles Já o último relato retrata uma situação
exposição. É possível fazer a leitura dessa região estava olhando a pesquisa por ficaram bem felizes e interessados em que deixou palpáveis conquistas, mas
correlação da seguinte maneira: o material conta quando o abordamos. Disse que saber do que se tratava. Afirmaram também algumas falhas da exposição. Por
gráfico expositivo, uma vez que estabelece muitas das pessoas dentro da unidade ter dificuldade de ler o material e um lado, perceber o interesse do casal na
uma relação de mão única com o leitor, tinham interesse no conteúdo, mas não perguntaram se o havíamos apresentado pesquisa e ver sua busca por entender o
atuaria como o “ter uma conversa”, onde tiveram acesso aos relatórios. em alguma feira acadêmica ou algo que o material exposto tentava transmitir
existe apenas a apresentação de dados. Ao ver as descrições socioeconômicas mais formal, pois o material tinha cara nos mostra que a exposição levou ao
A necessidade de transmitir a informação da região, contou sobre sua trajetória de acadêmico. Explicamos a pesquisa campo um assunto de interesse do público
cabe única e exclusivamente aos painéis, no Sesc e como morador de longa data em geral e a prancha constelações; e ainda foi capaz de instigar e provocar

146 147
fig. 6:
Material expositivo: mapa de meio físico.
Imagem elaborada pela equipe da Pesquisa Cartografia das Territorialidades Culturais, 2017.

curiosidade. No entanto, essa mesma visitante foi capaz de receber a informação


busca por entender o material exposto pretendida foram pontuais e específicas.
revela a dificuldade de interpretação do Para discutir essa questão serão
material gráfico produzido. No momento utilizados alguns conceitos sobre a teoria
em que o material é questionado sobre sua da informação, abordados por J. Teixeira
possível origem acadêmica, é revelada uma Coelho Netto em seu livro "Semiótica,
barreira percebida pelo visitante em atingir informação e comunicação" (2003).
a informação que o material buscava Em seu trabalho o autor conceitua
passar, uma vez que um material com “cara informação como agente capaz de gerar
acadêmica” carrega uma imagem de algo questionamentos, tendo por objetivo
complexo e de difícil compreensão. provocar uma alteração no comportamento
Esses relatos exemplificam casos em das pessoas que a recebem. A informação,
que a conversa gerada na interação por sua vez, é transmitida por uma
correu por caminhos muito distintos, mensagem, descrita como um grupo
mas que em ambas as situações se ordenado de elementos de percepção
apresentam válidas. Outros personagens extraídos de um repertório e reunidos
muito distintos dos apresentados numa determinada estrutura. Dessa
também interagiram nos momentos descrição, o conceito de repertório será de
de monitoria: muitas crianças, mães e extrema relevância para que se entenda
pais, adolescentes, idosos, frequentadores a dificuldade encontrada pela equipe
assíduos do Sesc, entre outros. de pesquisa para elaborar um material
O engajamento presencial dos expositivo capaz de dialogar por si
pesquisadores com os visitantes próprio com o público esperado.
através do diálogo teve sua relevância Repertório é descrito por Coelho Netto
esclarecida. No entanto, uma outra como uma espécie de vocabulário, um
questão evidenciada no último relato conjunto de signos17 que é conhecido e
apresentado deve ser aqui observada um utilizado por uma pessoa. Existe então o
pouco mais de perto: a insuficiência do repertório ideal de uma pessoa, formado
material gráfico produzido em transmitir a por todos os signos existentes no mundo
informação pretendida. Embora, como já sobre determinado assunto; e existe o
esclarecido, independentemente do nível de repertório real de uma pessoa, que é
compreensão do visitante sobre o conteúdo composto pelos signos que ela de fato
fig. 5:
apresentado nos painéis, o diálogo com conhece e utiliza. Portanto, para que uma
Material expositivo: painel REDES.
os pesquisadores continua sendo de mensagem se torne significante,
Imagem elaborada pela equipe da Pesquisa Cartografia das Territorialidades Culturais, 2017. extrema relevância, e as situações em que o é necessário que ela pertença, pelo

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despertam curiosidade, mas dificilmente estabelecer um verdadeiro diálogo com os
conseguiam transmitir a informação frequentadores do Sesc e da exposição.
desejada sem que fosse necessária a Estabelecer uma verdadeira conversa
explicação de um dos pesquisadores. com o público a que se destina uma
O diagrama presente na fig. 5 é exposição, seja como a desse caso, parte
uma síntese das relações estabelecidas da pesquisa ou não, eleva o nível de troca
entre os produtores culturais da região. e produção de conhecimento. No entanto,
Embora buscasse reunir uma quantidade a capacidade do material gráfico de se
de informação e transmiti-la através de expressar sozinho é também essencial.
uma única peça gráfica, com o objetivo de O desafio que fica, portanto, para a
facilitar a leitura comparativa, pessoas não elaboração de um material expositivo a
familiarizadas com essa linguagem apenas partir de uma pesquisa acadêmica, é o de
viam uma bela imagem sem compreender desenvolver um método de sintetização
as relações que ela transmitia. do conteúdo produzido que seja capaz
O mapa do meio físico da região, feito de traduzir a linguagem da pesquisa em
a partir de curvas de nível, por outro uma outra linguagem que dialogue com
lado, apresenta uma informação que só um público mais amplo. Como traduzir
é compreendida por quem já teve algum e apresentar conhecimento produzido
tipo de contato com cartografias. É um no campo da arquitetura, urbanismo e
fig. 7: material de estudo que embora fale de uma antropologia em uma linguagem que atinja
Material expositivo: recorte do painel grid. condição física da cidade que é percebida a maior parcela da população possível?
Imagem elaborada pela equipe da Pesquisa Cartografia das Territorialidades Culturais, 2017. por qualquer habitante da região, sua
representação gráfica não é capaz de
mostrar isso para quem está lendo.
menos em partes, ao repertório do receptor. vez que os visitantes, em sua grande A fig. 7 é um recorte da prancha Grid, Notas
O diagrama da fig. 4, apresentado por maioria, são moradores do Campo Limpo, onde foi apresentada uma grande tabela 1. Tendo como perspectiva Deleuze e Guattari (1987),
J. Teixeira Coelho Netto (2003, p.124) a produção cultural da região é algo com diversas informações sobre algumas o “devir-cidade” está relacionado à potência do que
está em vias de tornar-se, e através do qual se torna,
mostra quais as condições mínimas familiar e presente (dada a proporção de territorialidades culturais estudadas. Esse “o processo do desejo”. O devir passa por mudança de
para que uma mensagem seja participação individual de cada um) em seu recorte mostra parte dessa tabela em que código, descodificação e recodificação (SALES, 2007).
significativa para seu receptor. cotidiano. Logo parece incoerente dizer que aparecem peças gráficas (plantas, cortes 2. “Uma instituição brasileira privada, mantida
pelos empresários do comércio de bens, serviços
No diagrama, R significa repertório os repertórios da pesquisa e dos visitantes e perspectivas) desenvolvidas pelo grupo e turismo, com atuação em todo âmbito nacional,
e lê-se da seguinte maneira: uma fonte não se interseccionam. Talvez não quanto de pesquisa para contextualizar o espaço voltada prioritariamente para o bem-estar social
faz uso de um determinado repertório ao conteúdo, mas em relação à linguagem em que aconteciam os eventos culturais. dos seus empregados e familiares, porém aberto à
comunidade em geral. Atua nas áreas da
para elaborar a mensagem que será lida gráfica e alguns termos conceituais. Essa parte específica do material teve Educação, Saúde, Lazer, Cultura e Assistência.
pelo receptor, que por sua vez, tem um Os painéis produzidos para a uma relação distinta com o público, que E que, notadamente em São Paulo, assumiu grande
protagonismo na área de programação/ realização
outro determinado repertório. Para que a exposição foram elaborados pela equipe em diversas vezes conseguiram identificar de eventos musicais e teatrais”.
mensagem seja significativa é necessário de pesquisadores integrados, em sua lugares e eventos através dessas imagens. 3. “Compossível. 1.que pode coexistir ou conciliar-se,
que Rf e Rr se interseccionem, ou seja, maioria, por arquitetos. A linguagem Ou seja, esse foi um material que conseguiu ao mesmo tempo, com outro; compatível. 1.1. fil. que,
segundo Leibniz (1646 –1716), é passível de coexistir de
que partilhem ao menos algum grupo de adotada (mapas e diagramas por compatibilizar o repertório da pesquisa com maneira integrada no mundo real como um conjunto
signos. Caso contrário, se os repertórios exemplo) é familiar a arquitetos, mas não o repertório do público. de possibilidades concretas e realizadas, em contraste
à justaposição de possibilidades imagináveis, porém
forem completamente isolados um do necessariamente ao público leigo. Ou seja, Para concluir, retoma-se uma vez mais incompatíveis na realidade objetiva”. Fonte: HOUAISS.
outro, a mensagem não será transmitida, essa linguagem é própria do repertório o filósofo alemão Gadamer, que diz:”[...] Disponível em: <houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/
e por outro lado, se forem completamente dos arquitetos, mas não está presente no compreender um texto é semelhante a v3-3/html/index.php#4>.
4. A definição de Assunto parte do Dicionário Priberam
equivalentes, a mensagem de nada altera o repertório dos visitantes18 da exposição, se compreender uma conversa ao vivo.
da Língua Portuguesa. Disponível em: <priberam.pt/dlpo/
comportamento do receptor. por exemplo. Portanto, embora nela esteja A linguagem comum, que é mais do que assunto>. Acesso em: 14 mar. 2018.
Trazendo esse conceito para a produção contida informações com as quais os ‘um instrumento para a compreensão’, 5. A definição de Conteúdo parte do Dicionário Priberam
expográfica projetada e encaixando no visitantes tenham certa familiaridade, a deve ‘coincidir com o próprio ato de da Língua Portuguesa. Disponível em: <priberam.pt/
dlpo/conte%C3%BAdo>. Acesso em: 14 mar. 2018.
diagrama: fonte = pesquisa e receptor dificuldade na identificação desse conteúdo entender e chegar a um acordo’ (GADAMER 6. Projeto Pesquisa Cliente Arquiteto. Disponível em: <ev.
= visitante da exposição; pôde-se notar, dentro do material dificultou que a apud CRAPANZANO, 1991, p.65). escoladacidade.org/portfolio/modos-de-pensar-modos-
como é visível nos relatos apresentados, mensagem chegasse até eles. Durante o processo, percebemos que de-fazer-g-01/>.
7. Disponível em: <www.ct-escoladacidade.org/sesc-
que a grande questão ocorrida é que As figs. 5 e 6 fazem parte do material o material expositivo desenvolvido não
campo-limpo-3/pesquisa/plano-de-trabalho/>.
os repertórios dos produtos expostos e expositivo elaborado. A primeira é um foi capaz de estabelecer uma linguagem 8. Vide capitulo “Fertilização Cruzada” em P7 – Relatório
dos indivíduos visitantes da exposição dos painéis e apresentava o conteúdo comum com o universo de quem visitava Conclusivo. Disponível em: <www.ct-escoladacidade.org/
dificilmente se interseccionavam. No da etapa Redes; a segunda é um dos a exposição. Ainda assim o objetivo wp-content/uploads/2018/01/2017-12-04-P7_RELATORIO-
FINAL-rev1-qualidade-reduzida.pdf>.
entanto, é preciso fazer uma leitura mapas expostos na mesa. São materiais dessa etapa do trabalho continuou válido
9. Relembre que, para Peirce, objetos “determinam” seus
específica para esta situação, pois uma que chamam a atenção do público, devido às estratégias tomadas para signos. Isto é, a natureza de um objeto limita a natureza

150 151
do signo em termos do que uma significação com In: The Stanford Encyclopedia of PIERSE, Charlie S. Semiótica. São Paulo:
sucesso requer. [...] Se as limitações de uma significação
requerem que o signo utilize alguma conexão existencial Philosophy. Summer 2013 Edition, Editora Perspectiva, 1977.
ou física entre si e o objeto, então este signo é um 2010. Disponível em: <plato.stanford. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de
índice.” (Atkin, 2010).
edu/archives/sum2013/entries/peirce- linguística general. Buenos Aires:
10. “Patrick Wilson investiga – especialmente via
experimentos de pensamento – a compatibilidade de
semiotics/>. Acesso em: 03 mar. 2018. Losada, 1965.
métodos diferentes de determinar o assunto de um BIRGER, Hjørland. The concept of “subject”
documento. Dentre estes estão: 1. Identificar o propósito
do autor escrever o documento, 2. pesar a dominância in Information Science. Journal of Sobre autores
e subordinação entre elementos diferentes na imagem Documentation, v.48, n.2, 1992, p.172-
entregue pela leitura do documento, 3. agrupar ou A equipe de pesquisa foi composta por
contar o uso de conceitos e referências do documento 200. Disponível em: <www.academia.
e 4. inventar um grupo de regras de seleção para o edu/1304545/The_concept_of_subject_in_ alunos de diferentes estágios do curso de
quê são os elementos ‘essenciais’ (em contraste com o
information_science>. Acesso em: graduação em arquitetura e urbanismo
inessencial) do documento em sua completude. Patrick
Wilson demonstra convincentemente por meio de cada 22 jan. 2018. da Escola da Cidade. Do 4º ano: Marina
um dos métodos que por si só, são insuficientes para Schiesari. Do 5º ano: Beatriz Dias, Felipe
determinar o assunto de um documento, e conclui: CRAPANZANO, Vincent. Diálogo. In: Anuário
Brunelli, Lucas Rodrigues e Sabrina
‘a noção de um assunto de escrita é indeterminada Antropológico/88, Brasília, Editora
[...] pois nada definido pode ser esperado das coisas Sobreiro. Do 6º ano: Marília Serra, Marina
encontradas em qualquer posição. [...] incluindo uma
Universidade de Brasília, 1991, p.59-79.
Bagnati, Pedro Norberto e Stella Tamberlini.
nota de rodapé interessante direcionando a atenção ao DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Uma
uso impreciso de conceitos por autores de documentos E Rebeca de Paula, arquiteta e urbanista
[...] ‘se pessoas escrevem sobre o que determinam serem Conversa para o quê serve? In: Diálogos. graduada pela Escola da Cidade em 2017.
fenômenos mal-definidos, uma definição correta de seus São Paulo, Escuta, 1998, p.2-19. Trad. Eloisa
assuntos reflete, portanto, sua má-definição.” (BIRGER, tc.ecidade@gmail.com
1992, p.176, tradução nossa).
Araújo Ribeiro.
11. Elaborado em "P1 – Plano de Trabalho". Disponível ELIOT, T.S. The Rock. San Diego, CA:
em: <www.ct-escoladacidade.org/sesc-campo-limpo-3/
Harcourt/ Brace and Company, 1934.
pesquisa/plano-de-trabalho/>.
12. O conceito de diálogo será posteriormente GPEC. Plano de Trabalho. São Paulo:
apresentado segundo a teoria do antropólogo Vincent Escola da Cidade, 2016.
Crapanzano (1991).
13. Crapanzano aponta a análise sobre o diálogo feita GPEC. Grid: objetivos e ideias pertinentes.
pelo filósofo alemão Hans-Georg Gadamer como In: Relatório 5: Grid. São Paulo: Escola da
uma das mais complexas. Gadamer (1900-2002)
foi considerado como um dos maiores expoentes da
Cidade, 2017. p.9-10.
hermenêutica filosófica e tem como trabalho de maior ______. Relatório Conclusivo. São Paulo:
impacto a obra Truthandmethod, de 1975.
Escola da Cidade, 2017.
14. Para alguns teóricos, assim como Gadamer, o termo
diálogo e conversa não se diferenciam. GOLUB, Koraljka. Organizing Information by
15. Relatos feitos pelos pesquisadores a partir de suas Subject. In: Subject Access to Information:
experiências vividas nas monitorias. Neles são descritos
detalhes sobre as interações ao longo dos dias de An Interdisciplinary Approach. Santa
monitorias. Esse material foi utilizado na elaboração do Barbara, CA: ABC-CLIO, 2014. p.1-30.
último relatório (relatório conclusivo).
16. Coletivo composto por mulheres que através de
HEY, Jonathan. The data, information,
oficinas, vivências, debates e trocas com a comunidades knowledge, wisdom chain: the metaphorical
trabalham temas como permacultura, moda
link. Intergovernmental Oceanographic
sustentável, vegetarianismo e saúde integral.
17. Signo é tudo aquilo que representa outra coisa, ou
Commission, v.26, 2004, p.1-18. Disponível
melhor, na descrição de Charles S. Pierse (1977), é algo em: <www.dataschemata.com/
que está no lugar de outra coisa. [...] “Na teoria de uploads/7/4/8/7/7487334/dikwchain.pdf>.
Saussure (1965), o signo pode ser analisado em duas
partes que o compõe: [...] significante e significado. Acesso em: 22 jan. 2018.
Entende-se por significante a parte material do signo
(o som que o conforma, ou os traços pretos sobre o
LOPES, Diogo. Analogia e Arquitetura. In:
papel branco formando uma palavra, ou os traços do BANDEIRA, Pedro; MOURA, Eduardo Souto
desenho que representam, por exemplo, um cão) e por
de; SEIXAS LOPES, Diogo; URSPRUNG, Philip.
significado o conceito veiculado por essa parte material,
seu conteúdo, a imagem mental por ela fornecida. [...] Eduardo Souto de Moura: Atlas de Parede,
Não há signo sem significante e significado.” (NETTO, Imagens de Método. Porto: Dafne, 2011.
2003, p.20).
18. Refiro-me aos visitantes da exposição considerando NETTO, J. Teixeira Coelho. Semiótica,
sua maioria. É importante reiterar que houve exceções. informação e comunicação. São Paulo:
Editora Perspectiva, 2003.
ORAMAS, Luiz Pérez. A iminência das
Referências
poéticas(ensaio polifônico a três e mais
ACKOFF, Russell L. From data to wisdom. vozes). In: 30ª Bienal – A Iminência das
Journal of applied systems analysis, Poéticas. São Paulo: Fundação Bienal
Lancaster, v.16, n.1, 1989. p.3-9. de São Paulo, 2012.
ATKIN, Albert. Peirce’s Theory of Signs.

152 153
Normas para submissão de trabalhos

1. Condições gerais 2. Artigos


A Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade Relato resultante de pesquisa científica organizados
publica trabalhos provenientes de pesquisas de caráter na forma de artigo que apresentem e discutam um
diverso (Iniciação Científica, Pesquisa Experimental ou mais dos seguintes aspectos atinentes a uma
e Trabalhos de Conclusão de Curso, entre outros) pesquisa em curso ou finalizada: formulação do
desenvolvidos por alunos de graduação nas áreas de problema investigado, o referencial teórico utilizado,
arquitetura e urbanismo ou afins. As colaborações em a metodologia empregada, os resultados parciais
fluxo contínuo de artigos e ensaios serão sempre ou totais alcançados e as principais dificuldades
bem-vindas e apreciadas pelo conselho editorial, que encontradas no processo de investigação.
avaliará a pertinência de sua publicação e encaminhará
o texto para a avaliação de pareceristas. 2.1. Formatação
É responsabilidade do autor encaminhar trabalhos Os arquivos devem ser encaminhados em formato .doc
em acordo com as normas estabelecidas pela revista, ou .docx. O texto deve apresentar título (e eventual
sob pena de não serem aceitos para publicação. Cabe sub-título) e nome por extenso do autor acompanhado
à revista e ao seu corpo editorial adequar os textos de nota de rodapé onde deverão constar as seguintes
originais ao seu padrão editorial, submetendo os informações: formação acadêmica, titulação, vínculo
artigos à revisão gramatical e de estilo, assim como institucional e endereço eletrônico. Os Artigos devem
estabelecer os prazos para publicação. O padrão de ter entre 40.000 e 60.000 caracteres (com espaço) e
formatação tem por base as normas da Associação conter título, resumo (mínimo de 700 e máximo
Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), conforme as 1.300 caracteres com espaço) e até 3 palavras-chave
orientações que se seguem. em português, inglês e espanhol. Caso o trabalho
As colaborações para publicação poderão ser tenha obtido apoio financeiro de alguma instituição,
feitas nos formatos de artigo ou ensaio, e deverão ser esta informação deverá ser mencionada abaixo
encaminhadas através do e-mail, indicando no campo do nome do autor.
de assunto “submissão artigo” ou “submissão ensaio”: Os textos deverão seguir o seguinte padrão:
cadernosdepesquisa@escoladacidade.edu.br Formato A4 – Margens 2cm – Alinhamento justificado
A Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da – Parágrafo com espaçamento 6 pt (sem tabulação) –
Cidade não se responsabiliza pela redação, nem pelas entre linhas simples – Fonte Arial tamanho 11 para todos
ideias emitidas pelos colaboradores e autores dos os textos. Referências (livros, teses, dissertações, sites,
trabalhos publicados. Todas as submissões deverão etc, utilizados na elaboração do artigo) deverão ser
ser acompanhadas de declaração assinada segundo o apresentadas ao final do texto.
modelo a seguir. Para trabalhos com mais de um autor,
cada autor deve encaminhar uma declaração. 2.2. Apresentação
DECLARAÇÃO: REVISTA CADERNOS DE PESQUISA DA 2.2.1. Seções
ESCOLA DA CIDADE As divisões do trabalho deverão ser numeradas com
Eu, (nome completo), CPF (número), RG (número), algarismos arábicos. O indicativo de seção ou de título
residente no endereço (endereço completo), autorizo deve ser escrito em negrito, seguido de ponto.
a Revista Cadernos de Pesquisa da Escola da Cidade 2.2.2. Citações
a publicar o artigo (título e subtítulo)/ ensaio (título Seguem o padrão da ABNT NBR 10520/2002 (Informação
e subtítulo) [ESCOLHER UMA DAS DUAS ALTERNATIVAS]. e documentação – Citações em documentos –
Atesto como sendo expressão absoluta da verdade as Apresentação). Todos os textos citados devem constar
seguintes afirmações: na lista de referências. As citações diretas ou indiretas
- Sou o único autor do trabalho acima nomeado / Sou no corpo do texto devem seguir o sistema de chamada
autor do trabalho acima nomeado, em co-autoria com autor-data. As citações diretas com mais de três linhas
(nomes completos dos co-autores) [ESCOLHER UMA DAS devem ser formatadas com recuo de 4cm da margem
DUAS ALTERNATIVAS]. esquerda e sem aspas ou itálico.
- O trabalho enviado para avaliação é inédito / foi
2.2.3. Notas explicativas
publicado em (dados completos da publicação original)
As notas devem ser exclusivamente explicativas
[ESCOLHER UMA DAS DUAS ALTERNATIVAS].
e deverão ser enumeradas sequencialmente, com
- Sou responsável exclusivo pela redação, ideias e
algarismos arábicos.
opiniões presentes no trabalho.
- Assumo total responsabilidade pelas imagens 2.3. Referências
utilizadas, devidamente identificadas com Deverão seguir o padrão ABNT NBR 6023/2002
fonte e crédito. (Informação e documentação – Referências –
(Local e data) Elaboração). As referências (livros, teses, dissertações,
(Assinatura e nome completo do autor) sites, etc, utilizados na elaboração do artigo) devem ser
listadas no final do trabalho, em ordem alfabética.

155
2.4. Imagens 3.2.2. Notas explicativas
Serão aceitas até 6 imagens para cada artigo. As As notas devem ser exclusivamente explicativas
imagens deverão ser numeradas e encaminhadas e deverão ser enumeradas sequencialmente, com
em formato .jpg com resolução mínima de 300dpi e algarismos arábicos.
tamanho de 20x30cm. Atentar ao fato que as imagens
serão sempre publicadas em escala de cinza. As imagens 3.3. Referências
devem acompanhar documento .doc ou .docx com Deverão seguir o padrão ABNT NBR 6023/2002
legendas que acompanhem a numeração, contendo (Informação e documentação – Referências –
obrigatoriamente informações sobre fonte e crédito das Elaboração). As referências (livros, teses, dissertações,
imagens. sites, etc, utilizados na elaboração do ensaio)
devem ser listadas no final do trabalho,
3. Ensaios em ordem alfabética.

Produto de pesquisa científica de caráter experimental


exposto na forma de ensaio textual, gráfico ou gráfico-
textual, que busque discutir aspectos atinentes a uma
pesquisa em curso ou finalizada com rigor conceitual,
embora com flexibilidade quanto à sua formalização.

3.1. Formatação
Os ensaios devem ser encaminhados em arquivos
em formato .jpg (elementos gráficos) e .doc ou
.docx (elementos textuais).
Os arquivos em formato .doc ou .docx. devem
apresentar título (e eventual sub-título) – em português,
inglês e espanhol – e nome por extenso do autor
acompanhado de nota de rodapé onde deverão constar
as seguintes informações: formação acadêmica,
titulação, vínculo institucional e endereço eletrônico.
Deve-se apresentar um excerto do conteúdo textual
do ensaio ou pequeno texto explicativo com mínimo de
700 e máximo 1.300 caracteres (com espaço), também
traduzido para inglês e espanhol. Para os ensaios
que contiverem partes textuais esse texto não deve
ultrapassar 30.000 caracteres (com espaço).
Os textos deverão seguir o seguinte padrão:
Formato A4 – Margens 2cm – Alinhamento justificado
– Parágrafo com espaçamento 6 pt (sem tabulação) –
entre linhas simples – Fonte Arial tamanho 11 para todos
os textos. Referências (livros, teses, dissertações, sites,
etc, utilizados na elaboração do ensaio) deverão ser
apresentadas ao
final do texto.
Os elementos ou peças gráficas – até 8 – deverão
ser numerados e encaminhados em formato .jpg, com
resolução mínima de 300 dpi e tamanho 20x30cm.
Ao final do documento textual deve obrigatoriamente
constar listagem das imagens ou peças gráficas
(seguindo numeração) com respectivas informações
sobre fonte e crédito.
Adendo a este material, pede-se o envio de versão
do ensaio em arquivo folha A4, PDF, como sugestão de
diagramação, que explicite o diálogo entre imagem e
texto ou entre imagens.

3.2. Apresentação
3.2.1. Citações
Seguem o padrão da ABNT NBR 10520/2002 (Informação
e documentação – Citações em documentos –
Apresentação). Todos os textos citados devem constar
na lista de referências. As citações diretas ou indiretas
no corpo do texto devem seguir o sistema de chamada
autor-data. As citações diretas com mais de três linhas
devem ser formatadas com recuo de 4cm da margem
esquerda e sem aspas ou itálico.

156
Fonte: Mark OT
Capa: pop'set 240g/m2
Papel: pólen soft 80g/m2
Impressão: Gráfica Flavio Motta
Tiragem: 500 exemplares
5ª edição, São Paulo, abril de 2018
ISSN 2447-7141

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