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DIREITOS E DEVERES
FUNDAMENTAIS
PRODUÇÃO EDITORIAL
Livraria e Editora Lumen Juris Ltda.
Impresso no Brasil
Printed in Brazil
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
________________________________________
CDU 342.7
Apresentação ............................................................................................. v
Daury Cesar Fabriz
A família e o afeto:
o dever fundamental dos pais em dar afeto aos filhos como
mecanismo de proteção ao desenvolvimento da personalidade
e concretização da dignidade humana ................................................... 99
Heleno Florindo da Silva e Daury César Fabriz
A Administração Pública
e as Leis Inconstitucionais ...................................................................... 233
Christiano Dias Lopes Neto, Carolina Bonadiman Esteves
e Samuel Meira Brasil Junior
INTRODUÇÃO
O estudo avaliará questões relacionadas ao individualismo versus solida-
rismo, nas relações privadas, sob o enfoque da vinculação dos particulares aos
deveres fundamentais, a partir da premissa de que um sujeito de direito é um ser
livre e, ainda, um titular não só de direitos, mas também de deveres.
A solidariedade é, na verdade, o outro lado de uma mesma moeda no jogo
dos direitos e deveres, uma vez que ratifica a incidência de direitos fundamen-
tais abrangidos pela norma constitucional, podendo ser compreendida a partir
1 Artigo desenvolvido junto ao Grupo de Pesquisa “Estado, Democracia Constitucional e Direitos Fun-
damentais”, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado e Doutorado em Direitos e
Garantias Fundamentais, sob a coordenação do Professor Adriano Sant’Ana Pedra.
2 Doutoranda e Mestre do Programa de Pós-Graduação em Direitos e Garantias Fundamentais da
Faculdade de Direito de Vitória (FDV); especialista em Direito Empresarial pela FDV; professora de
Direito Civil da Graduação e da Especialização da FDV; advogada.
3 Doutor em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Puc/SP); mes-
tre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV); professor do
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Mestrado e Doutorado – em Direitos e Garantias Funda-
mentais da FDV; procurador federal.
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Os Deveres Fundamentais
e a Solidariedade nas Relações Privadas
4 Sobre a necessidade da sociedade organizar-se com direitos e deveres, Carlos Alberto Gabriel Maino
adverte: “pensadores han advertido que no es posible organizar humanamente a la sociedad alrededor
del concepto de derechos exclusivamente”. O mesmo autor, citando Danilo Castellano, esclarece que
“ha puesto el acento en que los derechos humanos son en realidad el ejercicio de los deberes del hombre,
o derechos derivados de los deberes de otros, o aún derivados de la utilización de bienes que son fruto
de actividades personales como, por ejemplo, el trabajo o la propiedad”. Cf. MAINO, Carlos Alberto
Gabriel. Derechos fundamentales y la necesidad de recuperar los deberes: aproximación a la luz del
pensamiento de Francisco Puy. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang; CARBONELL,
Miguel (Coord.). Direitos, deveres e garantias fundamentais. Salvador: Juspodium, 2011. p. 36.
5 Sobre a relação estabelecida entre direito e economia, movimento criado nos Estados Unidos e denomi-
nado de “Law and Economics” na Escola de Chicago, Rachel Sztajn ensina (2005, p. 75) que é imensa a
contribuição que o diálogo entre Direito e Economia pode oferecer ao propor solução para questões atuais.
6 Vieira de Andrade (2004, p. 170) entende que “os deveres fundamentais não são imediatamente
aplicáveis, dependendo da intervenção do legislador para regulamentá-los”.
munidade organizada, soberania que não pode, todavia, fazer tábua rasa da
dignidade humana, ou seja, da ideia da pessoa humana como princípio e fim da
sociedade e do Estado (NABAIS, 1998, p. 60).
O que se observa, hodiernamente, nas áreas de empréstimos bancários,
seguros, educação e moradia, é que os tribunais têm se manifestado a partir da
premissa absoluta de proteção aos vulneráveis e de forma dissociada às questões
econômicas, repassando ao particular (empresas, planos de saúde, instituições
financeiras, etc.) um dever que seria do Estado, qual seja, programas de saúde,
acesso à educação, fomento da atividade econômica, etc. Contudo, repassar
prestações estatais aos particulares, no exercício de suas atividades econômicas,
de forma a criar condições objetivas que possibilitem o acesso a serviços ou pro-
dutos no cumprimento do dever de solidariedade, pode gerar um desequilíbrio
ainda maior na relação particular versus particular.
O solidarismo pode ser encontrado nas relações privadas de modo geral
(obrigações, contratos, responsabilidade civil, relações empresariais, etc.). Já
no direito das famílias cogita-se a prevalência do melhor interesse da criança,
como expressão da solidariedade no âmbito familiar, ou, ainda, o controle dos
meios de adoção. Maria Celina Bodin de Moraes (2008) esclarece, por exemplo,
que a família não se acha mais fundada em hierarquizações, preocupadas com a
preservação do patrimônio familiar, para se revelar como o espaço de realização
pessoal dos que a compõem.
A teoria do diálogo das fontes sustentada pelo jurista alemão Erik Jayme
(2003, p. 114) auxilia na compreensão do solidarismo nas relações privadas, já
que é um instrumento utilizado para superar antinomias e buscar soluções coe-
rentes em diversas áreas do direito, numa visão sistemática de interpretação das
normas. Tal teoria pode ser utilizada como uma solução “sistemática e tópica
ao mesmo tempo, pois deve ser mais fluida, mais flexível, a permitir maior mo-
bilidade e fineza de distinções”, podendo ser aplicada à questão dos deveres
fundamentais, autonomia privada e direito econômico (MARQUES, 2004).
Neste aspecto, a investigação dos deveres anexos tratados por alguns ci-
vilistas na interpretação das relações entre particulares pode ser aplicada aos
casos concretos que, face ao dirigismo contratual do magistrado, têm imposto
essa transferência da obrigação estatal para o particular.
Defende-se, por exemplo, a aplicação do dever do particular de indenizar o
outro indivíduo que suportou um dano material ou moral, no caso de violação
positiva de uma obrigação, como uma indenização em caráter pedagógico. O
dever fundamental de solidariedade se ajusta à preocupação contemporânea de
releitura dos princípios civis à luz da Constituição da República. Nesse mesmo
sentido, adverte Maria Celina Bodin de Moraes (2006, p. 108) que qualquer
Constatou-se, neste estudo, que nas relações privadas existem deveres fun-
damentais dos particulares inerentes à solidariedade, mas, ao mesmo tempo,
a autonomia privada precisa ser resguardada em alguns cenários contratuais,
especialmente diante da repercussão econômica que uma interferência judicial
pode causar nas contratações futuras.
Assim, se determinados ônus estatais são repassados aos particulares, no
exercício de suas atividades econômicas, de forma a criar condições objetivas
que possibilitem o acesso a serviços ou produtos no cumprimento do dever de
solidariedade, tal cenário poderá gerar, em determinadas situações, um dese-
quilíbrio maior na relação particular versus particular.
É tênue, portanto, a relação entre os deveres fundamentais, os limites e as
restrições aos direitos fundamentais, pois tais restrições podem ser justificadas
a partir dos deveres fundamentais, em prol dos interesses da sociedade, não
significando ainda a prevalência do interesse público sobre o privado.
REFERÊNCIAS
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tuição portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 2004.
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mentais. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
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LORENZETTI, Ricardo Luís. Fundamentos do direito privado. São Paulo:
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MAINO, Carlos Alberto Gabriel. Derechos fundamentales y la necesidad de
recuperar los deberes: aproximación a la luz del pensamiento de Francisco
Puy. In: LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang; CARBONELL,
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Dos deveres fundamentais:
Notas preparatórias para uma Survey – a questão taxonômica
que defendemos4”. De fato, o jurista que nunca tentou classificar alguma coisa
que atire a primeira pedra. Rotular é muito fácil. No entanto, etiquetar de uma
maneira útil e proveitosa já é um pouco mais complicado.
Em geral, as classificações partem de consensos, e os consensos normal-
mente são casos de generalização, algo como um marco que é estabelecido como
um ponto de partida ou como um ponto de chegada, dependendo do referencial
adotado. O fato é que por vezes um marco pode ser falho, e geralmente falha
por ser imposto por uma comunidade científica, a qual considerou determina-
das condições espácio-temporais para firmá-lo. Daí que, com a evolução tec-
nológica e cultural, com as novas descobertas e com os novos estudos sociais,
filosóficos, jurídicos e de outros tipos, algumas fissuras vão sendo formadas nes-
ses consensos até que se abram rombos e o paradigma seja alterado. Assim, as
classificações só têm importância se houver consenso sobre sua utilidade; ainda
que a utilidade seja duvidosa – se houver consenso sobre a dúvida de sua utili-
dade, aí uma classificação perde sua importância.
Mas qual a importância de fazer classificações? A taxonomia, literalmen-
te, é um método de arranjo; agrupando, assim, coisas ou seres vivos em grupos
com base em características em comum, elaborando-se, a partir disso, conceitos
e nomenclaturas. A taxonomia tem utilidade e importância vinculadas, prin-
cipalmente, ao agrupamento e aos nomes dados às coisas e aos seres vivos. Nas
chamadas ciências naturais, a taxonomia é imprescindível, também, embora
não só, em virtude da comunicabilidade de resultados de estudos realizados
e da possibilidade de se realizar pesquisas. A utilidade da taxonomia pode ser
representada, por exemplo, no caso de cogumelos, em que há aqueles que são
comestíveis e aqueles que são mortais, do que a nomenclatura é de elevada
importância, bem como saber distingui-los, um exemplo em que a confusão
quanto ao tipo de cogumelo que pode ser mortal é entre a espécie Amanita
phalloides, conhecida como cicuta verde, e que é mortal, e a espécie Volvariella
volvacea ou, ainda, Amanita virgata, que é conhecida como cogumelo straw, e
que é comestível5. Veja-se, aí, a importância e a utilidade da taxonomia para
evitar mortes por intoxicação.
Por seu lado, a taxonomia jurídica é, em tese, uma técnica, e não disci-
plina jurídica, que classifica institutos e instituições jurídicos a fim de facilitar,
a princípio, o entendimento ou o estudo. Entretanto, muitas das classificações,
das nomenclaturas e dos conceitos jurídicos, muitas vezes mais confundem que
4 DWORKIN, Ronald M. “Natural” law revisited. University of Florida Law Review, v. 34, n. 2, 1982, p. 165.
5 Ver os verbetes em Wikipedia, para Amanita phalloides: <http://en.wikipedia.org/wiki/Amanita_
phalloides> e para Volvariella volvacea: <http://en.wikipedia.org/wiki/Volvariella_volvacea>. Aces-
so, a ambas, em 26 set. 2012.
facilitam, já que cada jurista gosta de ter a sua classificação ou pelo menos de
lhe dar o nome que crê mais apropriado, sem falar nas divergências existen-
tes sobre quais institutos ou instituições devem ser encaixados em cada grupo.
Além disso, existem as famosas classificações de sofá, que só têm importância
e utilidade teórica, sendo desprezíveis na prática – o que, aliás, acontece com a
maioria das classificações jurídicas.
A proposta aqui é rever tanto a importância quanto a utilidade prática de
classificar os deveres fundamentais, utilizando-se, para isso, uma reavaliação do
método cartesiano, bem como das classificações de alguns autores preocupados
com o estudo do tema, a fim de que se possa pesquisar o campo para a elabora-
ção de um survey sobre os deveres fundamentais.
6 ALEGRE MARTÍNEZ, Miguel Ángel. Los deberes en la constitución española: esencialidad y pro-
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n. 1, 2007; REDONDO, María Cristina. El carácter práctico de los deberes jurídicos. Doxa, n. 21-II,
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DÍAZ, Santiago. La idea de deber constitucional. Revista Española de Derecho Constitucional, n. 4,
1982; VERNENGO, Roberto J. Deberes prescriptivos y deberes descriptivos. Anuario de Filosofía del
Derecho (Nueva Época), n. 10, 1993.
Outra tipologia distingue deveres sociais de deveres estatais (ver, por exemplo:
Palombella, Parra) embora fosse melhor distinguir entre os deveres autointeressa-
dos e os deveres heterointeressados, ou seja, deveres que uma pessoa cumpre para
satisfazer os seus próprios interesses (como o dever de filiação a um partido polí-
tico para poder se candidatar) e deveres que uma pessoa cumpre para satisfazer
interesses de uma sociedade (como o dever de financiar os custos públicos, o
de concretizar direitos e o de proteger o meio ambiente), respectivamente. Essa
classificação é útil para saber de quem se pode exigir o cumprimento de um de-
terminado dever, bem como para saber quem deverá ser responsabilizado pelo
respectivo descumprimento e sancionado por isso. Assim, entre os deveres autoin-
teressados estão os deveres do indivíduo para consigo próprio e entre os deveres
heterointeressados estão os deveres das pessoas em relação às outras e à sociedade,
bem como delas e da sociedade em relação ao Estado, e deste em relação a ambas,
tanto em nível interno (relações domésticas) quanto em nível externo (relações
internacionais). Pode-se incluir dentre os deveres autointeressados os deveres indi-
viduais e entre os heterointeressados os deveres coletivos, isto é, deveres individuais
e estatais com reflexos coletivos e deveres coletivos propriamente ditos.
Ligada a essas duas últimas classificações está uma distinção (adotada por
alguns autores como Bayón Mohino, Casalta Nabais, Garzón Valdés, González
Lagier e Ródenas, Laporta, Sarlet) entre os deveres positivos ou de prestação e os
deveres negativos ou de defesa, podendo ambos os tipos ser tanto pessoais (exigíveis
dos indivíduos) quanto sociais (exigíveis da coletividade) e mesmo estatais (exi-
gíveis do Estado), representando, no caso dos deveres positivos, sempre um fazer,
um dar ou um pagar, e, no caso dos deveres negativos, sempre uma abstenção,
um dever de tolerar, de suportar ou mesmo de aceitar. Essa classificação é útil
e importante porque permite identificar que tipo de exigência pode ser feita em
relação ao cumprimento ou não do dever e em relação a quem ela deve ser feita.
Há também classificações que vão além da questão jurídica, adentrando
na filosofia, por exemplo, quando são separados deveres morais e deveres jurí-
dicos (ver, por exemplo: Palombella, Peces-Barba Martínez, Redondo, Roca)
ou ainda deveres cívicos e deveres jurídicos. Essas distinções têm relação direta
com a diferenciação proposta por alguns autores entre deveres e obrigações (ver,
por exemplo: Asis Roig, Díaz Revorio, Rawls) argumentando-se que é juridica-
mente apropriado falar-se em obrigações jurídicas e em deveres morais, não se
devendo, portanto, assinar a existência de deveres jurídicos. No entanto, tais
observações não geram um consenso, mesmo porque a teoria geral do Direito
se utiliza a muito tempo da expressão deveres prescritivos (ver, dentre outros:
Vernengo, Redondo) para tratar sobre a estrutura das normas jurídicas e os
respectivos modais deônticos. Além disso, há uma grande proximidade entre
Direito e Moral no que diz respeito aos deveres fundamentais, o que parece ser
determinante para indicar que os estudos sobre deveres fundamentais devam
seguir um viés menos jurídico, adotando uma análise baseada na moralidade do
direito (ou conforme o ponto de vista: na juridicidade da moral), retomando-se,
pois, o debate sobre a separação entre Direito e Moral.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dessas considerações preliminares sobre a taxonomia dos deveres
fundamentais, vê-se que a maioria das classificações não tem utilidade prática,
sendo desimportantes. É preciso, retomando, de certa maneira, Descartes, evitar
as convicções baseadas no hábito inculcado7, ou, de uma forma mais próxima ao
que se anotou aqui, evitar aquilo que Dworkin chamaria de habito de classificar,
tão presente entre os juristas. Convém, assim, para depurar melhor o tema dos
deveres fundamentais, refletir detidamente sobre, dentre outros aspectos de uma
possível teoria geral, a taxonomia, evitando-se a criação de rótulos que vão mais
dificultar que facilitar o entendimento e o desenvolvimento da questão.
Afasta-se, assim, em certa medida, da proposta cartesiana de dividir o
objeto em análise para obter uma solução adequada8, o que equivaleria a criar
classificações para agrupar os deveres de acordo com uma suposta característica
em comum, ainda que não seja útil na prática fazer a distinção. Logo, as frag-
mentações indevidas devem ser evitadas, para não se incorrer em más-compre-
ensões sobre o tema analisado.
Diante da falta de importância prática de determinadas classificações, o
que gera inutilidade para a compreensão dos deveres fundamentais, entende-se
que melhor que classificar, talvez seja identificar quais os deveres fundamentais
e como eles devem ser desenvolvidos, tanto no que pertine ao seu cumprimen-
to, sanções aplicáveis pelo descumprimento e responsabilidade do indivíduo
inadimplente, bem como em relação aos efeitos que o seu descumprimento pode
gerar em relação à concretização dos direitos fundamentais. Diante disso, as
classificações que têm utilidade e importância práticas devem ser consideradas
tanto na formação de um conceito de deveres fundamentais quanto na indica-
ção de uma lista de deveres fundamentais no ordenamento jurídico nacional,
bem como, se for o caso, para a proposta de uma nova nomenclatura.
7 DESCARTES, René. The method, meditations and philosophy. Trans. John Veitch. London: M.
Walter Dunne, 1901. p. 155.
8 DESCARTES, René. Obra citada, 1901, p. 161.
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VERNENGO, Roberto J. Deberes prescriptivos y deberes descriptivos. Anua-
rio de Filosofía del Derecho (Nueva Época), n. 10, 1993.
INTRODUÇÃO
Percebe-se na experiência jurídica uma grande dificuldade em se estabe-
lecer os exatos contornos da liberdade. A temática se desenvolveu ao longo da
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O conteúdo discriminatório da liberdade de associação: uma análise,
dialogada com Paul Ricoeur, do julgamento do RESP 650.373
A LIBERDADE ASSOCIATIVA
E O SEU CONTEÚDO DISCRIMINATÓRIO
“Podemos afirmar que vivemos, desde 1988, uma democracia e essa repre-
senta uma forma de liberdade consagrada” (CAMPANHA, 2012, p. 9034). No
entanto, hodiernamente a realidade vivenciada possui nuances que repercutem no
próprio reconhecimento concebível de liberdade, democracia, modernidade, e/ou
democracia moderna. É importante destacar que ao tratarmos da questão parti-
mos de um contexto específico, não formatado de maneira unívoca e invariante.4
Destaca Peter Haberle a liberdade associativa como “un elemento irrenun-
ciable de la democracia pluralista” (HABERLE, 1998, p. 79). Trata-se, à luz do
autor alemão, de direito inerente à expressão de um regime democrático que
reconhece a importância da manutenção e incentivo da diversidade cultural e
política. A impropriedade das diretrizes norteadoras dessa liberdade atenta, por-
tanto, contra a própria concepção de democracia invocada à realidade brasileira.
Qualquer circunstância que ofereça risco a estabilidade democrática exi-
ge um enfrentamento científico criterioso e preciso. Com a questão retratada
não é diferente. Deve a liberdade ser exercida de tal maneira que atenda aos
fundamentos justificadores da sua tutela diferenciada, conforme a espécie de
liberdade em tela. No caso da liberdade associativa, o conteúdo discriminatório
não pode ultrapassar os limites que a integra, sob o risco de constituir ofensa
aos próprios fundamentos que justificam a sua existência.
Sustenta Leandro Martins Zanitelli que a interpretação de limites “deve
considerar a importância da liberdade [...] bem como o seu potencial discri-
minatório”. Assevera que ”as associações frequentemente pressupõem alguma
afinidade entre seus membros, o que as torna discriminatórias, inacessíveis
a pessoas às quais falte certa característica, posição ou gosto” (ZANITELLI,
2008, p.154), mas que o não pressupõe exigências incompatíveis com a finalida-
de ideológica incutida na organização.
4 A “instituição permanente” da democracia é fruto de um substrato básico da cidadania extraído das con-
dições de modernidade, desenvolvidas no rastro expansionista do capitalismo (MOREIRA, 2010, p. 26).
Dessa forma, conforme destaca Miguel Carbonell, por meio das associa-
ções poderá se conceber às pessoas “un elemento importante a su convivencia
y pueden expandir su horizonte vital, participando con otras personas en la
consecución de ciertos fines”. A participação associativa, dentro de um contex-
to democrático realizável, incrementa nos cidadãos um sentimento cívico, na
medida em que possibilita a participação nas decisões mais importantes da sua
comunidade (CARBONELL, 2010, p.14).
Assevera o autor que todo ato fundador “de um grupo, que se representa
ideologicamente, é político em sua essência” (RICOEUR, 1990, p. 72). No caso
da TFP não foi diferente. Portanto, querer perpetuar uma cláusula de cunho
meramente político, sob o argumento de preservação ideológica, conformada
com uma legítima manifestação do potencial discriminatório da liberdade as-
sociativa, não se coaduna, segundo a ótica trabalhada, com a realidade jurídica
hodierna vivenciada/praticada/concebida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A constituição como “expressão imediata dos valores jurídicos básicos
acolhidos ou dominantes na comunidade política” (MIRANDA, 2002, p. 352)
traduz o reconhecimento dos anseios prevalecentes, ou triunfantes, no ideário
geral da população. Não diferente podemos vislumbrar a mesma constatação
entre as liberdades constitucionalmente tuteladas no texto da Magna Carta
de 1988. Não foi ao acaso a previsão da garantia em múltiplas especificações.
A subordinação a uma forma de governo antidemocrática, vivenciada de 1964
até o período da constituinte (1987/88), com todas as suas práticas repressivas
e autoritárias, propiciou no Brasil um ambiente favorável ao desenvolvimento
do debate que impulsionaria gradativamente uma reação em cadeia em prol
da liberdade. A partir do sofrimento provocado pelo regime militar, o ideário
coletivo passou a vislumbrar cada vez mais a necessidade de se instituir uma
democracia em nosso meio. A pretensão transformadora pautava-se em valores
devidamente compartilhados além de um sentimento pulsante em comum. Tal
fenômeno promoveu a inserção de um vasto rol de liberdades no texto consti-
tucional de 1988, merecedoras de uma tutela diferenciada. Entre essas podemos
citar: a liberdade de consciência (art. 5º, VI); a liberdade de expressão (art. 5º,
IV e IX); a liberdade de locomoção (art. 5º, XV); a liberdade profissional (art. 5,
XIII, art. 170); a liberdade política (art. 17); a liberdade religiosa (art. 5º, VI); a
liberdade de cátedra (art. 206, II, art. 5º, IX); a liberdade jornalística (art. 220,
§1º); a liberdade artística (art. 220, §2º, art. 5º, IX); a liberdade de reunião (art.
5, XVI); e a liberdade de associação (art. 5º, XVII).
Concentrou-se o objeto de estudo na última espécie apontada, definida
como liberdade de associação, especificamente no aspecto da autonomia de
organização e funcionamento das associações. Buscou, portanto, a aludida pro-
posta, identificar até que ponto o exercício dessa autonomia pode ser praticado
sem revelar-se indevidamente discriminatório. Para o enfrentamento da temá-
tica, foi tomada por base a análise do julgamento do Resp. 650.373 em que se
discutiu a liberdade de estipulação estatutária da Sociedade Brasileira de Defesa
da Tradição, Família e Propriedade, também chamada de TFP, com relação às
cláusulas que asseguravam a exclusividade de composição dos cargos de lide-
rança da entidade, e o direito de voto, aos membros fundadores.
Entenderam majoritariamente os ministros do Superior Tribunal de Jus-
tiça que de fato não deveria perdurar a referida determinação por não com-
preender liberalidade própria da garantia em tela, dentro do contexto traçado.
Os critérios adotados para a composição da decisão se deram à luz da reflexão
filosófica de Paul Ricoeur, com ênfase nas funções da(s) ideologia(s).
Revela-se a questão ideológica um fator significativo na construção dos ar-
gumentos integrados a lide. Ambos os polos litigantes suscitaram a relevância do
teor ideológico na postura adotada. A associação em tela é reconhecidamente um
símbolo histórico do pensamento conservador no Brasil. Não há como desconsi-
derar o conteúdo aludido na definição das regras que irão ditar as suas diretrizes
de organização e atuação. No entanto, os riscos de recair em discursos vazios de
critérios emancipatórios e voltados preponderantemente à autoridade da tradição
se mostram uma realidade usual, não restrito apenas ao caso retratado.
Conforme destaca Paul Ricoeur,
REFERÊNCIAS
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Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
ConstituicaoCompilado.htm>. Acesso em: 18 out. de 2012.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 650.373 (2004/0031470-2). Dis-
ponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSe
q=1002434&sReg=200400314702&sData=20120425&formato=PDF>. Aces-
so em: 18 out. 2012.
CAMPANHA, Breno Maifrede. As liberdades constitucionais à luz da teoria
pettiana do controle discursivo. In: ENCONTRO NACIONAL DO CONPE-
DI: Sistema Jurídico e Direitos Fundamentais Individuais e Coletivos, IX., 2012,
Uberlândia. Anais... Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012. p. 9015-9036.
CARBONELL, Miguel. La libertad de asociación en el constitucionalismo de
América latina. Direitos Fundamentais & Justiça, Porto Alegre, n. 12, p. 13-
24, jul./set. 2010.
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos.
São Paulo: Saraiva, 1999.
GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político mo-
derno. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
HABERLE, Peter. Libertad, igualdad, fraternidad: 1789 como historia, actua-
lidad y futuro del Estado constitucional. Madrid: Trotta, 1998.
INTRODUÇÃO
Buscou-se, com o presente artigo, analisar a possibilidade de a Adminis-
tração Pública utilizar a técnica da interpretação conforme a Constituição no
contexto do vigente Estado Democrático de Direito. Para tanto, partiu-se de
1 Artigo desenvolvido junto ao Grupo de Pesquisa de “Efetivação de Direitos Fundamentais pelo Esta-
do”, da Faculdade de Direito de Vitória (FDV), sob a coordenação da Professora Carolina Bonadiman
Esteves e do Professor Samuel Meira Brasil Júnior.
2 Doutorando em Direitos e Garantias Fundamentais pela FDV. Mestre em Direitos e Garantias Funda-
mentais pela FDV. Membro do Grupo de Pesquisa “Efetivação de Direitos Fundamentais pelo Estado”,
vinculado à FDV. Professor da FDV. Advogado.
3 Doutora e Mestra em Direito Processual pela USP. Procuradora do Estado do Espírito Santo. Líder do Grupo
de Pesquisa “Efetivação de Direitos Fundamentais pelo Estado”, vinculado à FDV. Professora da FDV.
4 Doutor e Mestre em Direito Processual pela USP. Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado
do Espírito Santo. Líder do Grupo de Pesquisa “Efetivação de Direitos Fundamentais pelo Estado”,
vinculado à FDV. Professor da FDV.
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A aplicação da técnica de interpretação
conforme a Constituição pela administração pública
decisão interpretativa não é necessariamente errado, podendo ser considerada uma saudável ino-
vação da parte da jurisdição constitucional brasileira. Todavia, quando aplicada à Administração
Pública, vemos sérias dificuldades teóricas em admitir que o Executivo se utilize de algumas técnicas
interpretativas contidas no amplíssimo conceito de decisões interpretativas, como a decisão substi-
tutiva, em que um critério estabelecido pelo Legislador é substituído por outro. Vide, sobre o tema, a
classificação de Revorio, que diferencia as decisões interpretativas de constitucionalidade daquelas
de inconstitucionalidade (na qual insere as espécies de decisões redutoras, aditivas e substitutivas).
(REVORIO, Francisco Javier Díaz. Las sentencias interpretativas del tribunal constitucional.
Valladolid: Editorial Lex Nova, 2001, pp. 136-158)
9 Muito embora se possa perquirir doutrinariamente acerca da possibilidade do controle de constitu-
cionalidade das leis pela Administração Pública, a questão apresenta algumas dificuldades teóricas
decorrente da repartição de competências plasmada no texto constitucional. Alguns pontos rele-
vantes que tal questão provoca são os seguintes: a) inexistência de previsão expressa de controle a
posteriori pelo Executivo, limitando-se a Constituição a prever o controle prévio, mediante o instituto
do veto; b) previsão expressa de legitimação dos Chefes do Executivo Estadual e Federal para provocar
o controle abstrato de constitucionalidade; c) inexistência de imparcialidade como critério orientador
da Administração Pública, que por vezes se pauta em uma concepção unilateral de “interesse públi-
co”; d) possibilidade de utilização de instrumentos de controle concreto de constitucionalidade com
efeitoerga omnes equivalente às ações diretas, como a ação popular e a ação civil pública, nas quais é
admissível o afastamento da norma inconstitucional mediante declaração incidental; e) dificuldades
de compatibilização de tal tese com o Estado Democrático de Direito, no qual se preza pela preserva-
ção de direitos fundamentais e por uma legitimação substancial do Poder Público; f) inexistência de
justificativa que impeça o cidadão comum de realizar o controle de constitucionalidade das leis, caso
admitida tal possibilidade à Administração Pública.
10 Contrário ao uso da interpretação conforme pela Administração, mas utilizando argumentos de con-
trariedade ao controle de constitucionalidade pelo Executivo, Cf. LAURENTIIS, Lucas Catib de. Inter-
pretação conforme a Constituição: conceito, técnicas e efeitos. São Paulo: Malheiros, 2012, 153-160.
11 SOUZA NETO, Claudio Pereira. Constitucionalismo Democrático e Governo das Razões. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 7.
12 ROTHENBURG, Walter Claudius. Omissão inconstitucional e troca de sujeito. In: TAVARES, An-
dré Ramos (Coord.). Justiça Constitucional: pressupostos teóricos e análises concretas. Belo Hori-
zonte: Fórum, 2007, pp. 301-317.
CONCLUSÕES
Com base no quanto exposto, verifica-se que a interpretação conforme a
Constituição pode servir como importante instrumento de concretização de
direitos fundamentais pela Administração Pública, independentemente de pro-
13 “Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: (...) II - outorga de isenção”.
REFERÊNCIAS
CARBONELL, Miguel. (coord.) Neoconstitucionalismo(s). 4. Ed. Madrid:
Editorial Trotta, 2009.
COLNAGO, Cláudio de Oliveira Santos. Interpretação conforme a Cons-
tituição: decisões interpretativas em sede de controle de constitucionalidade.
São Paulo: Método, 2007.
LAURENTIIS, Lucas Catib de. Interpretação conforme a Constituição: con-
ceito, técnicas e efeitos. São Paulo: Malheiros, 2012.
REVORIO, Francisco Javier Díaz. Las sentencias interpretativas del tribunal
constitucional. Valladolid: Editorial Lex Nova, 2001.
ROTHENBURG, Walter Claudius. Omissão inconstitucional e troca de sujei-
to. In: TAVARES, André Ramos (Coord.). Justiça Constitucional: pressupos-
tos teóricos e análises concretas. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
SOUZA NETO, Claudio Pereira. Constitucionalismo Democrático e Gover-
no das Razões. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.